Aprendizagens Da Viagem

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Aprendizagens da viagem ou sete notas sobre o acontecimento chamado "Foucault"promovido pela Profª Marlucy Paraíso na disciplina "O Sujeito da Educação II:identidade, subjetividade e modos de subjetivação"

Não é minha intensão defender aqui nenhuma tese sobre Foucault, nem tampouco, Deleuze.Gostaria apenas de delinear uma preocupação com meu próprio aprendizado, gostaria deesboçar algumas lições para mim mesma em relação ao atual momento em que estou vivendo,onde cada vez mais a minha escrita insiste em escapar, buscando caminhar na direção do meudesejo, como numa espécie de linha de fuga, uma escrita à deriva. Passo, então, a fotografar,sem qualquer pretensão analítica, fragmentos das aulas que mais me afetaram. Escolho destemodo o traçado de uma escritura nômade, descomprometida e flanêur, mesmo correndo o riscode parecer um tanto quanto (des)pretensiosa.

Um flanêur é um andarilho (walker, wanderer) calmo, sem rumo fixo, sua consciência estádisponível para receber fragmentos da realidade, é alguém que olha, vê, entende, mas, nãoexplica, anda na borda, no limiar, um residente do intervalo, um ser anônimo, um detetive da

vida urbana, um poeta errante, é alguém que ousa sair, quer dizer, que viaja, sai, vive eexperimenta como fizeram os poetas Baudelaire, Rimbaud e Mallarmè. Se a literatura nos dápistas destes poetas-andarilhos ou portadores de uma escrita marcada por uma poéticageográfica como a de Proust, a contemporaneidade nos apresenta o flaneur eletrônico e/oucibernético, uma espécie de flanêur-voyeur, sua janela é a tela do seu computador, tablet oucelular, viaja sentado, deitado ou em pé, e não precisa sair da casa, trabalho ou escola. Mas, oque significa assumir uma atitude, uma postura ou mesmo uma escrita flaneurista? Para mimsignifica assumir um olhar-poeta, uma escrita (im)pertinente e, talvez quem sabe, traços deuma filosofia da diferença, de uma filosofia-nômade, uma escrita herdeira de um "Deleuze leitorde Foucault".

E se não há uma outra razão por traz desta razão de aprendiz apresento agora os Rastros ou

Diário? Seriam Fotografias? Ou Cartografias? das aulas da Profª Marlucy, no formato de setenotas bastante livres. É importante ressaltar que essas aulas foram para mim umacontecimento deleuziano, quer dizer, um acontecimento em si, acontecimento puro, oacontecimento em sua virtualidade; e para fazer jus a este (re)encontro com a Profª Marlucyentro no jogo simbólico instaurado pela professora e utilizo o signo "viagem" que ela mesmapropõe em seu Plano de Ensino com seus Pontos de Chegada e de Partida, Rota,Deslocamentos, Territórios, Mapas, Bagagens e outros referentes.

Nota 1- Queime depois de ler! O pirotécnico e seus amigos: Blanchot e Deleuze

"Eu gostaria que os meus livros fossem como bisturis, coquetéis molotov ou minas, e que se

carbonizassem depois do uso, quais fogos de artifício". (Foucault, 1994)

Antes de iniciarmos a viagem propriamente dita, a professora apresenta-nos o itineráriochamado Foucault! E a gente vai percebendo que esta pode não ser exatamente uma viagemtranqüila. Encontrar Foucault e ainda, utilizar de suas "caixas de ferramentas", implica, sechocar com o poder, com situações-limite, com a vida dos homens infames. Os perigos destaviagem, envolvem, também, outros perigos como os das apropriações indevidas. Sair pelo

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mundo "aplicando" Foucault em todas as direções onde se imagina estar sendo "vigiado epunido", quer dizer, analisar os discursos para transformá-los numa "história do referente" é acoisa mais anti-foucaultiana que alguém poderia fazer. Mesmo, porque, Foucault sempreescapa, se esquiva... Difícil até para os próprios amigos segui-lo.

Nesta altura da viagem encontramos dois deles: Blanchot e Deleuze. "Por que Foucault nãoesta(va) aqui?" Apesar do primeiro nunca tê-lo visto pessoalmente e lamentando esse fato emseu livro "Foucault como imagino", é o próprio Foucault que responde "não, não, eu não estouonde você me espreita, mas aqui de onde o observo rindo". Já Deleuze dizia que Foucault"suscitava medo, isto é, só com sua existência impedia a imprudência dos imbecís". Destetrecho da viagem levo comigo a ideia de que "arquivo" em Foucault anuncia que em cadapresente, em cada atualidade, somos tomados por uma intersecção na qual aquilo que

 julgamos saber ou somos coexiste com aquilo que estamos nos tornando, mas, ainda nãosabemos o que é. Dai pensar que a sua "genealogia" se oferece como uma tática que fazintervir, a partir das discursividades, "saberes desassujeitados".

"Minha maneira de não ser mais o mesmo é, por definição, a parte mais singular do que sou" .

Foucault, uma ficção!? Uma gargalhada no além!? Foucalt-objeto-de-estudos; tornado um"efeito de discursos" se desfaz enquanto indivíduo para refazer-se em outros que não elemesmo! Aqui faz sentido a idéia da repetição e da diferença de Deleuze. A disseminação deuma série de Foulcalts imaginados, inventados, metamorfoseados nas variações de matizes daescola francesa à escola americana. De santo a demo. De poeta a louco. De arquivista asadomasoquista! De Eribon a Miller. Nem um, nem outro! Todos! A diferença na repetição!Foulcalt, um devir... Um acontecimento...

Nota 2 - 'Um drink no inferno' ou de quando nossa rota se choca com o poder

Pelbart afirma que "o poder tomou de assalto a vida, isto é, o poder penetrou todas as esferas

da existência, as mobilizou e colocou para trabalhar em proveito próprio. Desde os gens, ocorpo, a afetividade, o psiquismo até a inteligência, a imaginação, a criatividade. Tudo isso foiviolado e invadido, mobilizado e colonizado, quando não diretamente expropriado pelospoderes". Dizem que Foucault foi um obcecado pelo poder, mas, o próprio Foucault vai afirmarque foi sempre o sujeito que lhe interessou. As vezes é preciso demorar-se nos vestígios paraaprender...

Nota 3 - Estação Pierre Rivierè: o que aprender com o horror da 'escrita-assassinato' doshomens infames?

Este é um momento impactante da nossa viagem. Uma estação chamada Pierre Rivierè. Dacapa do livro às explicações da professora há silêncios que irrompem das páginas, do material

da aula... Paro, aturdida e completamente rendida. A escrita de Rivierè provoca umdeslocamento, um estranhamento, faz pulsar o silêncio daquilo que não pode ser dito. Do ato-assassinato ao ato-narrativa. O fato de escrever o que escreve e como escreve é fonte de umdesconcerto. Diante da escrita não é possível mais silenciar. É hora de dizer o indizível! Aescrita como arma! À ciência, a clínica, não resta outra saída senão a exclusão da angústia, ouseja, do que lhe soa estranho! Mas, a arte, a literatura, ao contrário, toma a angústia como fiode sua contextura. Para ser ouvido é preciso que ele mate! "Querem monstros, eis-los aqui!"Como diz Foucault: "Rivierè veio colocar seu gesto e sua palavra num lugar bem determinado

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dentro de um certo tipo de discurso, e sobre um certo campo do saber", numa vontadeincansável de existir e de se fazer ouvir. Uma escrita que revoluciona uma forma de inscrição."Eu, Pierre Rivierè" é um texto em que o dentro é parte e, ao mesmo tempo, briga com o fora!

Nota 4 - Encontros da viagem que transformam: a dobra, subjetivação, o fora

"Um pouco de possível senão eu sufoco".

Foi a parte da viagem que me encantou; a Profª explicou que a subjetivação tratava do terceiroeixo da obra de Foucault, sendo que, os dois outros eixos seriam, respectivamente, o do sabere do poder. A subjetivação é, portanto, o estudo dos modos pelos quais os indivíduos sãolevados a se reconhecerem como sujeitos. Deleuze afirmou que "Foucault descobriu o impasseem que o próprio poder nos colocou e que só haveria saída se "o de fora" fosse apanhado no"movimento de um desvio". Assim, ganha relevo nos estudos de Foucault "as Técnicas de Si"ou "Estética da Existência", quer dizer, determinadas práticas reflexivas em que são possíveisas transformações, portadoras de certos valores estéticos e de estilo. Deleuze chamou essaexperiência-acontecimento, de "Devir", um espaço-tempo em que é possível "redobrar-se" e

"desdobrar-se", brincar/jogar com "as dobras" do poder!Nota 5- Intervalo, respiro e breves deslocamentos -Uma pequena pausa para contar sobre a minha relação com a arte (conexões entre aarte, o espaço e a educação)

A procura de uma palavra, um movimento, um outro tempo, uma imagem. A procura do outro,de si. Entrar na linguagem como possível, esboçar um deslocamento, movimentar pensamento,corpo. Tentar um contato vivo, um suspiro que mude o estado do ar. O desejo de estar junto,sozinho, de se procurar em outro, de se perder, de romper, de não se aprisionar em si, nosmove ao encontro com a arte.

E o que é a arte senão isso? Essa captação de forças? Foi o que aconteceu conosco em2012/2013 durante o período em que supervisionei um total de 10 bolsistas do PIBIB10,estudantes de Arte da Guignard/UEMG. Durante esse período criamos um ateliê na EscolaMunicipal Florestan Fernandes e desenvolvemos um projeto de arte itinerante. Na escola nossoespaço artístico foi (de)marcado por delimitações territoriais assinaladas nas paredes, no chão,nas árvores, nas grades, por inscrições que estabeleciam fronteiras. Tais fronteiras, apesar deterem existência física efêmera, possuíam um valor simbólico baseado no (re)conhecimentoque lhes conferia certa legitimidade.

O signo do Deslocamento foi o outro eixo das nossas produções, discursos e estudos. Aquestão (des)norteadora foi: o que acontece quando eu ando? O que o corpo experimentaenquanto transita? Tais questões nos deslocaram geográfica, filosófica, poética e

pedagogicamente!

Eu nem sabia, mas, já experimentávamos um currículo-nômade e heterotópico. Produzíamosuma aprendizagem ligada à invenção, em que o criar adquiria forças ao ser potencializado. AArte nos permitia explorar infinitas possibilidades do aprender. Agora, passado o tempo doprojeto, me questiono, e a aprendizagem onde ficou? O que passou pelo corpo dosaprendizes? Pelo corpo das bolsistas? Pelo corpo dos monitores? Pelo corpo das professorasenvolvidas? Pelo meu corpo? A nossa potência de agir teria sido aumentada? Naquela época

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Spinoza não tinha feito casa em mim, ainda! Mas, éramos habitados por Frida Kahlo, ArthurBispo do Rosário, Manuel de Barros, Nino Cais, entre outros/as hóspedes e devires.

Nota 6- Passos que nós constroem, viagens que nos transformam, artistagens que nosdeslocam: cartografias de um currículo em movimento.

"Por que um currículo não é somente mais um pensamento, mas a ética desejante de vivercom o caos e seus devires" . (Corazza, 2012)

Esta viagem potencializou em mim o desejo de inventar problemas que discutam os fluxos econexões entre Cidade, arte, educação, deriva e modos de subjetivação. É possível fabricar umcurrículo que se movimenta do que se movimenta, que sai, de si, da sala, da escola? Queinverte e subverte a função dos espaços? Que inventa outros espaços possíveis? Quepotencializa a inventividade? É possível pensar a aprendizagem fora do espaço escolar, comoparte de um movimento curricular, sem deixar de ser "escolar"? Como seria esse currículo? Umcurrículo-nômade? Um currículo à deriva? Um currículo heterotópico? Um currículo onde osdevires produzem a(s) diferença(s)?

De acordo com Foucault “a época atual seria talvez de preferência a época do espaço. […]Estamos em um momento em que o mundo se experimenta, acredito, menos como umagrande via que se desenvolveria através dos tempos do que como uma rede que religa pontose que entrecruza sua trama”.

Nota 7- Fim da "viagem" ou Início de outras?

Eu raramente ouço falar "vai recomeçar". Eu escuto justamente o contrário: "acabou". Mas seráque está "viagem" acaba aqui?

Quais as possibilidades de uma pesquisa-poética sobre Arte, Espaço e Currículo? O que podeuma pesquisa ao fabricar conexões entre Currículo, Espaço, Arte e Movimento? Quais aspotencialidades de uma cartografia poética de espaços não escolares (as ruas, praças, becos,quebradas) que se deixam tocar pelo escolar? Que contaminações podemos experimentar naconfusão destas fronteiras? Que aventuras podemos experimentar ao desterritorializar essesespaços? O futuro é geográfico, nos convida Deleuze! E, a educação, aceitará esse convitegeo-filosófico?

Que devires pode provocar uma pesquisa-experiência que tome "o mapa" não apenas comouma ferramenta de reflexão, mas, de mobilização, de exploração e descoberta criativa denovas realidades? Quais as potencialidades de uma pesquisa que experimente "fabricar","cartografar" com as crianças mapas subjetivos e poéticos, que interfiram em seus territórios,

que ajudem a inscrever novas subjetividades?

O renomado biólogo Jakob von Uexküll afirmava que os animais "mapeiam" seu ambiente,traçam as linhas habituais de discernir áreas de habitat, abrigo, caça, reserva alimentar ereprodução. Seres, pessoas e coisas "são como mapas" de distribuição de múltiplas conexões,trajetórias não predeterminadas e não concluídas, e sempre, encontros fortuitos "num plano deimanência".

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Uma pesquisa cartográfica que tome como um eixo possível a dimensão intensiva do espaço.É neste sentido que Deleuze escreveu "há muitos futuros lá", eles são "viagens deintensidade".

E para terminar. Justo agora?! Tem mesmo que acabar?! Só posso agradecer a Marlucy por ternos apresentado conceitos que nos "transformam", nos "potencializam". Por ter preparado essaviagem com carinho, por ter nos convidado, construído amorosamente esse itinerário e nosconduzido por esse "território" geo-filosófico chamado: Foucault.

Finalizo com um trecho de um poema:

Devir diz repeito a desfazer.Escapar dos excessos. Das finalidades. Da objetivação.Esfacelar as exigências do sistema de produção.Resistir, transpassar, refratar.

Há potência da suspensão de sentido.

Uma vontade muito grande de acolhê-la.Acolher essa potência, esvaziar o mundo.Aceitar e respeitar seus buracos.As fendas, as lacunas.

Provocar curto-circuitos. Desvios. Errâncias.Vagar por linhas erráticas, linhas de fuga.Rastrear o campo. Suspender o tempo.Silenciar.

Palavras "roubadas" de Peter Pál Pelbart. Que também "roubou" de Fernand Deligny. Que"roubou" de quem não precisava delas para existir, suas crianças autistas.

Referências Bibliográficas

BLANCHOT, M. Foucault como imagino . Lisboa: Relógio D'Água, 1987.DELEUZE, G. Foucault . São Paulo: Brasiliense, 1988.ERIBON, D. Michel Foucault e seus contemporâneos . Rio de Janeiro: Zahar, 1996.CORAZZA, S. O drama do currículo: pesquisa e vitalismo de criação . In ANPED SUL. 2012a. Disponívelem: www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/view/128/786.FOUCALT, M. História da sexualidade II — o uso dos prazeres . Rio de Janeiro: Graal, 1994.  .Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão... – um caso de

parricídio do século XIX, apresentado por Michel Foucault . Rio de Janeiro: Graal, 1977.

MUNIZ, A. J. Cartografias de Foucault . Belo Horizonte: Autêntica, 2008.PARAÍSO, M. A. O currículo entre formas e forças: diferença, devir-artista da contadora de filmes epossibilidades de alegrias em um currículo. FAVACHO, A. M. Currículo, conhecimento e avaliação:divergências e tensões. Curitiba: CRV, 2013.PELBART. P. P. Por uma arte de instaurar modos de existência que "não existem" . In: Mayo, N. EBeltran, E. 31ª Bienal de São Paulo - Como (...) coisas que não existem. Disponível em: issuu.com/ bienal/docs/31_livro_pt?e=2165059/10403580.

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