Apresentaçã temporal

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Tinha que ser daquele jeito

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Tinha que ser daquele jeito

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Renato Cardoso

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Estávamos fazendo uma das práticas que mais apreciávamos: andar a cavalo.

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A princípio relutamos um pouco, tendo em vista o tempo que se mostrava mais para temporal emergente do que para sol para

brigadeiro navegar.

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Mas a vontade de curtir momentos como tantos outros vividos anteriormente era tão grande, que ignoramos tudo e fomos em

frente.

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Fizemos tudo como se recomenda. Aquecemos os animais com passos lentos, enquanto concluíamos um assunto iniciado na noite

anterior.

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Aliás a noite anterior já tinha sido o início de um belo final de semana, pois tínhamos dormido na sede da fazenda e a chuva suave que caiu, serviu para que entrássemos em sono profundo, depois de

muitas trocas de carinho.

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Estávamos prontos para uma longa cavalgada até o que restou de uma colônia de empregados, de tempos em que meus avós viviam do plantio do café e, para tanto, precisavam de muitos empregados

na fazenda.

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Eu particularmente gostava muito daquele local, pois além de me ver obrigado a percorrer uma linda estrada com muito verde até chegar

ao meu destino, ainda, de sobra, podia manter contato com um pouco daquilo que fez parte da vida de meus antepassados.

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Nosso hábito era quase que um ritual: chegávamos, “apeávamos” dos cavalos, deixávamos os animais a pastar em um pequeno

piquete frente às casas e sentávamos sob uma linda árvore ainda intacta, apesar dos seus mais de duzentos anos de existência.

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Sei não, mas naquela manhã algo me dizia que algo muito estranho estaria por acontecer.

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Umas nuvens negras, um vento vindo do norte (o que não era normal), um assovio do vento mais forte do que aquele que gostávamos, e que já tínhamos apelidado de “mensagem do

silêncio”.

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Meio atentos à nossa conversa, meio atentos ao que de diferente acontecia, já estávamos ali por mais de duas horas, quando

começaram a cair os pequenos pingos da chuva.

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Leves a princípio e aumentando à cada minuto até tornar-se de fato um temporal com raios e trovões que chegaram a nos assustar.

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Corremos para termos proteção até uma das pequenas casas da antiga colônia.

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Com seu telhado em desacordo, pelo tempo de abandono, muito da água que caia, vinha até nós e ficamos completamente molhados.

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Os cavalos relinchavam de forma diferente, mostrando um medo incomum, pois o temporal já persistia por mais de uma hora e na

mesma intensidade.

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No auge de nossa preocupação (e por que não medo?), aquele algo de muito estranho previsto, aconteceu.

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Alguém da casa ao lado falou em alto e bom som: “precisam de alguma coisa? Tenho aqui uns cobertores que podem ajudar.” (Nunca tivemos informações de que alguém morava naquela

pequena casa).

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Ainda com mais medo, mas a única alternativa era responder positivamente.

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E eis que surge completamente molhado, um velho de barbas muito grisalhas e com roupas muito simples, trazendo dois cobertores

protegidos por sacos de plástico (aqueles que entregam em supermercados).

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- “Trouxe também um bebida quente, que seu avô sempre tomava quando vinha por esses lados a acompanhar a plantação de milho,

que tínhamos anualmente em forma de parceria (meeiro). ”

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- “Mas, quem é o senhor afinal, de quem nunca tivemos notícia da existência e de quem nunca alguém falou por essas bandas?”

Retruquei ao humilde senhor.

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- “Sou na verdade seu tio indireto, de quem você nunca teria conhecimento, não fosse esse momento de necessidade. Sou filho de

seu avô com a empregada da família (Dona Zica).

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Fiquei por aqui meio às escondidas, por ordem do “patrão” e para não comprometer a família”. Respondeu-me o senhor.

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- “Mas fiquem tranqüilos, continuarei por aqui, seu pai me dá um dinheirinho todos os meses para algumas compras e ainda posso

usar dois alqueires para plantar minha horta, meu pomar e até criar minhas galinhas.

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Sabia que um dia viria a conhecer meu único sobrinho, a quem tive em meus braços apenas por uns momentos, quando casualmente

encontrei-me com seu pai, no mercado.

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Ficava observando a alegria de vocês dois sempre que vinham descansar sob a sombra da figueira. A alegria e a forma como vocês conversavam, me faziam lembrar das conversas que tinha com meu

pai (seu avô), por muitas vezes.

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Procurei cumprir o que havia prometido e jamais pretendi ser um motivo de discórdia em sua família.

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O que mais poderia querer em minha vida além desse pequeno pedaço de terra, uma casa para meu abrigo e uns suprimentos pagos

por seu pai?”

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E fica aqui meu pedido: não modifiquem as coisas. Continuemos assim. Venham me visitar sempre que puderem.

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Mas façam-no em silêncio e aqui sempre terão um café quente a esperá-los.

A você, meu sobrinho, e também à sua jovem e bela esposa”.

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Fiquei quieto por uns instantes, refleti sobre aquela situação acoberta por tantos anos e me decidi. Vou continuar o combinado e desfrutar

da amizade desse tio da melhor forma possível.

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E foi assim que passamos (eu e minha esposa) a dedicar mais tempo àquela cavalgada tão deliciosa e agora com uma recepção familiar no

local mais belo que pensava ser somente nosso (e era mais nosso que imaginava).

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Nosso passeio passou a ter um ingrediente de prazer a mais. Sempre levamos pães, torradas e outras guloseimas para saborear junto com o tio sob aquela significativa figueira. E com o café com leite que ele

prepara com carinho.

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A figueira, agora sim passou a ser ainda mais o símbolo da tradição da família. Sob sua sombra, quanto nos é dito pelo tio, quanto não é revelado. E como sabemos mais sobre meus avós, seus pais, o início

de tudo!

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Como sou afeito a coisas do antigamente, aquele tio do coração passou a ser o livro de família que não encontraria em qualquer

livraria.

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E pude entender o porque do meu avô sempre dizer que ao lado daquela antiga colônia tinha uma figueira, de mais de duzentos anos,

e que um dia seria um de meus portos seguros.

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Como de fato passou a sê-lo. Meu tio passa horas contando coisas que nunca imaginava que tivesse acontecido, fala de minha mãe, de

quem pouco sei, pois morreu quando eu ainda era muito criança.

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E fala do amor que meu avô e Dona Zica (sua mãe) tinham um pelo outro, porém proibido naqueles tempos.

Uma daquelas casas era o reduto dos encontros.

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Meu tio também conta de como foram seus dias naquele local. Fala de um amor que teve, mas que cedo foi-se embora. Que é muito feliz

com aquela sua vida. Que é nas coisas simples que adquire sua sabedoria.

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Conta também dos seus sonhos e desejos. Adora o silêncio do local e, como eu, escuta o assovio do vento, sempre querendo dizer alguma

coisa.

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E agora somos mais felizes, uns com os outros. Às vezes ele nos prepara alguma surpresa e faz com que nossos encontros sejam

ainda mais completos.

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E temos uma certeza absoluta. Esse tio passou a ser o meu elo com os meus antepassados. Ele me faz lembrar o valor que os índios

adultos têm nas aldeias: “eles trazem consigo a história.”

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Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência

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Texto e apresentação por Renato Cardoso

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