ARAUJO, Valeria_Política Nacional para A população em situação de rua

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - DPP CURSO DE GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VALÉRIA DE FÁTIMA CHAVES ARAUJO POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: BREVE ANÁLISE NATAL - RN 2012

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA

    DEPARTAMENTO DE POLTICAS PBLICAS - DPP

    CURSO DE GESTO DE POLTICAS PBLICAS

    VALRIA DE FTIMA CHAVES ARAUJO

    POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA:

    BREVE ANLISE

    NATAL - RN

    2012

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA

    DEPARTAMENTO DE POLTICAS PBLICAS - DPP

    CURSO DE GESTO DE POLTICAS PBLICAS

    VALRIA DE FTIMA CHAVES ARAUJO

    POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA:

    BREVE ANLISE

    NATAL - RN

    2012

  • VALRIA DE FTIMA CHAVES ARAUJO

    POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA:

    BREVE ANLISE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso

    de Gesto de Polticas Pblicas, da Universidade Federal

    do Rio Grande do Norte, como requisito obteno do

    ttulo de Bacharel, sob a orientao da Prof. Dr. Joana

    Tereza Vaz de Moura.

    NATAL - RN

    2012

  • VALRIA DE FTIMA CHAVES ARAJO

    POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA:

    BREVE ANLISE

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Gesto de Polticas Pblicas, da

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito obteno do ttulo de

    Bacharel.

    Monografia aprovada em 06 de julho de 2012.

    Banca Examinadora

    __________________________________________________________

    Prof. Dr. Joana Tereza Vaz de Moura (Orientadora) (UFRN)

    __________________________________________________________

    Prof. Ms. Terezinha Cabral de Albuquerque Neta (UFRN) Argidora

    NATAL RN 2012

  • O cmulo da pobreza poltica esperar a soluo da

    pobreza do prprio algoz, que considera seu heri. A

    pobreza poltica destri a noo de sujeito, para

    manter a pessoa como objeto. No pode, assim, fazer

    histria prpria. Pendura-se na histria do outro e

    permanece penduricalho. Contenta-se com as sobras,

    porque aceita-se como sobra.

    Pedro Demo

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiro e sempre a Deus, por todas as bnos que me d mesmo as que eu, na

    minha infinita ignorncia, no consigo enxergar.

    A minha me, Alice, cuja falta insupervel e a certeza do reencontro a fora motriz da

    minha vida.

    A Plcido, meu presente mais precioso de Deus, meu companheiro de todas as horas. Sem

    voc, nada seria possvel. Quando caminho no escuro por voc que procuro...

    Aos meus pais Edvaldo e Clia, irmos Camille e Csar, sobrinhas Alice, Letcia e Camilla,

    sobrinhos Edvaldo Neto e Andr Luis e Emily, sobrinha do corao, pelo amor que me ajuda

    a seguir pela vida. As minhas tias e tios pelo apoio carinhoso.

    A minha irm Valquria pelo exemplo de pacincia, fora, coragem e resignao frente s

    adversidades.

    A minha orientadora Joana Tereza Vaz de Moura pelo apoio e incentivo na composio desse

    trabalho.

    Aos meus amigos do fundo, Bianca Carvalho, Danielle Feitoza, Mayara Katyanne, Patrcia

    Cmara e Wxlley Barreto, irmos que a vida me trouxe e que eu trago no corao com

    carinho.

    A todos os professores que passaram pela minha vida durante esse curso e que me abriram

    horizontes nunca antes imaginados.

    A toda a primeira turma do Curso de Gesto de Polticas Pblicas pela amizade,

    companheirismo e solidariedade nas dificuldades dessa jornada.

    A Micheline minha amiga mesmo quando difcil s-la e a Dr.Costa, por todas as vezes que

    me ajudou a seguir na vida acadmica.

  • RESUMO

    Esta monografia apresenta uma breve anlise sobre a Poltica Nacional Para a Populao em

    Situao de Rua, instituda pelo Decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009, tendo como pano

    de fundo a sua aplicao na sociedade contempornea, a qual produz diariamente pessoas cuja

    perspectiva de mudana social bastante reduzida. Buscaremos primeiramente definir essa

    populao, identificando esse segmento to marginalizado na nossa sociedade, procurando

    confrontar a realidade de excluso social em que vive essa parcela da populao com o que

    foi estabelecido como meta de enfrentamento na Poltica Nacional. A partir da anlise dos

    princpios dessa poltica, tentaremos estabelecer de que maneira as Polticas Pblicas j

    existentes podem se integrar Poltica Nacional Para a Populao em Situao de Rua na

    tentativa de mudar as condies de vida desse segmento historicamente margem das

    prioridades dos poderes pblicos.

    Palavras-chave Populao em situao de rua. Sociedade contempornea. Excluso social.

    Polticas pblicas.

  • ABSTRACT

    This monograph presents a brief analysis of the National Policy on Population for the

    Homeless, established by Decree 7053 of 23 December 2009, having as a backdrop to its

    application in contemporary society, which produces people whose daily change perspective

    social is greatly reduced. Seek first define this population, identifying this segment so

    marginalized in our society, seeking to confront the reality of social exclusion who lives in

    this part of the population that was established with the goal of coping in National Policy.

    From the analysis of the principles of this policy, we will try to establish how public policies

    can already join the National Policy on Population for the Homeless in an attempt to change

    the conditions of life on the margins of this segment historically priorities of government.

    Keywords - the homeless population. Contemporary society. Social exclusion. Public

    policies.

  • SUMRIO

    1. INTRODUO.................................................................................................................................. 9

    2. A GLOBALIZAO...................................................................................................................... 11

    3. AS POLITICAS PBLICAS.......................................................................................................... 16

    4. A POPULAO EM SITUAO DE RUA................................................................................ 22

    4.1. CARACTERIZAO DA POPULAO EM SITUAAO DE RUA.........................................26

    5 - A POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA.................... 41

    6 A AGENDA MINIMA DE AES............................................................................................. 46

    7 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................................ 51

    REFERNCIAS .................................................................................................................................. 54

    PedroRealce

    PedroRealce

    PedroRealce

  • 9

    1 - INTRODUO

    A globalizao, fenmeno que se expandiu de forma acelerada nos ltimos anos, tem

    se mostrado cada vez mais um divisor de guas na sociedade, especialmente no que se refere

    s condies de vida dos indivduos. Aqueles que tm acesso mais fcil s novas tecnologias,

    s informaes e a uma educao mais voltada para o atual mercado de trabalho, tm mais

    condies de se colocar melhor nesse mercado e garantir condies de vida melhores do que

    aqueles que no tm essa facilidade de acesso.

    As denominadas Pessoas em Situao de Rua esto fora dos limites dessa globalizao

    na medida em que no possuem acesso nem as novas tecnologias, nem educao voltada

    para as necessidades atuais do mercado e seguem excludas, tambm, da globalizao. A

    mudana dessa realidade est sendo trabalhada atravs da criao de programas e projetos

    voltados para esse segmento da populao e, principalmente, atravs da Poltica Nacional para

    as Pessoas em Situao de Rua, que define objetivos, princpios e diretrizes para a formulao

    de polticas integradoras entre as Pessoas em Situao de Rua e os demais membros da

    sociedade.

    O objetivo dessa monografia fazer uma breve anlise sobre a Poltica Nacional para

    as Pessoas em Situao de Rua, buscando entender o que essa poltica e quem so as

    pessoas a quem ela se destina, a partir dos dados colhidos na Pesquisa Nacional Sobre a

    Populao em Situao de Rua. Buscaremos fazer uma avaliao sobre como essa pesquisa

    foi utilizada na elaborao da Poltica Nacional e como ela poderia se integrar a outras

    polticas para melhor atender ao seu publico alvo.

    Para isso, identificaremos inicialmente quem so as Pessoas em Situao de Rua,

    como elas foram descritas na Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua e

    como essa pesquisa foi utilizada para a formulao da Poltica Nacional para Incluso Social

    da Populao em Situao de Rua, tendo como objetivo perceber se a formulao de

    estratgias de atendimento a essa populao est de acordo com as diretrizes da Poltica

    Nacional, fazendo uma analogia sobre como essas polticas poderiam se integrar para cumprir

    seus objetivos de forma mais sistematizada e satisfatria.

    A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliogrfica acerca do assunto, tanto com

    relao Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua, quanto em relao Pesquisa

    Nacional sobre a Populao em Situao de Rua, assim como tambm sobre assuntos

    relacionados ao universo das pessoas em situao de rua, como trabalho, renda, habitao,

    caracterizao dessas pessoas e suas necessidades.

  • 10

    A necessidade de um estudo sobre a Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de

    Rua deve-se ao fato de que crescente o nmero de pessoas nessa situao e que precisam de

    uma ateno mais especifica no apenas do governo Federal, mas tambm dos governos

    estadual e municipal. A formulao e implantao de polticas pblicas voltadas para esse

    segmento de extrema importncia para diminuir os problemas sociais, de sade e de

    segurana sofridos por elas e tambm diminuir os problemas advindos da prpria situao e

    que afetam todo o resto da sociedade, especialmente no que se refere aos causados por

    usurios de lcool e outras drogas que esto nas ruas.

    Este artigo est dividido em trs partes. A primeira trata das Polticas Pblicas em si, o

    que so, para que servem e como devem ser formuladas para que haja uma integrao entre

    seus propsitos e as demandas sociais. A segunda parte trata da definio do que a situao

    de rua, quem so as pessoas que esto em situao de rua e de que forma elas foram

    identificadas a partir da Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua. Na

    terceira parte ser mostrada como foi formulada a Poltica Nacional para a Populao em

    Situao de Rua, quais so seus princpios e diretrizes e como se d sua integrao com outras

    polticas do governo.

  • 11

    2 A GLOBALIZAO

    luz do desenvolvimento econmico e social, a globalizao e o avano tecnolgico

    tm alcanado os principais objetivos a que se propem, que so a diminuio do

    desequilbrio econmico entre os pases e na melhoria das condies econmicas e de sade

    das sociedades. Porm, dentro desse mesmo contexto, pode-se observar que a globalizao e o

    avano tecnolgico tambm tm gerado conseqncias negativas, especialmente no que se

    refere reproduo de desigualdades sociais e na falta de garantias sociais para grande

    parcela da populao. A globalizao, segundo Giddens, [...] um processo de

    desenvolvimento desigual que tanto fragmenta quanto coordena. (GIDDENS, 1991,p.153) A

    inverso dos valores antes tradicionais no so anomalias, mas constituintes do pensamento

    globalizado e do processo econmico atual, sendo estes os principais fatores para a mudana

    observada nas caractersticas da sociedade ocidental. O aumento da industrializao e da

    mecanizao da produo tambm um fator importante para modificar a relao homem-

    trabalho. Em seu livro As Conseqncias da Modernidade, Gidddens afirma que:

    O impacto do industrialismo claramente no limitado esfera de produo, mas afeta muitos aspectos da vida cotidiana, bem como influencia o carter genrico da

    interao humana com o meio ambiente material. (GIDDENS, 1991, p.71)

    Esse impacto, que ultrapassa o limite das indstrias, acaba por influenciar nas relaes

    fora do ambiente de trabalho, j que a mecanizao industrial diminui a oferta de emprego e

    gera transtornos na economia local.

    O processo de migrao campo-cidade tambm se constitui num dos fatores de

    mudana nas classes sociais brasileiras a partir do momento em que insere numa sociedade j

    formada (a das cidades) uma populao que, sem condies de encontrar outro meio de

    sobrevivncia na sua regio que no o campo, migra em busca de outras oportunidades. A

    cidade, j cheia de desigualdades sociais, no os oferece seno subempregos, mendicncia e

    privaes. Sobre isso, Giddens escreve em O Mundo na Era da Globalizao que a

    globalizao, dizem alguns, cria um mundo de vencedores e vencidos, minorias que

    enriquecem rapidamente e maiorias condenadas a uma vida de misria e desespero

    (GIDDENS, 2006, p.26). Isso se reflete na busca por melhores condies de vida atravs da

    migrao para as grandes cidades. exceo das jovens que j vo para as cidades levadas

    por seus moradores como empregadas domsticas, por exemplo, aos outros imigrantes resta

    aceitar qualquer servio que consigam arranjar para poder se sustentar e sustentar os que com

  • 12

    ele vieram, ou deixar-se ficar nas rodovias ou nas vias mais movimentadas, para tentar

    conseguir o necessrio para a sobrevivncia.

    Outro fator observado nas cidades, especialmente nas maiores, a separao existente

    entre as classes trabalhadoras. O trabalho mais especializado torna o trabalhador como de

    elite e isso o diferencia dos demais no apenas pela sua formao, mas tambm pelo salrio e

    pelos benefcios por ele recebidos. J os menos preparados so classificados como de baixa

    classe e recebem salrios menores e nem sempre recebem benefcios. Os trabalhadores menos

    classificados so os que no tm nenhum preparo, ou seja, os que vivem apenas de bicos.

    Nessa categoria encontram-se tanto os moradores menos favorecidos das cidades, quanto os

    que vm do campo para a capital. Esses, sem outro preparo que no o da lida no campo, no

    se enquadram em quase nenhuma categoria profissional, exceto aquelas que exigem baixa ou

    nenhuma formao escolar e tcnica e que, pela necessidade econmica, se submetem a

    qualquer tipo de trabalho remunerado que garanta o mnimo para a sua sobrevivncia.

    A falta de empregos formais que garantam no apenas o necessrio para a

    sobrevivncia, mas tambm condies dignas de moradia apenas um dos fatores que levam

    situao de rua. As doenas mentais, o abuso do lcool e de outras drogas, os desajustes

    sociais e os problemas familiares diversos so alguns dos outros motivos que podem levar

    uma pessoa a ter a rua como moradia ou como fonte de renda.

    A viso do Estado sobre os indivduos fazem da rua seu abrigo ou tiram dela seu

    sustento, at a instituio do decreto 7.053 era bastante limitada, pois refletia a viso da

    prpria sociedade, que ora age com compaixo e at assistencialismo, ora com represso,

    preconceito e indiferena. Essa viso contraditria fez com que a maior parte das polticas

    voltadas para esse segmento fosse mais da alada da segurana pblica do que da assistncia

    social. Tal comportamento, ao longo dos anos, abriu espao para que organizaes da

    sociedade civil assumissem propostas solidrias de atendimento no lugar das polticas

    pblicas, as quais deveriam ser entendidas como direito dos cidados e dever do Estado.

    Esse panorama comeou a modificar-se a partir da Constituio Federal de 1988, que

    considerou os direitos sociais como direitos fundamentais de todo cidado e com a Lei

    Orgnica da Assistncia Social (LOAS), que regulamentou os artigos 203 e 204 da

    Constituio Federal, reconhecendo a Assistncia Social como poltica pblica, passando o

    poder pblico a ter a tarefa de manter servios e programas de ateno populao de rua,

    garantindo padres ticos de dignidade e no-violncia na concretizao de mnimos sociais

    e de direitos de cidadania a esse segmento social. Porm, nos ltimos anos, concretizaram-se

    poucas iniciativas pblicas destinadas a essa populao, sendo essas desenvolvidas

  • 13

    principalmente pelas reas de sade, segurana, que atuam de maneira indireta e a Assistncia

    Social, que se responsabiliza pelos equipamentos urbanos e projetos sociais.

    nesse contexto que se insere grande parte da populao em situao de rua. Esse

    grupo populacional heterogneo compe-se de pessoas que pertencem a diferentes realidades,

    tendo em comum a condio de pobreza, a falta de pertencimento sociedade e ao mercado

    de trabalho formal e, geralmente, aos problemas causados pelo abuso de lcool e outras

    drogas. So indivduos que tm na sua trajetria a referncia de j ter exercido alguma

    atividade laboral formal que foi importante na constituio de suas identidades sociais, mas

    que sofreram algum infortnio em suas vidas seja a perda do emprego, o rompimento de

    algum lao afetivo ou a incapacitao causada pelo vcio, o que fez com que aos poucos

    fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espao da rua como

    sobrevivncia e moradia, de acordo com o que foi pesquisado na Pesquisa Nacional Sobre a

    Populao em Situao de Rua.

    Bulla, Mendes e Prates afirmam que:

    [...] a perda de vnculos familiares, decorrente do desemprego, da violncia, da perda de algum ente querido, perda de auto-estima, alcoolismo, drogadio, doena

    mental, entre outros fatores, o principal motivo que leva as pessoas a morarem nas

    ruas. So histrias de rupturas sucessivas e que, com muita freqncia, esto

    associadas ao uso de lcool e drogas, no s pela pessoa que est na rua, mas pelos

    outros membros da famlia. (BULLA, et.al.,2004, p. 113-114).

    H algumas dcadas, estar desempregado significava que o indivduo j tinha tido um

    emprego formal e no o tinha atualmente. Esse fato constitua-se na exceo. Hoje,

    especialmente com a substituio da mo de obra humana pela automao em larga escala e

    com a falta de qualificao da mo de obra existente, os empregos, como antes eram

    compreendidos, foram drasticamente reduzidos. Conforme Bauman o capital j se tornou a

    encarnao da flexibilidade. [...] Sem empregos, h pouco espao para a vida vivida como

    projeto, para planejamento de longo prazo e esperanas de longo alcance. (BAUMAN, 1997,

    p. 49-52)

    Essa crise do mercado de trabalho , atualmente, considerada no pontual, mas como

    um dos fatores relacionados ao processo de desestabilizao da condio salarial, na qual

    existe no apenas uma vulnerabilidade da mo de obra empregada face ao sempre eminente

    desemprego, mas tambm, de forma mais sutil, na excluso social de grupos especficos,

    resultado da desagregao progressiva das protees ligadas ao mundo do trabalho e da

    fragilizao dos suportes de sociabilidade.

  • 14

    Para Ricardo Antunes,

    visvel a reduo do operariado fabril, industrial, gerado pela grande indstria comandada pelo binmio taylorismo-fordismo, especialmente nos pases capitalistas

    avanados. Porm, paralelamente a este processo, verifica-se uma crescente

    subproletarizao do trabalho, atravs da incorporao do trabalho precrio,

    temporrio, parcial etc. (ANTUNES, 2002, p. 168).

    Essa subproletarizao do trabalho, alm de no oferecer segurana ao trabalhador em

    termos de seguridade social e segurana alimentar, torna cada vez mais difcil para os menos

    preparados conseguir uma posio na escala de trabalho que oferea essas condies. A falta

    de um emprego formal, o chamado de carteira assinada aumenta o contingente de pessoas

    que, por falta de preparo acadmico e tcnico, tornam-se parte de uma sociedade excluda,

    sem perspectivas de emprego formal e de conseguir administrar sua vida social de acordo com

    as regras da sociedade.

    Em pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil, nos quais no

    houve uma efetiva constituio do estado de bem-estar social, observa-se ainda uma

    substituio do estado social pelo estado assistencialista, que diminuiu, mas no extinguiu as

    desigualdades sociais. As polticas pblica e privada de assistncia dominam a poltica social

    atual e sobre isso Pedro Demo afirma que:

    Como resultado de fantasmagorias do welfare state, acostumamo-nos a valorizar mais procedimentos assistenciais do que de auto-sustentao e autogesto. Com isto,

    o lado muito adequado da assistncia como direito logo transformado em

    assistencialismo, porque parece claro que, sem auto-sustentao e sem autogesto,

    acabamos por cultivar o problema.(DEMO, 2000, p. 51).

    As polticas sociais adotadas no Brasil pelos diferentes governos buscaram enfrentar

    os problemas de diversos segmentos sociais de forma fragmentada, implantando polticas

    pblicas sem correlao entre si, direcionadas a cada segmento especificamente e que

    produziram resultados inconsistentes para a efetiva melhoria da condio de vida da

    populao como um todo.

    Em uma sociedade centrada no consumo, esse tipo de poltica pontual como a que

    estamos inseridos, leva uma parte da populao a lanar mo dos recursos para ela

    disponveis, sendo eles legais ou no, para obter o mximo possvel de tudo o que oferecido,

    seja para melhorar as condies de sade ou habitao, seja para adquirir produtos de

    consumo no essenciais sobrevivncia. essa a opo que resta queles que no se

    adequaram s novas perspectivas do mercado de trabalho baseadas em novos paradigmas de

    qualificao, seja porque sucumbem ao aumento da concorrncia, reduo de oferta de

  • 15

    empregos que no necessitem de qualificao especifica, seja porque caem margem da

    sociedade por fatores decorrentes do uso de drogas lcitas ou ilcitas, o que os incapacitam

    para o trabalho formal. Castel identifica como sobrantes, pessoas normais que foram

    invlidos pela conjuntura econmica e social dos ltimos vinte anos e que se encontram

    completamente atomizados, rejeitados de circuitos que uma utilidade social poderia atribuir-

    lhes (CASTEL, 1997, p. 181).

    Esses indivduos, como todos na sociedade de consumo, dependem do mercado de

    trabalho para sua sobrevivncia, porm, no procuram ou no tem condies de se qualificar

    para acompanhar as novas exigncias do mercado. Sua fora de trabalho, que a nica moeda

    de que dispem para o processo de troca, no mais suficiente para disputar uma vaga num

    mercado cheio de concorrentes mais qualificados e eles acabam ficando margem da

    sociedade, no que Garcia trata como iniqidade social, definida como:

    ... a situao de uma sociedade particular, caracterizada por distribuio extremamente desigual da renda e do patrimnio (material e no material), em que

    uma minoria populacional detm a maior parte destes e uma grande parte da

    populao no alcana um patamar mnimo de existncia com dignidade, quando

    isto seria possvel com uma distribuio mais equitativa do patrimnio e da renda.

    (GARCIA, 2003, p. 14).

    Esse estado de iniqidade social o que se combate atravs das discusses em torno

    das Pessoas em Situao de Rua e da formulao de polticas voltadas para essa populao.

  • 16

    3 - AS POLITICAS PBLICAS

    Polticas Pblicas podem ser definidas como princpios e diretrizes que guiam as aes

    do poder pblico, direcionadas a satisfazer as demandas sociais, sendo submetidas s regras e

    procedimentos definidos em documentos que orientam a aplicao dos recursos pblicos

    definidos pela poltica. Elenaldo Celso Teixeira as define como:

    [...] diretrizes, princpios norteadores de ao do poder pblico; regras e procedimentos para as relaes entre poder pblico e sociedade, mediaes entre

    atores da sociedade e do Estado. So, nesse caso, polticas explicitadas,

    sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de

    financiamentos) que orientam aes que normalmente envolvem aplicaes de

    recursos pblicos. (TEIXEIRA, 2002, p.2).

    Alm disso, as Polticas Pblicas englobam formas de exerccio do poder poltico e,

    muitas vezes, se submetem s relaes entre o poder pblico e a sociedade. As opes e

    orientaes polticas dos que ocupam cargos pblicos tambm so passveis de influenciar na

    aplicao ou na manuteno de determinadas Polticas Pblicas, visto que as formas de

    exerccio do poder poltico influenciam nos processos de deciso e na repartio de custos e

    benefcios sociais. Em relao a isso, Elenaldo Celso Teixeira declara que:

    As polticas pblicas traduzem, no seu processo de elaborao e implantao e, sobretudo, em seus resultados, formas de exerccio do poder poltico, envolvendo a

    distribuio e redistribuio de poder, o papel do conflito social nos processos de

    deciso, a repartio de custos e benefcios sociais. Como o poder uma relao

    social que envolve vrios atores com projetos e interesses diferenciados e at

    contraditrios, h necessidade de mediaes sociais e institucionais, para que se

    possa obter um mnimo de consenso e, assim, as polticas pblicas possam ser

    legitimadas e obter eficcia. (TEIXEIRA, 2002, p.2).

    A elaborao de uma poltica pblica envolve mais do que apenas pareceres tcnicos

    ou pesquisas junto sociedade para identificao das demandas. H de haver sempre o

    equilbrio entre o que a sociedade espera que seja feito, o que se planeja fazer em relao a

    uma determinada necessidade e o que efetivamente pode ser feito pelo poder pblico. A

    integrao entre os atores sociais imprescindvel para que uma poltica seja legitimada e

    possa obter xito tanto na sua implantao quanto na sua manuteno ao longo dos anos.

  • 17

    A poltica pblica deve ser pensada de maneira a harmonizar as necessidades sociais

    com os recursos disponveis e com os operadores das polticas. Elenaldo Celso Teixeira

    afirma que:

    Elaborar uma poltica pblica significa definir quem decide o qu, quando, com que conseqncias e para quem. So definies relacionadas com a natureza do

    regime poltico em que se vive, com o grau de organizao da sociedade civil e com

    a cultura poltica vigente. (TEIXEIRA, 2002, p. 2)

    Essa definio um passo importante na formulao da poltica. A escolha de to

    importantes atores deve levar em conta no apenas a identificao poltica entre os

    envolvidos, mas tambm o preparo tcnico, a experincia em determinada rea relacionada

    poltica a ser desenvolvida e a relao entre esses personagens e a sociedade.

    Outra distino importante a ser feita entre Polticas Pblicas e Polticas

    Governamentais. Elenaldo Celso Teixeira faz uma distino entre polticas

    governamentais e polticas pblicas baseado na diferena entre a natureza das mesmas,

    afirmando que, embora as polticas governamentais sejam estatais, nem sempre so definidas

    como pblicas, pois para serem pblicas, preciso considerar a quem se destinam os

    resultados ou benefcios, e se o seu processo de elaborao submetido ao debate pblico.

    (TEIXEIRA, 2002, p.2).

    Essa definio vai ser feita considerando-se a quem se destinam seus resultados ou

    benefcios e se seu processo de elaborao passou por uma discusso pblica, elemento

    essencial atualmente, devido ao aumento da participao ativa da sociedade civil. Um

    exemplo de poltica governamental que no pblica a iseno fiscal oferecida a uma

    determinada empresa privada. Os benefcios advindos dessa renncia fiscal feita pelo governo

    local pode at redundar em aumento da oferta de empregos na regio, mas no so, em sua

    essncia, uma poltica pblica.

    Por transitarem em relaes entrecruzadas entre interesses pblicos e privados, as

    polticas pblicas necessitam de debates pblicos e controle da sociedade, j que envolvem

    recursos pblicos de forma direta ou indireta (atravs da renncia fiscal) e refletem interesses

    e vises de mundo muitas vezes opostas, onde os limites entre o pblico e o privado so sutis,

    de difcil delimitao. A fiscalizao das polticas pblicas pelos diversos segmentos sociais

    importante tanto para o controle dos recursos aplicados quanto para promover a continuidade

    da poltica.

  • 18

    Segundo Maria das Graas Rua,

    As polticas pblicas ocorrem em um ambiente tenso e de alta densidade poltica, marcada por relaes de poder, extremamente problemticas, entre atores do Estado

    e da sociedade, entre agncias intersetoriais, entre os poderes do Estado, entre o

    nvel nacional e nveis subnacionais, entre comunidade poltica e burocracia.

    (RUA, 2009, p. 36).

    Os objetivos principais das Polticas Pblicas so atender as demandas sociais,

    especialmente as que atendem as necessidades da populao menos favorecida

    economicamente; concretizar os direitos de cidadania; promover o desenvolvimento social;

    criar oportunidades de gerao de emprego e renda, atravs de polticas sociais e de incentivos

    fiscais; mediar os conflitos entre os diversos setores da sociedade e o poder pblico e fazer

    com que, atravs da Gesto Participativa, a sociedade possa, alm de participar da elaborao

    da poltica, mas tambm discutir os pontos de interesse na poltica, no deixando as decises

    apenas nas mos dos gestores e, conhecendo a poltica de forma mais profunda, possa

    fiscalizar a aplicao dos recursos destinados mesma.

    Segundo Elenaldo Celso Teixeira, para o entendimento do mecanismo de ao das

    polticas pblicas para alcanar esses objetivos, torna-se necessria a diviso da poltica

    pblica em trs modalidades principais para que se possa determinar o tipo de atuao que as

    mesmas podem assumir frente sua formulao e implementao: quanto natureza ou grau

    da interveno na sociedade, quanto sua abrangncia e quanto aos impactos que as polticas

    podem causar aos beneficirios.

    Quanto natureza, as polticas pblicas podem ser:

    Estruturais Intervm nas relaes estruturais, tais como na renda, no emprego,

    na propriedade, etc.

    Conjunturais ou emergenciais So as polticas cujo objetivo solucionar uma

    situao temporria, imediata.

    Quanto abrangncia dos possveis benefcios:

    Universais So as formuladas para todos os cidados

    Segmentais A poltica formulada para um determinado segmento da

    populao, caracterizado por um fator especifico (idade, condio fsica, gnero

    etc.).

    Fragmentadas So as polticas destinadas a grupos sociais dentro de cada

    segmento.

  • 19

    Quanto aos impactos que podem causar aos beneficirios:

    Distributivas Tendem distribuir benefcios individuais;

    Redistributivas Visam redistribuir recursos entre os grupos sociais, procurando

    igualdade. Porm, retiram recursos de um grupo para beneficiar outros,

    provocando conflitos;

    Regulatria Procuram definir regras e procedimentos que combinem

    comportamento dos atores para atender interesses gerais da sociedade; sem

    procurar benefcios imediatos para qualquer grupo. (TEIXEIRA, 2002, p. 3)

    A natureza das polticas pblicas as torna um processo dinmico, no qual existem

    diversos tipos de negociaes, presses, mobilizaes, alianas ou juno de interesses.

    Abrange a concepo de uma agenda que pode ou no refletir os interesses dos diversos

    setores da populao, dependendo do grau de mobilizao da sociedade civil e do grau de

    institucionalizao dos mecanismos que viabilizem a sua participao. Essa agenda consiste

    numa lista de prioridades pr-estabelecidas na qual os atores, governamentais ou no

    governamentais, buscam inserir questes de seu prprio interesse. Esse processo de incluso

    das necessidades dos atores bastante competitivo e nem sempre todas as questes discutidas

    so includas.

    Esse processo dinmico do qual resultam as polticas pblicas no se retraem em

    presena das disputas entre os diversos segmentos sociais e polticos, mas se fortalecem a

    partir dele. Pedro Demo faz uma analise da poltica social de forma clara e contundente ao

    afirmar que Toda poltica social que promove o parasitismo, degrada tanto a quem recebe,

    quanto a quem a mantm (DEMO, 2000, p 36). Com isso, quer dizer que a poltica social

    que, ao invs de dar condies para que o individuo possa se libertar de sua inrcia e passar a

    fazer parte do mercado de trabalho, crie mecanismos de dependncia do individuo para com

    as polticas assistencialistas, no uma poltica eficiente, voltada para promover a melhoria

    social.

    Embora no se possa fazer qualquer interveno no mercado, sociedades dotadas de

    qualidade poltica mais clara sabem forar o mercado, impedir a destruio de empregos,

    evitar processos de depredao de postos de trabalho, resistir precarizao do trabalho e do

    salrio, fomentar empresas que criem mais emprego, impulsionar microempresrios de todos

    os tipos, e assim por diante.

  • 20

    A Poltica Nacional para Incluso Social da Populao em Situao de Rua, por seu

    carter nico de especificidade deveria ser integrada, especialmente, s polticas de sade e

    trabalho, para que possa atingir o maior numero possvel de pessoas e ajud-las a reestruturar

    suas vidas.

    A busca pelo consenso deve ser feita no apenas pelos gestores, mas tambm pela

    sociedade civil, na qual existe uma diversidade de interesses que precisa ser debatida e

    negociada. Alm do consenso entre sociedade e gestores, no processo de estruturao e

    elaborao de uma poltica publica vrios elementos devem ser definidos e explanados em

    parmetros objetivos para que se possa guiar a elaborao, implementao e avaliao das

    polticas propostas, dentre eles, a sustentabilidade, a democratizao, a eficcia, a

    transparncia, a participao e a qualidade de vida.

    O ciclo das polticas pblicas envolve definio das necessidades, debates sobre os

    temas apresentados, discusso sobre as formas de elaborao das polticas e, finalmente,

    definio sobre como as polticas devem ser implantadas e acompanhadas pela sociedade.

    As polticas pblicas podem ser modificadas a partir de alteraes no seu contedo e

    na sua metodologia, devendo essas alteraes serem feitas na composio do poder poltico e

    atravs da mobilizao social, das aes coletivas, do debate pblico de alternativas e de

    proposies validadas a partir de um consenso que envolva interesses corporativos e setoriais.

    a partir dessas mudanas que a sociedade civil, reunida em organizaes

    representativas, passa a exercer um papel poltico mais amplo, no qual colabore para a

    construo de alternativas nos diversos campos de atuao do Estado e de oferec-las para o

    debate pblico, participando, inclusive, de sua gesto.

    Atualmente, existe uma srie de experincias desenvolvidas por ONGs e outras

    organizaes que servem de referncia para a elaborao de propostas e alternativas de

    polticas pblicas, utilizando-se de diversos canais institucionais, tais como os Conselhos de

    Gesto.

    O I Encontro Nacional sobre Populao em Situao de Rua, realizado pelo Governo

    Federal atravs do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, ocorreu em

    2005, objetivando debater propostas que auxiliassem a construo de uma poltica publica

    voltada para esse segmento da populao. Esse encontro teve a participao de 55 pessoas,

    das quais 34 representavam 12 capitais e municpios com mais de 300 mil habitantes. Dentre

    esses participantes haviam 12 representantes de governos municipais, 12 representantes de

    organizaes no governamentais e 10 representantes de fruns ou entidades de populao em

    situao de rua, das cidades selecionadas a partir de critrios pr-estabelecidos (So Paulo,

  • 21

    Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Niteri, Londrina, So Luis, Vitria,

    Fortaleza, Porto Alegre e Braslia), alm de 05 especialistas no tema, que assessoraram a

    coordenao do evento e 17 representantes das diversas secretarias do Ministrio do

    Desenvolvimento Social e Combate Fome.

    Esse Encontro foi o marco inicial para a elaborao da Poltica Nacional para a

    Populao em Situao de Rua e o seu Comit Intersetorial de Acompanhamento e

    Monitoramento, da qual trataremos na terceira parte deste artigo. Foi tambm o primeiro

    passo para a identificao da Populao em Situao de Rua e de sua insero nas discusses

    no mbito das Polticas Pblicas. A seguir faremos uma descrio dessas pessoas, quem elas

    so, o que fazem para sobreviver, quais so as suas condies de vida e como elas so

    classificadas como em Situao de Rua.

  • 22

    4 - A POPULAO EM SITUAO DE RUA

    A definio de populao de rua extremamente polemica, mesmo entre os

    pesquisadores. O universo dessa populao pode incluir desde os que fazem da rua sua

    residncia permanente, quanto os que apenas tiram da rua seu sustento sem, no entanto dela se

    utilizarem como moradia. Nesse universo de pessoas, podem se encaixar como populao de

    rua migrantes, catadores de papel, prostitutas, trabalhadores itinerantes, trecheiros, mendigos,

    desabrigados e camels, entre outros, com suas mltiplas motivaes para permanecerem

    parte de sua vida na rua. A principal dificuldade para separar aquelas que se encaixam ou no

    na definio de populao de rua saber dividi-las entre as pessoas que vivem nas ruas, as

    que vivem do que recolhem ou conseguem (de forma licita ou ilcita) das ruas ou que vivem

    em condies precrias de habitao.

    Entre as que tiram seu sustento das ruas, incluem-se as prostitutas e os catadores de

    papel e de material reciclvel, os quais geralmente residem em locais distantes dos grandes

    centros urbanos e eventualmente dormem nas ruas por causa da dificuldade de retornar s

    suas casas devido, principalmente aos custos desse translado.

    Alguns autores, como Maria ngela DIncao acrescentam, nesse conceito, as pessoas

    que vieram do meio rural para o meio urbano a procura novas chances de emprego e que

    acabaram vagando pelas grandes cidades principalmente por problemas de adaptao e pela

    falta de qualificao profissional, o que impossibilitou sua contratao. A rua, ento, passa de

    lugar pblico e de passagem, para local pblico de moradia, no qual diferentes classes sociais

    transitam, mas que ao invs de conviverem se evitam, apesar de to prximas, aumentando

    cada vez mais o abismo que as separa. Para autora, O processo que exclui a rua como local

    de sociabilizao elimina a convivncia social das diferentes classes sociais. (DINCAO,

    1992, p. 95).

    Escorel (2000) faz uma distino entre pessoas em situao de rua e moradores de

    rua, destacando que a diferena entre eles que os moradores de rua so os que usam a rua

    como moradia de forma permanente, ou seja, pessoas que tem a rua como seu habitat. J as

    pessoas em situao de rua so as que as usam por um perodo restrito, ou seja, cuja

    permanncia na rua transitria. Maria ngela DIncao (1995) trata o comportamento errante

    desses trabalhadores como consequncia da falta de oferta de empregos fixos satisfatrios que

    atendam as suas necessidades.

  • 23

    Vrios autores fazem outra classificao dos indivduos cujas vidas esto, de uma

    forma ou de outra, ligadas rua, distinguindo-os em: migrante, trabalhador itinerante,

    trecheiro e morador de rua.

    O migrante seria aquele individuo que vai de uma regio para outra, geralmente em

    busca de melhores condies de trabalho, mas que possui, comumente, um local para o qual

    ele pode retornar. Os trabalhadores itinerantes seriam os trabalhadores que saem das suas

    cidades para realizar trabalhos temporrios em outros locais, tais como os trabalhadores rurais

    que saem de sua regio para trabalhar nas colheitas em outras regies; as pessoas que vivem

    do comrcio ambulante, os garimpeiros e outros trabalhadores que garantem seu sustento com

    trabalhos temporrios, os chamados bicos. Esses indivduos se deslocam de forma sazonal e

    geralmente tem para onde voltar. J os chamados trecheiros se deslocam com objetivo de se

    deslocar, sem que haja, nesse deslocamento, perspectivas de trabalho, ao contrario dos

    migrantes e dos itinerantes. Enquanto os trabalhadores itinerantes e o migrantes se

    caracterizem por sua mobilidade em busca de um trabalho que lhe permita uma vida menos

    sacrificada, mantendo os laos familiares, os trecheiros e os moradores de rua se caracterizam

    pelo seu nomadismo e pelo processo de desterritorializao, na medida em que no tem um

    ponto de retorno e geralmente rompem com os laos familiares.

    A populao de rua caracterizada por Sarah Escorel como uma [...] condio

    limtrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas que moram nas ruas

    da cidade, parte de uma trajetria composta por situaes extremamente vulnerveis

    (ESCOREL, 1999, p. 18) e define mendigo como [...] aquele que sobrevive pedindo esmola,

    o que no toma banho, no escova os dentes; o ponto final da degradao humana.

    (ESCOREL, 1999, p. 163)

    J para a Secretaria Nacional de Assistncia Social do Ministrio do Desenvolvimento

    Social e Combate Fome, as pessoas em situao de rua so compelidas a habitar logradouros

    pblicos, reas degradadas e ocasionalmente utilizar abrigos e albergues para pernoitar.

    J Bursztyn classifica-os como Sem-lixo e sem-teto errantes, cuja maior diferena

    seu carter errante e afirma que mendigos so:

    [...] pessoas socialmente desvinculadas, com os laos familiares rompidos, s vezes com distrbios mentais. Vivem da caridade pblica e so ajudados, episodicamente,

    pela ao de grupos religiosos. (BURSZTYN, 2000, p. 242)

    As inmeras definies da populao de rua trazem implicaes que se refletem nas

    reivindicaes dos movimentos sociais ligados a essa populao, na contabilizao dessa

    populao que varia de acordo com o conceito que a define e tambm com o nomadismo que

  • 24

    a caracterizam. De forma mais didtica, usam-se os termos morador de rua e pessoa em

    situao de rua como sinnimos para definir as que tm a rua como habitat e dela tambm

    tiram o seu sustento, mesmo que no faam dela seu local de moradia.

    O Censo dos moradores de rua da cidade de So Paulo realizado em 2000 definiu a

    populao de rua ou a populao moradora de rua como:

    [...] todas as pessoas que no tm moradia e que pernoitam nos logradouros da cidade praas, caladas, marquises, jardins, baixos de viadutos ou casares abandonados, mocs, cemitrios, carcaas de veculos, terrenos baldios ou depsitos

    de papelo e sucata. [...] foram igualmente considerados moradores de rua aquelas

    pessoas, ou famlias, que, tambm sem moradia, pernoitam em albergues ou abrigos,

    sejam eles mantidos pelo poder pblico ou privados. (p. 5).

    Vieira, Bezerra e Rosa identificam trs situaes em relao permanncia na rua:

    As pessoas que ficam na rua configuram uma situao circunstancial que reflete a

    precariedade da vida, pelo desemprego ou por estarem chegando cidade em busca de

    emprego, de tratamento de sade ou de parentes. Nesses casos, em razo do medo da

    violncia e da prpria condio vulnervel em que se encontram, costumam passar a

    noite em rodovirias, albergues, ou locais pblicos de movimento.

    As pessoas que esto na rua so aquelas que j no consideram a rua to

    ameaadora e, em razo disso, passam a estabelecer relaes com as pessoas que

    vivem na ou da rua, assumindo como estratgia de sobrevivncia a realizao de

    pequenas tarefas com algum rendimento. o caso dos guardadores de carro,

    descarregadores de carga, catadores de papis ou latinhas.

    As pessoas que so da rua so aqueles que j esto faz um bom tempo na rua e, em

    funo disso, foram sofrendo um processo de debilitao fsica e mental,

    especialmente pelo uso do lcool e das drogas, pela alimentao deficitria, pela

    exposio e pela vulnerabilidade violncia. (VIEIRA, BEZERRA E ROSA, 1994, p.

    93-95)

    Bulla, Mendes, Prates e outros (2004, p.113) observam que, embora se apresentando

    com vestimentas sujas e sapatos surrados, as pessoas em situao de rua, nos pertences que

    carregam, expressam sua individualidade e seu senso esttico.

    Esse grupo populacional foi mais bem definido na Pesquisa Nacional Sobre a

    Populao em Situao de Rua, que identificou 31.922 pessoas vivendo em situao de rua

    nos 71 municpios pesquisados. Essas pessoas informaram viver em locais pblicos (caladas,

    praas, rodovias, parques, viadutos, praias, tneis, prdios abandonados, becos e lixes),

  • 25

    privados (postos de gasolina, barcos, depsitos ou ferro-velho) ou pernoitando em instituies

    (albergues, abrigos, igrejas, casas de passagem e de apoio). Como essa pesquisa no abrangeu

    todos os municpios brasileiros, esse nmero no corresponde ao total de pessoas em situao

    de rua no pas que deve ser muito superior ao contingente descrito nessa pesquisa.

    Os municpios de So Paulo, Belo Horizonte e Recife, embora se enquadrem nos

    critrios definidos para essa pesquisa, no foram includos na mesma por terem realizado

    pesquisa prpria sobre esse mesmo tema nos anos de 2003 e 2005, respectivamente. Porm,

    em se comparando os resultados da Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua

    com os resultados das pesquisas realizadas nesses municpios, constatou-se que os ndices

    encontrados foram semelhantes.

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua foi realizada entre agosto

    de 2007 e maro de 2008 em 71 municpios brasileiros, sendo deles 23 capitais e 48

    municpios com mais de 300 mil habitantes. A pesquisa buscou responder a diversas questes

    sobre essa populao, reunindo dados que possibilitassem a elaborao de uma poltica

    voltada para esse segmento da populao que , muitas vezes, invisvel ao poder publico e

    sociedade em geral. Essa pesquisa foi realizada a partir de um acordo de cooperao entre a

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura - UNESCO e o

    Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome - MDS, sendo selecionado para a

    execuo da pesquisa, por meio de licitao pblica, o Instituto Meta, empresa fundada em

    1991 e que realiza, entre outras, pesquisas nas reas de investigao de segmentos

    populacionais e suas caractersticas socioeconmicas e recenseamento de segmentos

    populacionais e cadastramento de grupos especficos.

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua e, posteriormente, o

    Decreto 7.053 de dezembro de 2009, definem a populao em situao de rua como:

    [...] um grupo populacional heterogneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tm em comum a condio de pobreza absoluta, vnculos

    interrompidos ou fragilizados e inexistncia de moradia convencional regular, sendo

    compelidos a utilizarem a rua como espao de moradia e sustento, por contingncia

    temporria ou de forma permanente.

  • 26

    4.1 - CARACTERIZAO DA POPULAO EM SITUAAO DE RUA

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua, realizada entre agosto de

    2007 e maro de 2008 em 71 municpios brasileiros traou, de forma indita no pas, o perfil

    das pessoas em situao de rua.

    Embora, ao longo dos anos, a quantidade de pessoas em situao de rua tenha

    aumentado no pas, nunca se havia feito uma contagem oficial (ainda que no em todos os

    municpios brasileiros), dessas pessoas. Essa pesquisa, conforme j foi citado anteriormente,

    foi realizada em 71 municpios brasileiros, sendo deles 23 capitais e 48 municpios com mais

    de 300 mil habitantes. As trs capitais no pesquisadas, Recife, So Paulo e Belo Horizonte

    haviam realizado pesquisas prprias, por isso foram excludas da pesquisa.

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua veio preencher a lacuna

    que existia a respeito das pessoas em Situao de Rua a partir da caracterizao dessa

    populao nos seus diversos aspectos, o que muito auxiliou na elaborao da Poltica

    Nacional para Incluso Social da Populao em Situao de Rua e em diversos projetos de lei,

    decretos e outras polticas que se referem especificamente a essa camada da nossa populao.

    Um exemplo disso a deliberao N. 763/09, da Secretaria Municipal de Assistncia Social,

    atravs do Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente do Rio de Janeiro,

    que estabelece a Poltica Municipal de Atendimento a Crianas e Adolescentes em Situao

    de Rua, em 22 de junho de 2009 e que foi elaborada a partir de dados coletados nessa

    pesquisa.

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua tambm foi importante

    tambm para estabelecer as condies mnimas para sobrevivncia a partir da identificao

    das necessidades das pessoas em situao de rua, reveladas nos dados levantados na pesquisa

    e que foram contemplados na Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua em seus

    princpios e diretrizes.

    A seguir, apresentaremos alguns resultados dessa pesquisa, de forma a estabelecer o

    perfil e caracterizar essa populao de maneira mais especifica, procurando relacionar esses

    resultados com o que foi estabelecido na Poltica Nacional.

  • 27

    PERFIL

    Segundo a Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua, a populao de

    rua predominantemente masculina (82%), enquanto que a populao feminina corresponde a

    12% do universo pesquisado. A tabela abaixo faz uma relao entre sexo-faixa etria da

    mesma populao pesquisada. Do universo feminino pesquisado, o percentual maior de

    mulheres (54,06%) encontrado na faixa etria de 26 a 45 anos. A populao masculina

    pesquisada dessa mesma faixa etria corresponde a 53,41% do universo pesquisado. Portanto,

    mais da metade das pessoas em Situao de Rua pesquisada possuem entre 26 e 45 anos de

    idade.

    PERCENTUAL DE HOMENS E MULHERES POR GRUPOS ETARIOS

    Fonte:I Censo e Pesquisa sobre a Populao em Situao de Rua 2007/8

    A Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua estabelece no seu quinto

    principio o Respeito s condies sociais e diferenas de origem, raa, idade, nacionalidade,

    gnero, orientao sexual e religiosa, com ateno especial s pessoas com deficincia.

    (DECRETO 7.053, 2009). Para a faixa etria predominante nos resultados da pesquisa no h

    uma definio especifica das polticas a serem implementadas, mas elas tm relao com

    sade, educao, alimentao, habitao e segurana, itens que tambm foram contemplados

    na pesquisa e que sero abordados a seguir.

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    FEMININO MASCULINO

    18 a 25 anos

    26 a 35 anos

    36 a 45 anos

    46 a 55 anos

    mais de 55 anos

  • 28

    SADE

    A realidade encontrada no estudo das pessoas em situao de rua, no Brasil,

    caracterstica do processo de excluso social existente neste incio de milnio. A excluso

    social no apenas de origem econmica, mas caracteriza-se, tambm, pela perda da auto-

    estima e pela falta de perspectivas, o que acaba por acarretar conseqncias na sade geral das

    pessoas, em especial sade mental.

    Um estudo realizado em 2010 por Nadja Cristiane Lappann Botti e sua equipe de

    pesquisadores, denominado Prevalncia de depresso entre homens adultos em Situao de

    Rua em Belo Horizonte, relaciona a depresso com inmeras questes sociais, dentre as

    quais muitas comumente encontradas no universo da situao de rua, tais como a desinsero

    no mercado de trabalho, a falta ou a baixa escolaridade, a falta de vnculos familiares mais

    profundos, a renda inexistente ou insuficiente para mudana de situao social e a moradia

    precria. Essas situaes, de acordo com a pesquisa, redundam em prevalncia de quadros

    depressivos na populao estudada, como [...] fruto de uma situao de vulnerabilidade

    social desse grupo (BOTTI, et al, 2010, p. 15), ou seja, as condies de vida dessa populao

    a levam a apresentar esses quadros. A pesquisa conclui que Se, por um lado, a

    vulnerabilidade social e econmica pode deixar os indivduos mais expostos a estados de mal

    estar expressos pela depresso, por outro, o aumento da densidade das redes de apoio social

    diminui o risco de sofrimento mental (BOTTI et al, 2010, p. 15). Essa pesquisa tambm

    aponta dados esclarecedores sobre a sade mental da populao estudada que podem nortear a

    realizao de Polticas Pblicas voltadas para essa problemtica. Dizem os pesquisadores:

    As condies adversas de sobrevivncia dos moradores de rua podem, tambm, desencadear problemas mentais orgnicos. Estudo realizado com homens e mulheres

    moradores de albergues pblicos das cidades do Rio de Janeiro e Niteri (RJ) mostra

    a presena de distrbios mentais maiores (22,6%), esquizofrenia (10,7%), depresso

    maior (12,9%), dficit cognitivo grave (15%) e abuso/dependncia de lcool

    (44,2%) decorrentes da adversidade a que esto submetidos. (BOTTI, et al,

    2010, p. 11)

    A questo da sade entre as pessoas em situao de rua deve ser pensada de maneira a

    integrar aes medicas e psiquitricas, alm da interao entre as polticas de sade e de

    combate ao abuso de lcool e outras drogas. 29,7% dos entrevistados na Pesquisa Nacional

    Sobre a Populao em Situao de Rua afirmaram ter algum problema de sade, destacando-

    se, entre eles, a hipertenso (10,1%), problema psiquitrico/mental (6,1%), HIV/Aids (5,1%)

    e problemas de viso/cegueira (4,6%). Dos entrevistados, 18,7% fazem uso de algum

  • 29

    medicamento, sendo que deles, 48,6% afirmaram os terem conseguidos por meio de postos ou

    centros de sade. Quando adoecem, 43,8% dos entrevistados procuram primeiro o hospital ou

    o atendimento de emergncia (43,8%) e em segundo (27,4%) procuram o posto ou o centro de

    sade.

    Outro motivo relacionado ao atendimento em sade ofertado pelo servio pblico e

    que no esto adequados realidade e necessidades das pessoas em situao de rua que em

    parte dos locais onde esses servios so ofertados para a populao h a necessidade de

    comprovao ou de referncia de residncia para aqueles servios de sade que trabalham a

    partir de bases territoriais nas grandes cidades. Quem vive na rua, em princpio, no pertence

    a nenhuma rea de abrangncia especfica, portanto, torna-se invisvel para a rede de servios

    de sade. Ainda assim, v-se que as pessoas resistem, criando alternativas de sobrevivncia e

    de transformao da realidade.

    EDUCAO

    Quanto educao formal, a pesquisa revelou que a maioria dos entrevistados sabe ler

    e escrever (74%), enquanto que 17,1% no sabem escrever e 8,3% sabem apenas assinar o

    prprio nome. Revelou tambm que, embora a imensa maioria (95%) no estude atualmente,

    3,8% dos entrevistados afirmaram estar fazendo algum curso, dos quais 2,1% cursam o ensino

    formal e 1,7% fazem cursos profissionalizantes.

    Em relao a esse aspecto da pesquisa, a Poltica Nacional para as Pessoas em

    Situao de Rua, coloca entre os seus objetivos XIV - disponibilizar programas de

    qualificao profissional para as pessoas em situao de rua, com o objetivo de propiciar o

    seu acesso ao mercado de trabalho. (DECRETO 7.053, 2009) se, no entanto, precisar que

    tipo de programas sero estes e de que forma contribuiro na qualificao profissional dessas

    pessoas.

    NECESSIDADES FISIOLOGICAS

    O dia-dia das pessoas em situao de rua descrito pela pesquisa tomando como base

    a alimentao e a satisfao das necessidades fisiolgicas. Nela descobriu-se que a maioria

    (79,6%) dessa populao consegue fazer ao menos uma refeio por dia, sendo que 27,1% dos

    entrevistados responderam que compram a comida com o seu prprio dinheiro e 4,3%

    utilizam o restaurante popular. 19,0% dos entrevistados, porem, afirmam no conseguir se

  • 30

    alimentar todos os dias (ao menos uma refeio por dia). Os locais mais utilizados pelas

    pessoas em situao de rua para tomar banho so a prpria rua (32,6%), os albergues ou os

    abrigos (31,4%), os banheiros pblicos (14,2%) e a casa de parentes ou amigos (5,2%),

    nmeros semelhantes foram encontrados em relao a satisfao das necessidades

    fisiolgicas: 32,5% costumam utilizar a rua (32,5%), 25,2% utilizam os albergues ou abrigos

    e 21,3% os banheiros pblicos, enquanto que 9,4% usam os estabelecimentos comerciais e

    2,7% utilizam a casa de parentes ou amigos.

    LOCAIS UTILIZADOS PARA BANHO E NECESSIDADES FISIOLOGICAS

    Fonte: Brasil,2008b

    Essa questo da satisfao das necessidades fisiolgicas foi tratada pela Poltica

    Nacional para as Pessoas em Situao de Rua nos objetivos do programa, mais

    especificamente no XIII inciso, que visa Implementar aes de segurana alimentar e

    nutricional suficientes para proporcionar acesso permanente alimentao pela populao em

    situao de rua alimentao, com qualidade; (DECRETO 7.053, 2009)

    Essas aes devero, segundo o Decreto 7.053/2009, ser realizadas pelo Ministrio do

    Desenvolvimento Social e Combate Fome, sob a coordenao da Secretaria Especial dos

    Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    3000

    TOMAR BANHO USAR O BANHEIRO

    Albergue ou Abrigo

    Banheiro pblico

    Casa de parentes ou amigos

    Estabelecimentos comerciais

    Penso ou Hotel ou Motel

    Igreja

    Outro

    No respondeu

    Total

  • 31

    IDENTIFICAO FORMAL

    Outro que contribui para a desinsero dessas pessoas dos programas governamentais

    a ausncia de documentao, que traz s pessoas em situao de rua inmeras dificuldades

    em vrios aspectos da vida em sociedade. 24,8% das pessoas em situao de rua no possuem

    documentos de identificao e isso cria dificuldades no apenas na obteno de emprego

    formal, mas tambm no acesso aos diversos servios e programas governamentais e tambm

    ao exerccio da cidadania. Em contrapartida, 21,9% possuem todos os documentos de

    identificao mencionados na pesquisa. Essa ausncia de documentos, especialmente os

    bsicos, se choca com o que diz a Constituio Federal no seu artigo 5, inciso LXXVI:so

    gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento;

    b) a certido de bito;

    Essa ausncia de documentos um dos fatores que fazem com que a grande maioria

    dos pesquisados no seja coberta pelos programas governamentais: 88,5% afirmaram no

    receber qualquer benefcio dos rgos governamentais. Dos que recebem esses benefcios,

    3,2% recebem aposentadoria, 2,3% so beneficirios do Programa Bolsa Famlia e 1,3%

    recebem o Benefcio de Prestao Continuada, que um benefcio da assistncia social,

    integrante do Sistema nico da Assistncia Social SUAS, pago pelo Governo Federal e

    operacionalizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social INSS, cujos beneficiados so

    idosos e pessoas com deficincia.

    A Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua no trata especificamente

    desse ponto, mas de forma subjetiva, no artigo 5, dos princpios da poltica, nos incisos II e

    III, que se referem a:

    II - direito convivncia familiar e comunitria;

    III - valorizao e respeito vida e cidadania; (DECRETO 7.053, 2009)

    A cidadania exercida de vrias maneiras, a maioria das quais necessita de

    documentao para ser exercida, como o voto obrigatrio, por exemplo. Muitas das pessoas

    em Situao de Rua encontram-se atualmente impedidos de exercer o voto devido ausncia

    de documentos. A convivncia comunitria tambm necessita de algum tipo de documentao

    em alguns casos, como por exemplo, na hora de escolher ou se candidatar aos conselhos

    comunitrios e tambm no acesso a determinadas informaes, como na justia.

  • 32

    POPULAO EM SITUAO DE RUA SEGUNDO POSSE DE DOCUMENTOS DE

    IDENTIFICAO, 2007-2008

    Fonte: Pesquisa Nacional sobre a Populao em Situao de Rua, Meta/MDS,2008

    VINCULOS FAMILIARES

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua revelou que a perda de

    vnculos familiares decorrente do desemprego, da violncia, da perda de algum ente querido,

    perda da autoestima, o abuso de lcool e outras drogas e as doenas mentais esto entre os

    principais motivos que levam as pessoas a morarem nas ruas. Alm disso, existem pessoas

    que se encontram na rua por serem recm-chegadas nas grandes cidades e ainda no

    conseguiram emprego ou um local de moradia.

    David Snow e Leon Anderson, em seus estudos sobre a populao de rua na cidade de

    Austin, Texas, na dcada de 80, afirmam que:

    o mundo social dos moradores de rua constitui-se em uma subcultura, ainda que limitada ou incompleta. Trata-se de um mundo social que no criado ou escolhido

    pelas pessoas que vivem nas ruas, pelo menos inicialmente, mas para o qual foram

    empurradas por circunstncias alheias ao seu controle. Partilham, contudo, do

    mesmo destino, o de sobreviver nas ruas e becos das grandes cidades. (SNOW e

    ANDERSON, 1998, p. 77)

    Apesar da aparente desvinculao entre os que se encontram nas ruas e a famlia,

    51,9% dos entrevistados declararam possuir algum parente residente na cidade onde se

    encontram. Desses, 38,9% deles no mantm contato com esses parentes, 14,5% mantm

    contato em perodos espaados (de dois em dois meses at um ano) e 34,3% mantm contato

    mais freqentemente (dirios, semanais ou mensais). Dos que mantm contato com parentes

    residentes na mesma cidade onde encontram, 39,2% consideram como bom ou muito bom o

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    %

    Carteira de Identidade

    Certido de nascimento/casamento

    CPF

    Carteira de trabalho

    Titulo eleitoral

    Sem documento algum

    Todos os documentos

  • 33

    relacionamento que mantm com eles e 29,3% consideram esse relacionamento ruim ou

    pssimo. Apenas 23,1% dos pesquisados informaram que mantm contato com parentes que

    vivem fora da cidade em que se encontram.

    A presena de familiares e, mais ainda, de vnculos familiares na mesma cidade onde

    se encontram os entrevistados levanta uma questo interessante: o que os leva a escolher a rua

    como morada? Essa questo foi formulada durante a pesquisa e revelou inmeros motivos

    para essa escolha. Dentre os argumentos mencionados, os mais citados pelos pesquisados para

    justificar a escolha da rua como moradia foram: problemas de alcoolismo e/ou drogas

    (35,5%); desemprego (29,8%) e desavenas com pai/me/irmos (29,1%), sendo que alguns

    motivos que podem estar correlacionados entre si ou um ser conseqncia do outro. Do total

    de indivduos pesquisados, 48,4% declararam estar h mais de dois anos dormindo na rua ou

    em albergue. Dos que dormem em albergue, 30,4% encontram-se no tempo regular de

    permanncia (1 at 6 meses), 33,3% declararam estar h mais de 6 meses e 36,7% no

    informaram o tempo de permanncia.

    Alm disso, quase a metade (45,8%) dos entrevistados sempre viveu no municpio em

    que moram atualmente, ou seja, no saram de casa e esto nas ruas porque esto distante de

    sua origem e no tem condies de voltar. Do restante dos entrevistados (54,2% do total),

    56% vieram de municpios do mesmo estado de moradia atual e 72% vieram de reas urbanas.

    Isso significa que a maior parte da populao em situao de rua originria do mesmo local

    em que se encontra, ou de locais prximos, no sendo decorrncia de deslocamentos ou da

    migrao campo/cidade.

    Outro destaque o fato de que as pessoas que declararam ter vivido em seis cidades ou

    mais (11,9%) bem menor do que os que declararam ter vivido em um numero pequeno de

    cidades (59,9%). Esses resultados indicam que os chamados trecheiros, ou seja, pessoas que

    viveram em constante deslocamento de cidades so minoria, desmistificando a idia de que

    quem se encontra em situao de rua na cidade estranho ao lugar.

    Os vnculos familiares so impossveis de serem contemplados na Poltica Nacional

    para as Pessoas em Situao de Rua, porm, o artigo 5 preconiza o direito convivncia

    familiar e comunitria (DECRETO 7.053, 2009), o que deixa subentendido que deve ser

    feita a integrao entre as diversas polticas sociais do governo para que a pessoa em situao

    de rua possa se reintegrar vivencia familiar, seja por meio de polticas de habitao e

    emprego, seja por polticas de sade voltadas ao combate ao abuso de lcool e outras drogas,

    que um dos fatores desagregadores da convivncia familiar.

  • 34

    DISCRIMINAO

    A discriminao tambm faz parte do universo de quem vive na rua, embora a

    Constituio Federal determine no caput do artigo 5 e no inciso XV do mesmo artigo:

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

    seguintes:

    XV - livre a locomoo no territrio nacional em tempo de paz, podendo qualquer

    pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

    A discriminao percebida por, por exemplo, no fato de serem freqentemente

    impedidas de entrar em alguns locais, alm do fato de que, na pesquisa, algumas pessoas

    declararam nem tentar entrar em certos lugares com receio de serem expulsas, como mostra a

    tabela abaixo:

    POPULAO EM SITUAO DE RUA SEGUNDO EXPERINCIAS DE

    IMPEDIMENTO DE ENTRADA EM LOCAIS OU PARA REALIZAO DE

    ATIVIDADES, 2007-2008 (%)

    Fonte: Pesquisa Nacional sobre a Populao em Situao de Rua (dados da amostra). Meta/MDS, 2008

    Nota: As colunas no totalizam 100% pois a informao coletada em quesito de marcao mltipla

    Vale salientar que alguns dos lugares onde foram impedidos de entrar ou tiveram

    receio de entrar, so de necessidade bsica e ligados rgos pblicos, como em locais de

    atendimento na rede de sade (18,4%) e em rgos responsveis pela emisso de documentos

    (13,9%).

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    %

    Entrar em estabelecimento comercial

    Entrar em shopping center

    Entrar em transporte coletivo

    Entrar em bancos

    Entrar em rgos pblicos

    Receber atendimento na rede de sade

    Tirar documentos

  • 35

    Faz parte das diretrizes da Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua a

    educao para a cidadania, a qual explicitamente exposta nos incisos IX e X do artigo 6:

    IX - implantao e ampliao das aes educativas destinadas superao do

    preconceito, e de capacitao dos servidores pblicos para melhoria da qualidade e

    respeito no atendimento deste grupo populacional; e

    X - democratizao do acesso e fruio dos espaos e servios pblicos.

    (DECRETO 7.053, 2009)

    importante destacar que esses dados referem-se a informaes prestadas sobre

    impedimentos sofridos realmente, sem considerar os possveis impedimentos, visto que as

    possveis no tentativas advm do fato de que muitos indivduos nem tentam entrar nesses

    locais para evitar o constrangimento decorrente do provvel impedimento. As outras formas

    de discriminao, assim como a desconstruo da imagem pr-concebida a respeito das

    pessoas em situao de rua tambm sero combatidas a partir da educao para a cidadania

    proposta pela Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua.

    HABITAO

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua mostrou tambm que dos

    entrevistados que declararam ter morado em outras cidades, 60,1% afirmaram no dormirem

    na rua ou em albergues na cidade anterior e 45,3% afirmaram ter sado da mesma em busca de

    oportunidade de trabalho. As desavenas familiares vm como segundo motivo principal para

    que 18,4% se deslocassem da cidade onde se encontravam para outra cidade.

    A Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua revelou dados que so

    importantes para a integrao das pessoas em situao de rua nas polticas sociais,

    especialmente as ligadas assistncia social e as polticas de habitao. Dos entrevistados,

    46,5% preferem dormir na rua 46,5%, enquanto 43,8% preferem dormir em albergues. Dos

    que preferem dormir em albergues, 69,3% apontaram a violncia como o principal motivo

    para essa escolha 45,2% declararam que o desconforto das ruas o principal motivo para a

    preferncia dos albergues. J os que preferem dormir nas ruas apontam como motivos

    principais a falta de liberdade nos albergues (44,3%), o horrio dos albergues (27,1%) e a

    proibio do uso de lcool e drogas (21,4%), estando esses tambm relacionados com a falta

    de liberdade.

  • 36

    POPULAO EM SITUAO DE RUA SEGUNDO LOCAL ONDE COSTUMA

    DORMIR, 2007-2008 (%)

    Fonte: Pesquisa Nacional sobre a Populao em Situao de Rua, Meta/MDS,2008

    No mbito da habitao, por exemplo, observa-se que parte da problemtica de

    moradia das pessoas em situao de ruas est relacionada, efetivamente, com o dficit

    habitacional existente nas grandes cidades do pas, mas essa afirmao se torna obsoleta

    quando se analisa que as razes que contribuem para a situao de rua no esto apenas

    relacionadas com a ausncia de moradia. Portanto, a simples oferta isolada de moradia no vai

    resolver o problema, visto que uma parcela dessa populao freqenta, mesmo que

    esporadicamente, os abrigos e albergues disponveis na rede de Assistncia Social e outra

    parte, ainda, possui parentes na cidade que podem ofertar abrigo temporrio ou mesmo

    moradia permanente, no estando, portanto, sem nenhuma perspectiva de sair das ruas.

    Essa questo da sada das ruas para um abrigo ou moradia permanente bastante

    complexa, pois envolve tambm questes comportamentais, visto que, apesar do

    oferecimento, na maioria dos locais, sejam abrigos e albergues, sejam casa de parentes, de

    leito, roupa de cama, cobertores, roupa para trocar, material de higiene e alimentao, h, em

    contrapartida, certas exigncias que afastam uma parcela dessa populao, tais como regras

    neles estabelecidas em funo da necessidade de organizao e convivncia, que vo desde as

    mais bsicas, como no fazer uso de lcool e drogas no local, no portar arma e tomar banho,

    as mais rgidas e seletivas, que tm como objetivo implcito a mudana de comportamentos.

    Portanto, o simples oferecimento de abrigo tambm no resolve a questo.

    A questo da habitao permanente no foi contemplada nessa poltica, embora

    existam polticas pblicas voltadas para essa necessidade. Entretanto, a questo do

    acolhimento ganhou um artigo especifico na Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    %

    Albergue

    Rua

    No sabe/No se aplica/No respondeu

  • 37

    Rua. Muito embora a pesquisa tenha deixado claro que as regras impostas pelos abrigos e

    albergues seja um dos fatores que afastam quase metade das Pessoas em Situao de Rua

    pesquisadas, a Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua preza pela manuteno

    das regras, at para que haja um controle desses albergues e abrigos.

    Um dos objetivos da Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua XI -

    adotar padro bsico de qualidade, segurana e conforto na estruturao e reestruturao dos

    servios de acolhimento temporrios, de acordo com o disposto no art. 8o; (DECRETO

    7.053, 2009). Esse padro bsico de qualidade melhor definido no artigo 8o, como segue:

    Art. 8o O padro bsico de qualidade, segurana e conforto da rede de acolhimento

    temporrio dever observar limite de capacidade, regras de funcionamento e

    convivncia, acessibilidade, salubridade e distribuio geogrfica das unidades de

    acolhimento nas reas urbanas, respeitado o direito de permanncia da populao

    em situao de rua, preferencialmente nas cidades ou nos centros urbanos.

    1o Os servios de acolhimento temporrio sero regulamentados nacionalmente

    pelas instncias de pactuao e deliberao do Sistema nico de Assistncia Social.

    2o A estruturao e reestruturao de servios de acolhimento devem ter como

    referncia a necessidade de cada Municpio, considerando-se os dados das pesquisas

    de contagem da populao em situao de rua.

    3o Cabe ao Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, por

    intermdio da Secretaria Nacional de Assistncia Social, fomentar e promover a

    reestruturao e a ampliao da rede de acolhimento a partir da transferncia de

    recursos aos Municpios, Estados e Distrito Federal.

    4o A rede de acolhimento temporrio existente deve ser reestruturada e ampliada

    para incentivar sua utilizao pelas pessoas em situao de rua, inclusive pela sua

    articulao com programas de moradia popular promovidos pelos Governos Federal,

    estaduais, municipais e do Distrito Federal.

    EMPREGO E RENDA

    De acordo com a pesquisa, os nveis de renda das pessoas em situao de rua so

    baixos. A maioria (52,6%) recebe entre R$ 20,00 e R$ 80,00 semanais. Apesar de todas as

    condies desfavorveis j descritas, a maioria da populao em situao de rua (70,9%)

    afirma exercer alguma atividade remunerada, das quais destacam-se catador de materiais

    reciclveis (27,5%), flanelinha (14,1%), construo civil (6,3%), limpeza (4,2%) e

    carregador/estivador (3,1%). Somente 15,7% dos pesquisados afirmaram que tem na

    mendicncia sua principal fonte de renda, desmentindo o mito de que a populao em situao

    de rua composta apenas por mendigos e pedintes.

    A maioria dos entrevistados (58,6%) afirmou ter uma profisso, dentre elas destacam-

    se as ligadas construo civil (27,2%), ao comrcio (4,4%), ao trabalho domstico (4,4%) e

    mecnica (4,1%). Desses, apenas 1,9% afirmaram estar trabalhando atualmente com carteira

    assinada e 47,7% afirmaram nunca terem trabalhado com carteira assinada. Dos que alegaram

  • 38

    j terem trabalhado com carteira assinada, 50% afirmaram que isso ocorreu h mais de cinco

    anos e 22,9% afirmam que isso ocorreu entre dois e cinco anos.

    H ainda, segundo a pesquisa, aqueles que possuem um trabalho ou subemprego ou

    recebem benefcios sociais, mas que cujo ganho no suficiente para o sustento,

    especialmente no que se refere ao pagamento de aluguel e acabam vivendo nas ruas. Alm

    dessas, h os que sobrevivem com o que recolhem nas ruas, como os catadores de resduos ou

    os que fazem outros trabalhos eventuais e acabam dormindo em albergues, abrigos ou em

    algum espao na rua devido dificuldade de retornar para casa nas periferias distantes. Outros

    se deslocam pelos bairros ou de cidade em cidade, geralmente sozinhos e no se vinculam a

    nada. Ana Paula Motta Costa, ao tratar dessa questo, afirma que a excluso social

    caracteriza-se, tambm, pela

    [...] falta de pertencimento social, falta de perspectivas, dificuldade de acesso informao e perda de autoestima. Acarretam consequncias na sade geral das

    pessoas, em especial a sade mental, relaciona-se com o mundo do trfico de drogas,

    relativiza valores e estabelece padres e perspectivas de emancipao social muito

    restritos. (MOTTA, 2005, p. 3).

    A perspectiva de ter acesso ao emprego formal, geralmente apregoado como um

    caminho para a sada da rua, em muitos casos no tem condio de tornar-se realidade diante

    da fragilidade da condio pessoal decorrente da situao de rua e da incapacidade de se

    cumprir horrios, apresentar-se adequadamente e no usar lcool e/ou drogas, especialmente

    por aqueles que j se encontram h algum tempo em situao de rua. Mesmo assim, a

    necessidade de viabilizar alternativas de gerao de renda para esse pblico uma das

    principais tarefas a ser enfrentada no s pelo poder pblico, mas pela sociedade em geral,

    pois nesse campo que reside a possibilidade, ainda que remota, de que as pessoas que vivem

    situao de rua possam adquirir autonomia e se reintegrem sociedade.

    Alguns projetos j existentes nesse campo e que tm alcanado xito, so formulados a

    partir de uma retomada gradual da atividade produtiva, numa combinao de atividade

    laboral, repasse de renda, acompanhamento social e oferta de espaos educativos. Um projeto

    existente sobre esse assunto o Projeto de Lei N 2470, de 2007, de autoria do deputado

    paulista Paulo Teixeira, que solicita a alterao da Lei n. 8666, de 21 de julho de 1993, que

    regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituio Federal. Essa proposta prev que as

    empresas vencedoras de licitaes de obras e servios pblicos devem admitir pessoas em

    situao de rua como suas funcionrias sempre que o trabalho a ser realizado for compatvel

    com o uso de mo de obra de qualificao bsica, em numero no inferior a 2% do pessoal a

  • 39

    ser contratado, objetivando a reinsero das pessoas em situao de rua no mercado de

    trabalho. Essa proposio encontra-se ainda em tramitao na Cmara Federal, devendo, se

    aprovada, ser encaminhada para apreciao no Senado.

    O acesso ao mercado de trabalho foi mencionado na Poltica Nacional para as Pessoas

    em Situao de Rua nos seus objetivos, mais especificamente no inciso XIV: Disponibilizar

    programas de qualificao profissional para as pessoas em situao de rua, com o objetivo de

    propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho. (DECRETO 7.053, 2009), porm, assim

    como no quesito educao, cuja meno tambm foi esse mesmo inciso, no h uma definio

    sobre como se dar essa reinsero no mercado de trabalho. Teoricamente, as polticas

    governamentais de acesso ao emprego, como o Programa Primeiro Emprego e Menor

    Aprendiz se integrariam Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua para alcanar

    esse objetivo.

    INSTITUIES GOVERNAMENTAIS

    Outros dados revelados pela Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua

    referem-se relao entre as pessoas em Situao de Rua e as instituies oficiais, pelas quais

    elas passaram, seja de forma voluntria ou no. Essa relao revela que, embora de forma

    precria, as instituies ainda oferecem algum tipo de atendimento a esses usurios.

    De acordo com a Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua, 28,1%

    dos pesquisados afirmaram j ter passado por casas de recuperao de dependentes qumicos;

    27,0% j estiveram em algum abrigo institucional; 17,0% admitiram j ter passado por

    alguma casa de deteno; 16,7% afirmaram j ter passado por hospital psiquitrico; 15,0%

    dos entrevistados j estiveram em orfanato e 12,2% j estiveram na FEBEM ou instituio

    equivalente. Cerca de 60% das pessoas em situao de rua entrevistadas afirmaram j ter

    passado por pelo menos uma das instituies citadas e 0,7% afirmaram ter passado por todas

    estas instituies.

    para essa populao que devem ser formuladas, a partir da integrao entre o poder

    pblico, sobre o qual recaem as responsabilidades por sua elaborao e financiamento, e a

    sociedade civil, por meio de entidades, fruns e organizaes da populao em situao de

    rua, polticas pblicas federais, estaduais e municipais que, integradas, possam desenvolver e

    executar projetos que beneficiem a populao em situao de rua, especialmente polticas de

    sade, educao e de incentivo criao de emprego.

  • 40

    Pelo que se percebe na Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua, as

    pessoas nessa situao amparam-se em trabalhos temporrios, ajuda do governo, de entidades

    de assistncia social e da sociedade em geral para poderem sobreviver nas ruas. Esse amparo,

    porm, no garante seu reingresso no mercado de trabalho e nem na sociedade. Dentre os

    objetivos da poltica encontram-se a melhoria das instituies de acolhimento, conforme j foi

    citado no item HABITAO.

    A Poltica Nacional para Incluso Social da Populao em Situao de Rua foi

    formulada visando no apenas atender as necessidades dessa populao, mas tambm para

    criar meios de reinseri-las no mercado de trabalho e dar a elas condies de voltarem ao

    convvio social de maneira mais participativa e no apenas como meros receptores da ajuda

    dada pelo governo e pela sociedade. sobre os propsitos dessa poltica que tratar a terceira

    parte dessa monografia e sobre de que forma essa poltica pensou aes estratgicas que

    contribuiro para a reintroduo das pessoas em situao de rua na comunidade.

  • 41

    5 - A POLTICA NACIONAL PARA A POPULAO EM SITUAO DE RUA

    A Poltica Nacional Para a Populao em Situao de Rua, instituda no Brasil em 23

    de dezembro de 2009 prope-se a minorar [...] de forma descentralizada e articulada entre a

    Unio e os demais entes federativos que a ela aderirem por meio de instrumento prprio, a

    situao em que se encontram as pessoas em situao de rua.

    Essa poltica foi desenvolvida a partir do I Encontro Nacional sobre Populao em

    Situao de Rua, onde foram discutidos, em conjunto com os movimentos sociais

    representativos desse segmento social, os desafios, as estratgias e as recomendaes para a

    formulao de polticas pblicas nacionalmente articuladas para essa parcela da populao e

    da realizao da Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua, que colocou, em

    nmeros, a situao dessa populao. Nas discusses sobre o tema, foi destacada a

    importncia da realizao de estudos que possam quantificar e permitir a sua caracterizao

    socioeconmica, de modo a orientar a elaborao e implementao de polticas pblicas

    direcionadas a tal pblico.

    Buscaremos mostrar, nessa breve anlise, o que foi estabelecido na Poltica Nacional

    Para a Populao em Situao de Rua, quais so, de fato, as diretrizes estabelecidas por essa

    poltica para que elas se integrem s outras polticas pblicas j existentes e se elas esto

    realmente cumprindo o que foi estabelecido no decreto 7.053 de dezembro de 2009.

    A Poltica Nacional Para a Populao em Situao de Rua estabelece, atravs de seus

    princpios, diretrizes e objetivos, a integrao entre as polticas pblicas federais, estaduais e

    municipais e as aes desenvolvidas pela sociedade, de forma que elas atuem juntas,

    sistematizadas e voltadas para esse segmento at ento esquecido. Estabelece tambm, ser

    possvel firmar parcerias com entes privados e pblicos, conforme o artigo quarto dessa

    poltica:

    Art. 4o O Poder Executivo Federal poder firmar convnios com entidades pblicas

    e privadas, sem fins lucrativos, para o desenvolvimento e a execuo de projetos que

    beneficiem a populao em situao de rua e estejam de acordo com os princpios,

    diretrizes e objetivos que orientam a Poltica Nacional para a Populao em Situao

    de Rua. (DECRETO 7.053, 2009).

  • 42

    Os princpios da Poltica Nacional para Incluso Social da Populao em Situao de

    Rua so:

    I - Promoo e garantia da cidadania e dos direitos humanos;

    II - Respeito dignidade do ser humano, sujeito de direitos civis, polticos, sociais,

    econmicos e culturais;

    III - Direito ao usufruto, permanncia, acolhida e insero na cidade;

    IV - No-discriminao por motivo de gnero, orientao sexual, origem tnica ou

    social, nacionalidade, atuao profissional, religio, faixa etria e situao migratria;

    V - Supresso de todo e qualquer ato violento e ao vexatria, inclusive os estigmas

    negativos e preconceitos sociais em relao populao em situao de rua.

    As diretrizes definidas para a Poltica Nacional para as Pessoas em Situao de Rua

    so:

    I - Implementao de polticas pblicas nas esferas federal, estadual e municipal,

    estruturando as polticas de sade, educao, assistncia social, habitao, gerao de

    renda e emprego, cultura e o sistema de garantia e promoo de direitos, entre outras,

    de forma intersetorial e transversal garantindo a estruturao de rede de proteo s

    pessoas em situao de rua;

    II - Complementaridade entre as polticas do Estado e as aes pblicas no estatais de

    iniciativa da sociedade civil;

    III - Garantia do desenvolvimento democrtico e de polticas pblicas integradas para

    promoo das igualdades sociais, de gnero e de raa;

    IV - Incentivo organizao poltica da populao em situao de rua e participao

    em instncias de controle social na formulao, implementao, monitoramento e

    avaliao das polticas pblicas, assegurando sua autonomia em relao ao Estado;

    V - Alocao de recursos nos Planos Plurianuais, Leis de Diretrizes Oramentrias e

    Leis Oramentrias Anuais para implementao das polticas pblicas para a

    populao em situao de rua;

    VI - Elaborao e divulgao de indicadores sociais, econmicos e culturais, sobre a

    populao em situao de rua;

    VII - Sensibilizao pblica sobre a importncia de mudana de paradigmas culturais

    concernentes aos direitos humanos, econmicos, sociais e culturais da populao em

    situao de rua;

  • 43

    VIII - Incentivo formao e capacitao de profissionais para atuao na rede de

    proteo s pessoas em situao de rua; alm da promoo de aes educativas

    permanentes para a sociedade;

    IX - Ao intersetorial para o desenvolvimento de trs eixos centrais: a garantia dos

    direitos; o resgate da auto-estima e a reorganizao dos projetos de vida.

    Os princpios dessa poltica so convencionveis a qualquer poltica, seja ela voltada

    para a sociedade dita tradicional, seja para a populao em situao de rua. So princpios

    voltados para o artigo 5 da Constituio Federal e, portanto, garantem os direitos da pessoa

    humana.

    J as diretrizes da Poltica so mais voltadas para as necessidades prprias dessa

    populao, reveladas pela Pesquisa Nacional Sobre a Populao em Situao de Rua e

    discutidas no Encontro Nacional. Os dois primeiros princpios podem ser relacionados s

    necessidades mais citadas na pesquisa que so sade, habitao, emprego, reinsero na

    sociedade, dentre outras. Essa diretriz foi parcialmente cumprida no que se refere

    implementao da Poltica Nacional, porm no existem, ainda, polticas estadu