ARGUMENTAÇÃO

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ARGUMENTAÇÃO Um dos aspectos importantes a considerar quando se lê um texto é que, em princípio, quem o produz está interessado em convencer o leitor de alguma coisa. Todo texto tem, por trás de si, um produtor que procura persuadir o seu leitor (ou leitores), usando para tanto vários recursos de natureza biológica e lingüística. Chamamos procedimentos argumentativos a todos os recursos acionados pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer naquilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele propõe. Para ter idéia de alguns desses procedimentos argumentativos, vamos ler um fragmento de um dos sermões de Padre Antônio Vieira, no qual ele tenta explicitar certos recursos que o pregador deve usar para que o sermão cumpra o papel de persuasão ou convencimento: “O sermão há de ser duma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria. Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la, para que se conheça, há de dividi-la, para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esse hão de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela”. (Sermão da Sexagésima. In. – Os Sermões. São Paulo. Difel. 1968. VI. P. 99) Tomando o fragmento citado como ponto de partida, podemos inferir alguns dos recursos argumentativos que um texto deve conter para ser convincente ou persuasivo. A primeira qualidade que Vieira aponta é que o texto deve ter unidade, isto é, deve tratar de “um só objeto”, “uma só matéria”.

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Explicações e Atividades

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ARGUMENTAOUm dos aspectos importantes a considerar quando se l um texto que, em princpio, quem o produz est interessado em convencer o leitor de alguma coisa. Todo texto tem, por trs de si, um produtor que procura persuadir o seu leitor (ou leitores), usando para tanto vrios recursos de natureza biolgica e lingstica.Chamamos procedimentos argumentativos a todos os recursos acionados pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer naquilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele prope.Para ter idia de alguns desses procedimentos argumentativos, vamos ler um fragmento de um dos sermes de Padre Antnio Vieira, no qual ele tenta explicitar certos recursos que o pregador deve usar para que o sermo cumpra o papel de persuaso ou convencimento:

O sermo h de ser duma s cor, h de ter um s objeto, um s assunto, uma s matria. H de tomar o pregador uma s matria, h de defini-la, para que se conhea, h de dividi-la, para que se distinga, h de prov-la com a Escritura, h de declar-la com a razo, h de confirm-la com o exemplo, h de amplific-la com as causas, com os efeitos, com as circunstncias, com as convenincias que se ho de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, h de responder s dvidas, h de satisfazer s dificuldades, h de impugnar e refutar com toda a fora da eloqncia os argumentos contrrios, e depois disto h de colher, h de apertar, h de concluir, h de persuadir, h de acabar. Isto sermo, isto pregar, e o que no isto, falar de mais alto. No nego nem quero dizer que o sermo no haja de ter variedade de discursos, mas esse ho de nascer todos da mesma matria, e continuar e acabar nela.

(Sermo da Sexagsima. In. Os Sermes. So Paulo. Difel. 1968. VI. P. 99) Tomando o fragmento citado como ponto de partida, podemos inferir alguns dos recursos argumentativos que um texto deve conter para ser convincente ou persuasivo.A primeira qualidade que Vieira aponta que o texto deve ter unidade, isto , deve tratar de um s objeto, uma s matria.Essa qualidade um dos mais importantes recursos argumentativos j que um texto dispersivo, cheio de informaes desencontradas no entendido por ningum: fica-se sem saber qual seu objeto central. O texto que fala de tudo acaba no falando de nada.Mas preciso no confundir unidade com repetio ou redundncia. O prprio fragmento que acabamos de ler adverte que o texto deve ter variedade desde que essa variedade explore uma mesma matria, isto , comece, continue e acabe dentro do mesmo tema central.Outro recurso argumentativo apontado no texto de Vieira a comprovao das teses defendidas com citaes de outros textos autorizados. Como sacerdote que , sugere as citaes das Sagradas Escrituras, j que, segundo sua crena, so elas a fonte legtima da verdade.O que Vieira diz sobre os sermes vale para qualquer outro texto, desde que no se tome ao p da letra o que ele diz sobre as Sagradas Escrituras. Um texto ganha mais peso quando, direta ou indiretamente, apia-se em outros textos que tratam do mesmo tema.Costuma-se chamar argumento de autoridade a esse recurso citao.O texto aconselha ainda que o pregador, ao elaborar o seu sermo, use o raciocnio ou a razo para estabelecer correlaes lgicas entre as partes do texto, apontando as causas e os efeitos das afirmaes que produz.Esses recursos de natureza lgica do consistncia ao texto, na medida em que amarram com coerncia cada uma das suas partes. Um texto desorganizado, sem articulao lgica entre os seus segmentos, no convincente, no persuasivo.Alm disso, o pregador deve cuidar de confirmar com exemplos adequados as afirmaes que faz. Uma idia geral e abstrata ganha mais confiabilidade quando vem acompanhada de exemplos concretos adequados. Os dados da realidade observvel do peso a afirmaes concretas.Um ltimo recurso argumentativo apontado pelo texto de Vieira a refutao dos argumentos contrrios. Na verdade, sobretudo quando se trata de um tema polmico, h sempre verses divergentes sobre ele. Um texto, para ser convincente, no pode fazer conta que no existem opinies opostas quelas que se defendem no seu interior. Ao contrrio, deve expor com clareza as objees conhecidas e refut-las com argumentos slidos.Esses so alguns dos recursos que podem ser explorados pelo produtor do texto para conseguir persuadir o leitor.Alm desses h outros procedimentos argumentativos que sero explorados em lies posteriores.O que interessa destacar nesta lio o fato de que a argumentao esta sempre presente em qualquer texto. Por argumentao deve-se entender qualquer tipo de procedimento usado pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a dar sua adeso s teses definidas pelo texto.

TEXTO COMENTADO

Sermo de Santo Antnio

Vs, diz Cristo Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quere que faam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal impedir a corrupo, mas quando a terra se v to corrupta como est a nossa, havendo tantos nela que tm ofcio de sal, qual ser, ou qual pode ser a causa desta corrupo? Ou porque o sal no salga, ou porque a terra se no deixa salgar. Ou porque o sal no salga, e os pregadores no pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se no deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes do, a no querem receber. Ou porque o sal no salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se no deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que dizem; ou porque o sal no salga, e os pregadores se pregam a si, e no a Cristo, ou porque a terra se no deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. No tudo isto verdade? Ainda mal.

Vieira. Antnio. Pe. Os Sermes. So Paulo. Difel. 1968. I. p. 340.

Evidentemente, um fragmento de texto no se presta para ilustrar todos os recursos argumentativos conhecidos; eles so praticamente inesgotveis.No fragmento do Sermo de Santo Antnio acima citado, destacam-se basicamente trs tipos de recursos argumentativos: a unidade do tema; a coerncia lgica entre cada uma das partes do texto; o recurso citao de um texto autorizado: a palavra de Cristo.O tema central um s: as possveis causas da ineficincia dos pregadores.O texto inicia-se pela citao das palavras de Cristo, que jogam com duas metforas: o sal (os pregadores) e a terra (os ouvintes).O prprio texto esclarece o sentido das metforas: os pregadores so designados como sal por que se espera que eles tenham a ao do sal, isto , evitar que os alimentos entrem em corrupo; a terra representa os ouvintes da pregao, aqueles a quem se dirige o sermo, o lugar onde se joga a semente (a palavra de Deus).A seguir, o texto aponta uma contradio: a terra (os ouvintes da palavra) est corrupta apesar de contar com vrios pregadores.Qual ser, ento, a causa dessa contradio?A partir da o texto comea a enumerar as causas possveis, e todas elas so o desdobramento de suas possibilidades: a corrupo da terra se explica pela ineficincia do sal (os pregadores) ou pela recusa da terra (os ouvintes).Essa oposio bsica d unidade a todas as hipteses que vm a seguir, como se pode notar pelo esquema abaixo:

Hipteses que se referem ao tema da ineficincia dos pregadores, pela figura o sal no salgaHipteses que se referem ao tema da recusa dos ouvintes, representado pela figura a terra no se deixa salgar

a) ou os pregadores no pregam a verdade;b) ou os pregadores agem contra aquilo que pregam;c)ou os pregadores pregam a si e no a Cristo.a)ou os ouvintes se recusam a aceit-la;b)ou os ouvintes preferem agir como os pregadores ao invs de agir conforme o que eles pregam;c)ou os ouvintes preferem seguir seus prprios apetites.

E a concluso vem no final: na verdade, todas essas causas so responsveis pelo insucesso dos pregadores.

EXERCCIOS

Os muitos fantasmas

O encontro de ontem entre o presidente da Federao das Indstrias do estado de So Paulo, Mario Amato, e o presidente da central nica dos trabalhadores, Jair Meneguelli, em torno de uma pauta comum de combate inflao, revelador do tamanho que ganhou o fantasma da disparada de preos.Meneguelli e Amato, representantes de um pedao expressivo da sociedade, tm to tremendas diferenas de opinio a respeito de quase tudo que seria inimaginvel v-los discutindo com proveito qualquer coisa. Mas a presena de um inimigo comum, externo a ambos, colocou-os lado a lado, o que um primeiro passo positivo.O problema que subsistem outros fantasmas, alm da inflao, a travar o aprofundamento dos contatos entre sindicalistas e empresrios. Vicente Paulo da Silva, presidente do sindicato dos metalrgicos de So Bernardo, aponta um deles: Os empresrios so contraditrios. Falam em pacto, mas gastam um dinheiro para tentar remover da Constituio direitos sociais mnimos. Vicentino pede um gesto concreto de Mario Amato na direo do atendimento de reivindicaes dos sindicatos.Entre os dois outros interlocutores da mesa tripartite de um pacto contra a inflaoempresrios e o governo - pesa a mesma sombra de desconfiana. Os empresrios acham que o governo no faz o que deve, em matria de corte do dficit pblico, enquanto o governo jura que est fazendo tudo o que pode.Tambm entre governo e sindicalistas, h uma bvia desconfiana, a ponto de Vicentino generalizar: Falta credibilidade tanto por parte do governo como por parte do empresariado. muito possvel que os empresrios e o governo achem que a mesma credibilidade deles exigida falte aos lderes sindicais.Fica difcil, nesse terreno pantanoso, caminhar na direo de um acordo que abata o inimigo comum, a inflao. A nica perspectiva a constatao de que algo precisa ser feito, porque mesmo as mais negras previses feitas at o fim do primeiro semestre comeam a ser atropeladas por uma realidade ainda mais feia.

Rossi, Clvis. Folha de S. Paulo,: A-2, 20 de jul. 1988.

Questo 1

No primeiro pargrafo, o produtor do texto afirma que o encontro entre Mrio Amato e Jair Meneguelli serve para revelar que a disparada dos preos ganhou propores assustadoras. Qual o argumento que Clvis Rossi usa para demonstrar a afirmao que faz?

Questo 2

Embora reconhea que o encontro entre sindicalistas e empresrios seja um passo positivo para tentar resolver o problema da inflao, o articulista considera difcil que esses contatos progridam e se estreitem mais.Qual o argumento que ele usa para comprovar sua viso pessimista?

Questo 3

Quando diz Os empresrios so contraditrios. Falam em pacto, mas gastam um dinheiro para tentar remover da constituio direitos sociais mnimos, as aspas indicam que o articulista est citando textualmente as palavras do lder sindical.Em termos de argumentao, que efeito produz a citao textual?

Questo 4

Clvis Rossi cita textualmente as palavras de Vicente Paulo da Silva para argumentar a favor de uma afirmao que fez anteriormente. De que afirmao se trata?

Questo 5Qual o argumento que se usa para demonstrar que entre o governo e os empresrios tambm existem desconfiana?

Questo 6

Por que o articulista afirma cautelosamente que muito possvel que os empresrios e o governo achem que a mesma credibilidade deles exigida faltes aos lderes sindicais?

Questo 7

Lendo o texto, no seu todo, pode-se concluir que Clvis Rossi usou vrios argumentos para afirmar que:a)a inflao o maior de todos os problemas que separam empresrios e sindicalistas.b)apesar de um pequeno progresso, o pacto entre empresrios e sindicalistas encontra srios obstculos pela frente.c)o governo desconfia dos empresrios tanto quanto os empresrios desconfiam dos sindicalistas.d)no h base alguma para um acordo entre empresrios e sindicalistas.e)os prprios sindicalistas esto divididos entre si.