ArlleteMontenegro_AlfredoSternheim

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Fé, Amor e Emoção Arllete Montenegro Arllete Montenegro Alfredo Sternheim São Paulo, 2008 Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Governador José Serra A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda Apresentação

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  • Arllete Montenegro

    F, Amor e Emoo

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  • Arllete Montenegro

    F, Amor e Emoo

    Alfredo Sternheim

    So Paulo, 2008

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  • Coleo Aplauso

    Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

    Governador Jos Serra

    Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

    Diretor-presidente Hubert Alqures

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  • Apresentao

    Segundo o catalo Gaud, no se deve erguer monumentos aos artistas porque eles j o fize-ram com suas obras. De fato, muitos artistas so imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas.

    Mas como reconhecer o trabalho de artistas ge niais de outrora, que para exercer seu ofcio muniram-se simplesmente de suas prprias emoes, de seu prprio corpo? Como manter vivo o nome daque-les que se dedicaram mais voltil das artes, es-crevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que tm a efmera durao de um ato?

    Mesmo artistas da TV ps-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou so muitas vezes inacessveis ao grande pblico.

    A Coleo Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memria de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participao na histria recente do Pas, tanto dentro quanto fora de cena.

    Ao contar suas histrias pessoais, esses artistas do-nos a conhecer o meio em que vivia toda

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  • uma classe que representa a conscincia crtica da sociedade. Suas histrias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevit-vel reflexo na arte. Falam do seu engajamento poltico em pocas adversas livre expresso e as conseqncias disso em suas prprias vidas e no destino da nao.

    Paralelamente, as histrias de seus familiares se en tre la am, quase que invariavelmente, saga dos milhares de imigrantes do comeo do sculo pas sado no Brasil, vindos das mais varia-das origens. En fim, o mosaico formado pelos depoimentos com pe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo poltico e cultural pelo qual passou o pas nas ltimas dcadas.

    Ao perpetuar a voz daqueles que j foram a pr-pria voz da sociedade, a Coleo Aplauso cumpre um dever de gratido a esses grandes smbolos da cultura nacional. Publicar suas histrias e per-sonagens, trazendo-os de volta cena, tambm cumpre funo social, pois garante a preservao de parte de uma memria artstica genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem queles que merecem ser aplaudidos de p.

    Jos SerraGovernador do Estado de So Paulo

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  • Coleo Aplauso

    O que lembro, tenho.Guimares Rosa

    A Coleo Aplauso, concebida pela ImprensaOfi cial, visa a resgatar a memria da cultura nacio nal, biografando atores, atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas de cine ma, teatro e televiso. Foram selecionados escri tores com largo currculo em jornalismo cul-tural para esse trabalho em que a histria cnica e audiovisual brasileira vem sendo re constituda de ma nei ra singular. Em entrevistas e encontros suces sivos estreita-se o contato en tre bigrafos e bio gra fados. Arquivos de documentos e imagens so pesquisados, e o universo que se recons titui a partir do cotidiano e do fazer dessas persona-lidades permite reconstruir sua trajetria.

    A deciso sobre o depoimento de cada um na pri-meira pessoa mantm o aspecto de tradio oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor .

    Um aspecto importante da Coleo que os resul -ta dos obtidos ultrapassam simples registros bio-gr ficos, revelando ao leitor facetas que tambm caracterizam o artista e seu ofcio. Bi grafo e bio-gra fado se colocaram em reflexes que se esten de-ram sobre a formao intelectual e ideo l gica do artista, contex tua li zada na histria brasileira , no tempo e espao da narrativa de cada biogra fado.

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  • So inmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crtico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso pas. Mui-tos mostraram a importncia para a sua formao terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televiso, adquirindo, linguagens diferencia-das analisando-as com suas particularidades.

    Muitos ttulos extrapolam os simples relatos bio -grficos, explorando quando o artista permite seu universo ntimo e psicolgico , reve lando sua autodeterminao e quase nunca a casua lidade por ter se tornado artista como se carregasse desde sempre, seus princpios, sua vocao, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira.

    So livros que, alm de atrair o grande pblico, inte ressaro igualmente a nossos estudantes, pois na Coleo Aplauso foi discutido o processo de criao que concerne ao teatro, ao cinema e televiso. Desenvolveram-se te mas como a cons-truo dos personagens inter pretados, a anlise, a histria, a importncia e a atua lidade de alguns dos perso nagens vividos pelos biografados. Foram exami nados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibili-dades de correo de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferena entre esses veculos e a expresso de suas linguagens.

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  • Gostaria de ressaltar o projeto grfico da Coleo e a opo por seu formato de bolso, a facili dade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza de suas fontes, a icono grafia farta e o regis tro cronolgico de cada biografado.

    Se algum fator especfico conduziu ao sucesso da Coleo Aplauso e merece ser destacado , o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas.

    Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com efi-ccia a pesquisa documental e iconogrfica e contar com a disposio e o empe nho dos artis-tas, diretores, dramaturgos e roteiris tas. Com aColeo em curso, configurada e com identida-de consolidada, constatamos que os sorti lgios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de fil ma-gem, textos, imagens e pala vras conjugados, e todos esses seres especiais que nesse universo transi tam, transmutam e vivem tambm nos tomaram e sensibilizaram.

    esse material cultural e de reflexo que pode ser agora compartilhado com os leitores de to-do o Brasil.

    Hubert AlquresDiretor-presidente da

    Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

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  • Para Arllete Montenegro, pela sua arte e afeto, e Antnio Carlos Contrera,

    minha razo principal

    Alfredo Sternheim

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  • Introduo

    Houve um tempo em que a maior diverso do povo, a fonte das emoes de inmeras pessoas era o rdio. Claro, existia o cinema que exigia todo um ritual para ser freqentado, um movi-mento de idas e vindas que tinha o seu glamour e que, por cerca de duas horas, com os seus recur-sos visuais preenchia o imaginrio das pessoas. Mas com um simples toque de mo e apenas por meio do som, o rdio fazia isso, transmitia a vida como ela ou poderia ser. Em diversos horrios e com conforto, no aconchego do lar, sentado em sua poltrona ou cozinhando ou durante uma das refeies, e depois nos ve culos, os homens e, de preferncia, as mulheres podiam ouvir histrias em captulos, abordando amores impossveis, conflitos familiares ou tramas rocambolescas de diversos gneros. Era a radionovela, cuja popularidade foi intensa nas dcadas de 40 e 50. Chamada de soap opera (pera de sabo) nos Estados Unidos, j foi presena marcante em alguns filmes. Como A Era do Rdio, a bela e sensvel evocao dirigida em 1987 por Woody Allen. Ou A Hora Mgica, realizado em So Pau-lo, por Guilherme de Almeida Prado, em 1998. E existe o livro A pera de Sabo, de Marcos Rey, que ressalta o imenso alcance desse meio no Brasil. A radionovela tinha uma comunicao

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  • notvel perante nossa populao de diversas classes sociais. Esse alcance ainda est espera de uma anlise mais profunda por parte de nossos intelectuais.

    Nesse mundo, surgiu o talento de Arllete Monte-negro. Foi por meio de um concurso da extinta, e outrora popular, Rdio So Paulo que ela desco-briu o potencial de sua voz. Quando a cidade de So Paulo festejava, em 1954, os seus 400 anos, essa garota de origem humilde e que, como muitas, sonhava em ser estrela de Hollywood, tornava-se de fato uma estrela e logo ganhou o ttulo de Herona do 4o Centenrio. No incio, ela fazia sucesso apenas diante do microfone, sem se mostrar ao pblico. No demorou muito para ficar claro que a sua arte no dependia apenas da emisso de sua voz. Foi quando passou a atuar na televiso, que tinha comeado a funcionar no Brasil exatamente naquela dcada, de 1950. E que, paradoxalmente, pouco a pouco tornou-se o meio de comunicao que substituiu a radio-novela nos lares brasileiros.

    O curioso que Arllete vinha de um passado simi-lar aos dos folhetins que interpretava nos dois veculos. Filha de me solteira e cega, crescendo em um meio de poucos recursos, na infncia e na adolescncia enfrentou conflitos e preconceitos que poderiam ter comprometido o seu futuro.

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  • E mesmo depois que, com o seu trabalho e profis-sionalismo, j era uma atriz consagrada no rdio, na TV e tambm no teatro, as adversidades no deixaram de surgir. A mais marcante foi a viuvez precoce, aps a longa enfermidade que atingiu seu marido, Dulio. Alm da dor de sua morte, ela teve de enfrentar graves conseqncias eco-nmicas que poderiam comprometer a criao e educao do filho Fbio.

    Nada mais natural ao leitor crer que, com tantos momentos de perdas e danos, Arllete tenha se tornado uma mulher amarga. Ledo engano. verdade, conforme ela mesmo reconhece, que durante muitos e muitos anos de sua juventude tenha carregado sofrimentos em conseqncia no s das atribulaes e dos atos repressivos que enfrentou desde a infncia em sua vida, mas tambm por influncia dos livros que sempre devorou. Embora tenha estudos incompletos, por conta prpria adquiriu uma cultura natural que se intensificou a partir do momento em que comeou a atuar na TV, quando, entre outras coisas, protagonizou teleteatros adaptados de textos de autores como Shakespeare, Dostoie-vski, Gorki, Andr Gide, Tennessee Williams e muitos outros autores densos e consagrados.

    Apesar das graves situaes vivenciadas, Arllete foi intensificando em si mesma uma impressio-

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  • nante serenidade. Nesses 20 anos de amizade, no me lembro de t-la visto com raiva, esse sentimento que precisa de pouco impulso para se exteriorizar em boa parte dos seres humanos. Mesmo quando se manifesta sobre uma injustia sofrida ou recorda a inveja que seu sucesso pre-coce e sua beleza s vezes despertavam, faz isso com doura, sem nenhuma palavra ou gesto de dio. Apenas lamenta. natural a sua tolerncia interior com as falhas dos outros, bem como seu amor ao prximo.

    Contudo, essa ausncia de ressentimentos no a impede de se criticar nessa retrospectiva de vida e carreira, de apontar equvocos. Em quatro longos encontros diante do gravador e, depois em algumas conversas telefnicas, Arllete no se policiou, no se reprimiu. Mesmo quando a emoo surgia forte. Com franqueza, exps a sua dramtica origem, os problemas advindos da condio de sua me, e principalmente enfatizou o altrusmo de muitos que cruzaram o seu cami-nho, a importncia dos amigos. Lembra alguns incidentes divertidos surgidos no seu dia-a-dia de atriz em mais de 50 anos de atividade, prin-cipalmente nas gravaes de telenovelas como A Muralha e A Viagem, que marcaram poca, e os inmeros momentos que a encheram de orgulho. Caso daqueles em que viu seu talento

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  • reconhecido atravs de prmios e da palavra de certos diretores, ou diante de um gesto do filho Fbio Appolinrio, hoje um respeitado e inteligente mestre e doutor em psicologia pela Universidade de So Paulo, alm de consultor empresarial, professor e autor do livro Dicionrio de Metodologia Cientfica, entre outras ativi-dades. Fala ainda da confuso de sentimentos entre os atores, algo freqente em meio ao ato de expressar emoes ntimas e que, s vezes, gera conflitos pessoais e passionais. Mas essa confuso raramente encarada e assumida pelos intrpretes, como faz a atriz paulistana.

    Nesse processo de resgate da memria da cultura nacional que caracteriza a Coleo Aplauso, fico feliz em ser o bigrafo de Arllete Montenegro, uma intrprete determinada e rigorosa que transita e brilha por vrios gneros e meios de comunicao, uma personalidade que feita (no necessariamente nessa ordem) de f, amor e emoo.

    Alfredo Sternheim

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  • A VIDA

    Ao meu filho Fbio, com certeza a minha melhor criao, e aos meus cmplices nesta vida. Amor e luz.

    Arllete Montenegro

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  • Antes de completar 4 anos (julho de 1942)

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  • Captulo I

    Os Anjos da Casa Verde

    Nasci em So Paulo, precisamente no Hospital So Paulo, segundo minha me, aos 15 de outu-bro de 1938. Nasci quando o mundo estava em plena guerra. Pelo menos, estava comeando. Na poca, a minha me morava no bairro da Casa Verde, na casa de uns amigos. Dona Lusa Branco, minha me, era solteira, me solteira, e a sua famlia passou a no aceit-la quando soube que estava grvida. Por isso, foi para a casa desses amigos e l fui criada. A minha me era de Santos, assim como toda a sua famlia. Ela j era cega. Desde criana, a conheci cega. Mas, mesmo assim, trabalhava como empregada. Apesar dessa deficincia visual, sua famlia no foi capaz de aceit-la grvida. Em 1938 ser me solteira era algo muito difcil de ser tolerado e passou a residir na casa dessa famlia da Casa Ver-de. Eram negros. Seres maravilhosos e, segundo eu soube, s no me tornei um monstro porque fui muito amada por essas pessoas... A minha prpria me me rejeitava. Mas eu no me tornei um monstro porque o amor que eles me deram foi to grandioso na minha infncia... Tinha a Abigail, que a gente chamava de Biga... Era um amor to puro que eles tinham por mim... Era a

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  • bonequinha loira deles. Nessa fase, fui suprida de amor por eles. Toda a rejeio que, naquela idade, eu sentia de uma forma no-consciente, foi atenuada... excluda pelo amor deles.

    No posso deixar de mencionar os anjos en-carnados que sempre estiveram comigo. Prin-cipalmente a Biga, que me criou com a minha me. Mas eu ficava mais com ela. Infelizmente, a mame j no enxergava e era a Biga que me levava. Ela gostava de circo e de cinema, e me encaminhou para isso. Tenho saudades, pois a Biga me acompanhou at o fim da vida dela. Mais velha que a minha me, foi embora alguns anos antes que a mame. A Biga tinha por mim um amor incondicional. Tudo o que eu queria, ela fazia. Absolutamente tudo. Ela e a me dela, a Angelina, a minha av preta. Por quem briguei muitas vezes no colgio, j que as crianas s ve-zes so muito cruis. E eu sempre fui a primeira da classe, pois tinha um mundo particular todo meu. Primeiro, porque eu lia muito. Sempre li muito. Como fui muito rejeitada pela famlia, pelas pessoas, vivia em um mundo s meu, de fantasia. Era a primeira da classe porque estuda-va muito, as professoras me emprestavam livros. s vezes, quando eu chegava, ouvia algum da classe dizer: Ih, l vem a alemzinha, filha da ceguinha, que no tem pai. Ouvi isso muitas

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  • Entre Biga e a me Luisa

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  • vezes. E sofria muito. Tanto que tinha aquele desejo de ter um pai ao meu lado. s vezes, quando o meu tio Artur e o filho dele, o meu primo Tancredo, saam na rua comigo, ficava contente porque todo mundo ia pensar que ele era o meu pai. Mas, quando encontrava algum que perguntava: So seus filhos? Que lindos! E ele respondia: No, essa no. Esse aqui meu filho. Eu ficava triste. Parece cena de novela, mas foi exatamente assim.

    Cresci amparada realmente pela Biga e pela minha av Angelina que lavava e passava roupa para fora, com aquele ferro a carvo. E falava as-sim, quando me levava para sair: O que que voc quer? A vov compra pra voc. Ai, ela comprava brinquedo, doce de coco... Tudo que ela podia, gastava comigo. Era impressionante o amor que tinham por mim. At o fim da vida deles. E havia tambm o Tida, apelido do Aristides, o outro filho da Angelina. Tida e Biga. Eu brigava na rua com crianas que diziam. Ih, ela tem av preta. E eu respondia: Ela no preta, marrom. Amo essa pessoas, vou am-las eternamente. Foram elas que me deram amparo.

    Anos depois, quando fiz anlise por uns tempos por causa da morte de uma grande amiga minha, a atriz Ivete Bonf, soube que eu recebi todo o amor que eu precisava dessas pessoas. E que as

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  • Com amigas de infncia, ao centro da foto

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  • Na sua primeira comunho

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  • Aos 10 anos

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  • pessoas, quando so crianas, tm de receber amor do primeiro ano de vida ao stimo, para no se deformar. Se s recebe dio nessa fase, muito difcil ser uma pessoa boa depois, ser uma pessoa do bem. Ento, graas a Deus, tive esses anjos encarnados comigo.

    Tudo isso, toda a minha infncia e adolescncia foi na Casa Verde. Ns, eu e a minha me, s mudamos de l quando eu j era adulta, estre-la da TV Record. Mas nessa fase da Casa Verde eu trabalhava, mame trabalhava... Depois de muito tempo ela foi aceita novamente pela famlia. Na poca eu tinha uns... 6 ou 7 anos. Mas foi aceita pra qu? Para ser tratada como empregada domstica. Tudo bem ... A ignorncia naquela poca era terrvel. Depois que eu cresci, com uns 11 ou 12 anos, como a gente era muito pobre, muito humilde, mame achou que eu ia ser costureira, ou datilgrafa. Fui obrigada a fazer todos esses cursos. At hoje no sei nem datilografar e nem costurar. Cheguei a fazer o meu vestido de formatura na poca, mas depois... Fiz questo de esquecer. No gostava nada dessas coisas.

    Sonhar acordar-se por dentro.

    Mrio Quintana

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  • Com o diploma do curso primrio

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  • No carnaval de 1950

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  • Captulo II

    O Fascnio do Cinema

    O meu sonho desde menina, assim que comecei a ir nas matins de domingo, era fazer cinema em Hollywood. Todo domingo, a Biga me leva-va ao cinema da Casa Verde. Tinha dois filmes seguidos, tinha seriado. Ficava o dia inteiro l. Lembro quando vi Pier Angeli, aquela garota que fez Domani Troppo Tardi (Amanh Ser Tarde Demais), era um filme italiano, um melodrama. Na semana seguinte, vi um filme americano com ela como trapezista. Pensei: Gente, ela j foi para Hollywood. A, li numa revista que ela tinha sido descoberta nas ruas pelo Vittorio De Sica. Ento, na minha cabea de adolescente, achei que, se eu ficasse andando pela rua, algum do cinema ia me ver e dizer: aquela menina que eu quero. Que tonta. Eu andava pela rua fazendo pose, caras e bocas, certa que algum ia me descobrir. Ningum me descobriu.

    Tendo terminado o primrio, j fui trabalhar. No tinha condies econmicas s para estudar. Trabalhei em uma pequena fbrica de calcinhas no bairro do Bom Retiro. Uma prima que me arrumou o emprego. Foi maravilhosa... Sempre digo uma coisa: a gente tem cmplices na vida.

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  • Essa moa, a Llian, que casou com um primo meu, ou seja, nem era diretamente da famlia, me amparou tambm, me deu muita fora. Foi por causa dela que comecei na rdio. Porque a Llian se preocupava muito comigo, queria me tirar dessa coisa de ser... espezinhada dentro de casa, de no ter pai. Ela sempre me tratava com carinho, sempre me arrumava coisas para fazer. E foi a Llian que me arrumou emprego nessa fbrica porque ela e a me costumavam levar para casa trabalhos de costura para fazer. Eu trabalhei l mais ou menos um ano, estava entre os 11 para os 12 anos. A a minha madri-nha me arrumou trabalho em uma loja, como vendedora de culos. Fui trabalhar na Rua So Caetano, alis, at hoje a rua aquela das casas das noivas.

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  • J querendo chamar a ateno, aos 16 anos

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  • Captulo III

    Descobrindo o Poder da Voz

    Foi nessa ocasio, no dia 1o de maio, dia do Tra-balhador, um feriado, que a Llian e o Mlton, o marido dela, me levaram para ver o desfile no centro da cidade. Veio tambm a me dela, o filho deles... Assistimos ao desfile, ainda estava acontecendo quando caiu uma chuva intensa. Ns entramos na Rdio Cultura que, na poca, ficava na Avenida So Joo, perto da Duque de Caxias. E estava tendo um programa de calou-ros que se chamava Peneira Rodine. E o apre-sentador procurou na platia quatro pessoas para disputarem os prmios. Eram mquinas fotogrficas... No lembro o resto. Era assim: dois homens e duas mulheres da platia que se apresentassem para disputar os prmios. E o meu primo levantou o meu brao. Quase morri de vergonha. O sujeito achou engraado e me chamou. Nunca vou me esquecer que estava com um vestido de bolinhas azuis que eu mes-ma tinha feito. Acho que foi o nico vestido que eu fiz. Subi ao palco. Era para ler um texto comercial, para fazer locuo. Para encurtar a histria, ganhei e ouvi do pessoal: Mas voc tem uma voz muito bonita. Tem que fazer rdio. O homem do programa veio falar comigo. uma

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  • pena que na rdio Cultura no temos locutoras, s locutores. Porque a sua voz j est pronta, a sua dico perfeita. Verdade. Tanto que, na escola, eu sempre era escolhida para fazer os discursos, para dizer as poesias...

    Desde pequena tinha a voz pronta. Mas eu no tinha conscincia disso, da minha voz. Mas eu fazia todos os discursos e poesias em festas de colgio. Inclusive, em uma delas levei uma por-tada na testa. , quase desmaiei. Havia no palco uma porta que abria ao contrrio... Mas nem pensava no... Digamos, poder da minha voz. O meu negcio era cinema, ser estrela de cinema em Hollywood. S que nesse dia na Rdio Cul-tura, todos falaram tanto a respeito que o meu primo disse: Se assim, voc devia tentar. Mas como? E onde?, perguntei. E eles falaram para ir l aos domingos. Veja como trabalhamos. Assim voc vai praticando at a gente arrumar alguma coisa.

    Sei que ns fomos durante quatro domingos. Meu primo e minha prima iam comigo. A minha me no me deixava ir sozinha. E eu l no palco, no meio do programa, ia l junto ao microfone e lia os textos comerciais. No tinha feito 14 anos. De repente, algum l da rdio disse: Olha, para voc no parar de fazer isso, tem um curso agora de locuo, de trabalho no rdio. Se voc quiser,

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  • pode ir l tambm. E fui. Mas no tinha nada que me interessasse. Era um curso que explicava s a parte tcnica do rdio, como era o microfone, como acontecia a transmisso. Mas nada do que eu precisasse.

    Naquela poca, a minha me ouvia direto nove-las de rdio. Era o dia inteiro, noite tambm. Eu, como trabalhava fora, s noite ouvia de vez em quando. Foi quando ouvi que tinha um pro-grama na Rdio So Paulo que se chamava Clube da F. Faziam testes com meninas e rapazes para locuo e radioteatro. Decidi e fui a esse Clube da F que era aos domingos. Participei de uns testes feitos na hora. No fim do ms, escolhiam sempre duas pessoas para trabalhar na empresa, na rdio, para pontinhas e papis menores tipo enfermeira, porteiro, nas radionovelas. E eu fui escolhida, ganhei. Mas eu no pude aceitar porque tinha que ficar disposio da rdio em trs perodos: manh, tarde e noite. Quando entrasse no ar, a sim, ganhava alguma coisa, em torno de vinte reais. Alis, cruzeiros. Acho que eram cruzeiros. Mas eu no podia, precisava do meu salrio fixo que ganhava l na loja. Eu no podia largar o meu emprego para, de re-pente, ganhar s uns 40 cruzeiros por semana. Ento voc nunca vai trabalhar no rdio porque ningum entra de outra maneira, me disseram.

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  • Ento, no tem jeito, no posso deixar de ganhar o meu salrio, respondi. De qualquer maneira, ficaram com o meu telefone. Fiquei chateada, mas... Fazer o qu?

    Somos feitos da matria dos sonhos... Que con-firmam nossa efmera existncia.

    William Shakespeare

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  • Captulo IV

    Nasce uma Estrela

    Naquele ano,1954, acho que em julho... , um ms antes do Getlio Vargas morrer... Eles me ligaram para dizer que ia haver um concurso na rdio. O pessoal queria dar uma reviravolta na emissora, queriam uma nova estrela para uma novela. Fizeram o concurso, contrataram um gal que veio do Sul, o Avalone Filho. Mas para o principal papel feminino queriam uma voz nova e criaram o concurso que se chamava Em Busca de uma Estrela. Tinha chamadas com o Avalone falando (imitando): Voc quer ser a minha es-trela? A, fui l. Acabei ganhando. Tinha muita gente concorrendo. Algumas ficaram conhecidas depois. Caso da Wilma Chandler, aquela atriz linda que morreu em um acidente estpido, no elevador do prdio onde morava. Tinha uma morena que fez a TV Paulista, a Maxmira Figuei-redo, que at hoje minha amiga.

    Quase morri de alegria quando me vi em primei-ro lugar. No acreditava. Entrei na rdio para estrelar uma novela e com um contrato de um ano. Tinha um salrio superior ao que ganhava na loja, para trabalhar uma hora por dia. Naque-le tempo era ao vivo, s sete da noite. Chegava

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  • perto das seis e meia, fazia um ensaio, depois fazia a novela e ia embora. A novela se chamava Silncio, escrita pelo Waldir de Oliveira.

    O seu Oswaldo Barone, diretor artstico da r-dio, chegou pra mim e disse: Menina, voc est pronta. A tua voz perfeita, s precisa de prti-ca. Ento, voc vai fazer o seguinte: vai vir aqui todas as tardes, ficar sentada e ver o trabalho de seus colegas. a melhor escola que existe, pois a voc vai ver qual o processo de trabalho e vai melhorando. Da em diante, todas as tardes, eu ia para a emissora. A minha me mandava um primo menor me acompanhar, o Tancredo, que j morreu. Ela dizia que ele tinha que ir comigo porque na rdio s tinha gente sem-vergonha. A famlia ficou uma fera. Dizia que eu ia ser puta. Porque no rdio s tinha puta e veado. Precon-ceitos da poca. Ento, o menino ia comigo. Como se ele pudesse resolver alguma coisa.

    Imagine voc, durante os testes que teve semi-finalistas, finalistas, etc. morreu o Getlio. Tudo nesse ano. Era agosto, parou o concurso. Mas sei que em outubro estava na rdio, contratada. Co-mecei a fazer a novela. Lembro que no primeiro captulo no esperei o contra-regra fazer o que tinha que fazer. No sabia que tinha que esperar o toque de uma campainha, o abrir da porta, fe-char da porta... Ningum tinha me falado nada.

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  • Como radioatriz

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  • Na hora do ensaio estavam to preocupados em me dizer coisas sobre a interpretao da voz que esqueceram de me explicar que tinha que esperar a campainha tocar, a porta abrir, a msica sur-gir... Fui atropelando tudo. Mas, depois, eu me ajustei e todo mundo gostou.

    Continuei a fazer mais novelas porque a Snia Maria, na poca uma das grandes estrelas da rdio ao lado da Lenita Helena e de outras mais, foi ter beb e me chamaram para substitu-la. A Rdio So Paulo, em popularidade, embora fosse local, com as suas novelas era equivalente TV Globo de hoje, lder da audincia. De repente, estava fazendo trs, quatro, cinco novelas, tra-balhando em trs perodos. Nunca mais parei, sempre estrelando novelas.

    O pseudnimo Arllete Montenegro surgiu as-sim que entrei na rdio. A primeira condio que me impuseram foi que trocasse de nome. Segundo eles, Arlete Branco no era sonoro. Era muito apagado. Deram-me uma lista de nomes para escolher. Inclusive, queriam que trocasse Arlete. Mas eu bati o p... E no. Na lista, bati o olho em Montenegro e falei: esse. No sabia ento da existncia da Fernanda. Se soubesse, no teria escolhido. Anos depois, caiu a ficha. A lista tinha Moraes, Ferreira... Nomes de gente de teatro. Moraes, de Dulcina; Ferreira,

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  • do Procpio Ferreira. A Fernanda ainda no era estrela, mas j atuava no teatro. E eu nem ia ao teatro, no sabia de nada. E achei Montenegro brbaro. Comecei a ir ao teatro depois que entrei na rdio. Uma vez, no sei como, fui parar no antigo teatro Bela Vista onde hoje o teatro Srgio Cardoso para ver Hamlet, com o Srgio Cardoso. Fiquei apaixonada. Arrumava dinheiro emprestado para ir ver Hamlet de novo. Fui cinco vezes. Levei colegas meus. Depois, passei a ir ao TBC, vi peas lindas. Adorei. J gostava desde criana no circo, com o Simplcio. Ele fazia todos os gals e os palhaos. Agora, era diferente. Mas no pensava que iria fazer teatro. E estar na rdio no significava nada. Teatro e rdio eram mundos diferentes, ningum se conhecia. O engraado que anos depois descobri que a Fernanda se chama Arlete Pinheiro e que trocou de nome por imposio da rdio. Isso foi quando fizemos juntas A Muralha, na TV Excelsior. Ela fazia a minha sogra, Me Cndida.

    A mudana da minha vida foi impressionante. Sair daquela rotina casa-loja-casa, mais curso de datilografia, e ir para um mundo diferente, mais glamouroso... No estava preparada, claro. Era fantstica a popularidade da rdio na poca. E as pessoas no conheciam a gente. S conheciam a voz. Saiam algumas revistas que falavam da gen-

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  • te, mas eram poucas. Em muitos casos, a pessoa no tinha nada a ver com a voz, ou com o que a voz sugeria. No sei se por isso, mas raramente saia alguma reportagem com a gente, algum casamento, algo assim. As vozes eram to lindas que eu mesma imaginava que as pessoas, os artis-tas do rdio, fossem iguais queles rostos bonitos desenhados nas capas de revistas como Grande Hotel. E as pessoas no eram daquele jeito. Nem sempre. Mas tinha uma revista especializada, a Radiolndia. Uma vez sa na capa. Mas era mais texto que fotos. De qualquer maneira, eu estava em um mundo totalmente diferente do meu, do que tinha sido o meu mundo at ento. Eram pessoas mais elegantes, mais livres. Em todos os sentidos. Claro que isso mexeu muito com a minha cabea. E eu no estava preparada para nada, no tinha estrutura para nada, quanto mais para esse mundo. Mas depois, fui me adap-tando, fui me tornando uma dessas pessoas. Foi muito interessante.

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  • Em Algum Fechou os Olhos de Lucy, com Waldemar de Moraes, na TV Record

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  • Captulo V

    Comeando na TV

    Tinha um escritor que surgiu na Rdio, e que depois me levou para a televiso... Era o Sylas Roberg, marido daquela jornalista Lyba Frid-man... Ele gostou muito do meu trabalho. Eu j estava l h um ano e meio. J tinha ganhado prmios como atriz... Um deles, o Tupiniquim, ganhei como melhor atriz do ano. O Roberg me levou para a televiso, para a TV Record. Na poca eram as Emissoras Unidas: a TV Record, a Rdio Record, a Rdio So Paulo e a Rdio Pana-mericana. Todas do mesmo dono. E a Record ia fazer um teleteatro para ser exibido aos sbados. O patrocinador, uma empresa chamada A. Mo-reno e Cia. que era aqui na Avenida So Joo, exigiu que metade do elenco fosse da Rdio So Paulo. A nossa audincia com radionovela era incrvel.

    Convidada pelo Roberg, fui fazer o primeiro tele-teatro. De todo aquele pessoal do rdio, eu fui a escolhida. Foi em O Corcunda de Notre Dame, adaptado do Victor Hugo. Eu fazia a ci-gana Esmeralda e o Dante Rui, especialista em viles na Rdio So Paulo, era o Quasmodo, o Corcunda. Tinha a Snia Maria... no lembro em

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  • que papel. Era gente do rdio e da TV. Tudo ao vivo. Mame foi comigo, passou o dia inteiro na televiso. A gente ensaiou em uma sala, um estdio vazio l na rdio durante duas semanas. E s no dia da transmisso que fomos para os estdios da Record. As roupas foram feitas sob medida e experimentadas l na rdio. Fizeram tambm um aplique, o meu cabelo estava curto. Aprendi ainda uns passos de dana. E eu no tinha muita noo do que estava fazendo, ainda no tinha feito teatro.

    Mas foi um sucesso. No parei mais. Comecei a fazer rdio e TV simultaneamente. Tanto que, por minha causa, comearam a gravar as radio-novelas. At ento, era ao vivo. Mas para me liberar, para ir TV Record que ficava perto do aeroporto de Congonhas, enquanto a rdio era na Avenida Anglica, passaram a gravar alguns captulos na rdio.

    Alm de teleteatros, por volta de 1956, logo estava fazendo telenovelas. Os captulos eram exibidos trs vezes por semana. A primeira que fiz era do Roberg, Algum Fechou os Olhos de Lucy. E olha s, eu fazia uma garota cega. O gal era o Waldemar de Moraes. O vilo era o irmo do Blota Jnior, o Gonzaga Blota, que se tornou importante diretor de novelas na Globo. Continuei atuando na rdio e na TV. Nessa fase

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  • conheci o Maneco, o Manoel Carlos, que veio do Rio de Janeiro, e fiz todos os teleteatros que ele dirigiu. Aprendi muita coisa com ele, sobre direo. Depois virou autor de novelas. Aprendi muito tambm com o Ciro Bassini. O Ciro dirigia quase tudo e o Waldemar de Moraes, que era assistente, depois passou a ser diretor na TV. At o Maneco chegar, era sempre o Ciro que dirigia. O Hlio Ansaldo dirigiu alguma coisa tambm. Trabalhava direto, rdio e TV. Fui sugada.

    A imaginao mais importante que o conhe-cimento.

    Albert Einstein 49

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  • Cena de Astros do Disco

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  • Captulo VI

    Trabalhando Adoidado

    No meu tempo de Rdio So Paulo, que era uma coqueluche com as suas novelas, e de TV Record, onde cresci e me criei, fiz tudo o que se possa imaginar. A gente trabalhava uma mdia de 15, 16 horas por dia. As novelas da Rdio So Paulo comeavam s oito e meia da manh e s terminavam l pelas dez da noite. Cada meia hora tinha uma novela diferente. Em geral, eu fazia oito por dia. Cheguei a fazer at dez. No eram dirias. Havia um grupo de novelas que passava segunda, quarta e sexta, e outro na tera, quinta e sbado. Como nas tardes de sbado no tinha novela, costumava ter radioteatro inteiro. Como O Milagre da F, por exemplo. Era muito trabalho a servio da imaginao das pessoas.

    Depois que em 1955 fui para a TV fazer O Cor-cunda de Notre Dame e nunca mais parei de fazer televiso o Alfredo de Carvalho achou por bem gravar as minhas novelas da rdio. Na Record, fiz de tudo, at locuo em cabina. Fiz um programa que durou um ano com o can-tor Slvio Caldas. Eu era a voz do violo dele. Fiz Astros do Disco, em que cada uma de ns,

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  • intrpretes ou garotas-proganda, formava um casal com um ator para apresentar um cantor que estava na crista da onda. Fazia tambm um teleteatro infantil dirigido pelo Vicente Sesso, meu grande amigo. Todos os domingos ia ao ar. Assim como fiz a Tia Zulmira aquela per-sonagem criada pelo Stanislau Ponte Preta no meu ltimo ano de TV Record, no telejornal da noite. Fazia um topo de crnica sobre algo que estava acontecendo naquele momento. Eles me maquiavam de velhinha. E outra coisa que fiz, s duas vezes, foi o teatro Nydia Licia. Ela tinha um horrio na Record, o teatro Mercedes Benz. Por duas vezes ela ficou doente e no pde estrelar. Eu a substitu. Foi quando fiz A Noite Tudo Encobre, sob a direo da Wanda Kosmo e uma adaptao que, acho, era de um texto de Shakespeare. Talvez uma verso de A Megera Domada, no lembro. Tive o privilgio de traba-lhar com o Srgio Cardoso, ele fazendo o meu pai. Foram s duas vezes que trabalhei para a Nydia Licia. No era da Record, mas passava na Record toda quarta-feira. Em geral, ela trazia o programa praticamente pronto, ensaiava no teatro dela e do marido, onde hoje o teatro Srgio Cardoso. S colocava no ar.

    O curioso que eu era estrela de televiso e no tinha um aparelho de TV. Os nossos salrios

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  • Como tia Zulmira, no telejornal da TV Record

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  • eram baixssimos. S dava para viver, no eram os salrios de hoje para os intrpretes, as estrelas. Quem ganhava muito dinheiro eram as garo-tas-propaganda. Eram as grandes estrelas. Elas ganhavam cada vez que entravam no ar, ao vivo. Ento, gente como a Idalina, a Clarice Amaral e todas aquelas mulheres maravilhosas tinham rou-pas novas todos os dias, carros... Elas ganhavam muito dinheiro porque recebiam diretamente do patrocinador cada vez que entravam no ar fazendo um comercial. Ns, no. Ns, atrizes, t-nhamos o nosso salrio que era normal e o nosso trabalho era direto, de manh at meia-noite, duas da madrugada atuando, ensaiando.

    Uma vez eu reclamei. O Alfredo de Carvalho ficava muito com a gente conversando no res-taurante. L se ouvia frases tipo porque ela me viu, eu pude ver... E eu disse que no podia ver os meus colegas porque no tinha televiso. No tinha dinheiro para comprar, no ganhava o suficiente. Justamente naquela poca, acho que em 1958, o Brasil tinha ido jogar na Copa do Mundo e a delegao era chefiada pelo pai dele, Paulo Machado de Carvalho. O Alfredo pergun-tou: Voc acha que o Brasil vai ganhar? Eu disse que sim. Se ganhar, vou te mandar um aparelho amanh, afirmou. Eu tinha tanta certeza que respondi: J ganhou. Vou ficar esperando. E o

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  • Brasil venceu e ele mandou uma televiso para a minha casa. Foi a minha primeira TV.

    Foram muitos os sucessos: vrias adaptaes dos romances de A.J. Cronin, ramos Seis, do best-seller da senhora Leandro Dupr. Foi lindo. A Gessy Fonseca era a dona Lola e eu era a filha Isabel. Tinha o Slvio Luiz (conhecido locutor esportivo), acho que foi a nica vez que ele tra-balhou como ator. Era outro filho da dona Lola, o Julinho. Atuavam tambm o Randal Juliano, o Fbio Cardoso e aquele ator maravilhoso, o Gilberto Chagas, era o pai. Tudo ao vivo.

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  • Captulo VII

    Ingenuidade e Aprendizado

    Nessa fase de uma novela atrs da outra, eu era muito tonta e estava apaixonada por algum que gostava de loiras... No vou dizer. Na no-vela que tinha o Randal Juliano de gal, fazia a moradora de uma ilha desconhecida, criada pelos nativos depois da queda do avio de seu pai. O maquiador pintava o meu corpo com um pancake cor de chocolate. Usava um tipo de sa-rongue. Fui ao salo e tingi o cabelo, bem loiro, por causa da minha paixo. E fui assim fazer a novela. Quando cheguei, o diretor, que era o Waldemar de Moraes, ficou histrico. Que voc fez com o cabelo? Ele me deu a bronca, afinal eu tinha esquecido da continuidade. Esqueceu que ela mora em uma ilha? No posso nem botar uma fala dizendo que ela foi ao cabeleireiro, gritava o Waldemar. E teve de ir para o ar assim. Uma das bobagens que fiz na minha vida.

    E tudo mudou porque a televiso te projeta. Mesmo sendo na Record, que no tinha a audin-cia da Tupi naquela poca. O Grande Teatro Tupi tinha mais visibilidade que a gente. Antes da Globo ser o que , a Tupi sempre esteve em primeiro lugar, em termos de teledramaturgia.

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  • Mas a Record ia fazendo as coisas dela. At surgir a Excelsior por volta de 1962.

    Sem desmerecer ningum, o Maneco me deu uma viso diferente, aumentou a sensao de estar sendo dirigida. Ele escrevia, adaptava e di-rigia. O primeiro teleteatro foi Em Cada Corao Um Pecado, tirado daquele filme com o Ronald Reagan. O Randal Juliano quem fez esse pa-pel. Era uma semana de ensaio. Apenas. Uma escola que jamais se repetir. A TV no tinha

    Cena de Em Cada Corao um Pecado

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  • figurinista e ns, os artistas, amos quela casa que alugava roupas de poca, a Casa Teatral. Havia um livro, a gente se situava de acordo com o script e pegava uma roupa. Eu tinha duas tranas postias. Uma foi o Maneco que me deu. Elas se transformaram em vrios penteados. E ia no meu cabeleireiro transform-las em coque, cachos ou outra coisa. No tinha cabeleireiro na TV e maquiador, s de vez em quando. Em O Corcunda de Notre Dame decidiram chamar um conceituado profissional do cinema, o Victor Merinov, que depois virou ator. Ele veio apenas para maquiar o Dante Rui como o corcunda Quasmodo. Uma caracterizao. Ns que nos maquiamos. Foi um grande aprendizado. Eu tomava remdio para no dormir. Pela manh, fazia rdio, tarde TV e noite, ensaios at de madrugada. Uma loucura. Tomava algo de nome esquisito, o Pervertim. O Maneco desco-briu quando fui alugar roupas e ficou furioso. Pegou e jogou no telhado da casa vizinha. Deve estar l ainda. Menina, o que voc est fazendo da tua vida? Justifiquei que tomava para ficar acordada. Assustou-me quando disse que podia ter um ataque de corao. E parei.

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  • Cena de Cela da Morte, com Randal Juliano

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  • Cena de As Quatro Irms, com Cidinha Campos

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  • Captulo VIII

    Carregando Sofrimentos

    Com essas mudanas na minha vida, fiquei muito estranha. No estava preparada para tanto suces-so. As pessoas tinham muita inveja, tinha gente que falava cada besteira. Mesmo dentro da rdio, tinha gente que me olhava feio. Muitos que esta-vam l h uns 500 anos, nunca estrelaram nada... E eu cheguei j estrelando. Eu era meio triste nessa poca. Gostava muito de cinema, sempre gostei... Deslumbrava-me com as estrelas. E eu era to boba nesse sentido que, assim que entrei na rdio, comprei um tailleur escuro e sapatos de salto alto para parecer como elas, mais velha. Passava um batom bem vermelho. Eu no tinha ningum para me falar nada, para me orientar. Eu era triste e fui ficando cada vez mais triste. Na realidade, estava na minha adolescncia, ainda no tinha personalidade. De repente, estava fa-zendo personagens que sofriam muito. Todas as ingnuas sofrem muito, choram muito. Mesmo nas novelas de rdio. As personagens que fui fazer na televiso eram fortssimas. Olha os tex-tos: Ral, de Gorki, Anjo de Pedra, de Tennessee Williams... At Entre Quatro Paredes, de Sartre, eu fiz. Ento, eu era dominada pelas personagens e ficava mais triste, mais sombria.

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  • Era um mundo famoso de dramaturgia que eu no conhecia nada, embora fosse uma pessoa que lia muito. Mas o trabalho me obrigou a ler mais ainda. Mas, mesmo assim, eu no soube aproveitar aquele sucesso. Por essa tristeza... Trazia aquela coisa da minha infncia infeliz. Era canalizada no meu trabalho. Algumas pessoas dizem que por isso que eu fazia to bem as personagens. No sei se isso bom ou ruim, mas foi o que aconteceu.

    Lembro que eu me defendia muito. As pessoas me agrediam demais. Na televiso tambm. Novamente eu estava invadindo o espao de pessoas que estavam l h mais tempo e no tinha estrelado nada. E eu cheguei estrelando como Esmeralda. Um papel que era muito cobi-ado. Ento, fui me defendendo, mas s vezes nem sabia como. J a famlia passou a me tratar diferente. medida que eu fazia sucesso, todos faziam questo de dizer que eram meus paren-tes... Apareceu parente de tudo que lado. Ah, a vida assim mesmo.

    E teve tambm as paixes. Me apaixonei muito, misturava tudo, paixo com personagem, perso-nagem com paixo... Sempre me esmerando em me apaixonar por pessoas absolutamente impos-sveis, inatingveis... Sei l, era muito envolvida com as minhas personagens, a minha tristeza.

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  • Eu era uma personagem da Nouvelle Vague. Passei a fumar depois que comecei a fazer uma novela ao vivo dirigida pelo Waldemar de Mo-raes: Norma. E ela sempre fumava. O Waldemar disse que, se eu no aprendesse a fumar, ia ficar artificial. Aprendi e passei a fumar achando que, terminada a novela, eu largava o cigarro. Que nada. S parei muitas dcadas depois e com mui-to sacrifcio. Mas eu achava lindo fumar como as atrizes francesas, pegar um copo de vinho... Tomar conhaque. E fui indo.

    Cena de Sinfonia Pastoral, com Randal Juliano

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  • Comecei a namorar aquele que seria meu mari-do, o Dulio Appolinrio. Conheci na Rdio. Tive outras paixes que no deram certo. Quando conheci o Dulio, ele tambm estava apaixonado por outra pessoa e no deu certo. E a gente era muito amigo. Mas muito mesmo. Ele era primo de um escritor de novelas, o Fred Jorge. Ia muito na rdio. Concluso: de repente, quando a gente viu, j estvamos namorando. Ele comeou a parar de falar de quem gostava e sabia tambm de quem eu gostava... Quando vi, estvamos en-volvidos um pelo outro. Mas namoramos muitos anos at casar.

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  • Dulio Appolinrio e Arllete, noivos

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  • Com Carlos Zara

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  • Captulo IX

    Fazendo Greve

    Outro acontecimento fundamental nessa poca foi que o Sindicato dos Radialistas comeou a chamar a gente para reunies que tratassem da regulamentao da classe. Nosso trabalho avan-ava horas incontveis e no existia legislao de espcie alguma, no existia piso salarial, no havia nada para nos proteger. Depois das reunies, ns mandamos algumas comisses nas diretorias das empresas. Nenhuma deu resposta. Ainda davam risada da gente. Resolvemos fazer uma greve para ver se conseguamos nossas reivindicaes. Os lderes do movimento eram o Giia Junior, o Walter Avancini, o Carlos Zara, o Percy Aires e, de repente, tivemos que tirar as emissoras do ar. Foi tudo bem planejado. Fomos divididos em piquetes e cada um ia para a emissora do outro. Inclusive rdios. Ningum fazia piquete na prpria emissora que trabalhava. Eu fui para a Tupi. Fomos diretos torre de transmisso. Fizemos com que no entrassem no ar. A gente entrava na sala do tcnico e impedia que ele ligasse as chaves... A, veio a polcia. Mas ns conseguimos e acho que depois isso nunca mais se repetiu tirar todas as emissoras do ar. Menos uma. Na manh seguinte percebemos que a rdio Eldorado estava no ar.

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  • No lembro bem porque, mas acho por funcionar apenas com um locutor e um tcnico no prprio prdio da emissora e do transmissor. Discute da-qui, discute dali, a nica pessoa que conseguiu subir e tirar a Eldorado do ar foi a Hebe Camargo. Foram trs dias e trs noites, cheguei at a barrar o Cassiano (Gabus Mendes) na entrada da Tupi.

    Em uma dessas noites fui para casa s para tomar banho e o Avancini, que estava comigo, caiu de cansado no sof. Dormiu. A minha me... sem ver, sem entender bem o que se passava, mas perce-bendo algum, um homem e louca comigo por-que no parava em casa, expulsou ele no tapa. Que que esse vagabundo est fazendo aqui? Sai, sai, gritava. Ele saiu, mas felizmente levou na piada. Houve um caso parecido com o Vicente Sesso. Ele me levava de madrugada e, s vezes, a gente ficava conversando na porta. E a mame, que no tinha papas na lngua, no via quem era e expulsava. Vai embora, vagabundo. Quanto greve, quando terminou, recebemos ordens de voltar s emissoras, visto que pelo menos metade de nossas reivindicaes tinham sido atendidas. A regulamentao mesmo, a oficial, s saiu alguns anos depois. Houve uma homenagem a uma mulher e a um homem, entre os que mais traba-lharam nessa greve. O Percy Aires ganhou entre os homens e eu entre as mulheres.

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  • Captulo X

    O Chamado da Excelsior

    Em 1962, aconteceu uma histria horrvel. O Edson Leite, da Excelsior, chamou a mim e ao Carlos Zara para fazer novela. Ele percebeu que novela dava certo na Rdio So Paulo. O que vamos fazer?, pensou. Fazer telenovela diria. E queria fazer com gente que fazia sucesso. Meu caso e do Zara. Ele foi nos buscar na Record e fo-mos conversar no Restaurante Gigetto. O Edson explicou seus planos, a programao que queria fazer. O Zara topou, eu vacilei, queria conversar com o Alfredinho. Para mim, a Record era a mi-nha casa. Tinha at me mudado para perto, l na regio do Aeroporto de Congonhas. Quando fui conversar com o Alfredinho, ele disse: No, no, vocs no vo sair daqui, no vou deixar. Pre-tendo fazer telenovelas e vou prosseguir com o teleteatro. E teu contrato est automaticamente renovado, voc no avisou que ia nos deixar. O Edson disse que pagava a multa, mas eu resolvi ficar, a ligao afetiva com a Record pesou. O Zara tambm ficou. O Alfredinho fez isso por causa da nossa atitude na greve. Queria se vingar.

    O Edson chamou Glria Menezes e Tarcsio Mei-ra para fazer a telenovela. E ns, eu e o Zara,

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  • perdemos a chance de atuar na primeira novela diria e gravada da TV.

    Pouco tempo depois disso, o Alfredinho apagou a gravao de um teleteatro, acho que O Anjo de Pedra, e disse que no ia mais fazer teleteatro, novela, nada disso. Ficamos p... da vida. O Zara quebrou a porta da sala do Alfredo. E foi para a Excelsior. Eu fiquei l fazendo pouca coisa, at telejornal meia-noite. Depois, no ano seguinte, terminou o meu contrato. Eu podia ter proces-sado, afinal foram nove anos. Mas estava to magoada, to infeliz. Quando sa, falei para o Alfredinho: Espero que voc seja feliz com essas coisas que voc fez com a gente.

    Liguei para a Excelsior, falei com o Ciro Bassini que j estava l e disse: Estou livre. Imediatamen-te me chamaram e estrelei uma novela, As Sol-teiras. Uma novela mexicana adaptada pela Ivani Ribeiro. Tinha o Bgus, a Flora Geni, o Dionsio Azevedo, que tambm dirigia. Em seguida, fiz Ambio, da Ivani Ribeiro. Eu fazia a Belinha, bem m. A direo era do Dionsio e tinha o Tarcsio, a Lolita Rodrigues, que substituiu a Glria porque ela estava esperando o Tarcisinho. A gravao do ltimo captulo foi na igreja da Consolao, o casamento da Lolita com o Tarcsio. Queriam que eu estivesse l fazendo caras e bocas atrs de uma coluna. E a Belinha era de uma extrema

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  • maldade e eu acho que recebi toda a energia ruim que me mandavam. Em um supermercado uma mulher me puxou pelos cabelos por que estava atrapalhando a vida da Guida, a perso-nagem da Lolita. Sei que fiquei quase sempre gripada, tropecei na rua e me machuquei... Era xingada at por cartas. Uma delas dizia: Que uma bomba atmica expluda na sua casa. Outra era assim: Que voc seja maldita pelo resto da vida. O Dionsio queria a minha presena na igreja, mas a gravao tinha sido anunciada, o pblico tinha sido convidado a comparecer. Fiquei com medo e disse: Eu no vou Dionsio, eles vo me bater. Ele insistiu, disse que tinha chamado a polcia, que eu seria protegida. Tivemos uma briga feia, eu e o Dionsio, mas o Dulio, que j era meu noivo, no deixou. No fui. Para evitar que me buscassem em casa, eu e o Dulio fomos para Perube, no litoral paulista. Ficamos assistindo pela TV e vimos muita gente gritando pela Belinha que no foi e deixou muitos revoltados. Terminado o captulo, essa multido foi at a porta da Excelsior, que era perto, onde hoje funciona o Teatro Cultura Artstica, e continuaram os protestos. J tinham quebrado parte do altar na igreja. Foi a primeira grande malvada e o primeiro grande sucesso na TV. A novela explodiu.

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  • Casamento de Dulio e Arllete

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  • Captulo XI

    Proibido Beijar

    Voltei na semana seguinte e o clima j estava bom. Ia fazer A Moa que Veio de Longe. Mas algum disse: Vocs sabem que essa moa no beija na boca? A reao dos patrocinadores foi de perplexidade. Como no beija? Disseram que eu fazia truque porque o noivo no deixava. Era verdade, o Dulio no deixava e eu fazia truques para no mostrar o beijo na boca ausente. Ficava de lado, virava a cara... A histria se espalhou. O clima no estava bom. Fui tratar da renovao do meu contrato e o Dulio veio junto. Ele, lite-ralmente, mandava em mim. O Edson perguntou quanto eu queria ganhar, respondi que agora quem tratava disso era o Dulio. Ns, de fato, tnhamos combinado isso. O Edson perguntou, ele respondeu uma quantia alta. O Edson ficou chocado. A Glria no est ganhando isso, disse. Mas o Dulio bateu o p. Ento no d, encerrou o Edson. Fomos embora. Resultado: fiquei sem emprego. E fui casar.

    A cerimnia do meu casamento foi um inferno. Foi l na igreja de Moema. Era uma multido que queria ver a Belinha casando. A mocinha, a Lolita Rodrigues, estava l. Como minha amiga.

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  • Ento, imagine como estava o clima. Casei e fiquei em casa. Agora vejo que o Dulio atra-palhou minha carreira. Mas liguei para o Ciro, pedi trabalho. A, fiz o Dulio acreditar que a Excelsior tinha me chamado. Mas o Edson ain-da no tinha digerido o episdio. Eu no falo com aquele marido dela. Ele estava indignado. Naquela poca ningum tinha empresrio que cuidava da carreira, muito menos marido. De qualquer forma, me contrataram, me pagaram muito bem. E voltei para casa feliz. Sabia que o Dulio estava atrapalhando. Coitadinho, talvez agisse assim porque... ia morrer cedo.

    Casamento de Dulio e Arllete

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  • Voltei para para a Excelsior e fiz de novo Folhas ao Vento. No sabia e j estava grvida. Quando terminou, o Ciro, que era diretor artstico, me disse: Arllete, detesto gravar com mulher grvi-da, tem que pr a cmera em close...

    Fiquei sem trabalhar seis meses at o Fabinho nascer em abril. Depois, voltei para gravar Cami-nho das Estrelas, com Agnaldo Rayol. O Fabinho tinha pouco mais de um ms. O Agnaldo pediu um autgrafo do Fabinho. Ele foi almoar l em casa, pegou a mo do Fabinho e fez rabiscar qualquer coisa. Naquela poca, as novelas no eram longas. Elas permaneciam no ar uns trs, quatro meses no mximo. Foi uma novela boa. Nela, conheci o Procpio Ferreira. Ele fazia o meu pai. E eu uma milionria que queria casar com um cantor de boate, o Agnaldo, contrariando a famlia. Muita gente comeou a carreira nessa novela. O Paulo Figueiredo, o Wilson Miranda, a Maria Estela.

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  • Em As Minas de Prata

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  • Captulo XII

    A Magia de Avancini

    A, no parei mais. Pouco tempo depois, em 1966, atuei em As Minas de Prata, adaptado do livro de Jos de Alencar. Foi a primeira vez que se construiu uma cidade cenogrfica com praas, chafariz, igreja. Uma coisa grandiosa. Tinha a Snia Oiticica que fazia a minha me. No livro da Coleo Aplauso ela escreveu: Gostei muito de ser tua me. Eu e o Armando Bgus fazamos uma dupla, e o Flvio Stefanini e a Regina Duarte a outra dupla.

    Foi tambm o meu primeiro trabalho com o Walter Avancini. Um diretor fantstico. Diretor de imagem semelhante no conheci. Ele fazia voc fazer uma cena parada ou... de ponta-cabea. Isso vai ficar horrvel, pensava. Mas, depois, quando a gente via, era uma maravilha. O Avancini tinha uma magia... Viajava com as tomadas dele de uma maneira que nenhum ou-tro diretor fazia. Lembro que uma vez, em outra novela dele, eu dancei segurando a cmera. S eu. Aquilo ficou lindo.

    Ele era impressionante como diretor. Era rgido e acabava brigando com muita gente. Altas brigas, com gritos. Me assustei com essa fama.

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  • Com Armando Bgus em As Minas de Prata

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  • Por isso, falei: Avancini, a primeira vez que vou trabalhar com voc. Estou muito feliz com isso, porque quero aprender muito. Mas, por favor...Voc no briga comigo desse jeito. Voc fale o que voc quiser. Mas chama num canto em vez de quebrar o pau. Porque eu tenho dois tipos, duas formas de reao; ou eu vou chorar muito ou vou brigar com voc. Das duas reaes, nunca mais volto para gravar porque vou ficar descon-trolada tanto de um jeito como de outro. No faz isso comigo, no. E ele nunca fez, sempre me tratou bem. Mas eu via ele fazer isso com todo o mundo. Era apavorante. Ele dominava as pessoas no berro. Dizia coisas horrveis, s vezes. Mas as pessoas acabavam entrando na dele e faziam cenas maravilhosas. No sei o que era isso. Acho que era uma tcnica de trabalho e tambm uma defesa para se impor como diretor. Um mtodo... porque atores que estavam dando metade do que poderiam render, na hora ficavam maravi-lhosos. que eles ficavam emocionalmente to... destrambelhados que a faziam coisas incrveis. E ele gravava. Eu j disse antes, digo e repito, que no preciso disso, porque j sou muito emo-cional. Se fizesse isso comigo... Nossa Senhora... Mas foi um aprendizado incrvel.

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  • Com Armando Bgus em As Minas de Prata

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  • Captulo XIII

    Os Cimes do Marido

    Em seguida fiz Sublime Amor, novela do Gian-francesco Guarnieri, dirigida pelo Cassiano Gabus Mendes. O John Herbert foi o meu gal. Foi quando conheci a Irene Ravache, a Aracy Balabanian... Todo esse pessoal que era da Tupi foi para a Excelsior porque o Cassiano foi para l. Foi a nica vez que ele saiu da Tupi. Ele tinha brigado l. Fez essa novela e voltou para a Tupi. A, aconteceu uma coisa engraada. At ento, eu no beijava na boca. Fiquei amiga da Aracy e ela teve altas discusses com meu marido sobre eu me recusar a beijar na boca. Voc no pode fazer isso com ela, Dulio. Desse jeito, voc est fazendo a carreira dela ir para o buraco, disse Aracy para o meu marido. Isso problema nosso, ele respondia. Mas a Aracy no desistia e falava comigo. Voc tem que dar um paradeiro nisso, disse. E eu vi que ela tinha razo, os diretores j no queriam mais me esca lar por causa disso e porque o Dulio ia muito ao estdio. As pessoas estavam meio cheias de se sentirem vigiadas nas gravaes. O que aconteceu? Eu e o Dulio tivemos uma conversa muito sria a respeito. Voc j sabe. De repente, voc vai se apaixonar por algum porque voc tonta. Eu te conheo,

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  • disse. E ele, de fato, me conhecia bem. Namo-ramos 500 anos, eu sabia de todas as paixes da vida dele, ele sabia das minhas. Voc vai se apaixonar e a a gente vai ter que romper esse casamento, insistiu. Mas eu bati p, disse que estava perdendo personagens para outras atrizes por causa disso. Ele capitulou: Voc quem sabe, afirmou, encerrando.

    Surgiu outro dilema: como chegar na televiso e falar: Gente, oi... Agora, eu beijo. Ia ser rid-culo. E no tinha como. Ficou esse impasse e eu pensando como ia fazer. Mas tive sorte. A minha carreira sempre foi abenoada. No posso me queixar. De repente, o Cassiano me escalou para fazer um programa que ele fez na Excelsior: Os Gals Atacam de Madrugada. Trabalhavam qua-tro gals: Francisco Cuoco, Flvio Stefanini, Hlio Souto e... esqueci. Um tipo de seriado, paralelo s novelas. Um programa meio cmico. O Cassia-no no sabia que eu no beijava e me chamou. No lembro quem era o meu gal, mas sei que o beijei na boca. E a, todo mundo comentou: Olha, ela est beijando. Foi a minha alforria.

    J mais liberada, naquele ano, 1968, fiz uma participao em Legio dos Esquecidos. S nos primeiros dez captulos. Era o piv do drama do Francisco Cuoco. Eu era a mulher que ele amava, mas, logo no incio, ele me dava um fora para

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  • casar com uma milionria. Na igreja, eu dava um tiro nele, no acertava, mas era presa e morria na cadeia. Mas o Cuoco ficava a novela inteira pensando nessa mulher.

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  • Em A Muralha

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  • Captulo XIV

    Uma Novela Grandiosa

    Em seguida, comecei a trabalhar em A Muralha, do livro da Dinah Silveira de Queiroz. Eu era a Cristina e interpretei com sotaque portugus. Comeava descendo do navio, da caravela que me trouxe da corte para esta colnia, para casar com o Thiago, um bandeirante interpretado pelo Edgar Franco. Na adaptao que foi feita h pouco pela Globo, essa personagem no tinha sotaque. Mas no texto da Ivani fiquei com sotaque at o fim. Tinha tambm sotaque uma prostituta que chegava escondendo essa situao para casar com o dono da taberna, o Paulo Celestino. Foi durante a gravao dessa novela que a Glria Pires, uma menina de uns sete anos, veio ao estdio ver o pai trabalhan-do... O pai era o ator Antnio Carlos. Ela disse depois numa entrevista que foi a, vendo aquela movimentao toda, que decidiu: isso que eu quero quando crescer. A Muralha era uma su-per-produo nunca vista na televiso brasileira. Tinha cerca de 200 figurantes, mais outro tanto fazendo os ndios, tinha cavalos... E o elenco? Acho que nunca mais ser reunido um elenco desses. Curioso que o Mauro Mendona, nas duas verses, fez o mesmo papel, o Dom Brs.

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  • Naquela poca ele botava barba postia e cabelo tingido de branco para parecer mais velho. Ago-ra, na da Globo, j no precisou. O Stnio Garcia tambm trabalhou nas duas adaptaes. Na da Excelsior ele fez o ndio Aimb que, na Globo, foi interpretado pelo Andr Gonalves. Agora, o Stnio fez um paj mais velho que no existia na nossa novela.

    Foi uma gravao movimentada. E em certa ocasio, eu levei o maior susto com os cavalos de cena. A Cristina, minha personagem, levava muitos dias para subir de Santos a So Paulo. Ela, mais trs ndios e Aimb. Assim que ela de-sembarca, surge a grande decepo: ningum, nem o noivo e nem ningum da famlia sua espera. Apenas aqueles ndios que, na cabea dela, eram assustadores. Ela decidiu partir em direo a So Paulo. Comeou ento a longa subida da serra e os personagens paravam em estalagens. Uma subidona a cavalo. Os cavalos eram enormes, eram da Fora Pblica e eu... ou melhor, a Cristina, montava de lado. Era uma fidalga que se espantava com as mulheres bra si leiras que montavam de pernas abertas. Hou ve uma cena que gravamos em Santana do Par naba. O diretor, que era o Srgio Brito, fez com que o meu cavalo e o do Aimb ficassem presos, parados, e ns dois no meio, entre eles.

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  • O Aimb reclamando com sotaque daquela mulher louca e loira, e eu reclamando dele. No lembro bem o que se falava, mas algum amar-rou ali na esquina, perto, um terceiro cavalo de cena que carregava o ba da Cristina. Sei que esse cavalo, acho que queria comer o capim, saiu desembestado com aquela arca. E os dois cavalos, bem perto de ns, empinaram. Eu, muito louca, assustada, sa correndo. Devia ter feito o que o Stnio fez: encostar na parede. Entrei em pni-co e corri, sentindo os cavalos bufando no meu cangote... Que horror. E todo mundo berrando, todos assustados. Sei que ganhei dos cavalos em um quarteiro, quando algum me puxou e os cavalos passaram. Chorei tanto, tive de refazer a maquiagem. Voltei para o mesmo local, fiz a cena com o Stnio e os dois cavalos.

    Houve outra coisa. Uma cena em que eu tinha que cair dentro do lago. Estava em uma canoa com a Nicette Bruno e Aimb que, em cena, depois pulava para me salvar. Estavam todos prepara-dos para me pegar, assim que eu cas se na gua. O que aconteceu? Todo mundo se preocupou comigo e esqueceram da canoa com a Nicette que foi levada pela correnteza. E ela gri tando, pedindo socorro. Levou um bom tem po para perceberem o perigo. Aconteceram mui tos outros acidentes, afinal era uma novela grandiosa com

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  • muita gente. A Maria Isabel de Lizandra quebrou um brao... Mas A Muralha nunca deixou de ser exibida e tudo correu bem. Foram mais de 200 captulos at maro de 1969.

    Em seguida, atuei em outras novelas: A Menina do Veleiro Azul e Dez Vidas, que tratava de Tiradentes, da Inconfidncia Mineira. Eu fazia a Carlota. A Excelsior j estava comeando a degringolar. Em 1970 atuei em Mais Forte que o dio, a ltima novela da Excelsior que, em segui-da, faliu. Fazia a Roberta. No meio da gravao, o meu gal, o Jovelty Archngelo, abandonou o trabalho. Outros intrpretes tambm saram porque no recebiam seus salrios. Eu fiquei at o fim, at apagar a luz. Depois, me vi desempre-gada novamente.

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  • Cena de A Muralha, com Edgar Franco

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  • Captulo XV

    O Teatro

    Quando ainda estava na Excelsior, que j decli-nava, recebei um convite para fazer teatro. Foi por volta de 1969. Osmar Rodrigues Cruz, diretor dos espetculos do Sesi, queria fazer um elenco de viagem para Noites Brancas, do Dostoievski. A Berta Zemel quem fazia a pea em So Paulo, mas ela no queria viajar. A Ruthina de Moraes me sugeriu ao Osmar. Ah, ela muito velha para o papel, ele respondeu. Perguntado sobre minha idade, no soube dizer. Sei l, mas sei que, h muito anos, vejo o nome dela rodando por a. O Osmar no via televiso, detestava televiso, detestava novela. Acho que ele me via... como uma Lia de Aguiar, de uma outra gerao.

    Mas ele foi convencido a me chamar. Eu fui com o Dulio. Quando ele me viu... Eu estava com uns 30, 31, mas aparentava bem menos... imediatamente mudou sua opinio e logo me contratou. Aceitou as exigncias do Dulio. Ah, ela vai viajar? Eu tenho que ir junto. O Osmar topou, botou tudo em contrato.

    Logo comeamos a ensaiar. Eu morria de medo, afinal, nunca tinha feito teatro. No sabia me movimentar, no sabia o que fazer com as mos.

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  • Fiquei to travada. Tinha o Jovelty fazendo o papel principal que no filme foi o Marcello Mastroianni e o Marcos Toledo. Lembro que eu j tinha feito Noites Brancas ao vivo, em teleteatro, na Record. O Zara era o gal. Na TV o elenco era enorme. J na pea, s havia trs personagens. Era um espetculo lindo, enxuto, seco. Sei que quase morri de tenso na estria. O Duilo estava mais nervoso. Olha, vou ficar no carro... Sei l, acho que voc vai esquecer tudo. A peruca pode cair. E eu no quero ver isso. Ele me passou mais insegurana. A estria foi em So Caetano e ele ficou no carro. No comeo, tremia tanto que saiu uma voz que no era a minha. Dez, quinze minutos depois j estava normal. Relaxei e fui. Gente, que sofrimento. O impacto daquela platia, a energia deles que vem pra voc... Era algo desconhecido. E me apaixonei pelo teatro. Para o ator, teatro o que h de melhor. Porque a voc est livre, voc voc, faz o que voc quiser. Ou voc domina ou no do-mina. por isso que o diretor fica bravo quando voc estria. Comea a fazer anotaes, mas sabe que j perdeu certo domnio sobre voc, artista. No tem jeito. Na televiso e no cinema ele pode fazer de novo, se no gostou. No teatro, naquele dia j foi. No d para repetir. No cinema, ele pode mudar teu desempenho na montagem.

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  • Alis, o Lima Duarte disse e verdade que o cinema do montador e do diretor. E a televiso da equipe tcnica. Alguma coisa errada na luz e no som na TV, mandam fazer de novo. Mas, s vezes, a gente erra e no mandam fazer de novo. S por problemas tcnicos que voltam. J no teatro, no. Depois que estreou, est na mo do ator.

    Anncio de Noites Brancas, com Jovelty Arcangelo

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  • Gostei e me engrenei com o teatro. Osmar gostou de mim, as pessoas com quem eu tra-balhei tambm. Na viagem, foi um sucesso, as pessoas vinham falar comigo, muitas porque me conheciam da TV. Fiquei um ano fazendo a pea. Foi maravilhoso.

    Paralelamente excurso com Noites Brancas, Osmar atendeu ao convite da Nathalia Timberg e do ento marido dela, o escritor Sylvan Paezzo. Eles tinham montado um misto de circo e teatro que ia aos bairros, com poltronas montadas na hora. E eles convidaram todos os elencos de So Paulo. A, Osmar montou A Falecida Senhora Sua Me comigo e com o Jovelthy e a Vic Mi-litello. A gente ensaiava durante as viagens e encenava o espetculo em So Paulo somente s segundas.

    Em seguida, Osmar montou Senhora pra mim, em So Paulo. Uma adaptao do romance de Jos de Alencar. Eu fiz, mas o Dulio nessa oca-sio j estava muito doente. A toda hora tinha coisa no p, cirurgias... Ningum sabia, ningum tinha conscincia da gravidade. Foi tambm quando o Cassiano Gabus Mendes, que dirigia a Tupi, me chamou de novo. Ele tinha me convida-do antes para fazer uma novela da Ivani Ribeiro, mas, por questo de salrio, recusei. A Ivani ficou aborrecida. O que fazer? Estava fazendo

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  • teatro, recusei. Contudo, em 1971, o Cassiano soube da pea e pensou em fazer uma novela do texto. Mas ele queria uma verso moderna de Senhora. Por isso, contratou o Ody Fraga para escrever e me chamou para o papel principal. A novela era O Preo de um Homem. O Adriano Reys veio do Rio para ser o gal, o Mrio. Em vez da Aurlia, eu era a Rosa, a senhora moder-na. Depois, ela virava a toda-poderosa dona de uma indstria. Acho que foi a primeira novela do Carlos Alberto Riccelli. Ele me perseguia de moto. O Preo de um Homem fez com que eu e o Adriano contratssemos uma secretria para responder s cartas. Era uma mdia de cem por dia. Uma coisa absurda. 97

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  • Em O Preo de um Homem, com Adriano Reys

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  • Cena de O Preo de um Homem, com Adriano Reys e Jaime Barcellos

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  • Captulo XVI

    A Grande Perda

    Estava fazendo Senhora simultaneamente: na TV e no teatro, que era uma adaptao do Srgio Viotti fiel ao texto do Jos de Alencar. A grava-o era puxada e tambm passava um bom tem-po no hospital, por causa do Dulio. Optei por deixar o teatro, fui substituda. Fiquei s na Tupi e dei um tempo ao teatro. Mas logo voltei ao palco em A Ilha das Cabras, ainda em 1972. Nesse ano, o Dulio amputou a perna. Depois... morreu em 1973, no dia em que ia colocar uma perna mecnica. S a me disseram que era cncer nas artrias e que quando d em jovem, avassala-dor. E ele s tinha 38 anos. Era um tipo de cncer que costuma atingir gente mais velha, de uns 70 anos. Nas raras vezes que atinge jovens, sempre fulminante. Fiquei arrasada. Eu estava atuando na novela Divinas & Maravilhosas quando ele morreu na primeira semana de gravao. Antes, tinha feito Rosa dos Ventos, que contou com muitas cenas gravadas naquele hotel antigo de Poos de Caldas. O Dulio, j doente, foi comigo. E o Fabinho tambm. Ele fez figurao em uma cena naquele bondinho tpico da cidade. Acho que ele tinha j uns sete anos.

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  • Em Rosa dos Ventos

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  • Divinas & Maravilhosas teve um clima pesado na gravao. No primeiro dia, a Nicette Bruno tro-peou em um cabo das cmeras e quebrou o p. No terceiro ou quarto, o Dulio morreu. Algum tempinho depois, a Bete Mendes sofreu um gra-ve acidente de carro. Chegou a ficar em coma. E teve uma atriz que, discretamente, foi fazer um aborto, mas passou mal. A, todo mundo ficou sabendo. E o Vicente Sesso, autor da novela, foi ficando doente e teve um enfarte. Coitado, foi muita presso, ele tinha que mudar a trama por causa de tudo isso que acontecia com as suas mulheres. Cada uma, no drama, tinha uma histria. Mas aconteceram tantas tragdias que a novela desandou. 103

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  • Com a amiga Snia Moreira em baile de carnaval

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  • Captulo XVII

    Amigas para Sempre

    J disse que tive muitos cmplices na vida. Tive e tenho amigos maravilhosos. Alguns j mencionei. A minha prima Lllian e o Mlton, que me levaram para a Rdio. Ela sempre me dava palavras de apoio quando algum da famlia falava besteira do meu lado. Naquela poca eu conheci uma me-nina, a Snia Moreira, que era amiga da minha prima Deise. Quando me aproximava das duas, ainda criana, a Deyse dizia: Aqui no tem lugar pra voc. Voc muito pequena. Eram trs anos de diferena. Mas, na infncia, na adolescncia, trs anos fazem diferena. As duas eram muito amigas, mas um dia a Snia sumiu, nunca mais vi.

    Quando entrei na Rdio So Paulo, muitas estre-las me olhando de cima pra baixo, desprezando aquela novata, vi aquela moa, hesitei, mas me aproximei. Ela tambm me olhou, lembrou da prima da Deyse. A Snia Moreira, l da Casa Verde. Ela tambm tinha entrado para a rdio dois meses antes, atravs do Clube da F. Nunca mais nos largamos, ela tambm no tinha feito amizades, se enturmado com ningum.

    At hoje a irm que eu no tive, por vrias razes. Em vrios momentos da minha vida, ela

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  • foi de grande ajuda, de grande importncia. Principalmente quando meu marido morreu. Ela me fez ir morar na casa dela. Na poca da morte do Dulio, ns estvamos em uma situao financeira muito ruim. Ganhava pouco fazendo Divinas e Maravilhosas na Tupi e o Dulio recebia auxlio-doena do governo. Ns dois e o Fabinho mudamos para uma kitchenette na esquina da Praa Marechal Deodoro que a Snia arrumou. Ela j morava por perto. Foi a nica vez que dei-xei minha me morando na casa da minha tia Amlia. Eu no tinha condies financeiras para manter a casa maior na Freguesia do .

    Ao voltar do enterro do Dulio, a Snia j tinha desmanchado o meu apartamento e me levou para a casa dela. O Fabinho ficou na casa da me dela que ficava h um quarteiro e que criava a filha dela tambm. A Snia e o marido, o Wilson, trabalhavam muito e por isso deixavam a menina com a me. Passei a deixar o Fabinho tambm. Foram oito meses nesse esquema. Quando com-pletou um ms da morte do Dulio e eu quis dar um dinheiro para a Snia, ela no aceitou. Mais tarde, ela arrumou este apartamento na Praa Marechal, que tenho at hoje. Me fez comprar, venceu a minha relutncia. Eu achava que no ia conseguir pagar. Voc vai pagar, dizia com firmeza.

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  • Seu filho Fabinho, meditando

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  • E lembrava que ela, ganhando menos, j tinha seu apartamento. Eu que sempre fui muito gastona. A Snia, at hoje, a primeira que me acode quando acontece algo de ruim. uma grande amizade. Um anjo na minha vida.

    Outros surgiram, claro. A Aruta, por exemplo, uma camareira que trabalhou comigo. H pouco tempo, levei um tombo e fraturei o punho. Ela me ajudou no difcil dia-a-dia de gesso e cirurgia. Teve o Edison que me ajudou muito quando quebrei a perna. Limpava a minha casa, pagava as minhas contas... J no est entre ns. E tem a Suely Franco. A gente se conhecia da Tupi, mas quando fui fazer Cara e Coroa, no Rio, ela se transformou em uma irm para mim.

    Mas tem o reverso tambm. Quando o Dulio ficou doente, as pessoas sumiram. No por mal, tem gente que no suporta ver amigo sofrendo, no agenta.

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  • Em Meu Rico Portugus, com Flvio Galvo

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  • Captulo XVIII

    O Retorno s Novelas

    Logo aps a morte do Dulio, fiquei um bom tempo sem fazer TV e teatro, na depresso e sem emprego. S fiz dublagem. Essa uma ativida-de que sempre esteve presente em minha vida, desde a Rdio So Paulo. Comecei dublando Orfeu do Carnaval, do Marcel Camus, por volta de 1958 ou 1959. O Glauco Mirko Laurelli dirigia a dublagem. Geralmente dublava a noite intei-ra. Saia da rdio e, depois da TV, ia dublar. No comeo, s dublava para o cinema, dublava in-clusive filmes nacionais l na Odil Fono Brasil, no Sumar. S depois que apareceram para dublar as sries e os filmes para a TV. Paralelamente aos meus outros trabalhos, sempre dublei, graas a Deus. Dublo h quatro dcadas. Ou mais. J dei voz para Shirley MacLaine (que adoro), Sophia Loren, Angela Lansbury, Catherine Deneuve... Tanta gente.

    Voltei a fazer novela em 1975. Foi Meu Rico Portugus, do Geraldo Vietri. Eu era a Dora, uma personagem maravilhosa. Era alcolatra e manca. Bebia porque era manca e queria danar. Ningum tirava ela para danar. Por causa dessa personagem, foram abertas muitas AAA (Associa-

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  • o do Alcolatra Annimo) pelo Brasil. Chama-ram o Vietri vrias vezes para ser homenageado. Tinha outro alcolatra na trama, interpretado pelo Wilson Fragoso. Na trama, eu tinha uma perna mais curta que a outra. Ento, mandaram fazer um sapato com plataforma e outro sem. Foi difcil fazer, um sujeito disse que fazia sapatos para ajudar as pessoas e no para prejudic-las. Um dia fomos gravar na Bela Vista, em uma casa ao lado da Parquia Nossa Senhora Achiropita, uma cena em que eu estava estendendo roupa.

    Em Meu Rico Portugus, com Ruthina de Moraes

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  • A, o Vietri me chamou no caminho, na rua, para ver como ficou. Quando ele gostava, ele chamava. E eu fui, mancando por causa da bota. Tinha vrias mulheres l perto e uma disse: Meu Deus, ela manca. Coitadinha. Vi tanta novela dela. Nunca percebi que mancava.

    Em seguida atuei em A Viagem, que foi um marco da telenovela, um sucesso. Era baseada em um livro de Chico Xavier. Meu papel era o de um esprito de luz. Eu e o Cludio Corra e Castro, nossos personagens, estvamos mortos h mais de 500 anos. Ns que recebamos as pessoas que desencarnavam. Lembro que l pela metade da gravao da novela, o Chico Xavier veio conversar com a gente. Perguntei se estava certo o que eu estava fazendo; afinal, ningum tinha noo de como se comportava um guia espiritual que rece-bia os mortos. O Chico disse que estava correto e eu fiquei feliz com a sua observao.

    E acho que, ao mesmo tempo, ou um pouco an-tes, ou um pouco depois, no teleteatro que tinha na Tupi, atuei em Aplauso uma adaptao do filme A Malvada. Eu fiz a malvada, o papel que no cinema tinha sido da Anne Baxter, aquela jovem suave e arrivista. E a Nathalia Timberg fez a atriz famosa, vivida pela Bette Davis no filme.

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  • Em Meu Bom Baiano

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  • Captulo XIX

    Estria no Cinema

    No lembro se fiquei um bom tempo parada depois de A Viagem. Mas, em 1976, estreei no cinema atuando em O Conto do Vigrio, dirigido pelo tambm ator Kleber Afonso. Foi um filme interessante com uma cantora famosa, a Nalva Aguiar. Eu fazia a m. Era uma comdia sertaneja ou com toques sertanejos. Tinha uma cena em que eu tinha que entrar em um carro da polcia, presa. Estranhei fazer cinema. Mas tinha estra-nhado muito mais quando surgiu o videoteipe. Acho que foi por volta de 1968. E vi que eu no era nada daquilo que imaginava ser. Fiquei hor-rorizada com a imagem que eu passava. Pensava que era uma e vi que era outra. A mesma coisa ocorre com a voz. A tua voz sem ser ouvida em gravao, voc no ouve a emisso, voc a ouve dentro da prpria cabea. Em relao ao som de minha voz eu j estava acostumada, j tinha ouvido gravaes. E tinha percebido que no era to feia assim. Mas a imagem... Voc andando, se movimentando. A tua postura, as expresses... Fiquei horrorizada. Mas todo mundo fica assim na primeira vez, no tem jeito.

    Continuei fazendo televiso. Mesmo assim, pro-cu ro me ver muito pouco e, de preferncia, com

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  • muito distanciamento, bem depois de ter feito o trabalho. Porque assim, at gosto muitas vezes. Mas, normalmente, quando vejo na hora, no gosto. Nas gravaes, geralmente, o ator cha-mado para ver no monitor como a cena ficou. A maioria vai ver. Eu procuro no ver. Posso ficar to desencantada que estrago as outras cenas no resto do dia. um problema meu.

    Nesse mesmo ano voltei a fazer um fantasma. Foi na novela Papai Corao. Mas de uma for-ma mais leve. Foi o primeiro trabalho na TV da Narjara Tureta. Ela era menina, fazia a minha filha Cristina que, durante toda a novela, con-versava com a me morta. S ela que via essa personagem falecida. O texto era mexicano ou espanhol, no lembro. Mas no falava em reli-gio, em espiritismo, ao contrrio de A Viagem. E a idia que passava que tanto podia ser tudo imaginao da Cristina como, de fato, ela via a me. Cada um podia escolher. A novela tinha um convento entre os cenrios... A Beth Goulart, comeando, fazia uma novia.

    Nessa poca, os intrpretes deixaram de ser con-tratados das emissoras. Era por tarefa. Assim, pas sei um bom tempo desempregada at fazer O Bom Baiano, em 1978, escrita e dirigida pelo Vietri. Era um drama muito bom, com quitanda, penso. A Nair Belo era a dona da penso. Eu

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  • vivia uma viva que, depois, casava de novo. A minha personagem morava com a sogra, Ant-nia, vivida pela minha querida Yara Lins. Sei que nessa poca comeou o desemprego para mui-tos. A, a gente tinha tambm que dublar, que filmar. Por isso, fiz no cinema um pequeno papel em Meus Homens, Meus Amores, um drama di-rigido pelo Jos Miziara. E, novamente, passei a dublar mais. No mesmo ano atuei em Aritana, novela muito interessante da Ivani Ribeiro e que marcou a estria da Bruna Lombardi. Nessa gravao ela conheceu o Carlos Alberto Riccelli, que fazia o Aritana. O meu gal era o Othon Bastos. Eu fazia uma empregada, Violeta. E a Ivani, estranhamente, fez com que que tingissem o meu cabelo de preto. Foi a nica vez que me vi com cabelo escuro.

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  • Na padaria ao lado da TV Tupi, com Felipe Donovan e Walther Negro

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  • Captulo XX

    O Fim da Tupi

    Fiquei um bom tempo sem fazer TV. Fiz Drcula na Tupi que foi interrompida, a crise j tinha chegado. E o Ody Fraga, que gostava de mim desde que atuei em O Preo de um Homem, que ele adaptou de Senhora para a TV, em 1980 me chamou para fazer um filme. Foi Palcio de V-nus. Um dos melhores papis que fiz no cinema. Passava-se em um bordel, eu era a prostituta mais antiga, a p... velha. A Elisabeth Hartmann era a dona do bordel. Tinha a maravilhosa Lola Brah fazendo uma governanta estranha. Tinha todo o pessoal do cinema da Boca: Helena Ra-mos, Neide Ribeiro, Matilde Mastrangi... Todas. O filme hoje considerado um cult. Eu gosto muito, lindo. Queria ter em vdeo ou em DVD. Mas no existe.

    No mesmo ano, fiz a novela Um Homem Muito Especial, na Bandeirantes. o Drcula, a mesma novela do Rubens Ewald Filho que comeou a ser gravada na Tupi. L, tinha uma produo pri-morosa, com cenrios e roupas requintadas. De repente, j existiam oito captulos gravados ou exibidos quando a Tupi foi parando. Finalmente, a Tupi acabou saindo do ar.

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  • No filme Palcio de Vnus

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  • Um Homem Muito Especial

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  • Infelizmente faliu, como tinha acontecido com a Excelsior. E at hoje a gente nunca ficou sabendo com certeza quais foram as causas. O problema que, naquela ocasio, a gente j estava h meses sem receber o pagamento. Os sinais do declnio estavam j se fazendo sentir... O mais impres-sionante de tudo isso que o trmino da Tupi aconteceu l na Vila Guilherme (bairro de So Paulo), no mesmo estdio, no mesmo lugar em que aconteceu o final da Excelsior. E praticamen-te com as mesmas pessoas. Os mesmos atores, diretores, a equipe tcnica... Ns participamos de duas falncias, duas derrocadas no mesmo cenrio. Isso foi terrvel.

    Cerca de seis meses ou um ano depois do fim da Tupi, a Bandeirantes comprou o projeto todo de Drcula. Elenco, cenrio, roupas, tudo. E ns comeamos de novo a gravar na Bandeirantes. Mas mudou o ttulo que no poderia ser o mes-mo. Da surgiu Um Homem Muito Especial. A direo geral acabou sendo do Avancini, mas o Atilo Ricc dirigiu muitas cenas. E, na autoria, acabou entrando mais gente, trs no total. Co-meou com o Rubens, depois veio a Consuelo de Castro, o Jayme Camargo, no sei se nessa ordem... Meu papel era o da Beatriz. Um papel delicioso porque era uma sonhadora, etrea. Mas, de repente, ela se transforma em uma

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  • guerrilheira. Isso quando mudou o autor. Cada vez que mudava o autor, mudavam as persona-lidades dos personagens. Menos o vampiro que era o Rubens de Falco. Foi terrvel a gravao dessa novela porque, nos captulos finais, a Bru-na Lombardi e o marido dela, o Carlos Alberto Riccelli, brigaram com a emissora e saram. A novela terminou sem eles, o par romntico. Acho que foi a primeira vez que isso aconteceu na telenovela brasileira, ou seja, terminar sem o mocinho e a mocinha juntos, maravilhosos. Essa no deu, a personagem da Bruna morreu queimada, punida em uma fogueira.

    Ainda na Rede Bandeirantes, no ano seguinte, fiz Os Adolescentes. Uma novela escrita pelo drama-turgo Jorge de Andrade. Um nome respeitvel pela obra teatral. Fiz uma velhinha, o que exigia maquiagem especial, demorada. Entrei no lugar da Cleyde Yconis que