ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico...

208
1 Paulo Fernando Bava de Camargo ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES OITOCENTISTAS DA PLANÍCIE COSTEIRA CANANÉIA/ IGUAPE, SP Dissertação de mestrado. Orientadora: profª. Drª. Maria Cristina Mineiro SCATAMACCHIA Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo São Paulo, junho de 2002

Transcript of ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico...

Page 1: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

1

Paulo Fernando Bava de Camargo

ARQUEOLOGIA DAS

FORTIFICAÇÕES

OITOCENTISTAS DA

PLANÍCIE COSTEIRA

CANANÉIA/ IGUAPE, SP

Dissertação de mestrado. Orientadora:

profª. Drª. Maria Cristina Mineiro

SCATAMACCHIA

Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universidade de

São Paulo

São Paulo, junho de 2002

Page 2: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

2

Paulo Fernando Bava de Camargo

ARQUEOLOGIA DAS

FORTIFICAÇÕES OITOCENTISTAS DA

PLANÍCIE COSTEIRA CANANÉIA/

IGUAPE, SP

Dissertação de mestrado.

Orientadora: profª. Drª.

Maria Cristina Mineiro

SCATAMACCHIA

Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de

São Paulo

São Paulo, junho de 2002

Page 3: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

3

Resumo

Esta pesquisa de mestrado, que está inserida dentro de um projeto mais

amplo, visa a localização, mapeamento e análise das fortificações da planície

costeira Cananéia/ Iguape. O trabalho justifica-se pela necessidade de levar à

luz o subsistema defensivo que foi concebido para essa região, no século 19,

para depois podermos compará-lo com os subsistemas defensivos implantados

nas outras regiões do litoral do Estado o qual, ao contrário de algumas regiões

do Brasil, teve sua estratégia de defesa alicerçada em baluartes de reduzidas

dimensões e parco poder de fogo.

Geralmente esquecidos pela história ou pela arquitetura - por não

possuírem registros escritos em quantidade ou edificações significativas -, eles

são essenciais para a compreensão das estratégias políticas e militares que

regeram as elites coloniais e imperiais no processo da construção da identidade

nacional brasileira.

A teoria e a metodologia seguidas por esta pesquisa estão

fundamentadas na arqueologia de raiz materialista histórica, como a

arqueologia social e a crítica. Seguindo esta linha de pensamento, as

fortificações seriam apenas o ponto de partida para a elaboração de uma

história – regional e nacional - baseada na arqueologia, na qual estariam

evidentes os mecanismos que regulam o poder dentro da sociedade enfocada.

Do ponto de vista das técnicas arqueológicas, conjugamos dados

obtidos pelas prospecções terrestres e subaquáticas1, que devem ser

encaradas como complementares apesar de serem aplicadas em meios

diferentes. As intervenções arqueológicas subaquáticas são pontuais, o que é

possível graças ao uso de métodos prospectivos geofísicos (magnetometria,

sonar de varredura lateral, etc).

Palavras chave: arqueologia subaquática; arqueologia histórica; fortificação;

artilharia; vale do Ribeira; Cananéia

1 A fortificação da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, está hoje, submersa. Já o forte de Sepitiba, em São Sebastião, litoral norte (que é estudado a título de comparação), está em cima de um morro.

Page 4: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

4

Abstract

This master's degree research that is part of a greater project aims to

locate, map and analyse the fortifications of the coastal plain Cananéia/Iguape.

The work is justified by the need of taking to the light the defensive subsystem

conceived for that area in the 19th century and to compare it later to the

defensive subsystems implanted in other coastal areas of São Paulo which,

unlike some areas of Brazil have had its defense strategy based on ramparts of

reduced dimensions and scanty fire power.

Usually forgotten by history or architecture, they are essential to

understand the political and military strategies that ruled the colonial and

imperial élite in the construction of the Brazilian national identity processes.

The theory and methodology followed in this research are based on the

archaeology of historical materialistic root, as the social archaeology and the

critic. Following this thought the fortifications would just be the starting point for

the elaboration of a history - regional and national - based on the archaeology.

Then the mechanisms that regulate power inside the focused society would be

clarified.

According to the archaeological techniques, we conjugate data obtained

by the terrestrial and underwater research2 that should be considered as

complementary in spite of being applied in different means. The underwater

archaeological interventions are punctual thank to the use of geophysical

prospective methods (magnetometer survey, side scan sonar, etc).

Key words: underwater archaeology; historical archaeology; fortification;

artillery; valey of the Ribeira; Cananéia.

The Ponta da Trincheira fortification, in the Comprida island, it is now submerged. The Sepitiba fort, in São Sebastião, north coast (which is studied for comparison), is in top of a hill.

Page 5: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

5

À Priscila, Haroldo, Maria Amália e

Daniela, que incentivaram e

suportaram (de todas as formas) o

pesquisador.

Page 6: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

6

Agradecimentos

Á FAPESP, pela concessão da bolsa.

À minha orientadora, Maria Cristina, por apoiar essa e tantas outras iniciativas

de suma importância para a pesquisa arqueológica no Brasil.

A Gilson Rambelli, amigo, coordenador dos campos “molhados”, parceiro de

discussões e grande divulgador da arqueologia subaquática em águas tão

turbulentas.

Ao prof. Dr. Francisco Y. Hiodo (IAG-USP) e sua equipe, por terem

desenvolvido o magnetômetro subaquático.

A Flávio R. Calippo, amigo e parceiro de equipe a quem devo a interpretação

dos mistérios das terras submersas.

Ao Luís A. P. de Souza (IPT), por ter feito o levantamento com o sonar de

varredura lateral.

Aos arqueólogos Jerônimo Angueyra e Patrícia Baiod, companheiros de

mergulhos e de grandes descobertas.

Ao prof. Dr. Francisco J. S. Alves (CNANS, Portugal) e ao prof. Dr. Luis Filipe

Castro (INA, EUA) por me proporcionarem grandes escavações subaquáticas

na lusa terra.

Ao prof. Dr. Marc-Andrè Bernier (Parcs Canadá) por compartilhar de seus

conhecimentos, simpatia e paciência com os arqueólogos da América Latina,

não raro esquecidos pelo hemisfério superior.

Ao prof. Adler H. F. Castro (DEPROT-IPHAN), grande conhecedor dos mistérios

bélicos.

Aos profs. Drs. Maria I. d’A. Fleming e José Luis de Moraes pela importante

contribuição no exame de Qualificação.

Ao prof. Dr. Moysés Tessler, por ter oferecido grandes informações e contatos.

À Juliana Leitão, amiga que também suportou as pesquisas no Rio de Janeiro.

Ao Carlo Manfredi, camarada ítalo-cananeense que tantas vezes nos auxiliou.

E a tantos outros que contribuíram de inúmeras maneiras para o sucesso dessa

empreitada.

Page 7: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

7

“4) Se algum navio ou navios estrangeiros vierem buscar este

porto em tempo de paz, logo que o Comandante perceber que

bandeira não é portuguesa mandará dar fogo a uma peça sem

bala, para que dêem fundo e não o fazendo mandará disparar

outra bala por elevação, e se ainda assim o não fizerem, os

tratará como a inimigos; porém, se obedecerem e mandarem

lancha a terra, o Comandante irá à praia, saber o que querem,

não consentindo que entrem na Fortaleza, e se quiserem entrar

com os navios para dentro me renderá algum de seus oficiais,

por soldados de suposição para me falar, e enquanto eu não

mandar ordem para que entrem, o não consentirá de modo

algum, e lhe mandará meter guarda para que não negociem

com os moradores, e se por não terem ainda entrado na barra

para dentro não o quiserem admitir, a guarda lhes porá o

Comandante em venda no mar e um Sargento e alguns

soldados para impedirem a dita negociação;(...)

13) Toda a embarcação que sair a pescar, será obrigada,

quando entrar, a chegar à Fortaleza, a vender peixe à

guarnição por menos a terça parte do que se costuma vender

nesta vila; e, quando não o queiram chegar, o Comandante

mandará buscar os mestres e os meterá no tronco de pescoço

por tempo de meio dia, e depois os soltará servindo-lhes este

castigo de exemplo para não faltarem mais;”

Ordens, Alexandre Luís de Sousa Menezes, Governador da Praça de Santos,

século 183.

3 Série de 18 artigos sobre os procedimentos necessários para controlar o tráfego de embarcações pela barra Grande de Santos. Transcritas nas notas do tabelião Silvério Gurgel do Amaral Coutinho em 18/08/1808. Costa e Silva Sobrinho, 2000: 40-46.

Page 8: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

8

Índice

Abreviações 9

Introdução 10

Capítulo 1 11

Capítulo 2 31

Capítulo 3 80

Capítulo 4 133

Considerações finais 150

Anexos 151

Glossário 187

Bibliografia 189

Page 9: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

9

Abreviações

?? ABN – Anais da Biblioteca Nacional

?? AESP – Arquivo do Estado de São Paulo, S. Paulo, SP

?? AHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ

?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro, RJ

?? ARHEX – Arquivo Histórico do Exército, R. de Janeiro, RJ

?? AMS-FM – Arquivo Municipal de Santos, SP – Fundo Milícias

?? BN - Biblioteca Nacional, R. de Janeiro, RJ

?? C. ou Cx. – caixa

?? CCSP – Códice da Capitania de São Paulo (ARHEX)

?? CEHB+número – Catálogo da Exposição de História do Brasil (realizada

na BN na década de 1880)

?? DI – Documentos Interessantes para a História de São Paulo

?? Doc./ docs. – documento(s)

?? E+número – documentos do AESP encadernados

?? FMG – Fundo do Ministério da Guerra (ANRJ)

?? FMM – Fundo do Ministério da Marinha (ANRJ)

?? Gr. – grupo

?? PABVR – Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira

?? PFBC – Paulo Fernando Bava de Camargo

?? RHUSP – Revista de História da USP

?? RIHGSP – Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo

?? V.E. – vossa excelência

Page 10: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

10

Introdução

A primeira coisa que deve ser colocada é que esta pesquisa retrocedeu

da marcha para o oeste e voltou para o leste, tão ao leste que agora o

pesquisador encontra-se na água, construindo arqueologia e história do Baixo

Vale do Ribeira (e, conseqüentemente, do Brasil) de dentro de um barco, o que

vale dizer que os padrões de estabelecimento dessa região e suas

conseqüentes paisagens arqueológicas são concebidos através do olhar do

navegante, aquele ser que carrega a herança que damos às costas, mesmo às

vezes estando na costa.

Esta abordagem encontrou espaço no Programa Arqueológico do Baixo

Vale do Ribeira, projeto de longa duração encabeçado pela profª. Drª. Maria

Cristina Mineiro Scatamacchia e patrocinado pela FAPESP. Nesse programa

arqueológico, que envolve tanto a arqueologia da história antiga brasileira

quanto a arqueologia da história pós-conquista, procuram ser investigados os

padrões de estabelecimento da região, bem como suas paisagens, tanto na

terra quanto embaixo d’água, essa última, atividade pioneira.

É nesse contexto extremamente diversificado – que ainda conta com

pesquisadores vindos da arquitetura, das ciências sociais, da geografia, da

história e da oceanografia – que encontramos espaço para desenvolver este

trabalho que envolve a pesquisa de documentos escritos, levantamentos

geofísicos e prospecções arqueológicas terrestres e subaquáticas, as últimas

com maior ênfase, uma vez que os vestígios da maior fortificação da área estão

submersos.

Esperamos que com esta pesquisa, multidisciplinar e pioneira no campo

subaquático, tenhamos fornecido algumas pistas para que os próximos

arqueólogos descubram outros trechos dos “caminhos das pedras”.

Page 11: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

11

Capítulo 1

1 Objetivos

Esta pesquisa faz parte de um programa arqueológico mais amplo, sobre

os padrões de estabelecimento das populações do Baixo Vale do Ribeira4,

coordenado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e financiado

pela FAPESP.

O mapeamento e a análise dessas estruturas defensivas têm como

objetivos levantar dados e localizar as estruturas de defesa que foram erguidas

na planície costeira Cananéia/ Iguape, correlacionando estes dados com a

situação defensiva encontrada no litoral central e norte do Estado de São

Paulo.

Com a pesquisa visamos, principalmente, a localização e identificação

das fortificações mencionadas na documentação textual e que, atualmente, não

apresentam estruturas visíveis, ou por terem sido encobertas pela vegetação

ou pelas águas, bem como pelo esquecimento.

A importância deste trabalho reside no fato dessas estruturas nunca

terem sido alvo de estudos sistemáticos, podendo-se, traçar paralelos para as

outras situações defensivas encontradas em outras partes do litoral paulista,

um pouco melhor exploradas. Tal comparação visa à elaboração de um

conhecimento arqueológico sobre as várias estratégias militares

(conseqüentemente, geopolíticas) adotadas nas diferentes administrações,

para cada região, em diversos tempos.

Para tal feito, obtemos algumas informações específicas desses

baluartes: funções, potencial de fogo, dentre outras (que serão detalhadas mais

4 O fato da pesquisa não ser desenvolvida em todo o Baixo Vale do Ribeira (como o título sugere é apenas na planície costeira) descarta as fortificações da retroterra, até agora pouco tratadas pela literatura especializada. O exemplo mais nítido que temos, na região, é a cidade de Registro que, como o próprio nome diz, era um local de controle do fluxo de mercadorias e pessoas, onde, segundo a “Planta corográfica, hidrográfica e topográfica das Barras da Vila de Iguape” (cópia de 1849 existente no ARHEX), existiria, em ilha no rio Ribeira de Iguape, uma “fortaleza”. Como era essa estrutura? Possuía artilharia? Qual era sua importância para o controle do fluxo de embarcações pelo Ribeira? O que teria sobrado dela? Estaria emersa ou submersa? São essas e outras questões que teriam que ser tratadas por um trabalho específico.

Page 12: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

12

adiante), para que possam ser caracterizados os sistemas defensivos que

foram criados para proteger os portos e barras do sul do Estado de São Paulo.

A caracterização individual de cada uma das fortificações só teve sentido

porque, durante o desenrolar da pesquisa, a produção do conhecimento

caminhou para a formação de quadros que permitiram abordar, do ponto de

vista da cultura material, as mudanças geopolíticas ocorridas dentro do período

em questão.

Figuras 1, 2 e 3: Mapas do

Estado, do litoral de SP e PR

(com a área da pesquisa

assinalada) e da barra de

Cananéia (com a área da

pesquisa subaquática

assinalada).

Page 13: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

13

A pesquisa também envolveu prospecções arqueológicas subaquáticas

devido à dinâmica marítima da região, que faz com que áreas antes emersas

encontrem-se hoje imersas e vice-versa. Um exemplo da necessidade de

intervenção subaquática pode ser fornecido pela situação do forte da

Trincheira, localizado nas águas próximas à praia da Trincheira, no município

de Ilha Comprida, SP. Antonio Paulino de Almeida (1962: 192-217) afirma que

esta fortificação, construída entre 1824-1825, já durante os conflitos da Guerra

do Paraguai (1864-1870) encontrava-se parcialmente destruída pela erosão

marítima e que, no final do século passado, não era possível avistar nada além

de uns poucos aglomerados de pedra. Diante dessa situação, somente técnicas

subaquáticas rigorosas de prospecção puderam ajudar a recuperar os dados

sobre esse baluarte.

O limite temporal do trabalho estava originalmente compreendido entre a

chegada do colonizador de além mar, com o estabelecimento das primeiras

povoações e, conseqüentemente, das primeiras estruturas defensivas

européias, e o momento no qual o uso do baluarte fixo, desenvolvido na Idade

Média e na Moderna, passa a ser, de certa forma, obsoleto, e novas

fortificações surgem para fazer frente à maior potência das armas pós-

revolução industrial, como, por exemplo, a artilharia de raiada de carregar pela

culatra. Entretanto, com o desenrolar das pesquisas modificações foram feitas. A época abrangida pelo trabalho foi restringida ao século 19, porque: (1)

a implantação do subsistema defensivo oitocentista forneceu uma quantidade

bastante grande de documentos escritos e documentos materiais (canhões)

que são de grande complexidade tecnológica e simbólica; (2) o Primeiro

Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840) - juntamente com o Estado

Novo (1937-1945) -, são grandes marcos da formação da identidade nacional

brasileira (Mota, 2000: 23), o que os torna revestidos de grande complexidade,

merecendo serem estudados cuidadosamente.

Além da melhor compreensão de períodos-chave do processo histórico,

uma questão de cunho teórico e metodológico é sanada com essa a nova

limitação temporal e espacial. Dizer que serão pesquisadas todas as

fortificações criadas a partir da chegada dos europeus engloba, também,

estudar as que possivelmente teriam sido desenvolvidas contra eles, as

Page 14: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

14

fortificações dos indígenas, objeto de pesquisa bastante denso, pouco tratado

na bibliografia arqueológica.

A existência de aldeias fortificadas é um fato bastante conhecido.

Entretanto, a questão que pode ser colocada é: teria ocorrido alguma mudança

tipológica, estimulada pela presença de um novo tipo de agressor que portava

um novo tipo de arma? Os famosos desenhos do livro de Hans Staden retratam

o único tipo desenvolvido ao longo de milênios (1974: 87, além de várias

ilustrações)? Tratar de questões tão importantes de forma breve e,

seguramente, leviana, iria contra os princípios de um conhecimento

arqueológico que pretende ser mais do que um mero ilustrativo da história

oficial. O não tratamento dessas questões, dentro do objetivo de trabalho

anterior e através da perspectiva da arqueologia social e da crítica, seria

perpetuar um conhecimento que exalta as origens européias e deliberadamente

esquece as nativas, realimentando uma ideologia de dominação.

2 Justificativa

Os trabalhos sobre as fortificações paulistas são quase inexistentes.

Quando os encontramos, dão ênfase à visão histórica e à arquitetônica,

ignorando completamente o potencial arqueológico desses monumentos.

Talvez os dois únicos trabalhos arqueológicos levados a cabo em fortificações

paulistas tenham sido o realizado pela profª. Drª. Maria Cristina Mineiro

Scatamacchia, em fins da década de 80, na fortaleza da Barra Grande

(Guarujá), e o que está para ser realizado no forte de São João de Bertioga, no

município de mesmo nome, por ocasião do restauro realizado pelo IPHAN-SP.

Em outras regiões do país, a realização de trabalhos arqueológicos em

fortificações é um pouco mais extensa, não chegando a ser, no geral,

comparável, em quantidade, às empreitadas norte-americanas, canadenses ou

portuguesas. Apresentamos, logo abaixo, alguns exemplos.

Entre os anos de 1989/ 90, devido à necessidade de se realizarem obras

de restauro na fortaleza de São José da Ponta Grossa, em Florianópolis, SC,

foram realizadas escavações sistemáticas por arqueólogos da Universidade

Federal de Santa Catarina.

Page 15: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

15

O arqueólogo Marcos Albuquerque, da Universidade Federal de

Pernambuco é um dos poucos arqueólogos que se dedica integralmente à

exploração dos baluartes do Nordeste brasileiro, tendo já publicado farto

material a respeito (Albuquerque & Lucena, 1997, com referências anteriores).

Com este quadro em mente, a elaboração desta pesquisa justifica-se

pela inexistência quase que total de trabalhos no litoral de São Paulo. A

arqueologia pode dar contribuições inestimáveis para a compreensão da

realidade social na qual estavam imersos esses monumentos de terra, pedra e

cal. Pode contribuir, também, para o adequado restauro das fortificações, uma

vez que a maior parte deles é executado apenas com base nos registros

primários escritos, e a diferença entre o escrito e o realmente concretizado é

bastante grande. Outra contribuição está na musealização para o

aproveitamento turístico dos monumentos (no caso da fortificação da ponta da

Trincheira podemos ter o desenvolvimento do turismo cultural subaquático,

tema que será desenvolvido no último capítulo).

Um outro fator que demanda maiores estudos são as características sui

generis de alguns dos baluartes litorâneos paulistas. A primeira imagem que se

tem quando falamos de fortificações é a de portentosas estruturas, tais como o

forte do Mar, em Salvador, o Príncipe da Beira, em Rondônia ou mesmo a

fortaleza da Barra Grande, no Guarujá. Não imaginamos que elas também

podem ser apenas aglomerados de pedra e terra - trincheiras, praticamente -

com pouquíssimas bocas de fogo. Em São Paulo, uma boa parte das

fortificações que iremos encontrar tinha esse caráter, muitas vezes chamado de

“provisório” (Müller, 1978: 86-88).

As poucas escavações realizadas em fortificações privilegiam as

grandes estruturas, de forma que os redutos, trincheiras ou fortins ficam

relegados ao esquecimento. E no caso de São Paulo, sua trajetória militar está

fortemente apoiada nesses baluartes simplórios até fins do século 19.

Privilegiando as grandes estruturas, estamos, de certa forma, pegando a

exceção. As grandes construções só foram estabelecidas na praça de Santos e

de Paranaguá (hoje localizada no Estado do Paraná): todos os outros portos

eram guarnecidos por pequenas estruturas, com parco poder de fogo.

Page 16: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

16

Essas pequenas estruturas, construídas com poucos recursos materiais

e humanos, de duração efêmera e eficácia duvidosa, muitas vezes não

despertam o interesse da maioria dos arquitetos, por não possuírem estruturas

relevantes, e dos historiadores, por terem sido demasiado pequenas para

figurarem em um universo significativo de registros escritos à época de

operação. Mas, para o arqueólogo, essas edificações podem ser tão

importantes quanto as grandes estruturas, pois, em alguns casos, os fortes ou

fortalezas não funcionavam sem os pequenos redutos.

Esse é o caso da fortaleza da Barra Grande (Guarujá, SP). Sem a

trincheira do Góis, que impedia desembarques indesejáveis, na praia de

mesmo nome, vizinha à referida fortificação, a fortaleza seria tomada pelo

flanco esquerdo sem grande resistência. Na mesma relação de dependência,

se não existisse o forte Augusto ou da Estacada - uma paliçada situada na

margem norte da barra, construída para cruzar fogos com a dita fortaleza - os

navios inimigos alcançariam com maior facilidade o porto de Santos, pois

poderiam desviar do fogo da Barra Grande aproximando-se da margem oposta

do canal.

Esse também é o caso do sistema defensivo oitocentista do mar

Pequeno, canal marítimo que separa a ilha Comprida, em toda a sua extensão,

do continente. No início do século passado, para a proteção da costa, são

traçados planos de fortificar pontos estratégicos vulneráveis, e é neste

momento, entre as décadas de 1820 e 1830, já dentro da estratégia imperial de

defesa do território, que a planície costeira Cananéia/ Iguape ganha um

subsistema defensivo, consistindo em um canhão na vila de Icapara (que nunca

foi montado em bateria), na extremidade nordeste do canal, e um forte na ilha

Comprida, protegendo o porto de Cananéia e a extremidade sudoeste do canal.

Neste caso, é também flagrante a necessidade de estudo do subsistema, pois

as “duas” fortificações foram concebidas para atuar em conjunto, fechando as

duas barras.

Enfim, dando ênfase às grandes ou às modestas fortificações, quem

desejar estudar o sistema defensivo do território paulista terá que fazê-lo

levando em conta a existência de subsistemas de defesa: uma fortificação

isolada não defenderia um porto. Portanto, a compreensão de uma realidade

social, vista pela materialidade da organização político-militar, tem que cuidar

Page 17: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

17

não de estruturas isoladas, mas sim do seu conjunto, numa tentativa de

estabelecer uma espacialidade, um todo organizacional.

3 Bases teóricas da pesquisa

3.1 Arqueologia histórica

O conceito de arqueologia histórica utilizado neste trabalho é

desenvolvido a partir do que não é arqueologia histórica. Fonseca (1990: 39-62)

coloca que, para a arqueologia social latino-americana, não existe uma

arqueologia da pré-história e sim uma arqueologia da história antiga americana.

Logo estaríamos trabalhando com um conceito de arqueologia histórica que

poderia ser mais bem entendido se o chamássemos de arqueologia da história

contemporânea americana ou arqueologia americana pós-conquista européia

(Orser, 1992: 17-29). Mas, o mais importante para este trabalho é que essa

divisão não se dá através da existência de escrita ou não. A derrubada desse

marco favorece a percepção do documento escrito e do material, ambos, como

documentos arqueológicos, atenuando as fronteiras dos domínios científicos

exclusivos. Veremos mais a fundo essa discussão no próximo item.

Para além da nomenclatura, acreditamos que, chamando de arqueologia

histórica, ou arqueologia da história contemporânea ou arqueologia pós-

conquista européia, o arqueólogo deve ter em mente que essas denominações

enunciam um conceito de arqueologia que se preocupa com os restos materiais

de uma formação econômico-social mercantilista e capitalista e que, portanto,

extrapola os limites de um sítio ou de uma paisagem arqueológica, atingindo os

mais diferentes cantos do planeta (Orser, 1994: 5-22), uma vez que a produção

de mercadorias depende da possibilidade de distribuí-las. Assim, a existência

de porcelana chinesa em aldeias indígenas americanas deve levar à

compreensão da produção artesanal/ industrial chinesa, das formas de

distribuição européias e do uso atribuído ao objeto pelos ameríndios e não a

percepção de apenas um desses momentos.

Finalmente, apesar da insolúvel questão da delimitação cronológica

entre pré-história e história americana (ou história antiga e pós conquista) não

Page 18: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

18

estar em cheque - porque tratamos de contextos do século 18 e 19, claramente

inseridos na realidade capitalista ocidental moderna e contemporânea -

acreditamos que essa divisão, seguindo as idéias de Charles Orser, só pode

ser estabelecida regionalmente, de acordo com a época de contato entre

culturas e da forma que isso se deu. Tratando especificamente do vale do

Ribeira, um grupo de discussão foi estabelecido dentro das reuniões do PABVR

para tratar dessa e de outras questões que estimulam a reflexão sobre o papel

do arqueólogo na forma como ele constrói o conhecimento.

3.2 Arqueologia e história: questões contemporâneas

O litoral paulista é região que despertou, e ainda desperta, grande

interesse e curiosidade tanto no leigo quanto no estudioso. Essa fascinação é

tal que, muitas vezes, o leigo torna-se estudioso e o estudioso, leigo em relação

ao conhecimento produzido pelo ex-leigo. Tal jogo de palavras expressa,

rudemente, a situação encontrada na planície costeira Cananéia/ Iguape.

Muitos são aqueles que escreveram sobre a história de Cananéia e

região. Desde fins do século 18 até meados do século 20, diversos autores

tentaram sistematizar fatos ocorridos desde o século 16 em obras

memorialistas (principalmente em fins do século 18 e início do 19) e narrativas,

já no começo do século passado. As primeiras obras são coleções de

anotações sobre fatos notáveis e fragmentos de documentos perdidos ou que

estavam a se perder, o que podemos chamar quase de um diário (Almeida,

1981: 9-36). Já as obras de fins do 19 e início do 20, das quais Antonio Paulino

de Almeida é o arcano maior, propõem uma interpretação sobre esses fatos

passados, organizados em forma de narrativa dos acontecimentos, onde as

figuras históricas (pessoas) de Cananéia e do Estado de São Paulo teriam

papel determinante nos rumos da história.

O que propomos neste trabalho é um distanciamento dessa visão

histórica para a produção de um conhecimento que enxergue a realidade como

uma totalidade social e não mais como a vontade das personalidades. Apesar

de parecer uma obviedade (não é o que todos os que vêm depois tentam?) e

Page 19: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

19

até arrogância (pretensões demasiadas para um simples mestrado?) dizer isso,

acreditamos que essa é a chave para o entendimento da região.

Sendo este um trabalho de arqueologia, examinemos agora em que

medida ela está envolvida com a história e em conseqüência na problemática

acima levantada.

Arqueologia e história encontram-se em dois momentos da evolução do

pensamento: no Iluminismo, antes dos dois campos do conhecimento

ganharem forma própria, distinguindo-se do grande corpo de conhecimento que

era o estudo das línguas; e contemporaneamente (a partir dos anos 1960), num

movimento de engajamento às realidades sociais graças à análise do discurso

dos vários atores sociais, o que vai de encontro à pretensa isenção científica

(exata) das delimitações positivistas. Tendo as realidades sociais em foco, a

arqueologia não poderia deixar de perceber os restos materiais da vida diária

do “povo miúdo” e nem a história poderia ignorar que os textos são geralmente

escritos pelas camadas dominantes (Funari, 1998: 7-34).

A percepção desse diálogo eminente entre arqueologia e história levou

os arqueólogos a conceberem a arqueologia como uma história social que deve

mesclar a cultura material com os documentos escritos (Funari, 1998: 8). Vale

ressaltar que arqueologia e história, apesar de terem sempre sido associadas

uma a outra pelo senso comum (incluindo aí o senso comum acadêmico), só há

pouco passaram a interagir. Anteriormente uma servia de “muleta” para a outra

e, em geral, a arqueologia era o apoio, uma vez que por muitos não era

considerada uma disciplina passível de se sustentar, ganhando, assim, a

designação de “ciência auxiliar” da história.

Dito isso, voltemo-nos a uma questão contemporânea bastante

importante da construção do conhecimento histórico para depois retornarmos

às questões diretamente ligadas à arqueologia.

Segundo Peter Burke (1992: 327-348) à história concebida como

narrativa dos acontecimentos sucedeu a história estrutural, um dos elementos

principais da plataforma da Escola dos Anais, preocupada justamente com a

análise do processo histórico em detrimento da descrição. Tal processo deu-se

a partir do início do século 20 e durou até fins da década de 1970, quando

temos um ressurgimento da narrativa. Ainda segundo Burke, o embate entre as

duas correntes é sem propósito, uma vez que ambos os lados pressupõe que é

Page 20: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

20

fácil separar os acontecimentos das estruturas. Outro detalhe é que ninguém

concebe narrar sem estruturar ou estruturar sem narrar, donde chegamos à

conclusão que a saída para esse impasse não é a confecção de obras que

contemplem uma e outra corrente e sim a utilização de métodos e técnicas

(inclusive literárias) embasados em uma teoria sem a distinção de narrativa e

estrutura, porque estaria ciente de que uma e outra não estão apenas juntas e

sim entrelaçadas.

É nesse ponto que tentaremos transformar a forma de escrever o

conhecimento sobre Cananéia, Iguape e região. Não vamos propor uma

interpretação estrutural da história de Cananéia para chocar-se com as

narrativas de acontecimentos até agora feitas. Vamos propor uma versão que

analise o processo histórico como um todo, sem distinções entre estrutura e

narrativa.

Não distinguiremos, também, arqueologia de história, uma vez que a

documentação escrita, objeto por excelência da história, será enxergada

através do arcabouço teórico da arqueologia, e a ela será dado o mesmo valor

do documento arqueológico, porque aboliremos o desdobramento do conflito

narrativa x estrutura na arqueologia, o embate entre escavação x teoria.

A forma de pensamento dentro da qual nascerá essa interpretação será

o materialismo histórico. Vejamos agora suas utilizações na arqueologia e qual

corrente de pensamento satisfaria melhor nossos objetivos.

3.3 O materialismo histórico na formação da teoria arqueológica

O materialismo histórico corre sempre riscos de ser associado a uma

teoria das estruturas, a uma análise econômica do capitalismo (muito

empregado pelos economistas) ou, de forma mais vulgar, aos “modelões”

políticos empregados pela direita radical e pelos fascistóides de esquerda

(pessoas e instituições). Esqueçamos tudo isso e tratemo-lo como uma forma

de pensar lógica e bem estruturada, tributária de seu expoente maior, K. Marx,

mas também de muitos outros (inclusive de seus inimigos e de seus maus

intérpretes).

Page 21: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

21

Segundo Fonseca (1990: 39-62), a arqueologia, durante a primeira

metade do século 20, vai trilhar dois caminhos diferentes: um deles, calcado em

um materialismo histórico desenvolvido através do esquema evolucionista de

Morgan, terá como maior expoente Vere Gordon Childe, o qual concebia a

arqueologia como uma ciência social; o outro, derivado do pensamento de

Franz Boas, anti-evolucionista, evidenciava a necessidade de recuperar

informações sobre antigas culturas, sendo que o acúmulo das mesmas

permitiria, através do método indutivo, a construção de uma história cultural.

Ainda segundo Fonseca, na década de 1960, dentro da arqueologia

ocorrem dois movimentos opostos. Em parte da América Latina desenvolve-se

a arqueologia social, descendente direta da perspectiva histórico-materialista

de Childe; nos EUA (e, por influência, em outras partes da América Latina),

esboça-se a nova arqueologia (ou arqueologia processual), um movimento,

longe de ser homogêneo, que vai de encontro ao pensamento indutivo e

descritivo da velha guarda, propondo-se dedutivo e explicativo, lançando mão

de métodos quantitativos, da teoria dos sistemas e do neo-evolucionismo.

Apesar desses dois movimentos teóricos continuarem em voga até hoje,

um outro surge nos EUA, a partir de fins dos anos 1970, numa tentativa de

demolir o pensamento processualista.

A arqueologia pós-processual, tal como a processual, está longe de ser

um movimento único (curso Arqueologia pós-processual, 1999, anotações de

aula). Dentro dessa macro-denominação existem vários grupos teóricos, dos

quais destacaremos a arqueologia crítica que, junto com a arqueologia social

constituirá os alicerces teóricos da pesquisa.

Apesar de serem abordagens desenvolvidas em períodos distintos e por

razões inversas (a arqueologia social como instrumento de resistência frente à

arqueologia imperialista dos EUA e a crítica devido à descoberta e aceitação do

marxismo por parte dos EUA, uma vez que ele não representava mais o “perigo

vermelho”) elas possuem uma base comum que é justamente o materialismo

histórico.

Segundo Bate (1989: 8-9), estudioso ligado à arqueologia social latino-

americana, o materialismo histórico seria a melhor resposta para compreender

uma sociedade como totalidade concreta a partir da classe de informação com

a qual a arqueologia geralmente lida, a empírica.

Page 22: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

22

A arqueologia de base materialista histórica, por ser uma ciência social,

deve produzir conhecimento a partir da “explicitação dos nexos recíprocos entre

os aspectos da realidade que se pretende refletir nas categorias de formação

econômico-social, modo de vida e cultura” (1989: 15). É no âmbito da cultura

que estão compreendidas as “singularidades fenomênicas da cultura” (1989: 8),

visíveis para os arqueólogos através de sua expressão concreta, os restos, as

ruínas, os artefatos, vestígios, etc. Cabe, então, ao arqueólogo desenvolver as

citadas categorias analíticas a partir dos vestígios, mas levando em conta que o

objetivo final é a compreensão de uma realidade pretérita e não a compreensão

da expressão física de um fenômeno. Ou seja, há que se transcender o artefato

e chegar a quem o fez.

É visando entender melhor os elementos fenomênicos concretos da

cultura (os cacos, os fragmentos, os artefatos) da planície costeira Cananéia/

Iguape no século 19, que escolhemos a arqueologia crítica como teoria da

realidade. Não iremos nos centrar na arqueologia social porque ela tem seu

desenvolvimento ligado ao estudo da história antiga americana5 enquanto que

a arqueologia crítica está intrinsecamente ligada à história pós-conquista

americana6. Dessa forma, a evolução da última caminhou no sentido de atingir

a materialização da ideologia dentro do âmbito da mudança social, enquanto

que o da primeira, devido às limitações que a inexistência dos registros escritos

impõem, não consegue atingir com tanta eficácia o nível ideológico7.

Essa não é uma mera diferença de alcance de resultados. Apesar delas

terem a base em comum, a elaboração do corpo teórico-metodológico da

arqueologia crítica vai procurar respaldo na produção intelectual da Escola de

Frankfurt e nos autores que seguiram em linhas semelhantes (a exemplo de

Foucault), produzindo um outro desdobramento do materialismo histórico. Além

disso, a escolha de um contexto histórico pós-conquista também vai afetar a

5 “O arqueólogo, como estudioso das sociedades antigas, deve reconstruir o desenvolvimento das mesmas e estudar seu processo de transformação até seu encontro com sociedades recentes” (Fonseca, 1990:48). 6 Muito se tem discutido sobre a utilização de termos politicamente corretos na nomeação dessas duas disciplinas. Arqueologia da história antiga é extraído de Fonseca (1990: 39-62) e histórica pós conquista é elaborado a partir de discussões em Orser Jr. (1992: 17-29). 7 “Não podemos deixar de reconhecer que outras facetas são de maior dificuldade de inferência, por exemplo, a religião e a ética (Childe, 1973), sua reconstituição se apóia fundamentalmente em analogias com grupos atuais e no método comparativo de disciplinas tais como a das religiões comparadas e seus apoios na psicologia e filosofia” (Fonseca, 1990: 55).

Page 23: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

23

construção teórica. Novamente de acordo com Bate (1989), “a teoria é, em

cada momento e ao mesmo tempo, resultado das pesquisas precedentes e

ponto de partida das novas pesquisas (p.8)”.

Se a teoria é produtora e produto da pesquisa, então aquela teoria que

acabou por ser utilizada com maior freqüência em contextos arqueológicos

históricos pós-conquista, que lidou com os elementos fenomênicos de uma

cultura histórica capitalista, passou a ser também tributária dessa utilização, e

pode levar estudos que se iniciam a partir dela a caminhos mais específicos.

3.4 A arqueologia crítica

Em linhas gerais, a arqueologia crítica, além de estar preocupada com a

análise da produção social da cultura através de sua manifestação palpável, a

cultura material, pretende examinar a construção das ideologias que mantém a

produção social das sociedades capitalistas. O objetivo da arqueologia crítica

transcende a tentativa de mostrar quem são os donos dos meios de produção e

quem constitui a força de trabalho: procura desvendar a ideologia8 que mantém

e legitima as posições dentro de um contexto social. Vamos examinar um caso

da aplicação dessa teoria.

Leone e Hurry (1998: 34-62), em estudo sobre planejamento urbano no

Estado de Maryland (EUA), mais especificamente nas cidades de Saint Mary

(em ruínas), Annapolis e Baltimore colocam que a utilização dos princípios

urbanísticos, primeiro barrocos, depois panópticos, revestidos com elementos

neoclássicos, espelham não só tendências estéticas, mas também idéias sobre

a manutenção e legitimação do poder. A utilização do primeiro, que remonta à

primeira metade do século 17 e se estende até o terceiro quartel do 18, vai

gerar povoações onde todos os caminhos e perspectivas levam às edificações

pertencentes às instituições dominantes (Estado e Igreja), sugerindo uma

emanação direta do poder monárquico por sobre os súditos. Quando, em

meados do século 18, desponta uma elite nativa endinheirada, mas excluída do

8 Pensada como a representação imaginária das relações reais nas quais os indivíduos vivem (Handsman & Leone, 1995: 117-120).

Page 24: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

24

cenário político, tais artifícios urbanísticos são aplicados em jardins de

mansões, como a de William Pacca, o mais importante exemplo.

A segunda, baseada nas idéias de, principalmente, Jeremy Bentham,

passa a ser utilizada desde fins do século 18. Esta política urbanística cria

paisagens onde as várias formas de um poder pulverizado, são prontamente

alcançadas pelo olhar, levando a crer que a vigilância agora não mais era feita

diretamente pelas instituições (universidade, casa de câmara, prisão), mas pela

moral individualista republicana burguesa emanada delas. A idéia que se

tentava passar era a de que, uma vez que o poder agora era uma emanação

dos desejos da sociedade civil da nova nação, cada indivíduo deveria observar

a sua própria conduta, espelhando-a nos símbolos materiais das instituições

construídas pelo poder emanado do povo. No entanto, tais artifícios panópticos

envoltos em idéias neoclássicas, representariam a materialização ideológica

que garantiria o poder nas mãos das elites burguesas nativas tributárias da

pulverização do poder monárquico inglês. Seriam novos mecanismos de

dominação e não expressão de uma pretensa vontade de um povo. É dentro

dessa linha de trabalho que se pretende seguir esta pesquisa. Entretanto,

algumas ressalvas devem ser feitas.

Esse tipo de interpretação realizada pelos pesquisadores norte-

americanos, também foi possível porque eles têm um contexto arqueológico

muito bem definido e escavado, o que os permite até difundir essas idéias para

o público em geral através de folhetos turísticos (Leone, Potter Jr., 1996: 570-

598). No caso do estudo do baixo vale do Ribeira, com maior ênfase em

Cananéia, as pesquisas arqueológicas estão apenas começando, iniciando um

processo de longo termo na construção do conhecimento crítico, o que nos

levará a várias descrições e algumas interpretações modestas, caracterizando

uma investigação que G. Gibbon (1984: 79-81) classificaria como exploratória,

que seria um tipo intermediário entre a pesquisa que procura testar hipóteses e

a que descreve contextos. Pretende-se descrever um contexto arqueológico,

ainda desconhecido e sem referencial, mas não até o ponto em que a

dissertação gire em torno dessa ferramenta. Serão necessários testes de

hipóteses sim. Todavia, não é nossa intenção provar que elas são absolutas - o

conhecimento definitivo.

Page 25: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

25

4 Bases metodológicas da pesquisa

Metodologia é a sistematização dos procedimentos lógicos adequados

para conhecer uma classe de fenômenos reais (Bate, 1989: 7).

Ainda segundo Bate, não existe uma única série de procedimentos para

cada tipo de pesquisa: eles são determinados pela teoria da realidade que será

empregada no estudo. Uma vez que explicamos o porquê da escolha do

cabedal teórico da arqueologia crítica, passaremos adiante com a explicação

dos métodos definidos por esta escolha.

A necessidade de um levantamento bibliográfico extenso explica-se pela

mudança da concepção de história exigida pela corrente teórica adotada pela

pesquisa.

A arqueologia crítica, voltada para a compreensão dos mecanismos de

manutenção e legitimação do poder, através dos vestígios materiais, permite

enxergar as realidades - tanto pretérita quanto presente - de Cananéia e Iguape

de uma outra maneira, transcendendo as abordagens baseadas nas fontes

desenvolvidas pela historiografia local tradicional, principal recurso disponível9.

Foi necessário, então, fazer um grande levantamento bibliográfico não só das

fontes primárias e secundárias sobre a região (com ênfase nos aspectos da

organização militar, explicados no capítulo 2), mas também de outras partes do

litoral e do Estado.

Uma grata surpresa foi a descoberta de um grande número de

documentos escritos referentes ao subsistema defensivo da planície costeira

Cananéia/ Iguape. Eles permitiram não só um quadro histórico bastante

completo como também possibilitaram a elaboração de um Corpus documental

voltado especificamente para decifrar o aspecto material das fortificações do

subsistema em questão - construção, reformas, reedificações, usos, condições

de operação, etc. – e periodizações, transformando o registro escrito em uma

registro material virtual.

9 Apesar das limitações conceituais e interpretativas da historiografia local tradicional, muito do trabalho desenvolvido é baseado nos levantamentos documentais feitos por Ernesto G. Young e Antonio P. de Almeida, trabalho este que, nas primeiras décadas do século 20, demandou imenso esforço. Cabe aos que vieram depois louvá-los por isso.

Page 26: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

26

O fato da principal fortificação desse subsistema estar submersa devido

à erosão da ponta da Trincheira, na ilha Comprida, obrigou-nos a, antes de

efetuar os mergulhos de prospecção e a pesquisa geofísica (o que será

explicado no capítulo 3), levantar a cartografia histórica referente ao local.

Foram localizadas e copiadas diversas cartas náuticas do século 18 ao 20, as

quais contribuíram para a elucidação da evolução da dinâmica erosiva da ponta

da Trincheira nos últimos 200 anos10.

Durante a elaboração do projeto desta pesquisa, determinamos que o

trabalho de campo daria ênfase às prospecções amplas e superficiais (tanto

terrestres quanto subaquáticas), uma vez que os sítios pareciam estar

dispersos por uma grande área e o nosso interesse principal era levantar e

mapear o subsistema e não ter um exaustivo conhecimento intra-sítio. No

decorrer do levantamento bibliográfico e das prospecções arqueológicas

confirmou-se esta proposta; no entanto, na parte subaquática, às prospecções

arqueológicas superficiais (fundo marinho) foram incluídas prospecções

geofísicas do solo marinho e de sua sub superfície e escavações subaquáticas,

o que transforma este trabalho em único no gênero no Brasil. As explicações

são fornecidas com detalhes no capítulo 3.

À literal superficialidade da prospecção dos sítios é contraposta a

densidade da análise das evidências arqueológicas por excelência para esta

pesquisa, as peças de artilharia. Elas foram minuciosamente analisadas

através de técnicas que serão explicadas no capítulo 2. Os resultados são sem

precedentes na arqueologia histórica brasileira e através deles conseguimos

superar o mero levantamento e mapeamento, propondo interpretações.

Com essa grande quantidade de informações de diversas qualidades

sobre o subsistema defensivo do litoral sul, deparamo-nos com a questão: o

10 A futura elaboração de um mapa base e a transposição das profundidades e margens assinaladas nos mapas históricos para essa base, tudo em uma mesma escala, permitirá estabelecer curvas de profundidade para o solo marinho que indicam os sentidos de deslocamento do canal da barra através dos séculos 19 e primeira metade do 20. Já o uso de cartas náuticas modernas, fotos aéreas, fotos de satélites e comparações científicas anteriores (Suguio & Tessler, 1992: 24) contribuirá para o posicionamento das linhas de costa durante a segunda metade do século 20. Este trabalho está sendo realizado com a ajuda de Flávio R. Calippo, oceanógrafo e aluno de mestrado da profª. Scatamacchia, e também poderá ser utilizado em trabalhos futuros da equipe que visem à detecção de sítios de naufrágio naquela localidade. Trabalhos deste tipo já foram realizados por Long e Paim (1987) objetivando acompanhar a evolução da barra de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos 200 anos.

Page 27: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

27

que é típico dele e o que não é? Para resolvê-la elaboramos um quadro

analítico sobre as condições dos diversos subsistemas do litoral paulista,

estabelecendo categorias-base e escolhendo um outro subsistema defensivo

para a comparação. Veremos isso no capítulo 2.

Após esses procedimentos, encerramos a pesquisa, no capítulo 4, com

algumas conclusões sobre as diferentes motivações de implantação dos dois

subsistemas defensivos. Apesar deles serem bastante parecidos em aspectos

construtivos e de terem sido instalados no mesmo período, os objetivos aos

quais se destinavam eram diferentes.

5 As técnicas, principalmente as subaquáticas

Finalmente, permeando todas as questões teóricas e metodológicas

temos a arqueologia subaquática, ferramenta extremamente necessária para

esta pesquisa, pois a única fortificação que deixou evidências materiais na

planície costeira Cananéia/ Iguape está submersa no canal da barra de

Cananéia. Com suas especificidades técnicas, a arqueologia subaquática não é

nada mais que arqueologia, apesar de, no Brasil, ainda encontrarmos

resistência tanto na Academia, na Marinha, quanto na sociedade em geral.

Essa resistência ou ignorância da causa é particularmente sentida na

aprovação da lei 10.166 de 27/12/200011, a qual institui recompensas

financeiras ao mergulhador ou empresa que resgatar peças arqueológicas de

naufrágios, além de permitir que toda a carga12 seja incorporada pelo

11 Altera a Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986, que dispõe sobre a pesquisa, exploração, remoção e demolição de coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar, e dá outras providências. 12 A carga, para o arqueólogo, assume outro sentido, porque ela permite que entendamos o contexto social de uma realidade passada. Segundo Bass (1985: 6), em carta enviada ao Senado norte-americano para rebater os argumentos dos caçadores de tesouros em prol da aprovação do projeto de lei que liberava o saque subaquático: “12 Os caçadores de tesouros dizem que não há inconveniente em vender artefatos duplicados. Usando novas técnicas, estivemos recentemente a estudar artefatos aparentemente idênticos aos que escavamos vinte anos antes, e aprendemos o suficiente para escrever novos capítulos e artigos sobre eles. Somos capazes de fazer este novo estudo apenas porque os artefatos estão ainda juntos num museu em vez de terem sido dispersos através das vendas.” Caso algum arqueólogo “terrestre” sequer cogitassem em vender uma das estátuas do exército de terracota chinês ou as múmias

Page 28: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

28

empreendedor para que ele disponha da forma como bem entender (leia-se

vender para o mercado externo).

O que mostramos neste trabalho é que a arqueologia subaquática é

usada de forma integrada com a arqueologia “terrestre” sem nenhum problema,

sendo apenas a extensão “molhada” dos trabalhos em terra.

Cabem agora algumas palavras sobre a arqueologia subaquática, a

começar pelo básico, que muitas vezes é esquecido: ela não pode ser

confundida com o resgate subaquático.

A confusão entre a arqueologia subaquática e o resgate subaquático

pode ser entendida se levarmos em conta que a primeira é extremamente

jovem e que deu seu primeiro “passo do gigante”13 com o arqueólogo norte-

americano George Bass, na década de 1960. Do outro lado temos o resgate

subaquático, tributário de séculos de história, existente desde que a primeira

embarcação afundou e houve o desejo recuperar sua carga.

Para termos uma idéia de sua ancestralidade, as atividades de resgate

subaquático já eram reguladas desde a antiguidade através da lex Rhodia, a

qual garantia uma dada porcentagem da carga, para o mergulhador, de acordo

com a profundidade em que ela se encontrava (Blot, 1996: 14). Afinal, este ser

de incrível capacidade pulmonar, físico bem desenvolvido, acostumado com

uma atividade perigosa em um meio alienígena, merecia uma boa recompensa.

Avançando bastante no tempo, chegamos ao século 19, quando é criado

o primeiro equipamento de mergulho que permitia ao mergulhador ter

suprimento de ar enviado da superfície, o escafandro (Blot, 1996: 18). Já não

eram necessários homens com muito fôlego, mas homens capazes de suportar

longos períodos debaixo d’água fria carregando pesados capacetes e botas,

que sabiam que qualquer problema transformaria seu traje em sua sepultura.

Mas, na década de 1940, com a criação do aqualung, houve uma radical

mudança na exploração dos ambientes subaquáticos. Esse equipamento de

mergulho, usado até hoje, permite que qualquer ser humano, desde que tenha

um mínimo de treinamento e um mínimo de condição física, mergulhe,

deixando o mundo das águas aberto a quase todos. Ele já não mais pertence

peruanas – afinal elas existem aos milhares – estaria preso no segundo seguinte. Por que embaixo d’água deveria ser diferente? 13 Movimento que o mergulhador faz para cair na água na posição vertical, em pé.

Page 29: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

29

exclusivamente ao ser destemido e forte que arriscava sua vida pelo lucro das

profundezas.

Surge a partir daí a oportunidade dos arqueólogos irem para a água e

trabalharem com naufrágios antigos e suas cargas (porque, afinal, elas também

são arqueológicas, os restos palpáveis das rotas comerciais) e outros sítios

submersos (aldeias, santuários, fortificações, etc) que, desde a renascença,

instigavam a imaginação dos humanistas. Cria-se, então, a arqueologia

subaquática, que é uma especialização dentro da arqueologia, uma ciência

social consagrada. Logo, a arqueologia subaquática também é ciência.

Sendo nada mais do que um ramo da arqueologia, a arqueologia

subaquática possui os mesmos problemas teórico-metodológicos encontrados

na ciência de origem: estudar a trajetória da humanidade através dos restos de

cultura material (os elementos palpáveis da intervenção humana sobre uma

realidade social e ambiental). A única diferença entre a arqueologia “terrestre” e

a subaquática está no campo das técnicas, pois estas devem ser adequadas ao

meio físico de intervenção (Rambelli, 1998): um sítio emerso deve ser

escavado com pás; já um sítio imerso deve ser escavado com sugadoras.

(Sobre as técnicas utilizadas nessa pesquisa, entraremos em detalhes no

capítulo 3).

Paralelamente à arqueologia subaquática, ligada geralmente às

seguradoras, temos a milenar atividade de resgate subaquático, a qual continua

exigindo mergulhadores profissionais dispostos a correr riscos para recuperar

navios recentemente afundados e suas cargas, usando explosivos e

ferramentas pesadas para buscar, o mais rápido possível, o lucro.

Agindo entre essas bem estruturadas atividades estão os “caçadores de

tesouros”, pessoas que aplicam as técnicas do resgate subaquático aos sítios

arqueológicos submersos e que mascaram a busca pelo lucro com ciência. Um

ramo mais inocente (mas igualmente pernicioso) dessa atividade é a retirada de

souvenirs de sítios arqueológicos por mergulhadores desportivos. Ambas as

atividades são consideradas, internacionalmente, como apropriações privadas

de um bem público (de todos os povos), finito e não renovável14.

14 A Carta Internacional do ICOMOS Sobre Proteção e Gestão do Patrimônio Cultural Subaquático. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, n º. 7, p.209, 1997. ICOMOS - International Committee on Monuments and Sites.

Page 30: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

30

Fato bastante intrigante é que a lei brasileira, citada acima, confunde

arqueologia subaquática com o resgate e com a caça ao tesouro, o que acaba

favorecendo o último, transformando-a numa lex Rhodia do terceiro milênio d.

C.

O caso da fortificação submersa na barra de Cananéia coloca questões

interessantes sobre a eficácia da lei ao regular as atividades subaquáticas. Em

primeiro lugar, nos próximos capítulos o leitor verá que o estudo dessa

fortificação é essencial para a compreensão do sistema defensivo paulista do

século 19, bem como da sociedade que o planejou e o construiu. Entretanto, a

lei não diz nada a respeito dos procedimentos que devem ser adotados para a

pesquisa porque simplesmente a lei só trata de naufrágios, ou seja, apenas um

dos tipos de sítios que podem ser encontrados embaixo d’água.

Prosseguindo, deixamos no ar intrigantes questões: existiam 6 canhões

na fortificação; 3 estão embaixo d’água e 3 foram retirados (sendo que hoje

restam apenas 2). Os dois que estão no monumento em Cananéia podem ser

considerados documentos arqueológicos e podem até ser tombados pelos

órgãos que normalmente fazem isso. Porque então o CONDEPHAAT (Estado)

ou o IPHAN (União) não poderiam cuidar das armas que estão no fundo do mar

se poderia cuidar das que estão em terra? O fato de estarem submersos delega

a função à Marinha? Mas como a Marinha poderia cuidar deles se a lei que

deveria regular essa situação só é voltada aos naufrágios? Então só os que

estão fora d’água são arqueológicos? Podemos concluir que canhões

submersos não são bens arqueológicos? Mas aí então os canhões que

estivessem em embarcações não seriam arqueológicos só pelo fato de serem

canhões submersos? Mas canhões são canhões, não?

Page 31: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

31

Capítulo 2

O segundo capítulo discorrerá sobre o sistema defensivo do litoral

paulista e sobre os subsistemas defensivos do referido litoral no século 19.

Inicialmente começaremos com uma apresentação da evolução das

estratégias militares e das obras de fortificação a partir do fim da Idade Média,

época em que são lançadas as bases do baluarte moderno devido ao

aperfeiçoamento das armas de fogo.

A importância de mostrar o desenvolvimento das estratégias e das

fortificações está na formação de um contexto adequado para o entendimento

da criação das defesas de São Paulo no século 19. Não podemos simplesmente

recortar uma história militar mundial e colar nesse capítulo. Apesar de existir

uma ligação entre os grandes castelos europeus, as engenhosas fortalezas das

grandes aglomerações humanas coloniais e as nossas trincheiras paulistas, é

particularmente necessário compreender a fundo a construção das últimas, pois

não adianta sabermos como eram construídos os aterros e como eles eram

revestidos com muros de pedra se as fortificações com as quais lidamos muitas

vezes não tinham muralhas permanentes.

Após esse panorama geral é apresentado o contexto histórico da

fortificação do litoral paulista, bem como sua divisão em subsistemas.

Os subsistemas são quatro: Paranaguá; Cananéia/ Iguape; Santos/ São

Vicente; e São Sebastião/ Ilhabela. Neste capítulo damos ênfase ao subsistema

de Sã Sebastião e de Cananéia. A maior dedicação a esses subsistemas deve-

se ao fato deles terem sido desenvolvidos contemporaneamente, no século 19,

apesar de fortificações esparsas existirem em Ilhabela e S. Sebastião desde o

século 18.

A análise dos subsistemas (que se estende para o capítulo 3 e também

para o 4) é feita através dos seguintes parâmetros:

Tipos de fortificações (análise da estrutura edificada de cada uma);

Implantação das fortificações (análise do conjunto);

Armamentos: quantidade e qualidade;

Tropas: quantidades e qualidades;

Funcionamento: ideal e efetivo.

Page 32: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

32

Ainda dentro dos critérios de análise, como nossas pesquisas foram

mais aprofundadas em Cananéia e Iguape, dois outros parâmetros, específicos

desse subsistema são estudados: a importância dos Pontos de Parada Militar

(vigias) e a fortificação dos portos (controle dos desembarques).

1 A evolução das obras de fortificação e das estratégias militares

O princípio básico para o entendimento da evolução das obras de

fortificação, do final da Idade Média até contemporaneamente é bastante

simples: o desenvolvimento da artilharia pirobalística15 (potência de tiro,

cadência de tiro, precisão nos disparos, mobilidade das armas, tanto na terra

quanto no mar) aliadas ao desenvolvimento das técnicas de combate (eficiência

do sítio e, paradoxalmente, potencial de deslocamento das tropas) fizeram com

que, gradualmente, as fortificações tivessem muralhas mais baixas e mais

grossas, até que elas desaparecessem por completo das vistas, indo para

debaixo da terra, confundindo-se com a própria paisagem. É claro que esse

processo envolve diversos eventos bastantes complexos e está embasado no

desenvolvimento histórico da geopolítica (dentro da qual está a esfera militar).

15 “Por pirobalística entendemos o processo de tiro em que se utiliza, como força propulsora do projéteis, os gases resultantes da explosão da pólvora.” (Pereira, 1994: 36).

Figuras 1 e 2: Dois extremos de tipos

de fortificações. Na figura 1, acima, a

torre Solidor, em Saint-Servant-sur-Mer,

França. Construída no século 14, é a

marca de um tempo em que a artilharia

pirobalística ainda não fazia grandes

ameaças.

Na figura 2 temos a casamata

Simserhof, obra de grande importância

da famosa linha Maginot, instalada na

fronteira da França com a Alemanha.

Foi construída entre 1929 e 1937 para

resistir às descargas de artilharia

pesada (Ministère de la Défense, 1996).

Page 33: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

33

Entretanto, para os fins desta pesquisa, discutiremos, neste capítulo,

apenas os eventos que diretamente afetam a engenharia militar portuguesa e

brasileira de fins do século 18 e primeira metade do 19.

Alguns desses eventos que guiam o princípio básico de evolução das

fortificações são bastante antigos, mas são cruciais para o entendimento do

sistema defensivo paulista do século 19.

Em primeiro lugar devemos entender que a evolução do baluarte está

ligada ao desenvolvimento das embarcações, desde o fim da Idade Média até,

pelo menos, a Segunda Guerra Mundial.

O desenvolvimento do baluarte ou das linhas de baluartes, construções

especialmente preparadas para comportar artilharia e fazer com que elas

varressem um grande contingente de tropas ou uma esquadra com o fogo

cruzado16 está diretamente envolvido com o aperfeiçoamento da caravela,

embarcação que podia navegar com ventos contrários (através do zigue-zague,

valendo-se da força de ventos contrários), para as grandes navegações e para

a guerra17. E este envolvimento dá-se da seguinte maneira.

Não é mera coincidência que os estudos italianos renascentistas sobre a

melhor forma de edificar os baluartes acontecessem contemporaneamente ao

desenvolvimento da caravela portuguesa: eles são respostas para sanar

problemas concretos, baseadas no princípio medieval (a base da mecânica

gótica) da concordia membrorum, ou seja, a convertibilidade da compressão

frontal em tensões laterais oblíquas (Moreira, 1994: 85-89).

Esses dois eventos paralelos encontram-se a partir do momento em que

a caravela, bem armada e passível de carregar toda sua força através de

qualquer oceano ameaça todas as localidades banhadas por cursos d’água que

a comportem. Diante dessa ameaça, a resposta em terra vem na construção de

fortificações abaluartadas que sejam verdadeiras naves de guerra terrestre. A

torre de Belém, em Lisboa, é a epítome dessa forma de pensar e agir.

Por outro lado, já na segunda metade do século 16, começam a

aparecer fortificações que se valem das possibilidades de estar em terra: dispor

16 Apesar de, hoje em dia, esse conceito de cruzar fogos entre duas ou mais frentes de combate ser banal, foi extremamente inovador no século 15 e alicerçou o desenvolvimento das fortificações por muitos séculos (Cid, 1998: 32-49). 17 A mais importante invenção foi o tiro rasteiro, rente à água, desenvolvido por D. João II, monarca de Portugal, nas décadas de 1480-1490 (Moreira, 1994: 85-89).

Page 34: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

34

de espaço para o manuseio da artilharia e as virtudes de uma posição física

estável. Tais constantes inovações tanto no mar quanto na terra faziam com

que embarcações de guerra e baluartes caminhassem pari passo. Essa é uma

das chaves para entender o funcionamento das fortificações paulistas do século

19.

Vejamos agora outros eventos de transição que vão influir sobremaneira

em nosso estudo.

A engenharia militar do século 15, sofre grandes mudanças estimuladas

pela adoção da artilharia embarcada e também pela ampliação do burgo

medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer proteger já não

está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção de território. As

cintas das muralhas medievais já não comportam, por exemplo as atividades da

Lisboa do século 15: há que se fortificar Cascais, extensão marítima do porto

fluvial lisboeta, e a costa da Caparica, margem do Além Tejo, para cruzar fogos

com a Torre de Belém, além de espalhar outras fortificações pelo estuário do

referido rio (Cid, 1998: 32-49). Surgida, em Portugal, no século 15 e

desenvolvida na Restauração (a partir de 1640), a noção de território nacional,

de território do Estado que precisava ser centralizado e defendido integralmente

(Pereira, 1994: 35-42) só chegará ao Brasil a partir da segunda metade do

século 1818.

Avançando bastante no tempo, chegaremos à segunda metade do

século 17 e à grande evolução das obras de defesa e das estratégias militares

encabeçadas por Sébastien Le Prestre de Vauban (1633-1707), engenheiro e

soldado francês. Suas estratégias de cerco às praças fortes foram tão bem

pensadas e executadas que passaram a ser imitadas por todos os exércitos

europeus, o que acabou por fazê-lo adaptar os baluartes franceses às suas

táticas de guerra (Faucherre, 1996: 39-46). Entretanto, o que mais nos

interessa são suas táticas de cerco, baseadas em uma série de cordões de

trincheiras que gradativamente aproximavam-se dos baluartes. Como as

defesas do sistema paulista e, principalmente, das regiões norte e sul do

18 É interessante ressaltar que é justamente com a Restauração que surge, em Lisboa, em 1647, a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, embrião da Academia Militar (Silva, 1991: 145; A engenharia militar..., 1997). No Brasil o ensino da engenharia militar só é sistematizado quando, em 1774, ainda sob influência pombalina, é aberta a disciplina de “Arquitetura Militar” dentro da “Aula do Regimento de Artilharia” da cidade do Rio de Janeiro (Tavares, 2000: 50).

Page 35: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

35

Estado, eram baseadas em trincheiras e baterias, examinar as complexas

formas poligonais desenvolvidas para as praças fortes de Vauban seria inútil

para os objetivos da pesquisa.

Visando mínimas perdas humanas e o máximo de eficiência (menos

tempo e, claro, dinheiro), Vauban aperfeiçoou as trincheiras – notabilizadas na

Primeira Guerra Mundial – e tornou-as elemento distinguível dentro do campo

das fortificações. O dado que nos é importante no momento – e que

caracterizará as nossas fortificações, mais à frente – é que cestos recheados

com pedras, areia e outros materiais, formavam excelentes e sólidas barreiras

que protegiam totalmente os atacantes dos tiros frontais. É do uso desse

recurso singelo que vem a natureza “provisória” das fortificações de São Paulo.

Figura 3: Trincheiras francesas ao redor do reduto Malakoff (posição russa). Essa foto, tirada

pelo fotógrafo J. Robertson durante as operações da guerra da Criméia (1854-1856), mostra os

materiais e as estruturas utilizadas nas trincheiras. As fortificações paulistas teriam uma

constituição bem próxima à que é mostrada na foto (Musée de l’Armée, 1994: 38).

A essa altura é necessário dizer que a influência da engenharia militar

francesa era total no ensino de engenharia militar em Portugal e,

posteriormente, no Brasil. Toda a bibliografia destinada aos aprendizes de

oficial de engenharia, desde meados do século 18 até pelo menos as primeiras

Page 36: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

36

décadas do século 19, era constituída por obras francesas ou por traduções de

obras francesas19 (Tavares, 2000: 66; Camargo & Moraes, 1993: 128-129).

Ainda tratando da influência francesa, chegamos à segunda metade do

século 18 e início do 19, no tempo do também francês marquês de

Montalembert (1714-1800). O que nos interessa em sua obra é o retorno do

uso das torres, característica do período medieval. Apesar de ser uma ruptura

da corrente de pensamento anterior indicando uma regressão técnica

(Faucherre, 1996: 66-68) o uso das torres é uma tentativa de proteger os

defensores do novo material de artilharia (mais potente, mais preciso), que

agora também disparava projéteis explosivos e/ou incendiários (Guillerm, 1994:

191-192). O uso de torres seria rapidamente abandonado, mas a necessidade

de proteção mais efetiva das tropas de defesa permaneceria, tornando-se a

pedra fundamental da elaboração de obras de defesa.

Esse período marca também a construção de nossas provisórias

fortificações, abertas e efêmeras (as novas fortificações são obras maciças,

que exigem uma imensa quantidade de material construtivo), o que,

teoricamente, seria o indicador ideal da ineficácia e obsolescência delas. No

entanto, eram perfeitamente adequadas para seu contexto de atuação, no qual

os recursos eram escassos e as forças navais a serem combatidas não tinham

grande poder de fogo.

2 O contexto de implantação do sistema defensivo costeiro e seus

subsistemas

Apesar de em nenhum momento as autoridades militares do século 19

utilizarem os termos “sistema” ou “subsistema” para a organização das defesas

costeiras de São Paulo, é extremamente plausível utilizar essas designações,

uma vez que as mesmas autoridades agiam como se houvesse a necessidade

19 ARHEX, CCSP, 79, p. 269 verso, 17/05/1824 – “Relação dos livros que se remetem ao Presidente da Província [SP]”(...) Tratado de artilharia do dito autor [La Croix] de nova tradução:30; Dito de arte militar e fortificação por Guy de Vernon – Tom. 1 º.: 30; Dito dito, parte 2 ª.: 30; Dito – Tom. 2 º.: 10; Dito – Tom. 3 º.: 20.”

Page 37: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

37

de criar um cinturão defensivo de alguma forma interligado (mesmo que

precariamente) e não mais praças isoladas que defenderiam portos e regiões

muito específicas, procedimento largamente adotado desde a conquista

européia20.

Pode parecer prosaica essa discussão, mas a adoção desses termos faz

com que percebamos uma radical mudança de ideologia nas mentes das elites

militares e políticas.

A engenharia militar portuguesa, no século 15, começa a sofrer grandes

mudanças estimuladas pela adoção da artilharia embarcada e pela ampliação

do burgo medieval para a cidade cosmopolita e mercante. O que se quer

proteger já não está mais dentro dos muros: espalha-se por uma vasta porção

de território (Cid, 1998: 32-49). Da mesma forma, no século 19, veremos mais

adiante que as necessidades de defesa extrapolam as regiões onde portos ou

vilas chaves estão implantados. No final da agonia metropolitana no Brasil

defende-se uma colônia inteira, o último baluarte do Absolutismo lusitano,

ameaçado de esfacelar-se à menor centelha.

Então, em 1819, devido às articulações diplomáticas entre França,

Espanha e os Estados Platinos e a conseqüente movimentação da Armada

espanhola, são encontrados motivos de sobra para se estabelecer uma linha de

defesa com fortificações integradas. Divide-se a costa paulista em três porções

que iam das margens marítimas à retroterra, delimitada pelas montanhas que

separam a planície costeira do planalto: a primeira, ia da divisa com a Capitania

do Rio de Janeiro até São Sebastião; a segunda, ficava compreendida entre

São Sebastião e São Vicente; e a terceira, ia de São Vicente para o sul, até a

atual divisa do Paraná com Santa Catarina. A primeira divisão ficou a cargo do

marechal Arouche, a segunda a cargo do coronel Muller e a terceira era

comandada pelo marechal Cândido Xavier (Machado d’Oliveira, 1978: 236-237).

Apesar de, já no início de 1820, esse esquema de defesa ter sido desarticulado,

ele nortearia as decisões de fortificação futuras, juntamente com o levantamento

sobre as necessidades de fortificação da costa paulista efetuado pelo coronel

Afonso Furtado de Mendonça em 181921.

20 É interessante ressaltar que, na costa paulista, até a segunda metade do século 18, só existiam fortificações “permanentes” na região de Santos. 21 BN, Manuscritos, II-35,26,70.

Page 38: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

38

Os subsistemas defensivos paulistas, na primeira metade do século 19,

eram 4: vindo de sul para norte tínhamos o de Paranaguá (que englobava

Guaratuba, Morretes, Antonina e todas as outras localidades da baía de

Paranaguá). A fortificação chave desse subsistema era a fortaleza de Nossa

Senhora dos Prazeres, situada na ilha do Mel e edificada na gestão do

Morgado de Mateus (1764-1775) (fig. 5, 1).

Até o final da década de 1820 a fortificação da ponta da Trincheira, na

barra de Cananéia, era subordinada à praça22 de Paranaguá, porque a

companhia de milicianos de Cananéia era comandada pelo governador das

armas de Paranaguá (Rodrigues, 1978: 72-73). Com a extinção das tropas de

milícia e a criação da Guarda nacional, em 1831, a citada fortificação passa a

ser atribuição da câmara de Cananéia e demais poderes locais, adequando a

administração das armas às característica geográficas dominantes23, o que

incluiria a barra de Icapara e o município de Iguape. É a partir desse momento

que podemos considerar a existência do subsistema Cananéia/ Iguape, que era

composto por dois pontos fortificados (ponta da Trincheira e barra de Icapara),

uma peça de campanha em Cananéia e outra em Iguape, além de nove pontos

de parada militar, ou seja, vigias (fig. 5, 2).

22 Praça forte é um conjunto de fortificações destinadas a proteger uma dada região, termo arcaico que, numa tradução moderna, designaria um sistema ou subsistema defensivo, dependendo do parâmetro utilizado (o subsistema defensivo paulista está dentro do sistema brasileiro). Para efeitos da análise desse trabalho, utilizaremos os termos éticos sistema e subsistema que explicam melhor a situação. O termo êmico praça forte é estanque, e não permite subdivisões (Laguens, 1988). 23 O ecossistema do Lagamar, que antes da construção do canal do Varadouro não se comunicava com a baía de Paranaguá.

Page 39: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

39

Figura 4: Na foto vemos as muralhas principais, o quartel e a capela da fortaleza de Santo

Amaro da Barra Grande, Guarujá, construída a partir do século 18 (embora o local fosse

fortificado desde o século 16). Foto: PFBC (1998).

A Baixada Santista era guarnecida pelo subsistema de Santos, o qual

abrangia a fortaleza da Barra Grande e o forte da Estacada ou Augusto, no

canal da barra Grande; o forte de São João (anteriormente, São Tiago) e o de

São Luiz (anteriormente, São Felipe), no canal da barra de Bertioga; e,

finalmente, para proteger o porto de Santos existiam o forte da Vila ou de

Nossa Senhora de Monte Serrat, na própria povoação e, logo na margem

oposta, o fortim ou forte de Itapema (que recebeu diversos nomes antes desse)

(Bastos et al., 1998: 4-12). Em São Vicente ainda existiria uma bateria em local

incerto (Müller, 1978: 218-225). As origens dessas fortificações remontam ao

século 16, entretanto, àquela época, não poderíamos considerar a existência

de um sistema defensivo paulista (fig. 5, 3).

E, finalmente, ao norte, havia o subsistema São Sebastião/ Ilhabela que,

anteriormente a 1831, estava ligado à Santos, pelo mesmo motivo que

Cananéia estava ligada a Paranaguá: as tropas de milícia de São Sebastião e

Ilhabela respondiam ao governador de armas da praça de Santos.

Segundo Müller (1978: 86-88), na década de 1830, existiam 5

fortificações provisórias em São Sebastião e 4 em Ilhabela. Entretanto, dos 9,

apenas 6 poderiam operar, sendo 3 em São Sebastião (Sepitiba, da Cruz e

Araçá) e 3 em Ilhabela (Rabo Azedo, Vila Bela e Feiticeira) (Müller, 1978: 218-

225).

Antes dessa data, na segunda metade do século 18, foram implantadas

duas fortificações em São Sebastião e duas em Ilhabela a mando do Morgado

de Mateus, em 1767 (Almeida, 1946: 11)24 (fig. 5, 4).

Logo adiante estudaremos o caso de alguns desses fortes.

Sobre Ubatuba e ilhas circunvizinhas, pouco pode ser dito. Em nenhuma

das fontes pesquisadas consta a existência de fortificações na região.

Entretanto, a localidade Fortaleza, situada a alguns quilômetros ao sul da

cidade de Ubatuba, sugere que algum ponto fortificado pode ter lá sido

24 Uma fortificação ficaria na ponta das Canas, na ilha, outra na vila de São Sebastião, uma ao sul da última vila e outra na frente dessa, na ilha.

Page 40: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

40

edificado. Mesmo o porto de Ubatuba, a exemplo de diversas outras povoações

no litoral, deveria ter alguma peça de artilharia para rechaçar desembarques

indesejados.

Outro local que pode ter sido fortificado é a ilha dos Porcos. O inglês

John Mawe, quando em viagem de Santos ao Rio de Janeiro, em 1807, diz-nos

que havia um pequeno destacamento lá, voltado para combater o contrabando

(1978:77).

Essas são as únicas informações disponíveis sobre a região de Ubatuba.

Figura 5: Mapa mostrando os subsistemas defensivos paulistas na década de 1820.

3 Os subsistemas defensivos do litoral paulista: comparações

A simples comparação aleatória entre subsistemas defensivos poderia

levar a conclusões banais tais como: a praça de Santos é melhor implantada

que o subsistema Cananéia/ Iguape.

Para que pudéssemos estabelecer comparações que efetivamente

propiciassem informações úteis para a pesquisa, estabelecemos quatro

variáveis para todos os subsistemas que pudessem indicar padrões de

estabelecimento militar. Tais variáveis foram elaboradas a partir dos

parâmetros de avaliação da qualidade das edificações das fortificações

utilizados pelo brigadeiro Müller na primeira metade do século 19 (fortificações

Page 41: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

41

permanentes e provisórias) e a partir das observações de campo (qualidade

das peças de artilharia).

As categorias estrutura “permanente” e estrutura “provisória” baseiam-se

no estudo realizado pelo brigadeiro Daniel P. Muller, em parte publicado no livro

“Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo”, editado pela

primeira vez em 1838. Embora Müller não aponte quais características

compunham uma categoria e outra, podemos deduzir, pela observação in loco

de algumas fortificações25 e pelos exemplos citados que as permanentes

dispunham de edificações finalizadas, bem feitas e bem conservadas, segundo

os padrões da época. Já as provisórias falhariam em um ou mais desses

pontos (1978: 86-88, 218-225).

Para determinar a qualidade das peças de artilharia cruzamos as

informações obtidas nas observações de campo e em inventários bélicos26 com

a bibliografia existente sobre o tema e pudemos perceber que algumas peças

são superiores às outras e que elas foram distribuídas de forma desigual pelos

diferentes subsistemas. Grosso modo classificamos como material “obsoleto”

as peças de ferro do padrão Armstrong27 e como material “adequado” as de

padrão Blomefield28,. Mais adiante serão dadas maiores explicações sobre

esses padrões de armas.

Na tabela abaixo podemos ver o resultado da comparação entre as

variantes: Tabela 1

Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19

Subsistema Estruturas

Permanentes

Estruturas

Provisórias

Armamento

Adequado

Armamento

Obsoleto

Paranaguá X ?29 X X

Cananéia/ Iguape X X

25 Trabalhos de campo realizados na fortaleza da Barra Grande, Guarujá e forte de São João, Bertioga em 1998; fortificação de Sepitiba, São Sebastião em 1998 e 2000. 26Almeida, 1946: 19; Muller, 1978: 218-225; Castro, 1994: 4-26; “Notícia das fortificações existentes em cada uma província do Império; de suas denominações; artilharia que têm e importância”. Rio de Janeiro, 1 º. de janeiro de 1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4). 27 Nome do general que, em 1722, introduziu esse padrão de canhão nas forças armadas inglesas (Castro & Andrada, 1993: 18). 28 Thomas Blomefield foi quem desenvolveu esse padrão no ano de 1787. 29 A interrogação nesse campo explica-se pela impossibilidade de afirmarmos se alguma das propostas do brigadeiro Muller (1824), de estabelecer baterias em Antonina ou Morretes foram adotadas (AESP, C02374 e 02375).

Page 42: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

42

Sistema defensivo costeiro paulista – primeira metade do século 19

Subsistema Estruturas

Permanentes

Estruturas

Provisórias

Armamento

Adequado

Armamento

Obsoleto

Santos X X X X

São Sebastião/ Ilhabela X X X

A conclusão a qual chegamos é que a comparação deveria ser feita

entre o subsistema de Cananéia/ Iguape e o de São Sebastião, principalmente

porque ambos os subsistemas possuem exclusivamente fortificações

provisórias. Além desse fator, ambos os subsistemas foram desenvolvidos a

partir da década de 1820, apesar de São Sebastião e Ilhabela já possuírem

fortificações na segunda metade do século 18.

4 Os subsistemas defensivos de Cananéia/ Iguape e de São Sebastião

4.1 Os recursos humanos: as tropas milicianas e a Guarda Nacional

Desde a conquista européia, até 1831, a organização militar do Império

Português e, mais tarde, do Brasil, esteve embasada no uso de três tipos de

tropas: as pagas ou de primeira linha, constituídas por profissionais da guerra;

as de auxiliares, depois de milícias, ou de segunda linha; e as de ordenanças,

ou de terceira linha (Rodrigues, 1978: 7-80).

Em 1824 começa a se estabelecer um exército nacional, o qual será

constituído pelas tropas de 1a. linha e as tropas milicianas, agora chamadas de

2a. linha.

E, finalmente, a partir de 1831 (até 1891) vemos a extinção da 2a. linha,

a diminuição drástica dos efetivos das tropas de 1a. (quadro este que se

mantém até a década de 1850) e a criação da Guarda Nacional, instituição

inspirada nas experiências revolucionária francesa e norte-americana (Castro,

1979).

As tropas de auxiliares foram criadas em Portugal no ano de 1645, após

a Restauração (Rodrigues, 1978: 51). No Brasil, esses terços e,

posteriormente, regimentos, eram constituídos por habitantes das localidades

Page 43: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

43

aptos a ingressarem no serviço militar, mas que por suas condições sociais não

poderiam pertencer aos corpos de 1a. linha. Esses eram, por exemplo,

lavradores, comerciantes e artesãos, pessoas com ocupações, que acabavam

por formar tropas de reserva para a 1a. linha. No caso das localidades aqui

estudadas, essas tropas constituíam a força militar que efetivamente as

defenderia, não existindo qualquer companhia, de qual arma que fosse, de 1a.

linha, em Cananéia ou Iguape.

Quanto à estrutura das milícias, interessa-nos aquela que foi

estabelecida a partir de 1796 quando as tropas de auxiliares passaram a ser

denominadas tropas de milícia (Rodrigues, 1978: 54). Embora Rodrigues (1978:

54) escreva que um regimento fosse constituído por Estado Maior, mais oito

companhias de fuzileiros, uma de granadeiros e uma de caçadores (cada qual

com 80 homens), num total de 800 praças, a documentação mostra que estes

números eram bastante flexíveis, como pode ser apreciado em diversos

documentos do Arquivo do Estado de São Paulo e do Arquivo Municipal de

Santos. Em tempos de paz os números ficavam bem abaixo dos 800.

Uma companhia de milícias reunia-se, grosso modo, em tempos de paz,

uma vez por mês, na assembléia da companhia, que poderia ser qualquer local

pré-determinado na localidade onde ela estaria destacada. Nesta ocasião, a

tropa seria passada em revista, exercícios militares seriam realizados e o

material de guerra seria limpo, dentre outras coisas. Em caso de urgência,

geralmente salvas de canhão serviriam para avisar os milicianos, dispersos por

vasto território. Todos deveriam reunir-se na assembléia e ficar em estado de

prontidão.

Todas as questões que envolvessem a companhia deveriam ser

enviadas do comandante da companhia ao comandante do regimento. Daí as

questões seriam enviadas ao governador das armas da Capitania ou Província,

que poderia enviá-las ao ministro da guerra, eventualmente. Os postos de

comando, principalmente os do Estado Maior, eram preenchidos por oficiais de

1a. linha. Eventualmente os cargos de comando das companhias eram

confiados a soldados profissionais. Geralmente os comandantes locais eram

pessoas de posses.

Page 44: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

44

Os soldados deste tipo de tropa não eram pagos, recebiam apenas o

prêt d`Étape - que era uma certa quantidade de alimento, constituído por

farinha e toucinho - também chamado de “munição de boca” -, uniformes,

munição de guerra e armas. Somente os oficiais de patente recebiam soldo.

Tudo isso deveria ser fornecido pelo governo, mas, algumas vezes, os

comandantes provinham algumas coisas as suas custas, esperando serem

reembolsados ou receberem favores do governo.

As tropas de ordenanças foram criadas, em Portugal, a partir de 1549.

Tinham como intuito formar contingente de reserva, agregando, principalmente,

homens que não poderiam ser incorporados na 1a. ou na 2a. linha, pela idade

ou por serem casados, por exemplo (Rodrigues, 1978: 75-76). Elas deveriam

ser formadas pelos capitães mores das vilas, mas, no Brasil, em localidades

onde existisse abundância das outras tropas, seu estabelecimento era sempre

relegado ao segundo plano.

O litoral de São Paulo, que até 1853 compreendia também o litoral do

atual Estado do Paraná, até 1824 possuía dois regimentos de artilharia

miliciana: o 1o., com o governo das armas situado na praça de Santos e o 2o.,

com o governo na praça de Paranaguá. Cada regimento tinha 8 companhias

com número variável de praças, destacadas em diferentes vilas:

Tabela 2

1o. Regimento

Companhias Local de assembléia

1o. Santos e S. Vicente

2o. Itanhaém

Figura 6: Modelo do

uniforme de um coronel de

milícias paulista (1823). O

desenho é de Wladimir

Douchkine (Rodrigues,

1978).

Page 45: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

45

1o. Regimento

Companhias Local de assembléia

3o. Iguape

4o. Iguape

5o. São Sebastião

6o. São Sebastião

7o. Vila Bela da Princesa (Ilhabela)

8o. Ubatuba

(Inventário Fundo Milícias, 1997).

Tabela 3

2o. Regimento

Companhias Local de assembléia

1o. Paranaguá

2o. Paranaguá

3o. Paranaguá

4o. Paranaguá

5o. Morretes

6o. Antonina

7o. Paranaguá

8o. Cananéia

(Rodrigues, 1978: 72-73)

Apesar de existirem duas companhias com assembléia em Iguape, em

1823 uma delas estava destacada em Cananéia30, muito provavelmente por ser

este o ponto mais vulnerável de toda a costa, de Itanhaém até Paranaguá.

Outro fator que levaria ao destacamento dessa companhia em Cananéia é o da

deficiência de material bélico e humano, uma vez que o município tinha poucas

armas em condições de fazer fogo31, população reduzida em número e

dispersa em área muito grande, além da carência de pessoal que pudesse

comandar os militares, seja por falta de habilidade, seja pela idade avançada.

Tais fatores, somados à distância e periculosidade do caminho marítimo entre

Cananéia e Paranaguá (fator alegado em inúmeros documentos) e ao término

da guerra Cisplatina, levaram à extinção da 8a. Companhia, a partir de 1828. 30 AESP, C00860, pasta 1, doc. 30. 31 A menção “60 armas velhas em Cananéia” aparece em inúmeros mapas das tropas das companhias do 2o. Regimento, enviados ao governador das armas da província, AESP, C02374 e 2375.

Page 46: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

46

Ela seria extinta definitivamente quando o último oficial de patente pudesse ser

reformado32. Assim, em 1829 encontramos a oitava com 44 soldados, 10

oficiais (inferiores e de patente), contra 64 soldados e 14 oficiais (inferiores e de

patente), em 182333.

Outra possibilidade de defesa em caso de invasão por mar, estabelecida

pelo conselho de guerra em 1803, seria a descida de tropas de Xiririca (hoje

Eldorado) para Cananéia e Iguape (Almeida, 1962: 199-200), o que reforça a

idéia de que a proteção das portas de entrada daquela região era prioridade.

A partir de 01 de dezembro de 1824, começa a ser reformulada a

estrutura dos regimentos milicianos. Eles passam a ser incorporados ao

exército nacional, agora composto por tropas de 1a. e de 2a. linhas, as antigas

de milícias (Inventário Fundo Milícias, 1997). O 1o. Regimento de Artilharia

Miliciana da praça de Santos passa a chamar-se Batalhão de Caçadores n º.

38, da 2a. Linha. O 2o. Regimento de Artilharia Miliciana da praça de Paranaguá

torna-se Batalhão de Caçadores n º. 39, da 2a. linha. Tais mudanças só

consumam-se em 19 de agosto de 1826 e, mesmo assim, por mais alguns anos

as antigas denominações perduraram.

Apesar de, em teoria, ter mudado a característica militar dos regimentos,

de artilharia para caçadores (infantaria ligeira), na prática isso foi apenas a

adequação de categoria a uma realidade existente: com raríssimas exceções, o

contingente de praças das milícias de artilharia, incluindo os oficiais, inferiores

ou de patente, saberia manejar peças de artilharia34. Quando isso era preciso,

tropas de artilharia de primeira linha eram enviadas às fortificações35.

A partir de 1831, com o término do 1o. Reinado e o estabelecimento da

Regência, a estrutura de defesa brasileira vai mudar radicalmente.

A inspiração liberal da Regência vai provocar grandes mudanças na

estrutura militar da jovem nação. O exército, considerado um dos grandes focos

de insubordinação e de fomento das revoltas contra a unidade nacional, terá

seu contingente diminuído drasticamente (Holanda, 1965: 275-277). Em seu

lugar, tendo como inspiração as guardas nacionais criadas pela França e pelos

32 AESP, C02375, 17/11/1829. 33 AESP, C02374, diversos. 34 BN, II-34,24,30, II-35,26,30; AMS-FM, 1A/37/6. 35 AESP, C02374 e C02375, entre outros.

Page 47: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

47

EUA, será criada a Guarda Nacional, responsável pela manutenção da ordem

interna. Tal organização teria caráter eminentemente municipal, sendo os seus

corpos recrutados entre os habitantes de um mesmo município, facilitando o

controle do contingente pelo poder local. No que concerne aos assuntos

militares, seus comandantes, que poderiam chegar ao grau máximo de coronel,

responderiam diretamente ao governador das armas da Província e não mais a

um comandante de regimento, num movimento que, ao mesmo tempo,

descentralizava a organização dos corpos e centralizava o comando (Castro,

1979). É a partir desse momento que voltam a ser organizadas companhias

militares em Cananéia.

4.2 Peças de artilharia

Apesar dos canhões serem os objetos arqueológicos por excelência

neste trabalho, pode parecer difícil entendê-los como fragmentos que podem

ajudar na montagem do contexto social do qual eles faziam parte. Eles são

mais facilmente assimilados como monumentos do que como peças

arqueológicas. Mas examinemos dois trabalhos subaquáticos onde eles foram

peças chave para o entendimento dos contextos arqueológico e do social.

O primeiro exemplo é o estudo do sítio de naufrágio do navio-almirante

francês Oceán, afundado em 18/08/1759 nas proximidades da praia de Salema,

Vila do Bispo, Portugal36. Segundo as informações documentais escritas, os

regulamentos para o armamento desse tipo de vaso, nunca canhões de 12

libras poderiam ser instalados nas baterias do navio. Entretanto, as pesquisas

arqueológicas subaquáticas evidenciaram justamente um canhão de 12 libras

no sítio do Oceán, o que leva a pensar que, em época de guerra (Guerra dos 7

anos), o que vale mesmo é armar a esquadra com o material disponível, fato

que nenhum texto revela.

36 Todo ano, de junho a setembro é montado um circuito de visitação, atividade fundamental para a divulgação do trabalho do centro de pesquisas e para a conscientização dos mergulhadores da importância daquele patrimônio submerso (site www.ipa.min-cultura.pt/cnans).

Page 48: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

48

O segundo trabalho foi realizado na embarcação francesa Ça Ira, vaso

de guerra de 80 canhões afundado em 1796, no golfo de Saint-Florent,

Córsega, sob à bandeira do Reino Unido (a embarcação havia sido capturada

em 1795). Nesse caso, a ausência dos canhões (junto com a variedade e a

desorganização dos projéteis encontrados nos destroços) além de corroborar a

história escrita (Villié & Acerra, 1998), forneceu importantes elementos para a

compreensão das táticas e do espírito da guerra marítima. Ao contrário do que

era praticado no Brasil no século 19, onde os marinheiros destinados à guerra

eram recrutados à força e mantidos às chibatadas, na marinha inglesa o marujo

era tratado com dignidade pois era um soldado especializado. Essa diferença

de tratamento reflete-se no Ça Ira porque um grande vaso de guerra foi

desarmado e transformado em um navio hospital.

Sendo documentos materiais, os canhões devem ser classificados para a

sua melhor compreensão. Abaixo segue uma tabela das peças envolvidas neste

estudo e de algumas de suas características que são explicadas nos próximos

itens. Tabela 4

Canhões existentes em Cananéia, Ilhabela e São Sebastião

Denominação

Pad

rão

Cal

ibre

(lb

)

Cal

ibre

(m

m)

Com

p. T

otal

(c

m)

Larg

ura

(cm

)

Mas

sa (

kg)

Com

p.

Fun

cion

al

(cm

)

Cal

. de

com

prim

ento

Lb b

ala/

lb

canh

ão

Dat

ação

ab

solu

ta

Dat

a de

ch

egad

a SP-CA-01 A 12 117,42 255 60

1452,8

214 18 267

1775-

1792 1822

SP-CA-02 A 12 117,42 251 61 1516,2

213 18 279 1775-

1792 1822

SP-IB-01 A 12 117,42 250 58 212 18 1727-

1792

SP-IB-02 B 18 134,42 294 67 258 19 1792-

1830 1825-1827

SP-IB-03 A 12 117,42 251 53 218 19 1727-

1792

SP-IB-04 B 18 134,42 252 59 214 16 1792-

1830 1825-1827

SP-SS-01 B 18 134,42 292 68 258 19 1825 1825-1827

SP-SS-02 A 12 117,42 249 60 1494,0 212 18 275 1775-

1780 1787-?

SP-SS-03 B 18 134,42 294 68 258 19 1825 1825-1827

Page 49: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

49

SP-SS-04 Bo 18 134,42 313 58 278 21 1714-

1722 ?-1827

SP-SS-05 A 18 134,42 313 59 275 20 1727-

1760 ?-1827

SP-SS-06 A 12 117,42 253 60 1506,7 213 18 277 1778-

1786

SP-SS-07 A 12 117,42 250 60 1421,1 214 18 261 1777-

1792 1787-?

SP-SS-08 B 18 134,42 293 65 258 19 1825 1825-1827

SP-SS-09 B 24 147,93 299 73 257 17 1792-

1822 1819-1830

SP-SS-10 A 9 106,68 236 54 1223,1 200 19 300 1778-

1786 1809-1819

4.2.1 A análise qualitativa

A análise qualitativa do material de artilharia baseia-se na observação in

situ das características das peças. Para esse fim foi criada uma ficha (anexo 2)

bastante sintética – baseada em um modelo mais completo fornecido pelo

IPHAN (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 14-16) – a qual elenca

uma série de características que são cruciais para o entendimento desse tipo

de material bélico. As peças foram nomeadas e os dados gerados foram

cruzados com informações bibliográficas e a partir daí pudemos juntar as peças

de artilharia dos dois subsistemas em três diferentes grupos e entender o

funcionamento deles em termos de eficiência, o que é essencial para o tema

deste trabalho.

Abaixo, seguem algumas explicações necessárias para a compreensão

dos quesitos técnicos empregados na ficha: calibre, comprimento total,

comprimento funcional, largura e calibre de comprimento.

Para descobrirmos o calibre, em milímetros, basta que meçamos o

diâmetro interno da boca do canhão. Caso isso não seja possível, pode ser

medido o diâmetro de um dos munhões, tradicionalmente igual ao da boca

(MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999: 34). Uma eventual diferença

entre a designação oficial do calibre e a medição da boca de uma peça pode

ser explicada pelo aumento do vento – causado pela fricção entre a bala e o

Page 50: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

50

tubo da alma gerada nos disparos -, pela maior corrosão sofrida na boca, parte

mais diretamente em contato com o clima de marinha37 e com a curiosidade e

vandalismo dos seres humanos.

Para obtermos o comprimento total da arma, basta que todo o

comprimento dela, da boca ao cascavel, seja medido.

Já o comprimento funcional é obtido pela mensuração da alma da peça.

Caso isso não seja possível, pela obstrução da mesma – o que é freqüente –

temos que medir a distância entre a boca e o ouvido (Alves, 1990-1992: 367).

A obtenção da largura das peças de antecarga com munhões é obtida

pela mensuração da distância da extremidade distal de um munhão até a do

outro.

Dividindo o calibre das peças (expresso em milímetros) por seu

comprimento funcional, ou seja, o comprimento da alma (também expresso em

milímetros), temos uma importante função, que fornecerá um dado essencial

para a classificação das armas: o calibre de comprimento. Dessa forma

teremos, para a peça SP-SS-04, de 2775mm de comprimento funcional, 21

calibres de comprimento (2775mm:132mm=21,02 calibres de comprimento).

Quanto maior for o comprimento da arma, maior será o seu alcance, isso

porque a força de detonação é diretamente proporcional “à duração e às

pressões geradas durante o processo de disparo” (Alves, 1959: 221 apud

Castro & Andrada, 1993: 71). Mas essa função só se observa tendo um

propelente padrão. Caso haja variações na composição dele, o resultado

também irá variar. No caso da pólvora negra - propelente por excelência para

as armas antigas - uma mistura variável em sua composição e em seus efeitos

-, essa regra não podia ser aplicada. Grosso modo, a pólvora negra geraria seu

máximo de potencial para alcance em peças que tivessem entre 18 e 19

calibres (Guilmartin, 1988: 50 apud Castro & Andrada, 1993: 71). A observação

dessa relação, no século 18, era de extrema importância, principalmente

quando estamos tratando de peças que, para serem eficazes, dependiam da

capacidade de conversão da energia cinética gerada pelos disparos de

projéteis sólidos (Castro & Andrada, 1993: 66). Mas, a partir do final do século

18, ela passa a ser relegada ao segundo plano porque a maximização da

37 Cabe dizer que as peças estão ao ar livre, sem qualquer cobertura.

Page 51: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

51

potência cede espaço à capacidade das peças serem transportadas e

manobradas, sendo necessárias armas mais leves e compactas.

4.2.2 Os grupos de canhões

Para a análise dos canhões de Cananéia e São Sebastião vamos

agrupá-los da seguinte maneira: o grupo 1, composto pelo canhão mais velho,

SP-SS-04; grupo 2, no qual figuram os canhões padrão Armstrong; e

finalmente, o grupo 3, formado pelas armas do padrão 1787, também

conhecido como Blomefield mais recentes e também bastante conhecidos.

Figura 7:

Nomenclatura

das peças de

artilharia (Alves,

1990-1992: 368)

Page 52: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

52

Parte das considerações pode ser estendida às peças de artilharia de Ilhabela,

que não podem ser tratadas com o mesmo rigor, uma vez que estão muito

deterioradas.

Tabela 5

Distribuição das peças de artilharia

Grupo Padrão Subsistema Denominação

1 Bogart (1714-

1722)

S. Sebastião/ Ilhabela SP-SS-04

2 Armstrong

(1722-1792)

S. Sebastião/ Ilhabela;

Cananéia/ Iguape

SP-SS-02, 05, 06, 07 e 10;

SP-IB-01 e 03;

SP-CA-01 e 02

3 Blomefield

(1792-1830)

S. Sebastião/ Ilhabela SP-SS-01, 03, 08 e 09;

SP-IB-02 e 04;

A despeito das variações, todas as peças possuem algumas

características morfológicas em comum: são de ferro, de antecarga e de alma

lisa.

Quanto ao uso, todas elas foram feitas para sítios ou praças fortes,

incluídos aí os navios. Um dos indicadores desta característica é o

comprimento total das peças38. Canhões longos eram indicados para

embarcações grandes e fortificações, pois evitavam danos que eventualmente

poderiam ser causados pelas descargas de gases dos disparos de canhões

mais curtos às cortinas das fortificações e aos costados dos navios (Castro &

Andrada, 1993: 71).

Outro indicador é a relação da massa do canhão por libra de bala, obtida

pela divisão da massa dos canhões (expressa em libras) pelo calibre. Canhões

utilizados em campanhas ou em embarcações pequenas tendiam a ter menos

libras por libra de bala do que os de sítio ou praça, justamente para facilitar o

deslocamento e manobra, em terra, e o equilíbrio da embarcação.

4.2.2.1 Grupo 1

38 A peça SP-SS-10 talvez seja a única exceção.

Page 53: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

53

Segundo Adler H. F. Castro, o canhão SP-SS-04 é do padrão Bogart,

utilizado na Inglaterra entre 1714 e 1722, período correspondente ao reinado de

George I (1714-1727). Essas peças são bastante raras no Brasil, uma vez que

elas têm baixos níveis de enxofre, o que possibilita que elas sejam refundidas

(Castro, 2001: 1).

As características dessa peça são bastante peculiares frente as das

outras peças de artilharia. O calibre de 132mm, medida não usual, foi sendo

deixado de lado com o aperfeiçoamento da artilharia (Castro, 1999: 36). Seu

tubo é bastante alongado e sua largura é reduzida em proporção ao

comprimento, o que demonstra a vocação naval da peça, pois armas mais

estreitas encaixavam-se melhor nas portinholas dos costados (Castro, 1994:

17). As linhas do tubo também fogem do padrão adotado com o

desenvolvimento da artilharia científica, uma vez que elas se assemelham a da

colubrina, arma bastante difundida no século 17.

Essa peça já equipava as fortificações setecentistas da região e,

portanto, será descartada das comparações.

Tabela 6

Canhões padrão Bogart

Denominação

Pad

rão

Cal

ibre

(lb

)

Cal

ibre

(m

m)

Com

p. T

otal

(c

m)

Larg

ura

(cm

) M

assa

(kg

) C

omp.

F

unci

onal

(c

m)

Cal

. de

com

prim

ento

Lb b

ala/

lb

canh

ão

Dat

ação

ab

solu

ta

Dat

a de

ch

egad

a SP-SS-04 Bo 18 134,42 313 58 278 21 1714-1722 ?-1827

4.2.2.2 Grupo 2

Figura 8: Foto do canhão

padrão Bogart (primeiro plano)

de São Sebastião. Autor: PFBC

(2000).

Page 54: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

54

A principal característica morfológica que define o padrão Armstrong, é a

forma da culatra, repleta de frisos e molduras. Esses elementos decorativos

desaparecem no desenho do modelo 1787, como veremos adiante.

Essas seriam boas peças de artilharia, tributárias do desenvolvimento

tecnológico de ponta, do início da estandardização e da necessidade de grande

quantidade de peças que otimizassem o poder de fogo. Isso tudo é verdade,

até seu descarte. Após isso, elas não passariam de uma sucata mortal, tanto

para o inimigo, quanto para quem as operasse. Em caso de explosão da peça,

problema comum às peças de ferro com alto teor de enxofre, que se acentuava

com o desgaste da peça, essa estilhaçar-se-ia, matando boa parte da

guarnição de um convés de uma embarcação ou de uma bateria de terra. Um

canhão de bronze, caso explodisse, rachar-se-ia, matando apenas quem

estivesse ao redor dele (José Bittencourt, com. pes., 2000).

De 1792 a 1808, os canhões Armstrong foram sendo gradativamente

descartados pela Inglaterra. Como eles não serviam para serem refundidos

(José Bittencourt, com. pessoal, 2000), começaram a ser usados como postes

de iluminação pública, hastes para a atracação, lastro de navio, marcos e

monumentos. Mas eles também continuaram a ser vendidos ainda como

artefatos militares, para clientes muito especiais.

Nessa grande renovação de arsenal e expansão do capitalismo industrial

inglês, o Brasil foi um grande parceiro da Inglaterra. Baratas, essas armas

puderam ser adquiridas de carregação, equipando a maioria das fortificações

brasileiras. A seguir veremos algumas das peculiaridades das armas desse

padrão, que fornecem valiosas informações para o desenrolar desta pesquisa.

Tabela 7

Canhões padrão Armstrong

Denominação

Cal

ibre

(lb

)

Cal

ibre

(m

m)

Com

p. T

otal

(cm

)

Larg

ura

(cm

)

Mas

sa (

kg)

Com

p. F

unci

onal

(c

m)

Cal

. de

com

prim

ento

Lb b

ala/

lb c

anhã

o

Alm

a br

ocad

a

Bro

ad a

rrow

Dat

ação

abs

olut

a

Dat

a de

che

gada

SP-CA-01 12 117,42 255 60 1453 214 18 267 2 1775-1792 1822

SP-CA-02 12 117,42 251 61 1516 213 18 279 SOLID 2 1775-1792 1822

SP-IB-01 12 117,42 250 58 212 18 1727-1792

Page 55: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

55

SP-IB-03 12 117,42 251 53 218 19 1727-1792

SP-SS-02 12 117,42 249 60 1494 212 18 275 SOLID 2 1775-1780 1787-

SP-SS-05 18 134,42 313 59 275 20 0 1727-1760 -1827

SP-SS-06 12 117,42 253 60 1507 213 18 277 3 1778-1786

SP-SS-07 12 117,42 250 60 1421 214 18 261 2 1777-1792 1787-

SP-SS-10 9 106,68 236 54 1223 200 19 300 SOLID 3 1778-1786 1809-1819

A seqüência numérica do peso

A seqüência numérica gravada no primeiro reforço, próxima à culatra,

exprime a massa da peça. Para exemplificar, peguemos a numeração da peça

SP-CA-01: 28-2-15. O primeiro número, 28, indica a quantidade de quintais (o

inglês vale 50,736kg); o segundo, 2, representa as arrobas (12,684kg); e

finalmente, o terceiro, expressa as libras (0,453kg). Assim, para saber o peso

das peças, em kg, basta multiplicar os componentes da seqüência por seus

valores em kg e depois somá-los:

28 x 50,736kg + 2 x 12,684kg + 15 x 0,453kg = 1452,84kg

Vale salientar que muitas pessoas pensam que esta seqüência

representa a data de confecção da peça.

Figura 9: os canhões da praça

Martim Afonso, no centro de

Cananéia. Foto: PFBC (1997).

Page 56: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

56

Tabela 8

Massa dos canhões Armstrong de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/Ilhabela

Denominação Quintais Arrobas Libras Massa em quilos

SP-CA-01 28 2 15 1452,771

SP-CA-02 29 3 15 1516,191

SP-SS-02 29 1 22 1493,994

SP-SS-05 ilegível 1 21 ?

SP-SS-06 29 2 22 1506,678

SP-SS-07 28 0 1 1421,061

SP-SS-10 24 0 12 1223,100

A seta

Única, em dupla ou em trio, a seta ou broad arrow, é a expressão de

uma atividade que se impregnava cada vez mais da ciência e dos benefícios da

experimentação.

Tabela 9

Quantidade de broad arrows por peça de artilharia

Denominação Broad arrows

SP-CA-01 2

SP-CA-02 2

SP-SS-02 2

SP-SS-05 0

Figura 10: Foto de

detalhe do canhão

SP-SS-02, onde

podemos ver a

seqüência numérica

da massa da arma

(PFBC, 2000)

Page 57: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

57

Quantidade de broad arrows por peça de artilharia

Denominação Broad arrows

SP-SS-06 3 (1 no cascavel)

SP-SS-07 2

SP-SS-10 3 (1 no cascavel)

Uma única seta gravada no primeiro reforço, próxima à moldura do

segundo reforço, significa que aquela peça havia sido testada e aprovada por

uma comissão de testes das forças armadas inglesas (Castro & Andrada, 1993:

26).

Segundo Caruana (1997: 11-13), em 1783, Thomas Blomefield foi

encarregado de formar uma equipe para uma segunda prova de todos os

canhões da armada inglesa. O teste demorou anos, terminando em 1796,

aparentemente. Um fato a destacar-se desta segunda prova é o de que todos

os canhões aprovados deveriam levar a marca de uma segunda seta, logo

abaixo da primeira. De acordo com Adler H. F. Castro (com. pes., 2000), a

maior parte dos canhões do padrão Armstrong existente no Brasil não possui a

segunda seta, o que indica que eles teriam vindo para o Brasil antes do período

1783-1796 ou que eles tenham sido julgados fracos demais para serem

testados, reforçando a hipótese da compra de sucata militar.

Ainda segundo Caruana (1997:13), em 1810 a marinha de guerra inglesa

encontrava-se totalmente armada com os canhões do padrão 1787 (ou

Blomefield). O que teria acontecido com os canhões padrão Armstrong?

Castro & Andrada (1993: 18) colocam que, a partir de 1792 os canhões

Armstrong da Armada foram sendo substituídos pelos Blomefield. Os canhões

do antigo padrão que haviam passado pelo teste foram sendo transferidos para

as fortificações terrestres, e os que haviam sido rejeitados eram vendidos como

armamento para outros países ou reaproveitados para outros fins (postes,

monumentos, hastes de atracação, etc.).

Em 1811, outra pesquisa realizada pelo mesmo T. Blomefield, condenou

todos os canhões Armstrong que ainda operavam nas fortificações (Caruana,

1997: 263). Após eles terem sido definitivamente descartados das forças

armadas inglesas, eles equiparam as forças armadas do Império Português e

das jovens repúblicas americanas, garantindo sobrevida militar às peças de

Page 58: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

58

artilharia. Para se ter uma idéia, a maior parte do arsenal paraguaio, por

ocasião da guerra contra a Tríplice Aliança (1864-1870), era formado por esse

tipo de canhão (Castro & Andrada, 1993: 18).

Um detalhe que deve ser acrescentado é que essas peças não serviam

para a refundição porque elas possuíam alto teor de enxofre, o que tornaria os

novos canhões ainda menos maleáveis e mais quebradiços que os originais

(Castro, 2000, com. pes.).

Quanto à terceira seta, encontrada nos cascavéis dos canhões SP-SS-

06 e 10, nada pode ser dito por enquanto.

Os brasões

O padrão Armstrong, estabelecido em 1727, foi utilizado durante o

reinado de dois soberanos: George II (1727-1760) e parte do reinado de

George III (1760-1820). Apesar de suas características não mudarem através

dos 70 anos em que foram produzidos, os canhões encontrados aqui no Brasil

apresentam dois tipos de brasões, gravados no segundo reforço, que os

distinguem: o de George II e o de George III. Em Cananéia as duas peças são

do tempo de George III. Já em S. Sebastião, encontramos uma com o brasão

de George II (SP-SS-05) e quatro com o de George III (SP-SS-02, 06, 07 e 10).

Figura 11:

Detalhe do canhão

SP-CA-01,

mostrando as

duas broad arrows

(PFBC, 2000).

Page 59: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

59

Os números do segundo reforço

Os números que alguns dos canhões possuem entre o brasão e um dos

munhões comprovam suas trajetórias do mar para a terra. Esses números

representam a posição que estas armas ocupavam nas embarcações portuguesas ou

inglesas (Adler H. F. Castro, 2000, com. pes.).

As inscrições nos munhões

Tabela 10

Inscrições dos munhões das peças de Cananéia/ Iguape e S. Sebastião/ Ilhabela

Denominação Munhão direito Munhão esquerdo

SP-CA-01 ?S WC

SP-CA-02 B SOLID

SP-SS-02 No. 133 O

SP-SS-05 [SÍMBOLO]

SP-SS-06 [ILEGÍVEL] Z

SP-SS-07 IC 33

SP-SS-10 SOLID 54 Z

Quanto à inscrição do munhão direito da peça 01 de Cananéia, nada

pode ser dito. Já a inscrição do munhão esquerdo refere-se à fundição “Samuel

Walker and Company” (1746-1817), instalada na cidade de Rotherham,

Figura 12: Detalhe do brasão da

peça SP-CA-02. É possível notar

o número 3 entrelaçado com a

letra G que por sua vez está

ligada à letra R, formando os

dizeres “3 George Rex” (PFBC,

2000).

Page 60: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

60

Inglaterra. Essa empresa passou a fornecer armas para as forças armadas

inglesas a partir de 1775 (Castro & Andrada, 1993: 26).

O significado da inscrição do munhão direito da peça 02 de Cananéia até

agora é desconhecido. Entretanto, a inscrição do munhão esquerdo, “SOLID”

indica que a peça teve a alma brocada, isto é, a peça foi fundida por inteiro,

solidificou-se e posteriormente a alma do canhão foi furada. Essa técnica de

confecção, utilizada largamente a partir de 1775 (Castro, 2001: 1), visava

melhorar a qualidade do armamento (Castro & Andrada, 1993: 27).

No canhão SP-SS-02, no munhão direito temos uma numeração que

parece corresponder à posição da peça numa seqüência de produção. Quanto

à marca do munhão esquerdo, pode corresponder ao fabricante39.

Das inscrições da peça de artilharia SP-SS-05 nada pode ser dito.

O canhão SS-06 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de seu

fabricante, George Matthews, da Calcutts Ironworks, Inglaterra. Fundiu canhões

para as forças inglesas, sob esta marca, de 1778 a 1786 (Castro & Andrada,

1993: 26).

A peça SS-07 tem, no munhão direito, a sigla de seu fundidor, John

Cookson, da cidade de Whitehill, Inglaterra. Ele passou a fornecer esse tipo de

arma a partir de 1777 (Castro & Andrada, 1993: 18). No munhão direito existe

uma numeração que não pôde ser decifrada.

Finalmente, a peça SS-10 apresenta, no munhão esquerdo, a marca de

seu fabricante, o mesmo da peça SS-06. No munhão direito apresenta um

número, ao qual não podemos atribuir qualquer significado, e uma palavra,

“SOLID”, que indica que a peça foi brocada.

39 Essa peça também apresenta a palavra “SOLID”, só que na moldura da culatra. No mesmo local encontra-se a inscrição “B & CO”, que designa a fábrica Harrison & Co., a qual fundiu esse canhão entre 1775 e 1780 (Castro, 2001: 1).

Figura 13:

detalhe do

munhão

direito da SP-

CA-02 onde

se vê a letra

B (PFBC,

2000).

Page 61: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

61

Datação absoluta das peças

Através de algumas das especificações técnicas e das marcas dos

fabricantes é possível estabelecer as datações absolutas das peças do padrão

Armstrong.

Tabela 11

Datação absoluta das peças de artilharia

Denominação Data

SP-CA-01 1775-1792

SP-CA-02 1775-1792

SP-SS-02 1775-1780

SP-SS-05 1727-176040

SP-SS-06 1778-1786

SP-SS-07 1777-1792

SP-SS-10 1778-1786

4.2.2.3 Grupo 3

As inscrições desse grupo são bastante sucintas. O modelo Blomefield,

também chamado de 1787, era um modelo bastante sóbrio, prático e sem

detalhes decorativos, vislumbrando o que seria o posterior desenvolvimento da

artilharia. Ele foi adotado, na Inglaterra a partir de 1792, ficando em uso até por

volta de 1830 (Castro, 1994: 14-16).

As peças SP-SS-01, 03 e 08 apresentam as mesmas características: no

munhão esquerdo, uma numeração, seguida pelo nome da fábrica, que seria o

mesmo da localidade onde ela estava instalada (Carron, Escócia); finalizando,

a data que, embora apagada na peça 01, deve ser a mesma que a das outras

peças, 1825. No direito temos a inscrição “18 P” abreviação de 18 pounds, ou

seja, 18 libras, o calibre da peça (Castro, 2001: 1). Tais peças foram feitas sob

40 Esse tipo de peça de artilharia começa a ser fabrica em 1722, mas só torna-se padrão a partir de 1727.

Page 62: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

62

encomenda para o Império Brasileiro (Castro, 2000, com. pes.), e a sua

existência, em São Sebastião, será decisiva para as considerações que serão

feitas na comparação dos sistemas defensivos do litoral norte com o do sul.

Já a peça 09 é anterior às outras, apesar de ser do mesmo padrão. Foi

fundida na Inglaterra, para as forças armadas de Portugal, já sob o domínio de

João VI. Sobre as inscrições nos munhões, nada pode ser dito ainda.

Como já foi dito anteriormente, essas peças de artilharia são do padrão

Blomefield, o qual passou a equipar os vasos da marinha inglesa a partir de

1792 e as fortificações, maciçamente, a partir de 1811.

O desenho desse padrão é bastante simples, eliminando elementos

decorativos presentes em outros padrões. Traz uma importante evolução

tecnológica que consiste na adoção de um anel do vergueiro sobre o cascavel,

peça que, anteriormente, só era possível de ser incluída em canhões de bronze

(Castro, 1994: 14-16).

Os canhões do grupo 3, com exceção do 09, fundido entre 1792-1822,

foram fabricados por encomenda do Império Brasileiro em 1825, como pode ser

atestado pelas datas gravadas nos munhões. Apesar dessa discrepância de

datas, as quatro peças, em comparação às dos outros grupos, além de serem

de maior calibre eram, qualitativamente, superiores. Esses canhões foram

levados para São Sebastião e Ilhabela entre 1825, data de sua confecção, e

1827, data de um inventário local de material bélico (Almeida, 1946: 19).

Tabela 12

Canhões padrão Blomefield

Denominação

Pad

rão

Cal

ibre

(lb

)

Cal

ibre

(m

m)

Com

p. T

otal

(c

m)

Larg

ura

(cm

)

Mas

sa (

kg)

Com

p.

Fun

cion

al

(cm

)

Cal

. de

com

prim

ento

Lb b

ala/

lb

canh

ão

Dat

ação

ab

solu

ta

Dat

a de

ch

egad

a

SP-IB-02 B 18 134,42 294 67 258 19 1792-1830

1825-

1827

SP-IB-04 B 18 134,42 252 59 214 16 1792-1830

1825-

1827

SP-SS-01 B 18 134,42 292 68 258 19 1825

1825-

1827

SP-SS-03 B 18 134,42 294 68 258 19 1825

1825-

1827

Page 63: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

63

SP-SS-08 B 18 134,42 293 65 258 19 1825

1825-

1827

SP-SS-09 B 24 147,93 299 73 257 17 1792-1822

1819-

1830

4.3 Os pontos de parada militar: vigias

Cada companhia destacava seus praças em postos de parada militar, ou

seja, vigias, estabelecidas de acordo com as necessidades que a extensão da

localidade demandava. Tais postos podiam ser em locais de vista privilegiada,

registros de mercadorias, barras de rios, de mar ou quartéis. No caso do distrito

de Iguape, eram destacados militares, em 1819, para 5 postos de parada:

“Recebi o ofício de V. I.(x). de 10, em 19 do corrente, e em

observância do mesmo fiz destacar 5 soldados Milicianos para

as 5 Paradas do distrito desta Vila, para suprirem a falta dos

soldados de Linha que nelas estavam, e se recolhem nesta

ocasião ao seu Quartel, ficando o Anspeçada Lourenço do

Prado na Parada da Vila, [por] assim ser determinado pelo

Figuras 14 e 15: canhões do

padrão Blomefield de São

Sebastião. Notem-se as

linhas sóbrias contrastando

com os detalhes decorativos

do padrão Armstrong. Em

destaque temos a grande

inovação desse padrão, a

adoção do anel do vergueiro

em peças de ferro. Fotos:

PFBC, 2000.

Page 64: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

64

Ilmo. Sr. Cel. Comandante da 3a. Divisão do Centro Daniel

Pedro Müller. (...)”41

Em Iguape, esses postos ficavam situados: (1) no pontal sul da barra do

Ribeira42; (2) na vila43, e (3) no morro do Espia (Almeida, 1963: 180-184). Pode-

se especular sobre um outro posto, que seria o da vila de Icapara.

No distrito de Cananéia existiam, em 1824, 4 postos de parada (CD, doc.

1824b), mas infelizmente não temos qualquer dica de suas localizações.

Em São Sebastião e Ilhabela certamente existiram essas vigias uma vez

que esta técnica é tão antiga quanto a idéia de se defender uma localidade.

Mas o levantamento e o mapeamento delas exigiria estudos mais aprofundados

dispensáveis para este trabalho.

4.4 As defesas contra desembarques em Cananéia e Iguape

De acordo com a documentação escrita, Cananéia e Iguape possuíram

peças de artilharia, de campanha, destinadas a, principalmente, defenderem

seus portos contra desembarques indesejados.

Embora seja bastante complicado traçar com precisão a trajetória desse

tipo de arma (canhões de campanha, como o nome sugere, são bastante

móveis), entre 1803 (CD, docs. 1803a e b) e 1819 (CD, doc. 1819a) um canhão

de bronze, de campanha, calibre 3, foi transportado para Cananéia e, entre

1803 e 182844 um canhão de mesmo tipo foi levado à Iguape.

41 AMS, FM, doc. 1/009/cx. 2, 21/11/1819. 42 AMS, FM, doc. 06/002/cx.2, sem data. “Relação da 4a. Companhia de Artilharia do 1o. Regimento (?) da praça de Santos aquartelado na vila de Iguape. Capitão Francisco Duarte Castro [segue relação] Soldado Joaquim Bernardo - destacado no pontal do sul na Barra da Ribeira” [segue relação] 43 Idem. 44 Período de tempo entre os documentos 1803a e b e o documento 1828c, que informa indiretamente da existência de um canhão de campanha (embora o trecho não tenha sido transcrito para o CD). Provavelmente ele foi levado para Iguape na mesma data em que foi enviado o canhão de campanha para Cananéia.

Page 65: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

65

Sobre a peça de Iguape, sabemos que ela foi transportada para o front

da guerra dos Farrapos, de acordo com documento enviado pela câmara da

mesma localidade, em 1839, ao presidente da Província (CD, doc. 1839d). A

peça não mais foi devolvida à Iguape.

Podemos aventar a hipótese de que uma peça de sítio tenha sido

mandada para Iguape, a fim de substituir o canhão de campanha. Em ofício

datado de 1867 (CD, doc. 1867c), o presidente da Província relata ao ministro

da Guerra que o juiz de Iguape havia cogitado o envio de uma peça de ferro, de

calibre 26, para a Corte, a fim de ser refundida ou reutilizada como tal. Mas o

mais provável é que o juiz de Iguape não entendesse absolutamente nada de

artilharia45 e estivesse se referindo ao canhão de Icapara (calibre 12) que

naquela época poderia encontrar-se em Iguape.

Quanto ao canhão de campanha de Cananéia, pouco pode ser dito.

Certo é que ele não foi levado, junto com o de Iguape, para os conflitos no sul:

em 1840, por ocasião da maioridade de Pedro II, foram disparadas salvas de

artilharia tanto da fortificação da ponta da Trincheira quanto da vila (CD, doc.

1840a), o que indica que a peça ainda estava lá.

Já as defesas contra desembarques no subsistema São Sebastião/

Ilhabela eram mais bem organizadas, uma vez que as duas localidades

dispunham de fortificações junto a seus portos.

45 Este calibre, 26, parece ter desaparecido (se é que existiu!) bem antes da segunda metade do século 18, datação mínima de fundição da maior parte das peças de artilharia existentes nos dois subsistemas enfocados neste capítulo.

Figura 16: peça de campanha

montada em uma carreta de

campanha em Vila Bela da

Santíssima Trindade, Mato

Grosso, em 1906. O canhão,

obsoleto para a época, fazia

parte das baterias móveis

instaladas na margem direita

do rio Guaporé, no século 19

(Rondon, 191?).

Page 66: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

66

4.5 Os pontos fortificados do subsistema São Sebastião/ Ilhabela

4.5.1 São Sebastião: levantamento estrutural do forte de Sepitiba

Apresentamos o resultado dos levantamentos do forte de Sepitiba,

localizado na ponta da Prainha, elevação situada ao sul da praia da Cigarra. Há

que se notar que as designações se confundem. A praia hoje conhecida como

da Cigarra, no mapa do IBGE é chamada de praia do Barro. O mesmo ocorre

com o forte. Segundo o mapa acima referido, a ponta de Sepituba (outra grafia),

situa-se mais ao sul. Entretanto, podemos imaginar que, há 200 anos atrás,

toda essa península fosse designada como ponta de Sepitiba.

Essa foi uma das fortificações “provisórias” erguidas a partir de 1819

(Almeida, 1946: 11). Segundo dados do brigadeiro Müller (1978: 220), em 1837,

nesse forte, em tempos de guerra, deveriam ser destacados 8 artilheiros, o que

nos faz crer que o forte poderia ter até 4 canhões46.

Figura 18

46 Na fortificação da ponta da Trincheira, segundo o mesmo levantamento, existiam 12 artilheiros para 6 canhões. A partir desse dado deduzimos o número de canhões existentes no forte de Sepitiba.

Figuras 17 e 18 (abaixo): São

Sebastião e Ilha Bela. O

retângulo em preto delimita a

área que está sendo estudada.

Fonte (17): Atlas Rodoviário,

2000. Sem escala.

Page 67: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

67

Figura 19

Page 68: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

68

Memorial da elaboração do croqui (fig. 19)

Foram utilizadas duas técnicas de medição. Na primeira, estendemos

uma trena, a partir do ponto A (um furo na rocha, provavelmente feito para

prospecções geológicas) até o ponto que desejávamos medir e depois fizemos

o mesmo a partir de B, outro furo nas mesmas condições de A. A distância

entre A e B também foi medida. Tal técnica chama-se triangulação e é muito

utilizada na arqueologia subaquática.

A outra técnica consistiu em determinar azimutes (0, 45, 90 graus, etc.)

com uma bússola a partir do ponto A e estender a trena até a extremidade da

ruína alcançada pela visada.

De posse das medidas, elaboramos o croqui manualmente,

originalmente na escala de 1:150, que depois foi reduzido (portanto deve-se

ignorar a escala descrita no título do croqui), scaneado e trabalhado em

computador.

Abaixo poderemos ver algumas fotos dos restos da fortificação.

Figura 20: Visão das pedras

da muralha principal.

Aparentemente não há

argamassa unindo-as. PFBC,

1998.

Page 69: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

69

Figura 21: Vista da

fortificação, a partir da

estrada SP-055. PFBC,

1998.

Figura 22: Vista da

rampa, a partir do

muro principal, na

saída da trilha para a

praia. PFBC, 1998.

Figura 23: Vista da

ilha de S. Sebastião

tomada das ruínas. Na

ponta oposta encontra-

se os vestígios do forte

da ponta das Canas.

PFBC, 1998.

Page 70: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

70

Figura 24:

Perspectiva da

rampa, de baixo

para cima, em

direção ao platô.

PFBC, 1998.

Figura 25: Vista da

parte posterior da

fortificação. Ao

fundo, a SP-055.

PFBC, 1998.

Figura 26: Foto

tirada do reduto

traseiro para o

muro principal.

PFBC, 2000.

Page 71: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

71

Figura 29: O forte Alexander, em Sebastopol, Criméia. A foto de James Robertson, tirada

durante os conflitos da guerra da Criméia (1854-1856) mostra muralhas baixas de pedra

encimadas por cestos cheios de entulho, que dariam proteção à guarnição. Muito semelhante a

essa configuração deveria ser a do forte de Sepitiba e talvez a das outras fortificações da área

(Musée de l’Armée, 1993: 75).

Figura 27: Detalhe das

pedras que formam o

reduto posterior, que

vigia a praia ao sul da

ponta. PFBC, 2000.

Figura 28:

Foto tirada

do reduto

posterior

para o muro

principal.

PFBC,

2000.

Page 72: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

72

4.5.2 Ilhabela: forte de ponta das Canas

A fortificação de ponta das Canas fica na ponta rochosa de mesmo

nome, situada no extremo norte da ilha de São Sebastião, município de

Ilhabela. Não discorreremos longamente sobre ela, porque não foi possível

fazer um levantamento de campo de suas estruturas47.

Segundo Antonio P. de Almeida (1946: 11), essa fortificação foi

planejada ainda no século 18. Não se sabe ao certo qual foi o ritmo das obras

mas o mesmo autor coloca que o baluarte não foi terminado, tendo suas obras

paralisadas em, provavelmente, 1831 (p.20). No levantamento de 1837 do

brigadeiro Müller consta a existência do forte na seção que descreve os

equipamentos das localidades (1978: 88). Entretanto a fortificação não está

assinalada no “Mapa das guarnições que competem aos pontos fortificados

desta Província” (p.219-220), o que nos leva a crer que ele não tinha a menor

condição de operar.

Pelo que podemos ver através das fotos, seria ela a mais consistente da

praça, com muros sólidos de pedra e cal, emoldurando uma espessa camada

de terra batida, contrastando bastante com a fortificação da ponta de Sepitiba,

a qual não possui muralha de terra batida e seus muros foram levantados com

pedra sem aglutinante. Planos ambiciosos que não chegaram a ser

concretizados.

47 Agradecemos ao arqueólogo Plácido Cali por ter gentilmente cedido as fotos aqui utilizadas.

Page 73: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

73

Figura 30: Aspecto geral da

fortificação de ponta das Canas,

cujas obras foram paralisadas em

1831.

Figura 31: Detalhe da

obra de cantaria da

muralha da fortificação.

Figura 32:

Planta do forte

de ponta das

Canas.

Page 74: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

74

4.6 Os pontos fortificados do subsistema Cananéia/ Iguape

Figura 34: Mapa mostrando a localização dos elementos do sistema defensivo da planície

costeira Cananéia/ Iguape.

Figura 33: Vista de

Ilhabela em 1827 por

Debret. No detalhe

vemos o forte da Vila,

hoje destruído.

(São Paulo, 1995: 36).

Page 75: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

75

4.6.1 Iguape: bateria ou trincheira de Icapara

Confrontando os dados obtidos com as prospecções arqueológicas

“terrestres” e o levantamento documental escrito, chegamos à conclusão de

que o ponto fortificado de Icapara (antecâmara do porto de Iguape) consistia

em um canhão de ferro, de sítio, calibre 12, instalado em algum local de seu

porto. A seguir veremos alguns detalhes sobre essa “quase” fortificação.

A fortificação do município de Iguape foi sempre legada ao segundo

plano. A explicação para isso vem do levantamento efetuado em 1819-20 pelo

coronel Afonso Furtado de Mendonça (CD, docs. 1819b e 1820b) o qual coloca

que todo o município de Iguape era “naturalmente defensável” devido à

impossibilidade de ocorrerem desembarques na ilha Comprida. A barra de

Icapara, sem contar a do Ribeira e a do Una do Prelado, não são levadas em

consideração como pontos de penetração para a região por parecerem

inexpugnáveis ao referido militar.

Em 1821, um levantamento do então coronel Müller a respeito da

quantidade de peças de artilharia distribuídas pelo litoral paulista ressalta a

necessidade de levantar-se a fortificação planejada para Cananéia (CD, doc.

1821), mas em momento algum fala da importância de guarnecer-se a barra

oposta.

De qualquer forma, em 1822, é enviada à Iguape, na mesma

embarcação que transportava as peças para Cananéia, uma peça de artilharia,

calibre 12, que ficaria assentada próxima à barra do Icapara, (figura 34).

Entretanto, nenhum documento indica que esta peça jamais tenha tido um

reparo, impossibilitando-a de funcionar.

Um ofício de 1823, informa-nos da ida de um carpinteiro do arsenal de

Santos à Cananéia para montar a artilharia lá existente (CD, doc. 1823b). Em

nenhum momento cita a necessidade dele ir à Iguape.

Em 1828, quando houve grandes esforços para fazer funcionar a

trincheira da barra de Cananéia, em apenas um momento é mencionada a

necessidade de se fazer funcionar o canhão da barra de Icapara. A referida

peça é citada por ocasião do roubo de uma embarcação carregada de arroz,

ancorada entre Iguape e Icapara e da frustrada – devido ao naufrágio, por

encalhe, de uma das embarcações inimigas - invasão de corsários platinos. Um

Page 76: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

76

ofício do presidente de São Paulo para o ministro da guerra, datado de 1828

(CD, doc. 1828d), além de pedir a efetiva construção de uma trincheira para a

acomodação do canhão, pede que um destacamento com um oficial inferior e

oito soldados de primeira linha sejam mandados para Iguape e Cananéia.

Entretanto, esse destacamento é enviado apenas para Cananéia (CD, doc.

1828e).

A questão da fortificação de Iguape fica em suspenso até a invasão de

Laguna, SC, em 1839. A partir dessa data temos outras notícias da peça de

Icapara.

Em ofício datado de 1839 (CD, doc. 1839c), o delegado de Santos instrui

que sejam postas em operação as baterias de Cananéia e de Iguape. Um

documento da câmara municipal de Iguape ao presidente da Província, de

novembro de 1839, informa que a peça de campanha da vila havia sido enviada

para o front meridional e que a peça de Icapara estava “descavalgada”, ou seja,

sem reparo (CD, doc. 1839d).

Se o canhão de Icapara ficou em condições de funcionar, em 1839, nada

podemos dizer. Fato é que uma fortificação, na barra do Icapara, no século 19,

nunca existiu, afirmação esta reforçada por ofício enviado pela câmara de

Iguape ao ministério da Marinha (CD, doc. 1854), o qual afirma que o governo

imperial, naquele momento, não poderia satisfazer a demanda dos habitantes

de Iguape pela sinalização da barra de Icapara e pela construção uma “atalaia”

na referida barra.

Onde ficava o canhão? Existiria alguma evidência material do

funcionamento da peça? Teria o canhão permanecido na vila?

Tentando sanar essas e outras dúvidas, fomos atrás dos vestígios

arqueológicos.

Não foram localizados quaisquer restos de estrutura no alto do morro do

Bacharel, local onde existia uma vigia e onde imaginávamos que poderia ter

sido colocado o canhão, devido ao excelente campo de tiro proporcionado pela

elevação. Entretanto, encontrava-se instalado, bem no cume do morro, um farol

da Marinha.

Aventamos então a hipótese de que ou a fortificação tinha sido destruída

pela edificação do farol ou que ela nunca poderia ter sido instalada no alto do

morro.

Page 77: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

77

Chega-se ao cume do morro do Bacharel através de uma trilha que sai

da estrada que leva ao bairro pontal de Icapara. São poucos minutos de subida

razoavelmente íngreme, se levarmos apenas o peso do corpo. Imaginemos,

então, carregar uma peça de 2,5m de comprimento e 1500 kg de massa,

aproximadamente. Seriam necessários dias, imensa quantidade de

trabalhadores e grande soma de dinheiro48. E tudo isso para que? Para ela

permanecer sem reparo e incapaz de funcionar por dezenas de anos? A

hipótese da trincheira no alto do morro não tinha sustentação.

A partir desse e de outros fatos49 pudemos propor que o canhão estaria

no mesmo local onde foi desembarcado em 1822 (CD, doc. 1822), nos

48 O documento de 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc. 10) afirma que, para serem transportados os canhões da fortificação da barra de Cananéia por 70 ou 90m, do barranco do pontal até o paiol, um percurso pouco ou nada íngreme, seriam necessários de 30 a 40 mil réis. O ofício de 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc. 78) diz que o serviço ainda não havia sido feito e que custaria de 40 a 50 mil réis. Imaginemos, então, o que não seria transportar um canhão, por centenas de metros, em uma picada de 70m de desnível. 49 Durante as prospecções de março de 2001 localizamos antigos informantes, moradores do bairro pontal de Icapara ou Pontalzinho, situado no sopé do morro do Bacharel, que já haviam fornecido depoimentos, colhidos em 1992 pela prof ª. Scatamacchia, sobre a existência de um “canhão e um fuzil”. A história contada é que um certo “cabo Melo” sabia da localização dos artefatos bélicos em questão. Entretanto, esse cabo já havia morrido há muitos anos, e havia contado as histórias ao pai dos informantes, o qual também já havia falecido há alguns anos. Os informantes, em verdade, nunca puderam confirmar essas histórias, pois nunca haviam localizado as peças, apesar de terem morado, por toda a vida, próximo ao local de onde estaria o canhão. Os habitantes mais antigos da vila de Icapara nem sequer conheciam a história. Na história contada pelo cabo, o canhão e o fuzil poderiam estar em uma fenda na rocha, próximo a uma bica, no pé do morro do Bacharel. Entretanto, ainda segundo um dos informantes que já havia descido fenda abaixo, nada havia sido encontrado. Outro fato que

Figura 35: O farol do

morro do Bacharel, na

vila de Icapara,

município de Iguape.

PFBC, 2000.

Page 78: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

78

arredores do porto de Icapara. Sem reparo, sua locomoção, mesmo no plano,

seria muito difícil, e ele teria lá ficado a espera de uma carreta. Entretanto,

existem dois problemas. O primeiro refere-se à localização do porto de Icapara;

o segundo, ao possível transporte da peça para a cidade de Iguape.

É impossível, levando em conta o conhecimento arqueológico disponível,

localizar o porto de 1822, porque toda a vila é um porto – não existe um ponto

específico. A vila é uma localidade de pescadores que, até 30 anos atrás,

construíam suas casas na beira do mar Pequeno para encostarem suas

embarcações de fronte a elas. Dessa forma todas as ruas, caminhos ou

picadas que desembocam no mar são, até hoje, conhecidas como “porto de

Elói”, “porto de João”, etc. Soma-se isso à dinâmica marinha do local. O canal

do mar Pequeno, assim como a barra de Cananéia ou a de Icapara, é

meandrante. Na toca do Bugio, por exemplo, temos um sítio arqueológico que

em parte está submerso devido à erosão das margens do canal (Rambelli,

1998). Já no Pontal de Icapara, temos uma área que vem sendo assoreada

gradativamente. Segundo informações dos moradores, na década de 1960, o

bairro ainda era banhado pelo mar. A dinâmica da vila de Icapara, numa rápida

análise, parece seguir à do Pontalzinho, tendo o mar distanciado das casas

mais antigas gradativamente. Sendo assim, seria necessário localizar primeiro

as linhas de costa do início e de meados do século 19, para depois tentarmos

localizar os ancoradouros e áreas de desembarque do mesmo período, tarefa

para uma tese de doutorado.

Mesmo se tudo isso fosse feito, ainda restaria um problema: a

possibilidade do canhão ter sido removido da vila.

Todos em Iguape conhecem a história do canhão, o qual foi explodido

durante as comemorações do quarto centenário da cidade, em 1938. Segundo

a história, pedaços da peça foram atirados há centenas de metros de distância

(Cananéia, Iguape e Iporanga, 1981/82: 112). Isso só seria possível se a peça

fosse de ferro, pois somente a artilharia feita com esse material estilhaça

(peças de bronze, por exemplo, racham-se).

Em 1822 existiam 2 dois canhões em Iguape: um, de campanha, de

bronze, com pequeno calibre, trazido nos primeiros anos do século 19, ficava

impossibilitava a colocação da peça de artilharia naquele lugar era a extrema estreiteza da fenda.

Page 79: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

79

guardado no quartel da milícia; o outro, uma peça de sítio, calibre 12,

confeccionada em ferro, deveria estar assentada em Icapara. O primeiro foi

levado de Iguape durante a guerra dos Farrapos e nunca foi devolvido. Já o

segundo permaneceu na região, mesmo durante a guerra do Paraguai, pois era

inútil para a refundição e pesado demais para ser transportado nos campos de

batalha. O que podemos supor é que, assim como alguns canhões foram

retirados da barra de Cananéia e levados para a cidade de Cananéia, antes de

1897 (Almeida, 1962: 194) o canhão de Icapara pode ter sido levado para a

cidade de Iguape, servindo também como monumento. E, tal como em

Cananéia, podem, alguns eufóricos habitantes, ter explodido a peça, fazendo

desaparecer, assim, qualquer vestígio material que hoje possa ser estudado.

Figura 36: Foto

aérea da barra

de Icapara e do

Ribeira. O ponto

vermelho

assinala o morro

do Bacharel e o

ponto amarelo

marca o centro

da vila de

Icapara.

Levantamento

feito pela CESP,

1981. Escala 1:

100.000.

Page 80: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

80

Capítulo 3

Cananéia: fortificação da ponta da Trincheira, um estudo de caso

Apesar do subsistema defensivo oitocentista da planície costeira

Cananéia/ Iguape ser constituído por diversas formas de defesa integradas (9

vigias nos dois municípios, 2 canhões de campanha nos principais portos, 1

fortificação na barra de Cananéia e 1 “quase” fortificação em Icapara), vamos

nos deter na fortificação da ponta da Trincheira. Em primeiro lugar porque ela

foi a única que deixou vestígios e em segundo lugar porque existe farta

documentação escrita sobre ela, permitindo conjugar várias informações para a

construção de um conhecimento mais detalhado sobre a região.

Começamos com a apresentação de um quadro histórico voltado para a

compreensão dos caminhos que demandavam a região (como objetivo final e

como passagem) e de como os poderes centrais estabelecem o controle (ou

não) da região.

Na seqüência apresentamos uma “escavação virtual”: a partir da

documentação escrita (transcrita para o Corpus documental, anexo 1)

compomos um quadro de distribuição espacial das construções e da evolução

das modificações ambientais.

Depois continuamos com a apresentação de um pequeno panorama

geomorfológico, incluindo aí os fatores que determinaram as modificações da

ponta da Trincheira, vistos através da oceanografia.

Mais à frente apresentamos as pesquisas geofísicas e as subaquáticas,

conjugação inédita na arqueologia brasileira.

Finalmente mostramos algumas das possibilidades para usos e

escavações futuras do sítio.

1 Antecedentes históricos da implantação do subsistema defensivo da

planície costeira Cananéia/ Iguape: uma longa digressão

Page 81: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

81

Para compreender os outros usos das fortificações da planície costeira

Cananéia/ Iguape há que se examinar o processo histórico de formação da

região através dos padrões de ocupação dela, que são determinados pelas

rotas de comércio marítimas e fluviais desde os primórdios da ocupação

européia (sem falar nas ocupações bem anteriores aos europeus, as

sambaquieiras, desenvolvidas na interface entre a terra firme e as águas). Esse

fato parece banal mas geralmente é esquecido pelas pessoas (e mesmo pelos

pesquisadores), uma vez que todos perdemos de vista a influência dos

transportes marítimos e fluviais no passado, em parte porque, em nossas vidas,

eles são diretamente pouco importantes.

1.2 Primórdios (1500-1640)

O senso comum coloca a elevação de São Vicente à condição de vila,

em 1532, como o marco do início da colonização do litoral de S. Paulo.

Entretanto, esse é apenas o momento em que Portugal resolve assumir a

posse de suas terras americanas mais austrais, impulsionando a ocupação

através do estabelecimento de engenhos de cana-de-açúcar com capital

privado.

A descrição do cosmógrafo da esquadra de Caboto, Alonso de Santa

Cruz, fornece uma interessante descrição de S. Vicente, em 1526, portanto,

seis anos antes da elevação da povoação à vila:

“Têm os portugueses dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus

telhados e uma torre para a defesa contra os índios em caso de necessidade”

(Prado Jr., 1966: 142).

Como podemos perceber já havia uma ocupação sistemática do lugar

antes da ereção do povoado à vila. O que Martim Afonso de Sousa faz é

apenas tomar posse de um povoado situado em terras que, pelo tratado de

Tordesilhas, eram definitivamente da Coroa. Antes disso a localidade era mais

um porto de passagem, constituído por degredados, náufragos, marinheiros,

fugitivos e alguns poucos colonos. Além das atividades agrícolas e da interação

Page 82: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

82

com o indígena, viviam do fornecimento de serviços aos viajantes50. Muito

semelhante à ocupação de S. Vicente deveria ser a ocupação de Cananéia e

Iguape.

Tais observações permitem que se avente a hipótese de que essas

localidades constituíam portos de passagem, uma espécie de porto de

comércio51 inserido na lógica capitalista mercantilista, onde seus habitantes

mantinham-se pela prestação de serviços aos aventureiros que iam em busca

das mercadorias preciosas da época. Tais localidades não tinham mercados

organizados, mas possuíam ancoradouros seguros. E, principalmente, estavam

à margem de duas potências da época.

Em 1531, Martim Afonso de Sousa desprezou o povoado de Cananéia

para a elevação da primeira vila do Brasil, em parte por existir grande número

de castelhanos, preferindo instalar-se em área eminentemente de Portugal

50 A localidade conhecida como “porto das Naus”, situada no município de Praia Grande, é tida como um local onde as embarcações, no início da colonização, eram reparadas. 51 Segundo K. Polanyi (1963) - em ensaio que procura sintetizar os vários aspectos dos portos de comércio-, apesar deles terem existido em praticamente todos os continentes e em diferentes épocas, fato este que inviabiliza a definição de um conceito rígido de sua essência, pode-se dizer que sua criação precede o estabelecimento de mercados internacionais competitivos. Teriam eles surgido como instrumentos de “Estados insipientes” para proporcionar a segurança dos mercadores e das cargas, sujeitos, ao longo dos percursos, à pirataria e aos saques, modo de vida aceito e amplamente praticado. Inseridos em realidades onde o poder governamental sobrepunha-se ao poder econômico, as negociações realizadas em seus recintos eram baseadas em preços fixos, evitando-se assim as transações competitivas e reforçando o caráter neutro da localidade. Os habitantes locais, em contrapartida, provinham os portos de serviços e de instrumentos para a negociação, fazendo dessas atividades, e do recolhimento de taxas, as fontes de renda dessas localidades.

Figura 1: Mapa de autoria de

João Teixeira Albernaz, o

moço, 1627-1675, denominado

“Demonstração da baía de

Paranaguá e da barra de

Cananéia” (Mapa, 1993: 287).

Vemos na figura só o detalhe

da região de Cananéia.

Page 83: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

83

(Prado Jr., 1966: 139-146). Isso indica que a localidade em questão estava em

situação ambiental (bons ancoradouros, terras para cultivo, fontes de água)

muito semelhante à de S. Vicente. Outro fator que pode ter levado o navegador

a ignorá-la era a existência de um potentado local, o chamado Bacharel de

Cananéia. Em relatos de cronistas do século 16 ele aparece como uma figura

muito influente a qual todos tinham que recorrer se quisessem prosseguir com

seus intuitos. Pode ter parecido a Martim Afonso que o confronto entre os

interesses da metrópole, seus interesses e os do Bacharel não levaria a nada.

Dessa forma, S. Vicente, a partir daquele momento, começaria a perder seu

caráter de porto de passagem, pois seria ela incluída em uma dinâmica de

mercado, produzindo açúcar e servindo como entreposto comercial, onde

mercadorias européias seriam trocadas pela prata andina.

Parecia, àquela época, que o destino das duas localidades do Ribeira

seria parecido, só que sob o domínio espanhol, apesar das tentativas dos

colonos vicentinos de tomar a região, provocando as escaramuças com Rui

Mosquera, por volta de 1535. Em 1541, o governador do Paraguai, o

castelhano Cabeza de Vaca, toma posse da povoação quando da sua

passagem para Assunção (Prado Jr., 1966: 139-146).

Visando consolidar o domínio da rota que tentava ligar o Peru ao

Atlântico, em 1547 é concedida uma capitulação a dom Juan de Sanábria para

estabelecer povoações na região de São Francisco (SC) e outra na foz do Rio

da Prata, o que não foi realizado. Mas, no ano de 1557 é concedida nova

capitulação, a qual exigia que Jaime de Rasquin fundasse quatro entrepostos:

um em São Francisco (SC), outro na região conhecida como Patos (RS), outra

na ilha de São Gabriel (estuário do Prata) e a última em Espírito Santo

(Canabrava, 1984: 52-53).

Entretanto é só a partir da união das coroas portuguesa e espanhola, em

1580 que os espanhóis vêem à oportunidade de colocar o litoral sul

definitivamente sob o seu domínio, cessando a justificativa para qualquer tipo

de disputa. Essa parte do litoral era bastante ocupada por súditos de vários

reinos europeus, o que reforça a hipótese de haver um baixo controle, tanto

lusitano, quanto espanhol, no litoral sul paulista (Stella, 2000: 81-109).

Como já foi dito, a ocupação do litoral sul paulista, em meados do século

16, não era decorrente de um só reino. A presença luso-brasileira também é

Page 84: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

84

bastante sentida porque o sul paulista, além de ser uma região em litígio entre

duas metrópoles européias, era uma zona de expansão para o apresamento de

mão de obra escrava indígena, necessária nos engenhos distribuídos pelo

litoral da Capitania de São Vicente. As tribos Carijós e Guaranis, habitantes do

sul do Brasil, incluso o litoral (IBGE, 1987), foram largamente escravizadas

(Monteiro, 1994: 68), uma vez que a preação no litoral norte mostrava-se

inviável, pois ele era ocupado por tribos Tamoios, nação de difícil captura

(Monteiro, 1994: 37). Outro fator que impulsionava a colonização da região

eram as possibilidades de lucrar com o contrabando de prata das minas de

Potosí (Canabrava, 1984).

É só a partir de fins do século 16, que as vilas de Cananéia e Iguape,

passam a envolver-se com a exploração aurífera do vale do Ribeira,

principalmente no processo de distribuição da mercadoria e de regulação dos

acessos para o sertão: Cananéia aproveitava-se do fluxo de embarcações, o

que favoreceu o desenvolvimento de atividades voltadas para a confecção de

embarcações e o reparo das mesmas (Almeida, 1965: 465-470); em Iguape

(juntamente com Icapara), povoação mais próxima da foz do Ribeira, uma das

principais rotas de penetração e escoamento da produção aurífera - cujo início

está ainda nas décadas de 1570/ 1580 (Smelian et al., 1995: 59) -, montou-se

uma das primeiras fundições de ouro do Brasil52, em meados do século 17

(Demartini, 1997: 30). Dessa forma, a região passou a figurar, por um tempo,

como uma região prioritária dentro da exploração colonial, a qual se renovara,

junto com a política externa portuguesa, após a Restauração (1640), quando foi

reafirmada a tendência, desencadeada desde o século 15, de investir na

porção Atlântica de seus domínios (Barata, 2000: 105-126).

É importante ressaltar que os imigrantes espanhóis, os quais vieram em

quantidades consideráveis para o Brasil, a partir da união entre as duas coroas,

não foram expulsos e nem tampouco formaram guetos isolados dos luso-

brasileiros. Eles acabaram misturando-se com os outros contingentes

populacionais formando a base da sociedade atual (Stella, 2000: 81-109). Tal

característica elimina a idéia da formação de uma sociedade composta, no que

tange o elemento europeu, exclusivamente por súditos portugueses. 52 Apesar de não se ter a data exata de abertura dessa fundição, pode-se dar como referência a de Paranaguá, a qual foi montada em 1649 (Smelian et al., 1995).

Page 85: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

85

1.3 O domínio físico da fronteira marítima centro-meridional (1640-1808)

A partir de fins do século 17 há um deslocamento do eixo de interesses

da metrópole lusitana em sua maior colônia. Com a separação das Coroas de

Portugal e Espanha, surge a necessidade de delimitar os territórios de uma e

de outra na América (Prado Jr., 1966: 149). Somando-se a isso, vem a queda

da lucratividade da produção canavieira do nordeste, na segunda metade do

século 17, e a descoberta de grandes minas de ouro e diamante nas Gerais, a

partir de 1680, e no centro-oeste, em 1718, o que faz com que as atenções da

metrópole voltem-se para o centro-sul de sua possessão americana, região de

convergência da produção aurífera. Novas estradas começam a ser abertas53,

melhorias nos caminhos são feitas, casas de fundição são estabelecidas54 e

fortificações são construídas55 sendo que o ápice desse plano de estruturação

é o deslocamento da capital do Vice-Reino do Brasil de Salvador para o Rio de

Janeiro, em 1763 (Smelian et al., 1995).

Mas, entre 1750-1760, a produção aurífera começava a dar mostras de

diminuição (Zemella, 1990: 232), o que levou a metrópole a planejar outras

formas de obter ganhos de sua maior colônia.

Uma das alternativas era incrementar a exploração do comércio do rio da

Prata, área muito promissora mas bastante instável. A colônia de Sacramento,

fundada em 1680, constantemente mudava de domínio: ora era portuguesa, ora

espanhola.

Dessa forma, para garantir o domínio português do comércio, havia que

se garantir as fronteiras, ainda mal consolidadas, através da colonização e do

estabelecimento de forças militares que dispusessem de todo o auxílio

possível, com a criação de uma rota de suprimentos e de postos de produção e 53 Rio de Janeiro - S. Paulo (1725), Cuiabá - S. Paulo (1726), S. Paulo - Rio Grande (1727), Cuiabá - Goiás (1736), dos campos de Curitiba ao rio da Prata (1738) (Smelian et al., 1995). 54 Em S. Paulo (1686-1703, 1752, 1765), Taubaté (1695), Santos e Parati (1703), as de MG (funcionando a partir de 1725), Vila Boa de Goiás (1752) (Smelian et al., 1995). 55 Do Calabouço, 1696; da ilha das Cobras e do morro de S. Bento, 1711, no Rio de Janeiro; de S. João e Sto. Inácio, 1726; de N. S. do Monte Santo, 1730, no Espírito Santo; de Sto. Amaro, 1735; do Rio Grande de S. Pedro, 1737, no Rio Grande do Sul; início da fortificação da ilha de Sta. Catarina, 1739, atual Estado de Sta. Catarina; da Estacada, 1743, em Santos (SP) (Smelian et al., 1995).

Page 86: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

86

distribuição dos mesmos que interligasse o centro-sul ao sul do Brasil (Bellotto,

1978).

É a partir de então que o estímulo à ocupação do sul ganha impulso. Em

1738 é criada a Capitania da Ilha de Sta. Catarina, onde são fundadas diversas

fortificações pelo brigadeiro José da Silva Paes. Mas como, segundo o

brigadeiro “fortalezas sem gente são como corpo sem alma”, a partir de 1748

começam a chegar os casais açorianos e madeirenses que iriam povoar o

litoral de SC e RS (Piazza, 1992: 45-51).

Qual foi, pois, o papel da Capitania de São Paulo na consolidação das

fronteiras meridionais do Brasil que, até 1737, tinha como povoação mais

austral a vila de Laguna?

Segundo Heloisa L. Bellotto (1978), é dentro desse contexto geral de

defesa do sul e de busca de alternativas para a reativação econômica do

sistema colonial que é restaurada, em 1764, a autonomia da Capitania de São

Paulo (retirada em 1751). Juntamente com a do Rio de Janeiro, propiciaria

recursos para o abastecimento das tropas no sul. Além disso, era ela vista como

um terreno selvagem, passível de ser cultivado e domesticado. Para a tarefa do

restabelecimento de São Paulo foi escolhido, em 1764, o fidalgo dom Luís

Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, que permaneceu no

cargo até 1775. Apesar de não ter conseguido realizar todas as tarefas

pretendidas, suas decisões alicerçaram o desenvolvimento da Capitania por

muitos anos.

A fim de lograr êxito em suas tarefas, o Morgado de Mateus tomou uma

série de medidas, tais como a melhoria de antigas e a criação de novas

povoações, além do incentivo à lavoura, para garantir a fixação da errante

população em locais determinados, facilitando o controle e o alistamento,

garantindo assim provisões para as lutas do sul. As novas povoações foram

estabelecidas ao redor de rotas de deslocamento para o sul, tanto no interior

(Lajes, hoje SC, por exemplo) como no litoral (Sabaúma, SP e Guaratuba, hoje

PR, por exemplo). Da mesma forma que foram criadas novas povoações ao

redor dessas rotas, as antigas, nelas também situadas, foram alvo de atenção.

É dentro desse contexto que se inserem Cananéia e Iguape.

Page 87: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

87

Com o desinteresse estatal pela produção aurífera do vale do Ribeira, na

primeira metade do século 1856, suas vilas assumem novamente um papel

secundário dentro da lógica da exploração colonial. No entanto, algumas

décadas mais tarde, elas passariam a representar, para D. Luís Antonio e para

a metrópole, elos fundamentais na corrente que atrelaria o extremo sul ao

centro-sul. Essas vilas, com seus bons ancoradouros, vastas planícies

alagadiças (onde o arroz poderia ser cultivado em grande escala) e indústrias

voltadas para a construção e reparo de embarcações, poderiam garantir o

abastecimento de gêneros para os colonos e as campanhas do sul, além de

serem bons pontos de entrada para a serra de Paranapiacaba, rica em

minérios57. É dessa maneira que as duas vilas assumem um papel relevante

dentro de um sistema colonial, e é nesse ponto que se chega à questão do

conflito do modo de vida das localidades com os interesses de Portugal.

Figura 2: “Prospeto de Cananea da pte. do porto”. José Custódio de Sá e Faria, 1776 (Reis,

2000: 204)

Tem-se, em fins do século 18, uma região que por quase três séculos

estivera distante do controle lusitano, e que, a partir daquele momento, teria

que ser enquadrada na nova lógica da exploração colonial, o que restringiria as

possibilidades de negócios para seus moradores, acostumados a comerciar

com quem quer que passasse pela região. Tal processo revelou-se longo e só

foi completado em meados do século 19.

Paradoxalmente, a metrópole portuguesa continuou necessitando da

vocação de ponto de apoio de Cananéia e Iguape, uma vez que a conquista 56 Em 1738 ainda funcionava a casa de fundição em Iguape (Young, 1905: 182-184), mas em 1750 já não há mais notícias de sua operação, pois os mineiros eram obrigados a se deslocar à cidade de São Paulo ou à do Rio de Janeiro para fundir o ouro (Bellotto, 1978). 57 ANRJ, Fundos dos Ministérios – da Guerra, IG1 149, 1824-1825, 21/03/1825. O ofício menciona a abertura do Valo Grande. Um dos propósitos de sua construção seria o transporte de peças grandes fundidas na fábrica de ferro de Ipanema.

Page 88: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

88

definitiva do sul dependia do estabelecimento de rotas que pudessem

abastecer tropas e colonos. Fortalecidas com o aumento do fluxo comercial,

tais rotas favoreciam o domínio português, mas, ao mesmo tempo, abriam

novas frentes para os negociantes das localidades em questão, dando novo

alento às características do modo de vida da sociedade do litoral sul da

Capitania de S. Paulo.

Do ponto de vista defensivo, o plano de restabelecimento da Capitania

envolvia também a sua militarização, não só com o recrutamento compulsório,

mas também com a reforma de fortificações deterioradas – forte de São João

da Bertioga (Bastos et al., 1998; Bava de Camargo, 1998), por exemplo -, bem

como a construção de novas - fortaleza da barra de Paranaguá (Bellotto, 1978:

114).

Na planície costeira Cananéia/ Iguape, apesar de defesas costeiras

serem pleiteadas desde o início do século 18 (Young, 1904: 342-343), é só no

governo do Morgado que se planeja a construção de uma fortificação58. Mas,

como muito da obra do Morgado de Mateus e do Marquês de Pombal, o plano

de fortificação foi abandonado e só foi retomado anos depois, na década de

1820, nos últimos anos do domínio português.

1.4 O fim do Absolutismo: a “nova Corte” lusitana, o Primeiro Império e a

Regência

O sistema defensivo paulista foi estabelecido num momento bastante

peculiar. Desde 1808, não apenas o eixo do sistema colonial estava situado no

centro-sul. Todo o staff da metrópole havia se transferido para o centro-sul da

América portuguesa, na tentativa de fazer consolidar “um império no Brasil, que

deveria servir de baluarte do absolutismo” (Silva Dias, 1972: 169). No entanto,

a tradicional ameaça espanhola e a nova ameaça republicana platina faziam-se

presentes, servindo de justificativa para o estabelecimento de uma rede de

58 Na ponta do Itacuruçá (Almeida, 1962: 198), na Ilha do Cardoso, defronte à ilha do Bom Abrigo, ancoradouro obrigatório para as embarcações que demandavam a difícil barra de Cananéia.

Page 89: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

89

fortificações que salvaguardasse o novo centro do Império Português. Mas

seriam os castelhanos um problema maior do que já representavam?

Se a ameaça espanhola/ platina esteve presente desde o século 16,

porque só no início do século 19, quando a Coroa portuguesa tentava

fortemente manter uma velha ordem social que sustentava o Brasil em seu

poder, é que foi implantado o sistema defensivo dessa região?

Segundo Maria Odila S. Dias (1972: 169-170), “a insegurança das

tensões internas, sociais, raciais, da fragmentação, dos regionalismos” fizeram

com que os estratos das classes dominantes, embora opositores no que tange

as preferências pelo direcionamento político-econômico (liberal ou

conservador), buscassem o abrigo na idéia de uma monarquia forte ligada a

Portugal, pois não havia condições do aparecimento de uma sociedade nacional

brasileira. Uma das formas de proteção desses estratos privilegiados era o

investimento em “aparelhamento policial e militar”, muitas vezes sob o pretexto

de garantir a segurança desses estratos dominantes frente à imensa massa de

despossuídos e escravos ou de defesa da “infiltração de idéias jacobinas pela

América espanhola”. E essas justificativas não cessam com a Independência,

uma vez que ela não produziu - e nem poderia -, de imediato, uma nova e

consolidada nação. É só a partir da Regência (1831-1840) que vemos o quadro

mudar, sendo que é só a partir do Ministério da Conciliação (1853-1856) que

podemos afirmar que o Brasil ganha corpo e alma.

Figura 3: Cananéia

em 1815 (Reis, 2000:

204).

Page 90: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

90

Os regentes e a intelectualidade luso-brasileira, influenciados pelas

idéias liberais pós-revoluções norte-americana e francesa, que só agora

encontravam calor para “levantar fervura”, acreditavam que os meios mais

eficazes para a manutenção da ordem interna da jovem nação eram os meios

de coerção civis e não os militares (Castro, 1979). O controle bélico das

fortificações da herança absolutista colonial, da força física material, cedia

espaço à eficácia legislativa do novo funcionalismo genuinamente brasileiro,

encabeçado pela Assembléia Provincial que, a partir de 1834 (Castro, 1979),

passou a subordinar as câmaras municipais, antes detentoras de grande poder.

A título de exemplificação, o Morgado de Mateus, em seu governo,

freqüentemente desobedeceu a ordens da metrópole porque ele sabia que elas

iriam conflitar diretamente com os interesses das câmaras. E, sem o apoio

delas, seria praticamente impossível realizar qualquer tarefa.

2 Do melhor local para a instalação da fortificação da barra

Pode ser inusitado uma fortificação ser construída em um terreno tão

instável e friável quanto o arenoso, numa região onde abundam terrenos

rochosos e firmes. Mas a razão da escolha do local onde a fortificação da barra

de Cananéia foi levantada não passa só pela procura do terreno ideal.

Já em 1767 cogitava-se a construção de uma fortificação na ponta do

Itacuruça (CD, doc. 1767). Esse pontal rochoso, bastante sólido, apresenta

outra característica: está bem em frente à ilha do Bom Abrigo, excelente

ancoradouro para quem demanda a barra de Cananéia (fig. 4). Em 1809 (CD,

doc. 1809) volta-se a cogitar a elevação de uma estrutura defensiva mas, como

no século anterior, a idéia não se concretiza.

Três razões podem ter contribuído para o fato: a relativamente grande

distância que separa a ponta da vila, o perigo de se atravessar a barra e a

possibilidade dos atacantes evitarem a ilha do Bom Abrigo.

O documento 1803a mostra que houve alguma movimentação para o

estabelecimento de uma trincheira no morro de S. João, pouco ao sul da vila de

Cananéia (fig. 4). Chegou-se a ordenar que duas peças fossem enviadas para

Cananéia (CD, doc. 1803b). Mas, segundo um mapa de 1815 (fig. 4), parece

Page 91: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

91

que essa idéia de se construir uma fortificação morro acima não foi levada a

cabo, porque nada consta na carta. O que provavelmente aconteceu é que uma

das peças tenha sido enviada para Cananéia (CD, doc. 1819a) e outra para

Iguape. Uma vez que essas peças seguramente eram de campanha, menores

e mais leves, optou-se por mantê-las nas guarnições das vilas para diferentes

propósitos.

Uma outra possibilidade, aventada em 1838, quando discutia-se o que

fazer com os canhões da trincheira, era a de trazer a dita artilharia para a vila

Figura 4: Mapa

indicando os locais

onde foi cogitada a

instalação de

fortificações e onde foi

efetivamente instalada

a fortificação da barra

de Cananéia

(elaborada sobre carta

Cananéia, 1:50.000 do

Ministério do Exército,

1983).

Page 92: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

92

para que assim fossem evitados desembarques indesejados (CD, doc. 1838d).

Essa seria uma solução bastante racional e realista, mas não foi levada em

consideração (fig. 4).

Figura 5: vista da ponta da Trincheira, a partir do canal da barra de Cananéia. Foto: F. Calippo

(2000).

Figura 6: vista dos morrotes do Perequê, na ilha do Cardoso, tirada da baía de Trapandé. Foto:

F. Calippo (2002).

Page 93: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

93

3 Uma outra bateria?

Os documentos 1819b e 1820a dão a impressão de que já havia outra

fortificação em Cananéia: o primeiro alega que a “bateria que defende a barra”

necessitava de oficial que soubesse manejar artilharia; e o segundo pede

bandeiras para as fortalezas de Paranaguá e de Cananéia. Mas, em verdade,

eles estão considerando a única peça de campanha para lá transportada após

o ano de 1803 (CD, doc. 1803b) como uma fortificação ou ao menos como uma

bateria. Ou podemos considerar uma alternativa mais prosaica: que, pelo

menos o autor do ofício 1820a estivesse equivocado porque mal informado.

4 A construção: 1822-1825

As primeiras idéias para a construção da fortificação no pontal do Norte

da barra de Cananéia, hoje chamado de pontal da Trincheira vieram da

inspeção do litoral paulista feita pelo coronel Afonso Furtado de Mendonça no

ano de 1819 (CD, docs. 1819b e 1820b). Segundo os documentos que se

seguem no Corpus Documental, foram tomadas enérgicas atitudes para a

imediata construção da fortificação. Entretanto, foi só a partir de 1822, com a

chegada da artilharia à vila que podemos considerar o início da construção,

apesar de só ter efetivamente progredido com a chegada do tenente Antonio

Mariano dos Santos, em 1824 (CD, doc. 1824b). Só em 1825, sob sua

supervisão, é que ficaria pronta a primeira edificação da fortificação da barra de

Cananéia (CD, doc. 1825 e fig. 4).

E por que instalar a fortificação lá, em um local sujeito à erosão marinha?

A primeira resposta é bastante simples: porque era um local estratégico. Todas

as embarcações que demandassem Cananéia ou Iguape (a menos que

quisessem arriscar-se pela perigosíssima barra de Icapara) teriam que passar

em frente ao pontal (fig. 4).

Até hoje os barcos, mesmo motorizados, passam bastante próximos à

ponta da Trincheira, pois é o trajeto mais curto para atingir-se Cananéia, além

de ser uma área onde não há arrebentação. No tempo da navegação à vela, as

embarcações também eram obrigadas a passar rentes ao pontal, devido às

Page 94: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

94

maiores profundidades. Isso as deixava ainda mais sujeitas aos canhões da

fortificação.

5 Reformas e possível reedificação

5.1 Reforma de 1828

No documento 1828a consta que, em 10 dias, foram erguidos um

rancho59 para acomodar o destacamento que iria operar na fortificação, por

ocasião da guerra da Cisplatina, e uma outra edificação menor, para servir de

paiol. As obras foram executadas em madeira e palha e, segundo o documento

1828e, três meses e meio após a edificação do rancho, a palha que recobria o

mesmo já não mais estava íntegra. O mesmo documento coloca ainda que o

rancho era todo aberto, e que não oferecia proteção alguma contra as

intempéries. Todas as construções haviam sido erguidas aos pés das peças, o

que contrasta bastante com a estratégia da reforma de 1834-35.

5.2 Reforma de 1834-35

Nessa reforma foi edificado um telheiro, de pilares de pedra e cal, para

acomodar as peças de artilharia, que haviam sido pintadas, tapadas e

brocadas, a fim de que se mantivessem protegidas (CD, docs. 1834, 1835 e

1836a). A instalação do telheiro60 deu-se entre 30 e 40 braças (entre 66 e 88

metros) do barranco onde estavam as peças (CD, doc. 1838c). Somando-se

este último dado à evidência de que as peças estavam a ponto de cair do

barranco, podemos ver que o processo erosivo no local já se fazia evidente

para as autoridades da época e que eram tomadas iniciativas para re-

posicionar a fortificação.

59 Rancho é, segundo Ferreira (1982), uma casa provisória ou uma casa pobre. 60 O telheiro deveria ter mais de 6 metros de comprimento e por volta de 3 metros de largura, para cobrir totalmente as peças (suposições do autor).

Page 95: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

95

5.3 Reforma ou reedificação de 1839

A reforma de 1834-35 implicava também no transporte das peças para o

telheiro. Entretanto, devido à grande massa das mesmas e da distância em que

encontrava-se o novo telheiro do barranco, o recolhimento dos canhões não

seria tarefa nem fácil, nem barata (CD, docs. 1836a e b; 1837a, 1838a, b e c).

Por anos arrastou-se a questão, até que, em 1839, já no segundo semestre, as

tropas rebeldes sulistas tomaram a cidade de Laguna, SC. Até aquele

momento, o palco da Guerra dos Farrapos estava circunscrito ao interior do RS,

pois as tropas imperiais dominavam todos os portos do litoral gaúcho, deixando

os rebeldes sem saída para o mar. Numa manobra astuciosa, os Farrapos

atravessaram um lanchão, por terra, até atingir mar aberto. Daí seguiram para

Laguna, tomaram o porto e fundaram a república Juliana. A partir desse

episódio, a integridade do território nacional estaria seriamente ameaçada.

Cientes desse problema, as autoridades imperiais empreenderam

esforços para manter os rebeldes longe das povoações mais setentrionais,

além de impedir a guerra de corso. Daí segue-se o re-aparelhamento da

fortaleza dos Prazeres, em Paranaguá (Castro, 1994: 8) e a reforma ou

reedificação da trincheira da barra de Cananéia (CD, docs. 1839b, c, f, g e h)

que, a partir daquele momento passa a receber, mais freqüentemente, a

denominação de “forte”, até com regulamento para auxiliar na abordagem das

embarcações (CD, doc. 1839e).

6 A fortificação como prisão (1850)

Após a retomada de Laguna, perde-se o interesse pela fortificação. De

1842 até 1846, apenas de um a dois guardas nacionais são destacados para,

principalmente, evitar o ataque de vândalos e assaltantes aos equipamentos do

forte (docs. 1842, 1845a, 1846b). Em 1846 o destacamento do forte é extinto

(doc. 1849).

Em 1850 ocorre um fato curioso. É apreendida, nas proximidades de

Cananéia, uma embarcação suspeita de traficar escravos. Em seu interior não

Page 96: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

96

havia nenhuma identificação de seu armador, bem como de seu porto de saída

ou de destino. Mas, alguns dias depois, é capturado um homem negro e

encarcerado na “casa da Trincheira da Barra” (doc. 1850a). Dias depois

descobre-se que ele era um africano recém capturado, possibilitando associá-lo

com o carregamento ilegal da embarcação apreendida (doc. 1850b).

O interessante para essa pesquisa é que esse homem foi mantido preso

em uma edificação fechada na fortificação da Trincheira, o que indica que as

mudanças empreendidas na fortificação entre 1839-1840 foram bastante

profundas.

Outro fato interessante é que a fortificação, a partir desse momento,

definitivamente não teria mais uso militar, servindo para outros propósitos.

7 A fortificação como enfermaria (1855-56) e seu abandono final

Em 1855, ela ganha uma função diferente: servir de enfermaria para

possíveis doentes de cólera. Devido a uma epidemia que grassava pela Corte,

as autoridades sanitárias haviam estabelecido enfermarias por todos os portos

para impedir a disseminação da moléstia nas povoações litorâneas. Como a

trincheira distava mais ou menos 6 km da vila de Cananéia, pareceu razoável

instalar lá um destacamento, além de construir um cômodo para abrigar os

contaminados (docs. 1855a, b, c).

Mas, já no final de 55 e início de 56, a epidemia parecia controlada.

Seguem-se ordens para a desmobilização do pessoal e dos equipamentos,

muito embora as autoridades locais fossem contra esse repentino

desmantelamento (docs. 1855d, 1856a, b).

É interessante notar que, quando a fortificação assume essa função

secundária para a qual ela não havia sido planejada, ela volta a ser chamada

de “trincheira”, denotando uma perda de importância acentuada.

Daí para frente, a fortificação perde totalmente o seu valor funcional

(tanto primário, bélico, quanto secundário, barreira sanitária) e simbólico. Em

1863 (doc. 1863), houve um levantamento, bastante objetivo, de todas as

fortificações do litoral brasileiro. Na Província de S. Paulo figuram apenas duas,

no litoral central. De início imaginamos que o documento tratasse apenas de

Page 97: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

97

grandes fortificações. Mas, no Estado do RS, o autor assinala

entrincheiramentos e redutos, fortificações singelas, o que comprova que o uso

da trincheira ou forte da barra de Cananéia não estava mais em questão.

Anos mais tarde, em 1867, já dentro do conflito com o Paraguai, uma

série de documentos (1867a, b, c, d) aventa a hipótese do aproveitamento de

peças de artilharia de ferro espalhadas pela planície Cananéia/ Iguape. O

documento 1867a dá uma idéia do estado ruinoso da antiga trincheira. Mas,

pelo menos, a artilharia poderia servir para ser refundida ou utilizada no teatro

de guerra, hipótese a qual o documento 1867c sepulta definitivamente.

A penúltima menção da fortificação da ponta da Trincheira é feita em

livro publicado em 1875 (CD, doc. 1875). A descrição da orientação do litoral

sul da Província toma como referência a “fortaleza da barra” ou “bateria da

barra” como ela também é chamada. O mais provável é que o autor do trabalho

tenha se baseado em alguma descrição feita por morador de Cananéia que

ocupava algum cargo na administração pública, porque a fortificação

encontrava-se abandonada há muito e já não mais era considerada por

pessoas de fora. Servia ela apenas como ponto de referência para algum

saudoso morador da região e acabou servindo de ponto de referência para um

autor sem conhecimento de sua real situação.

Segue-se um silêncio de mais de 20 anos até que se ouça falar

novamente na trincheira ou, pelo menos, nos canhões dela (doc. 1897). Só que

agora seu uso seria outro. Teriam as peças uma função decorativa e

comemorativa, até hoje evidentes na praça Martim Afonso.

8 Elementos específicos da construção

8.1 Da muralha ou cortina

A partir da interpretação dos documentos escritos, podemos dizer que a

fortificação pode nunca ter tido uma muralha. Embora o documento n.º 1824b

discorra sobre o material mais conveniente para a edificação da mesma, os

documentos 1837a, 1838a e 1838b relatam que as peças encontravam-se à

beira do barranco. Ora, é de se supor, então, que se houvesse alguma

Page 98: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

98

muralha, mesmo que de madeira, esta tivesse desmoronado devido ao avanço

do mar. Mas em nenhum documento é citada a existência de uma muralha

desmoronada ou deteriorada. Pelo contrário. No documento 1839c, as

determinações são colocadas no sentido de erguer “cortina de faxina”, ou seja,

uma paliçada de madeira ou barricadas com cestos, o que induz a acreditar na

inexistência anterior de tal equipamento.

Outra evidência é a utilização de diferentes expressões para designar a

fortificação. O termo “bateria” é freqüentemente utilizado, de 1819 a 1824, para

denominar àquela fortificação. Este termo é geralmente usado para designar

um local preparado para receber canhões apontados no mesmo sentido e

direção (Fauchere, 1996: 105). Refere-se a um local ou a uma situação, e não

às edificações, muito embora ele fosse empregado, algumas vezes,

erroneamente. Nesse período podemos dizer, com segurança, que não havia

nenhuma muralha na fortificação.

Já a termo “trincheira”, usado com maior freqüência de 1825 até 1839,

informa-nos que, nesse período, a fortificação ganhou outros equipamentos.

Apesar do termo designar uma fortificação efêmera, ele tem um status mais

elevado que o termo “bateria”, que designa apenas um local. Entretanto, nada

especifica que um componente desse conjunto de equipamentos

acrescentados fosse uma cortina. Ele está mais relacionado à elevação de

edifícios singelos para abrigar às peças, às carretas ou aos militares.

Da mesma forma, temos o termo “forte”, empregado mais amplamente a partir

de 1840. Teria a possível reedificação, iniciada em 1839, acrescido um muro à

fortificação? Muito provavelmente o uso desse termo esteja associado à

construção de uma casa, edificação mais consistente que um rancho, que

serviria de quartel e de paiol. Entretanto, essas questões realmente só serão

mais bem entendidas com as futuras prospecções arqueológicas nos locais

onde foram detectadas anomalias geofísicas.

Figura 7: desenho (1765) da muralha do forte Augusto,

ou da Estacada, construído em Santos de fronte à

fortaleza da barra Grande, no Guarujá (Mapa, 1993:

260). Podemos supor que se a fortificação da ponta da

Trincheira tivesse uma muralha, ela fosse assim ou

como a mostrada na fig. 29 do cap. 2.

Page 99: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

99

9 Contexto geomorfológico para a implantação e destruição da

fortificação da ponta da Trincheira: sobre a terra e o mar

O vale do Ribeira constitui-se em um sistema geográfico, delimitado

principalmente pelo rio Ribeira de Iguape, maior afluente da bacia hidrográfica

de mesmo nome. Ele nasce “na serra das Almas, município de Ponta Grossa,

Paraná, em altitude próxima a 1200 m” (Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998:

75), percorrendo 470 km até sua foz natural. É interessante notar que nos 290

km iniciais ele sofre um desnível de aproximadamente 900 m de altitude. Nos

90 km seguintes ele desce mais 90 m e, em Registro, ainda a 70 km de sua

desembocadura marítima, fica apenas a 5 m acima do nível do mar

(Magalhães, 1997: 26 in Rambelli, 1998: 75). Tal característica faz com que o

baixo vale do Ribeira abranja também os municípios de “serra acima” e não só

os implantados nas planícies.

Os municípios de “serra acima” (Eldorado - antiga Xiririca -, Registro,

Jacupiranga, entre outros) estão intrinsecamente ligados aos municípios

litorâneos (Cananéia, Iguape e Ilha Comprida, este último emancipado de

Iguape e Cananéia desde 1991) tanto geográfica, histórica, e

arqueologicamente. Esses municípios são mais bem entendidos se tratarmo-los

como integrantes da Baixada do Ribeira, uma subdivisão do vale do Ribeira

que engloba as terras situadas entre 0 e 100 metros (Petrone, 1966: 19), dentre

as quais destacam-se a região estuarino lagunar de Cananéia/ Iguape, as

faixas de sedimentação marinha da planície da Juréia, a planície fluvial e os

altos terraços do baixo Ribeira, inclusas as colinas sub-litorâneas (Pinto, 1997:

14 in Rambelli, 1998: 74). Vale ressaltar que essa subdivisão dá-se porque a

Baixada do Ribeira tem dinâmica climática, morfológica e de ocupação humana

bastante singulares, o que possibilita considerá-la em separado (Petrone, 1966:

13-46).

Um dos componentes da Baixada é a planície costeira Cananéia/ Iguape,

delineada pela linha estrutural de Itatins, onde temos a nordeste o complexo

cristalino da serra do Mar e a sudoeste a ilha do Cardoso (Suguio & Tessler,

1992). É sobre esse compartimento geomorfológico que centraremos foco, pois

Page 100: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

100

foi nele que se implantou o sistema de defesa que impediria tanto eventuais

invasões estrangeiras nas localidades litorâneas quanto a penetração do

inimigo pelo interior. Também seria possível um maior controle do fluxo da

produção de todo o Vale - tanto aurífera, no início da colonização, quanto

agrícola, a partir de fins do século 18 -, fazendo com que ela fosse forçada a se

integrar aos interesses da metrópole portuguesa e depois aos do Império

Brasileiro.

Iguape e Cananéia situam-se nas extremidades da margem esquerda do

mar Pequeno, canal marítimo formado pelo continente e a ilha Comprida que se

estende de NE (barra de Icapara) a SO (barra de Cananéia) por mais ou menos

74 km. Dessa forma temos duas localidades marítimas, portuárias, protegidas

do “mar grosso”. Tal peculiaridade geográfica acabou criando uma relativa

facilidade de comunicação entre as cidades61, transformando-as em povoações

intrinsecamente conectadas, pois todas as embarcações que demandavam

Iguape tinham que passar por Cananéia, a menos que fossem obrigadas a

enfrentar os perigos da barra de Icapara. Por isso, a defesa da barra de

Cananéia resguardaria também Iguape, uma vez que o melhor caminho para a

última localidade dá-se pela barra sudoeste.

Mas a margem norte da barra de Cananéia, onde se situa a ponta da

Trincheira é um local de constantes mudanças morfológicas. Associando a

intensa dinâmica marítima à constituição geológica peculiar do local, composta

na maior parte por areia e argila, elementos característicos da Formação

Cananéia (Suguio & Tessler, 1992: 14), e aos fatores sociais, tais como a perda

do valor militar e simbólico dos baluartes, é que teremos a submersão da

fortificação mais importante da região.

61 Relativa facilidade porque, apesar de ser um canal com águas calmas, existem inúmeros obstáculos em seu percurso, o que demanda um certo conhecimento em sua navegação (Carta náutica n º. 1702).

Page 101: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

101

Figura 8: Foto mostrando a estratificação da Formação Cananéia na ponta da Trincheira. A

primeira camada é de areia e a segunda, mais escura, é de argila muito compacta. Foto: F.

Calippo, 2000.

Da mesma forma que nos propusemos a levantar os aspectos sociais

que levaram à criação e destruição da fortificação, há que se considerar os

fatores naturais que levaram a mesma a passar do ambiente emerso ao imerso.

Em artigo de 1983, Suguio e Tessler (apud Callipo, 2001: 1-2) colocam

que, durante a transgressão holocênica poderia ter-se formado um paleovale,

hoje submerso, na área do canal da barra de Cananéia o que garantiria que,

até hoje, o referido canal mantivesse profundidades em torno de 20 metros.

Apesar da estabilidade estrutural do canal, a interação entre as intensas

correntes de maré e a ação local das correntes geradas pela incidência de

ondas provenientes de S-SE e E, tem sido responsável pela translação das

margens do canal de desembocadura (em relação à linha de costa SO-NE)

para NO, resultando em deslocamentos da Ponta do Perigo (ilha do Cardoso) e

da Ponta da Trincheira.

O deslocamento da Ponta do Perigo é resultado direto do embate das

correntes de maré vazante com as correntes de deriva litorânea (principal

responsável pelo transporte de sedimentos que ocorre paralelamente à linha de

costa) e com as ondas provenientes de S-SE. Neste local, a interação entre

esses três mecanismos vem resultando em um bloqueio do transporte realizado

pela deriva litorânea, o qual acaba interrompendo o aporte de sedimentos à

Page 102: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

102

Ponta do Perigo, comprometendo assim, sua estabilidade morfológica. Com o

bloqueio da fonte de sedimentos que estabelecia o equilíbrio dinâmico entre o

aporte e a retirada de sedimentos (realizado pelas correntes de deriva), os

sedimentos que deviam ser depositados na Ponta do Perigo, passam, cada vez

mais, a serem depositados a jusante (E) desta área, contribuindo assim para o

deslocamento desta feição para O, à sua retaguarda.

Na Ponta da Trincheira, apesar da incidência de ondas S-SE e E que

agem sobre a margem norte do canal lagunar de Cananéia, erodindo cada vez

a sua face S, é o predomínio das correntes de maré vazante sobre as de

enchente o principal responsável pelo contínuo avanço desta feição para O. O

contínuo crescimento da Ponta da Trincheira (na forma de um esporão

arenoso) é conseqüência direta de processos erosivos e deposicionais

decorrente dos agentes hidrodinâmicos que atuam na parte mais interna da

margem do Canal da Ilha Comprida, onde a corrente de maré vazante

proveniente da Baía de Trapandé encontra-se com a corrente de maré vazante

do Mar de Cananéia, antes de fluírem pela desembocadura lagunar (Tessler et

al., 1990). Durante a ocorrência de fenômenos metereológicos muito intensos,

devido ao grande volume de água retido nos canais lagunares, ocorrem

intensas remobilizações dos sedimentos subaquosos desta área, chegando até

a romper a porção terminal deste esporão.

Tais considerações levam a crer que apesar da intensa remobilização

dos sedimentos adjacentes à Ponta da Trincheira, vestígios da fortificação

poderiam ainda estar submersos próximos à margem do canal. Isso se torna

possível na medida em que a estabilidade geomorfológica da Ponta da

Trincheira não é estática, ocorrendo neste local, portanto, um intenso

retrabalhamento dos vestígios que ali estivessem. Assim como os sedimentos,

os vestígios estariam hora em subsuperfície, hora aflorando sobre o leito ou às

margens do canal de desembocadura lagunar ou do Mar de Cananéia.

Quanto à possibilidade destes vestígios estarem recobertos por

sedimentos transportados pelas massas d’água estuarinas, acredita-se que

esta hipótese seja muito pouco provável. Segundo Tessler (2001, com. pes.) a

competência das águas do canal como agente transportador é muito baixa para

que sedimentos suficientes para recobrir estes vestígios possam ser

transportados e depositados sobre o fundo.

Page 103: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

103

Então o mais provável é que os restos da trincheira estivessem sob

feições arenosas formadas entre a porção mais a SO da lha Comprida e o

canal de desembocadura. Entretanto, devido ao intenso equilíbrio dinâmico dos

sedimentos nesta área e à falta de evidências que indiquem o preciso local de

instalação da trincheira, é difícil precisar o local onde estes restos encontrar-se-

iam (Calippo, 2002, com. pes.).

A partir daí iniciamos prospecções arqueológicas e geofísicas

subaquáticas que conjugadas proporcionaram a localização exata de vestígios

da fortificação.

10 As primeiras prospecções arqueológicas subaquáticas

Com a evolução do levantamento bibliográfico e dos trabalhos de campo,

várias informações foram colhidas, influenciando, de diferentes maneiras, as

estratégias de intervenção. Outro fator que pesa sobremaneira no

desenvolvimento da pesquisa é a melhor compreensão da dinâmica marinha e

do clima da região que, por várias vezes, impossibilitaram a realização das

pesquisas.

Quando o projeto de mestrado desta pesquisa foi elaborado, tínhamos a

idéia de que a fortificação da ponta da Trincheira estivesse submersa a até 1km

de raio da referida ponta.

Optamos pela técnica de prospecção que havia sido utilizada nos sítios

abordados pela dissertação de Gilson Rambelli (1998): a partir de um local

seco, próximo ao sítio submerso, estendemos um cabo até um ponto qualquer,

já dentro do sítio ou na área de maior concentração de vestígios. Dessa linha

base, construiríamos triângulos eqüilaterais (fig. 9), os quais permitiriam

posicionar os artefatos arqueológicos com precisão, além de possibilitarem uma

expansão infinita da extensão da marcação do sítio, se este assim a

demandasse.

Page 104: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

104

Figura 9: Desenho da elaboração de triângulos eqüilaterais embaixo d’água. A grande

vantagem deles é que os triângulos podem ser materializados em águas com pouca

visibilidade, por apenas um mergulhador, quantas vezes o tamanho do sítio demandar

(Rambelli, 2002).

Entretanto, após algumas tentativas, mudamos de tática devido: (1) às

correntes, (2) à profundidade, (3) ao tráfego marítimo, (4) à atividade pesqueira,

a qual envolve o arrasto de redes que podem enganchar-se em eventuais

marcações (estacas) no fundo do mar e (5) à suposta distância do local da

fortificação da praia - segundo fontes locais, ela realmente estaria a mais de 300

metros de distância da praia -, resolvemos optar por outra forma de

investigação.

Deparamo-nos, então, pela primeira vez, com as inóspitas características

físicas da barra: pouca visibilidade, fortes correntes e grandes profundidades.

Tais fatores forçaram-nos a procurar fontes de informações que pudessem

precisar a localização dos vestígios.

Tomamos contato, então, com o relato popular, narrado por jovens,

adultos e anciãos que dizia que os moradores da ilha Comprida e da ilha do

Cardoso, naquele ponto, conseguiam comunicar-se “de boca”, ou seja, que as

pessoas da ilha do Cardoso falavam de viva voz com as que estavam na ponta

da Trincheira, o que é impossível hoje.

Page 105: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

105

Outra informação intrigante foi obtida em conversa com um mergulhador

local62: havia ele localizado algum enrosco de rede na parte mais funda do

canal.

De posse dessas informações orais e de documentação primária escrita,

conseguida em arquivos de S. Paulo, Santos e Rio de Janeiro, planejamos os

mergulhos da campanha seguinte.

Com uma embarcação munida de uma ecosonda63 (fig. 10), começamos

a detectar os pontos de maior profundidade do canal da barra que

apresentassem anomalias de relevo no visor da sonda, indicando possíveis

vestígios afundados.

Colocamos, então, bóias de marcação para realizar prospecções

subaquáticas que descrevem movimentos pendulares e circulares (fig. 11), as

quais obrigam o mergulhador a girar em torno de um mesmo eixo, a partir de

distâncias que vão sendo gradativamente ampliadas. No caso dos três canhões

que, segundo relatos da época, foram engolidos pelo mar estarem cobertos

pela areia do fundo do canal, utilizou-se um detector de metais por batimento

de freqüência próprio para prospecções subaquáticas.

62 O sr. Hélio, pintor de barcos e mergulhador de resgate. Por algumas vezes havia ele mergulhado no canal da barra, contratado por pescadores para desenroscar redes de pesca de “alguma coisa”, segundo suas próprias palavras, que obstruía o fundo do canal. O mergulhador não soube nos explicar o que tal “coisa” era, mas disse que ela está situada da metade do canal para a ilha do Cardoso. 63 Aparelho que transmite um sinal de curto espectro para o fundo marinho o qual, refletido, volta ao aparelho e permite estabelecer um perfil do mesmo fundo (NAS, 2001: 15).

Figura 10: Ecosonda

instalada na ponte de

comando do barco Tritão.

Foto: PFBC, 2000.

Page 106: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

106

Figura 11: Desenho indicativo da forma de realizar as prospecções circulares (Rambelli, 2002).

Uma vez mais encontramos dificuldades ambientais.

Quanto à sinalização dos pontos nos quais foram detectadas anomalias

no solo marinho, ela tornou-se precária uma vez que as bóias lançadas da

embarcação não resistiram às fortes correntes ou aos propulsores dos barcos

que trafegam pelo canal, sendo levadas para longe.

Os mergulhos, então, foram baseados nas leituras feitas por GPS,

aparelho que registra as coordenadas de posicionamento de um determinado

local através do sinal de satélites, sempre com alguma margem de erro

(algumas dezenas de metros), o que, no caso dessa pesquisa é bastante

complicado, uma vez que não temos visibilidade embaixo d’água para

buscarmos vestígios dispersos ou eventuais pontos de referência.

Tendo chegado ao fundo do canal, percebemos outro aspecto da

dinâmica marinha do local: na mudança da maré ocorre um descompasso entre

as correntes do fundo e de superfície; enquanto as águas de superfície podem

estar paradas, as do fundo ainda correm, e vice-versa, forçando o mergulhador

a um maior desgaste, e diminuindo o tempo de fundo.

Por fim, outro limitador de tempo de fundo é a temperatura da água no

outono e no inverno. Se, na superfície da água temos a temperatura de 20ºC, é

Page 107: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

107

certo que, aos 20m teremos por volta de 15ºC, o que não chega a ser

empecilho para a realização do trabalho, mas demanda um maior consumo de

ar.

Levando em consideração todos esses fatores, temos de 20 a 25

minutos de fundo, tempo insignificante para uma prospecção detalhada do

fundo marinho, dadas as condições já expostas.

Optamos, então, por investir nas leituras geofísicas, as quais otimizariam

nossa pesquisa.

11 Os resultados das prospecções geofísicas subaquáticas

11.1 O detector de metais por batimento de freqüência

A fortificação da ponta da Trincheira, a obra defensiva de maior

importância da planície costeira Cananéia/ Iguape, segundo a documentação

escrita primária não passava de uma trincheira, uma fortificação muito simples,

sem grandes edificações erguidas para sua operação. Nem sequer podemos

dizer que ela tenha possuído uma muralha, por mais efêmera que fosse.

Os únicos vestígios seguros dessa fortificação eram seus canhões, no

total de 6. Apesar de, em fins do século 19, três deles terem sido transportados

para a cidade de Cananéia, três deles permaneceram na ponta da Trincheira, e

acabaram submersos, ainda em fins do 19.

Figura 12: Mergulhadores

embarcados prontos para realizar os

trabalhos arqueológicos subaquáticos

na barra. Foto: G. Rambelli (2000).

Page 108: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

108

Dessa maneira dispúnhamos de três artefatos de ferro de pouco mais de

2,5 metros, com massa girando em torno de 1,5 toneladas, que indicariam a

localização da fortificação.

Apesar do detector de metais por batimento de freqüência (fig. 13) - o

tipo de detector comercial, normalmente mostrado pela mídia - ter pouca

penetração, contávamos com a experiência adquirida nas outras fases do

trabalho de campo além de um grande acúmulo de documentação escrita

primária que continuava a ser processada.

Através da organização do Corpus documental percebemos que a

fortificação da ponta da Trincheira teve várias edificações, seja pela melhoria

gradual dos equipamentos, seja para escapar da erosão das margens do canal,

que já era bastante conhecida na época. Sendo assim, a fortificação teria sido

construída e reconstruída numa área bastante ampla, o que obrigar-nos-ia a

prospectar boa porção do fundo marinho, algo ainda em torno de 1km de raio

da ponta.

Voltamo-nos, então, para uma técnica que já havia sido utilizada,

anteriormente: a prospecção em círculos concêntricos (Rambelli, 1998: 55). Só

que dessa vez o pêndulo seria efetuado em uma única direção, com o auxílio

das correntes marinhas.

Com um cabo de 200m fixado em uma estaca na ponta da Trincheira,

dois mergulhadores entrariam na água 200m a leste da estaca, nadariam

contra a corrente em direção ao meio do canal e retornariam à praia 200m a

Figura 13: Esquema

do detector de metais

do tipo comercial.

Page 109: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

109

oeste da estaca, mantendo o cabo firmemente estendido, aproveitando a força

da correnteza, descrevendo, assim, um semi-círculo. No trajeto eles teriam a

oportunidade de prospectar o solo marinho com o detector de metais (fig. 14).

Figura 14: Desenho mostrando a maneira de se proceder a uma varredura pendular

sistemática a partir de pontos conhecidos, uma das técnicas empregadas nas prospecções dos

vestígios da trincheira (Rambelli, 2002).

Tal iniciativa não deu certo pois os mergulhadores não conseguiram

vencer a força da correnteza, no trajeto em direção ao meio do canal.

Tentamos outra vez, só que agora um barco levaria os mergulhadores,

pela superfície, os duzentos metros demarcados pelo cabo até o meio do canal.

Quando o último estivesse totalmente esticado, os mergulhadores lançar-se-

iam e seriam levados novamente à praia num ponto mais distante que o inicial,

a oeste da estaca, descrevendo um quarto de círculo.

Esse procedimento revelou-se mais adequado, mas, ainda assim, não

surtiu os efeitos desejados, pois a volta dos mergulhadores não obedeceu o

trajeto definido pelo cabo. Esses eventos, que demandaram demasiada força

Page 110: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

110

dos mergulhadores, estimularam-nos a procurar, ainda mais fortemente, os

meios geofísicos de prospecção.

11.2 O magnetômetro gradiômetro fluxgate subaquático

Para lidar com o ambiente imerso, trabalhamos em conjunto com o

Laboratório de Geofísica Aplicada do IAG-USP que, através do prof. Dr.

Francisco Y. Hiodo desenvolveu um magnetômetro gradiométrico64 para uso

em ambiente subaquático.

O magnetômetro tem sido usado, na arqueologia anglo-saxônica, desde

a década de 1950, de forma que, hoje, ele faz parte da “caixa de ferramentas”

do arqueólogo contemporâneo, poupando tempo e dinheiro (Silliman et al.,

2000: 89). Seu uso na arqueologia subaquática remonta a meados da década

de 1960 (Arnold III & Clausen, 1975: 26).

Na arqueologia brasileira de contextos emersos o uso sistemático é algo

bem mais recente, começando nos últimos anos do século passado65. Na

arqueologia subaquática brasileira, este é o primeiro trabalho sistemático e

científico que envolve a magnetometria.

O prof. Hiodo desenvolveu, especialmente para esta pesquisa, que

visava a detecção de alvos ferromagnéticos rasos, um magnetômetro fluxgate

de núcleo toroidal do tipo gradiométrico, de sensibilidade da ordem de 2nT/m

(nano Tesla por metro), adaptado em um “torpedo” estanque com 2 sensores

fluxgate na configuração gradiométrica, próprio para a utilização em ambientes

subaquáticos, que pode fazer leituras contínuas dos dados tanto no modo

analógico como no digital.

O detector de metais por batimento de freqüência - que é um tipo manual

de magnetômetro, já utilizado pela equipe de arqueologia subaquática - precisa

ser arrastado por mergulhadores logo acima da superfície do solo marinho e

64 Equipamento que, segundo o prof. Hiodo, mede o campo gravimétrico de objetos metálicos ferrosos. 65 Trabalhos desenvolvidos pelo prof. Dr. Carlos Mendonça e pela profª. Paula M. A. Britto, do IAG-USP no: sambaquis fluviais de Cajati, SP, 1999; centro de S. Caetano do Sul, SP, 1999; porto do Ribeira, Iguape, SP, 2000; sambaquis fluviais de Miracatu, SP, 2001.

Page 111: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

111

pode detectar alvos ferrosos enterrados a mais ou menos 1 metro de

profundidade.

Já o magnetômetro fluxgate gradiométrico pode realizar medições

contínuas arrastado por um barco de pequenas proporções e possui grande

poder de penetração, detectando o campo magnético de alvos ferrosos da

magnitude equivalente a dos canhões enterrados a até 5 metros de

profundidade (fig. 15).

As primeiras leituras com o gradiômetro foram então realizadas. Nos

primeiros dias foram efetuados testes e ajustes no aparelho, primeiramente no

local da pesquisa (fig. 16); num segundo momento o aparelho foi descido sobre

o sítio de naufrágio Cananéia 1, constituído por diversos vestígios de ferro de

uma embarcação a vapor do século 19 (Rambelli, 2001). O medidor acusou a

presença do campo magnético da massa ferrosa. Tínhamos, então, certeza que

o aparelho estava funcionando.

Apenas depois dos testes fizemos prospecções sistemáticas da área

imersa da ponta da Trincheira, obtendo leituras significativas, resultantes da

detecção de campos magnéticos ao longo da parte mais profunda do canal da

barra de Cananéia.

Figura 15:

gradiômetro

desenvolvido

pela equipe do

prof. Hiodo.

Foto: PFBC,

2001.

Page 112: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

112

Inúmeros problemas logísticos apresentavam-se para a utilização do

aparelho.

O primeiro deles relaciona-se ao tempo de trabalho disponível.

Uma vez que a correnteza é muito forte no canal da barra de Cananéia,

geralmente dispomos de, no máximo, 2 horas de trabalho no mar, seja para o

mergulho, seja para a navegação de prospecção. Essas 2 horas correspondem

ao estofo da maré, momento de inflexão entre a preamar e a baixa-mar. Fora

desse curto período, é praticamente impossível estabilizar o barco em uma

posição, salvo em alguns dias durante as marés das fases lunares quarto

crescente ou quarto minguante, ocasiões em que a amplitude entre a maré alta

e a maré baixa não passa de alguns poucos centímetros (Harari & Mesquita:

1999).

O posicionamento da embarcação e, por conseqüência, do “torpedo”,

também constituíam um intrigante problema a ser sanado.

Duas soluções foram aventadas. A primeira delas consistia na utilização

de dois DGPSs66 que, combinados, proporcionam precisão milimétrica no

posicionamento de um objeto. Em recente trabalho realizado pelo INA, o DGPS

forneceu coordenadas com margem de erro de 3m (Arnold III, 1999: 138),

margem bastante aceitável.

Entretanto, a indisponibilidade desses equipamentos fez com que

adotássemos um teodolito com distanciômetro Wild/ Zeiss (alcance de 7 km

com precisão de 1 cm) para posicionarmos a embarcação em relação à praia

(fig. 17).

66 GPS Diferencial, aparelho que mescla as informações obtidas com o sistema do GPS com as informações obtidas por outro GPS, ou algum outro meio de posicionamento (sinal de radiofarol), ou por tabelas de correção.

Figura 16: testes

preliminares feitos a partir

do barco Tritão do Parque

Estadual da Ilha do

Cardoso.

Page 113: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

113

Uma outra opção de posicionamento é o uso de sinais de rádio. Dois

emissores são posicionados em local emerso próximo à área de prospecção,

um de cada lado da linha que será seguida pela embarcação de pesquisa. Na

dita embarcação é instalado um receptor com duas luzes: uma para a correção

do rumo à direita, outra à esquerda. Se a embarcação desviar-se de sua trilha,

situada na zona de sombra entre os dois sinais, a interferência fará com que

uma das luzes se acenda, obrigando o piloto a corrigir o rumo. Esse tipo de

posicionamento, simples e eficiente, foi utilizado nas prospecções do golfo de

Galveston, Texas, EUA, no início dos anos 1980 (Arnold III, 1987: 18-47).

Apesar de simples, não houve tempo hábil para o desenvolvimento desses

aparelhos pelo Laboratório de Geofísica Aplicada.

Uma vez solucionado o problema do posicionamento do barco e do

“torpedo” na área de prospecção, deparamo-nos com a impossibilidade de

arrastar o “torpedo” ligeiramente acima do solo marinho. Como a força

desenvolvida pelas embarcações disponíveis era muito grande, o “torpedo”, ao

ser puxado, tendia a flutuar na superfície.

Para sanar esse problema optamos por fazer as medidas pontualmente:

o topógrafo estabelecido na praia determinaria linhas virtuais, perpendiculares

às linhas materializadas na praia (que acompanhavam o comprimento da

última), em pontos materializados a cada 10 m na linha da praia. A

embarcação, então, seguiria no rumo

Figura 17:

teodolito com

distanciômetro,

balisa e

embarcação

alinhadas.

Foto: PFBC,

2001.

Page 114: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

114

determinado, parando de 10 em 10 m no eixo das linhas virtuais para que o

torpedo fosse descido até o fundo do mar. Tal estratégia funcionou, exceto pelo

intervalo espacial de uma medição à outra: é praticamente impossível fazer

com que o barco pare a distâncias tão regulares como 10, 20, 30...490, 500,

510 m. Sendo assim, contando com a habilidade do barqueiro, foi apenas

possível manter o barco nas linhas perpendiculares à praia e as medições

foram efetuadas em distâncias aleatórias.

Os resultados podem ser vistos na figura 18. Nas 3 linhas que foram

percorridas, percebemos anomalias nas partes mais profundas do canal, a mais

ou menos 500 m da praia, nas linhas de 70 m e de 80 m, e a mais ou menos

300 m na linha de 90 m.

Posteriormente, retornamos à área para novos testes e foram

constatadas anomalias, só que agora extensas e não mais pontuais, ao longo

do canal, nas águas mais profundas, justamente próximas da área onde foram

detectadas as primeiras anomalias, em maio.

Figura 18

Page 115: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

115

Arrastando o magnetômetro no fundo marinho, sem balizamento

terrestre, localizamos anomalias extensas e tomamos suas coordenadas com o

GPS. Mais tarde, viemos a descobrir que as anomalias poderiam ter sido

provocadas por naufrágios recentes. Sendo assim necessitávamos de dados

mais precisos antes de empreender novos mergulhos.

11.3 O uso do sonar de varredura lateral

Como a magnetometria identificou inúmeros alvos em uma área com

precárias condições de trabalho, necessitávamos de mais dados, a fim de

identificar as formas desses alvos e se eles correspondiam aos canhões ou aos

naufrágios recentes. Para este fim utilizamos um consagrado método de

prospecção, há décadas presente nas pesquisas arqueológicas subaquáticas.

O prof. Dr. Moysés Tessler (IO-USP), muito interessado na problemática

levantada, indicou-nos o doutorando Luiz Antonio Pereira de Souza, seu

orientando e funcionário do IPT, para que pudéssemos combinar com ele

leituras do solo marinho através do sonar de varredura lateral67 (fig. 19).

A emissão de pulsos sonoros para a detecção de alvos submersos ou

determinação do relevo marinho vem sendo usada desde a Segunda Guerra

Mundial. Na arqueologia o uso dessa tecnologia remonta meados da década de

70 do século passado.

O sonar de varredura lateral é um aparelho que, através da emissão de

pulsos sonoros por um “torpedo” usualmente denominado “peixe”, pode

produzir imagens pictóricas do fundo oceânico (uma “foto aérea” da superfície

do solo marinho). Com adequadas condições ambientais essas imagens podem

ter definição fotográfica, independentemente da visibilidade das águas.

Do “peixe” saem os pulsos sonoros, os quais abrangem um comprimento

muito pequeno e uma razoável largura. Com a movimentação da embarcação,

temos imagens de faixas do fundo marinho. Se houver algum vestígio

arqueológico que não esteja enterrado por sedimento, este será detectado pelo

aparelho (Edgerton, 1976: 46-47).

67 Em inglês, side scan sonar.

Page 116: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

116

Apesar dessas leituras já terem sido feitas para alguns trechos da região

da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas objetivavam a análise de formações

geológicas do fundo marinho, e que, possivelmente não teriam registrado

quaisquer sítios arqueológicos submersos.

Devido a isso, resolvemos realizar leituras com o sonar de varredura

lateral na baía de Trapandé, no mar Pequeno e no canal da barra de Cananéia

e obtivemos resultados excepcionais, localizando diversos vestígios

submersos, dentre os quais destacamos os canhões afundados, encontrados

em áreas distantes do local das leituras com magnetômetro. É importante

ressaltar que a localização das coordenadas foi feita com o DGPS, que

apresentou precisão de, por vezes, 15 cm, isso graças a uma estação

calibradora68 existente na sede do IPT, o que vem a provar que, ao contrário do

que foi pensado nas pesquisas com o magnetômetro, é possível utilizar o

DGPS em ambiente tão hostil.

68 Que, segundo Luiz A. P. de Souza, é um outro DGPS, só que fixo num mesmo ponto.

Figura 19: esquema de

funcionamento do side scan

(adaptado de Rambelli,

1998: 60).

Page 117: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

117

Figura 20: O

“peixe” de metal,

pesado e

hidrodinâmico.

Preso a uma

bobina fixada na

lateral do barco,

ele está prestes a

ser lançado e

arrastado. Foto:

LAPS, 2001.

Figura 21:

Detalhe do sensor

do “peixe”. Foto:

LAPS, 2001.

Figura 22: O

registro do sonar

analógico é obtido

na hora. Sua

impressão

obedece ao

mesmo princípio

que o do fax: a

queima de um

papel especial.

Foto: LAPS, 2001.

Page 118: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

118

12 As últimas prospecções arqueológicas subaquáticas e o início da

escavação

Em seguida à leitura do sonar de varredura lateral, realizamos alguns

mergulhos para tentar encontrar a fonte das anomalias magnéticas e também a

fonte das anomalias detectadas pelo sonar. Mais uma vez encontramos as

Figura 23: DGPS

ao lado dos

comandos do

sonar de varredura

lateral. Foto:

LAPS, 2001.

Figura 24: Antena do

DGPS. Foto: LAPS,

2001.

Page 119: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

119

dificuldades características da área e não conseguimos localizar os alvos

desejados.

Posteriormente, empreendemos o que imaginávamos ser as últimas

prospecções arqueológicas subaquáticas para procurar os alvos detectados

pelo sonar de varredura lateral, especialmente aqueles que tinham a forma e o

tamanho de peças de artilharia, situados todos em águas rasas, onde as cotas

de até 6m de profundidade obedecem o contorno oitocentista da margem da

ponta sul da ilha Comprida. Alvos mais profundos foram descartados pois,

provavelmente, correspondem a naufrágios de diversas épocas, os quais

merecem ser investigados por outras pesquisas, específicas.

Contrariando a regra, encontramos águas quentes (27oC) com

visibilidade em torno de 3 a 5 metros, o que possibilitou prospecções mais

longas e mais detalhadas.

Nesses mergulhos realizamos buscas em círculos concêntricos com o

eixo instalado na âncora da embarcação, que por sua vez era baixada na

coordenada geográfica correspondente à detecção da anomalia.

No ponto 1, aquele que apresentou a imagem de um objeto com formas e

dimensões muito próximas às dos canhões da praça de Cananéia (figs. 39 e

40), conseguimos realizar buscas concêntricas com raio de até 60m. Mas foi

durante uma verificação mais detalhada, entre 20 e 30m da âncora que

encontramos a única coisa que sobressaía do sedimento arenoso em toda a

área prospectada, uma pequena bóia de 5cm de diâmetro, amarrada a um

objeto enterrado.

Através de escavação manual que, na água, consiste em balançar a

palma da mão de um lado para o outro, fazendo com que o turbilhão provocado

pelo movimento retire o sedimento, percebemos que a bóia fazia parte de um

conjunto de bóias, amarradas a uma rede enganchada em algum objeto, que só

poderia ser o canhão, mas que estava recoberto pela areia.

Imaginando que seria fácil desenterrar a rede e, conseqüentemente,

desenterrar o canhão, improvisamos uma sugadora a ar: um cilindro de

mergulho foi levado para o local submerso da rede e conectado a um cano que

se projetava para a superfície. A medida em que o ar era injetado no cano, ele

só poderia subir; como a pressão diminui na mesma proporção em que diminui

a coluna d’água, o volume do ar expande-se enquanto ele dirige-se à superfície.

Page 120: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

120

Isso cria um vácuo bastante forte, que aspira o sedimento do local quando

colocamos a boca do tubo imersa na área a ser desobstruída. Esse sistema é

normalmente utilizado com uma bomba enviando ar da superfície, mas o

princípio é o mesmo (fig. 25).

Figura 25: Esquema de aspirador a ar. Apesar de termos utilizado uma versão improvisada, o

princípio é o mesmo (Rambelli, 2002).

Ao término do dia de escavação, descobrimos que a rede era imensa69 e

que ela ainda estava muito enterrada, o que exigiria que montássemos a nossa

sugadora à água e escavássemos por vários dias, desviando-nos um pouco de

nossos objetivos iniciais, que não contemplavam escavações de grandes

superfícies.

69 Ela pode ser uma rede de arrasto, a qual é puxada de um barco, ou pode ser uma rede independente, lançada para seguir com a correnteza estuário adentro, através de bóias que a sustentam na superfície e pesos que fazem com que uma de suas bordas permanecer submersa. Em ambos os casos elas são de grandes proporções.

Figura 26: A rede,

depois de alguns

dias de escavação.

Uma pequena bóia

levou-nos a

encontrá-la. Foto: G.

Rambelli, 2002.

Page 121: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

121

Notemos que a própria rede acentuou um processo natural na área, a

saber, o enterramento de objetos que são depositados no solo marinho. A rede,

ao ficar presa no objeto, formou uma barreira que acelerou o processo de

sedimentação no local. Logo, o provável canhão estaria recoberto por uma

imensa quantidade de areia e para chegarmos até ele teríamos que cavar uma

área indeterminada a uma profundidade incerta. Ainda assim resolvemos

escavar o local.

É interessante notar que durante todos os dias alcançamos as

coordenadas dos alvos através da navegação com GPS, apesar delas terem

sido obtidas com um DGPS. Notamos então que sempre chegávamos

exatamente ao mesmo ponto, o que vale dizer que todos os dias ancoramos a

uma mesma distância e direção do alvo, concluindo que o grande problema dos

GPSs comerciais está na marcação do ponto e não na navegação, o que

estabelece novos padrões para a aquisição e utilização desse tipo de

equipamento.

Na etapa de escavação procedemos da seguinte maneira: atingíamos o

ponto e lançávamos âncora; logo, um dos membros da equipe mergulhava e

esticava um cabo guia até a área a ser escavada; finalmente era instalado o

equipamento de escavação e a primeira dupla começava a trabalhar removendo

o sedimento da área, dragando-o para um local afastado alguns metros, sempre

a favor da corrente, evitando cobrir novamente o sítio.

A sugadora que utilizamos para a remoção do sedimento é impulsionada

à água. Um motor à explosão aciona uma bomba d’água (estes ficam na

superfície, em um barco destinado para este fim) que injeta a própria água do

mar a grandes pressões através de uma mangueira de bombeiro, que por sua

vez é conectada a um cano rijo comprido (repousado próximo ao sítio

submerso) no qual existe uma saída em Y. Nessa saída é colocado um outro

tubo, flexível, o qual é manobrado pela dupla de mergulhadores para a

aspiração do fundo marinho. A passagem da água, a grande pressão, no tubo

comprido, formará um vácuo no cano flexível (efeito Ventury), efeito esse que

provocará a aspiração do sedimento, seu transporte para o cano rijo e a

eliminação do mesmo junto com a água (figs. 27, 28, 29 e 30).

Page 122: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

122

Figura 27: Esquema geral do aspirador subaquático movido à água (Rambelli, 2002).

Figura 28: Detalhe da acoplagem do estágio final da sugadora (Rambelli, 2002).

A escavação foi realizada como determinam os fundamentos da

arqueologia subaquática adotados internacionalmente, com mergulhos em

duplas rigidamente controlados da superfície.

Page 123: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

123

A equipe era composta por 5 pessoas. Duas duplas de mergulhadores

revezavam-se no trabalho de escavação, enquanto um mergulhador ocupava-

se da montagem e desmontagem do equipamento. Cada dupla, devido a pouca

profundidade e à temperatura da água, podia permanecer mais de uma hora

escavando, apesar da correnteza nem sempre moderada.

Embora tenhamos tomado todos os cuidados para não desenterrar o

sítio e jogar a areia novamente sobre ele, a própria mudança de maré fazia

isso. Esse fenômeno, mais tarde, traria um novo tipo de dificuldade à pesquisa.

Com a certeza de estarmos escavando um sedimento recentíssimo, por

vezes utilizamos o jato d’água injetado pela bomba diretamente sobre o sítio, tal

como é mostrado na figura 31.

Figura 31: Esquema

do jato d’água usado

como escavadeira

(Rambelli, 2002).

Figuras 29 e 30: Estas fotos mostram os

procedimentos durante a escavação.

Notemos que o manuseio do flexível

exige o mesmo cuidado empregado nas

escavações sistemáticas em terra (G.

Rambelli, 2002).

Page 124: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

124

Ao final da etapa de escavação, tendo aberto uma sondagem de mais de

1m de profundidade e 4m2 de área, ainda não havíamos descoberto o canhão.

Novas atitudes seriam necessárias e isso exigiria, mais uma vez, a utilização da

geofísica.

Figuras 32 e 33:

Os trabalhos

englobam desde a

manutenção do

funcionamento da

moto-bomba até a

elaboração de

croquis

submersos. Fotos:

G. Rambelli, 2002.

Figura 34:

Trabalhos

de

escavação.

Foto: G.

Rambelli,

2002.

Page 125: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

125

13 Novamente, o magnetômetro e a confirmação do achado

A questão que se colocava era se valia à pena continuar a escavação no

ponto 1, uma vez que acreditávamos que a rede estivesse enrolada no canhão,

mas ainda faltava respaldo científico.

A solução encontrada foi levar o magnetômetro gradiômetro novamente

para a área. Passando o magnetômetro sobre as áreas apontadas pelo sonar

de varredura lateral, em especial no local onde a rede estava presa, teríamos a

Figura 35:

Trabalhos

de

escavação.

Foto: G.

Rambelli,

2002.

Figura 36:

Trabalhos

de

escavação.

Foto: G.

Rambelli,

2002.

Page 126: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

126

certeza de que o canhão encontrar-se-ia enterrado, e poderíamos continuar a

escavação.

Voltamos à barra de Cananéia com o magnetômetro, prontos para

mergulhar e escavar. Já no primeiro mergulho percebemos que teríamos

complicadores extras. As águas claras e quentes do verão foram substituídas

por águas turvas e um pouco mais frias do outono e o ponto onde a rede estava

presa havia sido completamente recoberto pela areia, e não foi localizado pelos

mergulhadores.

Resolvemos, então, fazer o procedimento inverso: da superfície,

colocamos uma bóia sinalizadora no ponto indicado pelo GPS; navegamos até

o ponto onde estaria a rede e lançamos outra bóia. Assim tínhamos uma linha

de referência e poderíamos passar o magnetômetro sistematicamente para

encontrar o alvo onde a rede havia se enroscado. Se detectássemos uma

anomalia magnética, teríamos a posição precisa da rede e a confirmação de

que ela estaria enrolada no canhão, podendo então escavar em volta da

mesma.

Figura 37: Do lado esquerdo da foto vemos o morro de São João, limite sul da zona urbana de

Cananéia. À direita temos o morrote da i. Comprida. Bem abaixo do último vemos uma das

bóias de balizamento. Foto: F. Calippo, 2002.

Surgiu um outro problema durante a leitura geofísica. O aparelho deveria

ser arrastado no solo marinho na posição vertical, tarefa bastante complicada,

pois nem sempre tínhamos a certeza de que ele estava encostado no chão na

posição correta. Por diversas vezes o aparelho indicou anomalias magnéticas

mas na realidade ele estava sendo arrastado horizontalmente na areia. Outro

Page 127: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

127

complicador era a velocidade do barco: mesmo a mínima velocidade deitava o

“torpedo” no fundo.

A solução encontrada foi trabalhar com as forças da natureza. Em

primeiro lugar, como a área a ser prospectada não passava de 7m de

profundidade e o alcance do aparelho, levando em conta as dimensões e a

massa do canhão, era de 5m, se colocássemos o aparelho à meia água, a 5m

abaixo da superfície, ele ficaria na posição vertical e ainda detectaria o canhão

se ele estivesse coberto por até 3m de areia, o que já era uma profundidade

bastante grande.

Com o aparelho à meia água, restava-nos o problema de como deslocá-

lo sem fazer com que ele flutuasse, pois a resultante do arrasto gerado pelo

magnetômetro e seu fio tendia a empurrá-lo para cima. Daí resolvemos utilizar

a força das águas a nosso favor: posicionamos o barco a uma certa distância

da nossa linha imaginária, de forma que ele ficasse contra a corrente;

desligamos o motor e deixamos que a correnteza nos levasse em direção à

linha. Dessa forma o barco era naturalmente levado à área desejada, a uma

velocidade bastante reduzida e o aparelho permanecia na posição correta.

Realizamos essa operação diversas vezes, compondo um grid virtual

nas águas próximas à ponta da Trincheira. Por fim localizamos uma forte

anomalia magnética justamente no ponto onde estaria localizada a rede.

Mergulhamos mas a condição do mar não permitiu mais prospecções

subaquáticas e nem escavações e demos por encerrada a última etapa de

campo.

Estava confirmado que a rede está presa no canhão e que deveríamos

escavar aquele ponto. Mas essa operação toma agora proporções que

Figura 38: Trabalhos de leitura

com o magnetômetro. Foto: F.

Calippo, 2001.

Page 128: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

128

transcendem os objetivos e os meios dessa pesquisa de mestrado. Vejamos o

porquê.

14 As intervenções futuras: perspectivas

Com a certeza de termos achado, pelo menos, um dos canhões,

podemos, finalmente, integrar todos os objetivos dessa pesquisa de mestrado.

A pesquisa documental escrita está totalmente integrada ao

levantamento documental material, que por sua vez uniu, de forma pioneira, a

prospecção arqueológica tradicional, terrestre, com a pesquisa arqueológica

subaquática e com as prospecções geofísicas. E nesse último campo devemos

ressaltar que avançamos como ninguém antes, no Brasil, porque

desenvolvemos, em parceria com outras instituições, equipamentos, técnicas e

metodologias inovadoras, especiais para o ambiente subaquático.

Ao lado disso temos um corpo teórico bem lastreado que norteou do

início ao fim esta pesquisa, fazendo com que trabalhássemos metodologias e

técnicas em uníssono, produzindo conhecimento sobre uma área pouco

compreendida, o que esperamos deixar mais evidente no próximo capítulo.

Apesar disso tudo, podem surgir as perguntas: onde estão os canhões,

afinal? Por que eles não foram escavados? Porque não há nenhuma foto dos

canhões que estão embaixo d’água?

Em primeiro lugar, há que se dizer que o desenrolar das pesquisas

levou-nos a uma compreensão bastante grande dos processos de formação

dos sítios arqueológicos em barras, de modo que atestamos que a escavação

dos canhões submersos da ponta da Trincheira demanda esforços de outro

tipo: uma embarcação grande, diversos cilindros e uma numerosa equipe de

arqueólogos-mergulhadores trabalhando todo o dia, com ou sem visibilidade,

com ou sem correnteza. Ou seja, um trabalho braçal de limpeza, que será

realizado num futuro próximo.

Em segundo lugar, é necessário que tenhamos em mente que a região

que circunda a ponta da Trincheira é um dos locais mais dinâmicos do canal da

desembocadura lagunar de Cananéia. Além de estes depósitos estarem

sujeitos às conseqüências do encontro das diversas correntes de maré vazante

Page 129: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

129

e do impacto direto das ondas que penetram através da barra de Cananéia, a

estabilidade deste local depende principalmente das intensas variações

sazonais a que estão sujeitos estes processos.

Com a mudança das estações e, conseqüentemente, com a alteração

dos principais fatores que condicionam a hidrodinâmica local, como por

exemplo, o padrão de ondas, a precipitação atmosférica, a intensidade e

direção dos ventos, a amplitude das marés metereológicas, etc, a estabilidade

morfológica do local se altera. Na prática, isto significa que para um mesmo

local nas adjacências da ponta da Trincheira, dependendo da época do ano,

fatores como correntes de ondas e marés, taxas de transporte e deposição de

sedimentos, profundidades, etc podem variar significativamente (Calippo, 2002,

com. pes.).

Daí surgem algumas outras questões: escavando o canhão localizado,

achando os outros canhões e outros sítios, até, como será gerenciado este

patrimônio submerso? Seriam construídas estruturas para assegurar a

autodragagem das estruturas? Seriam implantados museus de sítio?

Pensando especificamente nos canhões, se não houvesse condições da

implantação dos museus de sítio, deveríamos retirá-los de seu repouso

centenário? Teríamos condições de conservá-los ad aeterno?

Toda a problemática levantada transcende a dissertação de mestrado.

Para seus fins, desenterrar os canhões, tirar fotos ou montar circuitos de

visitação são coisas dispensáveis e poderíamos dar por encerrada esta

questão. Entretanto, para o desenvolvimento da arqueologia subaquática no

Brasil e para o próprio desenvolvimento social da região, isso seria

indispensável.

A mobilização de recursos para a escavação dos canhões seria

indubitavelmente utilizada para a evidenciação de outros vestígios

arqueológicos (já localizados) presentes no fundo do canal da barra de

Cananéia, um canal que, há milhares de anos é utilizado pelos seres humanos

para a navegação e para o controle do fluxo da última. Com tudo isso, mais

conhecimento seria produzido com o auxílio da arqueologia subaquática e mais

e mais mostraríamos que estamos interessados em vestígios materiais de

qualquer espécie e não atrás de baús cheios de brumas de tesouros, dentro de

fictícias e intactas embarcações rodeadas de seres fantásticos.

Page 130: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

130

Essa empreitada justificar-se-ia para o desenvolvimento da região

porque colocaria novos paradigmas em discussão. As duas possibilidades, a

criação de um museu de sítio e a retirada dos canhões suscitariam, um

investimento de idéias: realizar uma ou outra coisa demandaria uma ampla

discussão que indefectivelmente teria que caminhar para o desenvolvimento do

turismo patrimonial subaquático ou a criação de uma estrutura para a

conservação e musealização das peças fora d’água, feito sem precedentes no

país.

Page 131: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

131

25o5’

47o53’

Figura 39: Mapa:

F. Calippo, 2002.

Page 132: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

132

Figura 40: Montagem da

seqüência interpretativa dos

dados obtidos com as

prospecções geofísicas e

arqueológicas.

Page 133: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

133

Capítulo 4

Comparação entre subsistemas

Apesar das fortificações dos subsistemas São Sebastião/ Ilhabela e

Cananéia/ Iguape serem da mesma época e classificadas como “provisórias”,

percebemos ao longo da pesquisa arqueológica que a edificação e o

armamento delas, obedecem a motivações e critérios diferentes. Qual

informação levaria a essa consideração? Examinemos o equipamento mais

característico dos baluartes, as muralhas.

A comparação entre as construções das fortificações dos dois

subsistemas só pode ser feita através de documentos escritos para Cananéia/

Iguape e de documentação material no caso de São Sebastião/ Ilhabela. Apesar

dessa disparidade entre qualidades de documentos, os resultados são bastante

bons.

O levantamento de campo de São Sebastião levou-nos à localização de

uma das fortificações e os contatos com outros pesquisadores levaram à

obtenção de documentação gráfica de algumas fortificações de Ilhabela. Tanto

a fortificação em S. Sebastião quanto às de Ilhabela são bastante simples, à

exceção da fortificação de ponta das Canas, que seria uma obra “permanente”

se não tivesse sua edificação interrompida em 1831.

Vamos excluir as fortificações de Ilhabela da comparação70 e tomemos a

fortificação de Sepitiba, em S. Sebastião, que foi mais bem estudada. Apesar de

suas muralhas estarem bastante deterioradas, podemos perceber que ela é

composta por pedras sem qualquer argamassa e que o aterro que absorveria o

impacto dos disparos adversários é bastante irregular, não se sabendo a razão

dessa última característica.

Quanto à fortificação da ponta da Trincheira, apesar de termos localizado

durante as prospecções arqueológicas subaquática, seguramente, um dos

canhões submersos, não achamos nenhum vestígio de construção do baluarte.

70 Vamos excluir a fortificação da praia da Feiticeira porque suas ruínas foram arrasadas pelo dono do terreno, segundo informações do arqueólogo Plácido Cali. À fortificação de ponta das Canas retornaremos mais para frente.

Page 134: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

134

Entretanto, existe farta documentação escrita a respeito dos equipamentos da

fortificação e nela não consta que a qualquer momento tenha existido uma

muralha fixa para sua defesa.

A tendência, então, seria atribuir à fortificação de Sepitiba uma maior

solidez, dentro de sua precariedade. Mas isso seria uma atitude precipitada.

Na seção referente à evolução das fortificações, dissemos que na época

da construção do sistema defensivo paulista, as fortificações primavam pela

segurança das guarnições, que passaram a ficar protegidas dos novos projéteis

explosivos e incendiários. Perto desses parâmetros, as fortificações de ambos

os subsistemas seriam obsoletas. Mas, se pensarmos que elas eram

trincheiras, fortins, redutos ou fortes efêmeros, veremos que elas estão mais

próximas das obras de cerco (embora as fortificações não fossem voltadas para

sitiar e sim para proteger), as trincheiras, obras de rápida execução, do que das

inexpugnáveis casamatas que passaram a ser construídas a partir do início do

século 19. Logo, para entender as fortificações em questão precisaríamos

pensá-las como estruturas desenvolvidas e construídas da noite para o dia,

praticamente.

Essas obras, apesar de serem pleiteadas ou planejadas, muitas vezes,

até cem anos antes, só foram executadas perante a situação de máxima tensão

do precário equilíbrio de forças no centro-sul da América do Sul, durante as

guerras de independência no Prata e a movimentação da esquadra espanhola

ao longo das costas brasileiras (1819-1820). Foi essa situação o principal

catalisador para a construção de um cinturão defensivo integrado e não mais

para a edificação de defesas que protegessem pontos específicos. Findas as

ameaças, as fortificações passaram a servir para outros propósitos, somente

voltando a ser alvo das atenções em épocas de guerra.

Outro fator que nos ajuda a entender o papel das fortificações na defesa

do território é a percepção de que as forças contra as quais elas se defenderiam

eram bastante exíguas. A exceção da frota espanhola, nenhuma das armadas

platinas ofereceria grande poder de fogo (geralmente eram embarcações

pequenas, de comércio, adaptadas para a guerra), o que colocaria as precárias

fortificações em vantagem. E se combinarmos o poder de fogo delas com uma

pequena força naval de combate, estratégia largamente utilizada no cone sul

(Vidigal, 1985: 16), teríamos uma boa defesa.

Page 135: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

135

Finalmente chegamos a uma evidência material das muralhas que

poderia gerar interpretações errôneas sobre essas precárias obras de defesa.

Uma característica desse tipo de construção, a trincheira do século 19, é que

ela é composta por barreiras de cestos cheios de terra, areia, pedra, entulho

enfim. Devido às condições do meio ambiente na qual encontram-se essas

fortificações (ventos, maresia), do registro arqueológico desaparecem os cestos

de cipó e só permanece o conteúdo deles. Então, o monte de pedra e entulho

que os arqueólogos encontram, muitas vezes representa uma muralha

construída às pressas, para um alerta ou um combate, não refletindo uma

situação de longa duração, não evidenciando uma fortificação “permanente”

como o registro arqueológico levaria a entender. Além de sua deterioração

muitas vezes esses cestos eram retirados e só recolocados em situação de

beligerância. Dessa forma, podemos dizer que muitas das informações

materiais das fortificações foram perdidas porque ou os cestos foram retirados

ou eles simplesmente apodreceram, transformando uma efêmera porém

organizada muralha em um monte de entulho. E são boas as pistas que nos

levam a acreditar que foi isso que aconteceu com aquelas fortificações, uma vez

que o documento 1839c do Corpus documental ordena aos comandantes da

Guarda Nacional de Iguape e Cananéia que seja levantada “alguma cortina de

faxina” nas baterias existentes na região.

Vimos que através das muralhas não é possível estabelecer uma

diferenciação entre os subsistemas. Passemos então das muralhas para os

canhões para tentar compreender as singularidades de um e outro subsistema.

Tanto em Cananéia e Iguape quanto em S. Sebastião e Ilhabela encontramos

peças de artilharia inglesas de meados do século 18, todas elas do padrão

Armstrong. Essas peças foram levadas para essas localidades na segunda

década do século 19. Nessa época elas já eram obsoletas – refugo da Marinha

e do Exército Inglês. Entretanto, em S. Sebastião e em Ilhabela encontramos

peças de artilharia inglesas do padrão Blomefield as quais foram fundidas em

1825 e levadas para lá em 1827, em plena guerra da Cisplatina (1825-1828).

Representavam elas a alta tecnologia bélica da época, conjugando produção

em massa com eficiência de tiro.

A diferença entre o armamento dos dois subsistemas pode ser explicada

por três fatores.

Page 136: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

136

O primeiro é de caráter geográfico: o canal de São Sebastião é muito

mais largo e mais profundo do que o canal da barra de Cananéia. Para que a

estratégia de cruzar fogos entre as fortificações de São Sebastião e Ilhabela

desse certo (e mesmo assim, minimamente), seriam necessárias peças mais

potentes e que pudessem ser levadas ao extremo sem o perigo de explodirem.

Já o canal da barra de Cananéia, estreito e com diversos bancos de areia,

poderia muito bem ser defendido pelo equilibrado conjunto de obsoletas peças

instaladas na ponta da Trincheira (caso elas não explodissem, caso alguém

soubesse operá-las, etc).

O segundo explica-se pela circulação de mercadorias. O litoral norte,

devido a um maior fluxo comercial, tinha maior necessidade de ser controlado/

protegido do que Iguape ou Cananéia. No trabalho do brigadeiro Müller (1978:

228-232), em 1837, o movimento comercial de S. Sebastião, Ilhabela e,

principalmente, Ubatuba, que recebiam a produção de café do vale do Paraíba,

suplantava em muitas vezes a movimentação de Iguape e Cananéia.

O terceiro é o que mais nos interessa. A necessidade de armamento mais

eficiente para as “provisórias” fortificações do litoral norte explica-se pela

proximidade dessa região com o Rio de Janeiro. O ofício transcrito abaixo,

escrito no início da guerra Cisplatina, dá mostras da crescente preocupação que

inspirava a praça de São Sebastião (Ilhabela inclusa):

“Tendo nesta ocasião ordenado aos governadores dessa

Praça, e da Vila de S. Sebastião reforcem as guarnições das

Fortalezas e dos Fortes por isso que consta haverem saído do

Chile uma Fragata, 2 Corvetas e um Brigue, as quais foram

compradas ali pelo Governo de Buenos Aires, com o intento

de infestar as Costas deste Império, e que por conseqüência

se deveriam tomar todas as medidas de precaução para

repelir, e frustrar qualquer tentativa do inimigo, cumpre

portanto que V. S. ordene a todos os Comandantes das

Companhias do Batalhão do seu Comando, que se conservem

prevenidas, e tenham prontas suas Companhias para pegarem

em armas, afim de evitarem toda e qualquer surpresa,

principalmente na Vila de S. Sebastião, cujas Companhias

deverão prestar a todas as ordens do respectivo Governador,

bem como V. S. ao dessa Praça.

Page 137: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

137

Deus Guarde V. S.

Quartel General de S. Paulo, 17 de Outubro de 1826

José da Silva Brandão71

O documento, endereçado à Santos, trata do subsistema de São

Sebastião/ Ilhabela com grande ênfase, o que reforça a idéia da implantação

consciente de um sistema defensivo no litoral paulista que se integrasse às

defesas da costa próximas à Corte, que até a década de 1850 enfrentaria

grandes problemas para manter unidas as heterogêneas Províncias de um

imenso território. De fato, além do cinturão defensivo da baía de Guanabara, o

litoral próximo à cidade do Rio de Janeiro era guarnecido por fortificações em

Parati (forte Defensor Perpétuo, reformado em 1822), Angra dos Reis e em

Cabo Frio (forte S. Mateus), no atual Estado do Rio de Janeiro. A preocupação

em defender a praça onde situava-se a administração da colônia, depois a

Corte e posteriormente, a capital da república é uma constante a partir do

século 18 que só vai terminar com a transferência da capital para Brasília, na

década de 1960. É claro que, a partir do final do século 19, o desenvolvimento

das armas acaba por proporcionar outras soluções defensivas que não passam

pela construção de fortificações. Mas, na primeira metade do século 19, a

preocupação em defender é evidenciada justamente pela construção e

equipagem de fortificações.

Todas essas considerações são apropriadas para o curto período que vai

desde 1819 até 1831 e nos períodos de combates mais encarniçados das

guerras e revoltas da primeira metade do século 19. A partir desse período,

dentro do contexto militar brasileiro, as prioridades mudam e dá-se mais ênfase

à guerra de movimento (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.)72, além de surgir

uma marinha de guerra estruturada, com equipamento próprio para o combate.

No contexto militar internacional surgem embarcações de guerra cada vez mais

poderosas, demandando fortificações cada vez mais sólidas. É durante a guerra

71 AMS-FM, grupo 3: regulamentação geral; série: ofícios; doc. 1/57/6. 72 Além das fortificações precárias serem esquecidas, as obras “permanentes” são fechadas e, as que estavam em construção, tal como a fortificação da ponta das Canas, são abandonadas. Esse “sucateamento” era conseqüência da política adotada pela regência, a partir de 1831, de diminuição do efetivo do exército (Holanda, 1965: 275-278) e da manutenção de poucas fortificações em funcionamento, optando pela guerra de deslocamento e pela ação da Guarda Nacional.

Page 138: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

138

da Criméia (1854-1856), divisor de águas, que são percebidas as virtudes dos

novos encouraçados e das suas novas armas, bem como das desvantagens

das baterias e fortificações de terra. E os efeitos da nova forma de guerrear são

sentidos rapidamente no Brasil, com os episódios da Questão Cristie, em 1862,

quando embarcações de guerra inglesas bombardeiam as fortificações do Rio

de Janeiro, demonstrando, indiretamente, que nossas fortificações precisavam

ser reformuladas (Adler H. F. Castro, 2001: com. pes.).

Apesar das fortificações das áreas em questão serem voltadas, do ponto

de vista militar, para sanar problemas bélicos específicos, seus usos não param

por aí. No caso da planície costeira Cananéia/ Iguape, elas assumem diferentes

papéis, que vão desde o controle do fluxo de embarcações até o isolamento de

doentes de cólera.

Vamos adiante examinar os usos atribuídos às fortificações da Planície e

como a compreensão desse processo serviu para uma interpretação

arqueológica da história da região. Quanto às fortificações de São Sebastião e

Ilhabela, seria necessário um outro trabalho para a compreensão dos usos não

bélicos das fortificações.

A fortificação da ponta da Trincheira nas guerras

O funcionamento da fortificação da ponta da Trincheira só trouxe

preocupação real por ocasião da guerra Cisplatina (1825-1828) e a revolução

Farroupilha (1835-1845), as quais poderiam animar os ímpetos separatistas de

uma região pouco acessível ao poder central, como era o caso do vale do

Ribeira.

A questão da defesa do território, ameaçado de invasão pelas Províncias

Unidas do Prata (atual Argentina), durante a guerra Cisplatina, foi organizada da

melhor forma possível. No caso da fortificação da ponta da Trincheira, tropas de

primeira linha foram enviadas para operar a referida fortificação73 (CD, docs.

1828a e 1828e) e reformas foram realizadas no que se pode chamar de

73 Raramente as companhias milicianas ou da guarda nacional tinham elementos que soubessem manobrar as peças, motivo de queixa de vários ofícios levantados (AMS-FM, cx. 5, doc. 1A/37/6, BN, loc. II-35,26,70).

Page 139: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

139

primeira fase da fortificação, que iria de 1824-1825 a 1839 (CD, diversos

documentos). Entretanto, o fator mais importante do conflito, a guerra de corso,

que ameaçou falir o país, só poderia ser enfrentada eficazmente pela marinha

de guerra74.

Em todo o litoral brasileiro, até Pernambuco, ocorriam as atividades de

corso: certos capitães, que poderiam ser oficiais de armadas européias, eram

credenciados para atacar embarcações brasileiras, ficando com parte do saque

e dando outra ao governo que lhe autorizara75 (Holanda, 1965: 300-328; Atlas

histórico, 1998). Dessa forma a ameaça era mais às embarcações mercantes

do que às localidades. Dificilmente o pequeno contingente dos navios corsários

arriscar-se-ia em escaramuças em terra firme e desconhecida76.

A região tinha papel vital nesse tipo de tática de guerra. Apesar de

alguns habitantes ficarem apreensivos com a movimentação dos corsários pela

área, é certo que alguns se beneficiavam disso como podemos ver no trecho

transcrito:

“É um porto de mar [Paranaguá], muito próximo ao inimigo

atual, é quase sempre freqüentado de Estrangeiros, tem não

pequeno número de Embarcações, e por isso é preciso que

haja nele uma vigorosa Polícia, a qual é feita pelas Patrulhas

que vigilante rondam de noite e de dia, a fim de promoverem o

sossego e a paz que gozam seus moradores fiados em seus

guardas” (p.1, 18a. linha).

“O grande conhecimento e imensas relações que tem deste

Porto os habitantes de Buenos Aires, me dá bastante cuidado

para me acautelar, e V. E. mesmo reconhecendo o me

74 Geralmente as embarcações inimigas se esquivavam das fortificações, como ocorreu no caso da tomada de uma lancha carregada de arroz no porto de Iguape em 1828 (CD, docs. 1828a, c e d). Outro exemplo disso é o bombardeamento de uma embarcação mercante nas proximidades da fortaleza da ilha do Mel, próxima à Paranaguá, PR. A guarnição da fortificação, sem poder intervir no combate, devido à distância, só pôde assistir ao evento (AESP, C02375, 05/06/1828). 75 Segundo Leandro Duran (2002: com. pes.), nem sempre os corsários eram obrigados a dar parte do butim para o governo que lhe fornecia a carta de corso porque só o fato do inimigo ser atacado já era vantajoso para o oponente. 76 Quando o faziam, geralmente praticavam atos pontuais de sabotagem, como é o caso da investida ao sítio do Poço, em São Sebastião, em julho de 1827 (Almeida, 1946: 18-19).

Page 140: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

140

recomenda, e como o posso eu fazer sem guarnição” (p.2, 4a.

linha)77.

Saindo da foz do rio da Prata e navegando mais para o norte e a favor do

correr do tempo, encontramos outros portos muito ligados ao sul da Província

de São Paulo, os portos das Províncias do Rio Grande do Sul e de Santa

Catarina. Quando irrompe a revolução Farroupilha, em 1835, o mais longo e

ameaçador conflito à unidade do Império ocorrido na primeira metade do século

19, ainda não era possível sentir seus impactos no litoral de São Paulo, mas

quando os rebeldes tomam Laguna, em 1839, tudo muda de figura.

É a partir da tomada do porto de Laguna, SC que as forças navais rio-

grandenses, através das proezas náutico-bélicas de Anita e Giuseppe Garibaldi,

conseguem, mesmo que por pouco tempo, uma saída para o mar (Atlas

Histórico, 1998: 62-63; Spalding, 1980: 55). Só então é que as autoridades

militares de S. Paulo vão empreender reformas consideráveis na fortificação,

podendo-se até mesmo aventar a hipótese de que essa fortificação tenha sido

inteiramente reconstruída nessa época, sugerindo uma segunda e mais sólida

fase, de 1839 a 1856 (CD, diversos documentos).

Mais uma vez temos o dúbio papel da região. Apesar da guerra de corso

ser novamente aplicada, minando o comércio regular marítimo e a vida das

gentes de mar, uma parcela da população beneficiava-se da guerra.

Em 16/02/1838, o administrador da Mesa de Diversas Rendas de

Cananéia, Fidêncio José Nolasco, escreve ao presidente da Província de São

Paulo comunicando o recebimento de aviso imperial sobre a venda de gêneros

produzidos na Província aos Farrapos. O administrador escreve que fará forte

fiscalização e que não seriam mais repassadas mercadorias para as

localidades em conflito78. Mas pelo visto a determinação do administrador da

mesa não foi o suficiente para controlar o fluxo dos rebeldes na região: vários

ofícios trocados entre o Presidente da Província e o ministério da Guerra, em

1839, falam da ameaça que os “corsários” representavam às vilas de Iguape e,

77 Ofício enviado pelo Coronel graduado e Comandante Militar João Francisco Bellegarde ao Brigadeiro José da Silva Brandão, referente a diminuição do efetivo da guarnição (AESP, C02374, 20/01/1826). 78 AESP, C00861, pasta 1, doc. 46, 16/02/1838.

Page 141: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

141

principalmente, Cananéia. Temia-se, de certa forma ingenuamente, que os

rebeldes já houvessem feito contato com terra79.

Novamente, a exemplo da guerra Cisplatina, somos levados a crer que

as esperanças do governo para deter a guerra de corso e as infiltrações dos

rebeldes eram legadas à marinha.

Em 1839, a corveta Regeneração já havia perseguido os rebeldes nos

mares da Planície. Estes ficavam entre a ponta da Juréia e a barra de

Cananéia, escondidos em locais de baixo calado, inadequados à corveta80.

Também em 1839 temos informações de que os comboios escoltados por

navios de guerra eram a solução para enfrentar o problema da pilhagem

(Young, 1904: 346-347), deixando as fortificações apenas para cuidar de

revoltosos realmente abusados.

Ainda na parte naval temos a dupla proteção oferecida pela canhoneira

Iguape, que baixou ferros no porto de Cananéia em junho de 184281. Dupla

proteção porque garantia que os rebeldes se mantivessem afastados da região

e ainda controlava um porto de uma Província que encabeçava uma outra

rebelião, a chamada Revolução Liberal de 184282.

A defesa da região contra ameaças “estrangeiras” era feita através de

uma interação entre fortificações e forças navais (embora as últimas tivessem

papel mais notável). Mas o controle dos habitantes, de seu modo de vida e do

fluxo de mercadorias ficava, até o período Regencial, a cargo das fortificações e

de suas guarnições. As embarcações de guerra só se deslocavam para a área

em situações de grande ameaça, como no caso narrado acima. Vejamos abaixo

como a fortificação da ponta da Trincheira se enquadra nessa situação e como

o controle interno se fez presente depois do fim do Primeiro Império.

79ANRJ, Fundos dos Ministérios: da Guerra. IG1 150, 1832-1839, Ministério da Guerra - S. Paulo, correspondência do presidente da Província - Rel. - 1A. Documentos 486, 487, 488, 489, 490, 491, 492, 493, 494 e 495 da pasta de 1839. 80 A corveta era comandada por Joaquim Leal Ferreira, capitão de fragata e comandante, o qual pedia um barco de guerra de menor calado. As referências são as mesmas da nota anterior. 81 AESP, C00861, pasta 2, doc. 99, 13/06/1842. 82 É importante ressaltar que a canhoneira chega à Cananéia pouco mais de um mês depois do início da revolução, que havia começado em Sorocaba e atingido Itapetininga e Itapeva da Faxina, localidades próximas ao vale do Ribeira (Atlas Histórico, 1998: 64-65).

Page 142: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

142

O controle do fluxo de embarcações: o combate ao “contrabando”

A manutenção e consolidação das fronteiras meridionais, a partir de

meados do século 18, dependiam do estabelecimento de rotas de comunicação

entre o sul e o centro-sul do Estado do Brasil. Tais rotas, ao mesmo tempo em

que criaram condições de sustentação do projeto colonial, possibilitaram o

intercâmbio comercial entre partes outrora isoladas. O caráter restritivo do

comércio permitido pela metrópole e a expansão da capacidade inglesa de

produção de bens favoreciam a prática do contrabando e, os grandes centros

de distribuição de mercadorias eram justamente as localidades do rio da Prata

(Bellotto, 1978). Daí os esforços da coroa portuguesa em regular essa rota.

Teria o contrabando sido tão importante para a sociedade colonial

brasileira? Pode isso ser mensurável no registro arqueológico? Teriam os

comerciantes do litoral sul de São Paulo alguma relação com o contrabando

platino?

Tudo leva a crer que as respostas às perguntas acima são positivas. A

importância do contrabando é bastante grande na vida material e na formação

dos vestígios arqueológicos.

Quando, em 1785 é decretada a proibição de manufaturas nas colônias

portuguesas, tal medida foi mais voltada para coibir o contrabando do que a

produção manufatureira, que se resumia a uns poucos teares em Minas Gerais

ou na Bahia (Novais, 1966: 145-166).

Quanto à importância de objetos outrora contrabandeados em registros

arqueológicos, pode ser citado o trabalho de Denise Ognibeni realizado em

sítios do RS. Segundo a autora, certos artefatos que só seriam encontrados no

Brasil colônia a partir de 1808, com a liberação dos portos das colônias às

nações amigas, são encontrados em estratos arqueológicos anteriores a essa

data (1997: com. pes.; Anais do IX congresso da SAB, 2000).

Apesar da resposta à última pergunta ainda não ser, do ponto de vista do

contexto arqueológico do baixo vale do Ribeira, possível, evidências textuais

colocam a ilha do Bom Abrigo, situada a SO da entrada da barra de Cananéia,

como pólo receptador de atividades comerciais ilícitas. E. Young (1905: 306),

transcreve um documento datado de 18/09/1833, enviado para o juiz de paz da

vila de Iguape, no qual exige-se que sejam tomadas providências contra o

Page 143: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

143

desembarque de escravos africanos na ilha do Bom Abrigo, os quais

supostamente seriam contrabandeados para o distrito de Iguape.

Também em 1850 deparamo-nos com a apreensão de uma embarcação,

que traficava negros africanos, nos arredores de Cananéia (CD, 1850a e b).

Tendo sido exposta a situação, podemos dizer que uma das funções do

sistema defensivo era coibir qualquer fluxo comercial indesejado, de alguma

forma apoiado pela população local, que escapasse ao controle da metrópole,

algo muito comum no litoral de São Paulo, mas mais ainda nessa região, tão

ligada à foz do rio da Prata.

Mas a percepção dessa forma de controle seria mais complexa do que

poderíamos imaginar. Como vimos, a fortificação era armada com equipamento

obsoleto e mesmo assim este só estava em condições de ser utilizado em

épocas de guerra, quando eram enviados soldados que sabiam efetivamente

manejar a artilharia que somente nesses períodos era propriamente montada.

Então, de que forma dar-se-ia esse controle?

Até agora falamos da fortificação como um aparato militar, sua função

mais óbvia. Contudo, a partir de agora exploraremos sua função simbólica, que

não está absolutamente dissociada da militar, porque ela também faz parte dos

jogos de guerra do Antigo Regime. A apresentação das forças armadas no

campo de batalha, com reluzentes uniformes e canhões, diversos estandartes e

pavilhões, tudo isso encadeado em um balé sincronizado, do qual participavam

todos os beligerantes, era considerado parte essencial da “arte da guerra” e “um

exército era julgado tanto por sua aparência no campo de batalha como pela

perícia e bravura” (Rapoport in Clausewitz, 1979: 13-14).

A preocupação com a pompa é notória em vários documentos escritos.

Freqüentemente preocupava-se mais com fardas e bandeiras do que com

armas (Sousa, 1922: 175-197), e é muito mais fácil encontrar botões do que

projéteis em escavações arqueológicas de fortificações paulistas83.

De acordo com o que foi exposto acima, poderíamos pensar que a

fortificação foi concebida para coibir o comércio ilegal através da ostentação de

83 Entre 1997 e 1998 tive a oportunidade de trabalhar com o material encontrado em escavações da fortaleza da Barra Grande, Guarujá, SP, realizada em 1988 pela prof ª. Scatamacchia. Dentro do universo de vestígios especificamente militares, foram encontrados mais botões do que projéteis. Apesar do fato não estabelecer um padrão, é mais uma pista para ser futuramente investigada.

Page 144: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

144

seu perfil imponente, de suas vistosas bandeiras e de seus reluzentes canhões.

Mas mais uma vez isso não é tão simples. Se a fortificação se apresentasse de

uma forma impecável, apesar de incapaz de dar um tiro, essa hipótese seria

plausível. Entretanto era ela uma simples trincheira, ruinosa, largada num lugar

praticamente desabitado, onde só existiam pescadores ao redor.

A bem da verdade, tanto a eficácia bélica quanto a eficácia simbólica

explicariam o papel da fortificação na regulação do fluxo de embarcações.

Entretanto, vimos que ambas falham, isso porque a fortificação é um elemento

de controle fora da realidade daquele período, colocado lá tardiamente. É um

marco físico de longo termo que, num espaço de pouco mais de uma década

(de 1819, quando se planeja construir uma fortificação naquele local, até 1831,

quando grande parte das fortificações do litoral é desativada) torna-se obsoleto.

Dentro do princípio de manutenção de poder no qual está inserida a

fortificação, o desacato à ordem monárquica portuguesa era punido com a

aniquilação física, possível, em tese, pelo bombardeamento. Esse tipo de

castigo, aplicado por barreiras físicas e punições corpóreas, é característico

ainda da lógica do Antigo Regime. Com o domínio do modo de produção

capitalista, ocidental e contemporâneo, as punições passam a ter conotações

mais morais do que físicas. A idéia do poder barroco, monárquico e religioso,

emanado diretamente do monarca por sobre o súdito, cede espaço à idéia de

que o poder das várias instituições liberais e democráticas, tributárias da

pulverização do poder real, pune moralmente. Uma vez que o poder ao qual um

cidadão é submetido é também uma emanação da sua própria vontade em

constituir esse poder, o maior castigo para ele é ficar excluído do seu papel de

indivíduo dentro da sociedade. É claro que o uso da força física não é

descartado: ele é utilizado onde a negociação já não é mais possível, como foi

o caso da guerra Cisplastina e a dos Farrapos. E o poder físico continuou a ser

utilizado, de forma paradigmática, por um embrião de sociedade civil classista84

que ostentava ser liberal e moderna85, enquanto a mão de obra escrava

predominou.

84 Para uma melhor compreensão do assunto, ver o 4 º. Capítulo de A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes. 85 Para uma maior compreensão do assunto ver: Andrade Lima, Tânia et al. A Tralha Doméstica em Meados do Século XIX: Reflexos da Emergência da Pequena Burguesia do Rio de Janeiro. In Dédalo. São Paulo, Publicação Avulsa, 1989, 1, pp. 205-230.

Page 145: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

145

A fortificação da ponta da Trincheira é instalada justamente no momento

em que consolida-se essa transição do absolutismo metropolitano para a

monarquia constitucional nacional. Apesar dela ter certo peso nos períodos de

lutas, seu papel é incerto numa época em que surgem novas formas de garantir

o poder e novos marcos dessas novas formas. Isso pode ser vislumbrado no

episódio da captura do negro africano em 1850, o qual fica aprisionado na

fortificação (CD, docs. 1850a e b). Naquele momento, quando o judiciário86 e o

legislativo municipal já tinham papéis definidos no município, conduzindo os

assuntos de polícia e de administração local, ainda não existia um imóvel

específico para funcionar como casa de câmara e cadeia em Cananéia87. Ainda

não havia surgido um marco para a nova forma de poder. Então o imóvel mais

apropriado para o aprisionamento daquele homem era a afastada casa da

fortificação, um antigo símbolo de poder ao qual dava-se um outro uso.

Essa pode parecer uma hipótese apressada, mas ela ainda é respaldada

por outros eventos. Entre 1855 e 1856 uma epidemia de cólera assola o Rio de

Janeiro (CD, 1855a, b, c e d, 1856a e b). Como conseqüência, todas as

localidades portuárias são obrigadas a estabelecer locais de quarentena onde

possíveis infectados pudessem permanecer isolados. Como Cananéia não

possuía um “lazareto” e nem os locais aventados pelo delegado de polícia ou

pela câmara foram aprovados (Almeida, 1963: 209-211), a fortificação da ponta

da Trincheira é escolhida para ser o local da quarentena. Outra vez temos uma

preocupação nova para a época, a de se tratar convenientemente os infectados

por moléstias contagiosas, uma preocupação sanitizadora, mas que não tinha o

respaldo material, imóvel (hospital), utilizando-se de um antigo marco de poder

esvaziado, que poderia ser utilizado para um fim que certamente o

desqualificaria para qualquer outro uso88.

86 As questões de polícia passam a figurar a partir de 1849 (pasta 3, vários); em 1852 é criado o corpo de guardas municipais permanentes (pasta 3 e 4, vários) e nesse mesmo ano surge um regulamento para o uso de instrumentos pérfuro-cortantes (pasta 4, vários). AESP, C00862. 87 AESP, C00862, pasta 5, doc. 48, 08/07/1860. A casa de câmara e cadeia estava quase pronta. Paredes estavam erguidas e cobertas de telhas. 88 Almeida (1963: 210), transcrevendo documento enviado da câmara de Cananéia para o delegado, em 1855, mostra-nos que os locais aventados, pelo delegado, para a quarentena, eram casas ou na i. do Bom Abrigo ou na praia de Ipanema (i. do Cardoso, em mar aberto), localidades extremamente afastadas da vila. O local sugerido pela câmara eram as casas desabitadas nos arredores do Pereirinha, na i. do Cardoso (base do atual IPEC), já dentro da baía de Trapandé e, conseqüentemente, mais próximo da vila. Entretanto sugere ela que as embarcações em quarentena fiquem mais ou menos há uma milha de distância da terra. Com

Page 146: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

146

E esse foi seu último uso. Num levantamento sobre as condições das

fortificações do litoral brasileiro, feito em 1863, a fortificação da ponta da

Trincheira nem ao menos figurava como um local desativado que poderia ser

reutilizado (CD, 1863). Então podemos estabelecer um fim para a fortificação

entre os anos de 1856 e 1863, justamente o período em que surge um marco

físico dos novos poderes (casa de câmara e cadeia).

Outro evento que legitima nossa hipótese é a destruição física da

fortificação da ponta da Trincheira. É interessante notar que a fortificação não

foi simplesmente abandonada e tornou-se ruína. Ela foi destruída pelo mar e

seus vestígios saíram das vistas dos habitantes de Cananéia e dos navegantes

da área.

A barra de Cananéia, a exemplo de outras no litoral brasileiro, não tem

margens estáveis89. À época da existência da fortificação, essa variação

também ocorria, o que nos levaria a pensar que, para ter sido destruída pelo

mar somente a partir da última década do século 19, ela teria sido reformada e/

ou reconstruída, em área mais recuada, algumas vezes.

E foi exatamente isso o que aconteceu. O término da primeira

construção deu-se em 1825. Apesar de boa parte das fortificações ter sido

desativada a partir de 1831 (por uma questão de prioridades do governo), entre

1834 e 1839 algumas das edificações da ponta da Trincheira são reconstruídas

em área mais afastada, em parte porque as anteriores estavam arruinadas,

mas principalmente porque as peças de artilharia estavam ameaçadas de cair

no mar.

Em 1839-1840, a fortificação pode ter sido inteiramente reconstruída, o

que podemos chamar de segunda fase da mesma. Apesar dos documentos

escritos não permitirem definir a distribuição das novas obras, é de se supor

que elas contemplaram o avanço do mar.

Em 1867, tem-se notícia de que as edificações estavam arruinadas,

restando íntegras somente as peças de artilharia. Trinta anos mais tarde, em

todas essas precauções para evitar contágios, quem quereria ocupar o imóvel usado pelo lazareto depois de terminada a epidemia? Uma vez que essa epidemia matou quase a metade da população de Cananéia, segundo o mesmo autor, é de se imaginar que tal fato não seria facilmente apagado da memória e que a casa do lazareto seria definitivamente abandonada. 89 Como é o caso da barra de Rio Grande, RS. Flávio R. Calippo relatou que algumas fortificações construídas nas margens da barra de Rio Grande desapareceram porque a variação da posição do canal acabou erodindo as bases das mesmas (2000: com. pes.).

Page 147: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

147

1897, apenas uma das peças estava fora da água. Enquanto ela teve uma

função dentro do contexto da manutenção da ordem interna, ela foi recuada.

Quando ela se esvazia completamente de sentido, ela é ignorada e acaba por

ser destruída pelas águas. Dessa maneira, o desaparecimento do forte nunca

pode ser considerado apenas natural. Sua destruição foi também social.

Mas o teste dessa hipótese, nesse trabalho, não é o objetivo principal.

Ela apenas abre as portas para trabalhos futuros que pretenderão, a partir dela,

estudar as outras formas de dominação e seus marcos de poder. Abaixo,

damos algumas idéias sobre isso.

A manutenção do poder na era do liberalismo: uma outra jornada

O controle da planície costeira Cananéia/ Iguape é possível através da

regulamentação do fluxo das mercadorias produzidas ou comercializadas na

região. Se isso é realizado pela presença do poder central, primeiramente

lusitano, depois nacional, materializado em um sistema defensivo, poderiam ser

novos símbolos do poder o controle do fluxo comercial através de novas linhas

de barcos a vapor?

Não seriam essas linhas as possibilidades quase que únicas de

escoamento de mercadorias, em grande escala, dessa região? Não passavam

elas, obrigatoriamente, por Santos e Rio de Janeiro, onde estavam

centralizadas as casas comerciais, bancárias e os poderes provincial e

monárquico? Esses vapores, embarcações maiores que as que costumavam

demandar o porto de Cananéia, passaram a necessitar de estruturas portuárias

maiores e mais elaboradas, que obrigaram o deslocamento dos embarcadouros

para o mar Pequeno, saindo da foz do rio Olaria e das barrancas do riacho

Ipiranga90, hoje canalizado e aterrado, em torno dos quais a cidade cresceu,

retirando das entranhas da povoação o fluxo portuário, deixando-o visível e

centralizado em estruturas municipais e não mais embarcadouros particulares,

que eram às margens das casas dos habitantes.

90 Onde, em suas margens, desenvolveu-se o “porto dos Bugres”, conforme era popularmente chamado, o primitivo conjunto de embarcadouros (Almeida, 1964: 443-444).

Page 148: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

148

Podemos também colocar perguntas sobre o período anterior ao

estabelecimento do sistema defensivo na região. Como se dava o fluxo das

embarcações durante a consolidação das rotas comerciais e das fronteiras

meridionais, na segunda metade do século 18 e início do 19? Quais

embarcações demandavam o porto de Cananéia? Para que aportavam em

Cananéia? O que traziam como mercadoria? O contrabando enviado também

para o rio da Prata? Quem participava do comércio? Enfim, como era a

realidade de Cananéia dentro de um outro esquema de dominação? Quem,

afinal, controlava o que? O estudo de um naufrágio dessa época elucidaria

alguns desses aspectos?

Page 149: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

149

Considerações finais

Os canhões da fortificação da ponta da Trincheira, no final do século 19,

foram retirados do local onde permaneciam esquecidos e levados para

Cananéia. Como já foi anteriormente dito, isso aconteceu antes de 1897.

Em 1895 Cananéia passa de vila à cidade, um fato significativo para

àquela localidade. Poderiam os canhões ter sido transportados para o núcleo

urbano por ocasião de alguma festividade relativa a tal evento?

Mesmo sem ter essa certeza, em 1931 os canhões foram transformados

em monumento, dispostos ao lado de um marco comemorativo da passagem

de Martim Afonso pela localidade. Foi dado um novo uso às obsoletas peças de

artilharia e é esse o intuito final desse e dos outros trabalhos de arqueologia

subaquática na região.

Chegou a hora de darmos um novo uso ao patrimônio cultural

subaquático da planície costeira Cananéia/ Iguape. Temos que incorporar

esses velhos marcos de poder novamente à vida das populações locais, só que

dando a eles novos usos, a saber o usufruto turístico e educacional dos

vestígios submersos in loco, desmistificando a idéia de que esses vestígios têm

que ser retirados do fundo do mar para ter essa função, por que o grande

chamariz deles é justamente o fato de estarem dentro d’água, integrados a um

ambiente tão diferente e fascinante. E assim esses velhos marcos de poder,

anteriormente erguidos para controlar, estariam propiciando o livre

desenvolvimento da região de forma sustentável, através de suas

peculiaridades culturais, outrora vigiadas e reprimidas.

Além disso, essa também é uma maneira de divulgarmos que o

patrimônio cultural subaquático deve ser tratado com o mesmo cuidado com o

qual tratamos o patrimônio cultural emerso: com estudos arqueológicos,

históricos, arquitetônicos, musealização, conservação, etc. Um exemplo disso

vem da situação dos sambaquis da área: um sambaqui emerso não pode ser

depredado porque é um bem arqueológico e leis o protegem. Mas e os

sambaquis submersos (existem vários com suas bases submersas na região)?

Uma vez que a lei 10.166 só regula resgates (e não arqueologia) de naufrágios,

os sambaquis podem ser explorados para virar cal?

Page 150: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

150

Figura 1:

explicação sobre

trabalhos na

Trincheira

oferecida aos

alunos de uma

escola de Sete

Barras (25/5/01).

Foto: PFBC.

Page 151: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

151

Anexo 1

Corpus Documental: sistema defensivo da planície Cananéia/ Iguape

As referências bibliográficas abaixo referem-se às localizações de postos de

parada e fortificações, bem como às edificações, reformas e armamentos das

mesmas. Às vezes, não há referências às fortificações ou qualquer dos outros

temas correlatos. Entretanto, no caso de alguns documentos, a ausência da

referência é uma pista importante. Juntamente com as prospecções

arqueológicas, geofísicas e a história oral, ele alicerça o desenvolvimento das

pesquisas arqueológicas.

?? 1767 – (DI 67, 1943).

Câmara municipal de Cananéia é informada de que os custos para a

edificação da fortificação na ponta do Itacuruça, na ilha do Cardoso, ficariam

por conta dos habitantes da vila.

?? 1803a 12/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Determinação do

conselho de guerra da Capitania de SP.

“Cananéia - fazer-se uma trincheira no morro de S. João, na parte que olha

para a Barra, e colocar nela duas Peças. No caso de ataque ou

desembarque socorrem-se mutuamente as duas Vilas de Iguape e

Cananéia: Iguape avisa a Companhia Miliciana de Xiririca para descer a

socorrê-las.” (AESP, maço 45 [Tempo Colonial], pasta 2, doc.44 - esta é

uma ordem antiga).

?? 1803b 14/09/1803 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Ordens baseadas nas

determinações do conselho de guerra.

“O Sargento Mor Engenheiro João da Costa Ferreira, parta imediatamente

para a Vila de Santos, e em execução das deliberações tomadas no

Conselho de Guerra de doze do presente mês relativo à segurança de

Page 152: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

152

defesa desta Capitania fará aprontar como lhe tenho insinuado, Seis Peças

de Artilharia com o seu competente Corretame e Palamenta para serem

conduzidas sem demora, duas à Vila de Cananéia e quatro a de Paranaguá,

pelo Oficial que para isso tenho nomeado”.

?? 30/04/1809 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do ten. c.el João Jácomo de

Baumann ao cap. gen. da Capitania de SP, Franca e Horta.

“Cheguei à esta Vila ontem à noite pelas seis horas e meia e esta Manhã fui

ver a Barra deste Porto, e achei que era muito Necessário fazer-se um

pequeno Forte na Ponta chamada Itacuruça - que faz o estreito da dita

Barra. Logo que se souber que há alguns Corsários pela Costa, como

também na Barra da Ribeira d’Iguape precisa de uma Defesa, aliás poderá

com muita facilidade Ser invadido todo este Distrito. Assim achei que era da

minha obrigação participar a V. E. para bem do Real Serviço, a fim de se

poder regular no caso que Seja preciso. (...)”.

?? 1819a 30/09/1819 (AMS, FM, CX5, 1A/37/6) - Do ten. c.el comandante

Januário M. Castro Carmo ao sargento mor B. P. Gouvea.

O dito militar precisava de soldados especializados “...no manejo da peça do

calibre de 3 que existe nessa Vila [Cananéia] (...)”, a qual deveria ser

disparada todos os “Domingos e dias Santos”.

?? 1819b 05/12/1819 P. 131, n º. 187 (ABN, 74)- “Ofício do c.el. Afonso

Furtado de Mendonça a João Carlos Augusto Oeynhausen e

Gravemburg, governador e capitão general da Capitania de S. Paulo,

apresentando o resultado da inspeção de reconhecimento que realizara

no litoral de S. Paulo e declarando ter requerido ao ministro Tomás

Antonio de Villanova Portugal fossem adotadas urgentes medidas de

defesa de seus portos. São Paulo, 05 de dezembro de 1819”.

Localização: II-35,26,70.

Excerto:

P. 3, 18a. linha - “O Major graduado Bento Puppo de Gouvea Comandante

das 2 companhias de Iguape, está nas mesmas circunstâncias que o

antecedente [velho demais e doente].

Page 153: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

153

A Vila de Cananéia, que é o único ponto defensável que há desde o de

Santos, até a de Paranaguá; precisa de um oficial hábil que dirija a força

armada, e de um outro de Artilharia para comandar a Bateria, que defende a

Barra. Entre os oficiais que se me apresentaram, tanto neste Distrito, como

no de Iguape, não achei nenhum com os requisitos necessários, para

qualquer dos dois cargos; sendo a defesa destes dois Distritos,

reciprocamente dependente pelas razões expostas na Memória que junto a

esse ofício. (...)”.

?? 1820a 02/01/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do Mal. Cândido

Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao gov. da Capitania.

“Havendo nos Armazéns da Vila de Santos mais bandeiras do que as

precisa para as Fortalezas daquela Praça, rogo a V. E. a mercê de mandar

aplicar duas para as Fortalezas da Barra desta Vila e da de Cananéia”.

?? 1820b 10/01/1820 P. 131, n º. 190 (ABN, 74) - “Ofício do c.el A. F. de

Mendonça ao ministro do Império, T. A. de Villanova Portugal,

remetendo uma memória dos reconhecimentos militares que fizera na

costa de S. Paulo. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1820”.

Localização: II-34,24,30.

Excerto:

P.15 do Anexo - “Distrito de Iguape - A extensão deste Distrito são 28

léguas; 22 desde o Porto do Rio de Una, até a Vila; e 6 da Vila Até ao

extremo do Norte do Distrito de Cananéia: todo este Distrito é naturalmente

defendido, pelas mesmas razões que tem o Distrito da Conceição [braveza

do mar que não deixa desembarcar]. A Vila é muito povoada, e tem algum

Comércio; e toda a exportação se faz pela Barra de Cananéia, que dista da

Vila de Iguape 12 léguas; podendo Embarcações grandes vir perto da Vila,

navegando pelo Mar Pequeno.

Há neste Distrito duas Companhias de Artilharia de Milícias, como se vê do

Mapa junto.

Distrito de Cananéia - Todos os pontos da Costa neste Distrito, que tem 17

léguas de extensão, são por si mesmos defensáveis, a exceção da Barra de

Cananéia, que fica fronteira à Baía de Trapandé, na qual desemboca o Mar

Page 154: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

154

Pequeno. Esta Barra tem légua e quarto de largo, e 4 a 5 de fundo. Julgou o

Engenheiro conveniente, que se fortificasse esta Barra, estabelecendo-se

uma Bateria no Pontal do Norte, que defenda o Canal. A Vila da Cananéia é

muito pouco povoada, admite 200 homens aboletados, e só é de

consideração, pela comunicação que tem com a Vila de Iguape. Tem uma

companhia de Milícias, como mostra o Mapa junto. (...)”.

?? 1820c 16/02/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do M.al Cândido

Xavier de Almeida e Souza [em Paranaguá] ao governador da Capitania.

Solicita a nomeação do “Capitão da 4a. Comp. do 1o. Bat. Do Reg. De

Caçadores Manuel Gomes Pereira de Albuquerque, para dirigir o serviço de

fortificação da vila de Cananéia, onde já se acham prontos os materiais para

a projetada Fortificação”.

?? 1820d 13/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el. D. Pedro

Müller ao governador da Capitania.

Ofício “acusando o recebimento de uma ordem de S. E. pela qual ficava

encarregado da conclusão das Obras Reais da praça de Santos e bem as

Fortificações de Cananéia e Paranaguá”.

O dito c.el. dirigiu-se “ao Marechal Cândido, pedindo “noções das Baterias

de Cananéia, afim de resolver a minha jornada: julgo que aquela está

acabada pelas informações que obtive do 1o. Tenente Rofino Felizardo, que

quando de lá partiu, pouco faltava para sua conclusão”.

?? 1820e 24/03/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do c.el Daniel Pedro

Müller ao governador da Capitania.

Deveria “revistar as fortificações”. Iria prontamente.

?? 1820f 19/04/1820 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor de

Cananéia, Alexandre de Souza Guimarães ao capitão general (?).

Oficiava que havia se dirigido ao mal. C. X. de Almeida e Souza explicando

que as obras da fortificação necessitavam de outro diretor.

Page 155: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

155

?? 06/10/1821 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 207) - “Relação das diferentes

Bocas de fogo distribuídas pelas Baterias da Costa desta Província”.

Do c.el D. Pedro Müller, do batalhão de engenheiros para o governo da

Província.

“Depois de referir-se à vilas de Santos, S. Sebastião, Vila Bela e Paranaguá,

dando os números de 83 peças e seus calibres...

N.B.: Sendo porém da maior necessidade levantar a Bateria que se projetou

em Cananéia, para a qual se deve pedir, pelo menos, 6 peças de Calibre

12, deve-se reputar a totalidade das que se [acestão] na Costa de 89 bocas

de fogo. (AESP, maço 53 (T.C.), doc. 24)”

?? 02/11/1822 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 208) - Do quartel do governo

das armas e praça de Santos para o governador da Província, Joaquim

A. Barreto de Camargo.

“(...) Estão embarcadas na lancha “S. Vicente” que Segue para Iguape uma

peça de Calibre - 12 - para a dita Vila, e seis do dito Calibre para Cananéia,

segundo as Ordens antigas que aqui achei, e também cento e quarenta

Espingardas para serem entregues aos Capitães Mores para quais estão

destinadas, e fico Ciente para a Remessa das duzentas e quarenta clavinas

para Paranaguá na primeira ocasião oportuna (...)”

?? 1823a 30/01/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.30)

“Il.mo e Ex.mo Senhor

Muito meus Senhores. Em cumprimento do Ofício de V. E. e Artigos nele

declarados, dos quais respondo a cada um [1 palavra], visto [1 palavra]

instrução para o fazer por Mapa como V. E. me determinam.

Achava-se em poder de João Jacinto Peniche Capitão de Milícias da

Companhia desta Vila, Sessenta Espingardas com suas baionetas,

Seiscentos cartuchos embalados porém faltas de Patronas [Boldriês], com

mais pertences assim mais uma Peça de Bronze montada, e tudo sem mais

munição alguma de Guerra, e porque existem algumas Espingardas em

poder do Capitão Mor porém como quase todas desconsertadas por falta de

Armeiro, por isso não faço menção de seu número. Acham-se mais seis

Peças de Artilharia /de ferro/ desmontadas e faltas de todos os seus

Page 156: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

156

pertences, e munições de Guerra. A guarnição em gente consta de duas

companhias Milicianas uma desta Vila, e outra de Iguape que se acha nesta

destacada sem a [1 palavra] guarnição alguma de Fortalezas, nem

Trincheiras assim como nem Armazéns, Hospitais, Quartéis, ou Edifícios

algum Militar. Deus Guarde V. E. por muitos anos. Vila de Cananéia 30 de

Janeiro 1823 [ao governo da Província] Joaquim José da Costa”.

?? 1823b 01/03/1823 (Almeida, RHUSP, 51, 1962, 205) - De “membros do

governo” ao capitão mor de Cananéia.

“Da Vila de Santos segue em diligência para a de Cananéia o mestre do

Trem Manoel Francisco de Azevedo, para o fim de fazer montar as seis

Peças que se acham, na mesma Vila para defenderem aquele Porto:

Ordena portanto o Governo Provisório ao Sr. Capitão Mor da Vila, ou quem

suas vezes fizer, preste ao dito Mestre todo o auxílio necessário, para que

com brevidade possível fiquem as mesmas Peças em estado de serem

úteis” (folhas 19 v. e 20, livro 101t).

?? 1823c 08/05/1823 (AESP, C00860, pasta 1, doc.28)

“Muito meus Senhores. A Ordem de V. E. relativa aos Preparos para montar

Artilharia, e Colocá-la no Pontal do Norte desta Barra se acha exatamente

cumprida, Restando; somente as providências para no caso preciso se fazer

delas o devido uso, o que tudo V. E. provirão. Deus Guarde a V. E. por

muitos anos. Vila de Cananéia 8 de Maio 1823. [ao governo da Província] J.

J. da Costa”.

?? 1823d 20/08/1823 (AESP, C02374)

“Il.mo. e Ex.mo. Senhor

Acuso a recepção do ofício que V. E. me dirigiu na data de 24 do mês

próximo passado, o qual me foi entregue no dia 15 do corrente mês pela

uma hora da tarde, determinando-me V. E. no sobre dito Ofício a já de

mandar diminuir um igual número de Milicianos Destacados na Fortaleza da

Barra desta Vila, com aquele de Artilharia da 1a. Linha que, por ordem de V.

E. deverá marchar da Praça de Santos para a referida Vila, afim de servir de

guarnição na mencionada Fortaleza, e pelo prazo de seis meses, devendo o

Page 157: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

157

Comandante do mesmo Destacamento inspecionar as Baterias de

Cananéia, assim como da parte de V. E. do resultado da sua inspeção logo

que o mencionado Destacamento haja de chegar a este Quartel, farei

executar as respeitáveis Ordens de V. E..

Deus Guarde V. E.

Quartel do Governo da Vila de Paranaguá, 20 de Agosto de 1823.”

Observação: o referido destacamento chegou à Paranaguá em 23/08/1823.

?? 1824a 08/05/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do capitão mor

interino Joaquim José da Costa para “membros do governo”.

Declarava ter cumprido as ordens “para montar Artilharia e colocá-la no

Pontal da Barra, restando somente as providências para no caso preciso de

se fazer delas o devido uso”.

?? 1824b 30/09/1824 (Almeida, RHUSP, 51, 1962; AESP, C00860) - Do

ten. Antonio Mariano dos Santos, comandante militar da vila de

Cananéia ao presidente da Província, Lucas Antônio Monteiro de Barros.

“Tendo chegado, e tomado entrega do Comando desta Vila, dei

imediatamente parte ao Ex.mo. Governador das Armas, assim como de tudo

o mais que pareceu necessário, supondo desta maneira ter preenchido o

meu dever no que enganei-me, e “né”[é] por isso que agora tenho a honra

de dirigir-me diretamente a V. E. Ex.mo. Sr. tendo-me de Ordem de V. E.

sido mandado a esta Vila, e construir uma bateria com uma despesa devia

ser feita pelo Cap. mor encarregado pela Junta da Fazenda, a qual por não

ter, já participou em fins do mês passado a mesma Junta, a qual até o

presente não tem dado outras providências pelo que não tenho podido fazer

mais que o Conserto do reparo, e uma casa que abrigue do tempo as

carretas que não estando Oleadas muito breve se perderiam. Igualmente

participo a V. E. que sendo a bateria de madeira é nenhuma a duração e

que segundo o seu lugar precisa-se ser constante, a qual sendo da mesma

sorte rasa, com paredes de pedra cheia de areia em pouco mais pode

montar sua despesa, atendida a duração, a abundância de pedras que há

em curta distância e não hei ceder a Cal de 80 réis o alqueire, e mesmo

Page 158: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

158

porque deve ser construída em lugar donde alcança o preamar, por ficar

assim em menos distância do Canal. Incluso remeto a V. E. o Ofício da

Câmara desta Vila, pelo qual Verá V. E. a falta de dinheiro e mesmo de

providências a este respeito, as quais são muito necessárias principalmente

nesta Vila, na qual se necessita ainda que seja uma muito pequena

guarnição por estar muito próxima à barra, e ser necessário para

acompanhar as Recrutas e outros casos em que se tornam indispensáveis

visto que durante a semana fica despovoada de pessoas que com prontidão

possam suprir estas faltas, além de haver neste distrito quatro postos de

parada em distância de 20 tantas léguas, cujas canoas até agora têm sido

dos mesmos paradeiros; pelos quais e por si mesmos nada se lhes dá,

sendo mais necessário uma grande que por vezes tenho pedido pelo que

rogo a V. E. determinações positivas porque minha vontade é em tudo

obedecer as determinações de V. E. como até agora tenho feito suprindo a

minha custa algumas coisas para não constranger ao povo e poder

conservar entre todos a união e a boa Ordem, (...)”.

?? 1824c 28/10/1824 (AESP, C00860) - Do ten. A. M. dos Santos ao

presidente da Província

Faz uma lista com os tipos das madeiras utilizadas em Cananéia para

construção, bem como a quantidade de trabalhadores (carpinteiros e

calafates) e os respectivos ordenados. Não especifica qual obra está sendo

feita.

?? 06/01/1825 (AESP, C00860, pasta 1, doc.38)

“Ex.mo Sr.

Dou parte a V. E. que as Carretas construídas neste lugar por Manoel

Francisco, Mestre do Trem da Praça de Santos, se não pode chegar em

bateria sem grande perigo, e mesmo muito trabalho por não terem

colocados os munhões em seu lugar, Resultando deste considerável defeito

tombarem-se as mesmas para frente, motivado pela falta de equilíbrio, o

que se pode reparar mudando seis, ou oito polegadas as duas primeiras

todas para frente sem o que elas se tornam inúteis pelo erro que nisto teve

o seu construtor; e não podendo eu reparar este defeito por falta do

Page 159: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

159

necessário [1 palavra] a V. E. assim como de ter comprado alguns alqueires

de farinha para distribuir pelos trabalhadores da Trincheira a Razão de seis

décimos por semana, a qual me não foi possível obter gratuitamente de

pessoa alguma, e como sem este gênero se não podia continuar a dita obra

que espero ver concluída até o fim do corrente Mês, pelo que peço a

Aprovação de V. E. relativa ante meu procedimento, sem o qual sofrerei

além [1 palavra] prejuízo que daqui me pode relatar. D. G. a V. E. por muitos

Anos.

Cananéia, 6 de Janeiro de 1825

Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província de S. Paulo Lucas Antonio Monteiro

de Barros

Antonio Mariano dos Santos, Ten. Com. Militar”

?? 1828a 12/04/1828 (AESP, C00860, pasta 4, doc.62a) - Série de ofícios

enviados pelo chefe de divisão Paulo Freire de Andrade ao presidente

da Província, Thomas Xavier Garcia de Almeida.

Linha 12 - “Há quatro para cinco anos, que se mandou, para a barra

desta Vila, Bala, Pólvora, Seis boas Peças de artilharia de Calibre 12, fizeram-

se carretas para elas, e uma Trincheira no que tudo gastou o Governo, uns

poucos de centos de mil réis, e para que fim? Foi sem dúvida, para a defesa do

porto, e das Vilas. O Tenente Antonio Mariano enquanto aqui esteve, tinha o

forte preparado, disciplinada a Companhia de Milícias, fez muitas obras úteis,

todos aqui o louvam; apenas ele se foi, ficou tudo em um total desleixo, as

carretas sem ter uma pintura d’Óleo, nem ao menos de alcatrão, que as

preservassem do risco do tempo; o Forte arruinando-se pelas Ervas, que nele

crescia, e as Peças abandonadas, servindo tão somente de motivo de risadas,

à Guarnição de um corsário, que sabendo, não ter ali Guarnição, mandou uma

lancha buscar uma sumaca, que muito acima do Forte estava fundeada;

sucedeu isto a pouco tempo. Como V. E. me pediu, que visto andar

em Comissão, por esta Costa, o informasse das coisas de urgência, a que se

deviam dar providências, e sabendo, que chegando ao conhecimento de V. E.,

a precisão que havia, de conservar este tão útil, como necessário Forte, daria

sem dúvida providências; [1 palavra] por na presença de V. E. este triste

quadro: lembrei-me depois, que as ordens são aqui muito morosamente

Page 160: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

160

executadas, e que quando se manda fazer qualquer obra, ou reparo, excede a

despesa, ao verdadeiro custo, resolvi-me pois, nos dias, em que minha

Comissão, exigiu demorar nesta Vila; fazer eu mesmo, o que V. E. mandaria se

viesse: Mandei por as seis Peças em estado de poderem fazer fogo; dar nas

carretas com alcatrão, e Almagre; limpar o Forte; fazer um rancho, para abrigar

um pequeno Destacamento, e próximo outro mais pequeno, para Pólvora, e

pertences à Artilharia, tudo ali ao pé das Peças; o que se fez em dez dias: o

Forte é distante da Vila uma légua, e precisa-se atravessar o rio de Cananéia,

para vir à Vila, e por isso tudo deve estar no Forte. (...)”

Observações: Em 03/04 já estava o forte em condições de enfrentar

corsários que ameaçaram adentrar na barra. Vale a pena ler o resto do

documento.

A peça de artilharia calibre 3 que estava na vila era de campanha e feita de

bronze.

?? 1828b 13/04/1828 (AESP, C00860)

“Cópia da Ordem que julguei dar ao Capitão Comandante de Milícia na

minha saída desta Vila

Ficará [presestindo] no Forte da Barra de Cananéia um destacamento de

um Sargento, e oito Soldados, que serão rendidos de quinze em quinze

dias; cuja relação será mandada todos os Meses, ao Coronel Comandante

do Batalhão. Esta Guarnição se reformará com o inimigo à vista. Do Forte

não deve sair ninguém. O Sargento Comandante ficará por isto responsável.

As espingardas não se consideram a pessoa alguma, para as ter no sítio,

como até agora sucedia; ordem estas de se acharem quebradas, e de as

não haver na Vila em caso preciso, elas estarão no Quartel sempre, e serão

limpas pelos Milicianos de manhã nos 1o. Domingos de cada Mês para de

tarde quando o Sr. Capitão passar revistas à sua Companhia, também a

passar ao seu armamento. Quando se ouvirem dois tiros de Peça, todos os

Milicianos devem acudir à Vila não o fazendo devem ser castigados, do que

serão avisados o Sr. Capitão Comandante da Companhia, será responsável

pelas faltas dessas execuções. Esta Ordem prevalecerá enquanto o

Governo, ou o Ex.mo. Governador das Armas não mandar o contrário. Vila

Page 161: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

161

de Cananéia 13 de Abril 1828. Assinado = Paulo Freire de Andrade = Chefe

de Divisão = Senhor Capitão João Jacinto Peniche.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Cópia - Recebi do Il.mo. Ex.mo. Sr. Paulo Freire de Andrade Chefe de

Divisão a quantia de quatro mil, cento, e vinte réis que despendi em

alcatrão, e várias coisas para a pintura de seis carretas que estão no Forte

da barra desta Vila, o que fiz por ordem do dito Sr., e por ter recebido papéis

o presente Vila de Cananéia 12 de Abril de 1828 = Assinado = João Jacinto

Peniche = Capitão.”

[Junto esta anexada lista de materiais já copiada]

?? 1828c 14/06/1828 (Almeida, RHUSP, 53, 1963) - Do cap. com. da 4a.

cia. de artilharia miliciana, destacada em Cananéia, José Xavier Roiz

(leia-se Rodrigues) ao vice-presidente da Província, Dom Manoel

Joaquim Gonçalves de Andrade.

O comandante procura defender-se das acusações de que teria sido relapso

durante os eventos ocorridos nos dias 10 e 11 de maio, na barra e na vila de

Icapara, quando corsários entraram pela dita barra e ameaçaram saquear

as vilas do município de Iguape.

“(...) Um Corsário empreendeu saquear esta Vila, e apresar as

Embarcações surtas neste porto, seu primeiro projeto foi entrar pela barra

de Cananéia; mas aprisionando um Brigue na dita Barra, soube pela

tripulação dele, que junto àquela Vila existe uma trincheira com seis peças;

mudou pois de projeto, e o formou de vir a esta Vila, entrando pela barra de

Capara em pequenas Embarcações.(...)”.

Observações: Em nenhum momento é citada a trincheira de Icapara ou a

peça de artilharia que nela existia.

Toda a movimentação foi observada da vila de Iguape, com “óculos de

alcance”. Tais eventos só poderiam ser observados do morro do Espia, que

estava nos limites da vila, mas muito próximo a ela. Tal ponto, àquela

época, seria conhecido como um posto de parada militar. Não consistia em

uma fortificação.

Page 162: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

162

?? 1828d 21/06/1828 (ANRJ,FMG,IG1 149)

“N º 69 Guarde-se

E. Sr.

(85) Achando-se indefeso o Porto da Vila de Iguape, onde apenas há uma

peça de calibre 12, com a qual não sabem trabalhar os soldados de uma

Companhia de Caçadores de 2 ª Linha, ali aquartelada, não foi possível

apresentar nessa ocasião resistência alguma ao Corsário, que ultimamente

mandou tirar de dentro do mesmo porto uma Embarcação carregada de

arroz, a qual foi levada a reboque por duas lanchas, que para este fim

mandara, constando de mais, que sua intenção era saquear, e incendiar a

mesma Vila, o que não pôde realizar em razão de encalhar, e fazer se em

pedaços outra Lancha maior, que com as duas mencionadas dirigiu ao

Porto com uma peça de artilharia, e 43 homens armados, os quais por não

terem conhecimento do canal apenas puderam entrar com as duas Lanchas

mais pequenas, perdendo-se a maior, e todo o armamento, e munições, que

nela traziam: nestes termos trata-se de construir uma trincheira para na

mesma colocar-se aquela peça, e ao Comandante das Armas faço constar a

necessidade de mandar, não só para aquela Vila, como para a de

Cananéia, um pequeno Destacamento de oito soldados, e um oficial Inferior

do 3 º Corpo de Artilharia de Posição de 1 ª Linha, em quanto as

circunstâncias o exigirem, a fim de evitar-se a repetição de acontecimentos

tais, de que podem resultar funestas consequências, principalmente na de

Iguape, que é uma Vila populosa, e de não pequeno Comércio, em cujo o

Porto entram muitas embarcações: e porque não há nesta Província peças

de Artilharia disponíveis, que se possam mandar para a sobre dita Vila, por

não ser bastante, a que ali existe para sua defesa, visto ter duas Barras, vou

rogar à Sua Majestade o Imperador se Digne Mandar, que dessa Corte

sejam remetidas pelo menos quatro peças de calibre 8, ou daquele que

melhor parecer. D. G. a V. E. São Paulo 21 de Junho de 1828.

E. Sr. Bento Barrozo Pereira

Manoel Bispo de S. Paulo”

Observação: resumo a lápis do conteúdo do ofício.

Page 163: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

163

?? 1828e 27/07/1828 (AESP, C002375)

“Ex.mo. Senhor

Tive satisfação de participar a V. E., o motivo, e Estado do Destacamento

na Barra da Vila; em o 1o. e 18, de Maio, e só a honra da Solução de 18 em

data de 3 de Junho, em que me nota não te declarado o N º de Praças

destacados: se V. E. ver com atenção a da [1 palavra] que em ambos

declarei. No dia 11 do Corrente, Recebi [1 ou 2 palavras] de V. E. em data

de 2 do mesmo, e com ela se me apresentaram um Cabo e 8 Soldados, os

quais no dia 15 tomaram Conta do Destacamento; e no dia 25 pegou o

Sargento Firmino de Godoi Moreira, o qual me faz ver que achando-se

doente o Soldado Vicente Antonio, o faça em regressar ao seu Corpo,

ficando em seu lugar o Cabo porque; melhor pode substituir com a falta do

Soldado do que com a do Cabo, e que para as manobras de peça vale o

mesmo, e que a bom do mesmo serviço precisa de um [1 palavra]; portanto

assim o cumpro. Representa-me mais, que se faz mister novas

Estradas para se poder trabalhar com as peças: Uma Casa melhor, em

que se possa acomodar os apetrechos, e estar o Oficial separado dos

Soldados, porque o Rancho que existe, foi apressadamente feito, todo em

aberto, e já se está Corrompendo-se a Palha de que é Coberto.

Incluso V. E. achará a Relação do que é mister na fortaleza, a qual já a dei,

sendo-me pedida pelo Chefe de divisão quando aqui esteve, mas até agora

nada tem vindo. Faço ver a V. E. com toda a submissão e Respeito que

para estes serviços, se faz mister uma Ordem superior, e pagamento

porque ao contrário nada se arranjará. O Sargento Mor Comandante da

Vila, em nada [1 palavra] prestar [1 palavra] ao serviço quando este é

determinado pela Repartição do meu Comando, bem Como nem Canoa

quer dar aos Soldados que vieram para o Destacamento, e se eu lha não

desse não sei como eles dariam a parte de qualquer novidade, à ele a quem

mais pertence o sossego, tranquilidade e segurança do País, e eu para [1

palavra] quando me for de [1 palavra].

Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828.

Il.mo. Ex.mo. Senhor Governador das Armas

J. Jacinto Peniche, Capitão.

?? 1828f 27/07/1828 (AESP, C002375)

Page 164: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

164

“Cópia - Relação da Munição de Guerra que faz mister para o Forte da

Barra da Vila de Cananéia”

Buzina para fala

Soquetes para as Peças - C - 12

Espoletas para o C. - dito

Velas de Composição

200 - Pederneiras

Cartuchos para - C - 12

Ditos para - C - 03

Quartel em Cananéia 27 de Julho de 1828 = Assinado = João Jacinto

Peniche, Capitão

?? 1828g 30/07/1828 (AESP, C002375)

Documento no qual o forte é citado. Sem maior interesse. Soldos e prèts

d’etape eram recebidos em Iguape.

?? 28/08/1833 (AESP, C00860, pasta 2, doc.72) - Do juiz de paz, José de

Souza Guimarães ao presidente de SP, Rafael Tobias de Aguiar.

Relata o estado ruinoso da trincheira.

?? 10/01/1834 (AESP, C00860)

“Il.mo e Ex.mo Sr.

Dando cumprimento à ordem de V. E. de 7 de Dezembro do ano próximo

passado, pus em Praça pública obra do rancho para o abrigo das peças de

Artilharia que existem na Trincheira da barra desta vila, e correndo os dias

de praça efetuando-se sua arrematação pela quantia de Réis 116$920=,

não havendo quem por menos quisesse; e por isso o mandei arrematar de

baixo das condições que julguei necessárias, tanto em qualidade de

materiais, como na segurança, e perfeição da obra marcando o prazo de

dois meses para sua conclusão. Igualmente levo ao conhecimento de V.

E. o quanto se despendeu com as tintas óleo que mandei dar nas peças e

outros bens físicos precisos para isso; como também fazendo tapar os

ouvidos das mesmas na conformidade da determinação de V. E. como da

conta inclusa, se mostra ser ela o da quantia de Réis 13$440, porém estas

Page 165: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

165

peças se acham muito mal cavalgadas porque as carretas estão podres, e

algumas delas sem rodas como já participei à V. E. a tal respeito, quanto à

conclusão do rancho depois de efetuado [1 palavra] ao conhecimento de V.

E. o estado do mesmo, e de tudo o mais que me é encarregado a tal

respeito. Deus Guarde a V. E. muitos anos como havemos mister. Cananéia

10 de Janeiro de 1834.

Il.mo e Ex.mo Sr. Rafael Tobias de Aguiar Presidente desta Província.

José de Souza Guimarães”.

05/01/1834 - Doc. 38 a - “Conta da Despesa feita para olear as Peças [e das

em Cravar] os Ouvidos e fazer-lhes tampa para a boca das ditas e todos os

matos. O seguinte:

5 [1 símbolo] de óleo a 400 2$000

7 [1 símbolo] de tinta verde a 480 3$600

8 [1 símbolo] dita branca a 320 2$560

1 Medida de Aguardente para decante das tintas a 320 $320

[1 símbolo] Carpinteiro para fazer as tampas para a boca das

peças

$640

Madeira para as ditas tampas $240

2 Ferreiros para broquearem o ouvido das Peças e limpá-las 1$440

Dias de serviço para todos os matos que estavam cobrindo

as Peças

1$640

De fazer as tintas e olear as Peças 2$000

Cananéia 5 de Janeiro de 1834

José de S. Guimarães Juiz de Paz”.

?? 22/03/1835 (AESP, C00860, pasta 3, doc.1) - Do juiz de paz Francisco

Antonio Nóbrega Silva para o presidente da Província, Rafael Tobias de

Aguiar.

“Participo a V. E. que achando-se efetuada a obra do rancho para nela se

recolher as Peças que se acham na Trincheira da barra desta Vila, que de

ordem de V. E. ali se edificou por arrematação; e sendo do meu dever ir

examinar se com efeito estava ou não conforme, segundo o orçamento

Page 166: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

166

condições daquela arrematação, com efeito achei conforme, por ser

fundada de bons pilares de pedra e cal, com boas madeiras coberto de

telhas achando unicamente uma pequena deformação de um palmo até dois

no comprimento e largura, que fora [detalhado], bem como de algumas ripas

serem um tanto fracas, porém não causando por isso a menor ruína, [1

palavra] por se achar com comodidade muito suficiente para o abrigo das

Peças ordenando ao arrematante quanto antes houvesse de cumprir

naquela [1 palavra] ao que logo tentou satisfazer para ter lugar [1 palavra]

haver [o seu] total [reembolso] pelo que [teria] arrematado [restando]

efetuar-se o recolhimento daquela Artilharia para o dito rancho, cujo

recolhimento não deixará de ser com algum laborioso trabalho, porquanto

todas elas se acham desmontadas por motivo de que as carretas estão

todas podres apenas [1 palavra] firmagens das mesmas; assim como para

se poder consumar aquele rancho [1 palavra] ser de necessidade de

tempos, em tempos fazer rocio descortinando os matos para que não

deteriore aquele rancho, e se conserve arejado o que tudo executarei como

V. E. achar por bem determinar-me. (...)”.

?? 1836a 05/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.10) - Do juiz de paz, F.

A. Nobrega Silva ao prefeito de Cananéia, Joaquim José de Oliveira.

Recolhimento das peças ao rancho custaria 30 ou 40$000.

?? 1836b 09/04/1836 (AESP, C00860, pasta 4, doc.9) - Do prefeito de

Cananéia ao presidente da Província.

Envia o ofício do juiz de paz.

?? 1836c 1836 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Juiz de Paz de Cananéia,

Francisco Antonio Nóbrega e Silva.

Reclama contra o abandono do material bélico da fortificação e mostra o

orçamento das despesas extras feitas com a conservação do novo rancho.

?? 1837a 20/12/1837 (AESP, C00860, pasta 1, doc.35)

“Recebido a 27 de Janeiro

Il.mo e Ex.mo Sr.

Page 167: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

167

Tenho a honra de apresentar na Presença respeitável do Il.mo Governo

Ofício incluso que na data do 9 de que rege me enviou o Sr. Juiz de Paz

desta vila* pedindo providências para recolher e acautelar as Peças de

Artilharia que existem no lugar chamado Trincheira, na barra desta vila. No

lugar mencionado se fez a dois Anos um telheiro destinado para nele serem

guardadas ditas Peças e desde então ele existe, a despesa foi feita, e se

acha inutilizado, e as Peças desmontadas por terem apodrecido as carretas,

e enfim [p. Terra ] a borda do Barranco ou Piçarra que com os tempos de

Vento Sul se altera o Mar derruba pedaços apresentando evidentes

prejuízos por se acharem mesmo este precipício. No estado atual de nada

servem, mas também deixar que mergulhem e se percam não é justo; fico

em conseqüência esperando as ordens de V. E. para cumprir. D. G. V. E.

Cananéia 20 de Dezembro de 1837.

Il.mo Ex.mo Sr. Presidente de G. da Província

Joaquim J. Oliveira, P. de M.”.

Observação: O ofício do j. de paz está na pasta 1, doc.33.

?? 1837b 1837 - Daniel P. Müller – “Ensaio d’um quadro estatístico da

Província de S. Paulo” (1978).

“Tabela 10 - Mapa das Guarnições que competem aos pontos fortificados

desta Província

Em tempo de paz

Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila

Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...).

Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...);

Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S.

Vicente(...);

Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0,

Soldados de Infantaria 3.

Cananéia: Oficiais 0, ditos Inferiores 0, Artilheiros 0, ditos Serventes 0,

Soldados de Infantaria 3.

Paranaguá(...).

Em tempo de guerra

Page 168: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

168

Em São Sebastião - Sepitiba(...); Rabo Azedo(...); F. da Cruz(...); Vila

Bela(...); Araça(...); Feiticeira(...).

Em Santos - F. do Registro na Bertioga de S. João(...); F. de S. Luiz(...);

Ponta do Camarão(...); Barra Grande(...); F. Augusto(...); Barra de S.

Vicente(...);

Iguape: Oficiais 0, ditos Inferiores 1, Artilheiros 2, ditos Serventes 6,

Soldados de Infantaria 10.

Cananéia: Oficiais 1, ditos Inferiores 2, Artilheiros 12, ditos Serventes 36,

Soldados de Infantaria 30.

Paranaguá(...).

N.B. Este detalhe é feito supondo em tudo completos os referido postos

fixos para defesa dos portos marítimos, e segundo a Memória que

apresentei ao Ex.mo. Sr. Presidente no princípio deste ano. A maior parte

destes estão em mau estado de apetrechos, e de outros apenas restam

vestígios, segundo coligi das informações que me foram transmitidas. Os

que se podem reputar como obras permanentes são o de S. João e S. Luiz

(da Bertioga), o de Itapema, o da Barra Grande (atualmente bem

guarnecido) e o de Paranaguá, os quais somente necessitam de pequenas

reparações no que respeita à parte construção.”.

?? 1838a 21/02/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.47)

Edital do prefeito que solicita a apresentação de orçamento para

recolhimento das peças da trincheira ao telheiro. As peças e os reparos

estavam à beira mar.

?? 1838b 31/08/1838 (AESP, C00861) Do juiz municipal, S. L. Pontes, ao

presidente da Província. Respondido em 01/10.

“Tendo-se edificado um rancho coberto de telhas, por ordem do Ex.mo

Governo da Província para nele se recolher as seis bocas de fogo

existentes no lugar de uma Trincheira na barra desta vila; e porque aquela

artilharia ali se acha abandonada em risco de ir abaixo,(...)”.

?? 1838c 06/11/1838 (AESP, C00861, pasta 1, doc.78) - Do juiz municipal,

S. L. Pontes, ao presidente de SP.

Page 169: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

169

Cumpre a portaria de 01/10 e inspeciona a trincheira do pontal da barra de

Cananéia. Fala das excelências do rancho (pilares de pedra e cal, boas

madeiras) e diz que precisa ele ser re-telhado, pois uma tempestade o havia

destelhado.

3o. parágrafo: “Quanto para o recolhimento das Peças de Artilharia ao

rancho situado 30 a 40 braças onde elas existem calculando-se

regularmente as despesas se não poderá efetuar por menos de 40$ a

50$000 segundo suas circunstâncias, pelo estado das mesmas a vista dos

objetos que representa.(...)”.

?? 1838d 16/?/1838 (AESP, C00861) - Do capitão mor J. J. de Oliveira ao

presidente da Província.

Encarregado, pela portaria de 27/01/1838, de recolher as seis peças ao

telheiro.

“(...) 3o. Que este Telheiro feito acima [1 palavra], de [1 palavra] [vendes],

pouco duradouras, sem habilitador, e sem fogo dentro, mui aberto, também

se não se tirar a telha virá a perder-se, ficando para [1 abreviação] as Peças

cobertas com os Cacos de mencionados. 4o. Que então as Peças na

Vila fazendo-se as Carretas, podem ficar em postos que sirvam para a

defesa de desembarques, fazendo [1 palavra], um rancho para cima de

cada uma, o que chamam - barriga de Boi - Para ficarem abrigadas dos

tempos.(...)”.

?? 1839a 18/09/1839 (AESP, C00861, pasta 1, doc.97) - Do juiz municipal

Sebastião Lourenço Pontes ao presidente da Província.

Pela portaria do governo provincial de 18/03 do corrente, as peças deveriam

ser recolhidas. O juiz argumenta que elas seriam muito necessárias para

defender não só Cananéia, como Iguape também, dos rebeldes do RS. Só

que para isso elas precisariam estar montadas. Esse ofício foi respondido a

04/10/1839.

Page 170: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

170

?? 1839b 20/09/1839 (ANRJ, FMG, IG1 297) - Do quartel general da vila de

Paranaguá para o conde de Lajes, ministro da Guerra.

Peças da barra de Cananéia estavam sem reparos. Existiam, também, 2

peças de bronze de campanha, cal. 3, 1 em Cananéia, a outra em Iguape.

Ambas estavam desmontadas.

Pede-se artífices que saibam fazer reparos à Onofre além de pedir carretas

para as peças de campanha.

Ofício respondido ou analisado em 25/10/1839.

?? 1839c 31/10/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.487) - Do chefe de

polícia, em Santos, José A. Pimenta Bueno ao desembargador Manoel

Machado Nunes.

“(...) Ao Comandante da Guarda Nacional de Iguape recomendo, que faça

quanto antes reforçar os destacamentos d`aquela, e da Vila de Cananéia;

que compre, ou obtenha por empréstimo do comércio a pólvora de mister,

que ponha a artilharia em ponto de servir levantando alguma cortina de

faxina; em fim que tome todas as medidas para repelir qualquer insulto.

(...)”.

?? 1839d 01/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - Da câmara municipal de

Iguape ao presidente da Província.

Sobre corsários na i. do Bom Abrigo.

“(...) Quem pensará Ex.mo. Sr. Que a vila de Iguape, uma das que precisa

de forças esteja sem defesa alguma, que a única peça de campanha que

tinha, essa mesma fosse mandada à fronteira, e que na mesma barra de

Icapara existe uma descavalgada, e que não tenha armamento pólvora e

bala, e que consta a esta Câmara que só existem oitenta armas e não muito

boas, e que destas mesmas se repartirem com a vila de Cananéia, e sendo

assim é um impossível se poder rebater as forças inimigas que

naturalmente trarão artilharia. (...)”.

?? 1839e 06/11/1839 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - “Regulamento para o

Forte do Bicho da Barra da Vila de Cananéia”, elaborado pelo ten. c.el

José Jacinto de Toledo.

Page 171: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

171

?? 1839f 15/11/1839 (ANRJ, FMG, IG1 150, doc.486) - Do presidente da

Província ao ministro da Guerra.

Diz que já havia tomado providências “mandando montar algumas peças e

guarnecer os lugares expostos com pequenos destacamentos”.

O documento diz ainda que ele foi obrigado a realizar algumas medidas e

solicitava a aprovação das que foram tomadas e das que ainda deveriam

ser tomadas.

A aprovação está no início do documento, datada de 19/11/1839.

?? 1839g 18/11/1839 (AESP, E00561, p.164, frente) – Para o major

Manoel José da Conceição Ramalho.

Nomeado para dirigir as obras de fortificação de Iguape e de Cananéia –

deveria apresentar-se ao ten. C.el José Jacinto Toledo – deveria

permanecer na região até segunda ordem do presidente ou do juiz de direito

chefe de polícia desta comarca (S.Paulo ?). Iria aproveitar e inspecionar a

fortaleza de Paranaguá.

?? 1839h 21/11/1839 (Young, RIHGSP, 8, 1903) - De José Antonio

Pimenta Bueno, juiz de direito da comarca [Santos] ao ten. c.el José

Jacinto de Toledo [Cananéia].

Sobre as providências tomadas pelo presidente da Província para expulsar

os corsários.

“(...) e voltarão dali [Paranaguá] dando comboio as embarcações mercantis

até a Ilha do Abrigo, onde fundearão, então entrará a barra de Cananéia

uma Lancha que levará por sinal uma bandeira branca em uma vara na

proa, e irá desembarcar [em Cananéia] e deixar as ordens de V. S. 2 peças

de Campanha 40 armas de Infantaria 12 arrobas de pólvora e mais artigos

que então comunicar-lhe-ei. Irá também nessa ocasião o Major Ramalho de

Artilharia para servir sob as ordens do V. S. um modelo de carretão e

provavelmente 2 carpinteiros para fazer montar a artilharia tanto de

Cananéia como de Icapara regularmente, fazer velas de composição e

Page 172: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

172

espoletas, devendo V. S. aproveitar ocasião para por no melhor pé possível

os fortes desses 2 portos”.

?? 1839i 11/12/1839 (AESP, C00861, pasta 2, doc.11)

“Il.mo e Ex.mo Sr.

O Juiz Municipal da Vila de Cananéia desta Província tem a honra de levar

ao respeitável conhecimento de V. E. que tendo dado cumprimento à

Portaria de 4 de outubro, acerca das ameaças desta nossa Província pelas

tentativas dos rebeldes de Laguna que deu motivo a propor a V. E. em ofício

de 18 de outubro próximo passado para o fim de se retificar a Trincheira, e

nela se montarem as peças de Artilharia que ali se achavam caídas sem

carretas para defesa da barra. Não foram diminutas as providências que de

minha parte julguei necessárias a bem da segurança deste litoral

coadjuvando-me com as Autoridades constituídas propondo os precisos

fornecimentos de Armamento e destacamento, e colocando três peças de

Artilharia; que segundo a necessidade não dera lugar para melhor ficarem,

porém prontas para a defesa em casos tão urgentes. Pelas notícias do

Feliz sucesso da restauração da Laguna, Lajes e tomada dos três corsários

todo este município se alegrou que em satisfação se propôs uma iluminação

por três noites sucessivas, e agradecendo todas as sábias deliberações de

V. E. que olhando com atenção a nossa Província nos livrou dos açoites dos

inimigos da Ordem e do Governo. Muito desejoso de cooperar para a

segurança deste Município, pareceu-me ser conveniente propor a V. E. que

suposto acharei em sossego pelo motivo da Fausta notícia por isso mesmo

que a Trincheira da barra desta Vila se deveria continuar em sua

reedificação e de tudo o mais necessário, não só para que em casos

idênticos tenha a defesa ligeira e mesmo para o respeito da barra por ser

ela franca e livrar de toda e qualquer ocasião ser cometido este litoral e o de

Iguape, sendo a precaução dada em tempo e assim seguros de qualquer

tentativa de [faciozos], que estes sempre se aproveitam dos descuidos para

seus Funestos fins apesar de ser este Município pequeno em população,

mas sua localidade perigosa à Província uma vez que por desgraça fosse [1

palavra] pelos rebeldes. Estes motivos me fazem não deixar em

Page 173: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

173

esquecimento de levar ao respeitável conhecimento de V. E. a quem Deus

Guarde como é mister. Vila de Cananéia 11 de Dezembro de 1839.

Il.mo Ex.mo Sr. Presidente da Província

Sebastião Lourenço Pontes, Juiz Municipal”.

?? 1839j 12/12/1839 (AESP, E00561, p.168f.) – Para o major Manoel José

da Conceição.

Dispensa o mesmo da comissão de dirigir os trabalhos das fortificações de

Cananéia e Iguape. Mas deveria elaborar plano e orçamento para as obras

indispensáveis para deixar vilas em condição de repelir ataques. Deveria

verificar nº. de pessoal necessário para cuidar das obras e evitar

deterioração.

?? 1840a 11/09/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.38) - Do juiz de paz

Joaquim Pedro Nolasco ao presidente da Província, R. Tobias de Aguiar.

Sobre comemorações da maioridade de D. Pedro II. Linha 10: “(...), as

Salvas de Artilharia da vila foram repetidas no Forte da Barra, (...)”.

??1840b 16/11/1840 (AESP, C00861, pasta 2, doc.44) - Do capitão da

Guarda Nacional, Sebastião Lourenço Pontes ao presidente de SP.

A respeito do gasto de pólvora nas comemorações da maioridade de D.

Pedro II. Menciona o “Forte da vila”. O dito capitão era encarregado do trem

bélico da vila e do forte.

??29/04/1841 (AESP, C00861, pasta 2, doc.73) - Do juiz municipal, J. J.

Oliveira ao presidente de SP.

Informa que no dia 28/04 o patacho que ia do Rio de Janeiro à Porto Alegre,

Desempenho, havia sido roubado no mar da vila. Solicita, dentre outras

coisas, o envio de 1 destacamento da GN para a “Trincheira da barra”.

??26/04/1842 (AESP, C00861, pasta 2, doc. 99) - De Antonio de Andrade

ao governo da Província.

Diz que não havia guardas nacionais destacados na trincheira. Pede soldo

para pelo menos 1 deles lá ficar.

Page 174: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

174

??1845a 16/09/1845 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)

“Geral n º. 36 - Em solução ao ofício de V. S., com data de 29 de Julho

precedente, tenho a dizer-lhe que, atendendo à necessidade que há de

conservar-se no Forte do Bicho da Barra de Cananéia, as duas Praças de

Artilharia, podem elas por hora continuar no mesmo serviço percebendo os

competentes vencimentos. Deus Guarde a V. S. - M. da F. Lima e Silva.

Sr. Inspetor interino da Tesouraria”.

Observação: Extraído por A.P.A. do periódico “d’O Governista”, 385,

16/09/1845.

??1845b 25/10/1845 (AESP, C00861, pasta 4, doc.70) - Do ten.

comandante de artilharia Antonio José de Medeiros ao presidente da

Província.

Recebeu ordens de dar salvas de tiros por ocasião da visita do imperador à

Província de S. Paulo. O oficial diz não haver “pólvora nacional” no forte e

pede autorização para comprá-la.

??1846a 14/03/1846 (AESP, C00862 ,pasta 1, doc.6) - Da Câmara de

Cananéia ao governador da Província.

Em 09/03/1846, a chegada do imperador à Santos foi saudada com tiros de

canhão do “forte da barra”.

??1846b 08/12/1846 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do cap. com. da cia.

de artilharia (quartel em Iguape), Manoel Bento de Jesus ao conselheiro

Manoel da Fonseca Lima e Silva e ao presidente da Província.

“É meu dever participar a V. E. que o Forte do Bicho da Barra da Vila de

Cananéia existe fechado e em abandono. Os objetos de artigos bélicos que

dentro do mesmo existem, são: peças, carretas, balas, lanadas, bandeira,

etc. e a continuar fechado o mesmo Forte os malévolos estragarão não só a

casa como extraviarão os objetos. Os dois Guardas Nacionais de Artilharia

prostrados como destacados em dito Forte serão suficientes para tomar

conta e velar sobre os ditos objetos. Se V. E. em sua sabedoria ver que

Page 175: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

175

estas minhas reflexões merecem aprovação de V. E., então se dignará

transmitir-me suas ordens para eu pontualmente cumpri-las como costumo”.

??08/05/1849 (AESP, C00862, pasta 1, doc.80) - Da tesouraria do governo

da Província ao presidente da Província.

“Geral n º. 299

E. Sr.

Devolvendo o ofício do Capitão Sebastião Lourenço Pontes, da Vila de

Cananéia, em que pede se mande pagar os aluguéis de uma casa que ali

servia de Quartel do Destacamento do Forte do Bicho, cumpre-me informar

à V. E. que essa despesa cessando desde que foi abolido aquele

Destacamento pela ordem do E. Governo Provincial de 12 de Setembro de

1846, o que se comunicou ao respectivo Coletor para sua inteligência; e

quando por ventura houvesse de se fazer esse pagamento, tendo ele caído

em exercícios findos, não se pode realizá-lo sem a competente liquidação.

D.G.V.E.

Tesouraria de S. Paulo 8 de Maio de 1849

I.E. Sr. Doutor Vicente Pires da Motta Presidente da Província

[assinado]”

?? 1850a 26/11/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.560) – Ofício do juiz

de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província.

Informa da apreensão de uma embarcação, abandonada nas proximidades

de Cananéia, suspeita de trazer escravos africanos.

“P. S. Ao fechar este para seguir por correio chegou um africano boçal

apreendido na Trincheira da Barra, pela escolta que para aquela parte dirigi;

continuo nas diligências precisas”.

?? 1850b 05/12/1850 (RHUSP, ano 1, nº. 4, 1950, p.561) – Ofício do juiz

de Cananéia Joaquim Gomes Mendes ao Presidente da Província.

“Tendo em data de 26 do passado participado a V. E. a apreensão da Barca

Trenton, que se acha ancorada neste porto, cumpre-me agora comunicar a

V. E. que nesse mesmo dia foi apreendido um africano na casa da

Page 176: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

176

Trincheira da Barra por falta de tempo também comuniquei a V. E. em post

scriptum, a quem passei a fazer indagações precisas, chamando vários

pretos para servirem de intérprete, mas foram baldadas todas as diligências

porque só repetia aquilo que se lhe perguntava, sem que se pudesse

conhecer ao menos de que Nação é; passei pois a fazer o exame por

peritos, afim de conhecer se era dos proibidos, o que se verificou, e feito o

auto em que se declarou todos os sinais, o diz depositar até V. E. lhe dê

conveniente destino. Não tenho cessado nas diligências para descobrir os

interessados a fim de proceder na forma da lei. (...)”.

??1851a 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.4) - De M. J. Gomes da

Silva, major comandante, ao presidente da Província.

Questão do aluguel da casa para servir de trem ainda persiste.

??1851b 28/07/1851 (AESP, C00862, pasta 3, doc.5) - De M. J. Gomes da

Silva, major comandante, ao presidente da Província.

Segundo parágrafo: “Lembro-me dizer a V. E. que no forte do Bicho acham-

se seis peças sobre areia algumas encravadas, e umas carretas mal feitas

recolhido no Telheiro do dito forte e parecem que com pouco trabalho e

despesa com o acréscimo de Rancho e reparo do mesmo aonde se

pudessem acomodar as peças montadas, sendo de suma utilidade”.

??18/02/1854 (ANRJ, FMM, XM 1128)

“Cópia - n º. 11 - Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios da Marinha em

18/02/1854.

E. S.

Em resposta ao ofício n º 22, que V. E. dirigiu a esta Secretaria de Estado

em 28/07 último, remetendo cópia de uma representação da Câmara

Municipal da Cidade de Iguape, sobre a conveniência de se estabelecerem

bóias, e construir-se uma Atalaia na barra de Capara, tenho a honra de

significar a V. E. para o fazer contar a referida Câmara, que, posto se

reconheça a necessidade de tais melhoramentos, não é possível ocorrer-se,

já a eles; mas que o Governo Imperial os terá presentes, quando informar

Page 177: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

177

ao Corpo Legislativo sobre semelhantes assuntos. D. G. a V. E. José Maria

da Silva Paranhos = Sr. Presidente da Província de S. Paulo.

O Ofício n º 1081 de 29 de Novembro de 1853 do Quartel General da

Marinha que cobre todos os papéis, a que este Aviso se refere estão em

poder de S. E.”

Observação: Algumas anotações a lápis - rascunho da resposta. Nada de

significante no rascunho.

??1855a 05/09/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,

doc.50a) - Do delegado Joaquim Gomes Mendes ao delegado da cidade

de Iguape.

Ofício sobre a quarentena de embarcação. Faz menção à trincheira. Uma

nota traz mais informações.

“NB Estando a casa da Trincheira inteiramente inabitada, e não havendo

onde o Destacamento [1 palavra] abrigar-se do tempo, hoje faço [3 palavras]

e preparos, para uma reedificação e vou reforçar o Destacamento”.

??1855b 07/10/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,

doc.77a) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província.

Sobre a necessidade de botar em quarentena as embarcações, por causa

de epidemia no R. de Janeiro. O referido delegado alega ter feito

retificações na casa da trincheira para servir de abrigo ao destacamento que

lá ficaria posicionado.

??1855c 05/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,

doc.84) - Do delegado J. G. Mendes ao presidente da Província.

Segundo parágrafo: “Além da casa acima dita, estou mandando, fazer na

casa da Trincheira onde por hora está o Destacamento um pequeno

cômodo, onde se possa acomodar, 1 ou 2 doentes, para no caso de

aparecer a bordo das Embarcações em quarentena, algum indivíduo

atacado da moléstia reinante, ser primeiramente para ali sendo conduzido, e

Page 178: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

178

tratado a fim de evitar o que for possível a introdução do mal no centro da

população”.

??1855d 25/12/1855 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,

doc.87) - Do comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da

Província.

Informa que estava suspendendo o destacamento postado na Trincheira

pois a epidemia já estava controlada.

??1856a 26/01/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”,

doc.94) - Do comandante M. J. Gomes da Silva respondendo ao

presidente da Província.

Destacamento da GN deveria ser mantido na barra da Vila e que deveriam

ser levados utensílios para as duas enfermarias lá estabelecidas.

??1856b 25/03/1856 (AESP, C00862A, pasta “Cananéia 1853-1855”) - Do

comandante M. J. Gomes da Silva ao presidente da Província.

O comandante afirma que seria melhor manter o destacamento, a despeito

das ordens contrárias superiores. Pergunta, novamente, se o destacamento

deveria ser suspenso, bem como a enfermaria.

??01/01/1863 (AHI, lata 250, maço 3, pasta 4)

“Notícia das fortificações existentes em cada uma província do Império; de

suas denominações; artilharia que têm e importância”. Rio de Janeiro, 1 º.

De janeiro de 1863.

Excertos:

“Fortaleza da Barra Grande de Santos

Está situada na Barra do mesmo nome. É importante.

Tem 21 bocas de fogo, sendo 11 peças de ferro de cal. 24, 8 de 12, em bom

estado, e 2 de ferro de cal. 6, em mau estado.

Fortaleza de S. João da Barra da Bertioga

Está situada na Barra do mesmo nome. De pouca importância.

Tem 6 bocas de fogo, sendo 2 peças de ferro de cal. 12, 2 de 9 e 2 de 6,

todas em mau estado.”

Page 179: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

179

Observações: não há menção à fortificação de Cananéia. De início pensei

que o relatório só mencionasse fortificações mais consistentes. Mas o

trabalho também examina fortificações efêmeras (entrincheiramentos,

redutos, etc.) no Rio Grande do Sul, por exemplo.

??1867a 26/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962) - Do delegado de

Cananéia, Alexandre Pedro Nolasco ao juiz de direito interino da

comarca de Iguape, Francisco Ferreira Correia.

“Il.mo. Sr.

Em cumprimento do exigido no ofício de V. S. de 18 do corrente, passo a

informar.

E para o fazer, dirigi-me ao pontal da Barra, no lugar da antiga trincheira, da

qual não existe mais as paredes da fortificação por ter o mar consumido; da

casa que servia de quartel não existe mais que os pilares; as peças

desmontadas, e sobre a areia, e são as seguintes: 2 de 30-0-0; 3 de 29-3-

15; 1 de 28-2-15.

Estas seis peças são de ferro, tem no interior algum cascalho de ferrugem,

e por fora parecem em bom estado; foram fundidas no reinado de D. João,

ainda Príncipe Regente, pela marca assim indicar.”.

??1867b 30/04/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)

O juiz de direito interino da comarca de Iguape passa a informação ao

presidente da Província, José Tavares Bastos.

??1867c 19/06/1867 (ANRJ, FMG, IG1 159)

3a. Seção. Nº. 65

Palácio do Governo de S. Paulo 19 de Junho de 1867.

“Participou-me o Juiz de Direito Substituto da Comarca de Iguape, que,

tendo oficiado ao comandante do Vapor - Telegrapho - para conduzir à

Corte a peça de ferro de calibre 26, de que tratei em meu ofício de 4 de

Fevereiro último, respondera-lhe o dito comandante não lhe ser possível

encarregar-se da sua condução por não ter aparelhos próprios para

suspender o seu peso, além de que entende que o valor da peça não

Page 180: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

180

corresponde às despesas do seu transporte, no que diz concordar o Dr.

Guilherme Schutz(?) Capanema.

Participou-me além disto o mesmo juiz de Direito que na barra de Cananéia

existem abandonadas 6 outras peças de ferro.

V. E. pois se dignará resolver sobre o destino que convirá dar-lhes.

D. G. V. E.

E. Sr. Cons. João Lustosa da Cunha Paranaguá, Ministro e Secretário

d`Estado dos Negócios da Guerra

José Bastos”

Resposta (no mesmo papel, ao lado esquerdo)

“Sendo a peça de que se trata de ferro e inutilizada, como deverá estar por

ter feito parte do armamento de uma bateria de costa onde esteve por

algum tempo exposta à ação dos vapores marinhos, o valor que ela hoje

tem como matéria prima para fundição é tão insignificante em relação às

despesas com o seu transporte, que não vale por forma alguma a pena de

efetuá-lo.

Sou pois de parecer que não se invista em tais remessas se não quando as

peças forem de bronze, caso em que o valor do metal pode cobrir as

despesas.

5-7-67

Rapozo”

??1867d 19/07/1867 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)

O acima citado ofício é repassado ao Ministério da Guerra. Em anexo,

seguiu informação (17/07/1867) prestada pela 3a. seção (?).

“(...) Sendo de difícil transporte tais peças, pelo peso, e falta de aparelhos

nos navios mercantes, que poderiam, com grande despesa, transportá-las

ao Arsenal da Corte, parece que apenas se poderá dar disto parte ao

Ministério da Guerra para resolver o que for conveniente.”.

?? 1875 – (Godoi, 1978: 09)

Page 181: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

181

Capítulo “Hidrografia”, seção “Mar da Província”. Descrição e orientação da

costa de S. Paulo:

“Da Ponta do Itaipu [Praia Grande] até a fortaleza da Barra, na extremidade

sudoeste da ilha do Mar Pequeno [ilha Comprida] do nordeste para

sudoeste.

Da bateria da Barra à ponta setentrional da ilha do Cardoso, o mar entrando

ao ocidente de Cananéia forma a enseada de Trapandé e vai ao oceano.

(...)”.

??1897 (Almeida, RHUSP, 51, 1962)

Três peças de artilharia haviam sido transportadas para a vila. Três

permaneceram no pontal da Trincheira e acabaram por serem engolidas

pelo mar.

Page 182: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

182

Anexo 2

Fichas cadastrais do material de artilharia

A primeira coluna de cada ficha, inspirada na Ficha de Inventário

Nacional (MANUAL de preenchimento da ficha..., 1999), traz uma síntese dos

dados obtidos pela análise. A segunda, apresenta um croqui geral, que esboça

as linhas de uma peça de artilharia com suas principais partes, sobre o qual

são inseridas as informações iconográficas de cada peça. As esferas

projetadas dos munhões representam os mesmos vistos de perfil.

Veremos, adiante, uma ficha vazia e outra preenchida, para

exemplificação.

Page 183: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

183

Data UF/Município/Cidade Localidade/Endereço Número provisório Proprietário Responsável Objeto Data/Época Autoria/Fabricação/ Manufatura

Material/Técnica Descrição Padrão Origem (país/cidade) Procedência Comprimento total (cm)

Comprimento funcional (cm)

Largura (cm) Calibre (mm/lb) Calibres Peso (kg) N º. De fotos Proteção (qual tipo?) Segurança (boa/razoável/ruim)

Conservação (ex./boa/reg./má/pés.)

Caract. Iconográficas/ ornamentais

Page 184: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,
Page 185: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

185

Page 186: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

186

Data 22/10/2000 UF/Município/Cidade SP/ São Sebastião Localidade/Endereço Centro/ r. Antonio dos Santos com r. Expedicionário Brasileiro Número provisório SP-SS-10 Proprietário ? Responsável Prefeitura Objeto Canhão de sítio Data/Época 1778-1786 Autoria/Fabricação/ Manufatura

George Matthews/ Calcutts Ironworks

Material/Técnica Ferro fundido Descrição Canhão de ferro, antecarga, tubo liso, produzido no reinado de

George III da Inglaterra (1760-1820). Cascavel está amassada. Padrão Armstrong Origem (país/cidade) Inglaterra/ Calcutts Procedência Comprimento total (cm) 236 Comprimento funcional (cm)

200

Largura (cm) 54 Calibre (mm/lb) 107/ 9 Calibres 19 (18,69) Peso (kg) 1223,10 N º. De fotos 1 Proteção (qual tipo?) Nenhuma Segurança (boa/razoável/ruim)

Boa

Conservação (ex./boa/reg./má/pés.)

Boa

Caract. Iconográficas/ ornamentais

Culatra padrão Armstrong; inscrições nos munhões, 1o. e 2o. (brasão) reforços.

Caract. Técnicas Peça fundida inteiriçamente, com tubo brocado, de acordo com a inscrição no munhão (“SOLID”).

Page 187: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

187

Glossário

Antecarga – de carregar pela frente.

Baluarte – apesar de poder designar “1- Construção avançada, alta, saliente,

situada nos ângulos das fortalezas. 2- Espécie de muralha fortificada. 3-

Obra de fortificação avançada, em ponta, com face e flanco de defesa (o

mesmo que bastião)”91, neste trabalho o termo é utilizado mais

genericamente, designando fortificação.

Bateria – conjunto de peças de artilharia prontas para fazer fogo e que apontam

todas para uma mesma direção. Outro sentido, mais arcaico, não pode ser

esquecido. “Colocar em bateria” seria também aprontar a peça de forma que

ela fosse capaz de fazer fogo.

Boca de fogo – termo arcaico que designa peça de artilharia (canhão, morteiro,

obus,etc.).

Brigue – “antigo navio à vela, de mastreação constituída de gurupés e de dois

mastros de brigue, o de ré envergando também vela latina quadrangular, e

com velas de entremastro”.92

Calibre – hoje em dia é conhecido apenas como o diâmetro da boca do cano

das armas. Até meados do século 19, era também o peso do projétil em

libras (Castro & Andrada, 1993: 84).

Canhão – peça de artilharia que disparava projéteis maciços e em trajetória

reta.

Canhoneira – “navio de combate, de pequeno tamanho e pouca borda livre,

empregado em operação de defesa e fluvial”.93

Carretilha – cilindro munido de manivela que permite o esticar ou recolher

ordenadamente um cabo-guia.

Cavalgada – termo arcaico que designa quando uma peça de artilharia está

assentada em uma carreta.

91 Grande Enciclopédia Larousse Cultural. S. Paulo, Nova Cultural, 1995, vol. 3, p.613. 92 FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. S. Paulo, Nova Fronteira, 1982, p. 227. 93 FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Dicionário Aurélio. S. Paulo, Nova Fronteira, 1982, p. 270.

Page 188: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

188

Colubrina – “tipo de canhão mais comprido que o normal, tendo mais de 25

calibres de comprimento. Originalmente era um tipo de canhão, de 20 libras

de calibre” (Castro et al., 1999: 48).

Cortina (ou muralha) – muro da fortificação.

Costado – lateral da embarcação.

Eco-batímetro – mapeia o relevo do solo marinho através do envio e captação

de pulsos sonoros.

Fortaleza – uma ou mais baterias dispostas em vários corpos de edificações

(Miranda, 1975).

Forte – uma ou mais baterias dispostas em um mesmo corpo de edificação

(Miranda, 1975).

Fortificação – qualquer edificação militar, defensiva ou de sítio (Miranda, 1975).

Lancha artilhada – embarcação pequena, rápida e bastante manobrável munida

de artilharia.

Lanchão – variação da lancha.

Leito – plataforma, de madeira ou alvenaria, sobre a qual era instalada uma

peça de artilharia com carreta.

Praça – conjunto de fortificações (Miranda, 1975).

Rancho – edificação semelhante a um galpão semi-aberto, não chegando a ser

uma casa.

Tempo de fundo – quantidade de tempo que se permanece imerso descartando

o tempo de descida e o de ascensão.

Transect – caminhamento prospectivo em linhas paralelas, eqüidistantes, sobre

um dado território.

Trincheira – fortificação efêmera.

Vento – espaço entre a bala e o tubo da alma (Castro & Andrada, 1993: 87).

Page 189: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

189

Bibliografia

ADAMS, Robert M., BASS, George F., et alli. The Black Cloud Survey,

Liberty County, Texas. Archaeological investigation and underwater

reconnaissance. College Station: INA-TAMU, 1978.

ALBUQUERQUE, Marcos. O Processo Interétnico Numa Feitoria Quinhentista

no Brasil. Revista de Arqueologia, São Paulo, vol. 7, p. 99-123, 1993.

ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Arraial Novo do Bom Jesus.

Consolidando um processo, iniciando um futuro. Recife: Ed. Graftorre,

1997.

ALMEIDA, Antonio Paulino de. O forte da ilha Comprida. Revista do Arquivo

Municipal de São Paulo. São Paulo, s.c.e., ano 2, vol. 20, fevereiro, 1936.

__________________________. A navegação no vale do Ribeira. Revista do

Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, s.c.e., ano 10, vol. 102, abril

e maio, 1945.

__________________________. Da ação de piratas e fortificação do litoral.

Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, s.c.e., ano 13,

vol. 109, julho e agosto, 1946.

__________________________. A ilha Comprida. Revista do Arquivo

Municipal de São Paulo. São Paulo, s.c.e., ano 17, vol. 137, out., nov. e

dez., 1950.

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (IV).

Revista de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 24, nº. 49, p.205-243,

1962.

Page 190: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

190

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (V). Revista

de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 25, nº. 51, p.192-217, 1962.

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (VI).

Revista de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 26, nº. 53, p.177-217,

1963.

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (VII).

Revista de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 28, nº. 58, p.483-504,

1964.

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (X). Revista

de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 31, nº. 64, p.455-477, 1965.

__________________________. Memória Histórica de Cananéia (XIV).

Revista de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 38, nº. 78, p.467-493,

1969.

_________________________. Memória Histórica de Cananéia III. São

Paulo, FFLCH, 1981. Série Didática, 11.

ALVES, Francisco J. S. Ponta do Altar B - Arqueologia de um naufrágio no

Algarve nos alvores do século XVII. O arqueólogo português, Lisboa,

série IV, volume 8/10, p. 357-424 1990-1992.

___________________. Genealogia e arqueologia dos navios portugueses

nos alvores do mundo moderno. Nossa Senhora dos Mártires – A última

viagem. Lisboa: Verbo, 1998. p. 71-83.

AMARAL, Antônio Barreto do. Dicionário de História de São Paulo. São

Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1980. Coleção Paulística, vol. 19.

ANAIS do IX congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, 1997. Rio

de Janeiro: Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2000. Cd-Rom.

Page 191: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

191

ARNOLD III, J. Barto; CLAUSEN, Carl. A magnetometer survey with eletronic

positioning control and calculator-plotter system. Historical Archaeology

Tucson (Society for Historical Archaeology), vol. 09, p. 26-40, 1975.

ARNOLD III, J. Barto. Marine magnetometer survey of archaeological materials

near Galveston, Texas. Historical Archaeology, Tucson (Society for

Historical Archaeology, vol. 21, n º. 2, p. 18-47, 1987.

ARNOLD III, J. Barto, HALL, Andrew W., OERTLING, Thomas J., POWELL,

Christine A. The Confederate Blockade Runner Denbigh. The INA

Quarterly, College Station (Institute of Nautical Archaeology - Texas A&M

University), vol. 26, n º. 2, p. 3-12, 1999a.

ARNOLD III, J. Barto, HALL, Andrew W., OERTLING, Thomas J. The Denbigh

Project: initial observations on a Civil War blockade-runner and its wreck-

site. The International Journal of Nautical Archaeology, College Station

(Institute of Nautical Archaeology - Texas A&M University), vol. 28, n º. 2,

pp. 126-144, 1999b.

__________________________________________________________. The

Denbigh Project: Test Excavations of a Civil War Blockade Runner.

College Station: Institute of Nautical Archaeology - Texas A&M University,

2000.

ATLAS Geográfico Mundial. S. Paulo: Folha de S. Paulo, 1994. Segunda

edição.

ATLAS Histórico - Isto É Brasil, 500 anos. S. Paulo: Grupo de Comunicação

Três, 1998.

ARQUIVO Municipal de Santos. Inventário Fundo Milícias. Santos: s.c.e.,

1997.

Page 192: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

192

BAHN, Paul G. (coord.). The Cambridge illustrated history of archaeology.

Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

BARATA, Maria do R. Themudo. Portugal e a Europa na época Moderna.

TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. Bauru/ S. Paulo/

Portugal: EDUSC/ UNESP/ I. Camões, 2000. p. 105-126.

BARRETTO, Annibal. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do

Exército, 1958.

BASS, George F. Arqueologia Subaquática. Lisboa: Editorial Verbo, 1971.

_____________. Arqueólogos, mergulhadores desportivos e caçadores de

tesouros. Journal of Field Archaeology, Boston, 12.2, seção

“Perspectives”, 256-258, 1985. Tradução de Francisco J. S. Alves e Adília

Alarcão.

_____________. (coord.). Ships and shipwrecks of the Americas. A history

based on underwater archaeology. Nova York: Thames & Hudson, 1996.

BASTOS, D., BAVA DE CAMARGO, P. F., FLOREZ, J. et. Al. O Forte de São

João da Bertioga. São Paulo, 1998. Trabalho (Conclusão de disciplina de

graduação em Arquitetura) – FAU, USP, 1998.

BATE, L. F. Notas sobre el materialismo histórico en el proceso de

investigación arqueológica. Boletín de Antropologia Americana, julho,

1989.

___________ El proceso de investigación en arqueología. Barcelona:

Crítica, 1998.

BAVA DE CAMARGO, Paulo Fernando. A Fortaleza da Barra Grande. Uma

Análise Histórica e Arquitetônica. São Paulo, 1998. Monografia

(Conclusão de disciplina de graduação em Arquitetura) – FAU, USP, 1998.

Page 193: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

193

BAVA DE CAMARGO, Paulo F. Arqueologia das fortificações oitocentistas

do Baixo Vale do Ribeira: uma análise crítica. São Paulo, 2000. 1o.

Relatório (Mestrado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia

(MAE), USP.

__________________________. Arqueologia das fortificações

oitocentistas da planície costeira Cananéia/ Iguape. São Paulo, 2001.

2o. Relatório (Mestrado em Arqueologia) - MAE, USP.

___________________________. Arqueologia das fortificações

oitocentistas da planície costeira Cananéia/ Iguape. São Paulo, 2001.

3o. Relatório (Mestrado em Arqueologia) - MAE, USP.

BELLOTTO, Heloísa L. Autoridade e Conflito no Brasil Colonial: O

Governo do Morgado de Mateus em São Paulo. São Paulo: Conselho

Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.

BELMONTE. No Tempo dos Bandeirantes. São Paulo: Governo do Estado

de São Paulo, 1980. p. 11-26: A Fortificação. Coleção Paulística, vol. 20.

BLOT, Jean-Yves. Archéologie sous-marine. Paris: Arthaud, 1988.

______________. Underwater archaeology. Exploring the world beneath

the sea. Londres: Thames and Hudson, 1996.

______________. O mar de Keith Muckelroy. O papel da teoria na

arqueologia do mundo náutico. Al-Madan, Almada, segunda série (8),

outubro, p. 41-55, 1999.

BOUTHOUL, Gaston; CARRÈRE, René. O desafio da guerra. Dois séculos

de guerra: 1740-1974. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979.

Page 194: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

194

CALIPPO, Flávio Ricci. Repensando o posicionamento dos restos da

fortificação da ponta da Trincheira, Ilha Comprida, SP. São Paulo:

s.c.e., 2001 (datilog.).

BURKE, Peter (org.). A escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992. p.

327-348: A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa.

CAMARGO, Ana M. Almeida de & MORAES, Rubens B. Bibliografia da

Impressão Régia do Rio de Janeiro. São Paulo: Edusp/ Kosmos, 1993.

Volume I.

CAMBI, Franco; TERRENATO, Nicola. Introduzione all`archeologia dei

paesaggi. Roma: La Nuova Itália Scientifica, 1997.

CAMINHA, J. Carlos. História Marítima. Rio de Janeiro: Biblioteca do

Exército, 1980.

CANABRAVA, Alice Piffer. O comércio português no rio da Prata (1580-

1640). Belo Horizonte/ S. Paulo: Itatiai/ Edusp, 1984.

_____________________. Um desembarque clandestino de escravos em

Cananéia. Revista de História, São Paulo (FFLC-USP), vol. 1, nº. 4, p.559-

562, 1950. Reimpressão de 1962.

CANANÉIA, Iguape e Iporanga. São Paulo: IHGGB/ Secretaria de Estado da

Cultura, 1981-2.

CARTA náutica n º. 1702. Brasil - Costa Sul. Mar Pequeno (da barra de

Icapara a Cananéia). Levantamentos efetuados pela Marinha do Brasil até

1982. Escala natural: 1:27500 na lat. 24o51’,80. Atualizada em 13/08/1999.

Page 195: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

195

CARTA náutica n º. 1703. Brasil - Costa Sul. Porto de Cananéia.

Levantamentos efetuados pela Marinha do Brasil até 1982. Escala natural:

1:27448 na lat. 25o05’,75. Terceira edição, 30/09/1985.

CARUANA, Adrian B. The age of the system, 1715-1815. Rotherfield: Jean

Boudriot, 1997. Col. The history of english sea ordnance, 1523-1875, vol.

II.

CASTRO, Adler H. F., ANDRADA, Ruth B. S. C. de. O pátio Epitácio Pessoa

e seu acervo. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1993.

CASTRO, Adler H. Fonseca. Identificações de canhões – Paranaguá, PR. Rio

de Janeiro: IPHAN, 1994 (mimeog.).

CASTRO, J. B. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831-1850. São

Paulo: Ed. Nacional, 1979, vol. 359.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Lisboa: Edições 70, 2000.

CID, Pedro de A. Inglez. As arquiteturas da barra do Tejo: as fortificações.

Nossa Senhora dos Mártires – A última viagem. Lisboa: Verbo, 1998. p.

33-49.

CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. Brasília: Edunb, 1979.

CONDEPHAAT. Patrimônio cultural paulista. CONDEPHAAT, bens

tombados (1968-1998). São Paulo: Imprensa Oficial, 1998.

CONDEPHAAT. Tombamento - Fortaleza de Itapema/ Guarujá. São Paulo,

1982 (fol.).

CONNOR, Melissa; SCOTT, Douglas D. Metal detector use in archaeology: an

introduction. Historical Archaeology, Tucson, vol. 32, no. 4, p. 76-85,

1998.

Page 196: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

196

COSTA E SILVA SOBRINHO. Santos Noutros Tempos. Santos: s.c.e., 1953.

_________________________. Santos na história do Brasil. Santos: grupo

Rodrimar, 2000.

DEETZ, James. In Small Things Forgotten. Nova York: Anchoor Books,

1996.

DEMARTINI, Célia Maria C. Arqueologia e comunicação: algumas

propostas para o Baixo Vale do Ribeira. São Paulo, 1997. Dissertação

(Mestrado em Arqueologia) – MAE, USP, 1997.

DIAS, Pedro. As Fortificações Portuguesas da Cidade Magrebina de Safi.

Oceanos - Fortalezas da Expansão Portuguesa, Lisboa, n º 28, p. 10-22,

outubro/ dezembro de 1996.

EDGERTON, Harold E. Underwater archaeological search with sonar.

Historical Archaeology, Tucson (Society for Historical Archaeology), vol.

10, p. 46-53, 1976.

ENCYCLOPEDIA of underwater and maritime archaeology. London/ New

Haven: Yale University Press, 1997.

ENGENHARIA militar e a construção – 350 anos (1647-1997), A. Lisboa/

Porto: s.c.e., 1997 (fol.).

FAGUNDES, João. Ribeira Grande - A Cidade Velha. Lisboa: Instituto

Português do Patrimônio Cultural, 1989.

FALCÃO, Edgard de Cerqueira. Fortes Coloniais da Cidade do Salvador.

São Paulo: Livraria Martins, 1942.

Page 197: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

197

FARIA, Miguel. Príncipe da Beira: a Fortaleza para Além dos limites. Oceanos

- Fortalezas da Expansão Portuguesa, Lisboa, n º 28, p.54-68, outubro/

dezembro de 1996.

FAUCHERRE, Nicolas. Places fortes. bastion du pouvoir. Paris: Rempart,

1996.

FERRAZ, A. L. Pereira. Real Forte do Príncipe da Beira. FRANÇA, Mário. A

fortaleza de Villegagnon. OTT, Carlos. O Forte do Mar, na Bahia/ O Forte

de Santo Antônio da Barra. Arquitetura Oficial II. Textos Escolhidos da

Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. São

Paulo: MEC-IPHAN/ FAU-USP, 1978. p. 111-189.

FONSECA, O. M. Z. A Arqueologia como História. Dédalo, São Paulo, vol. 28,

p. 39-62, 1990.

FUNARI, Pedro P. Abreu. Cultura material e arqueologia histórica.

Campinas: IFCH-Unicamp, 1998. p.7-34: Arqueologia, história e arqueologia

histórica no contexto Sul-Americano.

FUNCHAL. A fortaleza de São Tiago. Funchal: Secretaria Regional do

Turismo, Cultura e Emigração/ DRAC, 1992.

GIANNINI, Giorgio. I forti di Roma. Il sistema di difesa intorno alla città

costruito dal Regno d`Italia dopo la Breccia di Porta Pia. Roma:

Tascabili Economici Newton, 1998.

GIBBON, G. Anthropological archaeology. Nova York: Columbia University

Press, 1984. p. 73-101: Strategies of research.

GODOY, Joaquim Floriano de. A Província de São Paulo. Trabalho

estatístico, histórico e noticioso. São Paulo: Governo do Estado de São

Paulo, 1978.

Page 198: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

198

GOULD, Richard A. Recovering the past. Albuquerque: University of New

Mexico Press, 1990.

GRISWOLD, William A. The archaeology of military politics: the case of castle

Clinton. Historical Archaeology, Tucson, vol. 35, no. 4, p.105-117, 2001.

GUIA Quatro Rodas Brasil. S. Paulo: Abril, 1999.

GUIA Quatro Rodas – Atlas rodoviário. S. Paulo: Abril, 2000.

GUIDI, Alessandro. I metodi della ricerca archeologica. Bari: Editori Laterza,

1998. 3 a. edição.

GUILLERM, Alain. Fortifications et Marine en Occident. La Pierre et le

vent. Paris: L`Harmattan, 1994.

GUMS, Bonnie L. Earthfast (pieux en terre) structures at Old Mobile.

Historical Archaeology, Tucson, vol. 36, no. 1, p.13-25, 2002.

HALLÉ, Guy le. Histoire des fortifications de Paris (et leur extension en Ile-

de-France). Lion: Horvath, 1995.

HANDSMAN, G. R.; LEONE, M. P. Living history and critical archaeology in the

reconstruction of the past. PINSKY, V.; WYLIE, A. Critical traditions in

contemporary archaeology. Albuquerque: University of New Mexico

Press, 1995. p. 117-135.

HARARI, Joseph; MESQUITA, Afranio R. de. Tábuas das marés de Ubatuba,

Santos e Cananéia para os anos de 2000 e 2001. Relatórios Técnicos do

Instituto Oceanográfico, São Paulo (IO-USP), n º. 46, 1999.

HARMON, J. Scott. Recovering the Steamboat Bertrand. Early Man -

Magazine of Modern Archaeology, Northwestern Archaeology/

Page 199: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

199

Northwestern University/ Foundation for Illinois Archaeology, p. 10-12,

outono de 1979.

HARRINGTON, J. C.. New light on Washington’s Fort Necessity. SCHUYLER,

Robert L. Historical Archeology - A Guide to Substantive and

Theoretical Contributions. Nova York: Baywood Publishing Company,

1978. p. 91-138.

HIODO, Francisco Yukio & SHIBATA, Fabio H. Desenvolvimento de um

magnetômetro fluxgate de núcleo toroidal do tipo gradiométrico para a

detecção de alvos rasos. São Paulo, 2001. Trabalho de graduação

(Geofísica) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas,

USP, 2001.

HODDER, Ian. Interpretación en arqueologia – corrientes actuales.

Barcelona: Crítica, 1994. 2 ª. Edição.

HOLANDA, S. Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. S.

Paulo: Difel, 1965. Vol. 3, 2 ª. edição.

HUME, Ivor Nöel. A Guide to Artifacts of Colonial America. Nova York:

Borzoi/ Knopf, 1986.

IBGE. Superintendência de Cartografia. Departamento de Cartografia. Carta

do Brasil - Caraguatatuba - 1:50000. Folha SF-23-Y-D-VI-1, 1986.

IBGE. Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju. Rio de Janeiro: IBGE,

1987.

IBGE. Noções básicas de cartografia. Rio de Janeiro: IBGE, 1999. Série

Manuais técnicos em geociências, n º. 8.

INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ARCHAEOLOGY OF MEDIEVAL AND

MODERN SHIPS OF IBERIAN-ATLANTIC TRADITION (1998).

Page 200: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

200

Proceedings. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia, 2001. Trabalhos

de Arqueologia, n º. 18.

LAGUENS, Andrés. La distinción emic-etic em arqueologia. Boletín de

Antropologia Americana, julho, 1989.

LEONE, M. P.; HURRY, S. D. Seeing: the power of town planning in

Chesapeake. Historical Archaeology, Tucson, vol. 32, no. 4, p.34-62,

1998.

LEONE, M. P.; POTTER Jr., P. B. Archaeological Annapolis: a guide to seeing

and understanding three centuries of change. PREUCEL, R. W., HODDER,

I. Contemporary archaeology in theory - a reader. Cambridge:

Blackwell, 1996. p. 570-598.

LONG, Thierry; PAIM, Paulo S. Gomes. Modelo de evolução histórica e

holocênica do estuário da lagoa dos Patos, RS. Anais do 1 º. Congresso

da ABEQUA. Porto Alegre, 1987. p. 227-248.

MACHADO, Rosangela M. de Melo. Fortalezas da Ilha de Santa Catarina -

Um Panorama. Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC, 1994.

MADRE DE DEUS, Gaspar. Memórias para a História da Capitania de São

Vicente. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/ EdUSP, 1975.

MAGNANI, Luis. Prospecções Arquitetônicas - “Casa do Comandante” -

Forte da Barra Grande. São Paulo, 1984. Relatório SPHAN, 1984.

MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria. Imaginação Geográfica e Política

Externa no Brasil (1808 - 1912). São Paulo: Unesp/ Moderna, 1997.

MANUAL de preenchimento da ficha de inventário nacional de artilharia.

Rio de Janeiro: IPHAN, 1999.

Page 201: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

201

MAPA - Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fund.

E. Odebrecht, 1993.

MARQUES, M. E. de Azevedo. Apontamentos Históricos, Geográficos,

Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo. Belo

Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1980.

MARX, Murillo. Cidade no Brasil – terra de quem? São Paulo: Nobel/ Edusp,

1991.

MENEZES, José L. Mota. Fortificações Portuguesas no Nordeste do Brasil:

séculos XVI, XVII e XVIII. Recife: Pool editora, 1986.

MINISTÈRE de la Defense. Sentinelles de Pierre.- Forts & Citadelles sur les

frontières de France. Paris: Somogy/ Ministère de La Défense - SGA -

Direction de l’administration générale, 1996.

MINISTÉRIO da Marinha. Subsídios para a História Marítima do Brasil. Rio

de Janeiro: Imprensa Naval, 1942.

MINISTÉRIO do Exército. Departamento de engenharia e comunicações.

Diretoria de Serviço Geográfico. Região Sudeste do Brasil – Cananéia –

1:50000. Folha SG-23-V-C-I-1, MI-2845/1, 1983.

MONTEIRO, J. Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens

de São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

MIRANDA, R. Moreira. Arquitetura Militar Antiga no Brasil. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Guarujá/ Bertioga. Guarujá/ Bertioga, n

º 10, p. 75-94, 1975.

MORAES, Antonio C. Robert. Contribuições para a gestão da zona costeira

do Brasil. Elementos para uma geografia do litoral brasileiro. São

Paulo: Hucitec/ Edusp, 1999.

Page 202: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

202

MOREIRA, Rafael. Os Grandes Sistemas Fortificados. A Arquitetura Militar

na Expansão Portuguesa. Porto: Comissão Nacional para as

Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1994. p. 149-160.

MOTA, Carlos G. (org.). Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-

2000). Formação: histórias. S. Paulo: Senac, 2000.

MUCKELROY, Keith. Archeology under water – an Atlas of the world’s

submerged sites. Londres/ Nova York: McGraw-Hill, 1980.

MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio d’ um Quadro Estatístico da Província de

São Paulo. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.

MUSÉE de l’Armée. Les petits modeles d’artillerie. Paris: Musée de l’Armée,

1992 (fol.). Texto de Michel Decker.

NATIONAL Park Service. Submerged Cultural Resources Unit. H. L. Hunley.

Site assessment. Santa Fé: National Park Service, 1998. Cultural

Resources Management Professional Papers, no. 62.

NAUTICAL Archaeology Society. Archaeology Underwater. The NAS guide

to principles and practice. Londres: Archetype/ NAS, 1998.

NAUTICAL Archaeology Society. Arqueologia Subaquática – parte 1 –

notas. São Paulo: s.c.e., 2001.

NOVAIS, Fernando A. A proibição das manufaturas no Brasil e a política

econômica portuguesa do fim do século XVIII. Revista de História, São

Paulo (FFLC-USP), vol. 33, nº. 67, p.145-166, 1966.

NUNES, José M. de Souza. Real Forte Príncipe da Beira. Salvador: Fund.

Emílio Odebrecht, 1985.

Page 203: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

203

OLIVEIRA, J. J. Machado d’. Quadro Histórico da Província de São Paulo.

São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, 1978. Coleção Paulística,

vol. 4.

ORSER JR., Charles. Introdução à Arqueologia Histórica. Belo Horizonte:

Oficina de Livros, 1992.

_________________. Toward a Global Historical Archaeology. Historical

Archaeology, Tucson, vol. 28, no. 1, p. 5-22, 1994.

OTTAWAY, Patrick. Archaeology in British towns. From the emperror

Claudius to the Black death. Londres/ Nova York: Routledge, 1996.

PEIXOTO, Sylvio. As Atalayas da Guanabara: Fortaleza de Santa Cruz. Rio

de Janeiro: Biblioteca Militar, 1947.

PETRONE, Pasquale. A baixada do Ribeira - estudo de geografia humana.

São Paulo: Edusp, 1966. Boletim da FFCL n º. 283.

_________________. Aldeamentos Paulistas. São Paulo: Edusp, 1995.

PIAZZA, W. A epopéia açórico-madeirense, 1748-1756. Florianópolis,

EdUFSC/ Lunardelli, 1992. p.45-51: A política portuguesa do “Uti-

Possidetis” no Brasil e a ação de Alexandre de Gusmão.

PINTO, André L. Andrade. A dinâmica flúvio-marinha na ilha de Iguape e os

sambaquis. São Paulo, 1997. Trabalho de graduação individual

(Geografia) – DG, FFLCH, USP, 1997.

POLANYI, K.; ARENSBERG, Conrad M.; PEARSON, Harry W. Comércio y

mercado en los imperios antiguos. Barcelona, Labor Universitaria, 1976.

Page 204: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

204

POLANYI, K. Portos de Comércio nas sociedades arcaicas. The Journal of

Economic History, XXII, 1, 30-45, março, 1963. Tradução da prof ª. Dr ª.

Maria Beatriz Borba Florenzano.

PRADO JR. Evolução política do Brasil e outros estudos. 5 ª. ed. São

Paulo: Brasiliense, 1966. p. 139-153: Formação dos Limites Meridionais do

Brasil.

RAHTZ, Philip. Convite à arqueologia. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

RAMBELLI, Gilson. A arqueologia subaquática e sua aplicação à

arqueologia brasileira: o exemplo do Baixo Vale do Ribeira de Iguape.

São Paulo, 1998. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – MAE, USP,

1998.

_________________. Estudos sistemáticos de sítios arqueológicos

submersos ao longo do pólo Lagamar/ litoral sul paulista. São Paulo,

2001. 1o. Relatório (Doutorado em Arqueologia) – MAE, USP.

_________________. Arqueologia até debaixo d’água: uma introdução à

arqueologia subaquática. São Paulo: Maranta, 2002 (no prelo).

RATHJE, William; MURPHY, Cullen. Rubbish! The archaeology of garbage.

Nova York: HarperPerenial, 1993.

REIS, Nestor Goulart. Imagens do Brasil colonial. S. Paulo: Edusp/

Imprensa Oficial do Estado/ FAPESP, 2000.

RENFREW, Colin; BAHN, Paul. Arqueología. Teorías, métodos y práctica.

Madri: Akal, 1993.

RIETH, Eric; CARRIERRE-DESBOIS, Catherine; SERNA, Virginie. Premiers

resultats de la fouille subaquatique de l’épave du Aut. Moyen Age de Port-

Berteau II, Carente-Maritime (France). Revista do Museu de Arqueologia

e Etnologia da USP, São Paulo, n º. 6, p.189-221, 1996.

Page 205: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

205

RODÁ, Isabel (org.). Ciencias, metodologías y técnicas aplicadas a la

arqueología. Barcelona: Fundació “La Caixa”/ Universitat Autónoma de

Barcelona, 1992.

RODRIGUES, J. Washt. Tropas paulistas de outrora. São Paulo: Gov. do

Estado de SP, 1978. Col. Paulística, v. 10.

RONDON, Cândido M. da Silva. Relatório apresentado à diretoria geral dos

telégrafos e à divisão de engenharia do departamento da guerra. Rio

de Janeiro: Papelaria Macedo, 191?.

RUGGIERO, Gennaro. I castelli di Napoli. Roma: Tascabili Economici

Newton, 1998.

SANTOS, Manoel Higino dos. A cidade esquecida. Boletim do Departamento

de Arquivo do Estado, São Paulo, 1952, vol. 9, p.51-138, 1952.

SCATAMACCHIA, Maria C. Mineiro & RAMBELLI, Gilson. Arqueologia regional

e o gerenciamento do patrimônio arqueológico. Revista de Arqueologia

Americana, n º. 20, p. 111-130, janeiro – dezembro, 2001.

SECRETARIA de Estado do Meio Ambiente. Jornal Eco, São Paulo, nº. 5,

outubro, 1989.

SILLIMAN, Stephen W.; FARNSWORTH, Paul; LIGHTFOOT, Kent G.

Magnetometer prospecting in historical archaeology: evaluating survey

options at a 19th-century rancho site in California. Historical Archaeology,

Tucson, vol. 34, no. 2, p. 89-109, 2000.

SILVA, Fernanda Fernandes da. Fortificações Brasileiras: Máquinas de

Guerra e de Memória. São Paulo, 1991. Tese (Doutorado em História) –

DH, FFLCH, USP, 1991.

Page 206: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

206

SILVA DIAS, Maria O. Leite da. A interiorização da metrópole (1808-1853).

MOTA, Carlos G. (org.). 1822 - Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972.

P. 160-184.

SLEMIAN, A.; MARTINS, A. C.; PIMENTA, J. P. G. et al. Cronologia de

história do Brasil colonial (1500-1831). São Paulo: DH-FFLCH-USP,

1995.

SOUSA, Alberto. Os Andradas. São Paulo: Typographia Piratininga, 1922.

Vol. I.

SOUZA, Adriana B. de. O exército na consolidação do Império. Um estudo

histórico sobre a política militar conservadora. Rio de janeiro: Arquivo

Nacional, 1999.

SOUZA, Sara R. S. de. As Fortificações Catarinenses - Notas para uma

Revisão Histórica. Florianópolis: Imprensa Universitária, 1991.

SPALDING, Válter. A revolução Farroupilha. S. Paulo: Cia. Ed. Nacional,

1980. Segunda edição.

SPHAN. Campanha Pró - Restauração - Fortaleza da Barra Grande. São

Paulo: s.c.e., 1984 (datilog.).

SPHAN. Fortaleza da Barra Grande – campanha pró-restauro. São Paulo:

s.c.e., 1988 (datilog.).

STADEN, Hans. Duas Viagens ao Brasil. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/

EdUSP, 1974.

STELLA, Roseli Santaella. O domínio espanhol no Brasil durante a

monarquia dos Felipes, 1580-1640. São Paulo: Unibero/ CenaUn, 2000.

Page 207: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

207

SUGUIO, Kenitiro & TESSLER, Moysés G. Depósitos quaternários da

planície costeira de Cananéia-Iguape (SP). São Paulo: IO-USP, 1992.

Publicação especial do Instituto Oceanográfico n º. 9, p. 1-33.

TAVARES, Aurélio de Lyra. A engenharia militar portuguesa na construção

do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2000.

THROCKMORTON, Peter. Diving for treasure. Londres: Thames & Hudson,

1977.

YOUNG, Ernesto G. História de Iguape. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, São Paulo, vol. 8, p.222-375, 1904.

________________. História de Iguape. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, São Paulo, vol. 9, p.108-326, 1905.

VEIGA, Eliane V. da. As Fortificações Catarinenses no Brasil Colonial.

Introdução ao seu Estudo. Florianópolis: Imprensa Universitária, 1991.

VIDIGAL, Armando A. Ferreira. A evolução do pensamento estratégico

naval brasileiro. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

VILLIÉ, Pierre & ACERRA, Martine. Ça Ira. Vaisseau français de 80 canons,

1781-1796. Étude archéologique. Biguglia: Stamperia Sammarcelli, 1998.

VITELLI, Karen D. (coord.). Archaeological ethics. Walnut Creek: AltaMira

Press, 1996.

WATTS JR., Gordon P. The Civil War at sea: dawn of an age of iron and

engineering. BASS, George F. (coord.). Ships and shipwrecks of the

Americas. A history based on underwater archaeology. Nova York:

Thames & Hudson, 1996. P. 207-230.

Page 208: ARQUEOLOGIA DAS FORTIFICAÇÕES …fortalezas.org/midias/arquivos/2696.pdfAHI – Arquivo Histórico do Itamaraty, R. de Janeiro, RJ ?? ANRJ – Arquivo Nacional do R. de Janeiro,

208

WECKMANN, Luis. La Herencia Medieval del Brasil. Cidade do México:

Fondo de Cultura Economica, 1993.

ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da Capitania de Minas Gerais no

século XVIII. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1990.