Art - Dança Coral - Maristela Moura

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Para citar este artigo: LIMA, Maristela Moura Silva, VIEIRA, Alba Pedreira. Dança Coral: ampliando o acesso da sociedade à dança. In: LARA, Larissa M. (orga). Dança: dilemas e desafios na contemporaneidade. Maringá: EDUEM - Editora da Universidade Estadual de Maringá, 2011. Dança Coral: ampliando o acesso da sociedade à dança Maristela Moura Silva Lima Alba Pedreira Vieira O ócio e a tecnologia A vida do homem contemporâneo é permeada de realidades contrastantes. A tecnologia e a ciência oferecem rapidez, saúde e conforto, mas ao mesmo tempo, demandam- lhe mais trabalho, concentração e flexibilidade para satisfazer as exigências do cotidiano. Neste contexto, as pessoas passam mais tempo envolvidas em atividades de trabalho que garantam a sua sobrevivência e menos tempo em atividades de lazer. O homem primitivo usava seu corpo e suas habilidades para executar um vasto repertório de movimentos para sobreviver e enfrentar as intempéries da vida em grupo. Do ato de preparar a terra, plantar, cuidar, colher, limpar, debulhar, moer, cozinhar e comer ocorria um longo tempo e requisitava do homem um trabalho físico exaustivo. Ademais, a principal fonte propulsora das danças rituais primitivas era a de oferecer experiências que fortalecessem o sentimento de solidariedade e afinidade entre os membros das tribos. O uso de ferramentas e o desenvolvimento de máquinas que substituíram as funções básicas para a sobrevivência isentaram o homem do uso instrumental global do seu corpo e passou a exigir ações especializadas, que requisitam o uso de partes isoladas, em movimentos automatizados de produção em alta escala. O uso da máquina, desde a época da Revolução Industrial, colaborou para mudanças na sociedade moderna de maneira ambígua. Na sociedade contemporânea, as novas tecnologias auxiliam alguns aspectos em detrimento de outros. Na perspectiva de que tudo na vida é relativo e de que depende do equilíbrio e do bom senso do ser humano, o uso da máquina e das novas tecnologias para um propósito benéfico tem alterado o uso do tempo e espaço do homem contemporâneo. A rapidez com que se constroem edifícios e pontes, o deslocamento para países distantes, a internet, as transmissões televisivas, fizeram o mundo encolher, dando a impressão de que toda a humanidade desfruta dos mesmos bens, apesar das diferenças étnicas e éticas. Por outro lado, a aceleração do maquinário destruidor de seres humanos e da natureza

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  • Para citar este artigo: LIMA, Maristela Moura Silva, VIEIRA, Alba Pedreira. Dana Coral: ampliando o acesso da sociedade dana. In: LARA, Larissa M. (orga). Dana: dilemas e desafios na contemporaneidade. Maring: EDUEM - Editora da Universidade Estadual de Maring, 2011.

    Dana Coral: ampliando o acesso da sociedade dana

    Maristela Moura Silva Lima

    Alba Pedreira Vieira

    O cio e a tecnologia

    A vida do homem contemporneo permeada de realidades contrastantes. A

    tecnologia e a cincia oferecem rapidez, sade e conforto, mas ao mesmo tempo, demandam-

    lhe mais trabalho, concentrao e flexibilidade para satisfazer as exigncias do cotidiano.

    Neste contexto, as pessoas passam mais tempo envolvidas em atividades de trabalho que

    garantam a sua sobrevivncia e menos tempo em atividades de lazer.

    O homem primitivo usava seu corpo e suas habilidades para executar um vasto

    repertrio de movimentos para sobreviver e enfrentar as intempries da vida em grupo. Do ato

    de preparar a terra, plantar, cuidar, colher, limpar, debulhar, moer, cozinhar e comer ocorria

    um longo tempo e requisitava do homem um trabalho fsico exaustivo. Ademais, a principal

    fonte propulsora das danas rituais primitivas era a de oferecer experincias que fortalecessem

    o sentimento de solidariedade e afinidade entre os membros das tribos. O uso de ferramentas e

    o desenvolvimento de mquinas que substituram as funes bsicas para a sobrevivncia

    isentaram o homem do uso instrumental global do seu corpo e passou a exigir aes

    especializadas, que requisitam o uso de partes isoladas, em movimentos automatizados de

    produo em alta escala.

    O uso da mquina, desde a poca da Revoluo Industrial, colaborou para mudanas

    na sociedade moderna de maneira ambgua. Na sociedade contempornea, as novas

    tecnologias auxiliam alguns aspectos em detrimento de outros. Na perspectiva de que tudo na

    vida relativo e de que depende do equilbrio e do bom senso do ser humano, o uso da

    mquina e das novas tecnologias para um propsito benfico tem alterado o uso do tempo e

    espao do homem contemporneo.

    A rapidez com que se constroem edifcios e pontes, o deslocamento para pases

    distantes, a internet, as transmisses televisivas, fizeram o mundo encolher, dando a

    impresso de que toda a humanidade desfruta dos mesmos bens, apesar das diferenas tnicas

    e ticas. Por outro lado, a acelerao do maquinrio destruidor de seres humanos e da natureza

  • tem se tornado preocupante. O rudo perturbador das moto-serras, os avies de guerra, as

    mquinas mortferas de alta preciso e amplitude, os hackers e navegadores expurgos da

    internet, aceleram a destruio do planeta e da serenidade entre os homens.

    Atualmente, a tecnologia tem permitido ao homem rapidez nas tarefas do cotidiano e conforto

    no ambiente domstico e de trabalho. Os equipamentos eletrnicos permitem que algum

    trabalhe, receba as compras, pague as contas, assista filmes e sobreviva s exigncias do

    cotidiano em sua prpria casa, sem receber um raio de sol em sua pele. Lafargue (2003), em

    meados do sculo XIX, j preocupado com a renovao das indstrias pela mecnica

    moderna, e pelo excesso de horas atribudas ao trabalho, apresentou uma crtica extrema

    valorizao da produo de bens materiais, do consumismo e suas consequncias na vida de

    relao social entre as pessoas: Mas, o que vemos? medida que a mquina se aperfeioa e

    dispensa o trabalho do homem com uma rapidez e preciso que no param de crescer, o

    operrio, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra seu esforo, como se

    quisesse rivalizar com a mquina. (p. 45)

    De Masi (2000), comentando sobre a intelectualizao de uma parcela da sociedade

    global, observa que as atividades mentais prevalecem sobre as corporais. Entre as atividades

    intelectuais mais apreciadas, a criatividade tornou-se um elemento fundamental associada aos

    conceitos estticos inovados pela rapidez que a transformao tecnolgica permite.

    Arbitrariamente, se o homem sobrevive com menos esforo fsico e possui mais tempo para

    desfrutar de momentos de lazer, o que o impede de se inteirar com outras pessoas? Como a

    dana pode interferir e possibilitar o relacionamento entre as pessoas em uma sociedade em

    que as pessoas esto muito preocupadas em produzir e desfrutar dos bens materiais? Como a

    dana pode qualificar a dimenso humanstica que cada ser humano possui de se doar e

    compartilhar coletivamente momentos de alegria, prazer e felicidade? Um estudioso da arte da

    dana que aborda essas questes Rudolf Laban, cuja proposta ser discutida nesse texto.

    SOS ao Brasil

    O homem do sculo XXI parece viver um conflito existencial dramtico quando uma parcela

    da sua identidade permanece apegada a laos culturais tradicionais, relacionados aos valores

    familiares, hbitos e costumes perpetuados at o presente pelas experincias de geraes

    passadas. Na viso de Hall (2003), as sociedades da modernidade tardia, identificadas como

    as do perodo aps a dcada de 1950, esto em constante transformao, em ritmo acelerado

    pela tecnologia desenfreada e ao processo de globalizao com um forte impacto sobre a

    identidade cultural do indivduo. Segundo esse autor, a velocidade das informaes veiculada

  • pelos meios de comunicao est causando uma ruptura com as tradies consagradas,

    incutindo novos valores morais, ticos e estticos que se fundem em uma homogeneizao

    cultural. A questo da identidade de uma pessoa perpassa pelo significado que os elementos

    culturais representam socialmente, porm, torna-se difcil para a famlia e as instituies

    educacionais competirem com a rapidez das informaes que tm afetado a noo de tempo e

    espao, sugerindo novos modos de vida e de relacionamentos. A perda de identidade se d

    pelo rompimento com as tradies em simples aspectos culturais que ao longo do tempo vo

    influenciando a lngua, costumes e tradies (ALVES, 2004). Historicamente, o Brasil tem

    recebido enorme influncia de pases europeus e norte-americanos, assim como em outros

    pases da Amrica Latina fato que tem impedido a valorizao da nossa prpria cultura.

    O povo brasileiro apresenta caractersticas muito distintas e manifestas na linguagem,

    na alimentao e nas tradies culturais, devido sua dimenso continental e diversidade

    geogrfica. A artede Jobim, por exemplo, traz uma verdade incontestvel, quando afirma que

    O Brasil no conhece o Brasil, o Brasil, SOS ao Brasil. Falta ao povo brasileiro ufanismo,

    sentimento de orgulho pela ptria (fora da poca da Copa do Mundo) e honra de ter nascido

    em um pas to privilegiado em recursos naturais, de climas amenos, sem cataclismos severos

    que causam destruio e morte e uma cultura extremamente rica e diversificada. Devido

    falta de acesso educao e informao sobre a beleza do seu pas, a maioria dos brasileiros

    ignora as riquezas da sua prpria cultura advinda da diversidade da composio miscigenada

    da raa brasileira. Essa alienao cultural impede que o brasileiro conhea e valorize detalhes

    importantes da prpria famlia, sua ancestralidade, aspectos importantes da cidade e da regio

    em que habitam e de todo o pas.

    Atualmente, os meios de comunicao de massa e a falta de bom senso

    e esprito humanitrio dos governantes, renegam as caractersticas prprias da cultura

    brasileira e permitem a invaso de notcias, programas e filmes, que transmitem ideias e

    valores pouco edificantes e pobres de mensagens educativas. Os canais de televiso, as

    emissoras de rdio e a comunicao pela internet atingem um grande nmero da populao

    brasileira em grandes centros e nas reas rurais e a programao destes meios de comunicao

    no valorizam a arte e as autnticas manifestaes culturais do povo brasileiro.

    claro que os aparelhos de TV, rdio e computador, no tm vida prpria e no se

    impem nas salas de estar das famlias. Mas o homem que tem o domnio, o livre arbtrio

    para ligar ou desligar o aparelho acionando um simples boto. Entretanto, falta a este homem

    esprito crtico, educao, para avaliar o que deve ser feito e quando, e entender que pode

    fazer suas escolhas. Segundo dados do IBGE (2000), o Brasil possui 34 milhes de jovens na

  • faixa de idade entre 10 e 19 anos.1 Considerando esse patrimnio humano

    fantstico, inconcebvel que em uma sociedade de populao to jovem no haja

    investimento financeiro nessa faixa-etria, no campo da educao e das artes, na busca de se

    promover uma conscientizao social, artstica e cultural.

    A invaso cultural estrangeira na sociedade brasileira

    A partir da anlise do nosso cotidiano, pode-se observar as contradies e a forte influncia da

    cultura europia e norte-americana nos costumes da sociedade brasileira. possvel observar

    a invaso das tradies das sociedades globalizadas no modus vivendi do nosso povo.

    Podemos citar trs exemplos que so refletidos no modo de vestir, na padronizao de itens

    comerciais e nos meios de comunicao.

    O brasileiro, fruto de uma combinao tnica, renega o vesturio de tecidos

    estampados com motivos desenhados impregnados de cores e formas (isto s no acontece

    quando esta ltima tendncia da moda), tpicos das culturas africanas e indgenas, que

    ofereceram um toque especial nossa formao cultural. Por influncia europeia e norte-

    americana, a moda brasileira, principalmente no inverno, segue uma linha, clssica e

    montona, fazendo uso de cores neutras e escuras. No imaginrio social dos pases de

    primeiro mundo parece ser inconcebvel o traje com estampas diferentes, o que considerado

    brega e de mau gosto.

    No entanto, obedecemos, muitas vezes cegamente, s regras de pases que sofrem

    inverno rigoroso e frio por mais de seis meses, anualmente. Nestes pases as cores escuras so

    usadas por seu aspecto prtico e funcional, pois atraem o calor do sol e aquece o corpo dos

    seus usurios. Temos o nosso clima tropical, o nosso jeito de ser, nossa ginga, a natureza

    exuberante em cores e formas e deveramos usufruir desta realidade.

    A safra de produo de carros brasileiros de cores neutras outro exemplo de

    imposio do gosto estrangeiro. Atualmente, predomina as verses metlicas do azul marinho

    ou petrleo, prata, preto, dourado, verde escuro ou branco. So poucas as fbricas que lanam

    novos modelos com cores alegres e vivas. At a dcada de 90, eram

    lanados carros com variadas cores que enfeitavam ruas, avenidas e estradas com diversos

    tons de amarelo, vermelho, azul e verde. Uma questo paira no ar azul, amarelo e verde das

    pessoas que amam o Brasil de todo corao. Por que o brasileiro no se liberta das regras de

    1 Dados do ltimo senso demogrfico realizado pelo IBGE em 2000. IBGE. Brasil em Sntese. Populao por sexo e grupo de idade. Disponvel em: Acesso em: 15 jul. 2011.

  • padronizao impostas pelos pases ditos civilizados? Porque no podemos ter um mundo

    mais colorido produzido pelas mos do homem?

    A padronizao chegou aos meios mais populares de comunicao, como o rdio.

    Uma grande parte dos comunicadores se expressa de maneira sensacionalista, com reclames e

    chamadas, emitidos com tons de vozes nivelados ao de emissoras de outros estados. De norte

    a sul do Brasil, a entonao dos comunicadores de rdio est padronizada, negando a riqueza

    dos sotaques tpicos de cada regio e da variedade de ritmos e msica em comerciais,

    neutralizando o impacto dos arranjos instrumentais da msica brasileira, to rica e apreciada

    pelo mundo inteiro.

    Comercialmente analisando, observamos que o turismo nacional no valorizado.

    mais fcil, em termos de oferta e economicamente falando, engajar-se numa viagem ao

    estrangeiro do que a muitos lugares no Brasil. Entretanto, nosso Brasil vendido l fora a

    preos mdicos e muitos estrangeiros vm at ns em busca do extico, ansiosos tambm por

    apreciar nossos ritmos e danas. Eles procuram pelo que nosso, enquanto nossos brasileiros

    se ocupam em se atualizar com a cultura globalizada e sem identidade.

    Brasil cultura rica em ritmos e danas

    A msica e as danas brasileiras so sempre reverenciadas como exuberantes e ricas em ritmo

    e beleza por povos de outras culturas, mas o brasileiro tem a tendncia de modificar o que

    autntico e valorizar o que estranho aos nossos valores morais, ticos e culturais. A invaso

    cultural estrangeira proporciona a distoro e a desvinculao dos produtos culturais com as

    suas razes e origens. Trs exemplos podem ilustrar como este fenmeno tem afetado a

    vivncia das nossas manifestaes autnticas por brasileiros de vrias faixas etrias. A cada

    ano aumenta o nmero de integrantes das escolas de samba, que virou uma consequncia do

    marketing visual proporcionado pelo grande espetculo de brilho, pompa e ritmo. Basta pagar

    uma taxa, dividida em suaves prestaes ao longo do ano, e a pessoa se integra ao nmero de

    figurantes da agremiao. Esta possibilidade de desfilar no Sambdromo da Sapuca,

    certamente, nutre o ego do estranho participante e o bolso da escola, mas afirma a alienao

    do mesmo com a comunidade e com a realidade daquela escola de samba.

    O Hip-Hop, como segundo exemplo, um tipo de dana que nasceu nos guetos

    americanos, como um movimento genuinamente negro, que se configura como expresso da

    identidade das comunidades negras que representam um percentual de 48% da populao

    norte-americana. Associado ao rap (rhythm and poetry), uma linguagem musicada que

    denuncia as mazelas sociais da sociedade americana em versos rimados, o Hip-Hop, tomou

  • uma dimenso de movimento cultural de protesto e reivindicao em vrios pases. No Brasil,

    o Hip-Hop foi rapidamente absorvido pelas populaes da periferia das cidades, que se

    identificaram com a problemtica racial dos negros norte-americanos, e adotaram o mesmo

    estilo para protestarem contra o sistema discriminatrio da sociedade brasileira. Na fuso do

    Hip-Hop com o tempero rtmico brasileiro surgiu a hibridizao do deste tipo de dana com

    a batida do samba, divulgado pelo compositor e cantor Marcelo D2, entre outros. Podemos

    afirmar que o rap no nada mais que uma releitura da literatura de cordel, que o povo

    nordestino j expressava no incio do sculo XX, como uma linguagem potica e sutil de

    comunicar sua penria, seus romances e de se afirmar como uma raa corajosa e criativa.

    Ainda hoje, se mantm forte e presente o embate entre dois repentistas que com suas violas

    desafiam a imaginao do oponente e ao mesmo tempo satirizam temas relacionados

    situao poltica, social e cultural do pas.

    O forr universitrio serve tambm como exemplo da distoro das nossas tradies.

    Surgiu como dana de salo, no incio da dcada de 1990, uma adaptao do forr nordestino,

    atividade social exercida desde o incio do sculo XX, marca registrada da musicalidade do

    povo do nordeste. Esta prtica social de lazer se apresenta como uma releitura de uma das

    mais tradicionais danas brasileiras, acrescida de sofisticao do casal que executa figuras

    elaboradas e se envolvem em giros rpidos dos parceiros numa acelerada movimentao de

    braos e ps, com uma forte inteno performtica. Assim denominado, por ter sido originado

    nos redutos estudantis universitrios dos estados do Rio de Janeiro, So Paulo e Esprito

    Santo, surgiu como novo formato no sentido da execuo exigindo os passos e deslocamentos

    da dama na ponta dos ps e um posicionamento da cabea dos parceiros fora do eixo central

    do corpo, comprometendo a boa postura do casal. O autntico forr nordestino envolve os

    parceiros em um contato ntimo, com deslocamentos em passos midos, enfatizando o

    movimento dos quadris de ambos, sem o exagero de figuras e giros estereotipados. Ao som

    dos trios constitudos pelo acordeom, zabumba e o tringulo, ou mesmo motivados por sons

    eletrnicos, os casais desfilam pelo salo, danando com modesta descrio.

    Cabe aqui fazer aluso s danas de festas familiares e s realizadas em locais pblicos

    como discotecas e galpes. As danas de salo estiveram em vanguarda durante muito tempo

    at que com o advento das grandes guerras mundiais os pares, por falta principalmente do

    parceiro masculino, se descaracterizaram. A msica, tambm em resposta s consequncias

    das guerras, mudou suas caractersticas estruturais. Inicia-se o rock, enfatizando o danar

    individual no salo e a mocidade adere a esta nova forma de expresso. A dana aos pares

    permanece nos sales da velha guarda e, internacionalmente, se perpetua com a Dana

  • Competitiva, codificada e divulgada pelo Conselho Ingls de Danas de Salo. Nas festas

    onde no h dana, as pessoas conversam sentadas ou em p, segurando um copo de bebida

    para manter as mos ocupadas e se sentirem mais vontade. A msica funciona como apoio

    circunstancial do ambiente que acolhe os convivas, que permanecem conversando e se

    divertindo em pequenos grupos. Nas festas onde as pessoas danam, cria-se um ambiente

    alegre e descontrado. Ao som da msica, as pessoas vo ficando mais vontade, alteram o

    volume da voz para se comunicarem, ampliam a gesticulao e demonstram maior

    descontrao no ambiente. Os amantes da dana se entregam s delcias do movimento, seja

    aos pares, sozinho ou em grupo. So nestes momentos que as pessoas passam a se integrar

    com outras, demonstrando sua maneira de responder ao ritmo das msicas, de se relacionar

    com o outro em um contexto que permite a exibio do seu modo de ser. Uma festa onde as

    pessoas danam assemelha-se uma sesso de catarse, de terapia em grupo. Neste momento

    so deixados de lado os maneirismos e comportamentos socialmente aceitos, adequados

    representao teatral da vida na sociedade, cedendo lugar livre expresso corporal e ao

    prazer

    H festas, como as raves, em que msica, dana e drogas criam um clima surrealista,

    alognico, irreal, onde os participantes se desligam da realidade em nome do prazer.

    Este prazer tem conotaes diferentes para diferentes tipos de pessoas. Frances Rust (1969)

    denomina estas danas de patognicas.

    No concebvel compreender porque, precisamente nesta fase histrica da

    humanidade, de tantas incertezas, contradies e desesperanas e, sobretudo, de inquietao

    com o futuro do homem na terra, os professores, educadores e danarinos (e, sonhando

    alto), polticos, empresrios e pais de famlia, negligenciam a mensagem de esperana que a

    arte da dana pode proporcionar. De fato, se olharmos com mais cuidado, poderemos

    compreender que cada ser humano portador de uma riqueza infinita de expresses e

    comunicao por meio de seus movimentos. Celebrar a vida atravs da dana sempre fez parte

    das atividades de todas as culturas. No Brasil, terra de povo compostapela miscigenao de

    diversas etnias, existem celebraes com festas populares entre elas: o Carnaval, Frevo,

    Bumba-Meu-Boi, Quadrilha Junina e as festas dos Centros de Tradies Gachas, entre

    outras, que abrigam milhares de pessoas capazes de gerar uma energia constante de

    demonstraes de ruas, praas e clubes. A dana tem um poder de atuar como um

    instrumento de comunicao para agregar pessoas e promover relaes sociais. uma arte

    que pode favorecer as relaes entre pessoas, ou seja, parafraseando Vinicius de Moraes no

  • Samba da Beno de 1962 (CASTELLO, 1994), podemos dizer que a dana a arte do

    encontro.

    Dana: arte da vida

    A dana, como arte, se diferencia das outras; intangvel, existindo apenas no corpo

    da pessoa e morrendo com ela. Muita dana se perdeu no tempo e no espao e quem danou

    reconheceu o seu poder de expresso. Muita dana se multiplicou no tempo e no espao e

    quem danou se apaixonou pelo que viu e ouviu. As evidncias que o homem primitivo

    danava esto registradas em pinturas nas pedras e vasos encontrados em cavernas e stios

    arqueolgicos com milhares de anos de existncia. Provavelmente, a batida de ps no cho

    devia caracterizar a dana dos povos primitivos, costume mantido at hoje como tradio dos

    ancestrais pelas tribos remanescentes em lugares distintos da civilizao moderna.

    A funo da dana ainda serve como meio de expresso do homem com a natureza,

    com o outro e como comunicao da fora e individualidade dos povos. Splica aos deuses,

    adorao, agradecimento, ritos de passagens, imitao dos animais e cortejo so motivos para

    a execuo de dana firmando-se como a autntica expresso dos povos que no usam a

    escrita para perpetuarem suas tradies (KRAUS, CHAPMAN, 1981).

    A dana est inserida em toda obra de arte, porque por meio do movimento de

    segurar a palheta, pincel, caneta, folha de papel, madeira, massa, cinzel para esculpir,

    digitao no teclado, da gesticulao de todo o corpo e da dana das mos e dedos que o

    artista concretiza sua criao. Enquanto arte, a dana produto da expresso intencional que

    permite a liberao da ndole criativa do homem, transcende as aes no tempo e no espao e

    se transforma em algo indito. a arte de organizar movimentos com elementos que

    possibilitam a criao improvisada ou previamente concebida que traduzem a inteno

    expressiva do homem. Essa arte comunica a liberdade de usar o corpo como instrumento da

    interpretao dos conceitos de energia corporal, ritmo, espao, valores estticos e cultuais,

    bem como emoes de um povo, concretizadas por meio de danas executadas

    individualmente, em pequenos ou grandes grupos.

    A Arte do Movimento de Rudolf Laban

    No final do sculo XIX, no tempo da efervescncia dos questionamentos sobre a

    mecanizao da fora de trabalho humano, e os nmeros de horas dedicadas produo

    nasceu em Bratislava, na Hungria, o filsofo e danarino Rudolf Laban (1879/1958). Ele

    revolucionou as artes cnicas no incio do sculo XX e desenvolveu a fundao de sua teoria

  • na Alemanha e Inglaterra. Visualizava arte em qualquer movimento, independente da sua

    funo ou propsito e dedicou sua vida a um corpo de conhecimento que denominou Arte do

    Movimento (SILVA, 1983). A esta teoria so atribudas todas as atividades em que o homem

    utiliza movimento, seja como meio de sobrevivncia ou de expresso. Considerando que o

    homem depende do movimento para viver e que a vida se manifesta por meio do movimento,

    a extenso do seu estudo muito abrangente. Laban pregava que o meio fundamental de

    expresso para a dana deveria ser nutrido da natureza, manifesto em uma dinmica baseada

    no contrapeso e na fluncia, e na conscincia da tenso entre o corpo no espao e no tempo.

    Como na natureza, o bailarino era visto como em um fluxo constante (VIEIRA, 2009, p.2).

    Digno de nota a viso de Rudolf Laban, que afirmou que

    todo movimento dana e pode-se interpretar essa afirmao em um sentido amplo,

    metafrico e potico, olhando-se o mundo em que se vive e as circunstncias que se enfrenta

    no cotidiano (LABAN, 1951). Dana, no sentido amplo de recrear, de re-criar momentos,

    sensaes agradveis, ou apenas sentir prazer de viver o momento presente Dana no sentido

    de estar vivo, aberto s situaes corriqueiras ou especiais que preenchem a vida. As

    surpresas de cada dia acontecem com o movimento dos seres vivos e objetos que se deslocam

    no entorno de pessoas, com seus ritmos prprios, oferecendo espetculos gratuitos de ao e

    drama. O balano das folhas e flores, as ondas do mar, o passar das nuvens, o batimento

    cardaco, a luta pela sobrevivncia so manifestaes de dana.

    Movimento sinnimo de ritmo, de vida. Enfrenta-se nova situao constantemente e

    essa novidade torna a vida interessante e desafiadora. Cabe a todos deleitarem-se com a dana

    espontnea que se cria a cada momento em casa, no trabalho, na rua, ao se perceberem

    ocorrncias momentneas com a viso de um artista que capta as cores, ritmos e movimentos

    do ambiente privado ou pblico. No ambiente rural, pode-se observar o movimento das

    rvores, animais no campo, passarinhos que transitam livremente, fumaa de chamins,

    charretes sacolejando nas estradas de terra e aes de plantio e colheita. Na cidade, o corre-

    corre das pessoas, engarrafamento de trnsito, construes, lojas, vira-latas e pessoas

    populares da cidade circundam o transeunte que observa ou ignora a dana, movimento,

    frentica em sua volta.

    A teoria da Arte do Movimento incorpora estudos amplos da ao humana e o

    desenvolvimento de uma linguagem oral e escrita que se desdobraram em enfoques

    especficos, tais como: Dana-Teatro, Dana Coral, Dana Educativa Moderna e Labanlise

    (Labanotao e Esforo/Forma). Atualmente, o estudo do Esforo/Forma denominado

  • Anlise de Movimento Laban ou Sistema Laban. (NANNI, LIMA, 2007). Neste texto,

    enfatiza-se a importncia da Dana Coral como a arte do contato e unio entre as pessoas.

    A Dana Coral2

    Coral de vozes cantadas ou faladas conhecido, mas coral de movimentos pouco

    comum, apesar de ser muito antigo. bem possvel que as primeiras danas dos seres

    humanos foram danas corais. No processo de individualizao as pessoas perderam o hbito

    de se expressarem em grupos com exceo dos corais e das orquestras de msica.

    Um nmero de danarinos reunidos em grupo e executando um trabalho de dana

    coral produz efeitos que no so possveis de serem apresentados por um nico danarino.

    Esses efeitos so atribudos ao impacto artstico causado no pblico. Certos tipos de dana

    possuem o objetivo de energizar os danarinos e possuem, consequentemente, valores

    recreativos e educativos aos prprios danarinos, independente do olhar dos espectadores. A

    dana coral recreativa formada por composies simples o bastante que podem ser

    realizadas por qualquer pessoa. As danas corais representativas da arte do movimento

    envolvem composies elaboradas, cujo significado e beleza comunicam algo esttico ao

    espectador. Em ambos os casos, entretanto, existem elementos comuns que podem ser

    encontrados na harmonia dos movimentos que compem qualquer forma valiosa de dana.

    A dana coral de grande proveito para o estudante em movimento. Uma das

    dificuldades em expressar ideias e sentimentos com movimentos a inibio, o medo de

    demonstrar livremente a comoo interna que permite a criatividade. A maioria das pessoas

    considera que esconder suas emoes e pensamentos sob a mscara impassvel da imobilidade

    um comportamento digno do homem civilizado, portanto, nunca aprendero a se

    movimentar com eficincia e beleza se reprimem constantemente sua expresso espontnea de

    movimento.

    A dana coral uma das grandes fontes de animao e prazer que proporciona a

    liberao dos efeitos negativos que a represso social impinge sobre o indivduo. Se todas as

    pessoas ao nosso redor se movimentam no h necessidade de esconder e no h razo para

    sentir desconforto, inibio ou medo ( por meio do movimento que mostramos nossa

    autntica maneira de ser, de reagir frente s diversas situaes que enfrentamos no cotidiano).

    A experincia com a dana coral pode ser vivenciada em reunies festivas ou em encontros 2 As ideias contidas nesta seo do artigo uma traduo do artigo original, Notes on Choric Dance, publicado no Laban of Movement Guild, Surrey, England, Bartle & Son Ltda., 1939. Traduo livre feita por Maristela Moura Silva Lima.

  • com propsitos definidos, cujo movimento improvisado ou espontneo no artisticamente

    organizado.

    O sacudir rtmico do corpo inteiro de um danarino no pode ser considerado dana no

    sentido da esttica por excelncia. Assim, tambm, uma apresentao homognea e a

    repetio de um gesto rtmico de todos os membros de um grupo no pode ser considerada

    uma dana coral de importncia artstica. A diversidade de temas de movimentos

    contrastando entre si comparvel aos contrapontos de cada grupo de instrumentos em uma

    orquestra, e esta sim a forma mais evoluda de uma dana coral.

    As danas corais so compostas dos mesmos princpios que regem a composio

    solstica. Danar em grupo requer tcnica especfica em que a agitao de cada membro

    adaptada expresso de todo o grupo. Existem contedos expressivos de danas em grupo

    semelhantes aos contedos de danas individuais e esses contedos so expressos por formas

    definidas de movimento.

    Fazer e danar

    Dois aspectos fundamentais do movimento na teoria de Laban so o fazer e o

    danar (Doing and Dancing, LABAN, 1939). Para Laban, todo movimento dana

    porque uma expresso natural do ser humano, e, consequentemente, todas as pessoas so

    danarinos por excelncia (OTTE-BETZ, 1938). Pode-se interpretar essa afirmao em um

    sentido amplo, metafrico e potico, olhando-se o mundo em que se vive e as circunstncias

    que se enfrenta no cotidiano. Dana, no sentido amplo de recrear, de re-criar momentos,

    sensaes agradveis, ou apenas sentir prazer de viver o momento presente. Dana, no sentido

    de estar vivo, aberto s situaes corriqueiras ou especiais que preenchem a vida (LABAN,

    1959).

    As surpresas de cada dia acontecem com o movimento dos seres vivos e objetos que se

    deslocam no entorno de pessoas, com seus ritmos prprios, oferecendo espetculos gratuitos

    de ao e drama. O balano das folhas e flores, as ondas do mar, o passar das nuvens, o

    batimento cardaco e a luta pela sobrevivncia so manifestaes de dana.

    Podemos nos permitir estar despertos e abertos s sensaes e a imaginao que

    emergem do nosso corpo, o qual nos presenteia a cada momento, tornando-nos, como sugere

    Robin (2004), danarinos. Danarinos no no sentido cnico e estereotipado, mas capazes de

    nos expressarmos segundo a nossa percepo das nuances de nossas emoes e sentimentos

    que nos comovem a cada momento.

  • O movimento revela as caractersticas do que e de quem se move. Muitas vezes,

    algum se surpreende observando o jeito de uma pessoa andar ou gesticular enquanto

    conversa, carros passando rpidos ou lentos, animais na rua, flores do jardim e toda dinmica

    do meio envolvente com tamanha movimentao.

    Laban (1939) entende que fazer e danar usam os mesmos elementos bsicos de

    composio, porm o primeiro tem uma finalidade funcional, e o segundo uma finalidade

    expressiva. O corpo uma unidade e executa os dois tipos de movimentos: um, com uma

    finalidade prtica (segurar uma colher, vestir uma roupa); outro, como uma forma de

    expresso (balanceio dos braos, saltitar de alegria).

    Fazer e danar tem razes comuns na mobilidade do corpo e na agitao da mente. As

    pessoas se revelam de forma nica no fazer e danar, espelhando traos de personalidades e

    vontades. Fazer necessrio para a sobrevivncia do homem. Danar, embora no seja

    diretamente necessrio sobrevivncia, recupera o homem do desgaste do fazer (LABAN,

    1939). Danar amplia os horizontes do fazer humano, pois considera a natureza ldica que o

    homem possui e lhe permite atingir um equilbrio entre o mecnico e o sensvel-criativo da

    alma humana. Neste contexto, o esporte, as brincadeiras e o danar so essenciais na

    recuperao do desgaste do fazer.

    A dana exerce efeito restaurador no corpo e esprito de quem imerge na fluncia de

    seus prprios movimentos. Quando uma criana ou adulto se envolve com a dana, executa

    uma srie de movimentos que tm o nico propsito de expresso pessoal. esta imerso em

    movimentos improvisados que ajuda a pessoa a se descobrir como indivduo original e a se

    conscientizar que seu corpo um veculo rico de expresso.

    Dando vazo a uma de suas utopias, a de expandir a dana para o maior nmero de

    pessoas, Laban passa a se apoiar na convico de que a dana poderia ser praticada por

    qualquer ser humano, alm daqueles tecnicamente treinados. Com esses ideais, passa o

    pesquisador a desenvolver o processo esttico-poltico transformador, voltado para a

    populao em geral. Ele percebeu a necessidade de preservar a espontaneidade em crianas e

    adultos, usando o movimento como maneira de revitalizar a energia humana (LABAN, 1990).

    No incio de 1900, criou um modo de recreao popular em vrios pases europeus e comeou

    a se referir a esta dana em grupo como Choric Dance ou Movement Choir, conhecido no

    Brasil como Dana Coral ou Coro de Movimentos (LABAN, 1939).

    Por um perodo de vinte anos (1905-1925), os corais de movimentos se tornaram

    populares e se espalharam pela Europa, oferecendo a oportunidade a milhares de pessoas de

    participar desses eventos artsticos. Laban usava a sua inveno para ajudar as pessoas a

  • enxergarem alm dos estilos formais da poca e a apreciar suas danas, em seus ritmos

    prprios e de acordo com as suas capacidades individuais (CHAPMAN, 1974). Essas danas

    corais forneceram experincias de alegria no movimento em grupos grandes ou pequenos, que

    no exigiam habilidades sofisticadas.

    O homem contemporneo pode usufruir de todas as benesses dos avanos

    tecnolgicos. Mas o ser humano , por excelncia, um ser social e precisa do outro para

    sobreviver e se realizar como pessoa e deveria ter mais tempo para o lazer e o relacionamento

    intersubjetivo. Nesse sentido, afirma Laban (1975):

    Na minha opinio, o verdadeiro propsito do homem seria criar a vida com ocasies festivas; festiva, no no sentido de luxria e cio, mas uma maneira de construir uma personalidade forte e investir nas esferas que o distinguem do animal. As grandes festas na vida, assim como os momentos felizes do cotidiano, deveriam ser preenchidos com uma atitude espiritual que deveria concentrar e aprofundar o sentido de reciprocidade e apreciao da identidade pessoal de cada indivduo. Considero o modo simples de vida uma das mais importantes fontes da felicidade humana (p. 85).

    Servos (1990) apontou reflexes sobre possveis intenes controversas dos corais de

    movimento que ocorreram no perodo nazista. Uma verso se os corais de movimento

    faziam parte da utopia transformadora to almejada por Laban ou se teriam, mesmo que

    inconscientemente, como fundamento desenvolver grandes coreografias de massa do facismo.

    Para exemplificar essa segunda verso, temos o convite feito Laban pela equipe

    organizadora da abertura dos Jogos Olmpicos de 1936 na Alemanha, para que ele realizasse

    nessa cerimnia uma apresentao de dana coral que representasse o esprito de unio e

    poder do povo alemo. Outra verso que essa proposta poderia ter causado dvidas ao

    sistema to massificante, que no permitia expresses individuais e tampouco coletivas. Este

    tipo de manifestao em massa no agradava aos ideais polticos vigentes e, para exemplificar

    essa justificativa, h o fato, citado por Foster (1977) que Laban foi exilado da Alemanha em

    1936 sem direito de levar seus esboos e projetos at ento realizados.

    Vieira (2009) esclarece que:

    A Dana Expressionista foi mais divulgada no Brasil na dcada de 40, por professores de dana e bailarinos europeus que fugiam da guerra. Ou seja, o gnero foi difundido no nosso pas justamente em uma poca em que as pessoas tinham sede de expressar as angstias sofridas pelo momento de penria trazido pela II Guerra Mundial. O contexto poltico interno era regido pela ditadura de Getlio Vargas e a Dana Expressionista procurava pregar justamente a liberdade de expresso do corpo atravs dos movimentos, que procuravam traduzir os pensamentos, os quais eram tolhidos. (p. 14)

  • Na dcada de 1940, a ex-aluna de Laban, coregrafa e professora Maria Duschenes

    trouxe para o Brasil os preceitos da Arte do Movimento expandindo seu trabalhos em escolas

    e bibliotecas pblicas, difundindo as concepes de liberdade de expresso para pessoas de

    vrias faixas etrias e em espaos alternativos. Um grande nmero de profissionais que

    participou de cursos e oficinas com Maria Duschenes, em So Paulo, divulgou os conceitos de

    Laban, que se tornaram contedos fundamentais no ensino e experimentaes com a arte da

    dana (VIEIRA; GENEGN, 2001).

    Outra importante propagadora dos princpios de Laban no Brasil, segundo Vieira

    (2009), foi Nina Verchinina, que trabalhou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Essa

    bailarina estrangeira chegou ao Brasil em 1946 com experincia e gosto pela dana

    Expressionista. Nasceu em Moscou e estudou o Bal clssico tradicional com Olga

    Preobajenska e o Bal Clssico mesclado com a Dana Expressionista com Bronislava

    Nijinska, irm de Vaslava Nijinski. Na Europa, a curiosa Verchinina estudou tambm com

    Rudolf Laban, absorvendo os ensinamentos revolucionrios desse precursor da Dana

    Expressionista. (p. 12)

    Exemplos de Dana Coral

    No Brasil temos vrios exemplos de dana coral nas manifestaes artsticas que

    envolvem grandes nmeros de pessoas, elaboradas intencionalmente ou que ocorrem de

    maneira espontnea. Pode-se citar os majestosos desfiles das escolas de samba exibidas no

    Sambdromo e em outras cidades, e os duelos entre os cortejos dos bois de Parintins e em So

    Lus do Maranho. Estes cortejos que esnobam cores, brilho e uma riqueza de coreografias se

    manifestam em tempos e espaos cuidadosamente projetados para serem apresentados sem

    nenhum deslize. Estes dois exemplos, entretanto, envolvem um fator competitivo acirrado que

    demanda ateno especfica nos quesitos de apresentao e no luxo dos participantes e da

    parafernlia que envolvem essas manifestaes.

    De carter mais espontneo, refere-se como exemplos de duas danas corais, as rodas

    de ciranda e as quadrilhas de festas juninas, que ainda se mantm como as manifestaes

    tipicamente brasileiras. As rodas de ciranda, de origem portuguesa, chegaram ao litoral

    brasileiro e foram adaptadas pelas mulheres de pescadores que se entretinham, se

    movimentando em roda espera de seus companheiros3. So danas corais que agregam

    3 Veja a pgina

  • pessoas que no se conhecem e que, voluntariamente, vo se dando as mos com um nico

    propsito de danar juntos.

    As festas juninas ainda sustentam uma forte tradio que se impe como um dos

    entretenimentos brasileiros mais populares, mantida pelo incentivo das comunidades

    escolares, familiares ou de bairros. Tambm de origem europeia, sustentadas por uma forte

    tradio religiosa catlica atribudas aos santos, estas festas envolvem comidas e bebidas

    tpicas, e a decorao peculiar do local onde so realizadas. O grande estmulo para a

    participao destas festividades so as quadrilhas que podem ser previamente organizadas ou

    acontecer espontaneamente, sendo atraentes e fceis de serem executadas por crianas, jovens

    e idosos. Esta integrao entre pessoas de diferentes faixas etrias propicia um contentamento

    grupal que fortalece a perpetuao desta tradio popular. Na evoluo dos participantes das

    quadrilhas alguns comandos so realizados com vocbulos da lngua francesa que ofereceram

    um carter de nobreza a este tipo de dana coral.

    Os cortejos do Congado, Folia de Reis, Pastoris, Moambique, e muitas outras

    manifestaes folclricas de massa tipicamente brasileiras, exigem organizao, disciplina e

    participao voluntria. Essas demonstraes de carter competitivo ou apenas demonstrativo

    possuem um alto valor esttico, demandam uma enorme boa vontade e energia dos

    organizadores e participantes para o bom desempenho de um enorme grupo, melhor dizendo,

    de uma multido que interage em unssono para um bem comum.

    No Brasil, nas duas ltimas dcadas, surgiram dois tipos de dana de natureza coletiva

    que tambm so consideradas danas corais, pois possuem objetivos comuns: o de oferecer

    momentos de felicidade aos participantes. Um tipo de dana coral preconizada pelo danarino

    e pesquisador alemo Benhard Wosien so as Danas Circulares Sagradas, baseadas nas

    danas folclricas tradicionais europeias compiladas por este estudioso. So realizadas em

    crculo com o objetivo de unir as pessoas por meio- de movimentos realizados em unssono

    com propostas de sensaes de jbilo coletivo e com a interao de pessoas (WOSIEN, 2002).

    Os focalizadores, assim denominadas as pessoas que promovem a realizao deste tipo de

    dana, consideram as dimenses holsticas que o poder da dana em conjunto proporciona aos

    indivduos.

    Outro tipo de dana coral surgida tambm na Alemanha, na dcada de 1970, a Dana

    Snior, criada sob a liderana de Ilse Tutt e que chegou ao Brasil na dcada de 1990 como

    atividade ldica praticada em grupo, que ajuda a expressar as emoes, estimula a memria e

    coordenao, alm de ser um bom exerccio fsico que pode ser realizado com a pessoa

  • sentada. As coreografias combinam ritmos estrangeiros, como polca e valsa, associados aos

    ritmos brasileiros de chorinho, samba e marchinhas carnavalescas.

    Danar o momento presente

    Quando Laban desenvolveu a sua teoria da Arte do Movimento levou em considerao

    os novos padres e formas de movimento que o mundo da crescente civilizao exigia. Ele se

    preocupava com o que denominava o monstro negro da civilizao moderna (LABAN,

    1951), e das consequncias da mecanizao do gesto na qualidade de vida e nas relaes

    sociais que poderiam ser proporcionadas pelo movimento humano. Nas suas prprias

    palavras, ele considera que...

    A pessoa que se preocupa muito com detalhes materiais da vida no pode ter tempo nem energia para participar criativamente de uma comunidade e do esprito festivo da vida, o que deveria ser a suprema inspirao de toda cultura (p. 84).

    Em muitas situaes do dia a dia, entre uma tarefa e outra, o homem sente,

    inconscientemente, a necessidade de interromper seu movimento funcional, respirar fundo,

    alongar o corpo, olhar pela janela e fugir momentaneamente da intensidade exigida pelas

    aes que demandam responsabilidade e competncia. Este mergulho em seus prprios

    pensamentos, revelado na liberdade de expresso gestual, revela a necessidade de resgate da

    sua individualidade, de acesso intimidade pessoal, verdadeira e refrescante.

    Nas instituies educativas, nas empresas, em fbricas, nas igrejas ou em todo

    ambiente onde se concentram muitas pessoas que trabalham para um bem comum, danar

    juntos deveria ser uma prioridade de todo o grupo. por meio de momentos de alegria

    coletiva que as pessoas experimentam vibraes positivas, que energizam o ser humano. Um

    provrbio popular afirma que a felicidade plena to almejada no existe, mas que consta de

    momentos felizes. O mundo seria bem diferente se as pessoas se comprometessem a danar

    juntas, pelo menos quinze minutos por dia. Afinal, a vida to passageira e por que no

    desfrut-la com sabedoria?

    A organizao coreogrfica da Dana Coral

    No incio do sculo, os coros de movimento eram constitudos de pessoas comuns, no

    ligadas arte da dana que se dispunham participar dos eventos de massa, com o nico

    intuito de se divertirem e se integrarem socialmente e participarem de uma produo artstica

    de densidade esttica. Assim como uma orquestra sinfnica e um coral de vozes so

  • organizados de acordo com o timbre dos instrumentos musicais e das vozes, respectivamente,

    a Dana Coral pode ser organizada de acordo com a estrutura fsica dos participantes,

    divididos em trs categorias.

    As pessoas mais altas, consideradas longilneas, com pernas mais longas que o tronco

    se movimentavam no nvel alto, enfatizando a parte superior do tronco, considerada como o

    centro de leveza do corpo, executando movimentos mais leves e lentos. Os normolneos, de

    propores mais equilibradas, se movimentavam com qualidades mais fluentes e livres no

    nvel mdio, com possibilidades de maior movimentao na rea dos quadris e parte superior

    das pernas. Aos brevilneos, pessoas de mais baixa estatura que apresentam musculatura bem

    desenvolvida e ossatura mais pesada, eram atribudos movimentos mais energticos, com

    possibilidades de exploso, tendendo queda e elevao com mais facilidade (OTTE-

    BETZ,1938).

    A composio da dana coral compreende uma gama de elementos derivados dos

    fundamentos estruturais do Sistema Laban de Movimento, tambm designado como Anlise

    de Movimento Laban (LMA Laban Movement Analysis) que engloba o estudo das categorias

    Corpo, Esforo, Forma e Espao (NANNI, LIMA, 2007). Essas categorias envolvem o estudo

    do movimento nas suas caractersticas quanto dinmica, textura, ritmo, forma do corpo, uso

    do espao em direes, nveis e planos especficos e em formaes espaciais diversas.

    Para a montagem de uma dana coral, o coregrafo deve ter a sensibilidade para usar

    tais elementos de maneira equilibrada, adequando-os ao tema e concepo definida por

    todos os participantes para que haja harmonia e a sensao de prazer coletivo. Laban

    enfatizava para seus pupilos a necessidade de envolver danarinos e no danarinos na

    composio de danas em grupo para se recuperar da mecanizao dos gestos das atividades

    funcionais. Na Figura 1 apresentam-se os elementos bsicos do Sistema Laban de

    Movimento.

    Firme

    Flexvel

    Direto

    Leve

    Livre Controlada

    Sustentado Sbito

    Descer

    Expandir

    Fechar

    Subir

    Avanar Afastar

  • Grfico do Esforo (LABAN, LAWRENCE, 1974) Grfico da Forma (WARD, 2001) Figura 1. Elementos do Sistema Laban sugeridos para a composio de Dana Coral

    Outros elementos da dana que podem ser utilizados so: (i) Formas Especficas do

    Corpo: Parede, Bola, Alfinete, Parafuso, Pirmide (FERNANDES, 2004); (ii) Direes:

    frente, atrs, direita, esquerda, para cima, para baixo, diagonais, diametrais e transversais; (iii)

    Nveis: alto, mdio e baixo; (iv) Formaes Espaciais: filas, fileiras, crculos, semi-crculos,

    crculos concntricos, diagonais, paralelas, tneis e caracis.

    Existem vrias maneiras de se organizar os elementos citados para composio de

    danas corais. A mais comum a formao de crculo, universalmente conhecida e,

    historicamente, a mais usada. O fator de integrao do crculo mencionado em danas

    circulares sagradas, danas seniores, danas folclricas em diversos pases, danas

    ritualsticas, dentre outros. Os movimentos devem ser de fcil execuo, tais como: andar e

    girar em vrias direes e nveis, movimentar o torso em expanso e contrao e os braos em

    aes de expanso e recolhimento, executar movimentos gestuais expressivos e batidas de

    ps, flexionar e estender joelhos e pernas. A realizao de danas corais pode ocorrer em

    vrios espaos alternativos (por exemplo, quadras de esporte, ruas, restaurantes, salas de

    espera, campos de futebol), diversas instituies (por exemplo, escolas, empresas, clubes,

    asilos, hospitais, hotis) e com todas as faixas etrias.

    Vrios artistas-educadores no nosso pas j tem se valido dos princpios de Laban para

    desenvolver o processo educacional em dana. Nesse sentido, Vieira (2009) afirma que:

    o Brasil, ao se apropriar da Dana Moderna, deu passos para no ficar atrasado no campo da Dana, indo ao encontro do movimento mais amplo que j vinha norteando o trabalho dos artistas das outras linguagens. Ao mesmo tempo que devia se conquistar o espao para instaurao do novo, as pessoas na nsia do que era novo, dispunham-se ao aprendizado das novas formas de movimentao e de trabalho corporal das novas propostas. (p. 16)

    Os estudos de Laban sobre a coreologia esto presentes, inclusive, no Parmetro

    Nacional em Artes (MEC 1997), Porm, incipientes ainda so os estudos sobre a proposta de

    dana coral. Uma lacuna que pode ser preenchido ou um desafio que pode ser superado, tendo

  • em vista a potencialidade que possveis releituras da dana coral podem trazer para a dana na

    educao em suas relaes com a sociedade.

    Consideraes finais

    A matria-prima da dana, corpo-movimento e as infindveis possibilidades de criao,

    oferecem uma experincia somtica direta, que podem nutrir o desejo de se expressar cada

    vez mais, pois a proposta que se promova a sensao de liberdade. Um exemplo de dana

    coral espontneo um la em um estdio lotado onde todos os torcedores, independente da

    escolha do time, se integram e desfrutam de um movimento que envolve todo o corpo em uma

    unidade humanizante. Outro exemplo a expresso coletiva de pessoas que, quando assistem

    a um espetculo musical, acenam com os braos em unssono em sintonia com a msica. Se

    essas formas de expresso j acontecem por iniciativas de grupos de pessoas, acreditamos que

    essas propostas tambm devem fazer parte do processo educacional em dana. As conexes

    intrapessoais simultneas s interpressoais (conexes, colaboraes e trocas coletivas) das

    pessoas que criam e executam a dana coral, deveriam fazer parte do processo de formao

    dos brasileiros em ambientes formais e informais.

    A partir dos exemplos citados neste texto, podemos refletir e destacar a capacidade

    que o brasileiro tem de se organizar para um bem comum que apresenta beleza e

    compartilhamento. No poderamos agir assim tambm para erradicar a desigualdade social

    que permeia os sistemas da educao, sade e nutrio da nossa sociedade?

    As danas corais podem fornecer experincias de alegria no movimento que no

    exigem habilidades sofisticadas de grandes ou pequenos grupos. Funcionam como espelho,

    para refletir e expandir a riqueza de cada cultura, e para cada ser humano se expressar.

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