Arte & Beleza

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Disciplina: ARTES Prof.: Alexandre Amorim Data: Aluno: Série: ENSINO MÉDIO T: Nº: DEFINIÇÃO DE BELEZA Formularam-se pelo menos umas doze definições correntes de beleza, mas a definição simplesmente física (a beleza é a unidade de relações formais entre as nossas percepções sensoriais) apresenta-se como a única essencial e, partindo dessa base, podemos constituir uma teoria da arte tão compreensiva como o exige qualquer teoria da arte. Todavia, talvez seja importante salientar desde o início a extrema relatividade deste vocábulo "beleza". A única alternativa consiste em dizer que a arte não apresenta qualquer ligação necessária com a beleza - posição perfeitamente lógica se limitarmos o termo ao conceito de beleza estabelecido pelos gregos e continuado pela tradição clássica européia. Prefiro considerar o sentimento de beleza como fenômeno muito flutuante, apresentando no curso da história manifestações muito incertas e por vezes muito desconcertantes. A arte deve compreender todas essas manifestações, e a prova experimental do estudante sério de arte consiste em que, seja qual for o sentimento de beleza dele próprio, se sinta disposto a admitir no reino da arte as manifestações genuínas desse sentimento em outras pessoas, noutros períodos (grifo meu). Para ele, arte primitiva, clássica e gótica apresenta igual interesse, preocupando-se ele menos em avaliar os méritos relativos de tais manifestações periódicas do sentimento de beleza do que em distinguir entre o genuíno e o falso de todos os períodos. DISTINÇÃO ENTRE ARTE E BELEZA E ARTE COMO INTUIÇÃO A maior parte das nossas concepções errôneas da arte resulta da falta de coerência no emprego das palavras arte e beleza. Pode dizer-se que só temos coerência no mau emprego delas. Sempre supomos que tudo quanto é belo é arte ou que toda arte é bela, que o que não é belo não é arte e a fealdade é a negação da arte. Esta identificação da arte com a beleza está no fundo de todas as nossas dificuldades na apreciação da arte e mesmo em pessoas extremamente sensíveis a impressões estéticas em geral, esta suposição atua como censor inconsciente em casos particulares em que a arte não implica em beleza. Isto porque a arte não é necessariamente beleza: nunca será demais repeti-lo. Quer encaremos o problema historicamente (considerando o que foi a arte em tempos idos) quer sociologicamente (considerando o que a: arte é atualmente nas suas manifestações diárias em todo o mundo) verificamos que a arte tem sido ou é ainda muitas vezes destituída de qualquer beleza.

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Recorte livre feito a partir do livro: O SENTIDO DA ARTE - Herbert Read, 1931- trad. E.Jacy Monteiro – 8ª ed.;1978,IBRASA, SP

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Disciplina: ARTES Prof.: Alexandre Amorim Data:

Aluno: Série: ENSINO MÉDIO T: Nº:

DEFINIÇÃO DE BELEZA

Formularam-se pelo menos umas doze definições correntes de beleza, mas a

definição simplesmente física (a beleza é a unidade de relações formais entre as

nossas percepções sensoriais) apresenta-se como a única essencial e, partindo dessa

base, podemos constituir uma teoria da arte tão compreensiva como o exige qualquer

teoria da arte. Todavia, talvez seja importante salientar desde o início a extrema

relatividade deste vocábulo "beleza". A única alternativa consiste em dizer que a arte

não apresenta qualquer ligação necessária com a beleza - posição perfeitamente

lógica se limitarmos o termo ao conceito de beleza estabelecido pelos gregos e

continuado pela tradição clássica européia. Prefiro considerar o sentimento de beleza

como fenômeno muito flutuante, apresentando no curso da história manifestações

muito incertas e por vezes muito desconcertantes. A arte deve compreender todas

essas manifestações, e a prova experimental do estudante sério de arte consiste em que, seja qual for o

sentimento de beleza dele próprio, se sinta disposto a admitir no reino da arte as manifestações genuínas desse

sentimento em outras pessoas, noutros períodos (grifo meu). Para ele, arte primitiva, clássica e gótica apresenta

igual interesse, preocupando-se ele menos em avaliar os méritos relativos de tais manifestações periódicas do

sentimento de beleza do que em distinguir entre o genuíno e o falso de todos os períodos.

DISTINÇÃO ENTRE ARTE E BELEZA E ARTE COMO INTUIÇÃO

A maior parte das nossas concepções errôneas da arte resulta da falta de coerência no emprego das palavras arte

e beleza. Pode dizer-se que só temos coerência no mau emprego delas. Sempre supomos que tudo quanto é belo

é arte ou que toda arte é bela, que o que não é belo não é arte e a fealdade é a negação da arte.

Esta identificação da arte com a beleza está no fundo de todas as nossas dificuldades

na apreciação da arte e mesmo em pessoas extremamente sensíveis a impressões

estéticas em geral, esta suposição atua como censor inconsciente em casos

particulares em que a arte não implica em beleza. Isto porque a arte não é

necessariamente beleza: nunca será demais repeti-lo. Quer encaremos o problema

historicamente (considerando o que foi a arte em tempos idos) quer sociologicamente

(considerando o que a: arte é atualmente nas suas manifestações diárias em todo o

mundo) verificamos que a arte tem sido ou é ainda muitas vezes destituída de

qualquer beleza.

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A beleza, conforme dito acima se define em geral e mais simplesmente como aquilo que dá prazer; e dessa forma

muitos há que admitem poder considerar-se como artes comer, cheirar e outras sensações físicas. Embora se

possa mostrar rapidamente o absurdo de tal teoria, nela se baseia completa escola de estética, e até pouco tempo

tal escola chegava mesmo a predominar. Atualmente foi suplantada, em linhas gerais, por uma teoria da estética

devida a Benedetto Croce e, muito embora tenha surgido uma onda de crítica a essa teoria, o seu postulado geral,

isto é, que a arte fica perfeitamente definida quando simplesmente definida como intuição, revelou-se muito mais

esclarecedor do que qualquer outra teoria anteriormente formulada. A dificuldade tem consistido em aplicar uma

teoria que depende de termos tão vagos como "intuição" e "lirismo". Mas o que se deve notar imediatamente é que

esta teoria complicada e compreensiva das artes não precisa lançar mão da palavra "beleza".

O IDEAL CLÁSSICO

Indubitavelmente, o conceito de beleza comporta significação histórica limitada.

Surgiu na Grécia antiga como fruto de certa filosofia particular da vida. Tal filosofia

era, em espécie, antropomórfica; exaltava todos os valores humanos e nada mais

via nos deuses senão o próprio homem exagerado. A arte, tanto quanto a religião,

constituíam idealização da natureza e particularmente do homem como ponto

culminante do processo da natureza. O tipo da arte clássica é o Apolo Belvedere ou

a Afrodite de Melas - tipos perfeitos ou ideais da humanidade, perfeitamente

formados, perfeitamente proporcionados, nobres e serenos; em uma palavra, belos.

Herdou Roma este tipo de beleza, que reviveu na Renascença. Ainda vivemos na tradição da Renascença e, para

nós, a beleza associa-se inevitavelmente à idealização de um tipo de humanidade criado por antigo povo em terra

distante, afastada das condições atuais da nossa vida cotidiana. Como ideal, talvez seja tão bom como qualquer

outro; mas temos a obrigação de imaginar que realiza somente um dentre vários ideais possíveis. Difere do ideal

bizantino, que era mais divino do que humano, intelectual e antivital, abstrato.

Difere do ideal primitivo, que talvez não fosse ideal algum, mas antes propiciação,

expressão de temor face ao mundo misterioso e implacável. Difere igualmente do

ideal oriental, também abstrato, não humano, metafísico, mais instintivo que

intelectual. Os nossos hábitos de pensamento dependem, contudo, de tal maneira

do nosso aparelhamento de palavras, que na maior parte das vezes tentamos em

vão forçar esta única palavra "beleza" ao serviço de todos esses ideais expressos

na arte. Se formos honestos conosco vernos-emos obrigados a incorrer, cedo ou

tarde, em distorção verbal. Uma Afrodite grega, uma Nossa Senhora bizantina e

um ídolo selvagem da Nova Guiné ou da Costa de Marfim não podem pertencer

todos a este conceito clássico de beleza. Pelo menos o último, se as palavras têm

de ter qualquer significação precisa, devemos confessar não ser bonito mas, ao contrário feio.

E entretanto, belos ou feios, todos estes objetos podem descrever-se como obras de arte.

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ARTE NÃO É UNIFORME

Temos de admitir que a arte não é a expressão em forma plástica de qualquer ideal particular: é a expressão de

qualquer ideal realizável pelo artista em forma plástica. E embora pense que toda obra de arte possui algum

princípio de forma ou estrutura coerente, não salientaria este elemento de qualquer sentido evidente, pois quanto

mais se estuda a estrutura das obras de arte que vivem em virtude da atração direta e instintiva que lhes é própria,

tanto mais difícil se torna reduzí-las a formulas simples e explicáveis. Mesmo a um moralista da Renascença era

evidente que "não há beleza excelente que não tenha algo de estranho".

ARTE E ESTÉTICA

Seja lá como for que se defina o sentimento de beleza, temos de qualificá-lo imediatamente como teórico; o senti-

mento abstrato da beleza constitui apenas a base elementar da atividade artística. Os expoentes dessa atividade

são homens vivos, e a atividade deles está sujeita a todas as correntes entre cruzadas da vida. Notam-se três

estágios: primeiro, simples percepção de qualidades materiais - cores, sons, gestos e reações físicas mais

complexas e indefinidas; segundo, a distribuição de tais percepções em formas e arranjos agradáveis. Pode

dizer-se que o sentimento estético termina com estes dois processos, mas poderá haver um terceiro estágio que

se apresenta quando tal arranjo de percepções se torna capaz de corresponder a um estado de emoção ou de

sentimento que existia anteriormente. Então diz-se que se deu expressão à emoção ou sentimento. Neste sentido

é verdadeiro dizer ser a arte expressão - nada mais e nada menos. Todavia, é sempre necessário lembrar (o que

algumas vezes os adeptos de Croce deixam de fazer) que a expressão neste sentido é processo final dependente

de processos anteriores de percepção sensorial e de arranjo formal "agradável". A expressão pode apresentar-se

completamente vazia de arranjo formal, mas então a incoerência que lhe é inerente impede-nos de chamá-la de

arte.

FORMA E EXPRESSÃO

O elemento permanente que, na humanidade, corresponde ao elemento de forma na arte é a sensibilidade esté-

tica do homem. É a sensibilidade que é estática. O variável é a interpretação que o homem dá às formas da arte,

que se dizem "expressivas" quando lhe correspondem aos sentimentos imediatos. Contudo, as mesmas formas

podem possuir valor expressivo diferente, não apenas para pessoas diferentes, mas também para períodos

diferentes de civilização. Expressão é termo muito ambíguo. Emprega-se para indicar reações emocionais diretas,

mas a própria disciplina ou restrição por meio da qual o artista completa a forma é, de per si, maneira de

expressão. A forma, embora se possa examinar em termos intelectuais como a medida, o equilíbrio o ritmo e a

harmonia, é realmente de origem intuitiva; não constitui, na prática real dos artistas, produto intelectual. É antes

emoção dirigida e definida, e quando descrevemos a arte como "vontade de formar" não estamos imaginando

atividade exclusivamente intelectual, mas de preferência atividade exclusivamente instintiva. Por este motivo não

posso dizer que a arte primitiva constitui forma inferior da beleza em comparação com a arte grega; embora possa

representar tipo inferior de civilização, exprime instinto igual ou mesmo mais apurado para a forma. A arte de um

período constitui padrão somente enquanto aprendemos a distinguir entre os elementos da forma, que são

universais, e os elementos da expressão, que são temporais. Ainda menos poderemos dizer que Giotto é inferior

quanto à forma a Miguel Angelo. Poderá ser menos complicado, mas não se avalia a forma pelo grau de

complexidade. Francamente, não sei como poderemos julgar da forma senão pelo mesmo instinto que a cria.

(Recorte livre feito a partir do livro: O SENTIDO DA ARTE - Herbert Read, 1931- trad. E.Jacy Monteiro – 8ª ed.;1978,IBRASA, SP)