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Anencefalia e aborto Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5444 Fabricio Fazolli bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Resumo: Anecefalia; Aborto; Vida Intra-Uterina; Vida Extra-uterina; Lei 9.434/97; Morte Encefálica; Anteprojeto para o novo Código Penal; CNTPS e STJ; Conclusão, Bibliografia. Antes de discutir a legalidade do aborto em casos de anencefalia, faz-se necessário expor o significado de tal anomalia, e do próprio termo aborto. A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio. E expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A anencefalia é fatal em 100% dos casos". O aborto consiste na destruição da vida antes do início do parto, ou então, é o período que compreende desde de a concepção até o início do parto, que é o fim da vida intra-uterina. Assim, pode-se dizer que, o aborto ocorre quando por algum motivo a vida intra-uterina é interrompida, e que a causa desta interrupção não seja o nascimento da criança. Aborda-se agora, questão polêmica que é, a impossibilidade de aborto em casos de feto anencefálico na legislação brasileira. A lei é bem clara quando exclui a possibilidade de aborto eugenésico, ou seja, feto com deformidade ou enfermidade incurável. É fato que tal discussão gera controvérsia em diversos aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não cabe neste momento analisar outros aspectos senão o jurídico. E com clareza coloca o jurista Cezar Roberto Bitencourt, quando afirma que, "modernamente, não se distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extra-uterina. É indiferente a capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica". (1) Sendo assim, se tal afirmação for considerada verdadeira, como conseqüência, o abortamento de feto anencefálico enquadra-se como crime contra vida. Ora, o feto possui batimentos cardíacos, circulação sanguínea, e isto, já caracterizaria vida biológica. Porém, cabe lembrar que o produto desta gestação só possui "vida" devido ao metabolismo da mãe, que a criança, ao nascer, conseguiria "sobreviver" apenas alguns instantes e viria a óbito logo em seguida. Assim, a ausência de cérebro não daria a este ser nenhuma expectativa de vida. E, mesmo com a afirmação acima de que, a capacidade de vida autônoma torna-se irrelevante à questão do aborto, torna-se indispensável expor aqui a desnecessidade de uma mãe carregar em seu ventre um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extra-uterina, e que ela, além da dor 14/10/2010 Jus Navigandi - Doutrina - Anencefalia e… jus2.uol.com.br/doutrina/imprimir.asp?i… 1/4

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Anencefalia e aborto

Texto extraído do Jus Navigandihttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5444

Fabricio Fazollibacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Resumo: Anecefalia; Aborto; Vida Intra-Uterina; Vida Extra-uterina; Lei 9.434/97; MorteEncefálica; Anteprojeto para o novo Código Penal; CNTPS e STJ; Conclusão, Bibliografia.

Antes de discutir a legalidade do aborto em casos de anencefalia, faz-se necessário expor osignificado de tal anomalia, e do próprio termo aborto.

A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhumaexplicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresentaabóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenasformações aderidas à base do crânio. E expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, ementrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "Aanencefalia é fatal em 100% dos casos".

O aborto consiste na destruição da vida antes do início do parto, ou então, é o período quecompreende desde de a concepção até o início do parto, que é o fim da vida intra-uterina. Assim,pode-se dizer que, o aborto ocorre quando por algum motivo a vida intra-uterina é interrompida, eque a causa desta interrupção não seja o nascimento da criança.

Aborda-se agora, questão polêmica que é, a impossibilidade de aborto em casos de fetoanencefálico na legislação brasileira. A lei é bem clara quando exclui a possibilidade de abortoeugenésico, ou seja, feto com deformidade ou enfermidade incurável. É fato que tal discussão geracontrovérsia em diversos aspectos tanto éticos, como religiosos, jurídicos, etc. Porém, não cabeneste momento analisar outros aspectos senão o jurídico. E com clareza coloca o jurista CezarRoberto Bitencourt, quando afirma que, "modernamente, não se distingue mais entre vida biológica evida autônoma ou extra-uterina. É indiferente a capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a

presença de vida biológica". (1) Sendo assim, se tal afirmação for considerada verdadeira, comoconseqüência, o abortamento de feto anencefálico enquadra-se como crime contra vida. Ora, o fetopossui batimentos cardíacos, circulação sanguínea, e isto, já caracterizaria vida biológica.

Porém, cabe lembrar que o produto desta gestação só possui "vida" devido ao metabolismoda mãe, que a criança, ao nascer, conseguiria "sobreviver" apenas alguns instantes e viria a óbitologo em seguida. Assim, a ausência de cérebro não daria a este ser nenhuma expectativa de vida. E,mesmo com a afirmação acima de que, a capacidade de vida autônoma torna-se irrelevante àquestão do aborto, torna-se indispensável expor aqui a desnecessidade de uma mãe carregar emseu ventre um filho que não tenha possibilidade de ter uma vida extra-uterina, e que ela, além da dor

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física que terá durante nove meses de gravidez, que neste caso tornar-se-ia a menor das dores,sofrerá de forma que só uma mãe possa sofrer ao imaginar seu filho "nascendo" e "morrendo", emseguida.

Interessante é analisar a legislação brasileira, que, senão redundante, muitas vezes torna-se"curiosa". Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, que é a lei de Transplante de Órgãos,em seu art. 3º, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humanodestinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte encefálica do paciente,constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção de transplantes.Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte encefálica é permitido a remoçãode órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte biológica do paciente.

Então, o que leva o legislador a aceitar a morte encefálica do paciente como prioridade parao transplante, e a não consenti-la no caso do feto anencefálico?

Note, que propositadamente há redundância na pergunta, visto que, não é possível que umorganismo venha sofrer disfunção em um órgão que não possua. Outro motivo que leva a crer que aproibição do aborto eugênico é ultrapassada.

Cabe-se ressaltar que, o Código Penal de 40 foi publicado com costumes de décadasanteriores, e conseqüentemente não podemos esperar que tais hábitos permaneçam pétreos. Naatual conjuntura, não só na cultura como também na ciência, houve uma grande evolução,permitindo dessa forma, a indiscutível necessidade de um Anteprojeto de Reforma do CódigoPenal, quando que em 1992 foi criada uma Comissão para Reformulação do Código Penal, sendoque a parte específica dos crimes contra a vida foi orientada por uma subcomissão, presidida pelodesembargador Dr. Alberto Franco. E ressalta-se que, dentre outras reformas, autorizaria o abortonos casos em que o nascituro apresentasse graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. E aredação proposta pela Comissão é a seguinte:

"Não constitui crime o aborto praticado por médico: Se se comprova,através de diagnóstico pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves

e irreversíveis malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção

da gravidez ocorra até a vigésimo semana e seja precedida de parecer de

dois médicos diversos daquele que, ou sob cuja direção, o aborto é

realizado".

Porém, é fato que uma reforma legislativa não acontece de forma célere, e obviamente, oser humano muitas vezes se abstém de tempo para aguardar tal reforma, cabendo ao Judiciáriosanar tais necessidades, que, mesmo contra legem está transformando os moldes desta realidade.

Como dito acima, os fatos sociais, via de regra, precedem as leis. Assim, faz-se necessáriocitar a decisão do ilustre desembargador Dr. Miguel Kfouri Neto, então juiz na cidade e Comarcade Londrina, que em 19 de dezembro de 1992, pela primeira vez na história do Direito Penalbrasileiro, autorizou um aborto legal em feto portador de anencefalia numa gestação de 20 semanas.

Ressalte-se ainda, que no dia 18 de junho de 2004, a Confederação Nacional dosTrabalhadores (CNTS), emitiu nota ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que fixe entendimentode que a gestação de feto anencefálico é desnecessária, visto que, tal prática, além de não trazer em

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hipótese alguma possibilidade de vida ao feto, gera danos à saúde da gestante e até perigo de vida,em razão do alto índice de óbito intra-uterino desses fetos. A CNTS afirma que, mesmo com aregularidade de sentenças que o Judiciário vinha firmando em todo o país, reconhecendo o direitoda antecipação terapêutica do parto, as decisões em sentido inverso desequilibram essasjurisprudências. Por isso, faz-se necessário o reconhecimento do Supremo em relação a inutilidadede levar-se adiante uma gravidez que não apresente possibilidade de vida extra-uterina.

Busca-se como objetivo deste breve discurso, mesmo que de forma prematura, tentaresclarecer alguns pontos, como por exemplo, a posição do nosso atual Código Penal diante doaborto, e de que forma prossegue sua reformulação, bem como mostrar que muitas vezes a lei nosparece obscura, confusa, tornando-se necessário a função de analisá-la com cautela. Que a soluçãodos problemas sociais nem sempre estará nas normas de direito, pois o fato gera a norma, e quemcria a norma é a sociedade, que por fim, é a causadora do fato. E o mais importante, que é tentarfazer com que o leitor crie questionamentos sobre tal tema, que como já mencionado acima, nãosempre, mas por muito tempo irá gerar polêmica.

BIBLIOGRAFIA

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STF, Supremo Tribunal Federal. C"TS pede ao STF que antecipação do parto de fetosem cérebro não seja caracterizada como aborto. Brasília, jun. 2004. Disponível em: . Acessoem 22 jun. 2004.

�OTAS

1 BITENCOURT, Cezar Roberto, Código Penal Comentado, editora Saraiva: São Paulo, 2002, p. 123.

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Sobre o autorFabricio Fazolli

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Sobre o texto:Texto inserido no Jus Navigandi nº372 (14.7.2004)Elaborado em 06.2004.

Informações bibliográficas:Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado emperiódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

FAZOLLI, Fabricio. Anencefalia e aborto . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 372, 14 jul. 2004.Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5444>. Acesso em: 14 out. 2010.

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