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    CONFLUNCIAS |Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, n 2, 2014. pp. 107-133107

    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO

    POLTICO: A FBRICA OCUPADA EA VILA OPERRIA E POPULAR1

    1Uma primeira verso deste trabalho foi apresentado na 28. Reunio Brasileira de Antropologia , realizada entre os dias 02 e 05 de julho de 2012,em So Paulo, SP, Brasil. Agradeo os comentrios do Professor Jos Srgio Leite Lopes (PPGAS UFRJ) e Marta Regina Cioccari (PPGAS UFRJ).

    Paulo Roberto de Andrade CastroDoutor em Sociologia pelo Programa de Ps Graduao em Sociologia e Antropologia(PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).E-mail: [email protected]

    ISSN 1678-7145 || EISSN 2318-4558

    CONFLUNCIASRevista Interdisciplinar de Sociologia e Direito

    Artigo

    RESUMOEste artigo analisa a relao entre a fbrica e a localidade atravs da organizao deaes coletivas atravs de observao participante e entrevistas com operrios daFlask e moradores da Vila operria popular no municpio de Sumar. Em 2003,os operrios da Flask decidiram ocupar a fbrica e assumir o controle da produ-o. Em 2005 organizaram a construo de um bairro, a Vila Operria e Popular.O conselho de fbrica passou a reivindicar ao municpio a regularizao deste. Em2010, o conselho lanou a campanha pela Declarao de Interesse Social de todaa rea. A pesquisa demonstra que o surgimento da Vila Operria ressignificou aocupao da fbrica atravs da elaborao de uma nova estratgia argumentativa.

    ABSTRACT

    This paper demonstrate the relationship between the factory and the neighborhood by or-ganizing collective actions through participant observation and interviews with workers ofFlaks and resident of the Vila Operria e Popular in the city of Sumar. In 2003, the workersof Flask decided to occupy the factory and take control of production. In 2005, the worke-rs have organized the construction of a neighborhood, the Vila Operria e Popular. Sincethen, the factory council, went on to claim the Sumar prefecture the regularization of this nei-ghborhood. In 2010 the factory council launched the campaign Declaration by Social Interest

    of the entire factory area. The data indicate that the emergence of Vila Operria influenced therise of new meanings to the factory occupation by developing a new argumentative strategy.

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    CASTRO, Paulo

    INTRODUO:Os processos de reestruturao pro-

    dutiva, abertura comercial e flexibiliza-o do mercado de trabalho que se in-tensificaram na dcada de 90 em todaa Amrica Latina, produziram a quebrade inmeras empresas de capital nacio-nal que no conseguiram racionalizaros processos produtivos e se adequaraos novos padres de competitividade.

    As polticas privatizantes inerentes concepo de estado mnimo, a desin-

    dustrializao e o desemprego causadospela abertura comercial, entre outros efei-tos das polticas neoliberais, tiveram porconseqncia uma reduo acentuadado nvel de vida de grandes contingentespopulacionais nos pases do continente.Esse processo se caracteriza por enor-

    mes ndices de miserabilidade social, peloaumento da riqueza, pela hegemonia docapital financeiro e pela expanso da pro-priedade da terra (Antunes, 2011).

    A partir da dcada de 90, em vriospases da Amrica do Sul se evidencia osurgimento de novas formas de resistnciafrente aos efeitos da reestruturao pro-

    dutiva e da acumulao flexvel (Harvey,1992). Nesse contexto, entre as diversasformas de resistncia popular verificveis,ocorreram inmeros casos de ocupaesde fbrica em vrios pases da regio. Estefenmeno continuou se desenvolvendodurante a primeira dcada do presente

    sculo, como veremos adiante.A ocupao de fbricas em situaofalimentar, com o propsito de retomada

    das atividades produtivas sobre controleoperrio, constituiu-se em um fenmenoextensivo a diversos pases da Amrica doSul, ganhando maior escopo na Argenti-na, na Venezuela e no Brasil. A luta dasfbricas recuperadas nesses pases exem-plificou o surgimento de movimentossociais e formas de protesto derivadas dasprofundas transformaes vivenciadas nomundo do trabalho. Assim, na Argentinaaps a crise econmica de 2001, surge oMovimento Nacional de Empresas Re-

    cuperadas (MNER), na Venezuela surgea Frente de Trabalhadores em empresasCo geridas (FRETECO) em 2002 e noBrasil surge o Movimento das FbricasOcupadas (MFO), tambm em 2002.

    O presente artigo se dedica a anli-se de um caso de recuperao de fbrica

    sob um determinado ngulo: A influn-cia da realidade urbana (Lefebvre, 2008)sobre o processo polticoda ocupaoda fbrica, observando como a realida-de urbana afetou a ocupao da fbrica,provocando alteraes nos significadosmobilizados pelos operrios na luta pol-tica pela manuteno do funcionamento

    da fbrica e como esse processo promo-veu alteraes na prpria organizao f-sica e nas funcionalidades da fbrica.

    A partir de dados levantados en-tre os anos de 2008 e 20121, atravs de

    1O trabalho de campo faz parte da pesquisa realizada paraa escrita da tese de doutorado, defendida no ano de 2012 no

    Programa de Ps Graduao em Sociologia e Antropolo-gia da UFRJ (PPGSA). A referidada Tese se intitula: Usinade Conflitos: A Mobilizao, o Cotidiano e os repertriosCrticos dos operrios de uma fbrica ocupada.

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    trabalho de campo, com a utilizaodo mtodo de observao participante,etnografia, entrevistas abertas e de pes-quisa historiogrfica, analiso o processode formao de um bairro popular nointerior da fbrica ocupada e como esseprocesso influenciou para a ocorrn-cia de transformaes no repertrio deaes coletivas e no contedo das cam-panhas polticas desenvolvidas pelosoperrios, com o objetivo de garantir areproduo das atividades fabris.

    O caso estudado, da fbrica Flask,ocupada no ano de 2003, exemplifi-ca um dos numerosos casos em quefrente a eminente falncia da empresae a perspectiva do desemprego, os tra-balhadores resolveram assumir o con-trole da empresa e gerir a produo. A

    partir deste ato inaugural, a ocupaoda fbrica, desenvolvem uma luta pol-tica para a manuteno de seu funcio-namento. Nesse curso, se chocam comos antigos proprietrios, com a justia,e desenvolvem a resistncia atravs deum confronto poltico (Tarrow, 2009),mobilizando uma estratgia argumen-

    tativa para justificar a sua luta. Apre-sentando como argumento mais forte adefesa do direito ao trabalho. Trata setipicamente de uma luta operria, de-terminada por conflitos localizados naesfera da produo fabril.

    Ao longo dos 13 anos da ocupao

    da fbrica, eventos significativos, expli-citaram a influncia da realidade urba-na de Sumar sobre a fbrica.

    A fbrica est localizada na peri-feria de Sumar, onde vivem diversostrabalhadores migrantes do sul e donordeste do pas. A pobreza urbanada cidade se caracteriza entre outrosaspectos pelo alto dficit de moradias,efeito visvel da acumulao por des-possesso (Harvey, 2013).

    No ano de 2005, dois anos aps oincio da gesto operria, um grupode pessoas carentes de moradia tentouinvadir uma rea ociosa do terreno da

    fbrica para construir moradias. O con-selho de fbrica entrou em acordo comesse grupo de invasores e procuroutransformar o significado desse conflitourbano, propondo a cooperao entre ogrupo de invasores e operrios. Organi-zou a construo de um bairro, a Vila

    Operria e Popular, no interior do terri-trio da fbrica. A partir de ento, almde lutar pela manuteno dos postos detrabalho, passou a lutar pela regulariza-o desse bairro popular.

    importante notar que o conselho defbrica disponibilizou meios materiais para aterraplanagem do terreno, o trabalho de um

    arquiteto para o planejamento urbansticodo bairro e a organizao dos moradorespara demarcao e distribuio dos lotes.Alm disso, organizou os moradores emum movimento de luta por moradia, parareivindicar ao poder pblico municipal osbens de consumo coletivo necessrios para

    a populao assentada.Com a construo da Vila Operriae Popular possvel observar a altera-

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    CASTRO, Paulo

    o fsica do territrio da fbrica e desuas funcionalidades. A partir dessemomento, alm das atividades produti-

    vas dos 120 operrios da fbrica, o ter-ritrio da fbrica passa a servir a outrosusos, como a moradia de trabalhadorespobres da cidade de Sumar.

    Marca tambm o momento em quese inicia o engajamento, de forma or-ganizada, dos operrios da Flask, emmovimentos reivindicatrios referentess questes urbanas.

    importante notar que a fbrica e aVila Operria e Popular se encontram nomesmo terreno. O conselho de fbricaargumenta que em caso de fechamentoda fbrica seria questo de tempo aexpulso dos moradores da Vila Operria,populao de 4000 pessoas segundo

    estimativa da presidente da associao demoradores local2.No ano de 2009 surgiu no interior

    da Flask a Fbrica de Esportes atra-vs de uma parceria do conselho de f-brica com a associao Dib de esportes.A associao funciona na fbrica emespao cedido pelo conselho de fbri-

    ca desde 2006. Jovens que residem nasproximidades da fbrica participam deatividades esportivas gratuitamente. Noano de 2009 o conselho de fbrica cedeuum galpo que se encontrava em con-dies bastante precrias para a asso-ciao realizar suas atividades. Alunos

    e seus familiares com o apoio do conse-2Informao obtida em entrevista com a presidente da associaode moradores da Vila Operria no ano de 2011.

    lho de fbrica se organizaram para a re-forma do galpo. Conseguiram doaesde materiais no comrcio local, fizerammutiro e realizaram a reforma. O gal-po totalmente reformado serve para aprtica de diversos esportes como Jud,Jiu Jitsu, Taekwendo, capoeira, futebolde salo, etc. Hoje cerca de 400 crian-as da periferia de Sumar participamde atividades esportivas e culturais nointerior da Flask.

    O surgimento da Fbrica de Esportes

    e Cultura no ano de 2010 tambm exem-plifica um longo processo atravs do quala relao dos operrios e do conselho defbrica com a populao do entorno, pro-dutores culturais e outros atores, inicial-mente externos fbrica, produzirammodificaes no territrio e nos usos so-

    ciais das instalaes da fbrica.Aqui importante observar o pro-cesso atravs do qual ocorre a territo-rializao da luta poltica do conselhode fbrica. A forma como a proble-mtica urbana da periferia de Sumarse projetou para dentro do territrioda fbrica, atravs da tentativa de ocu-

    pao de parte do territrio da fbricapara a construo de moradias, ou a ca-rncia da populao jovem no que tan-ge possibilidade de prtica de esportese atividades culturais, devido falta deequipamentos pblicos para estes fins.

    Atravs das dinmicas da vida co-

    tidiana no meio ecolgico no qual afbrica est espacialmente situada, osoperrios e o conselho de fbrica refle-

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    xivamente acolheram no interior da f-brica, problemas referentes s carnciasmateriais e subjetivas da populao daperiferia da cidade de Sumar.

    Como veremos na prxima seodeste artigo, a Flask participou do Mo-

    vimento das Fbricas Ocupadas (MFO)entre os anos de 2003 e 2007. Conjun-tamente com outras fbricas ocupadasque integravam este movimento, apre-sentava e continua apresentando ao go-

    verno federal a reivindicao de estati-

    zao das fbricas ocupadas, principaldesafio coletivo do MFO.

    As transformaes descritas acima,causaram a territorializao da luta po-ltica da fbrica. A relao com a pro-blemtica urbana de Sumar, levou oconselho de fbrica da Flask a desen-

    volver uma prtica urbana. Falo emprtica urbana tendo em mente que:A racionalidade urbana (em formao)supera a racionalidade industrial (Le-febvre, 2008, pp.73) Segundo Lefebvre aestratgia urbana consiste em arrancara prtica social prtica industrial paraorient-la em direo prtica urbana.

    (Lefebvre,2008, pp.76).Verifica-se um entrecruzamento en-

    tre o tema do direito ao trabalho e o di-reito cidade. As transformaes viven-ciadas pela fbrica, com a construo daVila Operria e da Fbrica de Esportese Cultura fazem com que a reproduo

    do funcionamento da fbrica deixassede ser um problema atinente somenteaos operrios e passasse a dizer respeito

    a todos os moradores da Vila Operriae envolvidos com a produo e partici-pao na Fbrica de Esporte e Cultura.

    Com a participao dos operriose do conselho de fbrica nos conflitosurbanos a luta operria passa a ser en-globada pela prtica urbana.

    Nesse sentido, nos interessa refle-tir sobre a inverso radical aponta-da por Lefebvre:

    A revoluo urbana con-

    siste numa inverso radicalda relao entre o urbano ea produo industrial. Domesmo modo que o espaoagrrio, dominante por muitotempo, foi subordinado pelaindstria, essa nova inverso

    significaria uma subordina-o da indstria realidadeurbana. (Lefebvre, 2008, pp.87) Essa inverso tambm sig-nifica o predomnio do uso edos meios sobre a troca.

    Com a campanha pela declaraode interesse social de toda a rea a par-tir de 2010, o conselho de fbrica in-corporou essas transformaes em suaestratgia argumentativa.

    No presente trabalho procuramosrefletir especificamente sobre a relao

    entre a fbrica e a Vila Operria e Po-pular e sobre como o surgimento dessebairro no territrio da fbrica influiu

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    para as transformaes na estratgiaargumentativa e no repertrio conten-cioso utilizado pelo conselho de fbrica.A partir dos dados coligidos, apresenta-mos alguns aspectos da memria cole-tiva dos operrios sobre o surgimentoe desenvolvimento do bairro e o envol-

    vimento do conselho de fbrica com aslutas pela regularizao do bairro

    Para realizar o trabalho de campopermaneci alojado cerca de 60 dias nointerior da fbrica, durante os anos de

    2008 e 2012. Existe no interior da f-brica uma grande casa onde residemoperrios que no possuem moradiana cidade de Sumar. Alm do grupode operrios que residem na casa da f-brica ela tambm utilizada para alojar

    visitantes que participam de atividades

    polticas e culturais que ocorrem naFlask. Permaneci alojado nessa casaconvivendo com o grupo de cinco ope-rrios que l residem.

    REPERTRIOS CONTENCIOSOS E DESAFIOS COLETIVOS:

    Como j dissemos, entre os anos de

    2003 e 2007 os operrios da Flask par-ticiparam da campanha pela estatizaodas fbricas ocupadas, organizada peloMFO. O MFO surgiu no ano de 2002com a ocupao da Cipla, tradicionalindstria plstica brasileira, sediadana cidade de Joinville, empresa lder

    da Holding CHB. Em 2003, ainda noprimeiro ano da ocupao da Cipla, oconselho de fbrica ao mesmo tempo

    em que buscava reorganizar a produoe colocar salrios em dia, mobilizou tra-balhadores da Cipla, alguns militantesdo PT e de outros movimentos sociaispara atuarem em uma srie de ocupa-es. Atuaram na greve e na ocupaoda JB da Costa em Recife, na Brasp-rola de Pernambuco, na Esquadrimetalde Pernambuco, na Flask de Sumar,na Flakepet de Itapevi e na Parmalat deGaranhuns. (Goulart, 2003). No finalde 2003, alm da Cipla e da Interfibra,

    a Flask e a Flakepet funcionavam sobcontrole operrio e tambm reivindica-

    vam do governo federal a estatizao.Com essas novas ocupaes surge oMFO com o slogan Fbrica quebrada fbrica ocupada. Fbrica ocupada deveser estatizada. Em sua propaganda di-

    vulgavam que uma fbrica fechada um cemitrio de postos de trabalho.A bandeira da estatizao das fbri-

    cas constitua o principal desafio cole-tivo, lanado pelo MFO. Com o lemaOcupar produzir e Resistir, os oper-rios procuravam legitimar a sua luta apartir de princpios referentes ao direi-

    to ao trabalho, ao trabalho protegido epela dignidade humana. Durante o pe-rodo compreendido entre 2002 e 2007,o MFO realizou anualmente marchas ecaravanas Braslia para reivindicar a es-tatizao das fbricas ao governo federal.

    A bandeira da estatizao tambm era

    justificada atravs da denncia dos antigosproprietrios das fbricas, que as levaram falncia por m administrao e por

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    m f. Alm da denncia dos antigosproprietrios, o MFO afirmava que aestatizao seria a nica forma do estadoreaver os valores referentes aos tributosque foram sonegados. O Estado seria co responsvel pela situao de endividamentoao qual as fbricas chegaram, por no terfiscalizado adequadamente e permitido asonegao tributria.

    Assim, afirmavam que o Estado de-via estatizar as fbricas e assegurar o di-reito ao trabalho de seus operrios.

    A ocupao da Cipla foi encerradano ano de 2007, quando a justia Federalem Santa Catarina julgou favoravelmen-te o pleito ajuizado pelo Ministrio daPrevidncia Social, para cobrar dvidastributrias produzidas durante a gestopatronal. A justia destituiu o conselho

    de fbrica e deferiu o pedido de uma in-terveno federal na fbrica, que passoua ser dirigida por um interventor no-meado pelo Ministrio da Previdncia.

    Aps a interveno federal na Ciplae na Interfibra, a Flask se tornou a l-tima fbrica ocupada no Brasil. A partirdesse momento no podia mais contar

    com a solidariedade e o apoio de outrasfbricas ocupadas pelo MFO. Alm dis-so, com a interveno nas fbricas cita-das, perdeu fora a campanha pela esta-tizao e no mais ocorreram as marchas Braslia organizadas pelo MFO.

    O Conselho de fbrica da Flask ao

    longo desses 13 anos de ocupao dafbrica, mobilizou o repertrio conten-cioso que lhe foi transmitido pelo con-

    selho de fbrica da Cipla. Realizou, porexemplo, inmeras manifestaes pol-ticas contra os leiles de mquinas, queocorrem frequentemente em decorrn-cia do ajuizamento de dvidas contra-das durante a gesto patronal, entre ou-tras formas de resistncia.

    O principal desafio coletivo doMFO, a campanha pela estatizao, ani-mou os trabalhadores da Flask, queparticiparam de diversas marchas Braslia, organizadas pelo MFO.

    O conflito originado no mundo dotrabalho, na esfera da produo de mer-cadorias, com a ameaa de desempregopela falncia da empresa, foi o que pos-sibilitou o ato da ocupao da fbrica. Aestratgia argumentativa da reivindicaodo direito ao trabalho, sintetizada nos slo-

    gans do MFO e na centralidade dada areivindicao da estatizao das fbricas,constituiu o quadro cognitivo comparti-lhado que possibilitava a constituio deuma identidade coletiva e animava a re-sistncia dos operrios da fbrica.

    Conforme demonstramos na se-o anterior, a localizao geogrfica

    da fbrica e a reflexividade e tambm aagncia dos operrios e do conselho defbrica diante da problemtica urbanade Sumar, levaram o conselho de fbri-ca a desenvolver uma prtica urbana.

    A partir de 2010 a luta pela De-clarao de Interesse Social de toda a

    rea da fbrica, dirigida a prefeiturade Sumar, significou a constituiode um novo desafio coletivo, capaz de

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    manter vivo o nimo dos operrios. importante notar que aps sete anosde luta pela estatizao, eram mnimasas esperanas de que o governo federalatendesse essa reivindicao.

    A nossa hiptese a de que a im-portncia que ganhou a luta no mbitomunicipal, a abertura dessa nova esca-la geopoltica de desenvolvimento daresistncia animada pelo conselho defbrica, so fatores que revelam que, deforma impremeditada pelos operrios e

    pelo conselho de fbrica, a luta oper-ria, inicialmente adstrita um conflitooriginado na esfera da produo, foienglobada em uma prtica urbana.Tal processo nos faz lembrar o conceitode autogesto generalizada tal comopensado por Henry Lefebvre. A auto-

    gesto urbana vincula-se a gesto daproduo, mas a ultrapassa.

    A VILA OPERRIA E POPULARNesta seo do artigo apresentamos

    a anlise dos dados sobre a relao daVila Operria e Popular com a fbrica,levantados durante o trabalho de campo.

    Descrevemos o surgimento e desenvol-vimento de um bairro popular no inte-rior da fbrica ocupada. Existe dentro darea da fbrica, desde 2005, um bairro,habitado por cerca de 4.000 pessoas3, se-gundo relato da atual presidente da as-

    3

    Segundo a presidente da associao de moradores da VilaOperria, a associao possui um cadastro atualizado quecontm informaes sobre os posseiros dos lotes e as de-mais pessoas que residem em cada domiclio.

    sociao de moradores da Vila Operria.Esse bairro se localiza em rea contguaao parque produtivo, onde os operriosproduzem as bombonas e outras merca-dorias comercializadas pela Flask.

    A fbrica est instalada em um ter-reno de 140.000 metros quadrados. Ato ano de 2005 existiam 40.000 metrosquadrados de rea construda, compostapor trs grandes galpes, nos quais fun-cionaram no passado, as diversas linhasde produo, que estavam ativas antes

    da decadncia da fbrica na dcada de90. Atualmente a produo das embala-gens plsticas da fbrica a partir de suastrs mquinas sopradoras e trs mqui-nas injetoras, est concentrada em umgalpo principal. Um grande galpo seencontra alugado para uma empresa

    que produz peas acessrias (chicotes)para fbricas de foges e o terceiro gal-po que se encontrava totalmente aban-donado quando visitei a fbrica pelaprimeira vez em 2008, utilizado comosede pela Fbrica de Esportes e Cultura,desde 2009. Alm desses galpes existeainda um prdio de dois pavimentos

    onde funciona o setor administrativo, acasa da fbrica onde se alojam algunsoperrios e o antigo refeitrio.

    Existia at 2005 uma rea de 100.000metros quadrados no entorno destarea construda, totalmente cobertapor rvores (eucaliptos) e que no era

    utilizada. Esta a que foi ocupada em2005 por um grupo de invasores. Apsum conflito inicial entre o conselho de

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    fbrica e este grupo, os operrios resol-veram ceder a rea para a construode um bairro popular. Este conflito, osurgimento e desenvolvimento do bair-ro e a evoluo da relao da fbricacom esta localidade sero tratados nodecurso do presente trabalho.

    A Vila Operria teve origem atravsde uma ocupao para moradia no anode 2005. Em 2011 a fbrica completouoito anos sobre controle operrio e a VilaOperria seis anos de existncia. Esse

    fato sugere a importncia de analisaro surgimento e o desenvolvimento daVila Operria para a compreenso daexperincia da ocupao da Flask.

    Com a ocupao da Vila Operria,a fbrica se engaja na luta por mora-dia. Inicia-se um processo em que alm

    da crtica relacionada queixa sobre aprecariedade da situao vivida pelosoperrios, que sofrem a ameaa de per-der seus empregos caso as atividades dafbrica sejam encerradas, o conselho defbrica encontra outras fontes de indig-nao (Boltanski, 2009)4que se somam

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    Utilizo os termos crtica e fontes de indignao conformeo sentido conferido para esses termos por Luc Boltanskive Chiapello no livro O novo esprito do Capitalismo:A formulao de uma crtica supe, preliminarmente umaexperincia desagradvel que suscite a queixa, quer ela sejavivenciada pessoalmente pelo crtico, quer este se comovacom a sorte de outrem (Chiapello, 1998). A isso damos aquio nome de fonte de indignao. Sem esse primeiro impul-so emotivo, quase sentimental, nenhuma crtica conseguealar vo. Em contrapartida , h grande distncia entre oespetculo do sofrimento e a crtica articulada; o crtico

    precisa de um respaldo terico e de uma estratgia argu-mentativa para dar voz ao sofrimento individual e traduzi--lo em termos que faam referncia ao bem comum (Bol-tanski, 1990;1993). (Boltanski, 2009).

    na sustentao de sua luta poltica.O objetivo deste trabalho des-

    crever e analisar o surgimento da VilaOperria, o seu desenvolvimento, ainterao entre moradores da Vila eoperrios da Flask. As interaes facea face e tambm a relao mais abran-gente entre a fbrica e a localidade atra-

    vs da organizao de aes coletivas.Interessa observar como o surgimentoda Vila Operria e o envolvimento delderes e demais operrios da Flask na

    luta pela regularizao desta localidade,possibilitaram o surgimento de novossignificados para a ocupao da fbri-ca atravs da elaborao de uma novaestratgia argumentativa. (Boltanski,2009). Procura-se compreender comoos aspectos constitutivos do meio ur-

    bano de Sumar influram o cotidiano,a organizao e a histria da ocupaoda fbrica. Atravs do estudo do surgi-mento de um bairro popular no territ-rio da fbrica, buscamos compreender amediao exercida pela cidade sobre afbrica e em contrapartida algumas for-mas de engajamento dos trabalhadores

    na produo social do espao urbano(Gottdiener, 1997). Tambm pretende-mos verificar como a resposta criativados operrios para situaes contingen-tes teve como resultado a elaborao deum novo repertrio de aes coletivas(Tarrow, 2009) (Tilly, 1995).

    O processo de ocupao da VilaOperria desde sua origem constituio primeiro acontecimento que favore-

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    CASTRO, Paulo

    ceu uma alterao na forma pela quala fbrica faz reivindicaes ao Estado.Esta mudana se torna legvel atravsda observao de que a partir do anode 2010, a ocupao da Flask passaa reivindicar a prefeitura de Sumar adecretao de Interesse Social de todaa rea da fbrica. O conselho de fbricacontinua reivindicando ao governo fe-deral a estatizao sob controle oper-rio, mas a principal reivindicao passaa ser a Declarao de Interesse Social

    dirigida prefeitura. Durante todo oano de 2010 e o de 2011 a Campanhapela Declarao de Interesse Social setorna a principal luta desenvolvida. Abusca de uma soluo que afastasse de-finitivamente o risco de encerramentodas atividades fabris passa agora pela

    responsabilizao do poder pblicomunicipal. A partir desse perodo setorna explcito o intuito do conselhode fbrica de representar no apenasos operrios, mas uma comunidade deinteresses maior, integrando moradoresdo bairro e usurios das atividades es-portivas e culturais da fbrica.

    Observa-se que no curso da his-tria da ocupao da fbrica, os ope-rrios desenvolveram em seu interioroutras funcionalidades e usos paraalm da produo de mercadorias. Noamplo terreno da fbrica, reas e ins-talaes foram destinadas ao uso no

    mercantil: moradia, esporte e cultura.Os fatos coligidos sugerem que isso sedeve a diversos fatores entre os quais

    se poderia destacar: A) A influnciado meio urbano atravs da intera-o entre operrios e indivduos domeio ecolgico que envolve a fbricae a resposta dos operrios (repertriode prticas) a estas influncias. B) Aalta instabilidade do controle ope-rrio da fbrica, fato que influi paraque os operrios busquem se aliar aoutros atores sociais do meio urbanode Sumar, procurando apoio para amanuteno do controle operrio e do

    funcionamento da fbrica.O dficit habitacional de Suma-

    r e de toda Regio metropolitana deCampinas constitui, provavelmente oaspecto da problemtica urbana quemaior impacto causou sobre a ocupa-o da fbrica. Isso se deve a existncia

    de uma populao carente de moradiasna regio onde a fbrica est localizadae no fato de que este problema tambmafeta a vida de alguns operrios e deparentes de operrios5.

    Este fato se exemplifica com o sur-gimento da Vila Operria. Um grupoexterno a fbrica organizou-se com o

    objetivo de ocupar uma rea do terrenoda fbrica para construo de moradias.

    5Levantamento realizado no ano de 2005 pela Secretaria deHabitao do municpio de Sumar indica que 5183 pes-soas residiam em favelas, cerca de 10 % da populao domunicpio. No Plano Local de Habitao de Interesse So-cial (PLHIS) de 2010, a Secretraria municipal de habitaoestima em 6204 moradias a soma do dficit quantitativo e

    qualitativo de moradia, segundo os critrios da FundaoJoo Pinheiro. Alm disso, afirma a existncia de 7282 ha-bitaes em estado de Inadequao habitacional, devido carncia de infra-estrutura.

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    Os informantes relatam que a reaque viria a ser ocupada no servia a ne-nhuma atividade produtiva.

    Durante o trabalho de campo, emdiversos momentos, obtive a informa-o de que esta enorme rea vazia erausada pelo banditismo local, para de-sova de cadveres. Informao queaparece em quase todos os relatos sobreo perodo inicial da ocupao da rea.

    A narrativa sobre a violncia muitasvezes acompanhada pela afirmao de

    que a ocupao aconteceria de qual-quer jeito. possvel supor que estedado seja expressivo da construo deuma memria coletiva que confere po-sitividade para a ocupao da rea, ba-seada na compreenso de que melhorque ela tenha sido ocupada, porque era

    utilizada por criminosos e isto produziainsegurana para os prprios operrios.A manuteno de rea de aproxi-

    madamente cem mil metros quadra-dos, coberta de rvores, em uma regioque possui atuao forte de redes sociais

    vinculadas a prticas do crime comumviolento se constitua em um problema

    para os operrios. Alm disso, os relatosapontam que a rea desocupada desper-tava diversos interesses. Os informantesoperrios relatam que algumas pessoasque no precisavam da casa estavaminteressadas em organizar uma ocupaopara moradia nesta rea e obter ganhos

    com a comercializao ilegal de terrenosposteriormente. Alguns entre estes pos-suam relaes com o banditismo local.

    Este aspecto sugerido em muitos rela-tos. Alm deste grupo minoritrio existiauma maioria de pessoas que realmenteprecisavam de moradia e que se organi-zaram com os primeiros com o objetivode ocupar a rea ociosa da fbrica. Essa a representao compartilhada por ope-rrios e membros do conselho de fbricasobre a composio do grupo que veio ainvadir a rea ociosa da fbrica.

    Os relatos dos dirigentes sugeremque inicialmente, o conselho de fbrica

    ficou confuso diante deste movimen-to. No se tratava de um movimentosocial organizado como o Movimentodos Trabalhadores Sem Teto (MTST),mas de um grupo heterogneo. Ummembro do conselho de fbrica afirmaque o agrupamento se caracterizava

    pela sua forma espontnea de orga-nizao e desvinculao a qualquerorganizao poltica, ou relao comoutros movimentos.

    Alguns militantes afirmam que emcerto momento o conselho de fbricapercebeu que no era possvel resistira este movimento de ocupao. Apesar

    da expulso dos ocupantes aps a pri-meira invaso, o conselho de fbrica to-mou conhecimento de que se preparavauma nova invaso.

    Diante desta situao desenvolveu--se a compreenso de que os operriosdeveriam procurar dialogar com os in-

    tegrantes desse movimento de ocupa-o para moradia, com o objetivo deorganizar conjuntamente com eles a

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    CASTRO, Paulo

    ocupao. Os operrios resolveram nomais confrontar o grupo de invasores ecederam o terreno para construo deum bairro. Aps esta deciso buscaramse associar aos invasores com o propsi-to de transformar o movimento espon-tneo de ocupao em um movimentoestruturado. Para isso, defendiam que omovimento deveria ir alm do interes-se imediato pela habitao e se colocar oobjetivo de construir um bairro dotadode infra-estrutura e provido de servios

    como sade e educao.

    O PROJETO DE URBANIZAOPARA A CONSTRUO DE UMBAIRRO POPULAR:A Vila Operria

    Aps a discusso entre lideran-as do grupo invasor e o conselho de

    fbrica, as duas partes chegaram aoacordo de que a ocupao seria or-ganizada, construda racionalmente,com mtodos que permitissem a cons-truo de um bairro popular e impe-dissem a favelizao da rea. O projetode urbanizao norteava a construode um bairro popular com lotes que

    seriam distribudos entre os invasorese os operrios da Flask, que tambmseriam contemplados.

    A partir deste acordo, trabalhado-res da Flask e membros do grupo in-

    vasor lanaram o Movimento de Mo-radia do Vale Bandeirantes e a luta

    pela Vila Operria e Popular.Nesta poca um jovem militante pe-tista que estudava arquitetura na UNESP

    de Bauru, Vincius, havia chegado parafortalecer a militncia poltica no inte-rior da fbrica. Vincius era militanteda esquerda marxista6 e conhecia PedroSantinho7 desde a militncia no movi-mento estudantil em Bauru. A chegadade Vincius foi considerada oportuna pe-los dirigentes do conselho de fbrica em

    virtude de seus conhecimentos de arqui-tetura, considerados de extrema utilida-de no momento em que estes dirigentesse colocavam a tarefa de construir um

    bairro popular. Isso era uma novidadepara o conselho de fbrica. Afinal, elessabiam gerir a fbrica, fazer atos polti-cos, marchas, mas no haviam aprendidoa construir um bairro. Vincius me re-latou que considera o aspecto mais im-portante de sua chegada a contribuio

    para a soluo de um problema tcnico,como transformar um negcio cheio deeucalipto em uma Vila, sem ter dinhei-ro.... Relatou que o primeiro passo foia elaborao de um pr projeto para aconstruo de um bairro popular. A idiade fazer um projeto de urbanizao foi asoluo encontrada pela comisso de f-

    6Esquerda Marxista uma corrente poltica interna doPT. uma organizao Trotskista que se originou de umadiviso da Corrente O Trabalho (antiga LIBELU) no anode 2005. Os principais dirigentes da Flask assim comodas outras fbricas ocupadas pelo MFO so militantesdessa organizao poltica.7Pedro Santinho o coordenador do conselho de fbricada Flask. Foi eleito para este cargo no ano de 2005 e temsido reeleito at o momento que escrevo este artigo em

    janeiro de 2015. Em 2003 Pedro Santinho era um jovemestudante universitrio da Unicamp, militante da esquer-da marxista, que resolveu trabalhar na fbrica para forta-lecer o trabalho desta organizao poltica.

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    brica. A preocupao em organizar o as-sentamento destes novos moradores re-fletia o interesse pela qualidade do bairroque se estava construindo, mas tambma preocupao sobre a relao entre estebairro e a fbrica. A coexistncia de umbairro encostado na fbrica.

    As diretrizes que nortearam o pro-jeto de urbanizao da rea de 100.000metros quadrados, segundo Pedro San-tinho e Vincius, correspondiam ao ob-

    jetivo de construir um assentamento

    slido. Segundo me informaram oprojeto de urbanizao visava cons-truo de um bairro, obedecendo sregras dos cdigos de postura. Os 235lotes iniciais tinham a dimenso de250 metros quadrados, o padro doscdigos de postura. O projeto da Vila

    Operria tambm previa ruas largas,nas quais fosse possvel o trfego denibus, espao reservado para escola,posto de sade, associao de morado-res, praa central, preservao da mar-gem do crrego que atravessa o terrenoe preservao de um Jatob, uma rvorecentenria que existia no terreno e foi

    preservada. Estas preocupaes refle-tiam a viso que a conselho de fbricatinha sobre o que seria um padro deurbanizao que garantisse qualidadede vida, mas tambm cumpria o objeti-

    vo, de que a forma da urbanizao favo-recesse a reivindicao de regularizao

    do bairro frente a prefeitura com as rei-vindicaes por infra-estrutura urbana,educao pblica, sade pblica, ilumi-

    nao, asfalto e saneamento.Assim, a elaborao e realizao

    do projeto de urbanizao constituemos momentos iniciais do engajamentodo conselho de fbrica no processo deconstruo de um bairro popular. Apartir de ento o conselho de fbricase empenha em organizar os morado-res da Vila Operria para aes coleti-

    vas visando regularizao do bairro.A partir do exposto evidencia-se

    que o engajamento do conselho de f-

    brica na construo do bairro j estabe-lece a abertura de uma nova dimensopoltica para a sua atuao. A organiza-o de um movimento social urbano.

    Como afirmamos anteriormente, aformao do grupo de invasores refleteo dficit habitacional da regio. Segun-

    do dados da Secretaria Municipal deHabitao de Sumar existem cerca de80 ocupaes clandestinas na cidade.

    A partir deste momento, o conse-lho de fbrica passa a atuar na luta pormoradia na regio. Alm da ocupaoda Vila Operria a comisso de fbricafortaleceu a sua aliana com o MTST,

    ajudando este movimento na organiza-o da ocupao Zumbi do Palmares8

    8A Ocupao Zumbi dos Palmares a maior ocupao doMTST no Estado de So Paulo. A rea da ocupao se es-tende por trinta mil metros quadrados no bairro Jardim De-nadai. Algumas reunies preparatrias para a ocupao fo-ram realizadas na Flask de onde saram alguns nibus paraa ocupao. Alm do apoio da comisso de fbrica, alguns

    trabalhadores da Flask atuaram diretamente na ocupao,montando barracas visando obter lotes para moradia. Du-rante o trabalho de campo fui levado por trabalhadores dafbrica para realizar observao participante nesta ocupao.

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    CASTRO, Paulo

    em um bairro prximo a Flask. A di-nmica urbana de Sumar levou o con-selho de fbrica a incorporar a questoda moradia ao seu repertrio conten-cioso, sem planejamento prvio.

    A AMBIVALNCIA DA RELAOENTRE A FBRICA E O BAIRRO:Alguns elementos conflitivos

    Os relatos dos dirigentes do conse-lho de fbrica indicam que eles se em-penharam em traduzir no interior do

    bairro que estava se formando, mtodosdeliberativos anlogos aos que existemna ocupao da fbrica. Tiveram xitoem fazer valer aspectos de democraciaparticipativa na fase inicial da constru-o da Vila Operria, o que se exem-plifica nos relatos sobre assembliasna fase inicial, cotizao para algumastarefas prticas como a terraplanagemetc. Apesar disso, afirmam que ao lon-go prazo, prevaleceu os interesses par-ticulares. Conseguiram implementarquase integralmenteo projeto de urba-nizao, mas no foi possvel manter ocontrole popular da ocupao, o que

    seria a traduo para o bairro do con-trole operrio da fbrica.

    Os integrantes do conselho de fbri-ca, socialistas, relatam que tiveram notexto A questo da Habitao de En-gels uma de suas fontes de inspiraopara pensar os problemas que envol-

    viam a construo do bairro. Conver-sando com estes militantes pude ouvirvrias vezes citaes e avaliaes sobre

    a relevncia desse texto e a afirmaode que a luta pela moradia sustentadamaterialmente pela perspectiva peque-no burguesa que valoriza a obtenoda propriedade. Ouvi destes militantesa avaliao de que o conjunto heterog-neo formado pelos moradores da Vilano permitia que se conformasse en-tre eles uma comunho de interessescomo no caso da ocupao da fbrica.

    Apesar disso relatam que lutaramcontra as perspectivas individualistas

    no interior da ocupao. Entre as pro-posies do conselho de fbrica parao encaminhamento da construo dobairro destaca-se: a) defesa de formasdemocrticas de deliberao coletiva, b)construo coletiva de moradias contraa autoconstruo, c) luta contra a espe-

    culao imobiliria e comercializaodos lotes d) esforo para a construode aes coletivas visando conquistadas reivindicaes frente prefeitura.

    Este foi o repertrio de propostas deao apresentado pelos dirigentes da f-brica com o objetivo de unificar a aodos operrios e demais moradores da

    Vila Operria. Este repertrio de aese de prticas foi confrontado devido aexistncia de outras formas de orienta-o da ao e tambm por outras prti-cas sociais, baseadas em outros princ-pios, no interior da ocupao.

    Conforme mencionado anterior-

    mente, os relatos informam sobre a pre-sena, desde a fase inicial da ocupao,de indivduos que desejavam auferir lu-

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    cros e que percebiam esta possibilidadeatravs da venda de lotes, comercializa-o de materiais de construo, entreoutros expedientes. A presena dessesindivduos influiu a vida cotidiana nointerior da Vila Operria.

    Este grupo buscou influenciar aassociao de moradores para queesta deliberasse pela obrigatoriedadede cada ocupante construsse a casade alvenaria, ao fim do prazo de seismeses da entrega do lote. Muitos mo-

    radores no tiveram os meios econ-micos e se viram coagidos a vender osterrenos. Outros encontraram a sadade vender metade do lote. O objetivoera obter com a venda de metade dolote, o dinheiro necessrio para cons-truo da moradia e dessa forma, no

    ter que sair da Vila Operria.Alguns destes indivduos interessa-dos em auferir lucros, eram pequenoscomerciantes, possuam uma relati-

    va fora econmica frente ao conjun-to de moradores mais necessitados.Compraram terrenos daqueles queno podiam construir e revenderam

    lucrativamente. Alm do recurso eco-nmico, alguns indivduos deste grupoinsinuavam a possibilidade de uso dafora, pelo fato de se relacionarem compessoas ligadas ao mundo do crime.Segundo os relatos, aps cerca de trsanos de atuao no interior do bairro

    esse grupo se ausentou da Vila Oper-ria. Os relatos que obtive no me per-mitem uma avaliao conclusiva sobre

    a motivao do afastamento do grupode comerciantes. Devo dizer que meusinterlocutores no gostavam de falarmais extensamente sobre este assunto.

    As representaes de operriose moradores da Vila a respeito destegrupo no so homogneas. Algunsinformantes possuem uma viso nega-tiva sobre estes indivduos, qualifican-do-os como bandidos outros no soto severos e ressaltam que eles nuncase colocaram contra a luta da fbrica.

    Ouvi de alguns informantes, inclusivemilitantes socialistas da fbrica, quetais indivduos so amigos da fbrica.As percepes conflitantes a respeitodeste grupo, provavelmente refletem aforma como fluem as interaes sociaisno contexto de uma localidade. Re-

    firo me a intensidade das interaesface a face e a multiplicidade de vncu-los constitudos na localidade. (Leeds,1978). Vnculos pessoais, que podemse basear em afeces diversas, ou atmesmo no clculo que um moradorpossa ter sobre a possibilidade de obteralgum benefcio na relao com estes

    indivduos. A relativa fora econmica,j referida em parte anterior deste textonos permite construir esta hiptese.

    Em alguns casos, os indivduos dogrupo de comerciantes contriburampara o sucesso de aes coletivas, dis-ponibilizando recursos ou cooperan-

    do para a obteno de recursos que assustentassem. As aes coletivas orga-nizadas para levar reivindicaes pre-

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    CASTRO, Paulo

    feitura ocasionavam melhorias para alocalidade e geravam valorizao paraos lotes da Vila Operria, fato que in-teressava a este grupo. importanteressaltar que estes indivduos se interes-savam em remover obstculos concre-tizao de seus propsitos econmicos.Por esse motivo, criavam obstculosbuscando impedir as prticas de demo-cracia participativa no interior da VilaOperria. Contudo, no se opuseram aorganizao de aes coletivas visando

    melhorias para o bairro. Tambm nofizeram oposio a luta pela estatizaoda Flask. Os relatos e os dados obtidosna observao participante, ao contr-rio, sugerem que em muitos momentoseles se engajaram em mobilizaes or-ganizadas pelo conselho de fbrica.

    Alm disso, relatos sobre a resistn-cia dos operrios da fbrica a tentativado Interventor nomeado para a gestoda Cipla aps a interveno federal naCipla em 2007 -de assumir o controleda Flask no ano de 2007, revelam queindivduos do grupo de comerciantesajudaram os trabalhadores da fbrica a

    impedir a entrada do interventor na f-brica. Ajudaram a mobilizar morado-res da Vila Operria e de bairros pr-ximos para defender a ocupao dafbrica. Este foi um momento crticoem que a ocupao poderia ser encer-rada. O apoio destes homens aos ope-

    rrios neste instante crucial configuraalgo extremamente significativo para acompreenso sobre a ambivalncia da

    relao deste grupo com o conselho defbrica e com o conjunto dos operriosda Flask. Uma convivncia oscilante,pendular, que encerrava momentos detenso intercalados com momentos decooperao. Apesar de competiremcom o conselho de fbrica em relaoaos princpios de estruturao da vidacotidiana no interior do bairro, - fatoque instaurava uma dinmica tensana localidade, como se ver a frente -cooperavam com o conselho de fbri-

    ca para a organizao de aes coleti-vas que envolviam moradores da VilaOperria. Tambm se engajavam emaes coletivas organizadas pelos ope-rrios com o propsito de defender aocupao da fbrica.

    Para exemplificar a ao do grupo

    cito o relato de uma antiga moradorasobre a venda de lotes ainda na fase ini-cial da Vila Operria e os conflitos gera-dos por esta comercializao:

    depois de estarem os terrenostodos distribudos. Comearamas vendas do local e isso foi

    enfraquecendo, provocando umainsatisfao nas outras pessoas.Porque a gente deixou reascentrais para a gente ser umbairro bem urbanizado, para noter dificuldade de ser aprovado.Aonde se ocupou a margem do

    rio prximo l, hoje o pessoal dahabitao questiona que a reado rio est ocupada, mas ela

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    tinha sido ocupada h quatroanos, ela j tinha sido ocupada. Altima rua que bem prxima aocrrego. As pessoas ficaram insa-tisfeitas com um ano ai comeoua mostrar aquela insegurana quecomeou a aparecer com a erosodo rio. Ai houve umas desaven-as, uns desacordos. As assem-blias davam sempre um conflitomuito grande por ter um nmeroextensivo de pessoas. Bastantes

    atritos foi muito difcil esse come-o. Pessoas que puderam ficar noslotes que eles achavam que erambons, comeou a ver que eles po-deriam ficar com um lote melhorque tinha sido deixado para seruma determinada rea, mas de-

    pois a gente j tinha descobertoque j tinha sido vendido, que ti-nha sido loteado tambm. Esse foio grande incio das confuses davila operrio.

    Atravs deste relato possvel ob-servar algumas conseqncias da ao

    do grupo de comerciantes. A insatisfa-o de moradores que participaram dafase inicial da ocupao do terreno, fi-cando acampados em baixo de lonas eque neste momento, observavam a co-mercializao de lotes bem posiciona-dos. A venda de terrenos nas margens

    do crrego constitui outro episdiocujas conseqncias so observadasat o momento em que escrevo este

    trabalho. Estes terrenos foram lotea-dos em uma rea que se localiza namargem do Rio Tijuco Preto que passano interior da Vila Operria. Esta readeveria permanecer desocupada como objetivo de preservar a margem docrrego, conforme a planta de ocupa-o da rea no projeto de urbanizao.O loteamento de terrenos na margemdo crrego tem efeitos negativos nasnegociaes que se realizam com aprefeitura buscando a regularizao da

    ocupao no momento atual.Os relatos que obtive indicam que

    a atuao do grupo de comerciantesse estendeu do incio da ocupaoda Vila Operria no ano de 2005 atmeados de 2008. Aparentemente apartir desta data o grupo se desinte-

    ressou pelas atividades que at entodesenvolviam na Vila Operria.Para viabilizar essas aes de ven-

    da e revenda de lotes e apropriao dereas de uso coletivo da Vila Operria, ogrupo buscou ter influncia sobre a as-sociao de moradores do local. Algunsrelatos trazem a informao de que

    ainda nos primeiros anos da ocupaoas assemblias regulares deixaram deocorrer e que um dos comerciantes seauto - nomeou presidente da associa-o de moradores da Vila Operria. Se-gundo um informante este grupo ficouno poder por trs anos, quando fizemos

    a primeira eleio em 2008.O esforo do grupo de comerciantespara enfraquecer os espaos de delibe-

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    rao coletiva correspondia ao objetivoque tinham de no permitir o fortale-cimento de instituies locais baseadasem forte participao, que poderiam seconstituir em obstculos para a conse-cuo dos propsitos do grupo.

    As aes de venda ocorriam semo conhecimento de todos e o conheci-mento sobre o loteamento e venda deuma rea ocorria ps facto. As aesdo grupo alteraram aspectos do projetode urbanizao. O relato tambm regis-

    tra o descontentamento gerado em mo-radores da Vila Operria com as aesdo grupo. interessante perceber o quea entrevistada nomeia como grandeincio das confuses na Vila Operria.Um aspecto que caracteriza o inciodas confuses segundo a entrevistada,

    se relaciona com a insatisfao manifes-tada por alguns moradores quando per-ceberam que algumas reas destinadasao uso coletivo foram loteadas. Muitosdesses moradores haviam participadodo acampamento, dormindo na lonapreta no incio da ocupao e se sen-tiam injustiados.

    A descrio do incio das confu-ses na Vila Operria parece, portanto,indicar que as prticas do grupo de co-merciantes introduziram uma forte ten-so nas relaes entre o bairro e a fbri-ca, mas tambm nas interaes sociaise no cotidiano dos moradores da Vila

    Operria. Utilizando recursos econ-micos, que possibilitavam um conjun-to de aes como a compra de lotes, a

    compra de matrias de construo pararevenda entre outras prticas o grupo sefortaleceu e passou a exercer influnciae controle na associao de moradoreslocal. A ao deste grupo se consolidavacom a insinuao do uso da fora comorecurso de poder nas interaes coti-dianas. Assim, se consolidou no inte-rior da Vila Operria uma gramtica,uma estrutura de organizao de prti-cas sociais, conflitante com a gramti-ca poltica do conselho de fbrica. Este

    fato se constitui em um dos principaisaspectos que definem a configurao deuma realidade tensa no interior da VilaOperria. Contudo, os relatos obtidossugerem que nunca ocorreu um con-fronto aberto entre os dois grupos9. Elescoexistiram configurando uma reali-

    dade permanentemente negociada. Asduas gramticas coexistiram no interiorda Vila Operria at o momento em queo grupo de comerciantes se ausentou dolocal no ano de 2008.

    As informaes nos apresentam umcenrio que evidencia que o conselhode fbrica no obteve xito em coor-

    denar a construo da vila Operria,operando com as oposies internas no

    9As duas gramticas coexistiram no interior da Vila Oper-ria at o momento em que o grupo de comerciantes se au-sentou do local no ano de 2008. Cada um dos dois grupos portador de uma gramtica, uma estrutura de orientaodas aes baseada em princpios distintos. Apesar disso, acoexistncia dessas duas gramticas na localidade da Vila

    Operria no determinou a irupo de uma conflitualidadeque levasse a que um grupo se ausentasse da localidade. Osdois grupos coexistiram e se ajustaram configurando umarealidade tensa e permanentemente negociada.

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    bairro, conforme pretendiam os seusmembros, apesar de afirmarem que ti-nham conscincia das dificuldades parao xito deste objetivo.

    As interaes e relatos que obtive du-rante trabalho de campo, indicam que odesenvolvimento da Vila Operria instau-rou uma dinmica prpria no Bairro, in-dependente fbrica. Porm, a fbrica e obairro se mantm ligados por ocuparemum mesmo terreno, que propriedade daCipla. importante destacar, que a Vila

    Operria no presente momento, aps asada do grupo de comerciantes, possuiuma direo eleita para a associao demoradores. O grupo de dirigentes atuaismantm relaes polticas com a comissode fbrica e desenvolve aes coletivasvisando decretao de Utilidade Pblica

    Municipal da rea da fbrica conjuntamentecom a comisso de fbrica. Estes dirigentesatuais so moradores da Vila desde o incioda ocupao e possuem caractersticasfortemente diferenciadas as do grupo decomerciantes. Assim como os dirigentes dacomisso de fbrica, tambm so militantesdo PT, mas de outro grupo poltico.

    Apesar de cooperarem com a comisso defbrica da Flask, possuem algumas visesdiferentes sobre como deve ser conduzida aluta pela regularizao do bairro.

    Em todos os seis anos de ocupaoda Vila Operria, a associao local de-senvolve aes coletivas conjuntamente

    com a Flask. Pode-se dizer que a co-misso de fbrica organiza as mobili-zaes da Vila Operria e a representa

    publicamente, o que em parte pode sermotivado pela relativa fraqueza da as-sociao de moradores local, que at oano de 2008 foi controlada pelo grupode comerciantes, que conforme de-monstrado anteriormente, procurouenfraquecer o associativismo local.

    Esta constatao, no obscurece ofato de que apesar de todas as mudan-as ocorridas no bairro, como altera-es na composio social dos mora-dores, intrigas contra o conselho de

    fbrica, desacordos, conflitos, este con-tinuou sendo capaz de influenciar umaparte significativa dos moradores. Issoprovavelmente se deve a legitimidadealcanada pelo fato de ter organizado eparticipado de todas as aes coletivasda Vila Operria, que na maior parte

    das vezes ocorrem conjuntamente comos operrios da fbrica.

    A INCLUSO DA LUTA PORMORADIA NO REPERTR I O C O N T E N C I O S O D OCONSELHO DE FBRICA:A articulao da luta em defesa

    dos postos de trabalho com a lutapela regularizao do bairro:

    Durante os anos de 2010 e 2011ocorreu um crescimento das aes co-letivas que buscam melhorias para aVila Operria, como ser demonstradoadiante. A observao sobre esse pro-

    cesso indica que as tenses na relaoentre a fbrica e a localidade, que emparte se originam na atuao do grupo

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    CASTRO, Paulo

    de comerciantes, no impediram quea partir do ano de 2010 operrios daFlask e moradores da Vila Operriase unissem em aes coletivas que bus-cavam melhorias para a localidade e adecretao da Utilidade Pblica Muni-cipal de toda a rea da fbrica. A descri-o sobre este processo tem o propsitode demonstrar como o surgimento ecrescimento do bairro influenciou emmodificaes na forma como o conse-lho de fbrica organiza a mobilizao

    poltica visando manuteno do fun-cionamento da fbrica.

    A campanha pela decretao de In-teresse Social de toda a rea da fbricase desenvolve atravs de passeatas, atospolticos no centro de Sumar, inter-

    venes na tribuna livre da Cmara

    Municipal de Sumar etc.Como sabemos, a Vila Operria ea fbrica esto situadas em um mesmoterreno, que propriedade da Cipla. Osoperrios justificam a campanha ale-gando a responsabilidade da prefeituracom a manuteno dos postos de tra-balho, das moradias da Vila Operria e

    das atividades culturais e esportivas daFbrica de Esporte e Cultura. Afirmamque a Vila Operria, assim como a F-brica de Esportes e Cultura so produ-tos da ocupao da fbrica pelos traba-lhadores e que em caso de fechamentoda fbrica, seria questo de tempo, um

    pedido de reintegrao de posse e aconseqente remoo dos moradoresda Vila Operria. A Campanha pela

    decretao da Utilidade Pblica Muni-cipal de toda a rea da fbrica expressaa compreenso da comisso de fbricade que a ocupao da Flask transfor-mou toda rea da fbrica. O que an-tes era uma fbrica abandonada comgalpes destrudos e com um terrenoque s servia para a desova de cad-

    veres transformou-se completamente,servindo hoje para usos sociais, comomoradia e cultura. Por isso, compreen-dem que a prefeitura deve se responsa-

    bilizar pela garantia jurdica da manu-teno dessa rea com seus usos sociaisque se configuram como o exercciode direitos sociais fundamentados ga-rantidos em vrias normas legais e in-clusive na Constituio Federal. Almdisso, afirmam que a defesa dos postos

    de trabalho da fbrica tambm umaobrigao da prefeitura.Ao desenvolver atividades culturais

    e esportivas no interior do territrioda fbrica, esta se tornou uma fbri-ca aberta que transforma o uso dassuas instalaes, que durante a gestopatronal eram utilizadas unicamente

    para a produo ou especulao.O site das fbricas ocupadas,

    mantido por operrios da Flask seconstitui em importante fonte de in-formaes sobre as mobilizaes rea-lizadas pelos trabalhadores da fbri-ca. Este site inaugurado no incio do

    ano de 2010 alimentado por postscolocados frequentemente (vriasvezes por semana) no site. No site se

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    encontram matrias produzidas pelafbrica sobre as mobilizaes da VilaOperria. A quantidade de matriassobre a Vila Operria sugere o cres-cimento da mobilizao social nobairro entre os anos de 2010 e 2011.A sistematizao dos fatos coligidosatravs de observao participan-te, entrevistas e anlise de materiaisimpressos, produzidos pela fbrica,especialmente as edies do jornalAteno, sugerem que entre os anos

    de 2010 e 2011 a questo da moradiapassou a receber maior espao nosmeios de comunicao da fbrica.

    Alm da luta da Flask e da VilaOperria, nesse conjunto de docu-mentos se encontram matrias so-bre a luta por moradia na regio de

    toda a grande So Paulo, mas prin-cipalmente na regio de Campinas,Sumar, Hortolndia. Encontram-sematrias sobre atividades do MTSTe tambm sobre a criminalizao dedirigentes desse movimento social.Este fato sugere que a questo da lutapor moradia ganhou vulto na comu-

    nicao da fbrica atravs da Internete nos documentos impressos.

    Alm da editoria sobre a questo damoradia, os meios de comunicao dafbrica passam a veicular mais matriassobre atividades culturais e esportivasdesenvolvidas pela Fbrica de Esporte e

    Cultura que surge no ano de 2009. Este o perodo em que se consolida a transi-o em que a fbrica deixa de dar nfase

    apenas ao conflito entre os interesses depatres e operrios e passa a tratar estetema conjuntamente com outros temas,relativos problemtica urbana.

    Em 2010 j haviam passado 5 anosda ocupao da Vila Operria. A ques-to da moradia, atravs da luta pela in-

    vaso e ocupao de terrenos ociososj havia se tornado um aspecto do re-pertrio de lutas da fbrica, pois almda Vila Operria, como j dissemos, aFlask j havia, atravs da sua relao

    com o MTST, ajudado a organizar emSumar a Ocupao Zumbi dos Palma-res no ano de 2008. A consolidao daFbrica de Esportes e Cultura, a par-tir da cesso de um galpo da Fbricapara a Associao DIB de Esportes, eraproduto do amadurecimento de um

    relacionamento de 3 anos com estaassociao e de uma prtica de desen-volvimento de atividades culturais nafbrica desde o incio da ocupao.

    Depois de 7 caravanas a Brasliarealizadas pelo MFO, audincia P-blica na Cmara Federal e inmerasaudincias com autoridades de Bra-

    slia, j se tornava evidente para ostrabalhadores da Flask que o gover-no federal no atenderia o pleito pelaestatizao da fbrica.

    Esta contextualizao necess-ria para a compreenso do papel quea existncia da Vila Operria jogou na

    prpria evoluo da ocupao da fbri-ca e nas forma da fbrica ocupada reali-zar as suas reivindicaes

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    CASTRO, Paulo

    A LUTA PELA DECRETAO DAUTILIDADE PBLICA MUNICIPAL:A estruturao das aes cole-tivas e as conquistas obtidas

    Em 2010 quando comearam a se de-senvolver aes coletivas pela decretaoda Utilidade Pblica Municipal, aps 5anos de ocupao, o bairro ainda careciade infra - estrutura. Possua uma rede degua potvel semi improvisada. Estarede era produto de ligaes clandestinasfeitas em pontos de gua comunitrios,

    que a prefeitura instalou no local, atravsde muita presso dos moradores e da f-brica. Apesar disso, muitos moradores ain-da possuam poos artesianos, talvez pelofato de que o racionamento e a dificuldadede acesso gua ainda eram constantes.Havia energia eltrica nas casas, fruto de

    negociaes com a concessionria de ener-gia local (CPFL), que fez a instalao aindano primeiro ano da ocupao, mas aindano havia iluminao pblica nas ruas.Tambm no existia rede de esgotamentosanitrio e de guas pluviais e asfaltamen-to. Os moradores continuavam temendofortemente a possibilidade de uma remo-

    o, tendo em vista que o Interventor daCipla, que proprietrio do terreno ondese encontram a Vila Operria e a fbrica,tem nomeado o terreno para ir a Leilo emprocessos ajuizados por credores da Cipla,conforme me relatou o advogado da fbri-ca, Alexandre Mandl.

    Diante deste quadro a associao demoradores local se engajou na campanhapela decretao da Utilidade Pblica Mu-

    nicipal proposta pelo conselho de fbrica.No dia 10/02/2011 o conselho de fbricacom o apoio da associao de moradoresda Vila Operria conseguiu organizar umato com cerca de 300 pessoas no centrode Sumar. Partiu da fbrica um nibuscheio de moradores da Vila Operriapara participarem do ato. Esta ativida-de teve repercusso na imprensa local eao final do ato formaram uma comissomista de operrios da fbrica e morado-res da Vila que foi recebida por secret-

    rios de governo da prefeitura municipal.A ata da reunio registra o compromissoda prefeitura em seguir o dilogo sobrea viabilidade da decretao da UtilidadePblica Municipal. A prefeitura se com-prometeu ainda em avaliar em carter deurgncia as reivindicaes de gua e es-

    goto para Vila Operria.Em junho de 2010 um projeto de au-toria do Departamento de gua e Esgoto(DAE) da prefeitura de Sumar apro-vado na Cmara Municipal de vereado-res. Este projeto determina que o DAEdeve fornecer gua em toda ocupaopara moradia que ocorra em Sumar

    mesmo que esta ocupao no esteja re-gularizada. Alexandre Mandl, consideraque a aprovao deste projeto de lei foiem certa medida conseqncia da lutada Flask e da Vila Operria. Acreditaque a aprovao do projeto foi aceleradapelo incio da campanha pela Utilidade

    Pblica Municipal. Segundo Alexandre,logo que ocorreu a ocupao da rea daVila Operria em 2005, os trabalhadores

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    da fbrica deram entrada em um proces-so no Ministrio Pblico (M P) visandogarantir os interesses dos moradores.Desde ento, o MP exerce presso sobrea prefeitura. Alexandre acredita que apresso do MP somada a campanha peladecretao de Utilidade Pblica fizeramcom que a prefeitura aceitasse a aprova-o deste projeto de lei.

    A comisso de fbrica aproveitoua aprovao do projeto de lei da DAEpara exercer presso sobre a prefeitura

    exigindo a instalao da rede de gua naVila Operria. Durante todo o ano de2010 exerceu presso atravs de matrias

    veiculadas no Jornal Ateno e de atospblicos. Na edio de outubro de 2010

    veicula uma matria com o seguinte ttu-lo: Prefeito abandona a Vila Operria,

    denunciando que apesar da aprovaoda lei em junho o prefeito ainda no ha-via instalado a gua na Vila Operria.No dia 16/11/2010 realizam outro atona frente da prefeitura exigindo o cum-primento das reivindicaes com nfasena instalao de rede de gua e esgoto naVila Operria. Esta mobilizao era con-

    tinuidade da luta pela decretao da Uti-lidade Pblica Municipal. Neste ato a co-misso de fbrica contou com o apoio doMST, MTST, estudantes da UNICAMP,sindicato dos qumicos e vidreiros deSo Paulo e metalrgicos de Jacare.

    No incio de 2011 a comisso de f-

    brica continuou pressionando a prefeitu-ra com audincias, mobilizaes e compublicaes no Jornal Ateno de mat-

    rias exigindo melhorias para o bairro.No dia 31 de maro de 2011 como

    produto das mobilizaes da campanhapela Utilidade Pblica Municipal, ocor-reu uma audincia Pblica na CmaraMunicipal de Sumar. A convocaoda audincia pblica foi apoiada pelos

    vereadores Niraldo Siqueira (Pcdob) eGeraldo Medeiros (PT). Estes vereado-res conforme relatos de operrios da f-brica sempre apoiaram a luta da Flask.Niraldo Siqueira foi operrio da Flask

    antes da ocupao da fbrica, no pe-rodo da gesto patronal. O prefeito deSumar no esteve presente na audin-cia Pblica, mas se fez representar peloseu chefe de gabinete, Sr. Paulo Zeirack.A prefeitura tambm foi representadapelo Secretrio Municipal de habitao

    Sr. Luiz Eduardo e pelo presidente doDAE (Departamento de gua e Esgoto).Alm dos dois vereadores apoiadores daluta da fbrica, estiveram presentes ou-tros dois: Jos Tavares Siqueira (PPS) eToninho da Farmcia (PSDB).

    A comisso de fbrica conjunta-mente com a associao de moradores

    conseguiu mobilizar cerca de 150 pes-soas para a audincia pblica. Alm demoradores da Vila, operrios e familia-res, estiveram presentes os apoiadoresdo MST e do MTST. A Comisso defbrica conseguiu ainda trazer Rober-to Simes, membro do Diretrio Na-

    cional do PT, que solidrio a luta dafbrica. Alm de Roberto Simes esti-veram presentes o vereador Roque do

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    CASTRO, Paulo

    PT de Bauru/ SP e o vereador AdlsonMariano do PT de Joinville/SC.

    As informaes citadas acima cum-prem o objetivo de demonstrar o de-senvolvimento da campanha pela De-clarao de Interesse social, no perodocompreendido, entre janeiro de 2010,data do lanamento da campanha e mar-o de 2011, quando ocorre a AudinciaPblica na Cmara Municipal. Nesteperodo ocorreram vrias reunies comautoridades municipais. A comisso de

    fbrica organizou um seminrio queocorreu na fbrica sobre a regularizaoda Vila Operria, dois atos pblicos nocentro de Sumar e a Audincia Pblicana Cmara Municipal.

    No dia 5 de abril de 2011, menosde uma semana aps a realizao da

    Audincia Pblica a prefeitura iniciaas obras para a instalao da rede deabastecimento de gua na Vila Oper-ria. Este dado sugere a importncia dacampanha pela Declarao de InteresseSocial para a obteno de melhorias naVila Operria, quando se observa queesta conquista ocorre pouco aps se

    completar um ano do lanamento dacampanha pela decretao da UtilidadePblica Municipal. Desde 2005 a VilaOperria dependeu da fbrica para oseu abastecimento de gua.

    No dia 12 de junho de 2011 os traba-lhadores levaram a luta pela Declarao

    de Interesse Social da Fbrica para Bras-lia, onde ocorreu uma Audincia Pblicano Senado Federal para discutir a situa-

    o da Flask. Esta foi a terceira Audin-cia Pblica realizada em uma casa legis-lativa para discutir a situao da Flask.A primeira Audincia Pblica ocorreuem junho de 2009 na Cmara federal emBraslia, convocada pelo Deputado Fe-deral Fernando Nascimento (PT/PE). Asegunda na Cmara Municipal de Suma-r, conforme citado anteriormente. Estaltima Audincia Pblica no Senado Fe-deral foi convocada pelo Senador Eduar-do Suplicy (PT/SP), que sempre ofertou

    apoio s lutas da Flask, e pelo SenadorPaulo Paim (PT/DF).

    Conforme demonstrado atravs dadescrio das principais atividades daCampanha pela Declarao de InteresseSocial de toda a rea da fbrica a partirdo ano de 2010, a influncia dos fen-

    menos urbanos e a respostas criativasdos trabalhadores frente s situaescontingentes que envolvem o cotidianoda fbrica, determinaram o surgimen-to de uma dinmica atravs da qual osoperrios criaram inovaes no repert-rio contencioso que herdaram do Movi-mento das Fbricas Ocupadas. A partir

    do ano de 2010 a luta em defesa dos pos-tos de trabalho se tornou indissocivelda luta por moradia e pelo direito aoacesso da populao do entorno s ati-vidades esportivas e culturais desenvol-vidas no interior da fbrica.

    Para evitar o isolamento causado

    pela interveno federal na Cipla noano de 2007, os operrios da Flaskdesenvolveram novas alianas com

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    A FBRICA, O BAIRRO E O PROTESTO POLTICO

    movimentos sociais urbanos como oMTST e definiram novos meios con-tenciosos para a mobilizao em defesado funcionamento da fbrica. Alm dedenunciar a injustia sofrida pelos ope-rrios, que vivenciam uma situao deprecariedade desde que decidiram ocu-par a fbrica para manter seus postosde trabalho, o conselho de fbrica pas-sou a associar a luta em defesa dos pos-tos de trabalho com a interveno nosconflitos urbanos de Sumar. Lutando

    pela regularizao da Vila Operria ePopular e apoiando as ocupaes doMST, o conselho de fbrica agregououtras fontes de indignao luta po-ltica da Flask, que antes se restringiaa denncia da situao econmica dosoperrios. Associando a luta dos oper-

    rios com a luta pela moradia da popu-lao carente da periferia de Sumar, oconselho de fbrica props a mobiliza-o pela decretao de Utilidade Pbli-ca Municipal de toda a rea da fbrica.

    CONCLUSOEste trabalho abordou algumas di-

    menses da resistncia dos operrios deuma fbrica recuperada, localizada nointerior de So Paulo. J se passou muitotempo desde que, em junho de 2003, osoperrios realizaram a ocupao da f-brica e assumiram a gesto da produo.

    Realizamos a observao sobre o

    processo de transformaes no repert-rio contencioso mobilizado, que susten-ta a resistncia dos operrios.

    Antes de tudo, importante notarque as aes coletivas desenvolvidas pe-los operrios da Flask se desenrolam emdiversas escalas espaciais. Nas fases ini-ciais da ocupao, o conselho de fbricaparticipou conjuntamente com o MFO,de redes transnacionais de movimentosde recuperao de fbricas, tendo a re-gio Latinoamericana como referncia.O MFO organizou conjuntamente com oMNER da argentina e com a FRETECOda Venezuela Io. E o IIo. Encontros Lati-

    noamericanos de fbricas recuperadas.A fbrica tambm participou, entre

    os anos de 2003 e 2007 de diversas mar-chas Braslia exigindo a estatizaodas fbricas ocupadas brasileiras.

    A partir do ano de 2010, ocorreuma territorializao da luta poltica

    da fbrica, que se manifesta atravs doenvolvimento com lutas urbanas na ci-dade de Sumar e campanhas reivindi-cativas dirigidas prefeitura municipal.

    importante considerar, como, nocontexto da globalizao econmica, ainfluncia das diversas escalas espaciais,dos lugares, decisiva para a anlise

    de movimentos sociais que desenvol-vem aes coletivas dotadas de radica-lidade, desenvolvendo um contrapontoao desenvolvimento abstrato da moder-nidade capitalista.

    Como afirmamos, a relao coma problemtica urbana da periferia

    da cidade de Sumar, levou o conse-lho de fbrica da Flask a desenvolveruma prtica urbana.

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    CASTRO, Paulo

    Ao acolher no interior da fbrica ascarncias materiais e subjetivas da po-pulao pobre do meio ecolgico noqual a fbrica est inserida, ocorreu atransformao da prpria organizaofsica do territrio da fbrica. Esse pro-cesso foi descrito, atravs da formaoda Vila Operria em 2005 e da Fbricade Esportes e Cultura em 2010.

    A construo da Vila Operria apartir do ano de 2005, inaugurou a par-ticipao do conselho de fbrica em

    lutas urbanas, decorrentes daquilo queDavid Harvey nomeia como acumula-o por despossesso (Harvey, 2013).

    O presente trabalho se dedicou es-pecificamente a demonstrar atravs depesquisa etnogrfica e historiogrfica, arelao entre a fbrica e a Vila Operria e

    Popular e sobre como o surgimento des-se bairro no territrio da fbrica influiupara as transformaes na estratgia ar-gumentativa e no repertrio contenciosoutilizado pelo conselho de fbrica. Apre-sentamos alguns aspectos da memriacoletiva dos operrios sobre o surgimen-to e desenvolvimento do bairro e o en-

    volvimento do conselho de fbrica comas lutas pela regularizao do bairro.

    Com a campanha pela decretao daUtilidade Pblica de toda a rea da f-brica, dirigida prefeitura de Sumar, seevidencia a territorializao da luta po-ltica da Fask. Ocorre um processo em

    que a luta operria, pelo direito ao tra-balho, originada a partir de um conflitolocalizado na esfera da produo fabril

    se torna indissocivel da luta pelo direito cidade, de um coletivo mais amplo queo grupo operrio, que tambm se benefi-cia da ocupao da fbrica. Tais transfor-maes nos usos da fbrica e no prpriocarter do confronto poltico estrutura-do pelo conselho de fbrica ocorre deforma impremeditada. So consequn-cias inesperadas da ao coletiva destesoperrios. Dessa forma, mesmo que sejasem saber, desenvolvem uma estrat-gia urbana. A estratgia urbana consiste

    em arrancar a prtica social prticaindustrial para orient-la em direo prtica urbana. (Lefebvre,2008, pp.76).

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