Artigo Por Dentro Do Arco Real

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Por dentro do Arco Real Richard Sandbach “Amor Fraternal, Ajuda...” (1989) Os dois discursos finais foram uma tentativa de recapitular e resumir, tanto quanto possível, uma filosofia do Arco Real. A abordagem de um assunto como esse está sujeita a ser bastante individual, mas apresentar o seu próprio pensamento pode ajudar os leitores a forma suas próprias opiniões. Quando proferidos, os discursos não tinham, e não têm, a intenção ou propósito de ser didáticos. Um problema, em particular, surgiu em função das revisões do Ritual, revisões que a maioria, não todos, dos Companheiros aprovou; isso estava em andamento antes de as Igrejas (e mais sensacionalmente a imprensa) iniciarem as “investigações” que muitas vezes pareciam emocionais, se não histéricas, e que, em alguns casos dificilmente poderiam ter a sua precisão elogiada. Mas os princípios básicos da Franco-Maçonaria permanecem imutáveis e, assim, surge a pergunta: “Será que a Franco-Maçonaria, pode ser vista como uma cria do passado, é relevante ao mundo de hoje, às portas do século XXI?”. A resposta a essa pergunta tinha de ser dada à Maçonaria em geral, antes que alguém pudesse pensar no significado e na importância do Arco Real. A tentativa de ajudar os Companheiros de minha Província a ver em perspectiva os problemas dos últimos anos, de certa forma abreviou o tempo para tais discussões; mas por outro lado, ocorreu um inesperado e positivo resultado de todo esse rebuliço e agitação: a tarefa de revisar o Ritual tornou-se muito mais fácil do que se poderia ser de outra forma. A última vez em que o ritual fora oficialmente revisado ocorreu em 1832/1835, quando uma comissão, que contava com uma expressiva representação dos padres anglicanos, foi nomeada para essa finalidade pelo HRH Grão-Mestre, o Duque de Sussex; sem o estímulo proporcionado, em particular, pelas igrejas, a questão da revisão poderia muito bem arrastar-se por algum tempo. Assim, sob o ponto de vista de Maçonaria e particularmente, do Arco Real, houve alguma compensação pelo dano que, sem dúvida, foi causado aos sentimentos dos muitos franco- maçons tementes a Deus. Agora, restavam apenas dois anos, e a pressão estava sendo exercida por mim; o discurso de 1989 foi, portanto, o primeiro dos dois discursos que contemplaram essas relevantes e significativas questões.

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Artigo, sobre amor fraternal e o Arco Real

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Por dentro do Arco RealRichard Sandbach

“Amor Fraternal, Ajuda...” (1989)

Os dois discursos finais foram uma tentativa de recapitular e resumir, tanto quanto possível, uma filosofia do Arco Real. A abordagem de um assunto como esse está sujeita a ser bastante individual, mas apresentar o seu próprio pensamento pode ajudar os leitores a forma suas próprias opiniões. Quando proferidos, os discursos não tinham, e não têm, a intenção ou propósito de ser didáticos. Um problema, em particular, surgiu em função das revisões do Ritual, revisões que a maioria, não todos, dos Companheiros aprovou; isso estava em andamento antes de as Igrejas (e mais sensacionalmente a imprensa) iniciarem as “investigações” que muitas vezes pareciam emocionais, se não histéricas, e que, em alguns casos dificilmente poderiam ter a sua precisão elogiada. Mas os princípios básicos da Franco-Maçonaria permanecem imutáveis e, assim, surge a pergunta: “Será que a Franco-Maçonaria, pode ser vista como uma cria do passado, é relevante ao mundo de hoje, às portas do século XXI?”. A resposta a essa pergunta tinha de ser dada à Maçonaria em geral, antes que alguém pudesse pensar no significado e na importância do Arco Real.A tentativa de ajudar os Companheiros de minha Província a ver em perspectiva os problemas dos últimos anos, de certa forma abreviou o tempo para tais discussões; mas por outro lado, ocorreu um inesperado e positivo resultado de todo esse rebuliço e agitação: a tarefa de revisar o Ritual tornou-se muito mais fácil do que se poderia ser de outra forma. A última vez em que o ritual fora oficialmente revisado ocorreu em 1832/1835, quando uma comissão, que contava com uma expressiva representação dos padres anglicanos, foi nomeada para essa finalidade pelo HRH Grão-Mestre, o Duque de Sussex; sem o estímulo proporcionado, em particular, pelas igrejas, a questão da revisão poderia muito bem arrastar-se por algum tempo. Assim, sob o ponto de vista de Maçonaria e particularmente, do Arco Real, houve alguma compensação pelo dano que, sem dúvida, foi causado aos sentimentos dos muitos franco-maçons tementes a Deus. Agora, restavam apenas dois anos, e a pressão estava sendo exercida por mim; o discurso de 1989 foi, portanto, o primeiro dos dois discursos que contemplaram essas relevantes e significativas questões.Quando nos perguntam “O que é a Franco-Maçonaria?”, a resposta que mais fluente sai de nossas bocas é: “É um sistema de moralidade, velado em alegorias e ilustrado por símbolos”. Ultimamente é provável que estivéssemos ansiosos para enfatizar que ela se preocupa com a moralidade, e que não é, nem declara ser, uma religião; e nós nos sentimos bastante orgulhosos das alegorias e símbolos, embora nos dias de hoje prestemos muito pouca atenção a eles. Mas o que é esse sistema? O que por assim, por assim dizer, reúne e mantém os nossos ensinamentos, fazendo deles um sistema? Estas não são perguntas fáceis de responder, apesar de que devemos estar preparados para respondê-las, se é que queremos continuar sendo merecedores de crédito e confiança. Afinal, somos nós mesmos que o definimos como um “sistema”, e os indagadores podem, com todo o direito, esperar que justifiquemos a nossa afirmação, enquanto os que nos criticam podem, também com todo direito, caso não consigamos fazer isso, zombar de nós.A moralidade, em si, não é fácil de ser definido; logo descobrimos que, mesmo aqueles que respeitamos podem ser diferentes uns dos outros, no que tange aos pormenores dos assuntos ligados à moral. E bastará uma rápida pesquisa para mostrar que aquilo que é, em geral, visto como moral por uma comunidade qualquer, pode mudar com o passar dos anos. Deste modo, Cristo modificou os códigos de Moisés; assim, nos dias de hoje, o divórcio não carrega, para a maioria das pessoas, o mesmo estigma que lhe era atribuído no primeiro quarto do século XX. Da

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mesma forma, entramos teólogos modernos criticando a Maçonaria, acusando-a de práticas que os seus predecessores, antes, consideravam estar de acordo cristãos. Poderíamos citar aqui uma infinidade de exemplos, porém todos nós sabemos o quanto e quão rapidamente os costumes e maneiras mudaram, e continuam mudando nos dias de hoje. Será que é chegada a hora de mudarmos as bases de nossos sistema?A resposta a essa pergunta dependerá de ser a Franco-Maçonaria postula padrões que são adequados e apropriados para o mundo de hoje. Vivemos em um mundo dinâmico, de rápidas mudanças; porém, existem duas constantes que são imutáveis ao gênero humano: a necessidade de cultuar o Divino Criador, satisfação essa que é uma das maiores e principais atribuições da religião, e a necessidade de se estabelecerem padrões que nos permitam viver juntos no mundo do Criador em paz, amor e harmonia, o que é a maior e mais importante atribuição da moralidade. Para essa segunda função, a Franco-Maçonaria contribui porque o nível de comportamento que esperamos de nossos Irmãos em seus relacionamentos com os seus semelhantes neste mundo baseia-se naquelas virtudes que a história de cada religião, de cada filosofia ou civilização dignas de seu nome, tem provado ser o fundamento e o alicerce da felicidade e da benevolência. Nós resumimos tudo isso em Amor Fraternal, Ajuda (que é a Caridade ou, como prefiro chamar, a Compaixão e Misericórdia) e a Verdade (que é o comportamento moral, o exercício daqueles talentos com os quais Deus abençoou-nos, para a sua glória e para o bem-estar de nossos semelhantes, tal como o ritual nos coloca). Esses três atributos proporcionam a base do sistema de moralidade que praticamos que ensinamentos. Nós reconhecemos e aceitamos que é de Deus que se originam os nossos talentos e aptidões, e que devemos reconhecer a Deus o uso que deles fazemos. Esse é um dos ensinamentos básicos e fundamentais do Santo Arco Real, o qual os nossos críticos parecem estar tão determinados a interpretar mal. Nós devemos, constantemente, deixar bem claro que é exigido a todo franco-maçom que pratique a religião por ele professada, e que dê a devida obediência às leis do Estado onde reside. Digo a “devida obediência” e não “obediência cega”; portanto, espera-se que um franco-maçom não aja de forma contrária aos ditames de sua religião, aos sentimentos de seu coração, ou aos interesses daqueles que, de alguma forma, dele dependam.Estas questões são importantes uma vez que os nossos críticos parecem achar que, pelos nossos ensinamentos, estamos tentando formar, ou mesmo alterar, as crenças religiosas de um Irmão, e parecem não entender, ou talvez não queiram entender, que nós exigimos de sua própria religião. Nós reconhecemos que um crítico pode acreditar sinceramente que somente uma estrita observância aos princípios religiosos que ele aceita – e que, na maioria das vezes, são limitadas em seus objetivos – poderá assegurar o bem-estar de cada uma das almas do gênero humano, o que, certamente, respeitamos com sinceridade. Mas a Franco-Maçonaria incentiva-nos e anima a nos reunimos em Amor Fraternal, independentemente das diferenças de credo e dogma; isso é algo que, certamente, os homens de boa vontade, em qualquer lugar do mundo, poderiam esperar ter neste mundo dividido, algo que me possibilitou, não faz muito tempo, sentar-me em amizade e fraternidade durante um almoço, tendo à minha esquerda o Inspetor Geral do Rito Antigo e Aceito do Zimbábue, e o Grande Superintendente para o Transvaal à minha direita; ou que, recentemente, permitiu que a Grande Loja de Israel elegesse como seu Grão-Mestre um cristão árabe. Esses exemplos são símbolos dos padrões que, enquanto estiverem respeitando as crenças fervorosamente sustentadas por nossos críticos, nós devemos manter e conservar.Um sistema de moralidade não será completo a menos que considere os dias mais sombrios, as épocas de desgosto e sofrimento, ou os mementos em que nos desapontamos pelas ações ou negligência dos outros, ou quando não correspondemos aos nossos próprios padrões. O pavimento mosaico sobre o chão da Loja, com os seus quadrados alternados em preto e branco, lembra-nos que os dias de peregrinação terrena não serão todos de alegria e felicidade. Mas ele também nos lembra que nem tudo é escuridão e tristeza e que, talvez, devemos estar preparados para passar pelas trevas se quisermos nos aproximar da perfeição que cada um de nós, dentro do contexto de sua religião, procura alcançar. Se os forasteiros (ou sobrestantes) não estivessem

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prontos e dispostos a desafiar e enfrentar os perigos do desconhecido, ao se aventurarem na cripta que descobriam, eles jamais teriam encontrado o prêmio que ali jazia.Analise com maior profundidade a história dos forasteiros: ela tem muito mais a nos contar. Três homens vieram do exílio e estavam tão contentes de serem recebidos e acolhidos, que não se incomodaram em aceitar qualquer tarefa, embora servil e humilde, que pudesse contribuir com o empreendimento coletivo da reconstrução da Casa do Senhor. Nem todos nós podemos ser sacerdotes ou governantes, ou mesmo esperar conseguir chegar à posição que a nosso ver poderia possibilitar-nos servir ainda melhor ao nosso semelhante. Os forasteiros entenderam por que não podiam ser empregados em trabalhos mais técnicos ou influentes, e sabiam que a realização do objetivo dependia de cada um, e todos, realizasse a tarefa que lhe fora atribuída, ainda que estivesse baixo dos limites de sua habilidade. Mas nenhum deles foi temerário ou imprudente; apenas um deles deveria arriscar-se; os outros dois deveriam ficar a postos para cuidar, caso fosse necessário, de içá-lo em segurança. Em certo sentido, a tarefa deles era mais fácil que a nossa, pios se o seu Companheiro estivesse em perigo, o seu risco seria prontamente conhecido; não é sempre que nós, em nossa vida cotidiana, podemos saber quando um Companheiro está infeliz ou deprimido, porque está convencionado que ele nãodeve incomodar-nos ou perturbar a nossa complacência. Mas nos sentimos orgulhosos de ser chamados de Companheiro e, como tal, é nosso dever e obrigação cuidar de suas necessidades, mesmo que elas não sejam mencionadas, e estar disponíveis e dispostos a ajudá-lo. O que poderá ajudar-nos a conseguir isso é obedecer ao que está implícito em “comunicar e transmitir felicidade”, pois, agindo assim, tornamo-nos mais sensíveis às necessidades dos outros.Porém, Amor Fraternal não significa apenas o amor pelos Irmãos. Ninguém pode esperar ser capaz de evitar os dias sombrios, e é nosso dever e obrigação, como franco-maçons, ajudar os nossos semelhantes ao longo daqueles dias, garantindo que a nossa conduta seja tal que qualquer um, seja ele membro da Maçonaria ou não, possa saber que um franco-maçom haverá de tentar proporcionar conforto ao “coração aflito”, e que o aflito possa, de fato, contar com ele. Os samaritanos eram considerados hereges pelos judeus ortodoxos, mas Cristo, ele próprio um judeu, deu-nos a parábola do Bom Samaritano. A opção de passar do outro lado, ao largo, não está aberta a um franco-maçom. A “Ajuda” ou “Compaixão ou Misericórdia”, como eu a denominei, não começa ou acaba com o nosso talão de cheques.Você pode estar imaginando o que me levou a elaborar essa questão sob o contexto do nosso “sistema de moralidade”. Foi porque a simpatia – que, literalmente, significa “sentir com”, ou “sentir por” – é o denominador comum a cada uma das virtudes morais nas quais concentramos e resumimos o nosso sistema: amor, compaixão e comportamento moral. É o fator que, em todos os tempos, sempre trouxe à tona o que de melhor há na humanidade, e algo que o mundo, nos dias de hoje, precisa muito mais do que jamais precisou antes, à medida que as fronteiras do conhecimento avançam, as fronteiras físicas encolhem e o homem luta por uma globalização que ele ainda parece não estar pronto para aceitar, na qual as recompensas e os riscos do futuro confrontam-nos de maneira tão envolvente. Sim, Companheiros, nós temos um sistema de moralidade; sim, ele é adequado para os nossos dias, tal como tem sido no passado, e continuará sendo pelos tempos vindouros. Todo franco-maçom pode, sem grandes dificuldades, aplicar os seus princípios sob o contexto dos ensinamentos de sua própria religião. Não temos nenhum motivo para mudar isso, mas temos todos os motivos para nos orgulharmos dele.