Artigo sobre parto

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FACULDADE CÁSPER LÍBERO Disciplina: Jornalismo Opinativo Professor: Dimas A. Künsch Data: 31 de março de 2015 Produção de artigo jornalístico Ainda é possível parir? Jéssica Miwa “Que menino grande e lindo. Parabéns. Vem cá, como está o seu corte?”, agradeci os elogios carinhosos e fingi não ter ouvido o questionamento, mas a moça no posto de saúde insistiu: “Você parece bem disposta. Foi rápida a recuperação da cesariana?”. Não estava a fim de tocar no assunto “parto” novamente pois comentários como “nossa, como você é corajosa” ou “eu prefiro não sentir dor” eram inevitáveis - ainda mais diante do cenário brasileiro em que 56% dos bebês nascem por meio de uma cirurgia. O índice, aliás, é um absurdo. Um dos maiores do mundo. Nos hospitais particulares de São Paulo, a “necessidade” de uma cesárea chega a 93%. A Organização Mundial da Saúde, no entanto, recomenda que até 15% dos nascimentos utilizem do recurso. Afinal, o que acontece com a nova geração de mulheres que não consegue parir naturalmente? Será que, com o avanço da medicina e da tecnologia, o corpo feminino desaprendeu como dar à luz? Infelizmente a resposta não chega perto disso. Mulheres estão sendo privadas de passar por uma das experiências mais marcantes de suas vidas para atender às

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Realizado como trabalho para a disciplina "Jornalismo Opinativo"para o prof. Dimas, da Faculdade Cásper Líbero.

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Page 1: Artigo sobre parto

FACULDADE CÁSPER LÍBERODisciplina: Jornalismo OpinativoProfessor: Dimas A. KünschData: 31 de março de 2015Produção de artigo jornalístico

Ainda é possível parir?

Jéssica Miwa

“Que menino grande e lindo. Parabéns. Vem cá, como está o seu corte?”,

agradeci os elogios carinhosos e fingi não ter ouvido o questionamento, mas a moça no

posto de saúde insistiu: “Você parece bem disposta. Foi rápida a recuperação da

cesariana?”. Não estava a fim de tocar no assunto “parto” novamente pois comentários

como “nossa, como você é corajosa” ou “eu prefiro não sentir dor” eram inevitáveis -

ainda mais diante do cenário brasileiro em que 56% dos bebês nascem por meio de uma

cirurgia.

O índice, aliás, é um absurdo. Um dos maiores do mundo. Nos hospitais

particulares de São Paulo, a “necessidade” de uma cesárea chega a 93%. A Organização

Mundial da Saúde, no entanto, recomenda que até 15% dos nascimentos utilizem do

recurso.

Afinal, o que acontece com a nova geração de mulheres que não consegue parir

naturalmente? Será que, com o avanço da medicina e da tecnologia, o corpo feminino

desaprendeu como dar à luz? Infelizmente a resposta não chega perto disso. Mulheres

estão sendo privadas de passar por uma das experiências mais marcantes de suas vidas

para atender às necessidades médicas de uma agenda tranquila, sem imprevistos, e

favorecer a indústria do nascimento.

Quem disse, porém, que parto é um evento médico e hospitalar? Há milhares de

anos parimos em casa, com o suporte de parteiras e doulas, e com apoio da comunidade

feminina. Um evento tão puro, mágico e familiar que nos faz questionar as praticidades

e impessoalidades de um parto cirúrgico praticado em massa nos dias de hoje.

Segundo Ana Cristina Duarte, uma das maiores ativistas do parto natural

humanizado, apenas 0,1% dos nascimentos são planejados em casa e 1,5% são partos

hospitalares humanizados. O restante são 42% de partos normais hospitalares (com

direito a diversas práticas consideradas verdadeiras violências contra as mulheres) e

outros 56%, cirurgia.

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Com o nascimento de meu filho, contei muito com a ajuda das mulheres de

minha família (mãe, tias e avó). Minha mãe pariu em um hospital, com todos as

intervenções possíveis (episiotomia, fórceps, manobra de kristeller, etc). Minha avó

pariu três filhos em casa sem parteira, porque não deu tempo da profissional chegar. Os

últimos dois filhos nasceram no hospital, segundo ela porque o governo só daria auxílio

financeiro se assim fosse. Houve, portanto, um grande incentivo por meio de políticas

públicas para que parto fosse enxergado como o vemos hoje: algo de risco, perigoso,

quase uma doença.

É claro que há suas complicações reais e, para estes casos, a medicina é uma

grande aliada. Sendo assim, devemos aproveitá-la e glorificá-la. Mas são exceções, não

regra. Estão lá nos 15% previstos pela OMS. Caso contrário, o evento não precisa ser

tratado em hospital. Não precisam e não devem.

Em dezembro de 2014, o Instituto Nacional de Saúde e Assistência do Reino

Unido publicou novas diretrizes que desaconselhavam gestantes de baixo risco (ou risco

habitual, se preferir) a parir em hospitais. Segundo a instituição, a medida resultaria em

menos intervenções médicas desnecessárias, como episiotomia e uso de fórceps.

No Brasil há um movimento forte e crescente de mães ativistas que lutam pela

humanização do parto. As mulheres estão se empoderando e tomando para si a

responsabilidade e o protagonismo de seus partos/ dos nascimentos de seus filhos.

Levando o tema ao debate público, fazendo barulho - muito barulho!

Foi graças à essas mulheres, em especial minha professora e orientadora, Bianca

Santana, que eu pude criar forças e lutar contra a indústria do nascimento. Meus

recursos foram as evidências científicas, relatos e grupos de apoio às gestantes. Muito

amor e orgulho foram os sentimentos que prevaleceram após o nascimento do meu

filho. Minha conclusão? Não há definitivamente nada de errado com o meu corpo, como

a medicina obstétrica muitas vezes nos faz acreditar. Pari naturalmente, no nosso tempo,

respeitando nossos limites. A melhor e mais marcante experiência de minha vida.

Jéssica Miwa é estudante de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e co-fundadora do site The Greenest Post. Em dezembro de 2014 pariu naturalmente seu primeiro filho, Gael, em uma casa de parto.