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  • 7/26/2019 Artigo_Afogamento

    1/3Emergncia JUNHO / 201140

    ARTIGO

    Perfil do afogamentoEstatsticas da mortalidade envolvendo o trauma apontam a necessidadede programas de preveno para toda populao brasileira

    trauma, diferentemente de ou-tras doenas, ocorre inespera-damente na grande maioria dasOvezes, o que gera, invariavelmente, uma

    situao catica dentro do mbito fami-liar. Dentre os diferentes tipos de trau-mas o de maior impacto , sem dvida,o afogamento. Situaes de catstrofefamiliar podem ser observadas quandofamlias inteiras se afogam juntas, pordesconhecimento, ou pela tentativa in-frutfera de salvar uns aos outros. A per-da que ocorre de forma inesperada sempre um desastre emocional familiar,que ainda se torna pior por se tratarde uma pessoa jovem com uma grandeexpectativa de vida que estava ainda por

    vir. A sociedade concorda com a afir-mao: filhos jamais deveriam mor-rer antes dos pais, pois a dor insupor-tvel.

    De acordo com o autor Park Dietz eoutros, a cada ano, mais de 490 mil (8,4bitos/100 mil habitantes) pessoas so

    vtimas fatais de afogamento em todo

    mundo. Entretanto, estes nmeros somuito subestimados, pois muitos casosno so notificados, principalmente empases em desenvolvimento.

    J, segundo o autor Lucian K. DeNi-cola e outros, em crianas de 1 a 4 anoso afogamento a segunda causa exter-na de morte nos Estados Unidos e fri-ca do Sul e a primeira na Austrlia. Deacordo com a Organizao Mundial daSade, na China a primeira causa nafaixa entre 1 e 14 anos, onde 130 mil

    pessoas morrem afogadas anualmente.Os afogamentos em gua doce somais frequentes em crianas, principal-

    mente menores de dez anos. Estima-seque existam mais de 4.500 casos demorte por ano s nos Estados Unidos(53% em piscinas), onde 50 mil novas

    piscinas so construdas por ano, so-mando-se a 2,2 milhes de piscinas resi-denciais e 2,3 milhes no residenciais.Segundo James P. Orlowski e outros au-tores, nas reas quentes dos EstadosUnidos, Austrlia e frica do Sul 70 a90% dos bitos por afogamento ocor-rem em piscinas de uso familiar. NoBrasil, onde o nmero de piscinas do-msticas infinitamente menor, o afo-gamento em gua doce ocorre mais emrios, lagos e represas, perfazendo a me-tade dos casos fatais.

    Ironicamente, nos Estados Unidos

    90% de todos os casos de afogamentoocorrem a 10m de uma medida de segu-rana instalada, de acordo com LucianK DeNicola e outros autores. Segundo

    a autora Christine Branche, estimativasindicam que 40 a 45% ocorrem durantea natao, demonstrando desconheci-mento do perigo iminente. Na prticade esportes nuticos os afogamentos soresponsveis por 90% dos bitos.

    BRASIL

    Este trabalho foi elaborado com basenos dados do SIM (Sistema de Infor-mao em Mortalidade) tabulados no

    Tabwin, Ministrio da Sade, DATA-SUS, em 2010. Em 2007, a populao

    brasileira atingiu 190 milhes de habi-

    CARLOS

    CSAR

    David Szpilman mdico, especialista em afogamento e terapiaintensiva, chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Mu-

    nicipal Miguel Couto. mdico da reserva doCorpo de Bombeiros do Estado do Rio deJaneiro, onde foi chefe do centro de recu-perao de afogados por 12 anos, mem-bro da Cmara Tcnica de MedicinaDesportiva do CREMERJ, membro do

    Conselho Mdico da Federao Internaci-onal de Salvamento Aqutico, scio-fundador, ex-presidente e atual dire-tor mdico da Sobrasa (SociedadeBrasileira de Salvamento Aqutico)[email protected]

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    ARTIGO

    tantes, dos quais 1 milho e 47 mil fale-ceu de causas diversas. O trauma (cau-sas externas) foi responsvel por 13%de todos os bitos no Brasil, sendo aprimeira causa na faixa de 5 a 39 anos(131 mil casos) que concentra 60% dasmortes. Quando consideramos todas as

    causas nesta faixa de idade, as externasrepresentam 55% dos bitos (Tabela 1

    bito por faixa etria de 1 a 69 anos).Considerando todas as idades, a morta-lidade do trauma se encontra em tercei-ro lugar, ficando atrs apenas das doen-as do aparelho circulatrio e das neo-plasias.

    Como podemos observar na Tabela1, afogamento a segunda causa de mor-te para idades entre 5 e 9 anos, terceiracausa nas faixas de 1 a 4 anos e 10 a 19

    anos e quinta causa na faixa de 20 a 29anos.Em 2007, 7.009 brasileiros (3,7/100

    mil habitantes) morreram afogados.Dentre estes, 87% por causas no in-tencionais (3,2/100 mil habitantes), sen-do 1,16% relacionado ao uso de barcos,2,2% por causas intencionais (suicdio

    1,41% e homicdios 0,8%) e 11%por inteno no determinada.

    Analisando as causas primrias de afo-

    gamento, 47% dos bitos ocorreram emguas naturais que incluem canais, rios,lagos e praias. Os afogamentos em pisci-na perfazem apenas 2% (65% em resi-dncias) e os acidentes durante o banho0,26% (72% em residncias).

    No Grfico 1, observamos a mortali-

    dade por afogamento no Brasil nos lti-mos 29 anos (1979-2007) em nmerosabsolutos e relativos. Houve uma redu-o no nmero de bitos relativos de1979 a 2007 da ordem de 33%.

    As estatsticas de mortes por afoga-mento mostram grande variabilidade en-tre os estados. Observamos em ordemdecrescente no ano de 2007, os cincoestados com os maiores nmeros abso-lutos de bitos: So Paulo (1.121), MinasGerais (752), Bahia (642), Paran (416)

    e o Rio Grande do Sul (372). Quandoanalisamos o nmero de bitos pela po-pulao, observamos os estados do A-map (8,8), Roraima (7,0), Amazonas(6,6), Acre (6,3) e Alagoas (6,0), comoos de maiores nmeros de bitos relati-

    vos (n/100 mil habitantes), mostrandoque quatro dentre os cinco primeiros es-tados com maiores riscos de afogamen-to com morte no so banhados pelomar (Grfico 2).

    REGIES

    Como forma de planejamento estrat-gico em campanhas de preveno as re-gies de maiores riscos relativos em afo-gamento com morte em ordem decres-cente so: Norte (5,4/100 mil habitan-tes), Nordeste (4,4), Centro Oeste (3,7),

    Sul (3,7) e Sudeste (2,9).Levando-se em considerao o nme-

    ro de bitos relativos (n/100 mil habi-tantes) em cada estado, analisamos trsperodos distintos, a saber: 1979 a 1988(primeiro perodo), 1989 a 1998 (segun-do perodo) e 1999 a 2007(terceiro pero-do). Com estes dados tabulados, verifi-camos a diferena porcentual entre oprimeiro perodo e o segundo perodo,entre o segundo e o terceiro perodo eentre o primeiro e o terceiro perodo.

    Para cada perodo comparado, determi-namos como significativo se esta varia-o foi maior do que 10% (positivo ounegativo). Nas situaes em que o por-centual foi de aumento maior de 10%na mortalidade, atribumos a cor verme-lha e o sinal negativo e nos casos de re-duo na mortalidade a cor azul, almde indicar na coluna alteraes se hou-

    ve aumento, reduo ou se a mortalida-de se manteve inalterada.

    A Tabela 2 mostra todos os valores eos respectivos estados que apresentarammelhora e piora em sua taxa de mortali-dade por afogamento. Quando analisa-mos a mdia do nmero de bitos rela-tivos no Brasil comparando o primeiroperodo (1979 a 1988) com o ltimo(1999 a 2007) observamos uma reduode 40% na mortalidade por afogamen-to. Ao analisarmos estado por estado ve-rificamos que dos 26 analisados (exclu-

    do Tocantins por falta de dados no pri-meiro perodo), 14 mostraram reduosignificativa na mortalidade, trs mos-

    traram-se inalterados e nove apresenta-

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    3/3Emergncia 43JUNHO / 2011

    ram aumento. Daqueles que mostrarammaiores redues destacam-se Rio de Ja-neiro (132%), So Paulo (98%), Rond-nia (90%), Distrito Federal (87%) e Mi-nas Gerais (68%).

    Quando consideramos a idade e o se-xo, em mdia, o homem morre por afo-gamento seis vezes mais do que a mu-

    lher. Quando menor de um ano, o risco igual, entre um e 14 anos de duas atrs vezes maior, aumentando para setea dez vezes entre 15 e 69 anos e redu-zindo para cinco vezes mais quandomaior de 70 anos.

    Quando consideramos o ano de 2007,o maior nmero de afogamentos ocor-reu entre 10 e 19 anos, como indica a

    Tabela 3.

    CONTROLE

    No mundo, o afogamento uma en-demia que precisa ser controlada e istos ir acontecer mediante a tomada deconscincia dos nmeros alarmantes demortes a cada ano de crianas. Os dadosdo Brasil revelam que os afogamentosocorrem mais em pessoas jovens, do se-xo masculino, por imprudncia, m ava-liao do perigo, falta de superviso e,principalmente, por falta de educaopreventiva.

    enganosa a impresso de que ogrande problema est no litoral. De 20

    anos para c os guarda-vidas dos Corposde Bombeiros de todo pas atuam de for-

    Leia bibliografia completa no site

    www.revistaemergencia.com.br

    Afogamento - Estados do Brasil - 2007

    Grfico 2

    Dados elaborados com base no DATASUS - Atestados de bitos - SIM

    Populao - 176.876.251 habitantes

    AC AL

    AP AM BA CE D

    F ES GO

    MA M

    TMS

    MG PA PB PR P

    E PI RJ

    RN RS

    RO RR SC S

    P SE TO

    Estados

    0

    2

    4

    6

    810

    12

    14

    16

    nmero de bitos

    Absoluto (x100)

    Relativo (bitos/100.000 hab)

    ma excepcional no litoral e os nmerosmostram esta conquista. Houve uma sig-nificativa reduo de nmeros de afoga-mentos no litoral o que no correspondenas reas do interior, onde h muito quefazer. Quando particularizamos qual-quer estado, verificamos que mesmo na-queles com litoral as mortes esto ocor-rendo principalmente no interior.

    O que dizer, ainda, sobre este imenso

    problema no quantificado que so asenchentes e inundaes ocorridas recen-

    temente? Temos que aprender a atuarproativamente e no h mais espao parasermos somente reativos neste cenrio.Somos um pas entrando para o seletogrupo dos desenvolvidos e esta umade nossas grandes necessidades atuais.Os resultados na Tabela 2 demonstramque os estados envolvidos em projetosde preveno apresentaram as maioresconquistas nos anos analisados. Progra-

    mas de preveno so a resposta quenecessitamos para reduzir esta catstro-fe diria que o afogamento no pas.Neste sentido o Corpo de Bombeirosdo Distrito Federal junto com a Sobrasaorganizam este ano, de 26 a 30 de outu-bro, o XI Campeonato e X SimpsioBrasileiro de Salvamento Aqutico. Nes-te evento, guarda-vidas de todo pas serenem para disputar provas de salva-mento aqutico e discutir as melhoresformas de reduzir o afogamento. Edu-

    car a populao em preveno funda-mental e prioritrio.Para saber mais sobre a realidade do

    afogamento no Brasil e no mundo, indi-camos o livro The Texbook of EmergencyCardiovascular Care and CPR (AHA &

    ACEP), em especial o captuloDrowning,pginas 477 a 489 e a biblioteca da So-brasa www.sobrasa.org.