artigo_viaduto_vci

8
VIADUTO METÁLICO SOBRE A VCI NO PORTO António Campos e Matos GEG, Portugal [email protected]; Nuno Eduardo Santos GEG, Portugal [email protected]; Ricardo Fonseca GEG, Portugal [email protected]; António Augusto Fernandes FEUP, Portugal [email protected]; Renato Natal Jorge FEUP, Portugal [email protected] Resumo O presente artigo apresenta o conceito arquitectónico, concepção estrutural e processo construtivo de um viaduto metálico, construído na cidade do Porto em Portugal. Focam-se alguns aspectos de geometria da obra para uma caracterização sumária, caracteriza-se a solução estrutural adoptada e algumas das suas particularidades que foram objecto de análises detalhadas que aqui se resumem. Descreve-se o processo construtivo idealizado, uma solução de destaque a nível nacional, estando a obra em uso há cerca de um ano. INTRODUÇÃO O projecto e obra que se apresentam, partem de um desafio da Câmara Municipal do Porto de criar uma ponte que marcasse a entrada nesta zona da cidade. A Nova Avenida onde se integra o Viaduto Metálico sobre a V.C.I. (I.C. 23 – Via de Cintura Interna), insere-se no âmbito do programa do Euro 2004 e das acessibilidades ao Estádio de Futebol do Bessa. O projecto desenvolveu-se desde o início com a salutar conjugação da engenharia e da arquitectura, tendo sido imaginadas várias soluções, até que se chegou a esta. Foi portanto o resultado de um conjunto de forças, desde o objectivo dos representantes da cidade do Porto, passando pelo estético da arquitectura e da engenharia e terminando no da construção. O grande fluxo de trânsito na mais congestionada artéria rodoviária da cidade, bem como o tempo disponível para executar o projecto e a obra, obrigaram a conceber uma solução de rápida construção e de mínimo impacto sobre o trânsito da cidade. Assim na fase da concepção da obra foi idealizada a forma de montagem e transporte do viaduto para o seu local definitivo,

description

Viaduto VCI

Transcript of artigo_viaduto_vci

Page 1: artigo_viaduto_vci

VIADUTO METÁLICO SOBRE A VCI NO PORTO

António Campos e Matos GEG, Portugal [email protected]; Nuno Eduardo Santos GEG, Portugal [email protected]; Ricardo Fonseca GEG, Portugal [email protected]; António Augusto Fernandes FEUP,

Portugal [email protected]; Renato Natal Jorge FEUP, Portugal [email protected] Resumo O presente artigo apresenta o conceito arquitectónico, concepção estrutural e processo construtivo de um viaduto metálico, construído na cidade do Porto em Portugal. Focam-se alguns aspectos de geometria da obra para uma caracterização sumária, caracteriza-se a solução estrutural adoptada e algumas das suas particularidades que foram objecto de análises detalhadas que aqui se resumem. Descreve-se o processo construtivo idealizado, uma solução de destaque a nível nacional, estando a obra em uso há cerca de um ano.

INTRODUÇÃO O projecto e obra que se apresentam, partem de um desafio da Câmara Municipal do Porto de criar uma ponte que marcasse a entrada nesta zona da cidade. A Nova Avenida onde se integra o Viaduto Metálico sobre a V.C.I. (I.C. 23 – Via de Cintura Interna), insere-se no âmbito do programa do Euro 2004 e das acessibilidades ao Estádio de Futebol do Bessa.

O projecto desenvolveu-se desde o início com a salutar conjugação da engenharia e da arquitectura, tendo sido imaginadas várias soluções, até que se chegou a esta. Foi portanto o resultado de um conjunto de forças, desde o objectivo dos representantes da cidade do Porto, passando pelo estético da arquitectura e da engenharia e terminando no da construção.

O grande fluxo de trânsito na mais congestionada artéria rodoviária da cidade, bem como o tempo disponível para executar o projecto e a obra, obrigaram a conceber uma solução de rápida construção e de mínimo impacto sobre o trânsito da cidade. Assim na fase da concepção da obra foi idealizada a forma de montagem e transporte do viaduto para o seu local definitivo,

Page 2: artigo_viaduto_vci

2/8

ficando o desenvolvimento dos pormenores e tecnologias associadas, para a fase de construção.

UM VIADUTO METÁLICO O Viaduto Metálico sobre a VCI é concebido a partir do conceito de uma estrutura metálica, de modo a permitir vencer num único vão de 75 m, 105 m com víes de 45º. A sua concepção parte de um compromisso com o próprio processo construtivo, bem como na forma de o colocar no seu lugar definitivo. A solução metálica além de ter permitido uma maior liberdade para a arquitectura, permitiu reduzir os tempos de construção, encontrou um compromisso sustentável para o processo construtivo, que em muito importava dominar. As questões funcionais da envolvente, obrigando a não existir interferências com o trânsito, obrigou a pensar numa estrutura transportável, que pudesse ser construída ao lado e depois colocada no seu lugar.

ENGENHEIROS E ARQUITECTOS Mais uma vez se rebate o divórcio que muitos defendem, entre a arquitectura e engenharia. De facto, para o presente projecto o compromisso entre as duas especialidades manteve-se indissociável desde o início dos estudos. O viaduto foi nascendo, com os desenhos do gabinete do Arq. Manuel Ventura e os cálculos dos engenheiros, foi ganhando forma, foi amadurecendo. O resultado final é um equilíbrio notável de força e delicadeza, de proporção e forma.

Depois do conceito estrutural estar estabilizado, foram desenvolvidos os detalhes das intersecções das peças, das sequências construtivas, dos remates com outras estruturas da envolvente.

Numa fase seguinte, já com a obra no seu início, foram discutidos com o construtor, alguns detalhes construtivos adaptados à realidade do seu equipamento e método construtivo. Foram estudados alguns detalhes conjuntamente, tendo-se unido os esforços sistematicamente com um só objectivo, a obra.

A CONCEPÇÃO ESTRUTURAL A solução estrutural procurou responder ao conceito de um viaduto, com várias condicionantes. Um tabuleiro rodoviário com três faixas de rodagem e passeios laterais separados fisicamente. A altura disponível à VCI obrigava a um tabuleiro inferior, apoiado nas cordas inferiores das vigas principais, do tipo treliça tridimensional com vigas secundárias exteriores, formando um “caixão transparente” com rigidez à torção que garantissem quase por si a estabilidade, mas também pela inexistência de travamentos superiores a ligar as duas vigas.

Page 3: artigo_viaduto_vci

3/8

As condicionantes geométricas da envolvente, obrigaram a implantar encontros enviezados a 45º em relação ao eixo longitudinal. A existência deste viés, provocou a impossibilidade dos arcos superiores se ligarem, por estarem a cotas diferentes e portanto as vigas deformam-se para o interior. As palas superiores contrariam em parte esta tendência, ao mesmo tempo que contribuem para o contraventamento da corda.

O viés da estrutura é ainda responsável pelo aparecimento de tracções nos aparelhos de apoio das vigas secundárias. Estas tracções ocorrem por transformação do momento flector das carlingas de extremidade num binário tracção/compressão. Este fenómeno foi equilibrado, por selagem destes aparelhos de apoio só após a colocação da totalidade das cargas permanentes, funcionando os aparelhos só para as sobrecargas.

As carlingas funcionam em secção mista com vãos de 11.65 m afastadas de 5 m. Ligam-se à corda inferior das vigas principais, existindo alguma continuidade de esforços. As cordas superiores e inferiores das vigas principais são unidas por diagonais formando-se uma viga tipo WARREN. A viga secundária de menores dimensões apresenta-se do mesmo tipo, mas

Page 4: artigo_viaduto_vci

4/8

com as diagonais em posições simétricas relativamente às das vigas principais. As cordas das vigas principais e secundárias respectivamente superiores e inferiores são unidas por diagonais formando-se assim o “caixão transparente”, superiormente distingue-se ainda a pala superior contida no plano da corda superior da viga principal que se liga a esta por diagonais e à corda superior da viga secundária por escoras. Como é evidente a viga principal apresenta-se como a mais imponente, destacando-se pela sua presença dimensional em relação aos restantes elementos que sendo mais esbeltos, envolvem-na criando uma perspectiva exterior mais leve da estrutura.

As vigas principais e secundárias, são rematadas por esquadros de elevada rigidez, tendo-se tirado um partido estético destes elementos como torreões de entrada e saída da obra. São nestes esquadros que se localizam os aparelhos de apoio, concebidos propositadamente para esta ponte. Optou-se para os aparelhos de apoio principais por uma solução tipo POT- BEARING, fixos do lado poente e livres unidireccionais do lado nascente. Os secundários funcionam para valores de tracção de 1200 kN, embora também funcionem para compressões do mesmo valor.

Os encontros são em betão armado, fundados em estacas de 1000 mm de diâmetro. A geometria dos encontros foi condicionada por espaço disponível de implantação mas também por uma ligação directa com os limites da estrutura metálica dos esquadros de remate.

DESAFIOS DA ESTRUTURA A estrutura deste viaduto, revestiu-se de algumas particularidades que merecem referência. Algumas destas particularidades, já foram em pontos anteriores abordadas, como o prazo de execução, a não interrupção do trânsito, a montagem e a colocação do sítio, entre outras que agora se detalham. O prazo para execução da obra foi de 8 meses, sabendo que além do viaduto outras obras de arte, incluindo muros de suporte de 9 m de altura e um viaduto de betão de 105 m, além de um arranjo urbanístico de toda a Nova Avenida.

Page 5: artigo_viaduto_vci

5/8

Mas centremo-nos novamente no viaduto e na sua construção sem interrupção de trânsito. Um ponto de decisão na concepção da estrutura, era ser capaz de executar a obra sem interromper o trânsito na VCI. Assim a construção para ser executada logo no local iria envolver sistemas de segurança, de custo muito elevado, talvez maiores do que o próprio viaduto. Chegou a desenvolver-se um túnel de protecção para ambos os lados da obra. Com estas dificuldades, surgiu a ideia de montar a ponte “ao lado” e empurrá-la para o sítio. Assim foram estudados esquemas de empurre, com apoios provisórios sobre a VCI. Nestes esquemas o trânsito circularia só sobre uma faixa de rodagem de forma alternada, conforme o avanço do empurre. Como alternativa foi estudada uma solução de montagens por módulos, mas que obrigaria a interrupções nocturnas de 4 horas para a montagem dos módulos. Pela especificidade da questão, ficou à consideração do construtor a apresentação de propostas para o processo construtivo, sabendo as condicionantes executivas.

Um grande desafio foi também o desenho da própria estrutura, pela sua tridimensionalidade e pelo uso de perfis tubulares as intersecções das peças geravam planos de corte, difíceis de representar em modelos planos. O projecto teve, tal como a traçagem da estrutura metálica um apoio sistemático em modelações tridimensionais, que permitiam a visualização da estrutura mesmo sem ela ainda existir. A capacidade de resposta a este nível, deve-se em muito à eficácia dos programas disponíveis nesta área. A eficácia do desenho, garantiu também a do corte das peças, resultando num grande rigor na montagem do “puzzle”.

MONITORIZAÇÃO É igualmente ponto de destaque a monitorização da estrutura metálica do viaduto. Este viaduto foi instrumentado pelo LABEST da FEUP, durante a fase em que ainda se encontrava em construção para que pudesse ser acompanhada a fase de levantamento do berço de montagem e o transporte para a posição definitiva. A restante instrumentação foi colocada antes do ensaio de carga. Da instrumentação colocada, parte tem carácter definitivo e permanecerá na obra, durante a fase de exploração, para que possa fornecer números comparáveis com parâmetros pré-estabelecidos e que se violados lançarão um alerta, permitindo uma intervenção atempada se necessário. A instrumentação, teve também como objectivo a comparação de alguns valores obtidos no modelo matemático do viaduto, com o comportamento real.

O controle topográfico das deformações, permitiu uma aferição dos valores das flechas reais à medida que as cargas permanentes iam tendo lugar, estrutura metálica com pré-lajes e betonagem do tabuleiro, valores disponíveis à data deste artigo. O quadro seguinte exibe o correcto comportamento da estrutura, quando comparando a deformação esperada com a real. Note-se que para uma percentagem de 78% de carga instalada a flecha atinge 73%, um erro de

Page 6: artigo_viaduto_vci

6/8

5%, perfeitamente justificável pelo rigor possível no controle do carregamento, bem como na rigidez real que nestas situações é sempre superior à modelada.

ΣΣΣΣ Cargas % CargasPermanentes Permanentes Norte Sul

Estrutura apoiada no berço 0 mmLevantamento de 100mm 100 mm 9202,52 kN 50% 51% 51%Levantamento de 800mm 1100 mm 9202,52 kN 50% 52% 50%Betonagem Tabuleiro 14275,25 kN 78% 73% 72%

% Flecha Máxima AtingidaLevantamentoCondições de apoio/carga

A monitorização é materializada por extensómetros eléctricos colados exteriormente nas barras metálicas para a medição das deformações locais (extensões), transdutores de deslocamento em juntas de dilatação e sensores de deformações nos aparelhos de apoio. Complementarmente e durante o ensaio de carga foram colocados sensores de pressão com sistema de níveis líquidos para medição das flechas, juntamente com a colocação de dois inclinómetros biaxiais.

Com este sistema instalado o viaduto transforma-se numa estrutura em comunicação constante quanto ao seu comportamento. Será possível acompanhar sistematicamente o seu comportamento, confirmando o correcto comportamento dos aparelhos de apoio e juntas de dilatação, bem como avaliar os índices de fadiga que existem nos nós mais solicitados.

MODELOS MATEMÁTICOS DOS NÓS O dimensionamento da estrutura do viaduto teve em conta a possibilidade de ocorrência de um estado limite de fadiga. A análise foi feita por amostragem em dois nós críticos seleccionados pela equipa projectista em colaboração com a FEUP.O cálculo da distribuição de tensões nos dois nós foi feito pelo Método dos Elementos Finitos para diversas condições de carga e volumes de tráfego previsíveis. As tensões geométricas estruturais calculadas correspondem às tensões principais máximas no material base adjacente à zona de concordância do cordão de soldadura, tendo em conta o efeito da concentração de tensões introduzido pela geometria global da ligação, excluindo contudo o efeito de concentração de tensões local devido ao perfil do cordão de soldadura propriamente dito e eventuais defeitos (microfendas, inclusões de escória) presentes no pé da soldadura. Na figura seguinte encontra-se representada a distribuição da tensão principal máxima obtida no nó 54 com base nos valores dos esforços fornecidos pelo cálculo estrutural e correspondentes à passagem de um camião tipo.

Page 7: artigo_viaduto_vci

7/8

22.37

20.97

19.57

18.17

16.78

15.38

13.98

12.58

11.18

9.786

8.388

6.99

5.592

4.194

2.796

1.398

0.

A verificação à fadiga, com base na gama de tensão das tensões geométricas, foi feita recorrendo às curvas de projecto do Eurocódigo 3.

O TRANSPORTE A estrutura metálica do Viaduto com 850 Tons de peso e 75 metros de vão, foi montada com um viés de aproximadamente 45º sobre a VCI. Iniciou-se o processo de lançamento sobre o traçado longitudinal definitivo com a montagem dos narizes frontais e traseiros para colocação de um sistema de 4 macacos para elevar a estrutura metálica cerca de 1 metro e retirar o berço de montagem.

De seguida instalou-se o sistema de deslizamento e 2 conjuntos de carros hidráulicos para permitir movimentar cerca de 30 m a estrutura metálica sobre a plataforma de aterro construída, obtendo-se a consola necessária, sobre a VCI, permitindo a colocação de mais 2 conjuntos carros hidráulicos na parte da frente do lançamento, retirando-se os patins de deslizamento frontais.

O transporte de um encontro ao outro sobre a VCI decorreu em 45 minutos.

CONCLUSÕES Este projecto e a sua materialização em obra, são um exemplo da capacidade de Portugal no que respeita à engenharia civil, arquitectura e construção. Foi com o empenho indiscutível de toda a equipa que tal feito foi possível. As competências tiveram uma saudável intersecção, resultando uma particular facilidade no derrube dos obstáculos que pelo caminho foram surgindo. Pareceu-nos ter conseguido o ambiente da equipa que objectiva o golo, sem ter nenhum ponta de lança para isso destinado.

Page 8: artigo_viaduto_vci

8/8

Tirando partido das mais actuais ferramentas de trabalho ao nível do desenho e do cálculo, foi possível projectar, construir e dominar a estrutura com enorme rigor. A qualidade geral atingida é de realçar.