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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE UNI-BH Monografia de Graduação em Relações Internacionais OS DIREITOS HUMANOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: SEU PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO, A CORRENTE UNIVERSALISTA E AS RESPOSTAS DOS PRINCIPAIS ATORES INTERNACIONAIS A EMERGÊNCIAS HUMANITÁRIAS Aryane Amaral Figueiredo Belo Horizonte 2007

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

UNI-BH

Monografia de Graduação em Relações Internacionais

OS DIREITOS HUMANOS NAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

SEU PROCESSO DE

INTERNACIONALIZAÇÃO, A CORRENTE

UNIVERSALISTA E AS RESPOSTAS DOS

PRINCIPAIS ATORES INTERNACIONAIS A

EMERGÊNCIAS HUMANITÁRIAS

Aryane Amaral Figueiredo

Belo Horizonte

2007

2

Aryane Amaral Figueiredo

OS DIREITOS HUMANOS NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS:

SEU PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO, A

CORRENTE UNIVERSALISTA E AS RESPOSTAS DOS

PRINCIPAIS ATORES INTERNACIONAIS A EMERGÊNCIAS

HUMANITÁRIAS

Dissertação apresentada ao Curso de Graduação em

Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo

Horizonte como requisito à obtenção do bacharelado em

Relações Internacionais.

Área de concentração: Direitos Humanos

Orientador: Professor Leonardo Estrela Borges

Belo Horizonte

2007

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Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH

Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais

Programa de Graduação em Relações Internacionais

Monografia intitulada “Os Direitos Humanos nas Relações Internacionais: Seu Processo de

Internacionalização, a Corrente Universalista e as Respostas dos Principais Atores

Internacionais em Emergências Humanitárias”, de autoria da graduanda Aryane Amaral

Figueiredo, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

___________________________________________________

Professor Leonardo Estrela Borges – UNI-BH– Orientador

________________________________________________

Professor Alexandre César Cunha Leite – UNI-BH

________________________________________________

Professor Leandro de Alencar Rangel – UNI-BH

Belo Horizonte, 06 de Agosto de 2007

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“O que mais me preocupa não é o grito dos violentos. É o silêncio dos bons." Martin Luther King

"An eye for an eye, and the whole world goes blind". Mahatma Ghandi

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................

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1. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ....... ......................

08

2. PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – A

TEORIA UNIVERSALISTA .....................................................................................

16

3. O PAPEL DOS ATORES INTERNACIONAIS NA PROTEÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS .............................................................................................

24

3.1. Assistências Humanitárias .................................................................................. 28

3.2. Peacekeeping .........................................................................................................

3.2.1. Somália ...............................................................................................................

3.2.2. Ruanda ...............................................................................................................

36

38

41

3.3. Intervenções Humanitárias .................................................................................

48

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................

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NOTAS .........................................................................................................................

58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................

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INTRODUÇÃO

O século XX foi marcado por inúmeros avanços, tanto na ciência como nas relações

internacionais. Os horrores das guerras mundiais serviram como um alerta global para o poder

destrutivo do ser humano evidenciando a necessidade de se repensar o conceito de guerra. A I

Guerra Mundial deu início a um processo restritivo do direito à agressão armada que

culminaria com a assinatura do Pacto de Briand-Kellog, proibindo o recurso à guerra para a

obtenção de fins políticos. A Liga das Nações também foi fruto desse período e deveria

funcionar como monitora da paz internacional. Apesar de seu fracasso, o precedente criado

por ela foi de grande importância para a criação de sua sucessora: a Organização das Nações

Unidas (ONU).

A dimensões globais da II Guerra Mundial, ainda mais mortal do que a anterior, e a

descoberta dos campos de extermínio nazistas abriram caminho para a internacionalização dos

direitos humanos. A ONU foi criada em 1945, através da assinatura da Carta das Nações

Unidas, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais. Em 1948 foi assinada a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, que instituía a universalidade destes direitos. O

primeiro capítulo deste trabalho aborda o processo de internacionalização dos direitos

humanos e os documentos internacionais referentes à sua proteção.

O segundo capítulo discute a complicada relação entre as correntes universalista e relativista.

A primeira insiste na qualidade universal destes direitos que não devem ser negados com base

em diferenças culturais, sociais e/ou econômicas Já a segunda corrente argumenta que os

direitos humanos são uma imposição ocidental e que valores culturais devem se sobrepor a

esses direitos, mesmo que constituam, claramente, uma agressão à dignidade da pessoa

humana. Apesar de, juridicamente, o universalismo dos direitos humanos já esteja

consagrado, o assunto ainda gera controvérsia e dificulta a implementação dos mecanismos

internacionais de proteção aos mesmos.

Finalmente, o terceiro capítulo aborda a relação entre os direitos humanos e o Direito

Internacional Humanitário e descreve as diversas reações internacionais frente a violações

maciças dos direitos humanos, como assassinatos em massa, limpeza étnica e/ou genocídio.

Primeiramente, os atores internacionais podem responder a essas emergências através de

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assistências humanitárias, formadas por organizações humanitárias – podendo ser não-

governamentais, ligadas à ONU, etc. – que não necessitam da aprovação dos Estados em

questão e têm como objetivo atender às vítimas de emergências humanitárias, causadas por

conflitos armados ou desastres naturais.

Em segundo lugar, a ONU, através do Conselho de Segurança, pode aprovar o envio de tropas

de manutenção da paz (peacekeeping) para regiões em conflito, com o intuito de assegurar o

retorno à paz. Essas operações necessitam do consentimento dos Estados envolvidos no

conflito e não têm autorização para fazer uso de força armada, exceto em legítima defesa.

Em último caso, somente em situações extraordinárias, o Conselho de Segurança pode

autorizar a mobilização de tropas para intervir militarmente em países onde os direitos

humanos estão sendo constante e gravemente violados. As intervenções humanitárias

possuem caráter coercitivo e são autorizadas a utilizar a força para conter as hostilidades e

garantir a estabilidade nestas regiões.

Os objetivos gerais desta pesquisa se assentam na crescente relevância dos direitos humanos

nas relações internacionais atuais, em seus mais paradoxais contextos. Os objetivos

específicos se baseiam na descrição, tanto dos seus mecanismos de proteção dos direitos

humanos quanto dos principais argumentos contrários a eles, analisando as diversas respostas

do sistema internacional a graves violações destes direitos.

É importante ressaltar as dificuldades de implementação de qualquer uma das operações

citadas e mesmo quando estas dificuldades são superadas os resultados são freqüentemente

decepcionantes. Ainda assim, a resposta internacional em situações de crises humanitárias

constitui um importante avanço no sistema de proteção dos direitos humanos nas relações

internacionais.

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1. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O século XX foi palco dos dois mais sangrentos e mortais conflitos já vistos em toda História

da Humanidade1. Embora as relações entre os membros do Sistema Internacional sempre

foram marcadas por grande insegurança, as duas Guerras Mundiais demonstraram a

capacidade destrutiva do ser humano. As inovações tecnológica2 introduzidas durante o

conflito de 1914-18, chocaram o mundo pelos altos níveis de mortalidade infligidos não

somente aos exércitos combatentes, mas à população civil em geral3. Apesar das milhões de

vítimas da I Grande Guerra, o mundo ainda presenciaria um horror de dimensões ainda mais

abrangentes e indiscriminadas com a explosão da II Guerra Mundial, em 1939. Hobsbawm

(1994/2002, p. 30) observa pertinentemente:

A Humanidade sobreviveu. Contudo, o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não há como prever o breve século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam.

Não é interesse desse trabalho se aprofundar nas condições que propiciaram esses

acontecimentos, mas faz-se importante demonstrar que as guerras mundiais do século XX,

mais especificamente, a II Guerra Mundial, contribuíram significativamente para a edificação

do conceito de direitos humanos e construção de mecanismos eficazes para sua proteção,

fortalecendo a idéia de que tais direitos não devem mais ficar circunscritos ao domínio

reservado do Estado4 abrindo assim, caminho para a internacionalização dos mesmos, ou seja,

os direitos humanos devem ser protegidos globalmente5.

A noção de direitos inerentes à pessoa humana encontra expressão, ao longo da história, em regiões e épocas distintas. A formulação jurídica desta noção, no plano internacional, é, no entanto, historicamente recente, articulando-se nos últimos cinqüenta e cinco anos, mormente a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. As raízes do que hoje entendemos por proteção internacional dos direitos humanos remontam, contudo, a movimentos sociais e políticos, correntes filosóficas, e doutrinas jurídicas distintos, que floresceram ao longo de vários séculos em diferentes regiões do mundo. (TRINDADE, 1997/2003, p.33).

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Ao fim da II Guerra, o mundo tomou conhecimento dos horrores perpetuados pelo regime

nazista, principalmente com a descoberta de campos de extermínio, nos quais, calcula-se,

milhões de pessoas foram mortas6. Assim, de acordo com Flávia Piovesan (1997, p. 140).

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável.

A sociedade internacional não estava disposta a permitir que tamanha barbárie se repetisse, o

que impulsionou a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945. Inspirada na

antecessora Liga das Nações (idealizada após a I Guerra pelo então presidente norte-

americano Woodrow Wilson, esta nunca chegou a ter um papel eficiente na promoção da paz

mundial, caindo em descrédito poucos anos depois). Ironicamente, a ausência dos EUA foi

um fator determinante no fracasso da Liga das Nações, o que levaria posteriormente à criação

do assento permanente no Conselho de Segurança a fim de assegurar a participação das

grandes potências na ONU. Esta, por sua vez, pretende regular as relações entre os Estados de

modo a estabelecer e/ou fortalecer relações pacíficas e cooperativas, incentivar o

desenvolvimento dos povos e a proteção dos direitos humanos e, principalmente visa à

manutenção da paz mundial, como anunciada no preâmbulo de sua Carta:

NÓS, POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DECIDIDOS: A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; A reafirmar nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade...

E continua:

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Artigo 1

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; Artigo 2 4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

A proteção dos direitos humanos, retirada agora do âmbito estritamente estatal, originou a

criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como texto adicional à

Carta concernente as definições do que seriam de fato esses direitos. Assinada por 48 Estados7

e com oito abstenções8, essa declaração estabelece o caráter universal dos direitos humanos,

que constituiriam motivo de preocupação de toda a comunidade internacional, não mais

permanecendo circunscritos aos limites da Soberania dos Estados.

Apesar de ser um documento que estabelece uma conduta ética universal, a Declaração não

possui força jurídica vinculante, ou seja, não dispõe de caráter coercitivo, sendo caracterizada

- assim como todos os documentos aprovados pela Assembléia Geral - como soft law, ou,

normas que apresentam um caráter recomendatório para futuras ações dos Estados. Logo,

levantou-se a questão a respeito da necessidade de se produzir um documento juridicamente

obrigatório, sob forma de tratado internacional, para garantir a proteção dos direitos humanos.

Sendo assim, em 1966 os Estados aprovaram, não sem controvérsias, o Pacto Internacional

dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais, entrando em vigor dez anos depois. Tais pactos significam um mecanismo de

controle das violações dos direitos humanos, implementando, agora de forma compulsória, a

Declaração Universal.

Como afirma Piovesan (1997, p. 176):

Esse processo de “juridicização” da Declaração começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois tratados internacionais distintos – o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que passavam a incorporar os direitos constantes

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da Declaração Universal. Ao transformar os dispositivos da Declaração em previsões juridicamente vinculantes e obrigatórias, esses dois Pactos Internacionais constituem referência necessária para o exame do regime normativo de proteção internacional dos direitos humanos.

A existência de dois Pactos distintos não deve ser interpretada como uma forma de

“hierarquia valorativa”9 dos direitos humanos, e sim como um meio de enfatizar mais

detalhadamente os preceitos contidos em ambos:

Inobstante a elaboração de dois Pactos diversos, a indivisibilidade e unidade dos direitos humanos era reafirmada pela ONU, sob a fundamentação de que, sem direitos sociais, econômicos e culturais, os direitos civis e políticos só poderiam existir no plano nominal e, por sua vez, sem direitos civis e políticos, os direitos sociais, econômicos e culturais apenas existiriam no plano formal. (PIOVESAN, 1997, p. 178-179)

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos10 estabelecia que tais direitos eram de

aplicação imediata por parte dos Estados, ficando estes obrigados a produzir relatórios anuais

sobre as medidas implantadas para proteger e implementar esses direitos. Tais relatórios eram

enviados ao Comitê de Direitos Humanos, principal órgão instituído pelo Pacto, ao qual

caberia “examinar e estudar os relatórios, tecendo comentários e observações gerais”

(PIOVESAN, 1997, p. 181) e enviá-los ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

(ECOSOC). Ainda de acordo com Piovesan (1997, p. 181):

Importa esclarecer que o Comitê de Direitos Humanos é o principal órgão de monitoramento previsto pelo Pacto. É integrado por 18 membros nacionais dos Estados-parte e por eles eleitos, que, enquanto pessoas de reconhecida competência na matéria de direitos humanos, devem servir ao Comitê de forma independente e autônoma e não como representantes dos Estados (art. 28 do Pacto).

Obviamente, uma investigação mais acurada deve ser feita pelo Comitê a fim de apurar a

veracidade de tais relatórios, sendo aconselhável que a elaboração dos mesmos conte com a

participação de setores expressivos da sociedade civil. Em abril de 2006, a Assembléia Geral

aprovou a resolução 60/251 que instituía o Conselho de Direitos Humanos em substituição ao

Comitê dando continuidade ao trabalho desenvolvido pelo seu antecessor.

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Os direitos civis e políticos se configuram em grande parte pelos direitos à vida, a não ser

submetido a tortura ou tratamentos cruéis, a não ser escravizado, à liberdade e à segurança

pessoal, a um julgamento justo, às liberdades de movimento, pensamento, consciência,

religião, opinião e expressão, entre outros. Já os direitos sociais, econômicos e culturais se

constituem principalmente pelos direitos ao trabalho, à educação, a um nível de vida

adequado, ao lazer, ao saneamento básico, à saúde, à previdência social, entre outros11. De

acordo com Trindade (1997/2003, p. 488) “o empobrecimento a que vêm sendo submetidos

amplos e crescentes segmentos das populações dos países endividados constitui um grave

atentado aos direitos humanos”.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também conta com o

sistema de relatórios exigidos dos Estados que devem exemplificar as medidas adotadas para

a satisfação dos direitos reconhecidos pelo Pacto, além de enumerar as dificuldades de

implementação dos mesmos12.

O Pacto divide-se em cinco partes, concernentes, respectivamente, (I) à autodeterminação dos povos e à livre disposição de seus recursos naturais e riquezas; (II) ao compromisso dos Estados de implementar os direitos previstos; (III) aos direitos propriamente ditos; (IV) ao mecanismo de supervisão por meio da apresentação de relatórios ao ECOSOC e; (V) às normas referentes à sua ratificação e entrada em vigor. (WEIS, <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/ tratado06.htm>)

Um ponto importante a ser salientado diz respeito às violações dos direitos sociais,

econômicos e culturais por parte dos Estados e mesmo pela sociedade internacional que, de

uma forma pouco sutil, privilegia os direitos civis e políticos e relegam a segundo plano os

demais, ou seja, a “comunidade internacional continua a tolerar freqüentes violações aos

direitos sociais, econômicos e culturais que, se perpetradas em relação aos direitos civis e

políticos, provocariam imediato repúdio internacional”. (PIOVESAN, 1997, p. 199)

Foram muitos os argumentos utilizados na época para valorizar uma classe de direitos mais

que a outra. A dicotomia Socialismo/Capitalismo representada, respectivamente, por URSS e

EUA, ilustra claramente a discussão a respeito de uma geração de direitos ser mais importante

que outra. A URSS, notável pela dura repressão a quaisquer movimentos civis e políticos,

defendia a predominância dos direitos sociais, econômicos e culturais, já que o regime

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socialista, ao menos em tese, priorizava a igualdade e a justiça social, oferecendo condições

dignas para o desenvolvimento de sua população. Logo, no intuito de se esquivar da

obrigação de implementar medidas que favorecem a proteção dos direitos civis e políticos,

Moscou criticava duramente tais direitos13.

Os EUA reagiram de forma semelhante embora inversa. Para o bloco capitalista os direitos

civis e políticos eram de aplicação imediata, logo de responsabilidade direta dos Estados

enquanto os direitos sociais, econômicos e culturais demandavam uma realização progressiva.

No entanto, estabeleceu-se definitivamente o caráter universal e indivisível dos direitos

humanos.

Politicamente é compreensível que, na competição Leste-Oeste do mundo bipolar da Guerra Fria, os ocidentais insistissem tanto na noção de ‘direitos fundamentais’, ‘de primeira geração’, realizáveis por simples prestação negativa de parte dos Estados. Afinal, os direitos humanos estavam no cerne da rivalidade ideológica entre o liberalismo capitalista e o comunismo. Os países do ‘socialismo real’ justificavam, com respaldo nos textos de Marx, a falta de liberdades e direitos civis e políticos – embora nunca a reconhecessem – pela necessidade de antes fazer valer os direitos econômicos e sociais. Os verdadeiros direitos, não-‘burgueses, seriam gerados de forma autêntica com a construção de novas relações de produção pelo proletariado. (ALVES, 2003, p. 107)

Posteriormente, o fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim e pelo

esfacelamento da URSS, proporcionou a emergência dos chamados Novos Temas na agenda

global internacional. Ou seja, com o fim do embate ideológico entre Leste e Oeste, aceitando-

se, mesmo que implicitamente, o capitalismo como, provavelmente, o único sistema

econômico viável e condizente com a nova realidade, novas questões emergiram e

conquistaram a atenção dos grandes líderes mundiais. A atmosfera otimista do início nos anos

90 foi responsável por várias conferências organizadas pela ONU14 no intuito de estabelecer

relações mais cooperativas entre Estados, Organizações Internacionais e a sociedade civil a

respeito desses novos temas, tais como: direitos humanos, meio-ambiente, superpopulação,

direitos da mulher e da criança, entre outros. Alves (2003, p. 3) observa:

Eliminada a divisão simplificadora do mundo em dois grandes blocos estratégicos, em que os problemas e aspirações locais submergiam no contexto das rivalidades das duas superpotências, as realidades e conflitos nacionais se tornaram muito mais transparentes. Foi possível, assim, verificar com maior clareza o estado deplorável

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dos direitos humanos em vastas massas territoriais e o grau de ameaça que isso significa à estabilidade internacional.

Assim, o mundo tomou conhecimento da precariedade das condições em que centenas de

milhões de pessoas, talvez bilhões, se encontravam nas mais diversas partes do planeta, sendo

negligenciadas ou exploradas por Estados incapazes ou autoritários15.

Neste contexto, foi realizada em 1993 a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em

Viena16. Contando com a participação de um significativo número de Estados, assim como de

Organizações Não-Governamentais (ONG’s) e diversos setores da sociedade civil, a

Conferência alcançou avanços17, obtendo consenso em matérias polêmicas e evitando

retrocessos no sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Conseguiu ainda

fortalecer o papel das ONG’s que se estabeleceriam como parceiras importantes em vários

países e estreitou laços entre governo e sociedade civil. No entanto, encontrar um consenso

para a aprovação do texto final não constitui tarefa fácil, principalmente pelas críticas de

alguns Estados – particularmente aqueles com históricos de violações sistemáticas dos

direitos humanos e/ou aqueles governados por regimes fundamentalistas e autoritários -

quanto ao caráter universalista dos direitos humanos18.

Mais do que todas as outras, a principal conquista conceitual proporcionada pela Convenção de Viena para o mundo pós-Guerra Fria terá sido o reconhecimento desta feito por uma comunidade internacional representada em sua integralidade por Estados soberanos, da universalidade dos direitos definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esta é a única referência normativa citada no preâmbulo do documento de Viena – além da Carta das Nações Unidas, que lhe serve de base, e dos Pactos Internacionais, que a complementam. O fato é tanto mais significativo porque, diante dele, já não se pode mais, coerentemente, acusar de etnocêntricos os direitos proclamados em 48, nem fazer uso do relativismo cultural como justificativa para sua inobservância. (ALVES, 2003, p. 138-139)

Os direitos coletivos relativos ao desenvolvimento foram estabelecidos, sem consenso, pela

Assembléia Geral das Nações Unidas, através da resolução 41/128, em 1986, intitulada

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Durante a Conferência de Viena, tampouco

tal consenso foi atingido facilmente, no entanto, apesar das divergências, a conciliação

prevaleceu. O artigo 10 da Declaração de Viena oferece um bom exemplo sobre quais são

esses direitos:

15

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, enquanto direito universal e inalienável e parte integrante dos Direitos Humanos fundamentais. Conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento. O desenvolvimento facilita o gozo de todos os Direitos Humanos, mas a falta de desenvolvimento não pode ser invocada para justificar a limitação de Direitos Humanos internacionalmente reconhecidos. Os Estados devem cooperar entre si para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos que lhe sejam colocados. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional efectiva com vista à realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento. O progresso duradouro no sentido da realização do direito ao desenvolvimento exige a adopção de políticas de desenvolvimento eficazes a nível nacional, bem como o estabelecimento de relações económicas equitativas e a existência de um panorama económico favorável a nível internacional. (Ver texto integral em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/decl-prog-accao-viena.html, acessado em 02 de abril de 2007)

O debate entre a teoria universalista e a teoria relativista, e as dificuldades de se encontrar um

consenso a respeito do documento final aprovado pela Conferência de Viena serão mais

claramente demonstrados adiante.

16

2. PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – A TEORIA UNIVERSALISTA

As maiores críticas em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos e aos demais

tratados inspirados por ela partem da idéia de que tais direitos são uma construção ocidental,

não se adequando a contextos e culturas distintos17. A chamada teoria relativista, em

contraposição à teoria universalista, valoriza os mais diversos particularismos culturais em

detrimento de uma “ética global”18, ou seja, os costumes e valores de cada povo não podem

ser julgados utilizando-se de padrões universais19. O argumento relativista se assenta na

necessidade de preservação desses culturalismos, recusando a premissa de que acima de

qualquer diferenciação entre os seres humanos, todos fazem parte de uma mesma

comunidade: a humanidade.

Logo, valores e direitos fundamentais são direitos de todos, não existindo justificativa moral

para sua rejeição ou indiferença, constituindo-se, entre outros, uma norma de jus cogens, ou

seja, de acordo com o artigo 53 da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, uma

norma de jus cogens representa uma norma imperativa de Direito Internacional geral, sendo

“aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma

da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma norma ulterior

de Direito Internacional geral da mesma natureza”.

As normas de jus cogens foram consagradas pela Convenção de Viena sobre os Direitos dos

Tratados, assinada em 23 de maio de 1969, a qual, através dos artigos 53 e 64 estabelece a

primazia destas normas sobre as demais. O artigo 53 dispõe:

É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, é incompatível com uma norma imperativa do Direito Internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é a que for aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto como uma norma à qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de Direito Internacional geral com a mesma natureza.

17

O artigo 64 complementa: “Se sobreviver uma norma imperativa de Direito Internacional

geral, todo o tratado existente que seja incompatível com esta torna-se nulo e cessa sua

vigência”.

Embora não exista uma lista delimitando quais são as normas consideradas jus cogens, estas

podendo variar de acordo com os costumes e com a época em questão, é importante ressaltar

alguns exemplos em que a violação dessas normas constitui claramente uma violação a

valores universais aceitos pela sociedade internacional, tais como tráficos de pessoas,

apartheid, tortura, genocídio, entre outros20.

O que não se pode permitir é que o identitário se erija em absoluto, que o essencialismo cultural se torne a única preocupação política, que o perspectivismo domine a idéia do conhecimento, renegando a possibilidade do real universal, como caminho para o progresso desejado. (ALVES, 2005, p. 110)

Durante todo o período da Guerra Fria foram constantes as discussões a respeito da suposta

universalidade dos direitos humanos. Defensores do relativismo (estes representados por

grande parte do mundo ocidental) atacavam essa concepção utilizando os argumentos já

apresentados. Em 1968, foi realizada a I Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em

Teerã, da qual participaram 84 países além de representantes de organizações internacionais e

não-governamentais, adotando ao final a Proclamação de Teerã sobre Direitos Humanos21. De

acordo com Trindade (1997/2003, p. 83-4).

Com efeito, transcorridas duas décadas desde a adoção da Declaração Universal, a asserção, pela I Conferência Mundial de Direitos Humanos (1968) de uma nova visão, global e integrada, de todos os direitos humanos, constitui a nosso ver a grande contribuição da Conferência Mundial de Teerã para os desenvolvimentos subseqüentes da matéria.

Em 1993, foi realizada a II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em Viena, onde

apesar de ainda persistirem fortes argumentações em favor do relativismo cultural, ficou

estabelecido a inegável e indiscutível universalidade dos direitos humanos através da

aprovação da Declaração e Programa de Ação de Viena, o principal documento da

Conferência22. No entanto, tal aprovação não foi obtida facilmente, sendo necessária muita

18

habilidade na formulação desse texto, para que se atingisse um consenso, sem, no entanto,

prejudicar a noção de direitos humanos universais. Ótimo!! Um exemplo claro disso pode ser

observado no Artigo 5º da Declaração:

Todos os direitos humanos são universais indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas políticos econômicos e culturais. (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA, ALVES, 2003, p.153).

Embora esse trabalho esteja diretamente assentado na premissa universalista, aceitando essa

postura como a única passível de reconhecimento, não havendo espaço para discussões

jurídicas, uma vez que o tema já possui definição convencional, algumas considerações a

respeito das críticas relativistas devem ser ressaltadas.

O argumento utilizado por aqueles contrários à universalidade dos direitos humanos se

assenta principalmente no pressuposto de que cada cultura dispõe de seus próprios costumes e

que impor a proteção destes direitos em contextos distintos não seria sempre condizente com

certos contextos locais, representando nada mais que uma interferência ocidental com fins que

nada dizem respeito à proteção do ser humano. Ou seja, tal interferência serviria somente aos

interesses dos países mais poderosos, sugerindo uma nova forma de colonialismo23.

Por outro lado, a questão do relativismo cultural continua sendo muito debatida,

principalmente nos chamados Estados Não-Ocidentais, os quais argumentam que cada

sociedade dispõe de seus próprios valores éticos e culturais, não apresentando legitimidade a

imposição de direitos supostamente universais por parte das potências ocidentais, estas

somente interessadas em satisfazer suas próprias agendas políticas, não existindo um real

interesse na proteção dos direitos humanos nessas regiões. Certamente que nem todos os

países “não-Ocidentais” compartilham da mesma visão24 - embora compartilhem de valores

culturais e/ou religiosos semelhantes -, o que esvazia ainda mais a validade desse discurso por

se apresentar como uma justificativa a violações constantes dos direitos humanos por esses

Estados25. Não procede a negação dos direitos humanos por estes serem uma construção

19

meramente ocidental, ou seja, a universalidade da proteção à dignidade da pessoa humana não

conhece barreiras geográficas, políticas, religiosas, culturais, ou de qualquer outra natureza,

sendo um direito inalienável de todo ser humano.

Contra as afirmações a respeito das diferenças culturais como forma de esvaziar todo o

conceito de Direitos Humanos e justificar a sua inobservância escreve Alves (2003, p.4):

As afirmações de que a Declaração Universal é documento de interesses apenas ocidental, irrelevante e inaplicável em sociedades com valores histórico-culturais distintos, são, porém falsas e perniciosas. Falsas porque todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral da ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em evidência, assim, o caráter hoje universal de seus valores. Perniciosas porque abrem possibilidades à invocação do relativismo cultural como justificativa para violações concretas de direitos já internacionalmente reconhecidos.

Após o fim da Guerra Fria se intensificaram os conflitos regionais e guerras civis causadas

principalmente pelo enrijecimento de micronacionalismos e pelo crescimento de

fundamentalismos, religiosos ou não26. “Estes, uma vez exacerbados, levam à limpeza étnica

da Bósnia, ao genocídio de Ruanda, à brutalidade dos islamistas argelinos, ao arcaísmo

desvairado e antifeminino dos talibãs do Afeganistão”. (ALVES, 2003, p. 29) Divergências

culturais substituíram os enfrentamentos ideológicos da Guerra Fria. A atmosfera de otimismo

gerada pelo fim do embate Leste/Oeste logo se dissipou com a constatação dos efeitos cruéis e

devastadores do processo globalizante que, segregou de acordo Alves (2005), dois terços da

população, que somente têm acesso a uma porção mínima das vantagens advindas da

globalização, quando não são relevados a um limbo sócio-econômico mundial.

Bauman (1998) descreve a globalização como um fenômeno que simultaneamente provoca a

integração dos chamados cidadãos globais enquanto exclui e segrega populações inteiras,

fadadas à dependência e à imobilidade, o que por seu lado, reforçam sentimentos culturais

localizados (que por sua vez dão suporte a argumentos relativistas, para a justificação de

violações dos direitos humanos), assim como acentuam nacionalismos, fundamentalismos

religiosos e políticas discriminatórias contra minorias, grupos étnicos distintos, entre outros.

“Ser local num mundo globalizado é sinal de privação de degradação social.” (BAUMAN,

1998, p.8).

20

Em relação às expectativas que o fenômeno da globalização gerou entre os meios intelectuais

e suas reais conseqüências, Bauman (1998, p. 67), observa:

Assim como os conceitos de “civilização”, “desenvolvimento”, “convergência”, “consenso” e muitos outros termos chaves do pensamento moderno inicial e clássico, a idéia de ‘universalização’ transmitia a esperança, a intenção e a determinação de se produzir a ordem; além do que os outros termos afins assinalavam, ela indicava uma ordem universal – a produção da ordem numa escala universal, verdadeiramente global. Como os outros conceitos, a idéia de universalização foi cunhada com a maré montante dos recursos das potências modernas e das ambições intelectuais modernas. Toda a família de conceitos anunciava em uníssono a vontade de tornar o mundo diferente e melhor do que fora e de expandir a mudança e a melhoria em escala global, à dimensão da espécie. Além disso, declarava a intenção de tornar semelhantes as condições de vida de todos, em toda a parte, e, portanto, as oportunidades de vida para todo o mundo; talvez mesmo torná-las iguais. Nada disso restou no significado de globalização, tal como formulado no discurso atual. O novo termo refere-se primordialmente aos efeitos globais, notoriamente não pretendidos e imprevistos, e não às iniciativas e empreendimentos globais.

Entender a globalização, seus efeitos econômicos, políticos e culturais, possibilita ampliar as

perspectivas a respeito da situação em que se encontram os direitos humanos no final do

século XX e início do século XXI, já que é responsável pelo aumento considerável da

desigualdade social no mundo, provocada pela concentração dos lucros nas mãos de poucos

Estados ou empresas e pela péssima distribuição de renda entre os mais pobres e os mais

ricos. Stiglitz27 (2002, p. 31-2) explica:

A distância cada vez maior entre os que têm e os que não têm vem deixando um número bastante grande de pessoas no Terceiro Mundo num estado lamentável de miséria, sobrevivendo com menos de um dólar por dia. Apesar das repetidas promessas de redução dos índices de pobreza feitas durante a última década do século XX, o número dos que vivem na miséria efetivamente aumentou, e muito. Isso ocorreu ao mesmo tempo (sic) que a renda total do mundo elevou-se, em média, 2,5 por cento ao ano.

A íntima ligação entre o processo globalizante e a fragmentação cultural advinda da pós-

modernidade28, (embora tais processos sejam freqüentemente associados a comunidades

científicas diferentes: a globalização pertenceria à classe dos economistas e cientistas políticos

enquanto a pós-modernidade seria objeto de interesse de filósofos e sociólogos, é inegável a

íntima relação de ambas29, principalmente no que concerne à proteção dos direitos humanos)

21

merecem um trabalho a parte30, no entanto, faz-se necessário discutir brevemente esses

fenômenos para compreender a real situação dos direitos humanos no século XXI. Logo, esse

trabalho se limita a apresentar um panorama geral do cenário produzido por tais processos.

O fenômeno pós-moderno se caracteriza principalmente pelo fortalecimento da noção de

comunidade (neste caso entendida como comunidades locais ligadas por afinidades étnicas,

religiosas, culturais, entre outras) em detrimento da universalidade e do cosmopolitismo,

assim como a acentuação de particularismos culturais - dentro dos quais crenças culturais

substituem verdades científicas - pela segregação de grupos inteiros da população mundial

que, excluídos do desenvolvimento proporcionado pela globalização, desenvolvem um forte

sentimento identitário, ao mesmo tempo em que acentua a intolerância a culturas diferentes e

fomenta grupos fundamentalistas, substituindo governos seculares em favor de governos

teocráticos 31.

O indivíduo, muitas vezes discriminado dentro do território nacional pela parcialidade da implementação dos direitos humanos e liberdades fundamentais, vai buscar outros tipos de ‘comunidade’, preferenciais como âncoras de autoproteção – ou, como se diz atualmente, para sua própria autoconstrução. (ALVES, 2003, p. 28)

É importante salientar que a teoria universalista não defende uma massificação cultural ou

mesmo uma aculturação dos mais diferentes povos. “As diferenças precisam, sim, ser

respeitadas – muito mais do que ‘toleradas’ -, mas elas não se (sic) podem sobrepor ao ideal

de igualdade [...]”. (ALVES, 2003, p. 110). Ou seja, as diferenças culturais contribuem para a

evolução da humanidade e são extremamente importantes para o desenvolvimento humano

em qualquer sociedade, portanto, todos os processos de segregação baseados em qualquer tipo

de critério de diferenciação representam um retrocesso histórico em que os direitos humanos e

as liberdades fundamentais sofrem um duro golpe32.

Sintomas do retrocesso já existiam, sem dúvida, no início dos anos 1990. E muitos foram os autores a apontar variados sinais de emergência de uma “nova Idade Média” com o enfraquecimento do Estado e sua substituição por outros elementos, positivos e negativos, associados à globalização; a alertar para o recrudescimento do misticismo num mundo sem esperanças; a estudar o fundamentalismo religioso em luta pela reconquista do poder político; a apontar um “reencantamento do mundo”, às vezes com ingênuo otimismo. O que nenhum deles previu foi uma radicalização tão rápida e calamitosa de todos os sintomas regressivos. (ALVES, 2003, p. 220)

22

Apesar do tom pessimista adotado por Alves, a década de 1990 também deve ser lembrada

como a década na qual foram realizadas importantes conferências internacionais (sob os

auspícios da ONU) envolvendo não só agentes estatais, mas ONG’s e outros órgãos de

representação civil33 Mesmo com as inúmeras dificuldades em se obter consenso para a

assinatura dos documentos relativos às várias conferências, tais foram aprovados reforçando a

noção universal desses novos temas34.

Os direitos humanos e as liberdades fundamentais se constituíram através de processos sócio-

culturais, evoluindo constantemente, não apresentando assim forma estática e definitiva, mas

um processo dinâmico que acompanha as mudanças da realidade social na qual o objeto de tal

proteção está inserido. Logo, sempre serão necessárias adaptações que condizem,

coerentemente, com o ambiente atual do homem. Ou seja, a consagração desses direitos

advém de um longo processo histórico que apesar dos avanços se mantém em constante

evolução35.

Superado o embate entre Universalismo e Relativismo, a problemática dos direitos humanos

se assenta agora mais nas dificuldades de sua implementação do que em sua legitimidade.

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político [...] Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 1992, p. 6)

Creditando-se aos direitos humanos o caráter universal, a efetividade de sua proteção esbarra

agora nas disparidades econômicas existentes entre os Estados. É fato que, onde o

desenvolvimento sócio-econômico é precário e onde as políticas dos Estados não se ajustam a

essas dificuldades, ou mesmo no caso de os Estados serem fracos demais para mudarem esse

status quo as violações dos direitos humanos costumam ser mais freqüentes e muitas vezes

impunes, afetando principalmente os membros marginalizados da sociedade. Sendo assim, a

inobservância dos direitos humanos deve ser condenada pela comunidade internacional que,

no entanto, não deve se limitar a essa condenação, buscando seja através da cooperação

econômica, seja através do incentivo a políticas de inserção social e distribuição de renda

23

mais eficientes em países periféricos, estabelecer bases mais sólidas para preservação e

respeito à dignidade humana.

As violações dos direitos humanos devem, é claro, ser denunciadas e condenadas onde quer que ocorram e independentemente das circunstâncias que as cerquem, mas a cooperação internacional para o aperfeiçoamento dos direitos humanos deve ir além da simples condenação e buscar desenvolver os meios para superar obstáculos econômicos, sociais e políticos que impedem o acesso a níveis dignos de existência a grande parte da humanidade. (SABÓIA, 1994, p. 196)

As desigualdades sócio-econômicas acentuadas pela globalização, a fragmentação de uma

identidade humana global, o fortalecimento de particularismos culturais e movimentos

fundamentalistas, a fragilidade do Estado em administrar recursos para seu próprio

desenvolvimento, ao mesmo tempo em que grandes corporações privadas (muitas vezes

subsidiadas pelos seus próprios governos) manipulam economias inteiras devido ao seu

imenso poder financeiro36, se configuram como graves desafios ao sistema internacional dos

direitos humanos tendo como exemplo mais crítico, casos em que as violações atingem níveis

consideráveis levando ao massacre de populações inteiras37. Nestes casos, esgotados todos os

meios pacíficos de negociação, a sociedade pode optar pela intervenção humanitária (coletiva

ou não), com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, tema a ser discutido no

próximo capítulo.

Não há, contudo, solução fácil para o problema das violações no cenário internacional, já que

não existe um poder supranacional que possa obrigar os Estados a obedecer a certas regras38,

mas em um mundo cada vez mais interdependente o desrespeito sistemático de leis e tratados

internacionais pode levar a graves sanções econômicas, além de produzir uma condenação

moral que denigre a imagem do Estado infrator frente à comunidade internacional – podendo

causar enormes prejuízos políticos e econômicos ao mesmo -, podendo motivar a interferência

da sociedade internacional, seja através de tropas de manutenção da paz das Nações Unidas,

assistências humanitárias (realizadas por Organizações Internacionais, Organizações Não-

Governamentais ou mesmo pela própria ONU), ou, nos casos mais críticos intervenções

humanitárias (coletivas ou unilaterais), com a autorização do Conselho de Segurança. Esse

tema será discutido no próximo capítulo.

24

3. O PAPEL DOS ATORES INTERNACIONAIS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS

O final do século XX foi marcado por acontecimentos que despertaram otimismo por toda a

sociedade internacional. O esfacelamento da URSS encerrando, definitivamente a Guerra

Fria, o fim do socialismo na Europa e conseqüentemente a extinção do embate Leste-Oeste

pareciam configurar o início de uma nova era, marcada pela cooperação, pela busca da paz,

pelo respeito aos direitos humanos, enfim, uma era em que a força cederia lugar à negociação

e o desenvolvimento pacífico seria um objetivo em comum nas relações entre os mais

diversos atores internacionais. A ONU poderia finalmente exercer suas funções como

idealizadas por seus fundadores, e o Conselho de Segurança não mais seria anulado por

diferenças ideológicas, podendo assim agir em prol da manutenção da paz e segurança

internacionais41. O início dos anos 1990 presenciou a realização, pela ONU, de inúmeras

conferências a favor do desenvolvimento humano, enfatizando os mais complexos aspectos

envolvidos neste42.

Entretanto tal atmosfera não perdurou por muito tempo. As ameaças não desapareceram

apenas se transformaram As instabilidades no Leste Europeu, na África e na Ásia logo

demonstraram que o período a seguir não seria como se pensava. Os conflitos armados43

agora explodiam dentro de fronteiras nacionais de Estados que não mais controlavam seus

próprios territórios, sucumbindo frente a grupos rebeldes e/ou separatistas. Hobsbawm

(1994/2002, p. 538-9) coloca de forma clara a mudança na natureza dos conflitos pós-1989:

O Breve Século XX fora de guerras mundiais, quentes ou frias, feitas por grandes potências e seus aliados em cenários de destruição em massa cada vez mais apocalípticos, culminando no holocausto nucelar das superpotências, felizmente evitado. Esse perigo desaparecera visivelmente. O que quer que trouxesse o futuro, o próprio desaparecimento ou transformação de todos os velhos atores do drama mundial, com exceção de um, significava que uma Terceira Guerra Mundial do velho tipo se achava entre as perspectivas menos prováveis. Visivelmente, isso não significava que a era das guerras houvesse acabado. A década de 1980 já demonstrara, com a guerra britânico-argentina de 1983 e a do Irã-Iraque de 1980-8, que guerras que nada tinham a ver com o confronto global das superpotências eram uma possibilidade permanente. Os anos que se seguiram a 1989 viram mais operações militares em mais partes da Europa, Ásia e África do que qualquer um pode lembrar, embora nem todas elas fossem oficialmente classificadas como guerras: na Libéria, em Angola, no Sudão e no Chifre da África, na ex-Iugoslávia, na Moldávia, em vários países do Cáucaso e Transcáucaso, no sempre explosivo Oriente Médio, na ex-soviética Ásia Central e no Afeganistão. Como

25

muitas vezes não era claro quem combatia quem e por que nas cada vez mais freqüentes situações de colapso e desintegrações nacionais, essas atividades, na verdade, não se encaixavam em nenhuma das classificações clássicas de “guerra”, internacional ou civil.

O desenvolvimento almejado para todos os povos se concentrava cada vez mais nas mãos de

poucos acentuando significativamente o fosso entre os mais pobres e os mais ricos. Tal

disparidade, entre outros fatores, desencadeou disputas étnicas, religiosas e políticas agindo

como catalisador de conflitos intraestatais. A respeito da importância dos fatores econômicos

na prevenção destes conflitos Brown (In: BROWN, 1996, p. 610) argumenta:

A country’s economic situation and economic prospects have tremendous implications for its potential for violence. Rising levels of unemployment and inflation, declining standards of living, and grim economic prospects intensify resentments, polarize societies, and make people more receptive to ethnic and nationalistic appeals. Patterns of economic discrimination and growing economic inequities only make bad situations worse. The importance of the economic roots of internal conflict cannot be underestimated: if international actors are serious about preventing internal conflict and civil war, they have to do more than treat the military dimensions and military manifestations of the problem; they have to address the economic sources of conflict in troubled societies.

Logo, o sistema internacional tem procurado se adaptar a essa nova realidade o que torna

necessária uma reinterpretação de um conceito clássico das relações internacionais: a

soberania.

Soberania pode ser entendida como o arranjo político originado durante os acordos de

Westphalia44 formatando o atual sistema internacional, ou seja, deu “unidade a processos

históricos, tais como a formação do Estado moderno, e possibilitou a elaboração conceptual

de uma teoria acabada do Estado” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1983/2000, 1185)

além de definir o papel desempenhado pelos Estados tanto em âmbito interno como

internacional. Tal caracterização é bem definida por Bobbio, Matteucci e

Pasquino (1983/2000, p.1180) como:

A dupla face da Soberania: a interna e a externa. Internamente o soberano [...] procura a eliminação de conflitos internos [...] a fim de manter a paz, essencial para enfrentar a luta com outros Estados na arena internacional [...] Externamente cabe ao

26

soberano decidir acerca da guerra e da paz: isto implica um sistema de Estados que não têm juiz algum acima de si próprios [...], que equilibram suas relações mediante a guerra, mesmo sendo esta cada vez mais disciplinada e racionalizada.

A complexidade dos conflitos armados atuais, em especial dos conflitos internos, exige da

sociedade internacional uma resposta rápida e eficiente a fim de minimizar os danos causados

por estes e evitar que ameacem a paz internacional. De acordo com Brown (In BROWN,

1996, p. 603) “internal conflict is widespread, and often causes tremendous amounts of

human suffering, posing serious threats to regional and international security along the way”.

A salvaguarda da população civil, assim como daqueles que não mais tomam parte nas

hostilidades e a limitação ou mesmo proibição do uso de certos tipos de armas durante os

combates são, fundamentalmente, as principais atribuições do Direito Internacional

Humanitário45 (DIH). De acordo com Borges (2006, p. 16) as normas do DIH:

[...] se propõem a mitigar o sofrimento dos efeitos causados pela guerra. A idéia é, portanto, preservar, mesmo em uma situação extrema, a dignidade da pessoa humana. [...] não se deseja, com sua aplicação, tornar um conflito armado mais “justo”. Ele visa simplesmente diminuir ao máximo o sofrimento daqueles que são afetados por essa situação.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha define o Direito Internacional Humanitário como:

[...] um conjunto de normas internacionais que tem por objetivo proteger as pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades e restringir os meios e métodos de guerra. Suas normas estão contidas em tratados aos quais os Estados aderem voluntariamente, comprometendo-se a respeitar e fazê-los respeitar; ou têm origem no costume internacional, pela repetição de determinadas condutas com a convicção de que devem ser respeitadas e de que sua violação é rejeitada por todos. (<http://www.icrc.org/Web/por/sitepor0.nsf/html/5TNDBL>).

A utilização de regras e normas para a condução de hostilidades remonta aos primórdios da

civilização46, no entanto, somente no século XIX, com a criação do Comitê Internacional da

Cruz Vermelha (ICRC), por Henry Dunant, e com a adoção das Convenções de Genebra, de

1949 e seus Protocolos Adicionais, de 1977 que o DIH se solidifica definitivamente47. Com

27

uma regulamentação jurídica mais específica do campo de atuação do DIH, consagrou-se os

direitos das vítimas de conflitos e restringiu os meios utilizados nos combates, contribuindo

para o reconhecimento internacional de sua importância e legitimidade:

Na história do direito internacional humanitário, há dois momentos de destaque em que grandes avanços são alcançados no que se refere ao seu desenvolvimento, visando conferir a melhor proteção possível aos indivíduos em uma situação de beligerância. Se as normas para a proteção do indivíduo em tempo de guerra surgem no final do século XIX mediante a efetivação dos ideais de Henry Dunant, com a adoção das quatro Convenções de Genebra em 1949 e, posteriormente, de seus dois Protocolos Adicionais em 1977, elas ganham nova interpretação e abordagem. (BORGES, 2006, p. 75).

O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e o Direito Internacional Humanitário

(DIH), apesar de representarem dois sistemas jurídicos distintos, compartilham semelhanças

significativas para os objetivos desse trabalho, ou seja, a proteção da pessoa humana.

Enquanto o primeiro diz respeito à proteção dos indivíduos tanto em tempos de paz quanto

em tempos de “guerra”, o segundo regula a condução de hostilidades em períodos de conflito

no intuito de minimizar o sofrimento causado por este à população civil e àqueles que

deixaram de participar das hostilidades. Contudo algumas exceções podem ser feitas quanto

aos direitos humanos em situações nas quais a paz foi rompida, como a suspensão das

liberdades de locomoção, reunião e associação. Já o DIH não admite derrogações48. De

acordo com o ICRC (2005):

Some human rights treaties permit states to derogate from certain rights in times of public emergency. Certain key rights may never be suspended, including the right to life and the prohibition of torture or cruel, inhuman or degrading treatment or punishment. Moreover, unless and until they have issued derogations in accordance with the relevant procedures states are bound by the entirety of their conventional obligations even in times of armed conflict (<http://www.icrc.org/Web/eng/siteeng0.nsf/html/6T7G86>).

Sendo assim, apesar de o DIDH e o DIH49 terem originado correntes distintas, este trabalho

parte do pressuposto que ambos defendem a proteção da dignidade humana contribuindo

assim de forma complementar para a implementação e defesa dos direitos fundamentais do ser

humano.

28

Visando ao respeito aos Direitos Humanos, ao DIH e à manutenção da paz e da segurança

internacionais a sociedade internacional intervém de formas diversas em situações críticas

onde os governos locais carecem de força ou vontade para conter a escalada da violência,

assistindo a população civil, em situações de conflito armado ou desastres naturais. Estas

intervenções apresentam características distintas entre si, podendo variar de distribuição de

ajuda humanitária; operações de manutenção da paz, sob autorização da ONU e consentidas

pelo Estado em questão, chegando até a intervenções militares de caráter coercitivo, sob os

auspícios do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

3.1. Assistências Humanitárias

Aliviar o sofrimento humano em regiões em crise não compete exclusivamente aos Estados

ou às Nações Unidas. As chamadas assistências humanitárias são exercidas também por

organizações não-governamentais (ONG’s) de caráter humanitário que têm como função

primordial aliviar o sofrimento humano em regiões afetadas por conflitos armados ou

desastres naturais. “Missions that attempt to deliver humanitarian aid into war zones do no try

to end wars; they try to mitigate the tragic consequences of war – famine, malnutrition, and

disease.” (LINDLEY. In: BROWN, 1996, p.549). Para tanto, é necessário que os governos

aos quais se dirige tal assistência facilite o livre acesso do pessoal envolvido na ajuda

humanitária assim como garanta sua segurança. Ruth Stoffels (2004, p. 521) discorre

sucintamente sobre isso:

Humanitarian organizations also have the right to provide humanitarian assistance. This consists of the right to offer victims the relief supplies that they need and the right to offer aid not to be unreasonably refused when the needs of the victims are not met in some other way. This right should be regarded as a corollary to the rights of victims to humanitarian assistance, without it lacks a solid justificatory basis. The duties of States and other parties to conflict in this regard boil down to a duty to permit the entry, passage and distribution of humanitarian aid. They involve the following: (i) affected States must authorize the entry and passage of humanitarian aid for civilian population in need; (ii) affected parties to a conflict must not obstruct, directly or indirectly, the entry passage or distribution of humanitarian aid; (iii) affected parties must make every effort to facilitate the rapid and unimpeded passage of relief consignments and assist humanitarian organizations and personnel in carrying out their work; and (iv) affected parties must guarantee the safety of supplies and humanitarian personnel.

29

As assistências humanitárias não necessitam do consentimento do Estado ao qual elas se

dirigem. Embora também possam atuar em regiões devastadas por desastres naturais50, a

maior parte das ações efetuadas por entidades humanitárias se localizam em áreas afetadas por

conflitos, na maioria das vezes, conflitos internos. Stoffels (2004, p. 524) ressalta que a

maioria dos conflitos atuais são intraestatais e respondem por altos índices de violações do

direito à asssitência humanitária: "It is important to remember that the majority of recent wars

have been internal conflicts, which are generally characterized by more serious and more

widespread violations of the right to humanitarian assistance." Logo, a não necessidade de

autorização do Estado ou das partes envolvidas em um conflito armado facilitaria, em

tese, a realização de uma assistência humanitária já que esta se encontra legalmente

autorizada pelo Direito Internacional51. Ainda de acordo com Stoffels (2004, p. 533):

[...] the offer of humanitarian assistance to those in need by any member of the international community, without the prior consent of the State in question, does not constitute an internationally wrongful act. States, international organizations and public humanitarian organizations therefore have the legal right to offer humanitarian assistance to victims in a humanitarian emergency, without this being considered unlawful or even inappropriate.

As assistências humanitárias são regidas basicamente por quatro princípios fundamentais,

sendo eles: humanidade, imparcialidade, independência e neutralidade.

O princípio da humanidade se assenta primordialmente na necessidade de oferecer ajuda

humanitária a todos aqueles que se encontram privados dos bens necessários à sua própria

sobrevivência visando a proteção da vida e da dignidade humanas. Define-se por valores

compartilhados por todos os seres humanos e no direito destes de receber ajuda em casos de

emergências humanitárias.

A não-discriminação dos destinatários da ajuda humanitária e a proporcionalidade desta ajuda

em relação às necessidades da população em questão caracterizam o princípio da

imparcialidade. O ICRC52 define o princípio da não-discriminação, relacionando-o com o

conceito da humanidade:

30

Non-discrimination among men is the greatest of Red Cross principles, after that of humanity, to which it is in any event related. The principle of humanity has its starting point in human suffering. It is this suffering which inspires the charitable action and determines the form it takes. The solicitude of the Red Cross cannot submit to limitations; it extends to all beings whom we recognize as our fellow-men because of the common nature we share with them. In its relations with those in need of assistance, whoever they may be, the Red Cross will show an equal readiness to be of service.

A imparcialidade das atividades humanitárias deve ser respeitada pelas partes em conflito as

quais devem autorizar a distribuição de ajuda também para aqueles que estão sob o controle

do adversário. Em outras palavras:

The warring parties, too, must respect the impartiality of humanitarian efforts undertaken by humanitarian organizations and personnel, but are bound to authorize the provision of humanitarian aid to the population of the adverse party, regardless of whether or not the needs of the population under their control are adequately met. (STOFFELS, 2004, p. 541).

O princípio da neutralidade se define pelo distanciamento político adotado pela maioria das

organizações que prestam socorro humanitário se abstendo de se engajar em atividades hostis

que possam favorecer uma parte em detrimento da outra obstruindo assim o acesso do

pessoal humanitária às vítimas. Para Fiona Terry (2002, p. 19) “the principle of neutrality

denotes a duty to refrain from taking part in hostilities or from undertaking any action that

furthers the interests of one party to the conflict or compromises those of the others.”

A essência da postura neutra se baseia no pressuposto de que a melhor forma de prestar

assistência ao maior número de pessoas possível só é possível quando as partes em

conflito são conscientes do papel puramente humanitário dessas atividades não as

vendo, portanto, como uma ameaça. Segundo Hans Haug (1996), para o ICRC a aderência à

neutralidade se justifica como forma de criar e manter uma ambiente de confiança garantindo

a unidade e a universalidade do Movimento, sendo que qualquer desconsideração à mesma

pode levar a tensões e mesmo fissuras entre as diversas Sociedades Nacionais da Cruz

Vermelha.

No entanto, muitas organizações de ajuda humanitária não compartilham da mesma posição

do ICRC, ou seja, a idéia de se manter neutro enquanto atrocidades são cometidas ainda gera

31

muita controvérsia. A ONG Médicos sem Fronteiras defende uma posição mais independente

em relação à neutralidade colocando os interesses das vítimas acima da soberania dos Estados

e da neutralidade das ações humanitárias. Oxfam segue o exemplo de ativismo político

humanitário (“politically activist humanitarianism”) adotado pelos MSF. (SCHWEIZER,

2004).

Mas o fato é que nos conflitos atuais não mais existe uma divisão clara entre as partes

combatentes e geralmente os atos cometidos por ambas as partes são igualmente condenáveis

frente ao DIH o que levanta questões a respeito da legitimidade e eficácia das assistências

humanitárias. Um exemplo de como uma assistência humanitária pode gerar ambigüidade

quanto aos resultados obtidos se traduz na questão dos campos de refugiados ruandeses no

Zaire durante e após o genocídio em Ruanda53. Muitos dos refugiados nesses campos não só

participaram ativamente dos massacres, mas como treinavam rebeldes para continuarem as

matanças tanto em Ruanda como dentro dos próprios campos. Cientes do dilema moral de

assistir a assassinos e contribuir para a perpetuação do genocídio a MSF juntamente com

outras organizações encerraram suas atividades nos campos e retiraram seu pessoal da região.

Weiss (In: BROWN, 1996, p. 459) corrobora tal afirmação: “Médecins Sans Frontières and

CARE [...] withdrew from Rwandan refugee camps in Zaire early in 1995 because, after

reflection, they judged that their actions were strengthening the position of Hutu war

criminals and decreasing the prospects for repatriation”. Schweizer (2004, p. 549) explica o

complicado contexto com o qual as organizações humanitárias tinham que lidar:

The dilemmas of humanitarian action were, for example, agonizingly exposed in the huge assistance operation for the Rwandan refugee camps in Zaire in 1994. Not only had many – if not most – of the refugee taken active part themselves in the Rwandan genocide, but their camps also served as sanctuaries and recruitment centres for extremist Hutu militias who continued to murder and plunder inside Rwanda. […] the camps could not have existed without the international humanitarian assistance, and at least some organizations felt that moral responsibility heavily. Some, such as Médecins Sans Frontières (MSF), decided to withdraw, but many other stayed and continued their operations.

Grande parte das organizações humanitárias atua de forma independente não se envolvendo

em questões políticas, militares, religiosas e/ou econômicas. Para estas organizações a

independência representa um fator crucial para que as ações humanitárias não sejam

percebidas por qualquer uma das partes envolvidas no conflito como uma forma de ajuda

32

condicionada à satisfação de outros interesses que não humanitários, favorecendo uma parte

em detrimento da outra. Tal percepção pode colocar em risco não só a realização da

assistência como também o próprio pessoal envolvido nesta. Schweizer (2004, p. 555) alerta

para os perigos que o envolvimento de organizações humanitárias com setores políticos e

militares pode representar:

The blurring of the lines between military operations, the implementation of political objectives and humanitarian assistance has had particularly serious consequences for humanitarian workers. Being perceived - at least by some - as part of a Western-dominated military and political operation has caused fundamental security problems for humanitarian organizations in contexts such as Afghanistan and Iraq.

Vale ressaltar que algumas ONG's não adotam o princípio da independência, notadamente

aquelas afiliadas a instituições religiosas ou regidas por valores religiosos54, embora

compartilham muitas características com as de caráter secular. Elizabeth Ferris (2005, p.

312) explica as características destas organizações, conhecidas como "faith-based

organizations”:

While there is no generally accepted definition of faith-based organizations, they are characterized by having one or more of the following: affiliation with a religious body; a mission statement with a explicit reference with religious values; financial support from religious sources; and/or a governance structure where selection of board members or staff is based on religious beliefs or affiliation and/or decision-making process based on religious values.

As características dos conflitos internos dificultam significativamente o trabalho das

organizações humanitárias principalmente devido ao aumento da insegurança e dos riscos no

ambiente no qual o pessoal humanitário desenvolve suas operações. A distinção entre

combatentes e civis é cada vez menos clara e em muitas regiões crianças são frequentemente

recrutadas para combater. A população civil, assim como pessoas envolvidas em ações

humanitárias, se transformaram em alvos de forças rebeldes que espalham medo e violência

com ataques indiscriminados sem objetivos definidos. O ex-Secretário Geral das Nações

Unidas Kofi Annan (In: MOORE, 1996, p. 55-6) caracteriza os conflitos armados internos:

33

They are typically fought between regular armies and irregular forces or among irregular forces. Many involve more than two parties or groups, often accountable to no one. The distinction between combatants and civilians is often blurred, and child soldiers are not uncommon. Nations find themselves facing questions about the cohesion of their societies and even their very ability to endure as functioning states. Civilians are not only caught in the cross fire but are often the targets of violence; denied food, shelter, and dignity; and subject to suffering less likely to occur in more conventional wars between the armies of two states. These circumstances require a coordinated political, military, and humanitarian response.

A desordem causada pelos conflitos civis levanta a questão a respeito de uma militarização da

ajuda humanitária. Embora a maioria das organizações humanitárias se oponha firmemente a

qualquer envolvimento direito com atividades militares o fato é que com o aumento da

violência direcionada a alvos não-combatentes a distribuição de ajuda fica seriamente

comprometida a menos que seja protegida por forças militares55. As organizações

humanitárias argumentam que os princípios humanitários de neutralidade e imparcialidade

são incompatíveis com um engajamento direto com atores militares e/ou políticos. (WEISS.

In: BROWN, 1996). Oudraat (In: BROWN, 1996, p. 526) descreve a íntima e complexa

relação entre ajuda humanitária e insegurança:

In many cases, humanitarian relief cannot be delivered because of an insecure environment, and a secure environment cannot be created without the delivery of humanitarian assistance. This vicious circle has proved to be difficult to break. If international powers are serious about dealing with these problems and upholding international order, they will have to revisit the question of using military force in humanitarian crisis.

Weiss (In: BROWN, 1996, p. 451-2) defende a utilização de recursos militares em crises

humanitárias, argumentado a favor de uma redefinição da relação civil-militar, ou seja, para

ele muitas ONG’s dependem de forças militares estrangeiras para a distribuição de ajuda em

regiões onde os níveis de violência são críticos:

Whatever one's views about using military resources in humanitarian crises, the result is that virtually any international NGO can now be active in a war zone. The redefinition of civilian-military has made possible greater outside involvement in internal conflicts. [...] Although many NGOs are unlikely to endorse military action, their ability to deliver relief will occasionally, and perhaps often, depend on intervention by outside military forces.

34

No entanto, um consenso a respeito do envolvimento militar em atividades humanitárias ainda

está longe de ser atingido. O que deve ser enfatizado é que assistências humanitárias onde não

há engajamento político internacional tendem a produzir efeitos efêmeros e mesmo

periféricos, já que tanto em casos de desastres naturais quanto em casos de conflitos armados,

as causas e as possíveis soluções somente serão alcançadas quando houver um claro

comprometimento, político e humanitário, da sociedade internacional. A organização Oxfam

(2000, p. 08) enfatiza a complementariedade entre as ações humanitária e política:

Oxfam has argued repeatedly that aid alone is not the solution; that humanitarian assistance cannot substitute for political action. The converse is also true: political action in response to the consequences of violent conflict or natural disasters will not on its own to alleviate human suffering. Bluntly, people need to be alive to enjoy the benefits of the political solutions to their problems.

“One cannot halt a massacre with medicines or respond to ethnic cleansing with reception

centres for the displaced. It is often necessary to use force to stop violations of human rights”.

(VAILIN, 2003, p. 637). Novamente os campos de refugiados ruandeses no Zaire oferecem

um triste exemplo para esta afirmação. Apesar dos esforços de centenas de organizações

humanitárias e de milhões de dólares doados pela sociedade internacional para atender às

necessidades dos refugiados, os campos se transformaram em uma extensão do conflito

ruandês e a ausência de forças militares capazes de manter a segurança dos locais evidenciou

a fragilidade destas organizações frente a situações de extrema violência. Terry (2002, p. 216)

ilustra esse episódio:

In spite of the millions of dollars pumped into the camps and the impressive technical achievements of the hundreds of aid organizations in providing adequate shelter, water, food and sanitation in the hostile terrain of Eastern Zaire, the refugees lacked the one element they needed most to survive: protection.

A utilização de forças armadas em ações humanitárias deve ser cogitada após uma análise

completa do contexto em questão respeitando o DIH sendo que as organizações humanitárias

podem recusar trabalhar em conjunto com tropas militares multinacionais se tal cooperação

não for condizente com seus princípios. O ICRC, por exemplo, defende uma posição bastante

firme em relação ao não envolvimento de seu pessoal em atividades militares, mesmo após ter

35

sido alvo de vários ataques em locais como Iraque em 2003, Chechênia e Burundi em 1996 e

República Democrática do Congo (ex-Zaire) em 2001, os quais custaram a vida de vários de

seus membros. (KRÄHENBÜHL, 2004).

Logo, a pertinência do emprego de forças militares em assistências humanitárias deve ser

determinada através de uma análise caso por caso levando em consideração os erros

cometidos em experiências passadas e avaliando os efeitos - positivos e negativos - que essa

cooperação pode produzir.

Seja qual for o relacionamento entre os pessoais humanitário e militar o fato é que centenas de

milhões de pessoas em todo o planeta dependem dramaticamente da ajuda internacional para

sobreviverem ao caos e à violência em que suas sociedades e Estados estão tão

profundamente mergulhados. Infelizmente esta realidade ainda não está perto de mudar como

relata a organização OXFAM (2000, p. 01) que alerta ainda para a discriminação feita pelos

Estados doadores que priorizam, por motivos não-humanitários, determinadas regiões em

detrimento de outras, resultando em uma distribuição dos recursos visivelmente desigual e

injusta:

Currently, there are perhaps over 20 million people affected by drought in parts of India, Pakistan and Afghanistan. Around 8 million people are at risk form drought in Ethiopia, among 12 million people across the Horn of Africa. In February and March, international attention focused on the thousands of Mozambicans affected by floods. All these people are among 135 million people suffering droughts, floods and earthquakes around the world. Around 30 million more have been forced to feed their homes because of war. Global needs for humanitarian aid are vast, and not set to decline in the near future. Western governments’ aid falls far short of meeting these needs, and is distributed in a grossly unequal way. To the 1999 UN appeal for Kosovo and the rest of former Yugoslavia, donor governments gave $207 for every person in need. Those suffering in Sierra Leone received $16 a head, and in the Democratic Republic of Congo, little over $8. (…) As Western countries have got richer in the past ten years, the proportion of their wealth spent on humanitarian aid has gone down by 30%. The number of forgotten emergencies looks set to increase.

Devido à diversidade dos conflitos armados atuais, os principais atores internacionais, desde

que autorizados pelo CS, podem, legitimamente, intervir em regiões conflituosas de outras

formas a fim de conter o avanço das hostilidades e assegurar o retorno à paz e a proteção dos

36

direitos humanos, notadamente através de tropas de manutenção da paz ou, em casos

extremos, de intervenções humanitárias.

3.2. Peacekeeping

Quando existe o consentimento do Estado envolvido em conflitos armados, as Nações Unidas

podem solicitar aos Estados-membros a mobilização de tropas de manutenção da paz

(peacekeeping), exercendo várias funções como observação de cessar-fogo, monitoramento de

eleições, recolhimento de armas, em princípio, não fazendo para tal uso da força, exceto em

caso de legítima defesa56, e são pelo Conselho de Segurança (CS). Contudo, as resoluções

sobre operações de peacekeeping foram atribuídas à Assembléia Geral durante o período mais

crítico da Guerra Fria em que o enfrentamento entre EUA e URSS paralisou o Conselho de

Segurança. Ainda durante esse período, várias atribuições do Conselho foram transferidas

para a Assembléia, pelo mesmo motivo. No entanto, a competência da AG, em assuntos

relativos à paz e à segurança internacionais foi duramente contestada por alguns membros

permanentes do Conselho, já que tais questões eram reservadas ao CS.

Para Lindley (In: BROWN, 1996, p. 551) as operações de manutenção da paz da ONU podem

ser divididas em:

Traditional peacekeeping operations, which always have the consent of the combatants, help to implement cease-fires. These missions separate combatants, patrol borders or lines of disengagement, and thereby help to deter hostile parties from re-engaging in combat. (…) Maintenance of buffer zones and monitoring of troop movements can reduce misperceptions and dampen escalatory tendencies.

E multifunctional peace operations as quais ele define como: “missions often costly and

complex because they usually involve peacekeeping, delivery of humanitarian aid,

sponsorship of elections, policing, civil administration, and rebuilding infrastructure and

institutions”. (In: BROWN, 1996, p. 557).

No entanto, atualmente, tal divisão perde importância pelo fato de que, devido à

complexidade dos conflitos pós-Guerra Fria (como dito anteriormente) tornaram-se

37

necessárias a ampliação e a flexibilização das atividades dessas operações para que melhor se

adaptassem à essa nova realidade. Sendo assim esse trabalho utilizará uma definição mais

abrangente do termo peacekeeping, que de acordo com as Nações Unidas seria:

[...] uma forma de ajudar os países dilacerados por conflitos a criarem as condições necessárias a uma paz sustentável. Os capacetes azuis das Nações Unidas – soldados e oficiais das forças armadas, agentes da polícia civil e pessoal civil de muitos países – acompanham e observam os processos de paz iniciados em situações pós-conflito, ajudando os ex-combatentes a aplicarem os acordos de paz que assinaram. Este tipo de assistência assume muitas formas, nomeadamente, medidas de reforço da confiança, modalidades de partilha do poder, apoio eleitoral, reforço do Estado de direito e desenvolvimento económico e social. A Carta das Nações Unidas confere ao Conselho de Segurança da ONU o poder e a responsabilidade de empreender acções colectivas com vista a manter a paz e a segurança internacionais. É por esta razão que a comunidade internacional recorre ao Conselho de Segurança quando é necessário autorizar operações de manutenção da paz. Estas operações são, na sua maioria, definidas e implementadas pelas próprias Nações Unidas, que utiliza para o efeito tropas que prestam serviço sob o comando operacional da organização. Noutros casos, quando não se considera apropriado ou viável haver um envolvimento directo da ONU, o Conselho autoriza que organizações regionais como União Europeia (UE), a União Africana (UA), a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental ou coligações de países dispostos a agir desempenhem certas funções de manutenção da paz ou de imposição da paz. (<http://www.unric.org/html/portuguese/peace/pkpngfaq/q1.htm>).

A problemática das operações de paz da ONU não é simplesmente resolvida pela obtenção do

consentimento das partes envolvidas no conflito. Principalmente em relação aos conflitos

internos onde as fronteiras não são definidas e os combatentes não são sempre identificáveis,

ou seja, o consentimento de uma parte em conflito nem sempre é suficientemente sólido ou

confiável, não refletindo, muitas vezes, em um real comprometimento em se buscar a paz,

podendo ocorrer mesmo a perda desse consentimento o que, a priori, descaracterizaria todo o

princípio que rege a atuação dos “capacetes azuis”. Lindley (In: BROWN, 1996, p. 553)

aponta este como o maior problema envolvendo as tropas de manutenção da paz:

The biggest problem with traditional peacekeeping is that it depends on the consent of the warring parties, and thus can only make a modest difference in resolving conflicts. Most of the failures (…) were caused by a failure to secure the consent of all local parties before deploying forces, or by loss of consent after deployment. Although loss of consent normally marks the end of a peacekeeping operation, it can also serve a useful purpose by signaling the onset of hostilities.

38

Outro problema acerca da necessidade do consentimento para essas operações reside no fato

de que muitas vezes um pedido de ajuda por uma das partes envolvidas no conflito pode ser

usado pelos grupos rivais como forma de manipulação da opinião pública nacional o que

proporciona uma ambiente extremamente hostil no qual as tropas se vêem ameaçadas por

aqueles que deveriam proteger (como, por exemplo, no caso somali, descrito abaixo).

Atualmente, as operações de peacekeeping se encontram em uma área cinzenta na qual se

esfumaçam conceitos rígidos e diferenças significativas entre operações consentidas e

operações de caráter coercitivo. Muitas operações de peacekeeping evoluem para operações

coercitivas (Capítulo VII), na medida em que as hostilidades se intensificam, utilizando-se de

todos os meios necessários para o restabelecimento da paz. Nguyen Quoc e Pellet (2003, p.

1031) escrevem que "uma mesma crise pode justificar simultaneamente medidas de acordo

com o Capítulo VII e uma operação de manutenção de paz clássica com todos os aspectos

'civis' da intervenção, ou justificar que uma operação coercitiva suceda a uma operação de

manutenção de paz”. Um bom exemplo dessa transição pode ser ilustrado pelo caso da

Somália.

São muitos os exemplos de operações de peacekeeping durante a década de 1990. Contudo,

neste trabalho serão analisadas somente as operações realizadas na Somália em 1993 e em

Ruanda em 1994.

3.2.1. Somália

Em 1992, após a queda do General Syaad Barre, a Somália mergulhou em uma crise de

trágicas proporções. A disputa entre clãs, longos períodos de seca, ameaçando a vida de

milhares de pessoas, o nacionalismo exacerbado e a inexistência do Estado ou instituições

para conter a violência transformou o país em uma terra sem lei, dominada pela violência e

pelo caos. Em outras palavras, “Somalia had no government in any meaningful sense, and

one-third of the population risked death from starvation because humanitarians could not

reach the needy”. (WEISS et al, 2004, p. 66).

39

Devido à gravidade da situação, após impor um embargo ao país, sem maiores resultados, o

Secretário-Geral organizou diálogos entre as partes em conflito a fim de conseguir um acordo

de cessar-fogo e proteção aos comboios de ajuda humanitária. Poucos meses depois, o CS,

através da resolução 751 estabeleceu uma operação de peacekeeping para a Somália, chamada

UNOSOM57 (United Nations Operation in Somalia) com o objetivo de proteger a distribuição

da ajuda humanitária pelo país, ressaltando a importância de agir em conjunto com

organizações vinculadas à ONU, com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e com outras

organizações não-governamentais58 para aliviar o sofrimento da população somali, e observar

o cumprimento do cessar-fogo acordado anteriormente evitando que o conflito se espalhe pela

região59.

Contudo, tais esforços não foram suficientes para frear a escalada da violência e a

deterioração da situação humanitária no país60. À medida que o conflito se agravava se esvaía

o consentimento dos líderes clânicos em relação à interferência internacional. Como as tropas

de peacekeeping não estavam preparadas para enfrentamentos diretos contra as facções

somalis, já que, certamente não havia nenhuma “paz para manter”, e na ausência de um

governo central com o qual a ONU pudesse negociar tornava-se claro a necessidade de se

adotar medidas mais vigorosas para conter o avanço das hostilidades. Oudraat (In: BROWN,

1996, p. 514) descreve o alarmante contexto no qual as Nações Unidas tentavam estabelecer a

paz:

In 1992, Somalia began to disintegrate. Civil war, drought, and famine began claim hundreds of thousands of lives. The United Nations estimated that out of total population of 8 million, 4.5 million people were at risk, including 1 million children. Efforts by the United Nations to help the parties negotiate a cease-fire and reconcile were unsuccessful. The level of violence in the country made the delivery of humanitarian assistance virtually impossible.

Sendo assim, o Conselho de Segurança, através da resolução 794, autoriza “the Secretary-

General and all Member States [...] to use all necessary means to establish as soon as possible

a secure environment for humanitarian relief operations in Somalia”. Ou seja, as Nações

Unidas finalmente reconheceram a necessidade de se agir de acordo com o capítulo VII da

Carta (“Ação relativa a ameaças a paz, ruptura da paz e atos de agressão”), que autoriza o

40

CS a utilizar os meios necessários para assegurar a paz e a segurança internacionais. O artigo

48 do mesmo capítulo determina que:

1. A ação necessária ao cumprimento das decisões do Conselho de Segurança para manutenção da paz e da segurança internacionais será levada a efeito por todos os Membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme seja determinado pelo Conselho de Segurança. 2. Essas decisões serão executas pelos Membros das Nações Unidas diretamente e, por seu intermédio, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.

Portanto, a proposta do presidente americano George Bush de organizar força militar

multinacional liderada pelos EUA, foi prontamente aceita pelo CS, criando a Unified Task

Force (UNITAF), também conhecida como Operação Restabelecer a Esperança, sob o

comando operacional dos EUA, tendo como objetivo principal estabelecer um ambiente

seguro que possibilitaria o prosseguimento da assistência humanitária. Após atingir tal

objetivo, o comando militar da operação seria entregue às Nações Unidas. Sobre a UNITAF

Weiss et al (2004, p. 67) escreve:

Within days of the passage of Security Council Resolution 794, the first of what would become over 27,000 U.S. troops arrived to provide a modicum of security to help sustain civilians. They were augmented by 10,000 soldiers from twenty-two other countries. This effort was labeled Operation Restore Hope from the American side, or the Unified Task Force (UNITAF), an acronym that reflected the authorization from the Security Council to use force to ensure the delivery of humanitarian relief.

A presença das tropas da UNITAF amenizou o clima de insegurança na Somália, oferecendo

às agências humanitárias proteção militar para que continuassem seus trabalhos. Com as

tropas multinacionais no país aumentou a distribuição de alimentos entre a população

contribuindo para aliviar as devastadoras conseqüências da fome entre o povo somali. No

entanto, o assassinato de 18 Marines e a exposição de seus corpos nas ruas da capital

Mogadício, chocou a opinião pública mundial, particularmente a americana, o que culminou

com a transição da UNITAF para a ONU e a retirada da maior parte dos soldados americanos

do país. Dificilmente, tal operação pode ser considerada bem-sucedida já que o clima de

insegurança e violência voltou a se instalar no país.

41

A resolução 814 do Conselho de Segurança autorizou a formação de uma outra operação

militar (UNOSOM II), de acordo com o Capítulo VII da Carta, permitindo o uso da força para

desarmar as milícias somalis e garantir que a ajuda humanitária continuasse a ser distribuída

para a população civil. Apesar de ter criada antes da UNITAF, quando os americanos se

retiraram da Somália, o mandato da UNITAF foi transferido para a UNOSOM II.

Dealing with the deepening crisis in Somalia, the Security Council established in May 1993 UNOSOM II, the first UN peacekeeping operation endowed with enforcement powers mission under Chapter VII of the Charter. Using force beyond self defense, UN peacekeepers were drawn into a destructive guerrilla war with the Somali warlord of South Mogadishu, General Aidid, and suffered heavy casualties. When 18 US Rangers supporting the UN operation although not under UN commando were killed on 3 October 1993 in Mogadishu, the United States decided to withdraw its troops within six months. (<http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/50web/5.htm>).

Após ter seu mandato estendido várias vezes, a UNOSOM II finalmente se retira da Somália,

em março de 1995, sem, no entanto, ter obtido a reconciliação dos warlords somalis. Até os

dias atuais, a Somália permanece sem um governo central, devastada pela guerra civil e pela

fome, figurando hoje como um dos países mais perigosos para a distribuição de ajuda

humanitária61. Weiss et al (2003, p. 69) questiona o sucesso da operação das Nações Unidas:

When the last UN soldiers pulled out of Somalia in March 1995, the ultimate result of military and humanitarian help was unclear. Three years and some $4 billion had left the warring parts better armed, rested, and poised to resume the civil war. But the worst of starvation had been brought under control. In 2003, Somalia still remained without a viable national government, although concerted diplomatic efforts continued outside the UN to improve the situation.

3.2.2. Ruanda

Pouco tempo após a fracassada operação na Somália as Nações Unidas enfrentariam um

desafio ainda maior: conter o genocídio62 em Ruanda.

42

O povo ruandês é basicamente formado por uma minoria tutsi e por uma maioria hutu.

Embora tensões entre esses grupos sempre estivessem presentes na história do país não foi até

o período colonial que a situação se agravou. Apesar de serem muito semelhantes entre si, as

divergências entre tutsis e hutus foram incentivadas por políticas racistas implementadas pelo

governo belga que na época administrava o país. Os tutsis foram considerados superiores aos

hutus e a distinção entre eles não poderia ser mais arbitrária, já que era baseada em critérios

físicos que pouco correspondiam à realidade, ou seja, muitos tutsis apresentavam

características físicas tanto tutsis quanto hutus e vice-versa. E devido aos privilégios

atribuídos aos tutsis, muitos hutus preferiram ser registrados como tutsis, já que o governo

belga obrigava toda a população a portar um cartão que identificava a qual grupo tal pessoa

pertencia. A ONG Human Rights Watch (HRW) descreve o processo de identificação

utilizado pelos belgas em Ruanda:

Once the Belgians had decided to limit administrative posts and higher education to the Tutsi, they were faced with the challenge of deciding exactly who was Tutsi. Physical characteristics identified some, but not for all. Because group affiliation was supposedly inherited, genealogy provided the best guide to a person’s status, but tracing genealogies was time-consuming and could also be inaccurate, given that individuals could change category as their fortunes rose or fell. The Belgians decided that the most efficient procedure was simply to register everyone, noting their group affiliation in writing, once and for all. All Rwandans born subsequently would also be registered as Tutsi, Hutu, or Twa at the time of their birth. (<http://www.hrw.org/reports/1999/rwanda/Geno1-3-09.htm#P250_110826>).

Com o fim do período colonial, a maioria hutu finalmente chega ao poder. Como sempre

foram subjugados pelo colonizador europeu e pelos ruandeses de origem tutsi, inicia-se um

período de hostilidades entre esses grupos. Vários ataques indiscriminados foram

empreendidos contra a população tutsi pelo governo provocando, de acordo com organização

HRW, a morte de cerca de 20.000 tutsis e forçando mais de 300.000 a deixar o país63.

Nos anos 1990, o país ainda era palco de conflitos entre tutsis e hutus, agravados pela crise

econômica, pela perda de popularidade do governo hutu e por freqüentes incursões na

fronteira com Uganda realizadas pela Frente Patriótica Ruandesa (RPF, sigla em inglês),

formada por refugiados tutsis e moderados hutus.

43

A pedido dos governos destes países, em 1993 a ONU enviou uma missão de observadores

militares para a região com o objetivo de coibir as ações da RPF e o envio de ajuda militar a

Ruanda, que ficou conhecida como UNOMUR (United Nations Observer Mission Uganda-

Rwanda).

No mesmo ano, através da Resolução 872, o Conselho de Segurança estabeleceu a formação

de uma outra força internacional: a Missão de Assistência para Ruanda das Nações Unidas

(UNAMIR, sigla em inglês) cujos objetivos seriam monitorar o cessar-fogo entre o governo

ruandês e a RPF, garantir o retorno em segurança de refugiados assim como prover

assentamento de pessoas deslocadas internamente e coordenar as atividades de assistência

humanitária. No entanto, ainda sob a sombra do fracasso da intervenção na Somália e

preocupados com o conflito na ex-Iugoslávia, a ONU e seus países membros demonstraram

pouco empenho em resolver a crise ruandesa, organizando uma missão que desde o início foi

marcada por atrasos e cortes financeiros, como afirma o relatório da OXFAM (2004): “from

the start, the UNAMIR force was hampered by delays, shortages of equipment and suitable

personnel”, e continua:

The UN Security Council was preoccupied at the time with crises and Bosnia and Somalia and the Rwandan resolution came just two days after 18 American soldiers were killed in Somalia. With this in mind, the US recommended a force of just 500 men for Rwanda. The Security Council eventually compromised and authorized around 2,500 men. Their six-month mandate was to oversee the peace process but not to enforce peace or protect civilians.

Contudo, o assassinato do presidente ruandês, Juvenal Habyarimana, em abril de 1994,

quando seu avião foi derrubado, matando também o presidente do Burundi e outros chefes de

Estado foi o estopim para a escalada da violência. Os extremistas do movimento “Hutu

Power” responsabilizaram imediatamente a RPF e iniciaram uma campanha de extermínio,

através do uso de mensagens rádio, contra a minoria tutsi instando a população hutu a pegar

em armas e eliminar o “inimigo”. Power (2001, p. 5) afirma que “within three days of the

plane crash estimates of the number of dead in the capital already exceeded 10,000”. O caos

predominava e a matança era agora perpetrada por pessoas comuns64 que, em um misto de

histeria, medo e ódio utilizavam muitas vezes como armas machados e facões fornecendo

uma visão ainda mais aterrorizante do inferno em que mergulhava o povo ruandês.

44

A ONG OXFAM (2004) relata a dimensão da tragédia:

Supported by extensive radio hate propaganda, militias known as Interahamwe (“those who attack together”) spearheaded a program of massacres, largely carried out with machetes, but sometimes also using modern small arms to force people together before the killing Victims were hacked to death, burned alive, thrown dead or alive into pits or latrines, forced to murder their own friends or relatives.

O Secretário-Geral Boutros-Ghali recomendou ao CS o envio de 5.000 homens, mas, por

questões financeiras, apenas metade desse contingente foi autorizado, número evidentemente

insuficiente. Vale ressaltar que todo período envolvendo a crise em Ruanda foi sempre

marcado por contenções de gastos. Aparentemente, países como os EUA, França, Bélgica e

Reino Unido65 achavam que os custos de uma missão - contando com soldados bem-

equipados e em número suficiente - capaz de impedir os massacres e proteger a população

ruandesa eram altos demais66. Lindley (In: BROWN, 1996, p.561) descreve os números

referentes às operações de peacekeeping de 1994 e aos vários orçamentos dos EUA do mesmo

ano:

The United Nations spent a little over $3.5 billion on seventeen peacekeeping operations in 1994, averaging just over $200 million per operation. The United Sates contributes thirty-one percent of the UN peace operations budget, or about $1 billion per year. In 1994, that represented 0.45 percent of the Department of Defense budget, 0.086 percent of the Federal Budget, and 0.0159 percent (less than 2/100ths of one percent) of the Gross Domestic Product.

Como se tal barganha não fosse suficientemente vergonhosa e prejudicial a qualquer tentativa

de se estabelecer uma missão de paz eficiente, o CS, através da resolução 912, de 1994,

reduziu o contingente das Nações Unidas no país, de 2.548 homens para apenas 27067,

exatamente quando a matança adquiria contornos genocidas, ignorando os esforços do

Secretário-Geral Boutros-Ghali, do general canadense Romeo Dallaire (comandante das

tropas de peacekeeping) e de outros membros do CS - que há muito reconheceram a gravidade

da situação em Ruanda - para que medidas mais enérgicas fossem tomadas contra o banho de

sangue. Nas palavras de Weiss et al. (2004, p. 69):

45

International military forces had actually been on the scene during this time. UNAMIR had been present in Kigali for about eight months, to facilitate the Arusha Peace Accords between Rwandan Hutu and Tutsi elements when the genocide commenced on April 6, 1994. The Security Council actually reduced these UN military forces a few days later, after a small number of Belgian peacekeepers had been abused and killed, despite the previous request of the Canadian commander of the blue helmets for an augmented force.

Logo, era evidente a falta de vontade política dos líderes mundiais em intervir em Ruanda.

Mesmo a palavra genocídio foi evitada, já que os obrigaria, juridicamente, a intervir no país,

como previsto pela Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de

1948. HRW (1999) denuncia que, a hesitação em nomear a tragédia ruandesa não se baseava,

de forma alguma, em desconhecimento do que se passava no país:

A January 11, 1994 telegram from General Romeo Dallaire, commander of the U.N. peacekeeping force, to his superiors was only one, if now the most famous, warning of massive slaughter being prepared in Rwanda. From November 1993 to April 1994, there were dozens of other signals, including an early December letter to Dallaire from high-ranking military officers warning of planned massacres; a press release by a bishop declaring that guns were being distributed to civilians; reports by intelligence agents of secret meetings to coordinate attacks on Tutsi, opponents of Hutu Power and U.N. peacekeepers; and public incitations to murder in the press and on the radio. Foreign observers did not track every indicator, but representatives of Belgium, France, and the U.S. were well-informed about most of them. In January, an analyst of U.S. Central Intelligence Agency knew enough to predict that as many as half a million persons might die in case of renewed conflict and, in February, Belgian authorities already feared a genocide. France, the power most closely linked to Habyarimana, presumably knew at least as much as the other two.

O Departamento de Operações de Peacekeeping das Nações Unidas, chefiado por Kofi Annan

(que viria a ser o próximo Secretário-Geral) dera ordens específicas às tropas estacionadas em

Ruanda. A prioridade era a evacuação de estrangeiros e a segurança dos soldados, que não

estavam autorizados a usar a força nem mesmo para salvar a vida de cidadãos ruandeses. As

tropas se transformaram em espectadores da carnificina de milhares de inocentes. “In the

three days during which some 4,000 foreigners were evacuated, about 20,000 Rwandans were

killed”. (POWER, 2001, p.5). Mais tarde, o General Dallaire afirmou que, com uma força

composta de 5.000 homens e um mandato claro autorizando o uso da força para

enfrentamentos diretos contra os rebeldes hutus, o genocídio poderia ter sido interrompido.

(ALLEN, 2002).

46

Finalmente, o CS autorizou pela resolução 929 de 22 de junho de 1994, a formação de uma

força multinacional liderada pela França, conhecida como “Operação Turquesa”, composta

por 2.500 soldados. Ao contrário da UNAMIR, a “Operação Turquesa” foi autorizada, de

acordo com o Capítulo VII da Carta, a utilizar medidas coercitivas para estabelecer a paz.

Estima-se que essa operação tenha salvado a vida de milhares de tutsis.

Calcula-se que perto de 800.000 pessoas, entre tutsis e moderados hutus, foram mortos

durante o período de abril a agosto. Tal massacre só teve fim quando tropas da RPF - que

começaram a avançar pelo país logo após o início da campanha para a eliminação da minoria

tutsi – tomaram a capital Kigali forçando o exército e as milícias hutus a fugirem do país.

Enquanto a situação no país se acalmava outro desastre humanitário começava a tomar forma

nos campos de refugiados nos países vizinhos. Apavorados com o avanço das forças tutsis

centenas de milhares de hutus fugiram do país, entre eles muitos dos responsáveis pelo

genocídio. OXFAM (2004) explica como o avanço das tropas tutsis interrompeu o genocídio

provocando a fuga da maioria hutu:

Almost immediately, Tutsi forces of the Rwandan Patriotic Front (RPF) launched an attack on government troops in Kigali. The bulk of the RPF then started to sweep south from the demilitarized zone in northern Rwanda where they had been stationed, stopping the genocide as they advanced and forcing government soldiers and militias to flee. Vast numbers of Hutu civilians took flight ahead of this RPF advance. The majority were ordinary Hutu civilians, long–time targets of government propaganda, who were convinced the rebels would kill them. Assurances to the contrary from the RPF had no effect. They fled with whatever possessions they could carry. In their midst were militiamen and others responsible for the massacres.

A magnitude do êxodo ruandês superlotou os campos de refugiados improvisados nos países

vizinhos que recebiam milhares de refugiados por dia68. Em Goma, República Democrática

do Congo (ex-Zaire), a cada hora chegavam cerca de 10.000 pessoas, que no final de quatro

dias contabilizavam um milhão de ruandeses. (OXFAM, 1994). Os campos de refugiados não

contavam com nenhuma infra-estrutura capaz de suportar tamanho número de pessoas e as

condições sanitárias eram alarmantes. Milhares de pessoas morriam todos os dias e seus

corpos apodreciam ao ar livre, até que caminhões de agências humanitárias internacionais

pudessem retirá-los. OXFAM (1994) descreve o horror vivenciado em Goma por aqueles que

fugiam do genocídio em Ruanda:

47

In July, as the RPF pushed into northwestern Rwanda, a massive tide of people began to pour across the border into the Zairean town of Goma at a rate of 10,000 people every hour. In the space of 3-4 days, one million Rwandans arrived in Goma. They had been walking for days, even weeks through mountainous terrain. Hungry, thirsty and exhausted, many simply lay down and died in Goma town, along roadsides and on barren volcanic rock. Dysentery and diarrhea combined with exhaustion and dehydration to claim many lives. Cholera spread and people began to die at a rate of 2000 a day – the fastest death rate aid agencies had ever experienced. By late July, 40 truckloads of bodies were being transported out of the camps every day and buried in huge mass graves. Aid agencies including Oxfam mounted an unprecedented emergency relief operation, but the Goma crisis claimed an estimated 46,000 lives. It is estimated that the 1994 refugee crisis as a whole claimed 100,000 lives.

Neste contexto, o papel desempenhado pelas agências humanitárias foi crucial para baixar as

taxas de mortalidade nos campos. Organizações como ICRC, MSF, OFXAM, Refugees

International e a Agência para Refugiados das Nações Unidas (UNHCR) montaram uma

operação humanitária sem precedentes, salvando a vida de milhares de pessoas. No entanto,

como muitos dos refugiados faziam parte das milícias radicais hutus participando ativamente

do genocídio, os campos de refugiados rapidamente se transformaram em centros de

recrutamento e treinamento. Apesar dos apelos das agências humanitárias que trabalhavam

nestas regiões, ONU se recusou a enviar uma força militar para controlar as atividades dessas

milícias. Ironicamente, se a sociedade internacional tivesse se mobilizado com similar

empenho quando informada de que radicais hutus estavam organizando um genocídio, o

desastre humanitário dos campos de refugiados nunca teria ocorrido, ou ao menos não teria

atingido tamanha proporção. Até os dias atuais milhares de ruandeses continuam alojados em

campos de refugiados em países vizinhos, embora muitos já conseguiram voltar para Ruanda.

Através da resolução 955 de 8 de novembro de 1994, o CS aprovou a criação do Tribunal

Internacional para Ruanda69, agindo de acordo com o Capítulo VII da Carta, numa tentativa

de redenção pelo fracasso da ONU em intervir no país. O Tribunal foi estabelecido com

objetivo de trazer à justiça os envolvidos no genocídio, tanto membros do governo quanto

cidadãos ruandeses comuns, respondendo a crimes como violações do DIH e crimes contra a

humanidade70. A ONG Human Rights First explica a jurisdição do Tribunal:

The ICTR can prosecute individuals (not governments or organizations) for “serious violations of international humanitarian law”, namely, genocide (Article 2), crimes against humanity (Article 3) and violations of Article 3 common to the Geneva Conventions and of Additional Protocol II (Article 4). The Tribunal’s jurisdiction is

48

limited to crimes committed on the territory of Rwanda, by nationals of any state, between January 1, 1994 and December 31, 1994. However, there is one exception in excess of this limited jurisdiction – Rwandan nationals may be prosecuted for crimes committed in the territory of neighbouring states.

Até 2006 o Tribunal havia condenado dezesseis pessoas, sendo que outras vinte e sete ainda

estavam em julgamento e quinze se encontravam detidas aguardando julgamento. Dezoito

pessoas continuam foragidas71.

Tanto em Ruanda quanto na Somália as tropas de peacekeeping foram incapazes de conter a

violência e cessar as hostilidades e o CS terminou por autorizar a utilização de força armada

estendendo e modificando o mandato das operações. Estas experiências demonstram os erros

cometidos pelo CS, tanto em relação à demora em responder a essas crises quanto no que se

refere à adequação dos mandatos dessas operações aos contextos em que visam intervir.

3.3. Intervenções Humanitárias

A interdição ao uso da força nas relações internacionais foi consagrada em 1928 através do

Pacto Briand-Kellog, assinado por 63 Estados e passando a vigorar em 1939. Através deste os

Estados renunciam, voluntariamente, à "guerra" que não mais seria utilizada como forma de

solução de controvérsias. De acordo com o artigo 1º do Pacto: "As Altas Partes contratantes

declaram solenemente, em nome dos respectivos povos, que condenam o recurso à, guerra

para a solução das controvérsias internacionais, e á ela renunciam como instrumento de

política nacional nas suas mútuas relações". O artigo 2º enfatiza a necessidade de se buscar

alternativas pacíficas para solução de tais controvérsias: "As Altas Partes contratantes

reconhecem que o ajuste ou a solução de todas as controvérsias ou conflitos de qualquer

natureza ou origem, que se suscitem entre elas: nunca deverá ser procurado senão por meios

pacíficos"72. Nguyen Quoc e Pellet (2003, p. 956) comentam o Pacto:

Desejosos de evitar a susceptibilidade dos Estados, o Pacto de 1928 indica que são eles que 'renunciam' à guerra. Essa manifestação de voluntarismo traduziu a convicção de que não se trata de codificar ou de generalizar uma regra de direito positivo mas sim de a criar.[...] Pela sua formulação geral e pela sua aplicabilidade

49

quase-universal, este instrumento internacional pôs [...] termo à regra tradicional da competência discricionária da guerra.

A Carta das Nações Unidas enfatiza tal interdição instando seus membros através do artigo 2º

parágrafo 4º "a abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da

força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer

seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas". Por outro

lado, apesar de condenar o uso da força nas relações internacionais, a Carta reconhece três

casos excepcionais: o direito à legítima defesa (artigo 51) e o emprego da força em operação

para garantir a manutenção da paz, desde que autorizadas pelo CS. No primeiro caso, um

Estado só poderá recorrer à força quando vítima de uma agressão armada e após comunicar ao

Conselho o qual tomará as medidas necessárias para restabelecer a paz. Ou, segundo com

Nguyen Quoc e Pellet (2003, p. 961, grifo dos autores): “o direito de legítima defesa não pode

ser invocado enquanto o Conselho de Segurança não tenha tomado as medidas necessárias

para manter a paz e ele deve ser exercido tendo informado imediatamente o Conselho das

medidas tomadas”. Quanto a segundo caso, cabe ao CS determinar quais circunstâncias

requerem um engajamento militar por parte de seus membros, a saber, quando todas as

medidas diplomáticas dispostas no Capítulo VI da Carta se mostrarem insuficientes para

cessar um conflito em que crimes como assassinatos em larga escala ou genocídio são

cometidos, o Conselho de Segurança pode, sob o abrigo do Capítulo VII, autorizar a formação

de uma força militar de caráter coercitivo, comandada por países membros.

Um terceiro caso em que o uso da força é legítimo nas relações internacionais se refere à

autodeterminação dos povos. Após a II Guerra Mundial, muitas colônias africanas e asiáticas

conquistaram a independência utilizando-se desse direito. Embora atualmente poucos sejam

poucos os casos realmente legítimos em que esse direito se aplica, a situação da Chechênia

merece especial atenção. Essa república separatista, pertencente à Federação Russa, após o

colapso da URSS, declarou-se independente de Moscou que, no entanto, reagiu violentamente

a essa tentativa de secessão enviando em 1994 tropas à região o que resultou em uma

embaraçosa derrota do exército russo e em mais de 100.000 mortos, a maioria civis73. O atual

presidente russo, o ex-agente da KGB Vladimir Putin, mantém uma posição ainda mais firme

que seu antecessor, Boris Yeltsin, em relação à república rebelde reagindo com brutalidade a

qualquer insurgência chechena.

50

Os rebeldes chechenos reagem à repressão de Moscou com freqüentes ataques terroristas ao

território russo. O caso mais chocante foi a invasão de uma escola primária em Beslan, na

Ossétia do Norte em 2004 que resultou na morte de, aproximadamente 331 pessoas, dentre

elas 186 crianças74.

Apesar da perplexidade da sociedade internacional com esse ataque, pouco pode ser feito para

resolver essa questão. O governo russo insiste em caracterizar o conflito checheno como um

assunto interno sujeita ao direito de não-intervenção e sendo a Rússia um dos membros

permanentes do CS é praticamente impossível que qualquer resolução referente à Chechênia

seja aprovada.

Nguyen Quoc e Pellet (2003, p. 951) explicam como a coação, empregando-se ou não a

força, faz-se necessária para a eficácia de qualquer sistema jurídico:

No plano da técnica jurídica, o recurso à coacçao nas relações internacionais, com ou sem o emprego da força material, releva do problema da sanção do Direito Internacional. Ele inclui-se nos meios destinados a assegurar a sua eficácia. Nenhum direito pode contar unicamente com a força moral para se fazer respeitar. Ele não se impôe efectivamente aos seus sujeitos recalcitrantes se não construir também uma ordem de coacção.

No entanto, a questão das intervenções humanitárias ainda gera muita controvérsia entre os

atores internacionais, principalmente em relação às razões que as motivariam. Obviamente,

que os países envolvidos em uma ação militar humanitária, possuem outros interesses além

daqueles puramente humanitários. Mas o que deve ser enfatizado é que as razões humanitárias

devem ser prioritárias em qualquer cenário que exija uma intervenção militar. Na opinião de

Kenneth Roth (2004), diretor-executivo da organização HRW, alguns critérios devem ser

considerados ao se determinar o caráter humanitário de uma ação militar, ou seja, a

intervenção humanitária deve ser considerada somente como último recurso para interromper

graves violações dos direitos humanos sendo guiada primordialmente por motivos

humanitários, respeitando tanto os direitos humanos quanto o DIH. Além disso, uma

intervenção humanitária deve ser autorizada pelo CS das Nações Unidas e apresentar uma

possibilidade razoável de sucesso. Ou nas palavras de Roth (2004):

51

First, military action must be the last reasonable option to halt or prevent slaughter; military force should not be used for humanitarian purposes if effective alternatives are available. Second, the intervention must be guided primarily by a humanitarian purpose; we do not expect purity of motive, but humanitarianism should be the dominant reason for military action. Third, every effort should be made to ensure that the means used to intervene themselves respect international human rights and humanitarian law; we do not subscribe to the view that some abuses can be countenanced in the name of stopping others. Fourth, it must be reasonably likely that military action will do more good than harm humanitarian intervention should not be tried if it seems likely to produce a wider conflagration or significantly more suffering. Finally, we prefer endorsement of humanitarian intervention by the U.N. Security Council or other bodies with significant multilateral authority.

É importante que frisar que uma intervenção militar é autorizada pelo Conselho de Segurança,

somente quando este, de acordo com o artigo 39 do Capítulo VII da Carta, determinar “a

existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão” recomendando ou

decidindo “que medidas serão tomadas de acordo com os artigos 41 e 42, a fim de manter ou

restabelecer a paz e a segurança internacionais,” ressaltando que crimes contra a humanidade

são considerados uma ameaça à paz internacional. Os respectivos artigos determinam:

Artigo 41 O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas. Artigo 42 No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. (Carta das Nações Unidas, <http://www.onu-brasil.org.br/doc4.php>).

Porém não é surpresa que o CS falhou em diversas ocasiões em que a o DIH estava sendo

sistematicamente desrespeitado (Ruanda). Suas deficiências residem principalmente na sua

própria constituição pouco democrática, já que um veto de um de seus cinco membros

permanentes (P-5), a saber, EUA, Rússia, Reino Unido, França e China, impede que qualquer

resolução seja aprovada, mesmo que esta conte com a aprovação unânime dos membros não-

permanentes (10 no total, escolhidos por região e eleitos a cada dois anos pela AG , sendo 5

substituídos anualmente). Mesmo após o fim da Guerra Fria ainda são comuns divergências

52

entre os P-5 os quais podem vetar operações coercitivas por motivos secundários que

envolveriam a defesa dos seus próprios interesses demonstrando um enorme descaso em

relação a uma possível tragédia humanitária. Nas palavras de Oudraat (In: BROWN, 1996, p.

514):

Different interests and differences of opinion have not been washed away by the end of the Cold War. These differences have undercut and will continue to undercut the UN’s ability to use force effectively. Developing a consensus among the P-5 is not a given, and will have to be done on a case-by-case basis.

Na tentativa de resolver esse impasse, em 1950 a Assembléia Geral através da resolução 377

também conhecida como "Uniting for Peace", se reconhece no direito de tomar as medidas

necessárias para a restabelecer a paz em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da mesma,

podendo inclusive recorrer ao uso da força. De acordo com esta resolução, a AG:

Resolves that if the Security Council, because of lack of unanimity of the permanent members, fails to exercise its primary responsability for the maintenance of internacional peace and security in any case where there appears to be threat to the peace, breach of the peace, or act of agression, the General Assembly shall consider the matter immediately with a view to making appropriate recommendations to members for collective measures, including in the case of a breach of the peace or act of aggression the use of armed force when necessary, to maintain or restore international peace and security. (<http://www.un.org/Depts/dhl/landmark/pdf/ares377e.pdf>)

O fato de serem legalmente autorizadas e legítimas não significa necessariamente que uma

intervenção humanitária deva ser realizada. Deixando de lado questões envolvendo supostas

obrigações morais da sociedade internacional para com a humanidade, a decisão de se

organizar uma força intervencionista deve se pautar em uma análise cuidadosa de diversos

outros fatores - como já citado por Roth - principalmente por demandar a alocação de

significativos recursos, tanto econômicos quanto humanos, o que freqüentemente desencoraja

muitos países a se engajarem em uma intervenção humanitária, mesmo quando esta se faz

necessária. Brown explica como a limitação de recursos financeiros da sociedade

internacional implica em uma escolha a respeito de quem ajudar: “The international

community's resources are not unlimited, and difficult decisions will inevitably have to be

made about wher and when to try to lend a helping hand." (In: BROWN, 1996, p. 620).

53

Obviamente que os recursos financeiros não são ilimitados mas decisões relativas a contenção

de gastos enquanto atrocidades são cometidas transformando-se em desastres humanitários

não podem ser seriamente consideradas sob nenhum aspecto. Um exemplo disso foram os

constantes cortes de gastos das operações da ONU em Ruanda, em 1994, como já

mencionado.

Como não contam com o consenso das partes envolvidas em um conflito, as tropas

internacionais se deparam com um ambiente hostil e violento no qual devem agir, de acordo

com DIH, para interromper as hostilidades. Para tal, elas se envolvem em combates diretos

tanto contra tropas do governo do país no qual tal conflito acontece quanto contra milícias

armadas. Logo, o mandato dessas missões deve ser claro e objetivo, principalmente em

relação ao grau de força necessária para que possam assegurar o fim das hostilidades e

alcançar um acordo de paz. Operações de caráter coercitivo, no entanto, dispõem de menos

chances de sucesso do que aquelas que contam com consentimento das autoridades locais, por

isso devem contar com sério comprometimento das partes envolvidas e somente serem

empregadas em casos excepcionais. De acordo com Brown (In: BROWN, 1996, p.605):

Operations that have the approval of local authorities have higher probabilities of success and lower costs than their counterparts, and should therefore be given a higher priority. This does not mean that coercive actions should never be undertaken: coercive actions are indeed warranted when important interests are engaged or when moral outrages, such as genocide, are being committed. Under these conditions, international action should be undertaken even if local parties have not given their consent to international involvement, and will have to be coerced to change their behavior. In cases such as these, there is still a lot the international community can do to prevent or end violence, but the costs of action are higher and the probabilities of success are lower because international powers are in the coercion business. Coercive action should therefore be undertaken selectively, with great care, and with great determination.

Em 2000, o governo canadense anunciou junto à Assembléia Geral o estabelecimento da

Comissão Internacional sobre a Intervenção e a Soberania do Estado (ICISS, sigla em inglês)

para fazer frente aos desafios que cercam as intervenções humanitárias. Através do relatório

"A Responsabilidade de Proteger"75 o comitê reafirma a legitimidade das intervenções

humanitárias consideradas como um instrumento essencial para proteger populações

ameaçadas por assassinatos em massa, limpeza étnica e/ou genocídio, quando todos os meios

pacíficos forem exauridos. Um dos princípios básicos do relatório afirma que a proteção

54

dessas populações é responsabilidade do próprio Estado em que elas se encontram, contudo,

quando este é incapaz ou relutante em impedir tais agressões a responsabilidade passa a ser de

toda a sociedade internacional. Ou de acordo com próprio texto da Comissão: “where a

population is suffering serious harm, as a result of internal war, insurgency, repression or state

failure, and the state in question is unwilling or unable to halt or avert it, the principle of non-

intervention yields to the international responsibility to protect”. O relatório reconhece as

deficiências do CS indicando como alternativa a resolução "Uniting for Peace" da AG

mas insiste na importância do Conselho e de uma reforma que o habilite a agir mais

objetivamente impedindo o descumprimento de suas decisões pelos Estados. De acordo com o

relatório:

197. One of the reasons why States may want to bypass the Security Council is a lack of confidence in the quality and objectivity of its decision-making. The Council's decisions have often been less than consistent, less than persuasive and less than fully responsive to very real State and human security needs. But the solution is not to reduce the Council to impotence and irrelevance: it is to work from within to reform it [...]. (<http://www.iciss.ca/report2-en.asp>).

Mesmo quando graves e constantes violações dos direitos ocorrem em decorrência de um

conflito armado, uma ação unilateral sem a aprovação da ONU não deve ser justificada, nem

mesmo através de argumentos morais. Por mais ultrajantes que tais violações possam se

apresentar uma intervenção humanitária só deve ser realizada em casos extremos e

excepcionais e quando estiver legalmente autorizada. Abrir exceções pode significar uma

descaracterização dos mais fundamentais princípios que regem essas intervenções tornando o

ideal humanitário permeável à sua utilização para a obtenção de objetivos políticos e/ou

econômicos. Quando um Estado utiliza argumentos humanitários para tentar legitimar uma

ação militar a imagem das intervenções humanitárias pode ser seriamente prejudicada o que

no futuro poderá ter efeitos devastadores sobre aqueles que mais necessitam de ajuda.

(ROTH, 2004).

A invasão do Iraque pela coligação liderada pelos EUA representa um exemplo claro de uma

ação militar que não se baseou em princípios humanitários mas utilizou-se deles mais tarde

para tentar legitimar-se. Em 2003, os americanos e alguns aliados (Reino Unido sendo o

principal deles), mesmo sem o consentimento do CS, invadiram o Iraque alegando que o

55

governo de Saddam Hussein dispunha de armas de destruição em massa e que Bagdá

mantinha ligações com a rede terrorista Al-Qaeda, responsável pelos ataques de 11 de

setembro de 2001 nos EUA. Quando mais tarde se comprovou que tais armas não existiam e

que Saddam Hussein não estava aliado a terroristas, a Casa Branca passou então a justificar a

guerra sob pretextos humanitários, alegando a necessidade de libertar os iraquianos da

ditadura de Saddam. Roth (2004) critica duramente esta alegação por representar um enorme

dano à imagem das intervenções humanitárias gerando suspeitas junto à opinião pública

internacional sobre as reais motivações que levam os Estados a intervirem militarmente por

supostos motivos humanitários:

The sheer size of the invasion of Iraq, the central involvement of the world's superpower, and the enormous controversy surroundig the war meant that the Iraqi conflict overshadowed the other military actions. For better or for worse, that prominence gave it great power to shape public perceptions of armed interventions said by their proponents to be justified on humanitarian grounds. The result is that at a time of renewed interest in humanitarian intervention, the Iraq war and the effort to justify it even in part in humanitarian terms risk giving humanitarian interventions a bad name. If that breeds cynicism about the use of military force for humanitarian purposes, it could be devastating for people in need of future rescue.

Sem dúvida, Saddam Hussein era um tirano sem nenhuma consideração sobre direitos

humanos ou princípios democráticos. No entanto, a situação humanitária iraquiana nem de

longe demandava uma intervenção e, mesmo aceitando que nenhuma intervenção humanitária

se baseia unicamente em razões humanitárias, a decisão de invadir o Iraque e derrubar o

governo de Saddam em nenhum momento levou seriamente em conta estas questões. A

crescente espiral de violência no país e a falta de apoio internacional para a guerra levaram os

americanos a levantar a bandeira humanitária como forma de tentar legitimar uma guerra de

agressão. Novamente Roth comenta sobre o papel secundário, talvez mesmo insignificante,

que o humanitarismo desempenhou na decisão de Washington:

Humanitarianism, even understood broadly as concern for the welfare of the Iraqi people, was at best a subsidiary motive for the invasion of Iraq. The principal justification offered in the prelude ato the invasion were the Iraqi government's alleged possession of weapons of mass distruction, its alleged failure to account for them as prescribed by numerous UN Security Councils resolutions, and its alleged connection with terrorist networks. US officials also spoke of a democratic Iraq transforming the Middle East. In this tangle of motives, Saddam Hussein's cruelty

56

toward his own people was mentioned - sometimes prominently - but, in the prewar period, it was never the dominant factor.

A nova dinâmica dos conflitos armados atuais torna imprescindível uma resposta

internacional rápida e eficaz. Contudo, os principais atores internacionais ainda demonstram

relutância em se engajar em operações militares com propósitos humanitários. A noção de

uma responsabilidade de proteger ainda se encontra em um estado germinativo no cenário

internacional, longe de poder realizar, eficientemente, uma mudança de paradigma capaz de

solucionar a controvérsia a respeito das intervenções humanitárias.

Ainda assim, avanços estão sendo alcançados em relação à predisposição internacional em

intervir em outros Estados visando não só ao restabelecimento da paz, mas também à proteção

dos direitos humanos. Provavelmente ainda levará tempo para que a sociedade internacional

possa responder adequadamente às emergências humanitárias do planeta, contudo, as

experiências mais recentes – divulgadas internacionalmente por redes de televisão -

demonstram que a inação e a indiferença são cada vez mais inaceitáveis frente ao sofrimento

humano.

57

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho pretendeu, de forma concisa, descrever o processo de internacionalização

dos direitos humanos, o embate entre universalistas e relativistas e as respostas do sistema

internacional a violações maciças dos direitos humanos.

A internacionalização dos direitos humanos constitui um passo significativo rumo à

construção de um mundo mais justo e digno para todos representando a legalização e a

legitimação dos direitos humanos como direitos universais. Infelizmente, a consagração

jurídica por si só ainda não é capaz de conter as inúmeras violações dos direitos humanos que

continuam a vitimar milhões de pessoas em todo o mundo.

O pretexto relativista para violações dos direitos humanos não se apresenta mais como

argumento viável embora ainda atrapalhe a implementação dos mecanismos legais de

proteção a esses direitos.

A emergência dos conflitos armados internos é talvez a maior fonte de preocupações dos

defensores dos direitos humanos, uma vez que tais conflitos desconsideram dramaticamente

as normas do Direito Internacional Humanitário. O recrutamento de crianças como soldados,

a utilização de estupros em massa e limpezas étnicas como táticas de combate, a pálida

distinção entre combatentes e não-combatentes, a utilização de civis como escudos humanos e

mesmo como alvos dos combates, representam uma grave afronta à dignidade humana e

demandam uma resposta enérgica da sociedade internacional.

Contudo, dadas à extrema complexidade destes conflitos e às dificuldades em cessar com as

hostilidades, a sociedade internacional ainda reage de forma tímida e indecisa, muito devido à

falta de vontade política dos grandes líderes mundiais em relação a um envolvimento em

regiões distantes (principalmente quando estas não são estrategicamente importantes).

Embora tal constatação possa parecer desanimadora, a sociedade internacional pode e deve

aprender com os erros do passado e abrir precedentes para intervenções humanitárias que

tornem possível a construção de sociedades estáveis e pacíficas. Se tal cenário está próximo

ou não cabe à humanidade determinar.

58

NOTAS CAPÍTULO 1 1 Ver HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve Século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras. 2002. 2 A I Guerra Mundial introduziu aos campos de batalha a metralhadora, os gases tóxicos (gás mostarda e gás de cloro) e a até então incipiente indústria aérea, elevando drasticamente o números de baixas (militares e principalmente civis) provocando uma mudança de paradigma dentro dos Estudos Estratégicos. 3 “De todos os conflitos registrados na história, a segunda guerra mundial foi o de maiores e mais profundas conseqüências. Calcula-se que de 35 a 60 milhões de pessoas foram mortas, entre elas um grande número de civis.” Ver Segunda Guerra Mundial. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Nova BARSA CD. 4 Nguyen Quoc e Pellet definem domínio reservado como um conceito jurídico e não político representando as atividade estatais cuja competência do Estado não está vinculada ao Direito Internacional. No entanto, a extensão do domínio reservado depende do direito internacional e varia de acordo com seu desenvolvimento. Ver NGUYEN QUOC, Dinh; PELLET, Allain. Direito Internacional Público. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 5 Ver PIOVESAN, Flávia. Perspectivas Para Uma Justiça Global. <http://www.social.org.br/relatorio2001/ relatorio027.htm>. Acesso em: 02 abr. 2007. 6 “Calcula-se que quatro milhões de judeus morreram nos campos de Auschwitz, Majdanek, Treblinka, Chelmno, Sobibor e Belzec. O número total de judeus mortos pelos nazistas é estimado em seis milhões, cerca de 13% dos 46 milhões de militares e civis mortos durante a segunda guerra mundial”, além de outras minorias como ciganos, deficientes e homossexuais. Ver Holocausto. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Nova BARSA CD.

7 Importante ressaltar que na época grande parte do mundo ainda vivia sob o regime colonial. 8 Os países que se abstiveram foram: Tchecoslováquia, Polônia, Bielorrússia, Arábia Saudita, Ucrânia, África do Sul, URSS e Iugoslávia. 9 ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2003. 10 Ver texto completo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em <http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Sist_glob_trat/texto/texto_2.html>. Acesso em: 03 abr. 2007. 11 Ver texto completo em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh-psocial.html>. Acesso em: 02 abr. 2007. 12 Ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. 1. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2003. 13 ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. Perspectiva. São Paulo. 2003. 14 Podemos citar: A Cúpula Mundial sobre a Criança, em 1990, a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio-Ambiente, em 1992, a Conferência de Viena sobre os Direitos Humanos em 1993, entre outras. Ver ALVES, José Augusto Lindgren. Relações Internacionais e Temas Sociais: A Década das Conferências. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Brasil. 2001. 15 Ver JACKSON, Robert Houghwout. Quasi-States: Sovereignty, International Relations, and the Third World. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

59

16 Ver Cap. 2. 17 Alguns desses avanços “dizem respeito à legitimidade das preocupações internacionais com os direitos humanos, a interdependência entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos e a questão da universalidade de tais direitos”. (ALVES, 2003, p.136)

18 Ver ALVES, José Augusto Lindgren. Relações Internacionais e Temas Sociais: A Década das Conferências. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Brasil. 2001

CAPÍTULO 2 19 As Delegações de Cingapura e da China, durante a II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993 (a Conferência será mais discutida adiante), argumentaram que os direitos humanos “não existiam in abstracto, mas variavam de cultura a cultura, por serem produto das ‘experiências históricas’ de cada povo. Os direitos, em sua maioria, no entender da Delegação de Cingapura, ainda eram ‘essencialmente conceitos contestados’, e as normas internacionais refletiam ‘uma configuração histórica específica de interesses e poder’”. TRINDADE (2003, p. 280) 20 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Max Limonad. 1997. 21 “As afirmações de que a Declaração Universal é documento de interesse apenas ocidental, irrelevante e inaplicável em sociedades com valores histórico-culturais distintos, são, porém, falsas e perniciosas. Falsas porque todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral da ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em evidência, assim o caráter hoje universal de seus valores. Perniciosas porque abrem possibilidades à invocação do relativismo cultural como justificativa para violações concretas de direitos já internacionalmente reconhecidos.” ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. Perspectiva. São Paulo. 2003, p.4. 22 Para mais informações sobre jus cogens, ver NGUYEN QUOC, Dinh; PELLET, Allain. Direito internacional público. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 23 “Dentre as resoluções adotadas, algumas merecem destaque especial por sua transcendência, a saber, as resoluções XXII (sobre a ratificação ou adesão universal pelos Estados aos instrumentos internacionais de direitos humanos); VIII (sobre a realização universal do direito a autodeterminação dos povos); XVII (sobre o desenvolvimento econômico e os direitos humanos); XXI (sobre a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais); III, IV, VI e VII (sobre a eliminação do apartheid e de todas as formas de discriminação racial); IX (sobre os direitos da mulher); X (sobre regras-modelo de procedimento para órgãos de supervisão de violações de direitos humanos); XX (sobre educação em matéria de direitos humanos); e XXIII (sobre os direitos humanos em conflitos armados)”. (TRINDADE, 2003, p.78). Ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. V. 1. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2003. 24 “Cabe aqui reiterar que os resultados da Conferência de Viena naturalmente não se exaurem nos documentos finais formalmente adotados [...]” (TRINDADE, 2003, p. 261) sendo de fundamental importância o papel desempenhado pelas Organizações Não-Governamentais (ONG’s), pelas Instituições Nacionais de Proteção aos Direitos Humanos e os “pronunciamentos individuais das agências especializadas e dos fundos e programas das Nações Unidas” (TRINDADE, 2003, p. 262). Ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. V. 1. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2003. 25 A internacionalização dos direitos humanos ocorre após a II Guerra Mundial quando as potências vencedoras (EUA, França, Grã-Bretanha e URSS) assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, quando grande parte dos países hoje membros das Nações Unidas viviam sob regime colonial, por isso a alusão de que a implementação dos direitos humanos em nível universal não passaria de uma tentativa de recolonização. Essa posição foi defendida principalmente por países africanos e asiáticos. 26 Durante a Conferência de Viena “não há que passar despercebido que as Delegações de alguns dos próprios países islâmicos fundamentalistas (como a Arábia Saudita, o Irã e a Líbia) assim como alguns países asiáticos

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(como o Japão, o Vietnã), se esforçaram por evitar que transparecesse uma impressão de que estariam contrapondo particularidades histórico-culturais à universalidade dos direitos humanos.” (TRINDADE, 2003, p. 282) Esses países reafirmaram durante a conferência a universalidade dos direitos humanos não acolhendo o pretexto relativista. 27 Um exemplo de como ainda são comuns violações aos direitos humanos pode ser descrito por este apelo da organização Anistia Internacional: “Fátima A., 34 anos, dois filhos, foi forçada a divorciar-se de seu marido após uma decisão jurídica tomada a pedido de seu meio irmão que usou seus poderes como seu guardião. Se for reenviada à casa de seu irmão, Fátima pode se tornar vítima de violência doméstica. Em agosto de 2005 uma corte no norte da Arábia Saudita ordenou que Fátima se divorciasse de seu marido, Mansur, sob as alegações de que este pertencia a uma tribo de menor status social e que ele omitiu isso à época que casou com Fátima. A decisão da corte foi baseada em uma regra baseada em antigos costumes conhecida como Takafu' ou Kufu'. O casal, que tem dois filhos e um casamento feliz, não deseja se divorciar. Desde a decisão da corte Fátima está na prisão de al-Dammam com seu filho de um ano, por medo de ser forçada a retornar para a casa de seu irmão. Como ela é divorciada, contatar seu marido equivaleria a adultério, ofensa criminal punível por, no mínimo, flagelação, e a colocaria em sério risco de violência doméstica. Na prisão de al-Dammam, Fátima recebeu visitas curtas de seu marido e filha, que permanece com o pai. A decisão sobre o divórcio foi mantida em janeiro de 2007, depois de um apelo à corte. Após a decisão da corte, há relatos de que policiais tentaram levar Fátima para a casa de seu irmão. Ela se recusou a ir para a casa de seu irmão e preferiu permanecer na segurança da prisão. Os funcionários da prisão permitiram que ela ali permanecesse, mas ela ainda corre o risco de ser entregue a seu irmão. Embora as mulheres na Arábia Saudita tenham exigido cada vez mais seus direitos, elas continuam a ser submetidas à severa discriminação, o que facilita e perpetua a violência doméstica.” Tal constitui clara violação dos preceitos da Declaração Universal, em especial do artigo 16, parágrafo 1º que diz: “a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais”. Ver ANISTIA INTERNACIONAL. Rede de Ação Urgente. Disponível em <http://www.br.amnesty.org>. 28 Pode-se citar o caso dos conflitos da ex-Iugoslávia como exemplo da virulência desses mirconacionalismos, os movimentos separatistas indiano, curdo, chechêno, grupos fundamentalistas islâmicos, além das sangrentas disputas étnicas na África. Ver ESTEVES, Paulo Luiz. Instituições Internacionais: segurança, comércio e integração. Belo Horizonte: Pucminas. 2003. 29 Ainda de acordo com Stiglitz (2002, p. 36): “Fundamentalmente, [globalização] é a integração mais estreita de países e dos povos do mundo que tem sido ocasionada pela enorme redução de custos de transportes e de comunicações e a derrubada de barreiras artificiais aos fluxos de produtos, serviços, capital, conhecimento e (em menor escala) de pessoas através das fronteiras. A globalização tem sido acompanhada pela criação de novas instituições que têm se juntado às já existentes com o objetivo de trabalharem através das fronteiras”. 30 Pós-Modernidade é entendida neste trabalho como o fenômeno que caracteriza as relações político-culturais do período pós-Guerra Fria, como os processos de fragmentação cultural (culminando algumas vezes em conflitos civis), a supervalorização das diferenças em detrimento do universal, a exacerbação de particularismos e o conseqüente aumento de fundamentalismos, religiosos ou não, o crescimento de grupos racistas e xenófobos, o isolamento do indivíduos em comunidades fechadas e segregadoras, entre outros. Ver ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade. Perspectiva. São Paulo. 2005. 31 Ver ARNAUD, André-Jean. O Direito entre Modernidade e Globalização. Rio de Janeiro: Renovar. 1999. 32 Para mais informações sobre o fenômeno pós-moderno, ver BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 33 Ver BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 34 Progressos têm sido obtidos na tentativa de se proteger os bens culturais - realçando a importância da diversidade cultural - notadamente pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura), que através, principalmente da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Mundial, assinada em 1972, impele os Estados-parte a reconhecer “a obrigação de assegurar a identificação, proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras do patrimônio cultural e natural referidos nos artigos 1º e 2º”. (Art. 4º da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Mundial). Alguns exemplos

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práticos são a tentativa de preservação da arte indígena wajãpi, do Brasil e a dança de guerra dos maoris, da Nova Zelândia. Para mais informações acerca dos trabalhos da UNESCO, ver <http://www.unesco.org.br>. 35 A crescente importância das ONG’s nestas conferências é ilustrada pela conferência paralela à Conferência sobre Meio-Ambiente no Rio de Janeiro em 1992, que contava somente com essas organizações.

36 As grandes conferências da última década são: A Cúpula Mundial sobre a Criança, em 1990, a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio-Ambiente, em 1992, a Conferência de Viena sobre os Direitos Humanos em 1993 a Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, em 1994, a Cúpula Mundial de Copenhague sobre Desenvolvimento Social, em 1995, a Conferência de Beijing sobre a Mulher, em 1995 e a Conferência sobre Assentamentos Humanos, ou Habitat-II, realizada em Istambul em 1996. Ver ALVES, José Augusto Lindgren. Relações Internacionais e Temas Sociais: A Década das Conferências. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Brasil. 2001. 37 Ver TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. 1. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 2003. 38 Para saber mais sobre o papel desempenhado pelas grandes empresas corporativas em relação ao desenvolvimento sócio-econômico de, virtualmente, todo o planeta, ver CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2004. 39 Podemos citar o caso dos curdos no Iraque, da etnia tutsi em Ruanda e dos bósnios muçulmanos na ex-Iugoslávia, locais notórios de massacre de um povo dentro de um mesmo Estado. 40 Importante ressaltar que Estados violadores, por força do Cap. VII da Carta das Nações Unidas podem ser punidos pelo Conselho de Segurança se este entender que tais violações ameaçam a paz e a segurança internacionais. Ver OUDRAAT, Chantal de Jonge. The United Nations and Internal Conflict. In: BROWN, Michael E. (Coord.) The international dimensions of internal conflicts. Cambridge: MIT. 1996.

CAPÍTULO 3 41 Ver WEISS, Thomas George; FORSYTHE, David P.; COATE, Roger A. The United Nations and Changing World Politics. 4th. ed. Boulder: Westview, 2004. 42 Ver Cap. 1. 43 Utiliza-se neste trabalho a expressão conflitos armados em substituição à palavra guerra, já que tal expressão “pode ser aplicada a situações muito mais variadas, isto é, tanto a conflitos internacionais quanto a conflitos não internacionais”. (BORGES, 2006, p. 13). Devido à complexidade e à diversidade dos conflitos atuais esse termo apresenta maior coerência não excluindo, contudo, o uso da palavra guerra em algumas situações. 44 “A Paz de Westphalia marcou, em sentido mais amplo, o início do sistema laico de Relações Internacionais, na medida em que deu origem à estrutura legal e política das relações inter-estatais modernas. Reconheceu explicitamente uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania territorial, não intervenção em assuntos internos dos demais e a independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos iguais, a ser respeitados pelos demais membros.” (VIZENTINI, 2002). 45 Ver BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A Proteção do Indivíduo em Tempo de Guerra. Belo Horizonte: Del Rey. 2006. 46 Ver BORGES, L.E.; TAVARES, R.V.F. O direito internacional da Antigüidade: os benefícios da abordagem histórica. In: BRANT, L.N.C. O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense. 2004. 47 “1949 - Quatro Convenções de Genebra: Convenção para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha (Convenção I); Convenção de Genebra para melhorar a situação dos feridos, doentes e

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náufragos das forças armadas no mar (Convenção II); Convenção de Genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra (Convenção III); Convenção de Genebra relativa à proteção das pessoas civis em tempo de guerra (Convenção IV)”. “1977 - Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949: Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I); Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados não internacionais (Protocolo II).” Ver <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/dih1.htm>. Acesso em: 20 mai. 2007. 48 Ver BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A Proteção do Indivíduo em Tempo de Guerra. Belo Horizonte: Del Rey. 2006. 49 “Pode-se destacar o desenvolvimento de três correntes doutrinárias cuja finalidade é tentar explicar o elo existente entre os direitos humanos e o direito internacional humanitário: a tese integracionista; a tese separatista; e a tese complementarista”. (BORGES, 2006, p. 36-7). A primeira defende a fusão entre o DIDH e DIH, a segunda afirma a completa separação entre os dois corpos jurídicos enquanto a terceira considera que, embora distintos, ambos são complementares. Ver BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A Proteção do Indivíduo em Tempo de Guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. 50 Inúmeras organizações, empresas do setor privado assim como vários Estados forneceram substancial ajuda humanitária às vítimas do tsunami que atingiu a costa do Oceano Índico em de dezembro de 2004, deixando mais de 200 mil mortos. Ver Reuters Alertnet. Disponível em: <http://www.alertnet.org/db/crisisprofiles/SA_TID.htm>. Acesso em: 10 mai. 2007. 51 Vários documentos internacionais, especialmente as Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977, reconhecem o direito a vida como um direito inalienável de todo ser humano, constituindo uma obrigação não só negativa como positiva dos Estados. Ou seja, os Estados não podem ameaçar a vida de seus cidadãos assim como não podem impedir a ação de organizações humanitárias que visam oferecer ajuda em situações emergenciais. 52 Ver Proclamação dos Princípios Fundamentais da Cruz Vermelha disponível em <http://www.icrc.org/web/ eng/siteeng0.nsf/html/EA08067453343B76C1256D2600383BC4?OpenDocument&Style=Custo_Final.3&View=defaultBody>. 53 O genocídio em Ruanda e a resposta da sociedade internacional serão discutidos adiante. 54 Importante destacar o papel desempenhado por ONG's muçulmanas nos esforços de se diminuir a distância cultural entre os vários atores ocidentais e os povos islâmicos. Ver OSMAM, Moustafa. Muslim NGOs can help bridge cultural gap. Alertnet. 2003. Disponível em <http://www.globalpolicy.org/ ngos/aid/2003/0124muslim.htm>. Acesso em: 08 jun. 2007. 55 Trata-se aqui de forças militares fornecidas voluntariamente pelos Estados e autorizadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. 56 De acordo com Brown (1996 p. 504), “peacekeepers are authorize to use force in self-defense and to deter small attacks, but they do not have any significant coercive capabilities or enforcement authority”. 57 Resolução 751 do CS, disponível em <http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/011 /10/IMG/NR001110.pdf?OpenElement>. Acesso em: 21 mai. 2007. 58 “There were six main United Nations organizations at work in Somalia coordinating overall humanitarian efforts: the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), the United Nations Development Programme (UNDP), UNICEF, the Office of the United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR), WFP and the World Health Organization (WHO). In addition, more than 30 NGOs were working in Somalia as "implementing partners" of the United Nations. Moreover, ICRC continued to provide assistance under the most difficult of situations”. (ONU, <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/co_mission/unosom1backgr2.html>) 59 “The political chaos, deteriorating security situation, widespread banditry and looting, and extent of physical destruction compounded the problem and severely constrained the delivery of humanitarian supplies. Furthermore, the conflict threatened stability in the Horn of Africa region, and its continuation occasioned

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threats to international peace and security in the area”. Disponível em <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/co_mission/unosom1backgr2.html>. Acesso em 21: mai. 2007. 60 De acordo com as Nações Unidas “the war had resulted in nearly 1million refugees and almost 5 million people threatened by hunger and disease”. Ver <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/co_mission /unsom1backgr1.html>. Acesso em: 21 mai. 2007. 61 De acordo com a organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) “few aid agencies choose to work in Somalia, though, because violence is so widespread and the country's clan structure so complex” . Top 10 Underreported Humanitarian Stories of 2006. Somalia. Disponível em <http://www.msf.org>. Acesso em: 22 mai. 2007. 62 Em 1948 foi assinada a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, passando a vigorar em 1951. O artigo 2º entende genocídio como “os actos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo”. Disponível em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dih-conv-genocidio.html>. Acesso em: 23 mai. 2007. 63 Ver Leave None to Tell the Story: Genocide in Rwanda. 1999. Disponível em <http://www.hrw.org/reports/ 1999/rwanda/>. Acesso em: 22 mai. 2007. 64 “Soldiers and police officers encouraged ordinary citizens to take part. In some cases, Hutu civilians were forced to murder their Tutsi neighbours by military personnel.” BBC News. Rwanda: How the Genocide happened. 2004. Disponível em <http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/1288230.stm>. Acesso em: 22 mai. 2007. 65 O governo belga, após dez de seus peacekeepers terem sido capturados e mortos por radicais hutus no início de abril, anunciou a retirada de suas tropas do país. Uma semana depois tropas dos EUA, França e Bélgica foram enviadas a Ruanda para supervisionar a evacuação de estrangeiros. (OXFAM, 2004) 66 “Boutros-Ghali asked the US to jam the inflammatory broadcasts of Radio Milles Collines which broadcast hate propaganda from the capital, Kigali, and spurred on those committing the genocide across the country. He was told it would be too expensive”. (OXFAM, 2004). 67 Dados da ONU. Disponível em <http://www.un.org/Depts/dpko/dpko/co_mission/unamirS.htm>. Acesso em: 23 mai. 2007. 68 MSF (1994) informa sobre os números tanto de pessoas deslocadas internamente quanto de refugiados: “The conflict in Rwanda has led to an unprecedented flow of internally displaced persons and refugees. More than two million people are reported to have left their homes out of fear for the hostilities between the forces of the former Rwandese government and those of the RPF and out of fear for the massacres and/or reprisals. Tanzania is giving shelter to 255,000 refugees in Benaco camp, 98,000 in Lumasi and 30.000 in Musuhura. Zaire harbors around 600,000 refugees in the areas around Goma in Kahindo, Katale, Kibumba, Kituku and Mugunga camps. An estimated 140,000 refugees reside around Bukavu in Chimanga, Hongo, Kaléhe, Kashusha, Kamianola camps. Most refugees are Hutu”. Disponível em <http://www.doctorswithoutborders.org/publications/ reports/before1999/breaking_1994.cfm>. Acesso em: 08 mai. 2007. 69 Ver <http://69.94.11.53/default.htm.>

70 Ver Estatuto do Tribunal em <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/ruanda_estatuto.htm>. 71 “To date, the Tribunal has convicted sixteen people, with a further eight appealing convictions; another twenty-seven people are still on trial and 15 are awaiting trial in detention; 18 remain at large”. Disponível em <http://www.globalpolicy.org/intljustice/general/2006/0706unfettered.htm>. Acesso em: 12 mai. 2007.

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73 Ver BBC News, disponível em <http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/europe/ country_profiles/2357267.stm>. Acesso em: 14 jun. 2007.

74 Agência de notícias EFE. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2005/09/01/ ult1807u20873.jhtm>. Acesso: em 14 jun. 2007. 75 "The Responsibiliy to Protect". Disponível em <http://www.iciss.ca/report2-en.asp>. Acesso em: 31 mai. 2007.

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