AS BACANTES EURÍPEDES

download AS BACANTES EURÍPEDES

of 51

Transcript of AS BACANTES EURÍPEDES

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    1/51

    AS BACANTES

    Eurpedes

    Distribudo porwww.oficinadeteatro.com

    www.oficinadeteatro.com

    http://www.oficinadeteatro.com/http://www.oficinadeteatro.com/
  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    2/51

    Personagens

    DionisoCoro (das Bacantes)

    Tirsias

    CadmoPenteuServo

    MensageiroOutro Mensageiro

    Agave

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    3/51

    PrlogoA cena em Tebas. Ao fundo, a fachada do palcio real. Frente ao

    palcio, vem-se algumas runas e entre elas o tmulo de Smele, rodeado devides, e donde se escapa por vezes um fio de fumo. Dioniso, revestido comuma pele de gamo e com o tirso na mo, entra em cena. Avana at o tmulo

    de Smele.

    Dioniso terra de Tebas venho, eu, Dioniso,de Zeus filho, a quem outrora deu luz Smele,filha de Cadmo, pela chama do raio assistida.Alterando para mortal a feio divina,junto estou nascente de Dirce e guas de Ismeno;o tmulo de minha me, a fulminada, vejo,ao palcio vizinho, e as runas da sua morada,do fogo de Zeus uma chama ainda viva exalando,

    imperecvel clera de Hera contra minha me.A Cadmo exalto, que em solo inviolvelo tmulo da filha tornou; de pmpanoeu o cingi, em verdura e cachos abundante.Da Ldia e da Frgia, os campos ricos em ouro deixei;da Prsia, os planaltos batidos de sol;de Bctria, os muros; em funesta invernia, o pasdos Medos; e a opulenta Arbia percorrie a sia toda, que ao longo do salgado marjaz, com Helenos a brbaros associados,senhora de copiosas cidades de belas torres;para esta cidade dos Gregos logo me encaminhei,depois de ti ali institudos meus corose ritos, para aos mortais como deus me revelar.De terras helnicas, Tebas a primeiraa ressoar com os meus gritos, a nbride sobre o corpo,e mo entregue o tirso, dardo feito de hera;pois as irms de minha me, menos que ningum,deviam dizer que Dioniso no nasceu de Zeus,que Smele, seduzida, a falta do leitode algum mortal imputou a Zeus

    - expediente por Cadmo inventado e que Zeus a matouporque disso se jactava, j que tais npcias fantasiara.Por tal, de delrio as impregnei,e, loucos os espritos, do palcio montanha se foram.Forcei-as a usar a veste das minhas orgias,e toda a descendncia feminina Cadminiana,quantas mulheres havia, expulsei das casas;sentam-se em rochedos desabrigados, sob verdes pinheiros.Deve a cidade aprender, ainda que no queira,nos bquicos mistrios no sendo iniciada,que a Smele, minha me, defendo, e eu

    aos mortais surjo como deus, por ela de Zeus concebido.Cadmo, idoso j, o poder absoluto

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    4/51

    a Penteu, de uma filha gerado, entregou;este comigo luta e das libaesme repele, e, nas preces, de mim no tem memria.Por isso, a ele e a todos os TebanosMostrarei que nasci deus. A outra terra,

    Depois de tudo em ordem, meus passos dirigirei,Revelando quem sou. Mas se a cidade de Tebas,Pela clera e pelas armas, da montanha as Bacantesbuscar reconduzir, dirigirei as Mnades no combate.Por tais motivos, em mortal mudados tenho os traos,a semblante humano passei a minha feio.Vamos! Vs que o Tmolo, bastio da Ldia, abandonastes, meu taso, mulheres, que de brbaros pasescomigo trouxe, adeptas e companheiras minhas,os tamboris, na terra Frgia natos,erguei, invento de Ria venervel e meu,

    e, cercando o palcio real de Penteu,fazei-os ressoar, para que a cidade de Cadmo veja!s escarpas do Citron, aonde esto me vou,e, com as Bacantes, dos coros participarei.

    (Dioniso sai.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    5/51

    Prodo

    (Entra o coro das Bacantes, envergando peles de gamo, coroadas dehera e de serpentes, agitando os tirsos e os tamboris, tocando flauta edanando ao som destes instrumentos.)

    CoroDa terra da siapassando o Tmolo sagrado, eu me apressopor Brmio doce fadiga,pena to sem pena a Bacocelebrando com gritos de Evo!Quem vai a, quem vai a? Quem?Para dentro de casa se afaste, uma fala piedosacada um tribute!Sempre, o que pelo uso est consagrado

    a Dioniso cantarei!

    Estrofe 1.Oh!Bem-aventurado, feliz quemnos divinos mistrios instrudo,seus dias piedosamente dirigee a alma nobilitanas montanhas, pelas purificaessagradas das Bacantes!De Cibele, a Grande Me,celebrando as orgias,o tirso agitando freneticamentee coroando-se de hera,a Dioniso atende.Ide, Bacantes! Ide, Bacantes!A Brmio, deus filho de deus,a Dioniso fazei descerdas frgias montanhaspara as amplas ruasda Hlade, a Brmio!

    Antiestrofe 1.Foi a eleque noutro tempo, acometidadas violentas dores do partosob o trovo alado de Zeus,fora do ventre a melanou, deixando a vidapor ao do raio fulminante.Logo, para que ele pudesse nascer,em um abrigo Zeus Crnida o acolheu,

    e a sua coxa dissimuloucom fbulas de ouro a prender,

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    6/51

    a ocultas de Hera.Deu luz, quando os Destinosse cumpriram, o deus ornado de chifrese com uma coroa de serpentes o coroou.Desde ento, com tal despojo

    selvagem, as Mnadesseus anelados cabelos cingem.

    Estrofe 2. Tebas, de Smele ama,engrinalda-te com hera,faz brotar em abundncia o verdealegra-campo, produtor de belos frutos,ao delrio bquico consagra-te,com ramos de carvalho ou de abeto.E de mosqueadas nbrides revestida,

    rodeia-as com brancos cordes de lentranada. Do nrtex soberbo um uso piofaz. O povo todo, sem demora, ir danar em sua honra,- quem quer que dirija os tasos, outro Brmio -para a montanha, para a montanha, l onde estdas mulheres a multido,dos teares e lanadeiras apartadae por Dioniso enlouquecida!

    Antiestrofe 2. antro dos Curetas,e de Creta grutas venerveis,que a Zeus viram nascer!Ali, nas cavernas, os de triplo elmoesta pele em crculo distendidapara mim inventaram, os Coribantes!Ao ardor bquico uniramo harmonioso sopro das frgiasflautas e nas mos de Ria Meo depuseram, eco aos gritos das Bacantes.Os Stiros, desvairados,

    da Deusa Me o receberam,e s danasdas festas trienais o associaram,em que Dioniso se compraz.

    EpodoEst-se bem nas montanhas, depois das corridas dos tasos,quando se cai por terra,envergando a sacra nbride, buscandoo sangue de um bode imolado, a graa da omofagia,para as frgias e ldias montanhas avanando, ao sinal de Brmio,

    Evo!Do solo escorre leite, escorre vinho, escorre das abelhas

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    7/51

    o nctar!Tal um vapor de incenso da Sria,o sacerdote de Baco empunhandoa ardente chama no topo da varade pinheiro, incita

    corrida, e s danasquem anda errante impele,com seus brados estimula,os delicados cabelos flutuando ao vento...Entre gritos de Evo, ele clama:Ide, Bacantes!No esplendor do Tmolo que rola torrentes de ouro,celebrai a Dionisopelo rufar dos tamboris,glorificando o deus Evo com Evos,em gritos estridentes ao modo frgio,

    quando o sacro loto de melodioso tomfizer ecoar os sacros acordes dos folguedos, em unssonoc'os espritos alucinados, para a montanha, para a montanha!Ento, plena de deleite, como a poldra que com a mevai pascer, a Bacante seus ps velozes em saltos agita...

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    8/51

    1. Episdio

    (O adivinho Tirsias, envergando uma nbride, vem bater porta dopalcio, donde ir sair Cadmo.)

    TirsiasQuem est porta? Que v chamar Cadmo,o filho de Agenor, aquele que a Sdonabandonou, para esta cidade de Tebas edificar.Algum v anunciar-lhe que Tirsiaso procura. Ele sabe o que me impele,o que a minha velhice sua mais decrpita prometeu:guarnecer os tirsos, envergar as peles de gamoe com folhas de hera a cabea ornar.

    (Entra Cadmo, vestido de igual maneira.)

    Cadmo tu, de entre os amigos o mais caro! Pressentindoa tua sensata voz de homem sensato, l dentro do palcio,acorri, a divina veste pronto a trajar;sendo Dioniso filho de minha filha, urgeexalt-lo at onde est o nosso alcance.Onde iremos danar, onde deter nossos passose agitar os encanecidos cabelos? Orienta-me,Tirsias, um ancio a outro ancio. que tu s sensato!Toda a noite e todo o dia, sem esmorecer,batendo a terra com o tirso, doce olvidara velhice!

    TirsiasSentes o que eu sinto.Tambm rejuvenesci. Aos coros pretendo associar-me.

    CadmoIremos em carros para a montanha?

    TirsiasTanto menor seria a honra do deus.

    CadmoServir-te-ei de guia, um velho a outro velho.

    TirsiasPara ali nos conduzir o deus, sem custo.

    CadmoDe toda a cidade, s ns danamos por Baco?

    Tirsias

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    9/51

    S a ns o bom senso possui, aos outros no.

    CadmoTardamos muito. D-me a tua mo.

    TirsiasEi-la, estende e associa a tua.

    CadmoMortal que nasci, aos deuses no rejeito.

    TirsiasNo podemos lograr os deuses.Os costumes ancestrais igualam o tempoem grandeza; no os aniquilar o raciocnio,ainda que nclitos espritos descubram a sabedoria.

    Diro que da senilidade no sinto pejo,porque a danar e de hera a cabea a cingir, aspiro.No determina o deus se jovemou velho aquele que dana se entrega,a todos reclama honras iguais,sem distines; glorificado anseia ser.

    CadmoPois que da claridade no desfrutas, Tirsias,dos fatos intrprete para ti me volverei.Rumo ao palcio, aodado, vem Penteu,filho de Equon, em quem o real poder deleguei.Que feio alterada! Que trar de novo?

    (Penteu, com vestes reais, entra.)

    PenteuDo pas tendo estado ausente, eis que chegoe ouo falar dos males recentes que vo pela cidade:nossas mulheres dos lares se esquivaramem busca de falsos mistrios, em lgubres

    montanhas vagueiam, a um novo deus,Dioniso, ou l quem , honrando com danas!No meio dos tasos elevam-se, a transbordar,os crateres, umas e outras em ermo recantose acolhem, dceis aos prazeres masculinos:na aparncia, Mnades cumpridoras dos sacrifcios,na realidade, a Baco preferem Afrodite!De algumas me assenhoreei, agrilhoadas as mos;a essas, meus servos nos crceres vigiam;as outras, que esto longe, das montanhas farei sair,e, prendendo-as em frreas cadeias,

    os nocivos mistrios bquicos depressa cercearei.Contam que se introduziu aqui um estrangeiro,

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    10/51

    um mago do pas ldio, um feiticeiro,que seu cabelo de fulvos anis aromatiza,e, nos olhos, de Afrodite a graa purprea detm!Dia e noite s jovens se associa,os ritos de Evo ofertando...

    Se sob este teto o apanhar,ao bater do tirso obstarei, e ao agitardos cabelos, apartando o pescoo do resto do corpo.O deus Dioniso ele afirma ser,aquele que na coxa de Zeus outrora foi cosido,ele, que pelas chamas do raio foi devoradocom a me, porque as npcias divinas fantasiou.Da abominvel forca no isto digno,insolente pleno de insolncia, quem quer que seja o estrangeiro?Mas que prodgio me dado contemplar! O adivinhoTirsias, em mosqueadas nbrides envolto,

    e de minha me o progenitor - oh! escrnio! -empunhando o nrtex em delrio! Renego, pai,a tua senilidade, privada de entendimento!E se arremessasses essa hera? E se desejassesdo tirso a mo soltar, pai de minha me?Tu o persuadiste, Tirsias! O que visas,atraindo aos homens essa nova divindade, granjear salrios, observando as vtimas e o vo das aves!Se teus encanecidos cabelos por ti no velassem,acorrentado, entre as Bacantes te acomodarias,pois tais ritos celerados quiseste introduzir. Quando s mulheres,no festim, o fulgurante suco da uva ofertado,eu sustento que em tais orgias nada de sensato h!

    CoroQue impiedade! estrangeiro, aos deuses no temesnem a Cadmo, o que semeou a messe que da terra veio a nascer?Tu, vergntea de Equon, o desdouro de tua raa anseias?

    TirsiasQuando de seus discursos um homem sabedor colhe

    bons princpios, fala bem e sem pena.Destra linguagem tens, como se sensato foras,mas em tuas palavras no h sensatez.Um homem com audcia e arguto no falar,porm sem discernimento, funesto cidado ser.Da divindade nascente, que ora tu escarneces,no poderei relatar quanta magnitudena Hlade alcanar! Duas so, jovem,entre os homens as coisas primeiras: a deusa Demter- a terra; por um destes nomes invoco-a, a teu grado -aos mortais os alimentos secos proporciona.

    Vem depois o seu mulo, o filho de Smele,que da uva o fludo lquido achou e trouxe

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    11/51

    aos mortais; aquieta aos homens mserossuas penas, quando do suco da vinha esto saciados,o sono e o olvido dos males cotidianoslhes concede; para as dores outro lenitivo no h.Ele, que nasceu deus, aos deuses em libao se entrega

    e, graas a ele, dos homens o bem pertena.Dele zombas, porque a Zeus foi cosidona coxa? Pois demonstrarei que est certo.Depois que da chama do raio o arrebatou,Zeus conduziu ao Olimpo o deus-menino.Da abbada celeste, Hera pretendeu arremess-lo;ento Zeus, como deus que , contra ela estas coisas urdiu:do ter que envolve a terra, uma parteele rompeu, e entregou-o, fazendo dele um penhor,..................................................................................................do cime de Hera, Dioniso. Mais tarde,

    os homens afirmaram que na coxa de Zeus ele foi cosido,tendo alterado a palavra - que o deus deusaHera como penhor outrora servira - uma lenda forjaram.Vate ainda o deus. O xtase bquicoe o delrio tm grande poder proftico.Quando o deus penetra bem no corpo,aos alucinados o porvir permite anunciar.Dos atributos de Ares tem tambm uma parte;em armas e em ordem de combate, um exrcitoele dispersou, pelo terror, antes de as lanas se tocarem.Tal o delrio que de Dioniso nos vem.Ainda o hs de ver sobre os Dlficos penhascos,pulando, com a tocha de pinheiro, no planalto de dois cumespondo em vibrao e brandindo a vara e Baco,e engrandecer-se na Hlade! Vamos, Penteu, escuta-me!no te ufanes de ter um poder absoluto entre os homens,no creias, quando enferma se encontra tua mente,no creias pensar bem. Acolhe o deus nesta terra,consagra-lhe libaes, anima-te do delrio e coroa a tua cabea!A serem castas no constranger Dionisoas mulheres, no culto de Cpris, mas em sua prpria natureza

    deve-se buscar essa virtude. Pois nos festejos de Baco,corrupta no se tornar a que for casta.V como te apraz. quando s tuas portas se comprimeo povo, e de Penteu o nome a cidade aclama!A ele tambm, penso, apraz ser glorificado.Eu e Cadmo, ainda que tu dele zombes,de hera engrinaldados a danar iremos -um par encanecido, e danando todavia.No me persuadirs por tuas palavras a combater os deuses,Das loucuras a mais cruel te tomou, nas drogasalvio no achars, mas no sem drogas que enfermo te encontras.

    Coro

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    12/51

    ancio, a Febo em palavras no ultrajas,e honrando a Brmio, o grande deus, s sensato!

    Cadmo filho, bons so os conselhos de Tirsias,

    junto de ns permanece, alm das tradies no avances!Agora desvarias e, em teu senso, sensatez no h.Ainda que no seja deus, como tu crs,declara-o; mentindo com elegncia, afirmaque ele existe, para que Smele passe por ter dado luz um deus,e a toda a nossa raa honra advir.Recorda a desventura sinistra de Acton:os feros ces que criara, esses mesmoso dilaceraram, nas plancies, porque de superarna caa a rtemis ele se vangloriava...Teme-te disto! Vem c, para que te cinja a cabea

    com hera. Em nossa companhia, aos deus rende homenagem.

    PenteuAfasta a mo, e vai-te aos bquicos mistrios te entregar!Acaso teu desvario pretendes propagar at mim?De teus absurdos o mestre, a esse com penashei de punir! Que algum se dirija jpara o stio, de onde as aves ele observa,com as varas e o tridente, s avessas tudo voltai,as coisas todas removei, de alto a baixo,e aos ventos e procelas suas coroas desamparai...Vs outros a cidade percorrei, no encalodesse efeminado estrangeiro, que dissemina o flagelorecente entre as mulheres e nossos lares lacera.E logo que o agarreis, trazei-o agrilhoadoante mim, para que do suplcio da lapidaoele perea, aps ver o amargo fim dos seus ritos em Tebas.

    TirsiasDesgraado, tu no sabes o que dizes!Antes, tinhas a mente turbada, agora possui-te o furor.

    Vamos, Cadmo, e faamos precespor este homem, embora sendo cruel,e pela nossa cidade ao deus, para que ele nada faade estranho. Segue-me, e a vara engrinaldada de hera traz,o meu corpo v se sustentas; o mesmo farei quanto ao teu.Vergonhoso seria que ns, dois ancios, cassemos. Vamos!A Baco, filho de Zeus, temos de servir.Que Penteu de penas portado no seja a este larque o teu, Cadmo! Pela mntica no falo,mas pelos fatos - insensato que sem senso fala!

    (Tirsias e Cadmo saem.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    13/51

    1. Estsimo

    Coro

    Estrofe 1.a.

    Piedade, dos deuses soberana,Piedade, que sobre a terraas ureas asas alongas,de Penteu as palavras apreendes?Apreendes a sacrlegainsolncia contra Brmio, filhode Smele, ele, dos alegres festinsde formosas coroas, o senhor,

    ele, dos bem-aventurados o primeiro? da sua tarefaos tasos conduzir,ao som da flauta rir

    e nossos cuidados apaziguar,quando o suco da uvano sacro banquete reluz,e em festins de hera cingidossomo entre os homens o craterderrama...

    Antiestrofe 1.a.Das palavras sem freioe da mpia loucura,desventura o termo!Uma bem repousadaexistncia e um bom sensofirme mantme conservam nosso lar. Do longnquoter habitantes embora,as aes dos mortais os Celcolas observam.Sabedoria no sensatez,nem o raciocinar acima de mortal.Curta a vida; se para l da medidaalgum busca a grandeza,

    os bens presentes no sustentar.De loucos so tais hbitos,e de insensatos,a meu ver.

    Estrofe 2.Quem me dera ir para Chipre,de Afrodite a ilha,l onde reinam, do corao dos mortaisseduo, os Amores!Ou a Pafos, a quem as correntes

    de cem embocaduras do brbaro rio,em lugar das chuvas, fertilizam!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    14/51

    Ou ao mais aprazvel stio,a Piria, das Musas morada,do Olimpo sacra vertente!Conduz-me para l, Brmio, Brmio,o deus Evo, das Bacanais o arauto!

    L esto as Graas!L est o Desejo! L, s Bacantesas orgias dado celebrar!

    Antiestrofe 2.O deus, filho de Zeus,com os festins se regozija,ele ama da felicidade a doadora,a Paz, deusa da juventude.Por igual, ao ricoe ao pobre ele oferta

    o vinho delicioso, das penas olvido.Repudia quem tal no apreciar:dia e noite a venturae a vida desfrutar,no bom senso o corao e o esprito manter, margem dos imoderados.O que a multidoignara aceitou e pratica,quero-o tambm!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    15/51

    2. Episdio

    (Os servos de Penteu trazem Dioniso acorrentado. Um deles fala.)

    Servo

    Penteu, ei-nos trazendo capturada a presapela qual nos enviaste; no foi em vo que marchamos.A fera que aqui est foi-nos dcil e no pretendeuevadir-se, antes de seu grado as mos ofertou,e sem empalidecer, sem alterar a face cor de vinho,sorrindo, a acorrent-lo e a traz-lo nos incitou,enquanto aguardava, tornando-me fcil a tarefa.Eu, confuso, disse-lhe: "Estrangeiro, no por mimque te arrasto, mas por Penteu, que tal me ordenou."Quanto s Bacantes, que tomaste e encerrastenos pblicos crceres, em grilhetas algemadas,

    libertas se foram atravs dos campos,saltando e o divino Brmio invocando,dos ps por si se soltaram as cadeias,das portas sem mo mortal os ferrolhos se afrouxaram.Veio este homem, para Tebas tornarplena de maravilhas. Quanto ao resto, a ti que pertence atender.

    PenteuDesprendei-o! Em minhas redes cado,por veloz que seja, no me escapar.No sem beleza teu corpo , estrangeiro,pelo menos para as mulheres; por isso em Tebas surgiste;teus longos e anelados cabelos, no peleja,mas paixo denunciam, pela face dispersos...A nvea pele que tens, no por falta de cuidados -dos raios do sol resguardada, no da sombra.Com tal perfeio a Afrodites cativas...Qual a tua origem, primeiro me dirs.

    DionisoFtuo no sou; simples de expor.

    J ouviste falar do Tmolo fecundo em flores?PenteuSim, como um crculo, a cidade de Sardes envolve.

    DionisoDe l venho, a Ldia a minha ptria.

    PenteuDonde so os mistrios que Hlade trazes?

    DionisoDioniso nos iniciou, o filho de Zeus.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    16/51

    PenteuUm Zeus tendes por l, de novos deuses criador?

    Dioniso

    No: apenas aquele que a Smele nestes lugares se uniu.

    PenteuDeu-te ordens de noite ou tua vista?

    DionisoNos olhos o olhei, e os ritos me entregou.

    PenteuDessas orgias por ti obtidas, qual a natureza?

    DionisoAos no iniciados vedadas esto as coisas secretas.

    PenteuDaqueles que os acolhem, qual o proveito?

    DionisoNo justo que o saibas, mas profcuo conhec-los.

    PenteuDe astcia usas, para eu mais querer escutar.

    DionisoOs sacros mistrios rejeitam a piedade.

    PenteuViste claramente visto o deus, como era ele?

    DionisoA seu grado, no fui eu quem o determinou.

    PenteuOutra destra evasiva, para no falares.

    DionisoAo ignorante, o que fala com senso parece no pensar bem.

    PenteuPara aqui trouxeste primeiro o teu deus?

    DionisoTodos, de entre os brbaros, celebram os mistrios.

    Penteu

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    17/51

    que eles so menos sensatos que os Helenos!

    DionisoNisto, so-no bem mais, ainda que os costumes divirjam.

    Penteu de noite ou de dia que os ritos se praticam?

    DionisoDe noite sobretudo; mais sacras so as sombras.

    PenteuDolo temerrio para as mulheres !

    DionisoAtos indecorosos traz tambm o dia.

    PenteuCom pena sers punido, por teus perversos sofismas!

    DionisoE tu, por irreverncia e impiedade para com o deus!

    Penteu insolente Bacante, em discutir to versado!

    DionisoQue irei sofrer, diz? Que dano me fars?

    PenteuTeus delicados caracis primeiro cortarei...

    DionisoSacros cabelos, para o deus os criei!

    PenteuDepois, o tirso que na mo seguras entregars.

    DionisoVem arrebat-lo! De Dioniso atributo!

    PenteuNo recndito dos crceres, teu corpo custodiado ser.

    PenteuO prprio deus me libertar, quando eu desejar.

    Penteu

    Quando entre as Bacantes o invocares...

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    18/51

    DionisoEst perto agora e quanto padeo ele v.

    PenteuOnde? minha vista no visvel...

    DionisoOnde eu estou. Mas, mpio que s, no te apercebes.

    PenteuPrendei-o! Este homem a mim e a Tebas ultraja!

    DionisoNo me acorrentem! Sensato, a um insensato falo!

    Penteu

    Acorrentar-te irei; mais poderoso que tu eu sou.

    DionisoDesconheces o que seja a tua vida, o que fazes e quem s!

    PenteuSou Penteu, filho de Agave e vergntea de Equon!

    Dioniso desdita propcio teu nome!

    PenteuVai-te! Aprisionai-o aqui perto, nas estrebariasdos cavalos, para que, alm das negras trevas, nada veja!L podes bailar... Quanto s tuas sectrias,cmplices dos teus erros, ou as venderei,ou de suas mos o fragor e o vibrar do couroapartando, minhas servas ao tear farei.

    DionisoEstou pronto a ir, pois o que no tem de ser, no devo

    sofr-lo. De tais oprbrios o repressor,Dioniso te punir, aquele que afirmas no existir.Inquo para ns, a ele vais acorrentar.

    (Saem Dioniso, acompanhado pelos servos, e Penteu.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    19/51

    2. Estsimo

    Coro

    Estrofe

    ................................................................................. filha de Aqueloo,Dirce divina, ninfa formosa,noutro tempo, em tua nascente,ao rebento de Zeus acolheste,quando, para sua coxa, da chamaimortal, Zeus pai o arrebatou,estas palavras bradando:Anda, Ditirambo, para o meu seioviril podes entrar! Como Baco,eu te proclamo para os Tebanos,

    para que assim sejas denominado!E tu, bem-aventurada Dirce,repudias-me, a mim, que para as tuas margensconduzo os tirsos coroados!Por que me repeles? Por que te esquivas?Pelo pmpano em cachos abundante,Pela ddiva de Dioniso, eu te juro,que em Brmio ters ainda de atentar.

    AntiestrofeQuanta, quanta cleraexala da terrao filho, a vergntea do drago,Penteu, aquele que Equono Ctnio procriou!Monstro de fero olhar, nohumana criatura, tal sanguinriogigante, rival dos deuses,em suas redes, a mim,servo de Brmio, vai colher!J no mago do palcio,

    o guia dos tasos ele temem obscuros crceres oculto!Isto vs, filho de Zeus,Dioniso, os teus profetasem luta com a fatalidade!Desce, brandindo o ureotirso, do alto do Olimpo,reprime a insolncia do insano sanguinrio.

    A Nisa, bero das feras, dos tirsos portador,

    Dioniso, conduzes os tasos,ou aos cumes Coricianos?

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    20/51

    Em arvoredo profusos, talvezaos remansos do Olimpo, ondeoutrora Orfeu tocando ctara,com seus cantos as rvores atraiu,atraiu as feras bravias...

    Piria bem-aventurada,vio te venera, ele virteus coros dirigir junto s Bacantes;o xio de cleres correntes,com as desenfreadas Mnadesdanarinas transpor,e os Ldias, progenitorda prosperidade, e aos mortaisda ventura doador, esse, dizem,que o pas dos formosos corcis com guasaprazveis fecunda.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    21/51

    3. Episdio

    (Ouvem-se os clamores de Dioniso no interior do palcio.)

    Dioniso

    I!Escutai-me, escutai a minha voz,I, Bacantes, I, Bacantes!

    Coro- Quem ? Quem ? Donde vem o apelode vio, que me reclama?

    DionisoI! I! Clamo de novo,eu, o filho de Smele e de Zeus!

    Coro- I! I! Senhor! Senhor!Vem a ns, ao nossoTaso, Brmio, Brmio!

    Dionisonosis divina, abala o sono desta terra!

    Coro- Ah! Ah!J de Penteu a mansose desmantela e desaba!Dioniso est no palcio!Venerai-o! Venerado !- A ptrea arquitrave viste, sobre as colunasdeslocar-se? Brmioque brada sob esse teto!

    DionisoA chama fulgurante do raio ateia,

    E o palcio de Penteu incendeia, incendeia!CoroAh! Ah!O fogo no vs, no podes discernir, roda do sacro tmulo de Smele? a chama da trovoada, que ela outrora deixou,quando do raio ferida.Ao solo os trmulos corpos arremessai, Mnades, arremessai! O SenhorAssalta e revolve o palcio,

    O filho de Zeus!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    22/51

    (As Mnades prosternam-se e Dioniso sai do palcio.)

    Dioniso mulheres brbaras, que pnico imenso vos tomou,

    para que estejais prostradas por terra? Ao que parece, senteis que

    Bacoabalava o palcio de Penteu. Vamos! Ergueivosso corpo e repeli de vossa carne o pavor, tende confiana!

    Coro luz suprema, que de Evo o delrio nos concedes,com teu encontro rejubilo, sozinha em minha solido!

    DionisoApoderou-se de vs o desalento, quando fui remetidopor Penteu s sombrias masmorras, para a ser arremessado?

    CoroComo evit-lo? Quem seria o meu guardio, se a m sorte te atingisse?

    Como pudeste libertar-te desse mpio?

    DionisoPor mim s me soltei, sem esforo e sem pena.

    CoroEle no te ligou e agrilhoou as mos?

    DionisoA o iludi, porque, crendo acorrentar-me,nem me tocou nem atou, embora acalentasse a esperana.Achando um touro na estrebaria onde me aprisionaram,quis algemar-lhe os joelhos e os cascos com grilhetas,resfolegando de furor, com o suor a cair-lhe em gotas do corpo,mordendo os lbios com os dentes; eu permanecia pertoe, sentado, observava. Nesta altura exata,Baco surgiu, o palcio abalou e no tmulo maternoacendeu uma chama. Ao avist-la, julgou que o palcio se consumia.

    Pula daqui, pula dali, ordenou aos servos que lhe trouxessemo Aqueloo; ao trabalho se lanaram, esforo vo!Pensando que me evadira, a tal obra ps termoe precipitou-se, arrebatando a negra espada de dentro do palcio...Brmio, ento, ao que julgo digo o que me pareceu pousou um fantasma no palcio; arrojando-secontra o luzente pedao de ter trespassa-o, supondo degolar-me...Alm destas, outras afrontas lhe destinou Baco:o palcio todo sacudiu, e arruinou-o de cima a baixo.Caro lhe custar o ter-me acorrentado. Com a fadigaafrouxou, o gldio repudiando. Mortal que , contra um deus

    ousou empreender peleja! Saindo eu silenciosodo palcio, vim ante vs, sem curar de Penteu.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    23/51

    Se bem me parece ressoa o seu taco de dentro do palcio na soleira vai j surgir. Depois destas coisas, que dir?Por grande que seja a sua ira, com calma a enfrentarei.Ao homem sensato cabe cultivar uma disposio equilibrada.

    (Penteu sai do palcio.)

    PenteuAcossou-me a desgraa! Escapou-me o estrangeiroque com grilhetas subjugara havia pouco!Ah! Ah!Ei-lo aqui! Que isto? Como te evadistee apareces no limiar da minha morada?

    DionisoDetm-te! Deves frear um pouco teu furor!

    PenteuComo lograste fugir, s cadeias escapando?

    DionisoNo te disse ou no ouviste que algum me libertaria?

    PenteuQuem? Novas histrias sempre trazes...

    DionisoAquele que para os mortais cria o pmpano em cachos abundante.

    Penteu..................................................................................................

    DionisoEm tal censura est a glria de Dioniso!

    PenteuAs portas todas, em redor, ordeno que encerrem!

    DionisoPara qu? Os muros aos deuses podem deter?

    PenteuEsperto, esperto s, no naquilo que devias.

    DionisoAntes no que preciso, mais esperto eu sou.Presta primeiro ateno s palavrasdaquele que da montanha traz novas para ti.

    Fico ao teu lado; no fugirei.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    24/51

    (Entra o boieiro.)

    Mensageiro Penteu, senhor da Terra de Tebas,do Citron eu venho, l onde nunca

    da neve cada a brancura deslustra!

    PenteuAs venerveis Bacantes eu vi, essas que, da cidade,partiram como setas, os seus nveos ps num frenesi.A ti e ao pas, Senhor, eu venho anunciaros prodgios que praticam, aos milagres superando.Anseio por saber, se com sinceridadedevo relatar tudo, ou moderar minhas palavras.O arrebatamento do teu esprito temo, Senhor,Os acessos da tua clera e tua rgia ndole.

    PenteuFala! Totalmente impune ante mim estars.Aos que cumprem o seu dever, a ira no alcana.Quanto mais estranho o que disseres das Bacantes,tanto mais, sobre aquele que suas artes insinuouentre as mulheres, a justia se abater.

    MensageiroA manada de bois trepara havia poucos alturas, para o pastoreio, quando o solseus raios dardeja, a terra aquentando...Trs tasos vejo ento, trs coros de mulheres,um, dominado por Autnoe; o segundo,por Agave, tua me; o terceiro era o coro de Ino.Todas dormiam, com os corpos reclinados,umas com as costas apoiadas ramagem de um abeto,outras em folhas de carvalho... No solo, a cabeaao acaso e castamente pousada, no como tu dizes- embriagadas pelo vinho e pelo som do lotoe buscando, isoladas, o amor no bosque.

    Elevando-se entre as Bacantes, tua me lanouO brado ritual, ao sono os corpos furtando,logo que dos bois corngeros o mugido escutou.O sono profundo das plpebras apartando, todasse ergueram; sua compostura era maravilha de ver- jovens, velhas e virgens do jugo ignorantes aidna!Sobre os ombros, os cabelos deixaram cair primeiro,as nbrides levantaram depois, das quais os cordes,lassos, pendiam soltos; as peles mosqueadascingiram com serpentes que lambiam as faces delas...Em seus braos seguravam coras e crias de lobo,

    seu nveo leite s feras ofertando,jovens mes, de seio tmido ainda,

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    25/51

    que os filhos abandonaram. Enfeitam-se com coroasde hera, folhas de carvalho e flores de alegra-campo...Uma, tomando o tirso, contra uma rocha bateu;de gua lmpida, uma torrente dali jorrou...Outra, com o nrtex escavou da terra o solo,

    e o deus uma nascente de vinho fez brotar...Aquelas que sentiam nsia da branca bebida,com as pontas dos dedos a terra esgaravataram,abundante leite recolhendo. Dos tirsos,ornados de hera, um fluxo de doce mel gotejava...Ah! Se l estiveras, ao deus que ultrajashavias de dirigir preces, depois de veres tais prodgios!Boieiros e pastores nos reunimos,discutindo uns e outros nosso parecersobre os prodgios praticados, to dignos de admirao.Um, mais conhecedor da cidade e dos discursos,

    a todos falou: vs que os sacros planaltosdas montanhas habitais, quereis dar caaa Agave, mo de Penteu? Se dos bquicos corosa reconduzirmos, grato ser ao Senhor. Pareceu-nosdizer bem. Na folhagem das moitas, bem ocultosnos escondemos. Elas, a uma hora certa,o taso bquica corrida impeliram;de uma s voz, ao filho de Zeus, a Iaco,a Brmio, elas invocaram. A montanha toda deliravae as feras; na corrida, nada fica imvel...Ao meu alcance passou Agave saltando;Pretendendo agarr-la, de um pulo,a moita deixei, onde oculto me encontrava.Ela clamou: cleres pernas minhas,por homens somos acossadas! Acorram,acorram, com vossas mos armadas de tirso!Pela fuga ns nos furtamosao dilacerar das Bacantes, porm, sobre os nossos boisque pasciam erva, se abatem, com mo sem ferro.A uma vimos, uma vaca de fecundos beresque mugia, em suas mos ambas tomar;

    outras, a dilacerar vitelas se dispuseram...Terias visto costelas e cascos fendidos,arremessados em todas as direes,suspensos dos abetos, a gotejar sangue...Touros enfurecidos e de hastes em riste,logo a seguir por terra jaziam, os corposabatidos por milhares de mos femininas...A carne que os revestia mais depressa despedaaram,que tu sobre a real pupila a plpebra descerias...Tal as aves que voam, em corrida se precipitarampara as plancies que se estendem ao longo das correntes do Asopo

    e que aos Tebanos a espiga de belas bagas fazem brotar.Sobre Hsias e trias, que da montanha do Citron

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    26/51

    a falda habitam, caram como horda hostil,devastando tudo e de cima a baixo as coisasrevolvendo. Arrebataram as crianas das casas.Quanto nas espduas pousaram, sem vnculosa prender, nada no negro solo tombou,

    nem o bronze nem o ferro. A seus anelados cabeloso fogo enlaou, sem os queimar. Saqueados pelas Bacantes,os camponeses precipitaram-se, colricos, para as armas.Prodgio espantoso se viu ento, Senhor!O ferro dos dardos no as fazia sangrar...Elas, projetando os tirsos das mos,feriam e punham em debandada os homens,embora sendo mulheres, mas validas de algum deus!Ao lugar donde haviam partido, seus passos as levaram de novos nascentes que o deus para elas alimentara;o sangue banharam e, gota a gota, a pele

    de suas faces as serpentes lamberam com a lngua...A este deus, quem quer que seja, Senhor,em tua cidade acolhe! notvel em tudo,e dizem que ele, assim eu o escutei,o pmpano que alivia as penas doou aos mortais.No havendo vinho, no havia amor,no restava deleite algum para os homens.

    CoroPalavras livres eu temo dizerao tirano; todavia, eu as proferirei:Dioniso no nasceu inferior a nenhum deus!

    PenteuEis que j perto de ns ateia, como uma fogueira,a afronta das Bacantes, que ante os Helenos nos ultraja!No devemos perder tempo. Corre at Porta Electra,apela para todos os portadores de escudos,para todos os cavaleiros de velozes corcis,quantos manejem o escudo e vibrem com a moa corda dos arcos... Vamos combater contra as Bacantes!

    Nada h mais nocivo que suportarque nos subjuguem as mulheres!

    DionisoNo queres crer, nem escutar as minhas palavras, Penteu! No obstante os tratos que da tua parte sofri,digo-te que no lcito levantar armas contra um deus,mas se deve permanecer em paz. Brmio no permitirque expulse as Bacantes dos montes onde evo ecoou!

    Penteu

    No pregues mais! Das cadeias no escapaste?Aproveita-o. Pretendes que te puna de novo?

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    27/51

    DionisoOferendas lhe faria, em lugar de violnciae rebeldia contra o seu aguilho... Um mortal contra um deus!

    PenteuOferenda justa lhe farei: sangue femininodos flancos do Citron escorrendo profuso...

    DionisoFugireis todos! Vergonhoso que os escudosbrnzeos sejam desbaratados pelos tirsos das Bacantes...

    PenteuNas garras do estrangeiro no acho sada,Que me obedea, quer atue por si, no se cala!

    DionisoMeu senhor, harmonizar as coisas podemos ainda...

    PenteuQue fazer? Hei-de ser servo dos meus servos?

    DionisoAt aqui, sem armas, as mulheres trarei.

    PenteuAi! Que um dolo maquinas contra mim!

    DionisoQual, se anseio salvar-te com as minhas artes?

    PenteuAlgum pacto fizestes, para celebrardes sempre Baco.

    DionisoSim, fizemos um pacto, est certo mas com o deus!

    PenteuMinhas armas trazei aqui, e tu, s tuas palavras pe termo.

    DionisoOlha l!Gostarias de v-las acampadas nas montanhas?

    PenteuMuito! Muito peso em ouro eu daria at!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    28/51

    DionisoPor que te toma essa nsia imensa?

    PenteuFicarei angustiado, se as vir embriagadas.

    DionisoDoloroso te , e de teu grado queres ver?

    PenteuDigo-te que sim: em silncio e pelos abetos dissimulado.

    DionisoEla encontraro o teu rasto, mesmo que te ocultes bem...

    Penteu

    Falas com acerto: s claras, no!

    DionisoTeu guia serei. Para a jornada ests pronto?

    PenteuLeva-me o mais clere que possas. Aborrece-me a tua demora.

    DionisoEnvolve o teu corpo com um peplos de linho.

    PenteuO qu? Homem que sou, a mulher passarei?

    DionisoTemo que te matem, se l virem que s homem.

    PenteuFalas bem; j h muito te mostraste esperto...

    Dioniso

    Estas coisas Dioniso me inspirou.PenteuComo executar o que to bem me aconselhas?

    DionisoVamos ao palcio; eu vou vestir-te.

    PenteuVestir o qu? Um traje feminino? O pudor me detm.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    29/51

    DionisoJ no tens desejo de espiar as Mnades?

    PenteuQueres descrever-me o traje que hei de envergar?

    DionisoComprida cabeleira em tua cabea colocarei.

    PenteuQual a segunda pea do meu disfarce?

    DionisoUm peplos at os ps; na fronte, uma mitra.

    Penteu

    Alm dessas, que outra coisa me vais por?

    DionisoUm tirso na mo e uma pele de gamo mosqueada.

    PenteuNo serei capaz de vestir uma roupa de mulher.

    DionisoSangue correr, se s Bacantes provocares.

    Penteu justo; vamos observar primeiro.

    Dioniso mais sensato que granjear males com o mal.

    PenteuComo atravessas a cidade, sem os Cadmianos saberem?

    Dioniso

    Por ermos caminhos iremos. Eu te conduzirei.PenteuPrefiro isso, a que as Bacantes zombem de mim.Entremos no palcio... e decidirei o que parecer melhor.

    DionisoSeja! Estou pronto a preparar-te tudo.

    PenteuVou-me: ou marcharei, tomando as armas,

    ou os teus conselhos acatarei...

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    30/51

    (Penteu entra no palcio.)

    DionisoMulheres, cado na rede est o homem.Vai alcanar as Bacantes, mas ser punido com a morte.

    Dioniso, a ti compete agir; no longe te encontras.O castigo no tarda! Penetre primeiro seu espritoum impetuoso delrio... Se conservar o bom senso,no querer envergar uma veste de mulher;se desaparecer o bom senso, enverg-la-.Ao escrnio dos Tebanos pretendo exp-lo,conduzindo-o pela cidade, disfarado de mulher,ele, de ameaas to prdigo outrora!Tenho de ir ajustar a Penteu a veste, com que h dealcanar o Hades, s mos da meestrangulado. Reconhecer o filho de Zeus,

    Dioniso, que se mostra, no fim, o mais temveldos deuses, ele, o mais clemente para os humanos!

    (Dioniso entra no palcio.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    31/51

    3. Estsimo

    Coro

    Estrofe

    Nas danas que duram toda a noiteirei enfim pousar meus alvos ps,tomada de delrio, o coloarremessando ao ter orvalhado...Tal a cora na erva tenrado prado, brincando com delciadepois que se furtou da funestacaa e da vigia, saltandoas bem entranadas redes...Mas com seus brados o caador corrida os ces incita:

    com esforo e corridas em turbilho,pula na plancieao longo do rio, desfrutandoos lugares ermos de homens os rebentosda floresta de folhagem umbrosa...Que ser a sabedoria? Haver dadivamais honrosa dos deuses para os mortaisque segurar com mo vitoriosaa cabea dos inimigos?O que honroso, deleitoso sempre!

    AntiestrofeCom mansido se move, mas infalvel, dos deuseso poder. Ele castiga, dentre os mortais,aqueles que prestam culto iniquidade,e aos deuses no veneram,com seus esprito perverso.Ele oculta, com astcia,a lenta marcha do tempoao mpio, e acossa-o. Nada

    que ultrapasse as tradiesse deve conhecer e exercer.Custoso no reconhecera fora da divindade,quem quer que ela seja,e que o que se aceita ao longo do tempo verdade eterna que na natureza se funda.Quer ser a sabedoria? Haver ddivamais honrosa aos deuses para os mortaisque segurar com mo vitoriosaa cabea dos inimigos?

    O que honroso, deleitoso sempre!Venturoso aquele que s procelas

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    32/51

    do plago escapa e o porto alcana!Venturoso aquele que suas penassubjuga! Por vrios mtodos, uns aos outrosem dita e poder superam.Mltiplos os homens, mltiplas

    as esperanas suas, umasem dita se acabampara os mortais, outras se esfumam...Quem da ventura do dia a dia desfruta,eu tenho por feliz!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    33/51

    4. Episdio

    (Dioniso sai do palcio e volta-se para trs, para chamar Penteu.)

    Dioniso

    Tu, que de ver o que no deves to desejoso ests,e o que vedado te solicitas, a ti falo, Penteu,sai do palcio e oferece-te a meus olhos,envergando uma veste de mulher, de Mnade, de Bacante,tu, o espia de tua me e suas sectrias...

    (Entra Penteu, vestido de Bacante e com o tirso na mo.)

    Uma das filhas de Cadmo nas feies me pareces

    Penteu

    Eu estou em crer que vejo dois sis...E vejo Tebas, a cidade das sete portas, a dobrar...A ti, que me conduzes, um touro eu te creio,e na tua cabea despontaram chifres...J eras dantes uma fera! Em touro te tornastes!

    DionisoO deus, antes to benigno, escolta-noscomo aliado. Agora vs o que no deves.

    PenteuA quem me assemelho? O semblante do Inotenho, ou o de Agave, minha me?

    DionisoVendo-te, a elas creio ver.Mas olha que deslocaste do stio um anel de cabelo,que j no est como eu h pouco em tua mitra ajustara.

    PenteuFoi l dentro, que ao agit-lo e mov-lo,

    do stio o desviei, quando do delrio tomado.DionisoA mim, como teu aio, me competecomp-lo de novo. Endireita a cabea!

    PenteuEi-la, compe-me! Em tuas mos estou!

    DionisoTua cintura est solta, e ainda as pregas

    do teu peplos se alongam em desordem nos tornozelos...

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    34/51

    PenteuEsse tambm o meu parecer, quando ao p direito.Daqui, o peplos alcana o meu taco.

    Dioniso

    Vais considerar-me os mais caros dos teus amigos,quando vires as Bacantes castas, e no como dizias.

    PenteuPegarei no tirso com a mo direitaou com esta, para parecer mais uma Bacante?

    DionisoCom a direita, e ao mesmo tempo levantao p direito. A mudana de tua mente bendigo!

    PenteuNo poderia levar as encostas do Citron,junto com as Bacantes, em meus ombros?

    DionisoPodias, se desejasses. Dantes, a mentes no tinhas, agora est como deve ser.

    PenteuTomo uma alavanca? Ou ergo-o por minhas mosmetendo o ombro ou o brao sob o seu cume?

    DionisoNo derrubes os templos das Ninfas,e a morada de P, onde a flauta ressoa...

    PenteuFalas bem: no devemos vencer pela foraas mulheres. Nos abetos ocultarei o meu corpo.

    Dioniso

    Esconde-te no esconderijo, onde deve esconder-meum espia astuto que as Mnades vem ver...

    PenteuOlha! Como as aves nas moitas, at j creiocontempl-las, s blandcias do amor cativas...

    DionisoPor isso mesmo s mandado vigiar.Tom-las podes, se tomado no fores primeiro...

    PenteuLeva-me atravs da terra tebana.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    35/51

    Sou o nico homem que, entre todos, ousa tal!

    DionisoS tu a penar pela cidade, s tu!Por isso te aguardam pelejas dignas de ti.

    Segue-me! Teu guia salvador eu sou.Outrem h de trazer-te de l...

    PenteuA que me deu luz...

    DionisoDe todos contemplado...

    PenteuPara tal vou.

    DionisoTransportado virs...

    PenteuAfagado dizes que serei.

    DionisoNas mos de tua me...

    PenteuAmimar-me pretendes.

    DionisoE que mimos!...

    PenteuAlcanarei o que mereo.

    (Penteu dirigi-se para a sada.)

    DionisoDesgraado dos desgraados, destino mais desgraado buscas,tu encontrars a glria que se ergue at nos cus!Estendei as mos, Agave e vs, filhas de Cadmo,do mesmo sangue oriundas! Este jovem que aqui est eu conduzoao grande combate! Vencedor eu sereie Brmio... Os fatos diro o resto.

    (Sai Dioniso.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    36/51

    4. Estsimo

    CoroEstrofe

    Correi, cleres mastins da Loucura, montanha correi,

    l onde as filhas de Cadmo o taso detm!A elas provocaicontra aquele que, em tnica de mulher encoberto,enlouquecido, as Mnades vai espiar!A me ser a primeira a v-lo, do alto do rochedo polidoou de uma rvoreespreitando, e pelas Mnades bradar:Quem este, que s Cadmianasque correm pelos montes acossa, e montanha montanha veio,veio, Bacantes? Quem o deu luz?No foi do sangue

    de mulher gerado, mas de alguma leoaou da estirpe das Grgonas Lbias!Venha a justia resplandecente, venho do gldio portadorae fira de morte a gargantado mpio sem deus, sem leis, sem justia, vergnteade Equon, pela terra gerado!

    Antiestrofequele que, com falsos juzos e clera criminosa,contra as orgias tuas, Baco, e de tua me,de corao embravecidoe de louca audcia tomado, se apresta,como se o invencvel pudesse vencer pela fora,a esse, a morte que vem equilibrar o esprito,nas coisas divinas inexorvel.Comportarmo-nos como mortais, livra-nos de desgostos.A sabedoria ao sbio deixo:busc-la me apraz; contudo, h outros bens preciosose manifestos. Possa a minha vida caminhar para a beleza,e, de dia e de noite,na pureza e na piedade, rejeitando as prticas

    contrrias justia, dignificar os deuses!Venha a justia resplandecente, venha do gldio portadorae fira de morte a gargantado mpio sem deus, sem leis, sem justia, vergnteade Equon, pela terra gerado!

    EpodoMostra-te como touro, ou um drago de mltiplas cabeasou um leo ardente como a chama!Vamos, Baco, ao caador de Bacantes,com rosto sorridente, acolhe nas redes

    de morte quele que h de ser surpreendidono bando das Mnades!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    37/51

    5. Episdio

    (Entra o Segundo Mensageiro)

    Mensageiro

    casa florescente outrora na Hlade,casa do ancio de Sdon, que o filho da Terra,do drago, a colheita no nosso solo semeou,sendo servo, mesmo assim, quanto te pranteio!

    CoroQue h? Das Bacantes algo de novo anuncias?

    MensageiroMorte Penteu, o descendente de Equon.

    CoroDivino Brmio, deus poderoso te mostras!

    MensageiroQue dizes? Que palavras proferes? Com os malesque oprimem os meus amos vos regozijais, mulheres?

    CoroEvo, clamo, estrangeira que sou, em meus brbaros cantos!J das cadeias o temor no me aterra.

    MensageiroOs Tebanos to cobardescrs........................................................................................................

    Coro Dioniso, Dioniso, e no Tebas,que manda em mim!

    MensageiroTens atenuante, mas com as desventuras

    alheias exultar, mulheres, no est bem!CoroDiz-me, conta-me, de que morte morreuo perverso maquinador de perversas manobras?

    MensageiroDepois que da terra de Tebas deixamosas moradas, e do Asopo a corrente passamos,subimos as encostas do Citron,Penteu comigo ao meu senhor seguia

    e o estrangeiro, guia da nossa expedio.Primeiro, num vale verdejante nos detivemos,

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    38/51

    os ps passos e as vozes conservandosufocados, para ver sem sermos vistos.Era uma garganta rochosa, sulcada de regatos,e de pinheiros sombreada, onde as Mnadesacampadas, em aprazveis tarefas se ocupava:

    uma, a seus tirsos j desguarnecidos,com tufos de hera de novo coroavam...Outras, como poldras que o lavrado jugo largara,de Baco o cantar entoavam porfia...O desventurado Penteu, como no via o bando das mulheres,clamou, estrangeiro, do stio onde estou,os meus olhos s Mnades corruptas no alcanam;se trepar desta escarpa para um aberto altaneiro,as torpezas das Mnades discernirei compreciso. partir de ento, vi este prodgio do estrangeiro:agarrando um ramo de abeto que nos ares se erguia,

    baixa-o, baixa-o, baixa-o at o solo escuro...E dobrava-se como um arco ou como uma roda recurva,que arrasta o seu curso enquanto se traa com o compasso a sua volta.Assim o estrangeiro, segurando nas mos o tronco alpestre,por terra o vergava, realizando um feito que no era de um mortal.Tendo instalado Penteu na ramagem do abeto,deixou que o ramo de entre suas mos se soltassesuavemente, cuidando para que ele no casse,e, muito direito, ao ter direito se elevasse,com o meu senhor montado l no cimo.Mas a si se mostrava que s Mnades observava.Logo que o viram instalado no alto,j de nossos olhos o estrangeiro se apartarae do ter uma voz, que parecia serde Dioniso, clamava: jovens,trago aquele que de vs, de mim e de minhas orgiasescarnece. Castig-lo podeis, pois!Enquanto tais palavras proferia, entre a terra e o cu,o brilho de uma luz terrvel se acendeu.Silenciou o ter, silenciou do vale frondosoa folhagem, das feras o brado mais no se ouviu...

    Elas, no apreendendo logo o apelo com seus ouvidos,ergueram-se, muito direitas, e a vista volveram...De novo ele as chamou. Reconhecendode Baco o claro mando, as filhas de Cadmo,geis no menos que pombas, precipitaram-se,correndo com os ps em louca correria,Agave, a me, e as irms, do mesmo sangue oriundas,e as Bacantes todas... Do vale a torrentee as ravinas transpuseram, tomadas de sopro divino.Avistando o meu senhor montado no abeto,de incio treparam num rochedo como uma torre,

    e arremessavam-lhe pedras com violncia;depois, com ramos de abeto o atacaram.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    39/51

    Outras atiraram os tirsos aos ares,contra Penteu, desventurado alvo, mas no o atingiram.L no alto, fora do alcance da clera delas,estava o desgraado, preso sem evaso.Por fim, quebrando com fragor ramos de carvalho,

    arrancaram as razes com aquelas alavancas sem ferro...Mas o trabalho no obedecia aos seus anseios,e Agave bradou: Vamos, fazei um crculo,agarrai o tronco, Mnades, para que a feratrepadora capturemos, no v revelar do deusas danas secretas! Milhares de mosno abeto se abateram e ao solo o arrancaram...Do alto, l bem do alto tombou, derrubadono solo, milhares de gemidos soltando,Penteu. O fim prximo ele compreendia.A me, sacerdotiza primeira, ao homicdio preludia

    e sobre ele se lana. Dos cabelos a mitraele arredou, para que o reconhecesse e no matassea infortunada Agave; e falou, a face delaacariciando: Me, sou eu, o teu filhoPenteu, que na manso de Equon deste luz;apieda-te de mim, me, e, no obstante meus erros,um filho teu no queiras imolar!Expelindo espuma e as revoltas pupilasagitando, sem raciocinar como devia,por Baco dominada, sem o escutou...Pegou no brao esquerdo pela mo,ao flanco do infeliz apoiou o p com a sua energia,e a espdua lhe desarticulou, no apenas com a sua fora,mas com a destreza que em suas mos o deus incutira.No outro flanco, estas mesmas coisas Ino fazia,dilacerando as carnes, e Autnoe com o bando tododas Bacantes acudia. Tudo era um confuso clamor,ele, gemendo o que o alento lhe consentia,elas, ululando. Uma levava um brao,outra um p ainda calado. Desguarnecidos estavamos flancos pelos dilaceramentos. Com as ensanguentadas

    mos, em jeito de bola, as carnes de Penteu arremessavam.O corpo mutilado jazia aqui e ali, partes em agrestesrochedos, parte na folhagem do bosque frondoso.No seria fcil de achar. Tomando a cabeado desventurado entre as suas mos, a me a seguroue, cravando-a no cimo do tirso, como se da montanhaum leo fora, passeia-a pelo Citron,deixando as irms nos coros das Mnades.De sua presa funesta se orgulha e avanapara as nossas muralhas, a Baco invocando,o seu camarada, o seu companheiro de caa,

    o que lhe deu a vitria a quem traz um trofu umedecido de pranto.Em louca correiria, a tal calamidade

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    40/51

    me vou escapando, antes que Agave sua morada alcance.Praticar a moderao, e ser reverente aos deuses a coisa melhor, e creio ainda que o mais sensato dos bens para usodos mortais.

    (Sai o Mensageiro.)

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    41/51

    5. Estsimo

    CoroDancemos por Baco,celebremos a desgraa

    de Penteu, vergntea do drago,que envergando uma veste de mulher,o nrtex, do Hades penhor,e o tirso tomou,tendo como arauto de sua desventura o touro!Bacantes cadmianas,vosso canto triunfal e glorioso se acabarem lamentos, em prantos!Belo combate, onde com a mo gotejando sangue,o corpo do filho se estreita!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    42/51

    xodo

    CoroMas em direo ao palcio eu vejo correra me de Penteu, Agave, com olhar turvo.

    O cortejo do deus vio acolhamos!

    (Entra Agave em delrio, com a cabea de Penteu nos braos.)

    AgaveEstrofe

    Bacantes da sia!

    CoroOh! Por que me excitas?

    AgaveDa montanha trazemos,para esta manso, hera recm-cortada,caa abenoada!

    CoroEu vejo, e neste carro te acolho!

    AgaveSem redes a apanhei,a esta jovem cria de um leo selvagem!Podeis v-lo!

    CoroEm que ermo lugar?

    AgaveO Citron...

    CoroO Citron?

    AgaveViu-o morrer.

    CoroQuem o feriu?

    AgaveA honra primeira me cabe.Nos tasos apelidam-me de Agave, a bem-aventurada.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    43/51

    CoroQuem mais?

    CoroDe Cadmo...

    CoroDe Cadmo o qu?

    AgaveAs filhas,- mas s a seguir a mim a seguir a mim, que a fera tocaram. Que caa to ditosa!

    Coro....................................................................................................................

    ..........................................................................................................

    AgaveAntiestrofe

    Participa do meu festim!

    CoroO qu? Eu, participar, desgraada?

    Agave um bezerro ainda jovem,e um pelo bem delicado floresce, abundante,na sua cabea!

    CoroCom uma fera selvagem no pelo se parece...

    AgaveBaco, hbil caador,habilmente incitou caa desta feraas Mnades.

    CoroGrande caador o nosso soberano!

    Agaveno queres louvar-me?

    CoroEu te louvo!

    Agave

    Daqui a pouco os Cadmianos...

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    44/51

    CoroE Penteu, de ti nascido...

    AgaveSua me louvar

    por esta presa de leo haver tomado.

    CoroPresa desmedida!

    AgaveDe forma desmedida granjeada!

    CoroRegozijas-te?

    AgaveRejubilonestes grandiosos, grandes feitose esplndidas proezas desta caa.

    CoroPatenteia agora, infortunada, tua presa triunfalaos cidados, esse despojo que vens trazendo!

    Agave vs que habitais a cidade de belas torres,no pas tebano, vinde apreciar esta presa,a fera que ns, as filhas de Cadmo, abatemos,no com dardos tesslicos presos por correias,no com redes, mas com as lminas alvasde nossas brancas mos... Depois disto, ser lcito enaltecer-seo caador que compra ao fabricante armas suprflluas?Ns mesmas com as nossas mos o agarramos,elas nos bastaram para o desmembrar.Onde est o meu velho pai? Que venha aqui.Penteu, o meu filho, onde est? Uma escada ele encoste

    s muralhas e os bem assentes degraus suba,para nos triglifos cravar a cabeadeste leo, o trofu por mim caado.

    (Entra Cadmo, seguido pelos escravos, que trazem numa padiola osrestos mortais de Penteu.)

    CadmoSegui-me, vs que to doloroso fardo transportais,o de Penteu; segui-me, servos meus, ao palcio fronteiro.O seu corpo, depois de mil buscas estafar,

    aqui o trago; nos declives do Citron foi achadoem pedaos, nenhum deles em igual stio

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    45/51

    recolhido, na floresta imperscrutvel jazendo...Anunciaram-me o delito das minhas filhas,quando j da cidade os muros alcanavacom o velho Tirsias, depois de deixar as Bacantes.De novo a caminho da montanha, de l trago

    o corpo do meu filho massacrado pelas Mnades.Ali, de Aristeu a esposa de Acton a me,a Autnoe, eu vi, e tambm a Ino,que ainda sob o aguilho sinistro erravam pela floresta...Disseram-me que para aqui, em corrida bquica,Agave se encaminhava. Palavras vs no escutei,ante a mim a tenho, terrfica viso!

    Agave pai, vangloriar-te podes, com legtima vaidade,de as mais ousadas filhas ter engendrado

    de entre os mortais! Falo de todas, mas de mim em especial,que, das lanadeiras do tear me apartando,a mais aspirei, e capturei feras com as minhas mos.Nos braos trago, como vs, as primciasdesta coragem, para que nos muros do teu palcioseja suspenso. pai, acolhe-o em tuas mos!Deves ufanar-te da minha caa!Convoca os amigos para um festim! Ditoso, bem ditosos, por tais proezas praticarmos!

    Cadmo dor sem freio, to dolorosa de ver,sangue derramado por mos mseras, eis a tua proeza!Bela a vtima que aos deuses acaba de imolar,e para cujo festim aos Tebanos e a mim convidas!Teus males choro primeiro, os meus depois. que o deus, com justia talvez, mas com fora excessivanos feriu Brmio, o Senhor, vergntea de nossa raa!

    AgaveAh! Como os homens so mal humorados na velhice,

    e de aspecto carrancudo! Que o meu filhobom caador venha a ser, o exemplo da me seguindo,para, com a juventude tebana,as feras acossar! Mas combater os deuses so que ele sabe. pai, cumpre-teadverti-lo! E se algum o convocasseante meus olhos, para que veja a minha ventura?

    CadmoAi! Ai! Quando tomares conscincia do que fizeste,uma dor atroz te consumir! Se at o fim

    deves permanecer sempre no estado em que te encontras,que afortunada no s, mas infortunada tambm no, ho de pensar.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    46/51

    AgaveQue h nisto de odioso ou de lgubre?

    Cadmo

    Primeiro, levanta os teus olhos ao ter.

    AgaveEstou a olhar. Por que tal ordenas?

    CadmoParece-te igual, ou sofreu alterao?

    AgaveEst mais resplandecente e transparente que antes.

    CadmoO deslumbramento opera anda na tua alma?

    Agaveno compreendo ainda as tuas palavras... Mas recupereia razo, operou-se uma mudana no meu esprito!

    CadmoQueres ouvir-me e responder claramente?

    AgaveSim; at j esqueci o que disses antes, pai.

    CadmoA que manso te levou o himeneu?

    AgaveA Equon me deste, o que dizem nascido dos dentes do drago.

    CadmoAo teu esposo, que filho em sua manso nasceu?

    AgaveDe nosso amor comum Penteu o fruto.

    CadmoE agora de quem a cabea que nos teus braos sustm?

    AgaveDe um leo; assim diziam as minhas companheiras de caa.

    Cadmo

    Olha agora bem; pequeno esforo te custar.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    47/51

    AgaveQue contemplo? O que trago nas minhas mos?

    CadmoObserva-a e reconhece-a melhor.

    AgaveEu vejo, desventurada, uma dor desmedida!

    CadmoAinda te parece que se assemelha a um leo?

    Agaveno, a cabea de Penteu eu seguro, desventurada!

    Cadmo

    Carpida foi, ante de a reconheceres.

    AgaveQuem o matou? Como chegou s minhas mos?

    Cadmo desgraada verdade, em momento errado te recompes!

    AgaveFala! O meu corao treme pelo que se segue.

    CadmoFoste tu que o mataste, tu e as tuas irms.

    AgaveOnde morreu? No palcio? Em outro lugar?

    CadmoOnde outrora os ces a Acton despedaaram.

    Agave

    Por que foi ele ao Citron, o desgraado?CadmoIa ultrajar o deus, e as tuas Bacanais.

    AgaveE ns como que alcanamos tais paragens?

    CadmoO delrio bquico vos tomou, a vs e cidade toda.

    AgaveDioniso nos perdeu; agora compreendo.

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    48/51

    CadmoSentia-se ultrajado, por no acreditares que era um deus.

    Agave

    Onde est o corpo amado de meu filho, pai?

    CadmoCom grande canseira o procurei e trouxe.

    AgaveTodos os membros esto decentemente reunidos?....................................................................................................................

    AgaveNa minha demncia, que parte coube a Penteu?

    CadmoA vs se igualou, no seu desprezo ao deus.Por tal, a todos ns em desgraa comum ele envolveu,para vos destruir a vs, a ele, minha casa,e a mim, que fico privado de um filho varo,deste fruto das tuas entranhas, infortunada,que eu vejo morto por afrontosa e execrvel morte! tu, em quem a casa tinha os olhos postos apoio nico, filho,de minha casa eras, tu, que da minha filha descendias! cidade inspiravas temor, e ao anciono ousavam insultar, quando miravama tua fronte com justo castigo os punirias!Desta manso, sem honra vou ser exilado,eu, o grande Cadmo, que a raa dos Tebanos,a mais famosa seara, semeei e ceifei. tu, de entre os homens o mais caro embora j no existas,entre os mais caros me so te contarei, filho j no virs mais acariciar o meu queixo com a tua mo,nem me estreitars, chamando-me o pai de tua me, filho,e dizendo: Quem te ofende, quem te despreza, ancio?

    Quem te aflige e perturba o corao?Diz, para eu punir quem te maltrata, pai!Um desgraado agora sou, e um desventurado s tu tambm,infortunada a tua me e as suas irms desventuradas!Se existe algum que aos deuses despreze,esta morte considere e nos mortais creia.

    CoroTua dor eu sinto, Cadmo! Sofreu castigojusto, o filho da tua filha, mas que penar o teu!

    AgaveVs como a minha vida se alterou, pai?

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    49/51

    ....................................................................................................................

    ....................................................................................................................

    (Dioniso aparece ex machina.)

    Dioniso........................................................................................................................................................................................................................................Mudando de forma, a drago passars, e a tua esposaem animal se tornar, tomando a forma de serpente,a filha de Ares, Harmonia, que tu, sendo mortal, desposaste.Diz um orculo de Zeus que um carro de boiscom a tua esposa conduzirs, e, dirigindo os brbaros,arrasars inmeras cidades com um exrcitonumeroso. Mas, quando o orculo de Lxiassaquearem, um msero regresso tero.

    A ti, porm, Ares te salvar, bem como a Harmonia; terra dos Bem-aventurados tua vida levar para sempre...Eu, que tais coisas anuncio, de pai mortal no nasci,mas de Zeus: sou Dioniso. Se bom sensotivsseis, o que no quisestes, da alianae da felicidade do filho de Zeus desfrutareis.

    CadmoAmerceia-te de ns, que te injuramos, Dioniso!

    DionisoTarde o reconhecestes; no soubestes faz-lo.

    CadmoCompreendemos, mas tu fere-nos com dureza.

    DionisoDeus que nasci, de vs me vieram ultrajes.

    Cadmono devem os deuses, no rancor, aos mortais igualar-se.

    DionisoH muito que Zeus, o meu pai, fixou os acontecimentos.

    AgaveAi! Ai! ancio, decretado est o penoso exlio!

    DionisoPor que tardais, se a necessidade o ordena?

    Cadmo

    filha, a que desgraa atroz chegamos,todos ns, tu, infortunada e as tuas irms,

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    50/51

    e este desditoso que eu sou! Para os brbaros irei,como ancio intruso! Um orculo me mandouque contra a Hlade uma horda confusa de brbaros conduzisse. filha de Ares, Harmonia, minha esposa,que das serpente a forma selvagem partilhar comigo,

    contra altares e tmulos helnicos a conduzirei, frente das lanas. Termo no tero infortnio de meus males, nem atravessarei o Aqueronteque leva s profundezas, para ficar em paz!

    AgaveApartada de ti, para o exlio irei, pai!

    CadmoPara que me rodeias com os teus braos, filha msera,tal o cisne jovem a um outro, j grisalho e sem defesa?

    AgaveBanida da ptria, para onde encaminharei maus passos?

    CadmoNo sei, filha. Dbil a ajuda de teu pai.

    AgaveAdeus, manso minha, adeus, ancestralcidade! Pela desventura vos deixo,do tlamo exilada!

    CadmoVai, filha. O filho de Aristeu....................................................................................................................

    AgaveEu te lamento, pai!

    CadmoE eu a ti, filha,

    e, pelas tuas irms, lgrimas derramo.AgaveDe modo terrvel, o divino Dionisotua morada com esta torturaatingiu!

    DionisoInjria terrvel de vs me veio;privado de honra foi meu nome em Tebas!

    AgaveS feliz, pai!

    www.oficinadeteatro.com

  • 7/30/2019 AS BACANTES EURPEDES

    51/51

    CadmoS feliz,desgraada filha! Difcil te ser!

    AgaveLevai-me na vossa companhia, para onde as minhas irms,desditosas e comigo exiladas, a mim juntarei!Quisera ir para longe,que nunca mais visse o Citron impuro,nunca mais meus olhos o Citron avistassem,nunca mais do tirso me lembrasse!Que o aceitem outras Bacantes!

    CoroMuitas so as formas do divino,

    e muitas as aes imprevistas dos deuses.O que espervamos no se realizou;para o inesperado o deus achou caminho.Assim terminou este drama.