As Categorias Do Teatro Popular Em Boal

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Para mim Augusto Boal é ante todo um humanista, uma frase que o caracteriza é “humanizar o ser humano”. Esse espírito de transformação social impregna todo seu trabalho que é baseado na sua experiência e essa capacidade de observação do mundo, tentando encontrar respostas nas ações simples das pessoas. Lutou contra o abuso, contra a opressão, com as armas que considerou poderiam mudar essa visão opressor – oprimido que é o teatro. As categorias do teatro popular em Boal. (1) No livro “Categorias del teatro popular”, que é a tradução ao espanhol do livro “Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrario” escrito no ano 1970, Boal adota o principio de Brecht pelo qual “o povo deve ser o destinatário de toda arte”, de ali provem a ideia que a arte não pode se converter numa simples reflexão da realidade, mas, deve pretender mudar a realidade, o papel do artista é ser o agente transformador da realidade. Curiosamente, este livro, o Técnicas... é parte de um triunvirato de livros (os outros dois são “Teatro do oprimido” e “200 exercícios e jogos para o ator e não ator com vontade de dizer algo através do teatro”) onde Boal tenta, como ele mesmo fala na introdução do livro “200 exercícios...” “restituir ao povo aquilo que lhe foi roubado”, porque no começo, desde sempre e em toda parte o teatro era uma festa popular, cantada e dançada a céu aberto, na Grecia, no Yucatán ou nas selvas de Mato Grosso, depois vieram as classes dominantes e erigiram muros de pedra para que o teatro fosse feito apenas dentro dos teatros, o que considerava um absurdo, e os muros estéticos separassem os atores (ativos) dos espectadores (receptivos)

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Para mim Augusto Boal é ante todo um humanista, uma frase que o caracteriza é “humanizar o ser humano”. Esse espírito de transformação social impregna todo seu trabalho que é baseado na sua experiência e essa capacidade de observação do mundo, tentando encontrar respostas nas ações simples das pessoas. Lutou contra o abuso, contra a opressão, com as armas que considerou poderiam mudar essa visão opressor – oprimido que é o teatro.

As categorias do teatro popular em Boal.

(1) No livro “Categorias del teatro popular”, que é a tradução ao espanhol do livro “Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrario” escrito no ano 1970, Boal adota o principio de Brecht pelo qual “o povo deve ser o destinatário de toda arte”, de ali provem a ideia que a arte não pode se converter numa simples reflexão da realidade, mas, deve pretender mudar a realidade, o papel do artista é ser o agente transformador da realidade.

Curiosamente, este livro, o Técnicas... é parte de um triunvirato de livros (os outros dois são “Teatro do oprimido” e “200 exercícios e jogos para o ator e não ator com vontade de dizer algo através do teatro”) onde Boal tenta, como ele mesmo fala na introdução do livro “200 exercícios...” “restituir ao povo aquilo que lhe foi roubado”, porque no começo, desde sempre e em toda parte o teatro era uma festa popular, cantada e dançada a céu aberto, na Grecia, no Yucatán ou nas selvas de Mato Grosso, depois vieram as classes dominantes e erigiram muros de pedra para que o teatro fosse feito apenas dentro dos teatros, o que considerava um absurdo, e os muros estéticos separassem os atores (ativos) dos espectadores (receptivos) uns produzindo e outros consumindo: o que vocês acham que é o consumido?: à ideologia dominante.

Por isso (2) Define o teatro como “essencialmente popular”, porém não admite sua subserviência a uma elite ou setores minoritários. A ideia é usar o teatro como uma arma política, no seu sentido amplo, onde todo é política, ainda que não se fale dela. Para Boal, falar de “teatro político” é um pleonasmo, é como dizer homem humano. Mas, onde esta a função política do teatro? Um exemplo citado por Boal nos poderia ajudar a entender melhor esse assunto: se pensamos aristotelicamente ao homem como o “Zoon Politikon”, o “animal político” estamos falando que é o único ser na natureza capaz de relacionar-se politicamente, quer dizer criar sociedades e organizar a vida em cidades. E esta forma de relacionar-se é natural, com os animais o homem comparte um sentido social de organização, o sentido gregário assim como as abelhas ou os lobos, mas é o único em dar uma forma política, quer dizer uma explicação a essa sociedade, porque somos capazes de nos comunicar por meio da linguagem. Então entendemos que existe uma dupla visão: o que é palpável, a realidade, nosso sentido social e o que esta por trás, aquilo que explica e sustenta esse sentido social. Por exemplo, se falamos em educação, a base dela esta no sentido social e sua extensão é o sentido político. Boal

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menciona que toda ação humana modifica a sociedade e a natureza, a arte e a ciência dentro de suas próprias leis e de forma organizada modifica a natureza, a diferença é que a ciência atua diretamente sobre a realidade modificando-a, a arte atua de forma indireta, modifica aos modificadores da realidade, sua ação é exercida sobre a consciência dos que vão a atuar na vida real. De ali que a arte pode revelar a realidade em dois níveis: a dos fenômenos e das leis que regem os fenômenos. Por isso que um teatro que pretende transformar a realidade deve mostrar esses dois níveis: o do concreto dos fenômenos particulares porque o teatro trabalha com gente de carne e osso, trata da vida social, mas deve mostrar a organização interna da sociedade, as leis que a regem, em palavras de Boal “deve mostrar as coisas como são, mas deve mostrar também porque são como são”.

Então em essência o teatro como toda arte deve ser popular e apontar a ser um ente transformador da realidade.

(3) Para determinar quais são as categorias do teatro popular, primeiro define as diferencias entre população e povo. Para Boal, população é a totalidade dos habitantes de um país ou determinada região. Já o termo povo, inclui só aqueles que alugam sua força de trabalho, quer dizer trabalhadores operários, camponeses e aqueles que temporal e ocasionalmente estejam associados a eles. Segundo Boal aqueles que pertencem à população mas não ao povo, são os burgueses, os proprietários, os latifundiários e aqueles que se encontram associados a sua ideologia como os executivos. Quer dizer que são igualmente oprimidos, mas compartem os princípios da opressão.

(4) Baseado em essas definições, subdivide as categorias em quatro: a primeira categoria e o teatro do povo para o povo, a segunda é um teatro perspectiva para outro destinatário que não é o povo, a terceira é um teatro de perspectiva anti povo e cujo destinatário infelizmente é o povo e a quarta é o teatro jornal. No livro de Chesney “Las teorias dramáticas de Augusto Boal”, de onde eu recolhi esta classificação, por quanto no consegui nem o livro em espanhol nem do português de Boal, considera que o mérito de Boal é ser o primeiro, quem sabe o único, em tentar classificar o teatro popular, que considera ao povo como espectador, e com “povo” me refiro a aquele que aluga sua força de trabalho, e também que essa classificação responde a uma ideologia, própria da época e de Boal também, que na atualidade perdeu vigência por quanto os conceitos de povo, burguesia, opressor e oprimido não são tão claros. Considero que é possível que não seja mais factível, na atualidade, assinalar com precisão e de forma geral quem é opressor e quem oprimido, mas como uma guia poderia funcionar. A divisão é válida por quanto é possível diferenciar alguns exemplos com as características básicas, e é geral, quer dizer não aprofunda nos limites daqueles que particulariza (o que também é criticado) o que dá para alguém interessado no tema, refletir e atualizar a divisão. A teoria não é eterna, muda como muda a sociedade base da reflexão.

(5) Teatro do povo para o povo.

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Nesta categoria é definida como eminentemente popular. Seus temas não tem restrições sempre que sejam destinadas a transformar a sociedade, e promover a desalienação e a luta contra a exploração do povo. Inclui dentro desta categoria o folclore e o carnaval como expressão do povo para o povo, mas sua função é eminentemente cultural.

Esta categoria é subdividida em a. teatro de propaganda; b. teatro didático; e c. teatro cultural.

O teatro de propaganda é um herdeiro direto do teatro agitprop europeu e como ele tentou ensinar, não as ideologias de algum movimento ou partido político, mas trabalhar com os problemas cotidianos do povo. Em Brasil desde 1962 quem trabalhava com esse tipo de teatro era o Centro Popular de Cultura (CPC) órgão associado a UNE, que produziram nesse ano as peças Eles não usam black-tie, de Guarnieri, e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam.

O teatro didático tem a intenção de instruir o povo em uma determinada matéria, como por exemplo a agrícola. No nordeste do Brasil eram bem vistas as pequenas obras ao estilo de contos de fadas que ensinavam a combater determinada plaga com certo inseticida. Na China comunista eram comunes as obras teatrais que junto com propagação das ideias revolucionarias contribuía à mobilização das massas para o processo de produção agrícola.

O teatro cultural referido a apresentação de espetáculos folclóricos e clássicos. “nada do humano é alheio ao povo” disse Boal, ele defende a apresentação de qualquer tema para o povo, mas com a perspectiva da transformação. Ele conta a historia de uma apresentação de um grupo teatral equatoriano com a peças “as tentações de Santo Antônio”, diz que o teatro onde se apresentou era muito grande, mas o grupo ignorando a plateia armou um pequeno teatro de 80 lugares para fazer uma experiência de elite teatral ao estilo de Grotowski. Por essa época Equador era dominado por uma ditadura de direita e explorado por norteamerica, ele falava, o grupo estava preocupado com os mitos subconscientes de Santo Antônio y não com a realidade consciente e visível que seu povo passava. Esqueceram-se de lutar pela transformação.

(6) (exemplos) Yuyachkani com Rosa Cuchillo e sem titulo: técnica mixta e companhia do Latão com O mercado do gozo que trata da exploração dos trabalhadores fabris, a prostituição, as drogas e a Comedia do trabalho, no site do grupo diz que é o espetáculo mais exitoso do grupo, visto por quase 70,000 pessoas há sido apresentada em sindicatos de trabalhadores e movimentos populares.

(7) Teatro perspectiva para outro destinatário que não é o povo.

Aqui se incluí aqueles teatros profissionais independentes que se mantém em função de um publico burguês, pequeno burguês ou tem apoio do estado. O popular neste caso esta na perspectiva que assume, na temática de suas peças teatrais, ainda que elas não sejam presenciadas pelo povo.

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(8) Os exemplos são baseados na minha experiência reciente, por isso incluí nesta categoria como exemplos um grupo peruano “Cuatro Tablas” que fez um trabalho de encenação do romance “Los Rios profundos” de Arguedas, o grupo Mayombe com a pequenina America e sua avo cifrada de escrúpulos, e o teatro Kapital de Chile com a peça “La matanza”.

(9) Teatro de perspectiva anti povo e cujo destinatário infelizmente é o povo.

Esta é a categoria patrocinada pelas classes dominantes com o fim de modelar a opinião pública. Esta categoria não tem nada de popular porque serve para manter o estado de opressão sobre o povo, mostrando- de maneira passiva e subalterna.

Um exemplo desse teatro poderia ser o “Teatro Burguês espanhol” criado após fim da guerra civil espanhola que vai dirigido a um público de classe social alta que entende a cena como evasão. É um teatro sem inovação e não é crítico com a situação social e política de Espanha. Seus temas são a infidelidade conjugal, a rebeldia dos filhos e quando tocavam um tema social era resolvido conforme a mentalidade da época. Um dos maiores expoentes desse teatro foi Jacinto Benavente.

Aqui também pode ser incluída a mídia televisiva o radial, por sua força de influir na população. Cabe assinalar que o papel político deste grupo esta em manter o povo passivo e subalterno o que permite a penetração ideológica.

(10) Teatro jornal.

Esta categoria surgiu logo da violenta repressão do ano 1968 no Brasil que converteu em impossível a realização de espetáculos populares. Esta categoria foi pensada para ser trabalhada em épocas de crises sociopolíticas, prescinde do artista e borra a diferencia entre ator e espectador. Um de seus objetivos era desmitificar a objetividade da imprensa e das noticias que veiculam e demonstrar que o teatro pode ser feito por qualquer pessoa em qualquer lugar.

Este tipo de teatro não é fruto da inspiração nem de improvisação. Existe um roteiro, uma preparação de atores só que o cenário é a via pública e os espectadores não sabem que o são. É uma forma de entrar com a ficção da realidade.

(11) Teatro do oprimido

Ideias centrais

Antes que nada queria começar esta parte sobre o TO com uma anedota escrita pelo próprio Boal que resume, de certa forma o trajeto do seu trabalho de toda

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uma vida, baseado na experiência. Este texto esta incluído na introdução do livro o “arco Iris do desejo”.

O que Boal entende por oprimido.

O TO nasce e evolui como uma resposta a uma determinada situação social e política de America Latina. Seu começo em Brasil no ano 1968, na forma do teatro jornal é produto das dificuldades impostas pelo governo militar para fazer teatro.

Nesta primeira etapa brasileira é possível vislumbrar em Boal uma consciência de acabar com as barreiras impostas pelo sistema teatral dominante. Destruir as barreiras entre protagonista e coro, todos devem ser protagonistas e coros (Sistema Coringa) (Domingas)

(12) Na Argentina, Boal tenta repetir o feito no Brasil, mas a ditadura militar impossibilitou sua tarefa. Nasce o teatro invisível, feito clandestinamente.

Sua experiência em Peru, trabalhando com dramaturgia simultânea onde era preparado um roteiro até o ponto de resolução da trama, a qual era feita com a ajuda dos espectadores provando as diferentes alternativas que se propunham para resolver os problemas expostos. Isto denominou teatro foro.

(13) Em base a estas experiências, Boal aponta dois princípios fundamentais do TO: transforma o espectador em protagonista da ação dramática e não só se busca reflexionar sobre o passado mas preparar-se para o futuro.

É necessário que o TO seja massivo para ser eficaz e útil.

Amplia as ideias de Brecht referidas a função do teatro. Brecht falou que o teatro deve estar ao serviço da revolução. No esta ao serviço é parte integrante da revolução. É por isso que a temática do TO deve ser concreta, real e urgente. Os temas abstratos como luta de classes ou liberação das mulheres não são uteis para este tipo de teatro.

Referências bibliográficas

BOAL, Augusto. A estética do oprimido. Rio de janeiro: Garamond, 2009.

BOAL, Augusto. El arco Iris del deseo. Trad. Jorge Cabezas Moreno. Barcelona: Alba Editorial, 2004.

BOAL, Augusto. Función ritual, comercial y política del arte: un nuevo concepto. Em: Revista Conjunto No. 150, publicación de la Casa de las Américas.

BOAL, Augusto. Teatro de Augusto Boal. São Paulo: Editora HUCITEC, 1990.

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BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

CHESNEY LAWRENCE, Luis. Las teorías dramáticas de Augusto Boal. Caracas: Cuadernos de postgrado Facultad de Humanidades y educación – UCV, 1997.

CHESNEY LAWRENCE, Luis. Teatro popular latinoamericano (1955 – 1985). Caracas: UCV, 1995.