As estrelas da inovação

100
JANEIRO DE 2016 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA n. 239 São Paulo monta rede de 32 laboratórios para estudar o vírus Zika Inpe desenvolve primeiro satélite de alta complexidade no país O desafio de gerar uma economia de baixo carbono após o Acordo de Paris Primeiras análises caracterizam sedimentos que o rio Doce despejou no mar Por que a mobilidade de pesquisadores do Brasil é pequena Físico Paulo Artaxo explica como a floresta controla o clima na Amazônia PESQUISA FAPESP JANEIRO DE 2016 Startups conquistam espaço ao criar soluções para grandes empresas e governos n.239 estrelas inovação as da estrelas inovação

description

Pesquisa Fapesp - Ed. 239

Transcript of As estrelas da inovação

Page 1: As estrelas da inovação

janeiro de 2016 www.revistapesquisa.fapesp.br ex

em

pl

ar

de

ass

ina

nt

e

ve

nd

a p

ro

ibid

a

n.239

São Paulo monta rede de 32 laboratórios para estudar o vírus Zika

Inpe desenvolve primeiro satélite de alta complexidade no país

O desafio de gerar uma economia de baixo carbono após o Acordo de Paris

Primeiras análises caracterizam sedimentos que o rio Doce despejou no mar

Por que a mobilidade de pesquisadores do Brasil é pequena

Físico Paulo Artaxo explica como a floresta controla o clima na Amazônia

pe

squ

isa

Fa

pe

sp

ja

ne

iro

de

20

16

Startups conquistam espaço

ao criar soluções para

grandes empresas e governos

n.2

39

estrelas

inovação

as

daestrelas

inovação

Page 2: As estrelas da inovação

Pesquisa Brasil traz notícias e entrevistas sobre ciência, tecnologia, meio ambiente e humanidades. Os temas são selecionados entre as reportagens da revista Pesquisa FAPESP

Você também pode baixar e ouvir o programa da semana e os anteriores na página de Pesquisa FAPESP na internet (www.revistapesquisa.fapesp.br)

Pesquisa Brasil

Sintonize em

São Paulo 93,7 mHz

Ribeirão Preto 107,9 mHz

Fot

oS

ed

ua

rd

O c

eSa

r e

O r

am

OS

Toda sexta-feira, das 13h às 14h, você tem um encontro marcado com a ciência na Rádio USP FM

a cada programa, três pesquisadores falam sobre o desenvolvimento de seus trabalhos recentes – e ajudam a escolher a programação musical

Page 3: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 3

Química em florVale a pena olhar de perto os depósitos que surgem durante o processo

de fermentação do vinho. Os cristais que se formam pela presença do

tartarato ácido de potássio, uma substância que existe nas uvas, podem

se parecer com um leito de rosas. A imagem faz parte do projeto em

licenciatura do químico Luis Brudna Holzle, que usa o impacto visual para

ensino e divulgação de sua disciplina na internet. “Eu procuro na química

imagens que possam chamar explicações e tento colocar alguma beleza

nas fotos”, conta. O resultado está nos sites emsintese.com.br e

imagens.tabelaperiodica.org, mantidos pela Universidade Federal do

Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul. Desde o início do projeto, em

2008, esses sites já foram visualizados por mais de 3 milhões de pessoas.

Imagem enviada por Luis Brudna Holzle, do campus de Bagé da Unipampa

FotolAb

Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Page 4: As estrelas da inovação

CAPA16 Startups ganham reconhecimento e consolidam colaboração com setor público e grandes empresas

23 Spin-offs são uma forma de o conhecimento acadêmico chegar à sociedade, criar renda e empregos

ENTREVISTA26 Paulo ArtaxoFísico comenta o acordo na COP-21 e destaca a importância da Amazônia para o clima global

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

32 COP-21Acordo em Paris sobre mudanças climáticas prevê compromisso global para limitar aumento da temperatura e mira uma economia de baixo carbono

36 Recursos humanosMobilidade de pesquisadores brasileiros é baixa ao longo da carreira, indica estudo

CAPA daniel bueno (ilustração), léo ramos (foto)

janeiro 239

58 54

66

16

40 DesenvolvimentoLivros discutem as estratégias para enfrentar a desindustrialização da economia brasileira

45 SeminárioEvento discute caminhos para superar desafios em áreas como saúde, energia e ambiente

CIÊNCIA

46 SaúdeCerca de 30 laboratórios de São Paulo se unem para investigar o vírus Zika que ameaça o Brasil com uma epidemia de microcefalia

52 NeurologiaAdequações em abordagem clássica na teoria da dor levam a novas explicações sobre fenômenos conhecidos

54 BiofísicaModelo explica como tumores cancerígenos mobilizam os vasos sanguíneos que os alimentam

68 AstronomiaPesquisadores tentam compreender as reações que ocorrem no interior de estrelas como o Sol

TECNOLOGIA

70 Engenharia aeroespacialSatélite desenvolvido no país vai monitorar recursos naturais e ajudar no combate ao desmatamento

74 Engenharia eletrônicaAvanços tecnológicos ampliam as possibilidades do uso de aeronaves não tripuladas na agricultura

78 Pesquisa empresarialPara conquistar espaço no mercado, Alibra desenvolve novos ingredientes para a indústria alimentícia

HUMANIDADES

82 EconomiaAlém dos benefícios ambientais, o aumento da produção de etanol ajudou a melhorar os indicadores sociais no campo

58 AmbienteArgila fina e alto teor de metais no material liberado pelo rompimento das barragens em Minas Gerais podem alterar dinâmica ecológica e de sedimentos da foz do rio Doce

60 EvoluçãoHistória evolutiva de vegetação na área serrana da região Sul ressalta importância de ecossistema não florestal

64 EcologiaRegião da desembocadura do rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá, abriga a ocorrência mais ao norte de corais no litoral do Brasil

87 LínguaPesquisadores discutem questões teóricas da filologia para construir subsídios e embasar os estudos clássicos

SEçÕES

3 fotolab5 Cartas6 on-line7 Carta do editor8 dados e projetos9 boas práticas10 estratégias12 tecnociência91 memória93 arte95 resenhas97 Carreiras99 Classificados

Page 5: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 5

Do siteA reportagem no site de Pesquisa FAPESP “Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas” é importante para repassarmos aos nossos alunos. Essas notícias deveriam ser de conhecimento de toda a população e passar na TV. Todos nós sofremos com desmatamento, caça ilegal de animais e destruição de hábitats.Margareth Martins Cordeiro

Via Facebook

VídeosPara quem gosta de estudar evolução, o vídeo “Parceiros inseparáveis” é uma aula fantástica, que mostra que o traba-lho solitário de pesquisa (como se fosse uma célula) pode se transformar em um tecido, quando compartilhado.Gilberto Emilio Nogueira

Via Facebook

Muito legal o vídeo “Por que a terra tre-me no Brasil”. Remeteu-me à primeira metade da década de 1970, quando o nosso grupo de geotécnica do IPT es-tava desenvolvendo acelerômetros e fui aprender sismologia no IAG-USP sob orientação do professor Jesus Antonio Berrocal Gomez. Tenho muita saudade daqueles tempos e de um time formado por gente competente e interessada.Moacyr Sampaio Xavier Filho

Via Facebook

Um bom exemplo de trabalho sério para amenizar o mar de descasos com o di-nheiro público (sobre o vídeo “Por que a terra treme no Brasil”).Regis Wellaysen Dias

Via Facebook

Muito bom para quem quer saber o que um geofísico faz (sobre o vídeo “Por que a terra treme no Brasil”).Paola Cossetin

Via Facebook

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

CARtAS [email protected]

Assinatura da revistaAgradeço o privilégio de ter recebido esta competente e interessante revis-ta por todos estes anos, gratuitamente. Um dia de novembro, quando cheguei em casa, pensei que estava na hora de pagar por ela. Qual não foi a minha ale-gria pela sincronicidade da ideia: meu exemplar havia chegado contendo uma carta com a mesma sugestão. Leio a re-vista integralmente e tenho aprendido como o mundo fica cada vez mais fasci-nante à medida que o conhecemos um pouco mais. Sou professora aposentada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), mas continuo tra-balhando como psiquiatra de crianças na prefeitura de Hortolândia. Sempre considerei que deveria devolver parte do que aprendi para a população, de vá-rias formas – diagnosticando, tratando e, mais do que isso, mostrando que cada criança pode pensar por si, descobrir o grande mundo ao seu redor.Lidia Straus

FCM/Unicamp

Campinas, SP

HistóriaOs europeus trouxeram na mala o in-ferno, mas os índios estabeleceram um telefone sem fio entre deuses e Satanás (sobre a reportagem “Cristianismo ne-gociado”, edição 237). A tese quebra a imagem do colonizado pacificado e su-balterno. Fascinante!Mara Lúcia Cristan

Via Facebook

Boas práticasHá a obrigatoriedade de publicações em revistas científicas especializadas, numa cultura de quanto mais, melhor (sobre a nota “Registros inventados”, na seção Boas práticas, edição 237). Daí tudo pode acontecer. Nesse caso, a “brincadeira” atingiu sabe-se lá quantos pacientes na esperança de se livrar da dor. Riva Liberman

Via Facebook

CONtAtOS

Site No endereço

eletrônico www.

revistapesquisa.fapesp.br

você encontra todos os textos de

Pesquisa FAPESP, na íntegra, em

português, inglês e espanhol.

Também estão disponíveis

edições internacionais da revista em

inglês, francês e espanhol

Opiniões ou sugestões

Envie cartas para a

redação pelo e-mail

[email protected] ou para a rua

Joaquim Antunes, 727 – 10º andar,

CEP 05415-012, São Paulo, SP

Assinaturas, renovação

e mudança de endereço

Envie um e-mail para

[email protected]

ou ligue para (11) 3087-4237,

de segunda a sexta, das 9h às 19h

Para anunciar Contate

Júlio César Ferreira

na Mídia Office, pelo

e-mail [email protected],

ou ligue para (11) 99222-4497

Classificados Ligue para

(11) 3087-4212 ou escreva para

[email protected]

Edições anteriores

Preço atual de capa

acrescido do custo de

postagem. Peça pelo e-mail

[email protected]

Licenciamento

de conteúdo

Para adquirir os direitos

de reprodução de textos e imagens

de Pesquisa FAPESP ligue para

(11) 3087-4212 ou envie e-mail para

[email protected]

Page 6: As estrelas da inovação

6 | janeiro De 2016

youtube.com/user/PesquisaFaPesP

on-linew w w . r e v i s t a P e s q u i s a . F a P e s P. b r

x a extinção de animais que se alimentam sobretudo de frutos, como antas, cutias e muriquis, pode reduzir o potencial das florestas tropicais para combater alterações climáticas. isso porque a perda dessa fauna capaz de dispersar sementes de frutos grandes mudaria a composição das florestas, eliminando as árvores capazes de absorver mais dióxido de carbono (co2) da atmosfera. a relação foi observada por um grupo de pesquisadores coordenado pelo biólogo brasileiro mauro Galetti e sua orientanda de doutorado, carolina bello, ambos do Departamento de ecologia da universidade estadual Paulista (unesp) em rio claro, interior de são Paulo.

x as regiões sudeste e Nordeste do brasil perderam juntas cerca de 105 trilhões de litros d’água por ano entre 2012 e 2015. a estimativa é do hidrologista brasileiro augusto Getirana, atualmente no Goddard space Flight center da Nasa, nos estados unidos. em um estudo publicado no Journal of Hydrometeorology, ele analisou variações do armazenamento total de água no brasil, das águas superficiais às subterrâneas, entre 2002 e 2015. usou para isso um conjunto de dados obtidos por dois satélites da Nasa.

exclusivo no site

Vídeos do mês

Associação simbiótica entre protozoário e bactéria ajuda a entender a origem de organelas celulares

Fluxos migratórios no Brasil mudaram ao longo dos séculos

confira no registro fotográfico de Rafael Oliveira, Patrick Meir e Paulo Brando o colapso de árvores com o ressecamento da floresta na amazônia

Assista ao vídeo:

Assista ao vídeo:

O biólogo Marcos Buckeridge fala sobre o código que regula a formação da parede celular das plantas

Rádio

Galeria de imagens

100 Mil fãs nO fAceBOOk

JaN. Fev. mar. abr. mai. JuN. Jul. aGo. set. out. Nov. Dez.

100.000

Número de pessoas que curtiram a página de Pesquisa fAPesP em 2015

61.881 63.363 64.066

77.150

82.157

87.376 89.621 89.618

95.60498.593

64.066

Page 7: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 7

cArtA do EdItorJosé GoldemberGPresidente

eduardo moacyr KrieGervice-Presidente

conSElho SUPErIor

carmino antonio de souza, eduardo moacyr KrieGer, fernando ferreira costa, João fernando Gomes de oliveira, João Grandino rodas, José GoldemberG, maria José soares mendes Giannini, marilza vieira cunha rudGe, José de souza martins, Pedro luiz barreiros Passos, Pedro WonGtschoWsKi, suely vilela samPaio

conSElho técnIco-AdmInIStrAtIvo

José arana vareladiretor-Presidente

carlos henrique de brito cruzdiretor científico

Joaquim J. de camarGo enGlerdiretor AdministrAtivo

conSElho EdItorIAlcarlos henrique de brito cruz (Presidente), caio túlio costa, eugênio bucci, fernando reinach, José eduardo Krieger, luiz davidovich, marcelo Knobel, maria hermínia tavares de almeida, marisa lajolo, maurício tuffani, mônica teixeira

comItê cIEntíFIcoluiz henrique lopes dos santos (Presidente), anamaria aranha camargo, carlos eduardo negrão, fabio Kon, francisco antônio bezerra coutinho, Joaquim J. de camargo engler, José arana varela, José Goldemberg, José roberto de frança arruda, José roberto Postali Parra, lucio angnes, marie-anne van sluys, mário José abdalla saad, Paula montero, roberto marcondes cesar Júnior, sérgio robles reis queiroz, Wagner caradori do amaral, Walter colli

coordEnAdor cIEntíFIcoluiz henrique lopes dos santos

dIrEtorA dE rEdAção alexandra ozorio de almeida

EdItor-chEFE neldson marcolin

EdItorES fabrício marques (Política), márcio ferrari (Humanidades), marcos de oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); carlos fioravanti e marcos Pivetta (Editores espe ciais); bruno de Pierro (Editor-assistente)

rEvISão daniel bonomo, margô negro

ArtE mayumi okuyama (Editora), ana Paula campos (Editora de infografia), alvaro felippe Jr., Júlia cherem rodrigues e maria cecilia felli (Assistentes)

FotógrAFoS eduardo cesar, léo ramos

mídIAS ElEtrônIcAS fabrício marques (Coordenador) IntErnEt Pesquisa FAPESP onlinemaria Guimarães (Editora)rodrigo de oliveira andrade (Repórter) renata oliveira do Prado (Mídias sociais)

rádIo Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

colAborAdorES alexandre affonso, daniel bueno, eduardo massad, evanildo da silveira, fabio otubo, Gilberto stam, Guilherme simões Gomes Júnior, igor zolnerkevic, Jayne oliveira, maurício Puls, Pedro handam, valter rodrigues, yuri vasconcelos

é ProIbIdA A rEProdUção totAl oU PArcIAl dE tExtoS E FotoS SEm PrévIA AUtorIzAção

PArA FAlAr com A rEdAção (11) [email protected]

PArA AnUncIAr midia office - Júlio césar ferreira (11) 99222-4497 [email protected] Classificados: (11) 3087-4212 [email protected]

PArA ASSInAr (11) 3087-4237 [email protected]

tIrAgEm 38.200 exemplaresImPrESSão Plural indústria GráficadIStrIbUIção dinaP

gEStão AdmInIStrAtIvA instituto uniemP

PESQUISA FAPESP rua Joaquim antunes, no 727, 10o andar, ceP 05415-012, Pinheiros, são Paulo-sP

FAPESP rua Pio Xi, no 1.500, ceP 05468-901, alto da lapa, são Paulo-sP

secretaria de desenvolvimento econômico,

ciência e tecnoloGia govErno do EStAdo dE São PAUlo

issn 1519-8774

fundação de amParo à Pesquisa do estado de são Paulo

neldson marcolin | EdItor-chEFE

A reportagem que estampa a ca-pa desta edição foi uma escolha natural. Em 2015, a emergência

das startups tornou-se mais visível com eventos numerosos ocorrendo durante todo o ano em diversas partes do Brasil. O fenômeno dessas pequenas empresas nascentes, quase sempre de base tecno-lógica, não é novo no país. A diferença é que, agora, se multiplicam os progra-mas de incentivo criados por governos ou grandes companhias dirigidos às startups, assim como torneios em que empreendedores apresentam ideias de produtos inovadores para convencer uma plateia de investidores a colocar dinheiro no novo negócio.

Uma das razões da atenção provocada pelas pequenas empresas inovadoras é a descoberta de governos estaduais e fe-deral, além de grupos privados, de que elas podem proporcionar soluções cria-tivas para problemas de órgãos públicos e empresariais. A maioria das startups trabalha com tecnologia da informação e softwares que têm aplicações quase ime-diatas, capazes, por exemplo, de facilitar a gestão e o acesso a dados de interesse da população. Em muitos casos, é mais rápido, eficaz e econômico se associar ou financiar uma empresa que já tem uma resposta para determinado gargalo do que começar do zero. A geração de conhecimento, que boa parte das vezes começa na academia, é constante. Espe-cialmente quando se sabe que as chan-ces de sucesso desses novos empreen-dimentos tecnológicos crescem quando associados a universidades, centros de pesquisa e a companhias maiores com os quais possam interagir. O movimento de valorização das startups está retratado a partir da página 16.

Em 2015 houve um tema menos óbvio e mais comentado do que o reconhe-

cimento dos benefícios que as peque-nas empresas podem ter na economia: o vírus Zika e seus danos sobre a saú-de humana (página 46). Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o vírus é suspeito de ser o causador do surto de microcefalia que começou pela região Nordeste e ameaça o restante do país. Esse agente infeccioso também vem sendo associado ao aumento dos casos da síndrome de Guillain-Barré, doença inflamatória que afeta o sistema nervo-so. Em São Paulo está sendo feito um extraordinário esforço para conhecer mais o vírus. Até a última semana de de-zembro 32 laboratórios, com centenas de pesquisadores envolvidos, haviam se organizado em uma rede para estu-dar o Zika. O objetivo é compreender como o vírus age e qual a real relação com a microcefalia, além de procurar uma forma eficiente de combate aos seus efeitos. A urgência é justificada: as chuvas vieram com intensidade nes-te começo de verão no Sudeste, o que pode facilitar a proliferação do Aedes numa região habitada por 82 milhões de pessoas.

Depois dos atentados terroristas de novembro, o final do ano trouxe uma boa notícia de Paris, onde ocorreu a 21ª Conferência do Clima. Representantes de 195 países se comprometeram a ado-tar medidas para combater as mudan-ças climáticas em um acordo histórico. Vale a pena conhecer os detalhes dessa história (página 32) e ler também a en-trevista com o físico Paulo Artaxo, um pesquisador especialista em aerossóis – partículas em suspensão na atmosfera –que conhece como poucos a importância da Amazônia para o clima do planeta.

Boa leitura.

Startups sob os holofotes

Page 8: As estrelas da inovação

8 | janeiro De 2016

DaDos e projetos

temáticosPreparo profundo do solo em faixas e calagem na cana-de-açúcar: qualidade do solo, emissão de gases de efeito estufa, parâmetros fisiológicos e produtividadePesquisador responsável: Carlos Alexandre Costa Crusciolinstituição: FCA Botucatu/UnespProcesso: 2014/20593-9Vigência: 01/09/2015 a 31/08/2020

construção da intersetorialidade no campo saúde e trabalho: perspectiva dos profissionais inseridos na rede de serviços do município de são PauloPesquisadora responsável: Selma Lancmaninstituição: FM/USPProcesso: 2014/25985-2Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2021

temáticos e JoVens Pesquisadores recentesProjetos contratados em novembro e dezembro de 2015

Porcentagem das solicitações analisadas, segundo a área do conhecimento

Fonte FAPESP

Ciências da saúde e ciências biológicas lideram em número de propostas apresentadas e concedidas pela FAPESP nos últimos anos

Pedidos de financiamento por áreas do conhecimento

Ciências da Saúde

Ciências da Saúde

Ciências Biológicas

Ciências Biológicas

Ciências Exatas e da Terra

Ciências Exatas e da Terra

Ciências Agrárias

Ciências Agrárias

Ciências Humanas

Ciências Humanas

Engenharias

Engenharias

Ciências Sociais Aplicadas

Ciências Sociais Aplicadas

Linguística, Letras e Artes

Linguística, Letras e Artes

Interdisciplinar

Interdisciplinar

o timo humano: desenvolvimento e doençasPesquisadora responsável: Magda Maria Sales Carneiro Sampaioinstituição: FM/USPProcesso: 2014/50489-9Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2019

Busca de proteínas de superfície nas sequências do genoma da Leptospira interrogans: caracterização funcional e imunológica para o entendimento de mecanismos envolvidos na patogênese de bactériaPesquisadora responsável: Ana Lucia Tabet Oller do Nascimentoinstituição: Instituto Butantan/SSSPProcesso: 2014/50981-0Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2019

dinâmica estocástica: aspectos analíticos, geométricos e aplicações

Pesquisador responsável: Paulo Regis Caron Ruffinoinstituição: IMECC/UnicampProcesso: 2015/07278-0Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2020

JoVens PesquisadoresPapel das miosinas na trans-infecção do hiV-1 por células dendríticas e na replicação do hiV-1 em macrófagosPesquisadora responsável: Bruna Cunha de Alencar Bargieriinstituição: ICB/USPProcesso: 2014/23225-0Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2020

estudo do papel do sistema endocanabinoide nos efeitos comportamentais e plásticos dos fármacos antidepressivosPesquisadora responsável: Alline Cristina de Campos

instituição: FMRP/USPProcesso: 2015/05551-0Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2019

nanocel – desenvolvimento de preparos enzimáticos para o preparo de nanoceluloses por um processo bioídridoPesquisador responsável: Valdeir Arantes instituição: EE Lorena/USPProcesso: 2015/02862-5Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2019

atividade de proteínas fosfatases de dupla especificidade (dusPs) no controle da ativação de maP quinases: impacto na reprogramação metabólica do adenocarcinoma ductal pancreáticoPesquisadora responsável: Vanessa da Silva Silveirainstituição: FMRP/USPProcesso: 2015/10694-5Vigência: 01/10/2015 a 30/09/2019

solicitações analisadas6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

01992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0

Page 9: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 9

Fraudes escamoteadas

Sob nova direção

Boas práticas

Pesquisadores que falsificam dados em artigos científicos costumam adotar padrões de escrita para tentar mascarar pistas de má conduta. Essa é a principal conclusão de um estudo realizado por Jeff Hancock e David Markowitz, professores do Departamento de Comunicação da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. No trabalho publicado em novembro no Journal of Language and Social Psychology, eles mostram que há distinções no estilo de escrita em artigos fraudulentos e não fraudulentos. Os autores analisaram 253 papers publicados em vários periódicos na área de biomedicina que foram retratados entre 1973 e 2013. Com a utilização de técnicas de linguística computacional, os documentos foram comparados com artigos que não foram alvo de retratação, publicados nas mesmas revistas e no mesmo período, abrangendo assuntos parecidos. Os resultados mostram que os artigos retratados apresentam um nível elevado do que eles chamam de “ofuscamento linguístico”. “Cientistas que falsificam dados têm consciência de que estão cometendo má conduta e não querem ser pegos. Uma estratégia para contornar isso é tentar ofuscar a fraude por meio de palavras ou expressões no texto”, explicou Markowitz ao site da Universidade Stanford. Esse fenômeno já havia sido observado em relatórios financeiros. “Quisemos verificar se o mesmo ocorre em artigos científicos.” Observou-se, por exemplo, que os artigos fraudulentos apresentam

um número maior de jargões técnicos: em média, cerca de 60 termos especializados a mais do que em artigos não fraudulentos. Uma explicação possível é que essas palavras, incomuns na comunicação do cotidiano, ajudam a simular o lastro científico do artigo. Também ocorre uma incidência menor de termos que expressam emoções ou juízo de valor, como “sucesso” ou “melhorar”, nos papers retratados. De acordo com os autores da pesquisa, utilizar menos palavras que soem positivas, como afirmar que os resultados obtidos são “satisfatórios”, serve para não chamar a atenção do leitor em relação aos dados falsificados no artigo.“Nosso trabalho é uma contribuição dentro de um esforço de pesquisa que busca compreender como a linguagem pode revelar dinâmicas sociais e

O Escritório de Integridade de Pesquisa dos Estados Unidos (ORI, na sigla em inglês) tem uma nova diretora. Kathy Partin, neurocientista da Universidade Estadual do Colorado (CSU), foi designada para o cargo em novembro e vai comandar o órgão responsável pela investigação de fraudes em pesquisas financiadas pelo governo. Ela substitui David Wright, que deixou o posto em março de 2014 após publicar uma carta em que criticou a “burocracia disfuncional” de órgãos federais como o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS).

“Foi o pior trabalho que já tive”, escreveu Wright. Para o especialista em ética na ciência Nicholas Steneck, da Universidade de Michigan, Kathy Partin tem formação e capacidade para dirigir o ORI. “Está na hora de rever o que foi feito nos últimos anos e verificar se nossas políticas em integridade científica precisam ser atualizadas”, disse Steneck à revista Science. Partin adquiriu experiência ao dirigir o escritório de integridade científica da CSU, que oferece treinamento a alunos e professores e investiga casos de má conduta.

psicológicas, como a fraude”, explica Markowitz. No entanto, ele ressalta a necessidade de mais estudos sobre o assunto para que essa abordagem possa ser utilizada para detectar fraudes.

IlU

Str

ão

da

nie

l b

uen

o

Page 10: As estrelas da inovação

10 | janeiro De 2016

Vencedores do Prêmio FCW

A Fundação Conrado Wessel (FCW) anunciou os vencedores do Prêmio FCW Ciência, Cultura e Medicina 2015. Os escolhidos, que receberão R$ 300 mil cada um em 2016, foram o oftalmologista Rubens Belfort Mattos Junior (Medicina) e a escritora Lygia Fagundes Telles (Cultura). Graduado pela Escola Paulista de Medicina em 1970, com doutorado em Oftalmologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

estratégias

O British Antarctic Survey, centro de operações e pesquisas do Reino Unido na Antártida, iniciou os preparativos para transferir de lugar a estação científica Halley VI, ameaçada por uma rachadura de 7 quilômetros (km) na plataforma de gelo onde está instalada, nas proximidades do mar de Weddel. A estação

Mudança de endereço na Antártida

foi projetada para ser transportável e essa será a primeira vez que a estrutura “caminhará” sobre o gelo. Seus oito módulos conectados são montados sobre pernas hidráulicas equipadas com esquis de 150 metros. “Vamos separar os módulos e todos eles serão rebocados para um novo local”, disse à revista New Scientist

Os módulos da estação Halley VI: pernas hidráulicas que podem deslizarno gelo

O articulador da Rio-92

O canadense Maurice Strong, primeiro diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pioneiro na formulação de políticas para promover o desenvolvimento sustentável, morreu no dia 27 de novembro aos 86 anos de idade. Strong foi o principal organizador da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, a Rio-92. Na ocasião, delegações de 175 países

reuniram-se para discutir soluções para desafios relacionados a temas como clima, água e poluição. Seus resultados se tornaram referência para as conferências da ONU sobre o clima (COPs) que ocorreram nas últimas duas décadas – a mais recente delas, em Paris, teve início dois dias após a morte de Strong. Empresário que enriqueceu no setor de óleo e gás, foi um dos primeiros representantes da indústria a chamar a atenção para as mudanças climáticas,

Maurice Strong: primeiro diretor executivo do programa da ONU para o meio ambiente

1

2

Adam Bradley, líder da estação. A expectativa é de que a mudança seja concluída entre 2016 e 2017. Em funcionamento desde 2012, a estação é dedicada a pesquisas nas áreas de meteorologia, química e ciências da atmosfera. Nela, são realizadas, por exemplo, medições da qualidade do ar e da quantidade de ozônio na atmosfera.

Além de laboratórios e radares, a Halley conta com alojamentos, áreas de lazer e relaxamento, escritórios e refeitórios. Durante o inverno, costuma abrigar cerca de 16 pessoas. Entre dezembro e março, o número sobe para mais de 70 pessoas, entre pesquisadores, engenheiros, técnicos e médicos.

estimulando governos de países desenvolvidos a assumir a responsabilidade pela degradação provocada pela industrialização.

Page 11: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 11

Foto

S 1

BR

ITIS

H A

NTA

RC

TIC

SU

RV

Ey

2 II

SD 3

DIV

ULG

ãO

4 E

DU

AR

DO

CE

SAR

5 C

HA

RLO

TT

E R

Ay

MO

ND

PH

OT

OG

RA

PH

y

Rubens Belfort é professor titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Academia Brasileira de Oftalmologia e do Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa em Oftalmologia. Na década de 1990, promoveu mutirões de cirurgias de catarata e de diabetes ocular e participou da criação do primeiro centro de oncologia ocular na Amazônia, que começou a funcionar em 2014 em Manaus. Atualmente, Belfort desenvolve um programa para fornecer óculos gratuitos para idosos e crianças. É membro da Academia Brasileira de Ciências, da Associação Nacional de Medicina e da Academia Ophthalmologica Universalis e integrante do International Council of Ophthalmology. Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras, a paulista Lygia Fagundes Telles é membro da Academia Brasileira de Letras desde 1985. Formada pela Faculdade

Em São Paulo e no Japão

A FAPESP e a Japan Society for the Promotion of Science (JSPS) lançaram uma chamada de propostas para apoiar a realização de workshops conjuntos em qualquer área do conhecimento que incentivem a colaboração entre pesquisadores do Japão e do estado de São Paulo. Dois workshops serão selecionados, com duração de três dias. Um deles será realizado no Japão e o outro em São Paulo. FAPESP e JSPS contribuirão, cada uma, com o equivalente a US$ 80 mil por evento. A iniciativa busca, entre outros objetivos, encorajar jovens pesquisadores a compartilhar conhecimentos e experiências e estimular a construção de redes de colaboração.

Menos recursos para a Aids

Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principal organização de fomento à pes-quisa médica dos Estados Unidos, anun-ciaram que deixarão de alocar 10% de seu orçamento científico – o equivalente a US$ 3 bilhões em 2015 – a estudos so-bre a Aids, interrompendo uma estraté-gia criada no início dos anos 1990 para deter a epidemia da doença. A agência também vai reorientar seus investimen-tos, dando ênfase menor para a ciência básica e privilegiando a busca de uma vacina e de novas terapias contra a sín-

drome. A garantia de 10% foi combinada entre os NIH e o Congresso norte-ame-ricano há cerca de 25 anos, numa época em que o diagnóstico da Aids era quase um sinônimo de sentença de morte – a sobrevida média mal passava de um ano. A pressão de grupos especialmente afe-tados pela doença na primeira fase da epidemia, com destaque para os militan-tes gays, foi fundamental para garantir os recursos. O surgimento de terapias que ampliaram muito a sobrevida dos pacientes colocou a estratégia em xeque.

Isso porque o número de mortes caiu tão fortemente que não havia mais justifica-tiva para a prioridade. “A mudança é necessária, embora difícil e dolorosa”, disse o virologista Ian Lipkin, da Univer-sidade Columbia, à revista Science. Se-gundo o Conselho Consultivo dos NIH, à medida que os projetos em vigor se en-cerrarem, parte dos recursos será realo-cada na pesquisa de outras doenças.

Cada proposta deve ter um coordenador do lado japonês e outro do estado de São Paulo. O paulista deve ocupar posição de tempo integral ou equivalente como pesquisador em uma instituição de ensino superior e/ou de pesquisa no estado e deve satisfazer os critérios de elegibilidade do Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático. O coordenador no Japão deve ocupar posição de tempo integral ou equivalente como pesquisador em uma universidade ou instituição que seja elegível a receber Grants-in-Aid for Scientific Research (Kakenhi). As propostas podem ser submetidas até 18 de março. A chamada está disponível, em inglês, em fapesp.br/call/jsps/2016.

Pesquisa de uma vacina contra

o HIV nos Estados Unidos:

prioridades revistas

3

5

de Direito do largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), é autora de dezenas de livros de contos, além de romances como Ciranda de pedra (1954), As meninas (1973) e As horas nuas (1989). Lygia teve suas obras publicadas em diversos países, entre eles França, Estados Unidos, Alemanha e Itália. Alguns de seus textos foram adaptados para TV, teatro e cinema.

A escritora Lygia Fagundes Telles e o pesquisador Rubens Belfort Junior: escolhidos

4

Page 12: As estrelas da inovação

12 | janeiro De 2016

30 sacas por hectare (ha) em Rondônia e no Acre. A média nacional é de 22 sacas/ha. Natural da Etiópia, na África, o arábica é considerado o mais saboroso e é cultivado em regiões de altitudes mais elevadas. No Brasil, os principais estados produtores são Minas Gerais e São Paulo. Na região Norte, muitas famílias vivem da cafeicultura plantando o café robusta (Coffea canephora), mas a demanda pelo arábica é crescente. Desde 2005, os pesquisadores trabalham no melhoramento genético tradicional do C. arabica, avaliando e selecionando genótipos favoráveis ao cultivo a baixas altitudes e temperaturas mais elevadas, como na Amazônia. “Minimizamos os efeitos da alta temperatura e alcançamos uma melhor produtividade”, diz o agrônomo Alexsandro Teixeira, da Embrapa Rondônia, coordenador do projeto.

Vastas quantidades de bactérias do gênero Vibrio, causadoras da cólera, foram identificadas em 2011 na baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, e consideradas um dos motivos da mortalidade de peixes ali verificada três anos depois, para a qual devem ter contribuído as toxinas liberadas por algas em proliferação nas águas poluídas. Segunda maior da costa do Brasil, com uma área de 384 quilômetros quadrados e cercada por uma área urbana com 16 milhões de habitantes, a baía da Guanabara é um caldeirão de microrganismos causadores de doenças provenientes de esgoto doméstico, resíduos hospitalares e dejetos industriais não tratados de 16 municípios, de acordo com levantamento de pesquisadores de universidades e centros de pesquisa do Rio de Janeiro, de Brasília e da Holanda (Frontiers in Microbiology, novembro

de 2015). Em microrganismos das águas da baía também foram encontrados genes de resistência a antibióticos. Os autores do estudo observaram que a degradação da baía começou na década de 1930 com o processo de industrialização e alertam que o plano de despoluição, fortalecido pela realização dos Jogos Olímpicos neste ano, poderia restaurar a qualidade da água para níveis próximos a 80% de pureza, desde que todo o esgoto residencial e industrial hoje despejado ali seja tratado. Hoje, a qualidade da água só não é pior porque correntes marinhas entram na baía e diluem a poluição. A entrada estreita da baía, as marés e o regime de ventos impedem uma ação mais intensa da água do mar. Como resultado, a renovação de metade do volume da água da baía demora em média 11 dias.

Baía onde se realizarão provas olímpicas tem alto grau de contaminação

Tecnociência

Uma variedade de café arábica (Coffea arabica) adaptada ao calor e a baixas altitudes apresentou bons resultados na primeira colheita em plantios realizados na Amazônia. Desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Rondônia, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em São Paulo, e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), a nova variedade produziu acima de

1

2

Café arábica na Amazônia

No Acre e em Rondônia, variedade arábica é

plantada com sucesso

Bactérias na Guanabara

Page 13: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 13

Asteroide eliminou organismos marinhos

Foi uma tragédia monumental. O aste-roide de estimados 10 quilômetros (km) de diâmetro que caiu na península do México há 66 milhões de anos, além de matar os dinossauros, pode ter favore-cido uma intensa proliferação de algas que teria contribuído para uma extinção em massa de organismos marinhos (Jour-nal of Geophysical Research, dezembro de 2015). Pesquisadores da Universida-de Purdue, Estados Unidos, concluíram

que o impacto do asteroide, após abrir uma cratera de 180 km de diâmetro e 20 km de profundidade, liberou uma quantidade imensa de partículas incan-descentes de rochas que, além de quei-mar plantas e animais, liberaram óxido de nitrogênio. Simulações computacio-nais indicaram que essas substâncias poderiam formar nuvens e cair na forma de chuva ácida. Por sua vez, a chuva ácida poderia aumentar os níveis de ni-

Desenho de plesiossauro,

lagarto marinho extinto há

66 milhões de anos

Ordem nas ruas de Londres

Em um livro clássico do humor britânico, How to be an alien, de 1946, o imigrante húngaro George Mikes sugeria aos moradores de Londres construir as ruas em formato de S ou W, jamais em linha reta, para manter a harmonia da cidade. Exageros à parte, a capital inglesa, principalmente sua região mais antiga, é desnorteante. Um grupo de pesquisadores do University College London, depois de examinar nove mapas digitalizados da cidade feitos entre 1786 e 2010, concluiu que, à medida que a capital crescia, a rede de ruas progressivamente preenchia os espaços disponíveis no cinturão verde, implementado em meados dos anos 1950 para abastecer os londrinos com alimentos produzidos localmente e conter a mancha urbana. Desse modo, o desenho das ruas deixou o padrão multifractal que persistira durante séculos (fractais são

geometrias que se repetem em diferentes escalas), com vários pontos de articulação, para se apresentar como um espaço com um padrão mais retilíneo e homogêneo (Physical Review E, dezembro de 2015). Os autores argumentam que a Londres atual poderia ser descrita como um monofractal, um padrão mais simples que o anterior. As ruas em S ou W ficaram mais distantes da realidade.

Mestiço encorpado

Testes feitos na Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos, indicaram ser macia e saborosa a carne de uma nova variedade bovina resultante do cruzamento entre touros da raça brasileira de origem europeia curraleiro pé-duro (Bos taurus taurus) e vacas nelore (Bos taurus indicus), de origem indiana. O novo animal, a ser apresentado aos produtores nos próximos meses, é resultado de seis anos de trabalho em melhoramento genético coordenado por Geraldo Magela Côrtes Carvalho, da Embrapa, em colaboração com especialistas da Universidade Federal do

Piauí, com base no fenômeno da heterose, por meio do qual os animais resultantes de hibridização apresentam melhor desempenho do que a média dos pais. A nova variedade poderia ir para o abate com apenas dois anos, mais cedo que a nelore, e produzir 20 quilogramas (kg) de carne macia, quatro a mais que a nelore, por 100 kg de músculo na carcaça, de acordo com comunicado da Embrapa. Para este ano estão previstos também os primeiros cruzamentos entre touros do mestiço recém-desenvolvido e vacas de raças brasileiras, como a caracu e a crioula lageana.

trato nos oceanos e favorecer a multi-plicação de algas, que teria reduzido os níveis de oxigênio da água e produzido toxinas letais para invertebrados, peixes, plantas e outros habitantes do mar. Essa hipótese, segundo os pesquisadores, explicaria a extinção de lagartos gigan-tes aquáticos conhecidos como plesios-sauros. Estima-se que 75% das formas de vida tenham desaparecido após o impacto do asteroide.

Mapa de Londres em 1806: ruas com padrão multifractal

Foto

S 1

LéO

RA

MO

S 2

EM

BR

APA

3 E

4 W

IkIM

ED

IA C

OM

MO

NS

3

4

Page 14: As estrelas da inovação

14 | janeiro De 2016

Flora diminuta do passado

As primeiras plantas com flores – as angiospermas – surgiram no planeta entre 130 milhões e 100 milhões de anos atrás e devem mesmo ter sido muito pequenas. Fósseis encontrados nas últimas décadas já indicavam que as plantas com flores que começaram a brotar na Terra naquela época, o início do Cretáceo, tinham porte herbáceo ou, no máximo, de arbusto, viviam pouco e estavam entre as primeiras espécies a colonizar espaços degradados. Indícios obtidos por pesquisadores da Suécia, da Suíça, da Dinamarca e dos Estados Unidos confirmam a ideia de que as primeiras angiospermas tinham essas características. Usando microtomografia de raios X, a paleobotânica Else Marie Friis e colaboradores analisaram a estrutura interna de sementes fossilizadas de 75 grupos de angiospermas pertencentes a 11 floras que existiram entre

125 milhões e 110 milhões de anos atrás onde estão hoje Portugal e a América do Norte. Entre as quase 250 sementes de que foram feitas imagens, todas tinham menos de 2,5 milímetros de comprimento e cerca de 50 mantinham um embrião minúsculo, parcial ou totalmente preservado e acompanhado de tecido de armazenamento de nutrientes (Nature, 24 de dezembro). Nesses casos, as sementes estavam em dormência: não haviam germinado. Segundo os pesquisadores, o tamanho das sementes analisadas nesse e em outros trabalhos é compatível com o esperado com base no registro fóssil e na relação que se observa hoje entre o tamanho de plantas pequenas e suas sementes. O tamanho diminuto dos embriões e o fato de estarem dormentes assegurariam que as sementes dessas angiospermas ancestrais poderiam sobreviver até encontrar condições de germinar.

Uma dieta rica em peixes

As populações pré- -colombianas da Amazônia, além de se alimentar de milho, inhame e mandioca, como levantamentos recentes já haviam indicado, eram consumidoras habituais de peixes – incluindo pirarucus com mais de 100 quilogramas, hoje raros na região – e tartarugas de grande porte (Journal of Archaeological Science: Reports, novembro de 2015). Pesquisadores da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal do Oeste do Pará e do Museu Natural de História Natural de Paris chegaram a essa conclusão após examinarem os ossos de 9.474 animais consumidos pelos moradores do sítio arqueológico Hatahara, no município de Iranduba, a 25 quilômetros de Manaus, na confluência dos rios Negro e Amazonas, entre os anos 750 e 1230 d.C. Hatahara é

um dos principais sítios da região amazônica, onde já haviam sido encontrados urnas funerárias, vasos, utensílios de comida e um esqueleto inteiro de um índio, enterrado entre os séculos VIII e XII. Os peixes representaram 76% do número de espécies identificadas, sendo o mais comum o pirarucu, seguidos pelos répteis, com 20%, principalmente as tartarugas do gênero Podocnemis (tracajá e tartaruga-da-amazônia), e cobras encorpadas como a sucuri-verde; mamíferos, anfíbios e aves eram raros. Esse levantamento elucida as formas de sobrevivência dos moradores da Amazônia antes da chegada dos europeus. Até agora foram encontrados mais de 100 sítios na região amazônica, formados entre os anos 300 a.C. e 1500 d.C, com populações provavelmente numerosas.

Frutos e sementes do Cretáceo vistos com tomografias de raios X

Pirarucu e pescador em desenho de Franz keller do final do século XIX

Foto

S 1

ELSE

MA

RIE

FR

IIS 2

FR

AN

z k

ELLE

R, T

HE

AM

Az

ON

AN

D M

AD

EIR

A R

IVER

S: S

kE

TC

HE

S A

ND

DE

SCR

IPT

ION

S FR

OM

TH

E N

OT

E-B

OO

k O

F A

N E

XP

LOR

ER

3 U

NIV

ERSI

DA

DE

DE

LIN

PIN

G 4

JúLI

O C

HA

UL

1

2

500 µm

Page 15: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 15

Um guia das formigas brasileiras

Pelo menos 111 gêneros e cerca de 1.500 espécies de formigas ocorrem no Brasil. Esses números colocam o país como campeão da biodiversidade em termos de gênero de formigas e no segundo lugar no quesito quantidade de espécies. Obter informações sobre a enorme variedade de formas que esses insetos podem apresentar no território nacional ficou mais fácil para o público leigo: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, lançou no mês passado o Guia para os

gêneros de formigas do Brasil, escrito por sete pesquisadores. Segundo a publicação, por ora disponível apenas em uma versão gratuita on-line, o Brasil abriga 31% dos gêneros conhecidos de formigas no mundo. “Os gêneros reúnem, na maioria dos casos, conjuntos de espécies que atuam de forma semelhante na natureza, sem prejuízo das especificidades”, escrevem, no prefácio da obra, Carlos Roberto F. Brandão, do Museu de zoologia da Universidade de São Paulo, e Rogério

Papel elétrico acumula energia

Pesquisadores do Laboratório de Eletrô-nica Orgânica da Universidade de Linkö-ping, na Suécia, desenvolveram uma folha de papel que armazena tanta energia quanto os supercapacitores disponíveis no mercado, que são dispositivos que acumulam e liberam energia de forma quase instantânea. Também serviria para uso em baterias e células a combustível, equipamentos que utilizam hidrogênio para produzir eletricidade. O material assemelha-se a um pedaço de papel, fino e flexível, com cerca de 15 centímetros de diâmetro e poucos milímetros de es-pessura. Foi obtido a partir da quebra de fibras de celulose em microfibras com 20 nanômetros de diâmetro. Em laboratório, os pesquisadores as inseriram em uma solução com água e adicionaram um polímero eletricamente carregado para revesti-las. Essas microfibras, revestidas com o polímero, misturaram-se formando um emaranhado de fios, resultando em um condutor de eletricidade chamado eletrólito. Ao contrário das baterias e supercapacitores, o papel elétrico, como

foi batizado, é feito à base de materiais simples e baratos, além de dispensar o uso de produtos químicos perigosos ou metais pesados. O material pode ser recarregado centenas de vezes e cada carga leva apenas alguns segundos. O estudo foi publicado na revista Advanced Science, de 2 de dezembro. Futuramente, esse material poderá contribuir para a expansão das energias renováveis ao compor equipamentos que armazenam energia para suprir deficiências nas fon-tes eólica e solar, em dias sem vento ou com nuvens espessas.

Fino e flexível, novo material poderá ser usado em baterias e supercapacitores

Combate à inflamação

Bastam cinco bactérias Coxiella burnetii para causar uma pneumonia chamada febre Q em seres humanos saudáveis, que pode levar a danos ao coração e ao fígado. Um estudo conduzido pelo biólogo Dario Simões zamboni, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, mostrou que por trás da eficiência desses microrganismos está a capacidade de inibir a reação imunológica que elimina células infectadas (Nature Communications, 21 de dezembro). Mais especificamente, impede a ativação de enzimas caspases dentro de um conjunto de proteínas chamado inflamassoma, que leva à liberação de uma série de substâncias que induzem um processo inflamatório. Por trás disso está uma proteína que os pesquisadores identificaram na C. burnetii e batizaram como IcaA (abreviação de inibição da ativação de caspase, em inglês). De acordo com zamboni, a IcaA e proteínas ainda desconhecidas podem servir para tratar processos inflamatórios, incluindo a sepse.

Rosa da Silva, do Museu Paraense Emílio Goeldi. “A adoção dessa categoria é adequada para estudos que buscam identificar como as qualidades comuns a grupos filogeneticamente próximos de espécies se diversificaram e se estabeleceram ao longo da história evolutiva das linhagens.” O guia, que traz informações básicas sobre a biologia, a ecologia e evolução e imagens de todos os gêneros, pode ser baixado em formato pdf no endereço http://bit.ly/1To7wPe.

3

4

Brasil abriga 31% dos gêneros de formigas no mundo

Page 16: As estrelas da inovação

Vitrine da inovação paulista: dispositivos tecnológicos criados por startups

BRPhotonics

BRPhotonics

Padtec

Page 17: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 17

Startups ganham reconhecimento

e consolidam colaboração com setor

público e grandes empresas

cAPA

Quase festiva, com a participação de muitos jovens empresários trajando paletó sobre camiseta e calça jeans, uma cerimônia no Palácio dos Ban-deirantes, a sede do governo do estado de São Paulo, marcou um dos mais recentes e efusivos

atos de reconhecimento do potencial criativo e econômico de empresas nascentes com produtos inovadores, as chamadas startups. Nesse dia, 17 de novembro, foram anunciadas as 15 empresas selecionadas entre mais 300 inscritas na primeira edição do projeto Pitch Gov SP que desenvolveram produtos – em geral, programas de computador – capazes de facilitar a gestão pública e o acesso dos cidadãos a informações médicas ou escolares geridas por órgãos públicos. O reconhecimento e o crescimento das startups no Brasil indicam que uma nova realidade no campo da criação de tecnologia está se formando no país, muitos anos depois de numerosas pequenas empre-sas criativas do Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos, terem mostrado que podem ser muito lucrativas e até mesmo competir com as grandes companhias.

Uma das selecionadas no Pitch Gov, a Dev Tecnologia, em-presa de São Paulo escolhida também em um programa de

TexTo carlos Fioravanti

FoTos Léo Ramos

osangue novoda

omnisys

CI&T

inovação

Page 18: As estrelas da inovação

18 | janeiro De 2016

economia criativa promovido pela multinacional Samsung, desenvolveu um software que reduz o consumo de água e energia elétrica. Outra fina-lista, a Aime, é uma parceria entre a organização não governamental Viva Rio, do Rio de Janeiro, com a Singularity University, da Califórnia, e ofe-rece um programa com recursos de inteligência artificial para a previsão das prováveis áreas de ocorrência de dengue e outras doenças como cólera e tuberculose com três meses de antece-dência e 88% de acerto, de acordo com testes realizados na Malásia. A AppProva, de Belo Ho-rizonte, e a ClassApp, de Limeira, interior pau-lista, também selecionadas, criaram aplicativos que devem facilitar o trabalho de professores e estudantes e a comunicação entre eles e os pais dos alunos.

As 15 empresas escolhidas vão agora testar seus produtos em instituições públicas e em março devem apresentar publicamente os primeiros resultados da colaboração. Na etapa seguinte, o governo deverá examinar as possibilidades de incorporação ou compra dos projetos bem-su-cedidos. “O valor do Pitch Gov é estratégico, não financeiro”, disse Guilherme Junqueira, gerente executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), que participou da elaboração do programa promovido pelo governo paulista, a partir de uma experiência similar com grandes empresas, o Pitch Corp, iniciada em 2013 em Be-lo Horizonte. Ele disse já ter sido procurado por representantes do governo de quatro estados que desejam implantar programas similares à versão realizada em São Paulo. “Tenho certeza de que o Pitch Gov vai fortalecer as startups do nosso estado”, afirmou o governador paulista Geraldo Alckmin ao apresentar as empresas.

Duas semanas antes, 10 startups, também em São Paulo, apresentavam seus produtos a po-tenciais investidores em um encontro promovi-do pelo programa Start-Up Brasil, iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em dois anos, segundo Felipe Lemos Sereno, um dos coordenadores do programa, o ministério investiu R$ 27 milhões nas primeiras 94 das 183 empresas selecionadas, que, por sua vez, conseguiram captar R$ 57 milhões de investi-dores privados. Ainda em novembro, o governo do Amazonas anunciou um programa de incentivo à formação e crescimento de empresas de base tecnológica, e a Federação das Indústrias do Es-tado de São Paulo (Fiesp) apresentou as empresas selecionadas na 7ª edição do programa Acelera Startup, iniciado em 2011, que já resultou em in-vestimentos de R$ 5 milhões nas 350 empresas selecionadas que, por meio de ações desse tipo, ganham a oportunidade de expor o que fazem.

Logo depois, no dia 9 de dezembro, a FAPESP anunciou os 46 projetos aprovados na terceira cha-mada de 2015 de propostas do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). “Em 2015 o Pipe completou 18 anos de existência em pleno processo de expansão a regiões distintas do esta-do de São Paulo. Essa descentralização, fruto das parcerias firmadas com a indústria e também de um amadurecimento da cadeia envolvida no pro-cesso de inovação, evidencia o potencial paulista na área”, disse o diretor científico Carlos Henri-que de Brito Cruz ao anunciar as empresas sele-cionadas, entre as quais 11 eram nascentes e ainda estavam em fase de constituição formal. O Pipe foi um programa pioneiro criado pela FAPESP em 1997 para apoiar a pesquisa em ciência e tecnolo-gia, o desenvolvimento empresarial e aumentar a competitividade das pequenas e médias empresas. Desde então foram financiados 1.461 projetos, dos quais cerca de 25% provinham de empresas nas-centes, com desembolso total aproximado de R$ 180 milhões. A página www.fapesp.br/pipe reúne informações sobre o programa e links para repor-tagens sobre as empresas publicadas em Pesquisa FAPESP e na Agência FAPESP.

DESAFIOS E REcOMPENSASComo um exército de reserva finalmente requisi-tado para entrar em ação, as startups estão sendo convidadas com maior frequência para resolver problemas de governos e de grandes empresas. Um bom exemplo é a I.System, de Campinas, premiada em novembro de 2015 pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, que decolou efetivamente quando, em 2010, resolveu a instabilidade no enchimen-to das garrafas com refrigerante da Coca-Cola. “Soubemos desse problema e apresentamos uma solução”, disse Igor Santiago, um dos fundado-

1

Tapetinho com um sensor acoplado a um chip (abaixo) e o leitor de código de barras (página ao lado): inovações da InfoPrice que atraíram as redes de supermercados

Page 19: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 19

res da empresa que desenvolveu um software de controle industrial para redução do consumo de água e energia e aumento de produtividade. “Nossa proposta sempre foi ambiciosa: gerar sis-temas de controle industrial melhores que os das empresas multinacionais. Um dos primeiros de-safios foi mostrar que éramos capazes de fazer.”

Em outra frente de pesquisa, com apoio do Pi-pe, Santiago e os sócios – outros dois engenheiros da computação e um matemático formados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – desenvolveram os chamados sistemas embarca-dos para otimização de eletrodomésticos e outros equipamentos. Desde 2013, a empresa, atualmen-te com 25 funcionários, recebe investimentos do fundo paulista Pitanga, que apoia empresas ino-vadoras com alto potencial de crescimento (ver Pesquisa FAPESP nº 220).

Nos últimos anos Pesquisa FAPESP tem acompanhado as inovações, os avanços e as di-ficuldades de startups paulistas, como a própria I.Systems e a BrPhotonics, criada em 2014 na Fundação Centro de Pesquisas e Desenvolvimen-

to em Telecomunicações (CPqD), que vai produ-zir equipamentos para comunicações ópticas de alta velocidade. Algumas empresas de base tec-nológica hoje consolidadas passaram pela fase de startup. É o caso da Padtec, uma das maiores fabricantes de equipamento para transmissões via fibra óptica do país, egressa do CPqD, e da Ci&T, constituída por três recém-formados em engenharia da computação da Unicamp em 1995 e hoje uma empresa brasileira internacional que trabalha com software corporativo e tem 1.400 funcionários; todas estão em Campinas.

A Omnisys, de São Bernardo do Campo, nas-ceu com três engenheiros em 1997 para produção e desenvolvimento de sistemas aeronáuticos e meteorológicos, incluindo radares. Apoiada pelo Pipe e vendida em 2006 para a francesa Thales, continuou a desenvolver projetos de pesquisa no país. Algumas startups se voltam para o campo, como a Promip, de Engenheiro Coelho, na Região Metropolitana de Campinas, que também rece-beu apoio do Pipe e produz abelhas nativas para polinização e três espécies de ácaros predadores que combatem pragas de hortaliças e frutas.

“No século XXI, a inovação provém princi-palmente das startups por serem capazes de de-senvolver novos produtos com prazos e custos menores e equipes mais motivadas do que as das grandes empresas”, disse Fabio Kon, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Univer-sidade de São Paulo (IME-USP) e coordenador adjunto de pesquisa para inovação da Diretoria Científica da FAPESP. “Algumas das primeiras entre as 20 maiores empresas do mundo atual-mente, como Google e Facebook, já foram star-

Hoje a inovação provém em geral das startups, mais criativas e ágeis que as grandes empresas

Page 20: As estrelas da inovação

20 | janeiro De 2016

tups há menos de 15 anos.” As grandes corpora-ções agora não apenas colaboram ou disputam espaços com as pequenas empresas, mas também as compram, quando oferecem inovações com grande potencial de mercado, como ocorreu com a Waze, empresa israelense que desenvolveu um aplicativo de trânsito e foi comprada em 2013 pela Google por quase US$ 1,3 bilhão.

EMPRESÁRIOS EMPOLGADOS“Fui excelente em ser um péssimo aluno. Nunca gostei de fazer o tradicional”, contou Paulo Gar-cia, referindo-se aos tempos em que cursava me-catrônica na Escola Politécnica da USP, antes de se unir aos colegas Marcus Roggero e Leonardo Monteiro e criar um dispositivo eletrônico para ler códigos de barras em terminais de preços de lojas e mercados. Os primeiros protótipos não funcionaram, mas eles insistiram, participaram dos programas Startup Farm e Start-Up Brasil e em outubro de 2013 criaram a InfoPrice, com o reforço de uma sócia, Juliana Glasser.

Finalmente, eles desenvolveram uma versão bem-sucedida do equipamento que ganhou o nome de Smart Price: um simulador de código de barras, acoplado a um celular, que interage com a máquina verificadora de preços em su-permercados e registra o preço de milhares de produtos em poucos minutos, permitindo a va-rejistas reverem com rapidez suas estratégias de venda e a fabricantes, os planos de produção e distribuição de seus produtos. Em 2015, já com grandes clientes e 46 funcionários, a Infoprice recebeu investimentos de mais de R$ 2 milhões por meio do fundo Arpex Capital e da transfe-rência do controle acionário para a B2W Digital, a mesma empresa proprietária da Americanas.com e da Submarino.

Em um congresso sobre supermercados reali-zado em 2015 em São Paulo, a equipe da empre-sa apresentou o protótipo do segundo produto da empresa, o Gondola No Break, já apelidado de tapetinho, para diretores de redes de varejo. Trata-se de uma prancha de acrílico com senso-res e chips que será colocada nas prateleiras dos mercados e avisará via wi-fi aos repositores de estoque quando faltar algum produto, de modo que o consumidor sempre encontre o que deseja. Garcia teve a ideia ao conhecer os sensores do frigobar dos hotéis de Las Vegas, Estados Unidos, ativados automaticamente quando falta alguma bebida. A previsão é de que o tapetinho comece a ser produzido e vendido até meados de 2016.

Junqueira, da ABStartup, que reúne cerca de 4 mil empresas nascentes em todo o país – “in-cluindo 26 no Acre”, lembra ele –, observou es-sa animação no primeiro Pitch Corp, realizado no final de 2013 em Belo Horizonte, quando a rapaziada inquieta e criativa das startups apre-

Depois de fazer 35 entrevistas com os fundadores, diretores e investidores de 25 startups de Tel Aviv, Haifa e Jerusalém, em Israel, de agosto a dezembro de 2013, Fabio Kon verificou que Israel forma um ambiente relativamente maduro de suporte a futuros empreendedores. Há centros de excelência em ciência da computação, engenharia, química, física e biotecnologia – no Technion, no Instituto Weizmann de Ciência e nas universidades de Jerusalém e de Tel Aviv, entre outros – e centros de pesquisa de empresas multinacionais, como IBM, Microsoft, Google, HP e Intel, na região de Haifa e Tel Aviv, que favorecem o desenvolvimento de novos produtos em startups. outra fonte de formação de empreendedores são os institutos das Forças Armadas. em Israel, todos os homens e mulheres passam pelo serviço militar, muitas vezes aproveitando o tempo para reforçar o conhecimento sobre computação e outras tecnologias e depois indo para a universidade motivados para abrir seus próprios negócios.

Há também uma cultura favorável à ousadia, ao risco e à inovação. Kon observou que a valorização do individualismo e o incentivo ao risco favorecem a criação de empresas de base tecnológica, enquanto, inversamente, o apego à hierarquia, à tradição, à vergonha de falhar, como no Japão, e a perspectiva de emprego fixo em grandes empresas, como na Alemanha, barram o empreendedorismo. A seu ver, atualmente o Brasil está no meio-termo entre os países de alto incentivo ao empreendedorismo e os de pouco incentivo, já que colecionar fracassos empresariais é geralmente visto como sinal de inabilidade, não de empreendedorismo. Muitos empreendedores relataram que seus negócios anteriores fracassaram porque gastaram dinheiro demais em tecnologia e muito em marketing ou gastaram pouco nos testes de mercado de seus produtos. “o equilíbrio entre desenvolvimento de produto e marketing é crucial para o sucesso de uma startup”, observou Kon em um relatório técnico sobre o trabalho em Israel.

A experiência de IsraelProximidade com universidades e grandes empresas e incentivo à ousadia e ao risco favorecem as startups

Technion, de Haifa, Israel: foco em ciências exatas e apoio a novas empresas inovadoras TeC

Hn

Ion

IsR

Ael

InsT

ITu

Te

oF

TeC

Hn

olo

Gy

Page 21: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 21

sentou seus produtos para executivos de gran-des empresas. Segundo ele, de cada 10 startups que apresentaram seus produtos para grandes empresas, quatro fecharam negócios.

AMBIENTE FAVORÁVEL As startups estão avançando porque hoje é relati-vamente simples criar uma empresa de software, fazer um programa ou um aplicativo para celu-lares, lançá-lo e atrair milhares de usuários em poucas semanas. “Há 20 anos, o custo para fazer novos programas era de milhões de dólares, ho-je é de poucos milhares”, disse Kon. Além disso, nos últimos anos amadureceu um ambiente que favorece a conexão entre elas e empresas e órgãos do governo interessados em seus produtos, com fontes públicas ou privadas de financiamentos, e com órgãos que as apoiam no planejamento dos negócios como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

De acordo com um levantamento noticiado em agosto no jornal Valor Econômico, o fundo inter-nacional Fundacity havia registrado investimentos de R$ 170 milhões em 191 startups, feitos por 45 investidores no primeiro semestre de 2015 no Bra-sil. Os especialistas preveem que a crise econômica

atual possa prejudicar o fluxo de investimentos para as empresas nascentes. Em contrapartida, observou Kon, “tem havido um crescimento no investimento em tecnologia da informação e soft-ware nos últimos anos como forma de melhorar a produtividade das empresas, o que tem sido muito bom para as startups de software”.

Para Junqueira, um dos desafios dos próximos anos será motivar jovens a apostarem nas pró-prias ideias e criarem seus negócios sem medo de errar. Entre as empresas nascentes, as histórias de fracassos são comuns, mas vistas como sinal de maturidade. “Poucos estudantes consideram o empreendedorismo como alternativa de trabalho após a graduação”, observou Kon. Para mudar a situação, ele e outros professores, alunos e ex--alunos do IME-USP criaram o IMEmpreende, um grupo de empreendedorismo já com 1.221 participantes, quase metade de fora da USP, que se reúne pelo menos uma vez por mês.

“Ainda não somos lucrativos e existe o risco de não dar certo, mas acredito muito no projeto”, disse Daniel Cukier em uma das apresentações do último encontro de 2015 do IMEmpreendente, realizado na sede da Google em São Paulo. Cukier divide seu tempo entre a pesquisa de doutorado no IME e sua startup, a Playax. Criada em 2014, a empresa monitora 5 mil rádios, 60 canais de TV e mil sites para identificar automaticamente o núme-ro de vezes e os lugares em que cerca de 700 mil músicas são tocadas, de modo a facilitar a gestão de direitos autorais e o planejamento de shows de acordo com o interesse do público.

Também em 2014, seu colega Julian Monteiro, depois de terminar o doutorado em computação na França, participou da criação da Scipopulis, que hoje oferece dois produtos: um aplicativo para os usuários verem a que hora deve chegar o ônibus que estão esperando, já com 5 mil down-

Talento à mão: estudantes e ex-estudantes universitários se reúnem em são Paulo para mostrar o que fazem (acima) ou para tocar suas próprias empresas em escritórios compartilhados (abaixo)

Page 22: As estrelas da inovação

22 | janeiro De 2016

loads, e um painel de monitoramento do trans-porte público, que está ajudando órgãos públi-cos a acompanhar o fluxo de ônibus e a planejar ajustes na rede viária na cidade de São Paulo. “Trabalhamos com dados abertos fornecidos pela prefeitura de São Paulo”, disse Monteiro, expressando as transformações do mundo das startups ocorridas nos últimos anos.

Em 1999, quando foi criado o Buscapé, um site de comparação de preços hoje visto como exem-plo bem-sucedido de startup no Brasil, as bases de dados eram escassas e o apoio a empresas nascentes era ínfimo. No anúncio das 15 empre-sas selecionadas para trabalhar com o governo paulista, Romero Rodrigues, um dos fundadores da empresa, contou que ele e seus sócios ligavam para os comerciantes, que lhes respondiam que não davam preços de seus produtos por telefone. Passo a passo, o Buscapé cresceu e hoje tem 11 mi-lhões de produtos cadastrados. Em setembro de 2015 Rodrigues deixou a presidência da empresa – comprada em 2009 por U$ 342 milhões pelo grupo de mídia sul-africano Naspers – para se associar a um fundo de investimento em startups.

OLhAR PARA O MUNDODe acordo com um estudo da Fundação Dom Ca-bral, de Belo Horizonte, fundamentado em entre-vistas com diretores de 130 startups brasileiras em operação e 91 já extintas,  pelo menos 25% das pequenas empresas inovadoras morrem em me-nos de um ano, metade em menos de cinco anos e 75% fecham antes de chegar aos 13 anos , prin-cipalmente por falta de financiamento. Com base em uma viagem de estudos a Israel, Fabio Kon con-cluiu que as chance de sobrevivência das empresas nascentes são maiores quando, além de terem um bom projeto e uma boa equipe de trabalho, estão ligadas a universidades, centros de pesquisa e a companhias maiores com os quais possam inte-ragir, estejam imersas em um ambiente social de valorização da audácia e da criatividade e tenham acesso a financiamentos e a uma estrutura legal e tributária favorável ao desenvolvimento de novos empreendimentos tecnológicos (ver box na página 20). As conexões formam o que Kon chamou de ecossistema das startups, que ajuda a pensar tam-bém as forças e limitações da realidade brasileira.

“Precisamos de mais startups globais. Temos de pensar no mundo, não apenas no mercado nacio-nal”, ele comentou, referindo-se ao fato de empre-sas nacionais serem menos ambiciosas do que as que conheceu em outros países. A trajetória de 10 anos da Easy Taxi mostra que é possível ir além das fronteiras nacionais. O aplicativo dessa empresa criada pelo mineiro Tallis Gomes, após fracassos sucessivos, é hoje usado por cerca de 17 milhões de usuários em 420 cidades de 30 países, com 400 mil motoristas profissionais cadastrados. n

Condomínio de empresas em são Paulo abriga dezenas de jovens empreendedores: conectar-se com outros e expor seus planos é uma tarefa rotineira

Projetos1. empreendedorismo em ciência da computação e o ecossistema de startups (nº 2013/06146-7) Modalidade Bolsa no exterior – Re-gular; Pesquisador responsável Fabio Kon (IMe-usP); Investimento R$ 31.811,14.2. Aplicação da plataforma hourus para automação industrial e de equipamentos (nº 2010/51286-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Igor Bittencourt santiago (I.systems); Investimento R$ 95.888,22 e us$ 1.210,71.3. uma aplicação móvel para obtenção de informações atualizadas de transporte público a partir do conhecimento coletivo (nº 2013/50812-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Roberto speicys Cardoso (scipopu-lis); Investimento R$ 47.152,87 e us$ 990,00. 4. Rastreadores de olhar-eye-trackers (nº 2014/50398-3); Modali-dade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Camilo Rodegheri Mendes dos santos (Dev Tecnologia); Investimento R$ 511.705,48 e us$ 12.465,00.5. Laser de cavidade externa em fotônica em silício com faixa de sin-tonia ultralarga para aplicações em sistemas DWDM (nº 2014/21731-6); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Wilson de Carvalho Júnior (BrPhoto-nics); Investimento R$ 144.037,27 e us$ 282.901,75.6. Transmissor banda s para integrar sistema de radar meteorológico Doppler (2002/07909-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Jean Claude lamarche (omnisys); Investimento R$ 109.311,96.7. Produção massal de colônias de abelhas sem ferrão e uso comercial para a polinização agrícola (nº 2012/51112-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador res-ponsável Cristiano Menezes (Promip); Investimento R$ 627.224,03 e us$ 3.913,46.8. Plataforma de identificação automática de músicas e gestão de direitos autorais (nº 2014/50380-7); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável Juliano de Moraes Polimeno (Playax); Investimento R$ 34.660,95 e us$ 16.290,00.

Artigos científicosPAMPlonA, J. B. e yAnIKIAn, V. P. M. o sistema federal de financiamento à inovação no Brasil. Pesquisa e Debate. v. 26, n. 1, p. 35-72, 2015. Kon, F. et al. A panorama of the Israeli software startup ecosystem. Technical report. Social Science Research Network. mar. 2014.

Page 23: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 23

Spin-offs são uma forma de o conhecimento acadêmico

chegar à sociedade, criar renda e empregos | Marcos de Oliveira

EmprEsa gErada na univErsidadE

cAPA

As empresas nascentes originadas nas universidades e nos institutos de pes-quisa são chamadas de spin-offs acadê-micas, o que as diferenciam daquelas

nascidas no mundo corporativo, principalmente em grandes empresas. Elas são uma categoria de startups, empresas igualmente iniciantes, em grande parte com perfil tecnológico mas não necessariamente originadas na universidade. O surgimento das spin-offs a partir do convívio e do conhecimento gerado dentro das instituições de ensino e pesquisa é um fenômeno recente no Brasil que começou a se concretizar no final dos anos 1990 na mesma linha do que já acontecia nos países mais desenvolvidos. Chamadas também de

tec

hn

om

ar

spin-outs, as spin-offs acadêmicas iniciam suas atividades por meio do incentivo de um professor, com uma conversa entre alunos no laboratório, por meio do licenciamento de uma nova tecno-logia ou em virtude do espírito empreendedor de um ou mais alunos.

Sabe-se de modo empírico que o número de spin-offs vem aumentando nos últimos anos. Para a formação desses empreendimentos não existe uma receita única como mostraram dois estu-dos apresentados em um seminário organizado no Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo (PGT-USP). “Existem diversas maneiras de levar o conhecimento gera-do na universidade para empresas, organizações

Simulador de manobras para treinar comandantes e práticos de navios desenvolvido pela technomar, Petrobras e USP

Page 24: As estrelas da inovação

24 | janeiro De 2016

não governamentais (ONGs) ou outra forma que chegue à sociedade”, diz o professor Guilherme Ary Plonski, coordenador do PGT. “Pode ser por meio de um aluno de graduação que vai trabalhar em uma empresa ou ONG, um empreendedor que leva o seu conhecimento para a formação de um novo empreendimento e até o licenciamento de tecnologia, eventualmente na forma de patentes.”

Os dois estudos se complementam e mostram por meio de exemplos de empresas de sucesso como nascem e evoluem algumas spin-offs que tiveram sua origem na USP, na Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ) e no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). “Uma spin-off sai da universidade com conhecimento de algo novo e transforma isso em produtos e processos inovadores. É uma forma de transfe-rência de conhecimento para a sociedade”, diz Claudia Pavani, doutora no PGT, que fez a tese sobre o tema. Nela, a pesquisadora, que foi orien-tada pelo professor Moacir de Miranda Oliveira Júnior, da Faculdade de Economia, Administra-ção e Contabilidade (FEA) da USP, mostra oito spin-offs da área de engenharia e os fatores que as influenciaram no nascimento. “As empresas são formadas conforme aquilo que elas conquis-tam como investidores, parcerias e investimentos como o Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da FAPESP]”, diz Claudia.

SócIO dO MErcAdOUma das empresas estudadas por Claudia foi a Technomar, de São Paulo, formada em 2002 por dois ex-alunos de mestrado e doutorado do La-boratório Tanque de Prova Numérico (TPN), da Escola Politécnica da USP. “O professor Kazuo Nishimoto, coordenador do TPN, sempre teve a visão de que deveríamos fazer uma empresa, le-var o conhecimento para a indústria”, diz o enge-nheiro naval Fabiano Rampazzo, um dos sócios. No início, a empresa serviu para que os dois pres-tassem serviços técnicos, mas entre 2010 e 2013, com a entrada de mais dois sócios, um deles vindo do mercado financeiro, a empresa aumentou seu leque de serviços e passou a ser gerida de forma mais profissional. “Aumentamos o número de projetos tentando não depender exclusivamente, como estávamos fazendo, da área de óleo e gás”, diz Fabiano. Eles acrescentaram a possibilidade de fazer simuladores de manobras para treinar comandantes e práticos de navios. “Participamos do desenvolvimento de um simulador com a USP e a Petrobras, inclusive com uma patente em con-junto. No momento, estamos desenvolvendo um estabilizador de movimento para pequenos bar-cos de passeio, com o objetivo de evitar o enjoo de passageiros com o balanço da embarcação.”

Outra empresa estudada por Claudia foi a PAM Membranas, do Rio de Janeiro. Especializada em

membranas poliméricas para filtração de água e tratamento de efluentes, a empresa nasceu do Laboratório de Processos de Separação por Mem-branas da Pós-graduação e Pesquisa de Engenha-ria (Coppe) da UFRJ. Os sócios-fundadores foram três professores: Ronaldo Nóbrega, Cristiano Borges e Claudio Habert. Inicialmente instalada na incubadora da própria Coppe, em três anos eles se mudaram para o Parque Tecnológico da UFRJ, onde produzem membranas na forma de fibras ocas para micro e ultrafiltração e atuam na purificação de água e tratamento de efluen-tes. “Depois incorporamos um ex-doutorando do laboratório como sócio para ser o gerente da empresa, o Roberto Bentes”, diz Cristiano. Ao longo dos anos já passaram pela empresa cerca de 12 ex-alunos do laboratório da UFRJ. A PAM, desde a sua criação, tem um contrato de transfe-rência de tecnologia com a universidade.

As áreas que mais ganham spin-offs são as de tecnologia da informação e computação

1

Page 25: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 25

O outro estudo sobre empresas que nasceram na universidade foi realizado por Paula Salomão Martins, durante seu mestrado na Escola Poli-técnica da USP, orientada por Ary Plonski. Ela pesquisou spin-offs nas áreas de física e química em São Paulo ligadas à USP. “As áreas que mais têm empresas spin-offs são as de engenharias, de tecnologia da informação e de computação. Nos cursos de física e química, os alunos são pouco es-timulados para iniciativas empreendedoras”, con-ta Paula. “Encontrei três casos no Cietec [Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, instalado na cidade universitária em São Paulo].”

Uma das empresas analisadas por Paula foi a LaserTools, que faz cortes e moldagens indus-triais a laser. Ela se originou em 1998 na Divi-são de Óptica do Ipen, ficou incubada no Cietec e hoje tem sede própria, tendo à frente o físico Spero Morato (ver Pesquisa FAPESP nºs 50 e 110). “Ela foi importante porque surgiu antes da Lei da Inovação, de 2004, que favoreceu o nascimento dessas empresas e a participação de pesquisado-res como sócios”, diz Paula.

Uma questão problemática para as spin-offs é o fato de as pequenas empresas terem que cum-prir os mesmos requisitos legais que as grandes companhias. Um exemplo está em uma empre-sa estudada por Paula, a Chem4u, formada pelo casal Leila Keiko Jansen e José Ulisses Jansen, engenheiros químicos que trabalharam em gran-des companhias do setor e em 2007 resolveram formar uma empresa a partir do tema que Ulisses tinha trabalhado no doutorado, no Ipen, relacio-nado a um processo de síntese de vernizes por ultravioleta e calor. “Após um período no Cietec iniciamos também o desenvolvimento de mate-riais nanoestruturados em que o foco passou a ser um nanoaditivo com propriedades microbici-das para inserção em materiais poliméricos”, diz

Leila. “Tivemos problemas em relação às licen-ças ambientais, que são as mesmas para grandes, médias e pequenas empresas, o que se torna uma barreira pesada para empresas iniciantes com estruturas mínimas”, conta ela.

As duas pesquisadoras que estudaram as spin--offs registraram que um fator predominante para se ter nas universidades e institutos de pesquisa é um ambiente propício para o surgimento de novos empreendedores. “Se não existe cultura de empreendedorismo, o conhecimento não gera renda para a sociedade e para o país”, diz Claudia.

A Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp) é a instituição que há mais tempo incentiva atividades empreendedoras. “A Unicamp nasceu perto de empresas principalmente na engenha-ria, com parcerias. Essa visão de empreendedo-rismo vem de longo tempo com vários reitores”, diz Milton Mori, diretor executivo da Agência de Inovação da Unicamp. A grande vitrine da agên-cia são as chamadas empresas filhas da Unicamp, que formam a Unicamp Ventures. No final de 2015 eram 286 empresas cadastradas e ativas no mercado. Dessas, 52,3% dos sócios são ou foram alunos da graduação, 18,66% da pós-graduação, 3,08% docentes e 25,96% tinham algum tipo de vínculo, como, por exemplo, licenciamento de pa-tentes e participação na incubadora de empresas da universidade. A área de tecnologia da infor-mação compreende 45,5% do total de empresas. Em dezembro de 2015, as filhas da Unicamp em-pregavam 19,2 mil pessoas e o faturamento atin-giu cerca de R$ 3 bilhões. A grande maioria das empresas (93,6%) está instalada no estado de São Paulo, 63,21% delas em Campinas.

Outra recente iniciativa da Agência de Inova-ção da Unicamp é a Inova Ventures Participações (IVP), uma empresa que investe em startups de Campinas. “São 49 fundadores, entre empresá-rios, muitos das empresas filhas, que atuam como anjos de investimento, mas dentro de um grupo”, diz Bruno Rondani, presidente da IVP. “Inves-timos de R$ 100 mil a R$ 400 mil na fase inicial da empresa após um processo de escolha.” Desde 2011 até agora foram cinco as empresas escolhi-das para investimento, não necessariamente de alunos ou ex-alunos da Unicamp. n

FOtO

S 1

ed

Ua

rd

o c

eSa

r 2

Pa

m m

emb

ra

na

S

Feixe de fibras da empresa Pam forma membranas para filtrar água (acima). Uso de laser para cortes em metal pela empresa Lasertools (ao lado)

Projetos1. Sema – Sistema estabilizador multiativo para embarcações de pequeno e médio porte (nº 2012/50482-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador responsável carlos hakio Fucatu (technomar); Investimento r$ 287.063,93.2. aplicações de lasers no processamento de materiais (nº 1998/07319-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas em-presas (Pipe); Pesquisador responsável Spero Penha morato (Laser-tools); Investimento r$ 59.722,00 e US$ 151.872,00.3. Pesquisa sobre a viabilidade da adição de nanocargas em vernizes, resinas e esmaltes eletroisolantes (nº 2008/51829-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); Pesquisador res-ponsável José Ulisses Jansen (chem4u); Investimento r$ 87.036,00.

2

Page 26: As estrelas da inovação

26 | janeiro De 2016

entrevista Paulo Artaxo

Física a serviço do planetaPesquisador comenta o acordo na COP-21 e destaca

a importância da Amazônia para o clima global

Marcos Pivetta | retrAtO Léo ramos

o gosto por questões práticas e problemas de im-portância social levou o paulistano Paulo Arta-xo a seguir uma trilha pouco usual entre seus colegas professores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Depois

de um rápido flerte com a física nuclear durante o mestrado no fim dos anos 1970, ele direcionou seus esforços para uma área então relativamente nova, que apenas começava a ser reconhecida: o estudo dos problemas ambientais causados pelos aerossóis, finas partículas em suspensão na atmosfera, em cidades como São Paulo e sobretudo na Amazônia. Com o passar do tempo, as pesquisas do físico se tornaram referên-cia internacional sobre o papel dessas partículas na formação da chuva e no controle dos níveis de radiação solar sobre a grande floresta tropical. “Os aerossóis são a chave dos efei-tos climáticos do homem ao lado dos gases de efeito estufa”, afirma Artaxo, um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

A ascensão do tema das mudanças climáticas à condição de uma das questões científicas mais importantes do século XXI colocou o trabalho de Artaxo na ordem do dia. Entre os cerca de 2 mil cientistas que deram contribuições relevantes para o quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que recebeu o Nobel da Paz em 2007 ao lado do ex-vice-presidente americano Al

Gore, foram destacados 12 brasileiros – Artaxo foi um deles. Mais recentemente, o professor titular do IF-USP passou a figurar com frequência na lista dos pesquisadores mais influen-tes do globo, o 1% da elite científica cujos papers são os mais citados e de maior impacto de acordo com levantamento da empresa Thomson Reuters. Nesta entrevista, Artaxo comenta os resultados do acordo fechado na conferência do clima COP--21 em Paris, em dezembro (ver também reportagem sobre o acordo na pág. 32), e fala de sua carreira e de suas pesquisas.

Qual é a sua avaliação geral sobre o acordo da COP-21?Foi, sem dúvida, um excelente início de uma nova era em nossa sociedade global. Pela primeira vez na história, após 21 anos de COP, a maioria dos 195 países que respondem por 90% das emissões de gases de efeito estufa assumiu metas claras de re-dução de emissões. Uma das diretrizes é substituir combustí-veis fósseis por energias renováveis. Entretanto, o desafio que temos pela frente é enorme. As mudanças climáticas já estão em curso e será necessário um esforço de adaptação ao novo clima, sobretudo nos países em desenvolvimento. Precisare-mos também de um forte esforço científico para entender os processos de mudança nos vários ecossistemas e desenvolver estratégias de minimização dos impactos ambientais. Nossos sistemas de produção e de uso de energia, e os níveis de con-sumo, terão que ser revisados para patamares sustentáveis.

Page 27: As estrelas da inovação

idade 62 anos

esPecialidade Física aplicada a problemas ambientais

ForMação Graduação, mestrado e doutorado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Quatro pós-doutorados (universidades da Antuérpia, Lund, Harvard e na Nasa)

instituição IF-USP

Produção cientíFica 586 artigos científicos e mais de 26 mil citações

Page 28: As estrelas da inovação

28 | janeiro De 2016

Mesmo se forem totalmente cumpridas, as metas de redução de emissões espon-taneamente assumidas pelos países na COP-21, as chamadas INDCs, são insu-ficientes para garantir que a tempera-tura global suba entre 1,5 e 2 graus Cel-sius (ºC) até 2100, objetivo a ser buscado pelos signatários do acordo. O que fazer diante desse quadro?A temperatura do planeta já aumentou 1ºC em relação à época pré-industrial. Se os compromissos de redução nas emis-sões assumidos em Paris forem respeita-dos, o planeta, ainda assim, deve aquecer cerca de 3ºC ao longo deste século. Isso provocará uma profunda e rápida altera-ção no funcionamento dos ecossistemas e terá impactos socioeconômicos signi-ficativos. O conjunto dos compromissos das INDCs prevê um corte de 40% nas emissões globais. Mas precisaremos de uma re-dução global de 70% a 90% nas emissões, se quisermos realmente limitar o aumen-to da temperatura a 2ºC até o fim deste século. Ou seja, tere-mos de cortar as emissões de modo mais intenso e mais rá-pido. Entretanto, precisamos de um sistema de governança em nível global para acom-panhar a implementação das INDCs em cada país. Também temos de realizar revisões periódicas – hoje as revisões estão previstas para ocorrer a cada cinco anos – até que nosso planeta consiga estabi-lizar as concentrações atmos-féricas de dióxido de carbono (CO2) e reduzi-las a níveis aceitáveis. Não será uma tarefa fácil. A necessária redu-ção das emissões levará várias décadas para ser implementada. Afinal, existem questões econômicas, sociais e políticas ainda a serem resolvidas.

As metas brasileiras propostas são tí-midas ou ambiciosas?O problema que temos de resolver é glo-bal e depende de cortes nas emissões de todos os países, especialmente os desen-volvidos. A soma das emissões da China e dos Estados Unidos é responsável por mais de 50% das emissões globais. O que esses dois países fizerem será estratégico para todo o planeta. Em relação aos nú-meros de 2005, os Estados Unidos estão

se comprometendo a reduzir 27% de suas emissões. O Brasil, por exemplo, apenas para fazer uma comparação, está se com-prometendo a reduzir em 42% as suas emissões até 2030. A proposta americana é muito tímida. Tem de haver equidade entre os países, tanto nas emissões quanto no padrão de consumo dos recursos na-turais globais. Todos terão de fazer um esforço maior do que o prometido até o momento, inclusive o Brasil, que deve-rá reduzir ainda mais o desmatamento da Amazônia e investir fortemente no aproveitamento de energia solar e eólica, abundantes particularmente no Nordeste.

E o caso da China, que hoje é a maior emissora de gases de efeito estufa?A China tem uma industrialização relati-

vamente recente, e a maior parte dos seus produtos é exportada para outros países. Então, uma parcela de sua emissão não é propriamente da China porque os bens de consumo produzidos lá são vendidos nos Estados Unidos, Europa e resto do mundo. As fábricas americanas e euro-peias montaram unidades na China para fazer produtos para seus mercados. Na prática, são os países desenvolvidos que consomem esses produtos, mas a emissão é contabilizada como da China, algo não propriamente correto. Temos que desen-volver mecanismos para contabilizar de modo justo e correto as emissões.

Mas esse raciocínio vale para qualquer economia exportadora, certo?

Sim. Hoje temos uma economia global, mas não um sistema de governança e de contabilidade global das emissões de ga-ses de efeito estufa. Só globalizamos a economia e nenhum outro aspecto so-ciopolítico. A China em sua INDC, por exemplo, não se comprometeu a reduzir suas emissões. O compromisso é de au-mentar a sua eficiência de emissões de CO2 por unidade de crescimento do PIB. Ou seja, suas emissões vão continuar a crescer, porém mais lentamente do que o ritmo da economia. Na prática, países em desenvolvimento, como Índia e China, vão continuar aumentando suas emissões para atender à demanda legítima de sua população por mais bens de consumo – as populações dos países desenvolvidos já usufruem desses bens. A Índia ainda es-

tá muito mais atrasada nesse processo de desenvolvimen-to do que a China. A hora em que cada um dos mais de 2 bi-lhões de chineses e indianos quiser ter um carro na sua garagem, uma casa com for-no de micro-ondas, televisão e outros bens simplesmente não haverá recursos naturais para sustentar esse nível de consumo. Mas, apesar de cru-cial, a questão da equidade sequer esteve em cima das mesas de discussão da COP--21. Temos de entender que a COP-21 é apenas o início de um processo necessário.

Zerar o desmatamento ile-gal no Brasil é factível?O Brasil teve a maior história

de sucesso entre todos os países na redu-ção de emissão de gases de efeito estufa. Reduziu, por meio de políticas públicas, o desmatamento de 27 mil quilômetros quadrados [km2], em 2005, para cerca de 5 mil km2 em 2014. Ou seja, diminuiu drasticamente suas emissões. Todavia, zerar o desmatamento será muito difí-cil, pois requer novos instrumentos, uma nova legislação e incentivos econômicos. Essa é uma tarefa absolutamente essen-cial para o Brasil realizar, pois é interesse nosso manter o bioma Amazônia para as gerações futuras. A floresta amazônica em pé, como um ecossistema, tem um valor incalculável. A pior coisa que podemos fazer é transformá-la em dióxido de car-bono por meio de queimadas.

Pela primeira vez na história, a maioria dos países assumiu metas claras de redução das emissões

Page 29: As estrelas da inovação

PesQuisa FaPesP 239 | 29

Vamos mudar de assunto. Por que você decidiu ser cientista? Desde os 12 ou 13 anos, percebi que tinha muita habilidade para ciências exatas, matemática, física e química. Além disso, lia muito e tinha uma tremenda curiosi-dade de entender como funcionava nosso planeta. Também tive a sorte de ter bons professores de física no ensino médio – o que hoje é uma raridade. Esses fatores, juntos, me motivaram a seguir a carreira de cientista.

Por que física? Queria entender os processos da natu-reza, desde questões de mecânica até coisas mais amplas, como o funciona-mento do Universo como um todo. Lia muito sobre física desde criança. Daí até virar cientista foi um passo simples. Fiz graduação na USP e mestrado em física nuclear, sob orientação do professor Iu-da Goldman. Em seguida, decidi fazer algo mais aplicável e de interesse social mais direto. Passei a fazer pesquisa na área ambiental. Primeiro, trabalhei com processos associados à poluição urbana do ar. Na década de 1980, São Paulo tinha problemas sérios de poluição do ar que ainda não eram reconhecidos pela socie-dade. Depois, comecei a trabalhar com a compreensão de processos que regulam o funcionamento do ecossistema amazô-nico de modo interdisciplinar.

Naquela época, não era uma escolha óbvia estudar física do clima. Por que optou pela área?Estava em um instituto de física muito tradicional em áreas como física nuclear, física de partículas e do estado sólido. Todo mundo olhava meio torto para pesquisas aplicadas e para meu trabalho. Perguntavam o que eu queria fazer misturando física com questões ambientais. Fe-lizmente, fiz a escolha certa. Mais tarde mostramos que a física tem muito a contribuir para o entendi-mento dos processos associados à poluição do ar e às mudanças cli-máticas globais. De patinho feio do instituto, meu grupo de pesquisas acabou se tornando uma referência na USP e também no exterior.

Você é um especialista no estudo dos aerossóis. O que são essas par-tículas?

Aerossóis atmosféricos são partículas muito pequenas, sólidas ou líquidas, em suspensão na atmosfera, o que as torna invisíveis a olho nu. Em uma cidade co-mo São Paulo, as pessoas respiram cerca de 30 mil dessas partículas por centí-metro cúbico de ar. Os aerossóis, que fazem parte da poluição atmosférica, se depositam no pulmão e podem causar doenças cardiorrespiratórias e outros problemas de saúde. Na Amazônia, as partículas de aerossóis são muito impor-tantes para o funcionamento básico do ecossistema. Uma nuvem não se forma só com vapor-d’água. Ela precisa do vapor e de uma partícula que seja higroscópica, isto é, que tenha afinidade com a água – o aerossol. O vapor se deposita sobre essa partícula e forma uma gotícula da nuvem. Essa nuvem evolui e eventual-mente chove. Entender esses processos físico-químicos é um desafio importante da ciência do clima.

Esse processo de formação e desenvol-vimento de nuvens também vale para as cidades?Sim, é um mecanismo universal. Em São Paulo, os aerossóis vêm da chaminé de uma indústria, do cano de descarga dos automóveis, entre outras fontes. Nos mo-tores a diesel de ônibus e caminhões, aquela fumaça preta é composta de par-tículas em concentrações muito altas. Os aerossóis têm duas propriedades impor-tantes no clima. Primeiro, interceptam e refletem a radiação solar, afetando o balanço de radiação, alterando a quan-tidade de luz do Sol que chega ao solo.

Segundo, são absolutamente fundamen-tais para a formação das nuvens. Sem nuvens, não há chuva. Sem chuva, não há agricultura. Na verdade, os aeros-sóis são a chave dos efeitos climáticos do homem ao lado dos gases de efeito estufa. O curioso é que, na Amazônia, a vida biológica da floresta controla a con-centração dessas partículas na atmosfera e determina o clima da região. Essa foi uma das descobertas de nosso trabalho.

Como assim?Na Amazônia, percebemos que as plan-tas eram as principais responsáveis pelo fornecimento dos aerossóis que contro-lam a formação das nuvens e o balanço de radiação sobre a floresta. Elas emitem compostos orgânicos voláteis, como os gases terpenos e isopreno, que se con-vertem em partículas de aerossóis. Tam-bém fragmentos de folhas, grãos de pólen, bactérias, fungos, além das cinzas das queimadas, estão na constituição dessas partículas. Ou seja, a própria vegetação controla o clima sobre a floresta. Regu-la as chuvas e o balanço de radiação por meio da emissão de aerossóis. A floresta também processa o vapor-d’água, que é o segundo ingrediente importante das nuvens. Entender esses processos bio-lógicos, físicos e químicos é fascinante.

Você trabalha com aerossóis desde o doutorado?Sim, com o efeito dos aerossóis no clima, e em particular na Amazônia. Na década de 1980, isso era uma novidade total. Tive a sorte de ter como colaborador no meu

doutorado o professor Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química [em 1995]. Participei do primeiro grande expe-rimento que houve na Amazônia em 1979 chamado Brushfire, coordena-do pelo professor Crutzen, que in-vestigava o efeito das queimadas no clima da região. Ele tinha uma ideia, ainda não bem estabelecida naquela época, de que as emissões na Amazô-nia poderiam afetar o clima global. A questão realmente me fascinou e me estimulou a tentar entender como funciona a integração de pro-cessos biológicos, físicos e químicos que controlam o funcionamento da Amazônia como um todo. Conforme resultados inovadores foram sendo produzidos, novas questões impor-tantes apareciam.em torre na Amazônia: floresta como diferencial de pesquisa A

rQ

UIv

O P

eSS

OA

L

Page 30: As estrelas da inovação

30 | janeiro De 2016

Por que se interessou em estudar espe-cificamente os aerossóis?Na década de 1970, pesquisas em po-luição eram quase exclusivamente na componente gasosa, como a fotoquími-ca do ozônio e seus efeitos nas plantas e na saúde das pessoas. Na comunidade científica, ninguém falava de aerossóis atmosféricos. Mas percebi que havia uma ciência muito importante por trás dessas partículas e me dediquei a desvendar esse papel.

O que o levou a fazer quatro pós-dou-torados no exterior?No início da minha carreira, percebi que em áreas associadas ao meio ambiente e às mudanças climáticas globais não faz sentido trabalhar isolado. Parceiros internacionais fortes são absolutamente necessários e estratégicos. Então, três meses depois de terminar o doutora-do, já como professor contratado pela USP, fui para a Universidade da Antuér-pia, onde fiquei dois anos trabalhando. Aprendi muito lá. Depois, fiquei mais dois anos nas universidades de Lund e de Estocolmo, na Suécia. Em seguida, percebi que tinha de aprender técnicas de sensoriamento remoto e a usar me-didas ambientais de satélites. Fui então trabalhar na Nasa, entre 1993 e 1994. Mais recentemente, em 2008, trabalhei na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e colaborei com bons pesquisa-dores que estudam o balanço de carbono e aerossóis. Mantenho fortes parcerias internacionais há mais de 25 anos.

Qual é a influência do clima da Amazô-nia no clima do resto do país e do globo?A floresta é um gigantesco processador de vapor-d’água. A floresta transforma a água por meio de mecanismos bioló-gicos de uma maneira muito intensa e importante para a manutenção do cli-ma regional e global. Do ponto de vista regional, de 60% a 70% do vapor-d’água que atinge a parte central da América do Sul se origina no oceano Atlântico tropical e é transportado e processado pela Amazônia. Esse transporte de va-por influencia a chuva na região sul da América do Sul. Do ponto de vista global, a Amazônia, por estar em uma região tropical, participa de fortes processos de convecção. Ou seja, massas de ar ascen-dentes retiram o vapor-d’água da super-fície e o levam para altas altitudes, onde ele é eficientemente transportado para as regiões temperadas do nosso planeta. Então, a Amazônia e o oceano Pacífico são as duas principais fontes de umidade do clima global. Além de ser um impor-tante gás de efeito estufa, o vapor-d’água é essencial para a formação de nuvens, controlando o balanço de radiação e a ocorrência de precipitações.

É possível associar a seca recente em São Paulo ao desmatamento da Amazônia?Não como fator exclusivo. E as razões são simples. Em média, cerca de 30% do vapor-d’água que chega à cidade de São Paulo vem das frentes frias do sul do pa-ís. Outros 30% vêm do oceano Atlântico Sul, através da brisa marítima. Afinal, São

Paulo está próximo do litoral. Aproxima-damente 40% da umidade da cidade vem da região Norte. Até agora, o Brasil des-matou cerca de 19% da área original da Amazônia. Ou seja, se só 40% do vapor--d’água aqui na região Sudeste vem da Amazônia, e se foi afetado, no máximo, 20% do vapor d’água processado pela floresta, poderia ser atribuída ao des-matamento da Amazônia uma redução de 7% ou 8% da umidade em São Paulo, na pior das hipóteses. Os processos não são lineares, mas essa conta muito sim-ples mostra que é impossível, do ponto de vista climatológico, atribuir a seca em São Paulo diretamente ao desmata-mento da Amazônia. De acordo com as últimas análises, a situação em São Paulo se deveu à manutenção de massas de ar muito secas sobre a região Sudeste de uma maneira anômala, um fenômeno ainda não completamente entendido pelos meteorologistas. Evidentemente, o despreparo para enfrentar situações de clima anômalo e a falta de planeja-mento de médio e longo prazo também contribuíram para a crise de falta de água na região.

Há certeza de que eventos extremos, como grandes secas ou chuvas, estão ligados às mudanças climáticas?Estatisticamente o aumento na frequên-cia de eventos climáticos extremos está ligado às mudanças climáticas. A razão é simples. Quando se injeta mais energia no sistema climático, o que está ocorren-do agora com o aumento da concentra-ção de gases de efeito estufa, essa energia tem de ser dissipada de alguma maneira. A atmosfera acumula muito mais calor hoje do que há 200 anos. Isso faz com que aumente a frequência de eventos extremos, em nível regional ou global. Também observamos mudanças de pe-quena escala, como na questão da chuva na cidade de São Paulo. Na década de 1950, São Paulo era a cidade da garoa. Hoje é das grandes tempestades. Ago-ra, quando chove, chove forte e causa prejuízos socioeconômicos. Mas a ques-tão permanece: isso é devido às mudan-ças climáticas ou não? Ainda não temos uma resposta direta e conclusiva. Pro-vavelmente, no entanto, a resposta virá quando tivermos acumulado informa-ções mais sólidas e de longo prazo. No caso da Amazônia, as secas de 2005 e 2010 não podem ser univocamente as-

em 2011, Artaxo recebe título de doutor honoris causa na Universidade de estocolmo: parcerias fora do país

Ar

QU

IvO

Pe

SSO

AL

Page 31: As estrelas da inovação

PesQuisa FaPesP 239 | 31

sociadas às mudanças climáticas glo-bais. Podemos falar com confiança que essas secas foram as maiores dos últimos 100 anos e ocorreram em um intervalo de tempo muito curto – provavelmente causadas pelas mudanças climáticas que estamos promovendo.

Como é fazer pesquisa com colegas de diferentes formações?Fazer pesquisa interdisciplinar é mais difícil do que em uma única disciplina. Estamos aprendendo algo o tempo todo. Se, por exemplo, tenho de entender o efeito da radiação no ecossistema ama-zônico, tenho de estudar a fotossíntese, como o estômato de uma folha se abre para receber o CO2 atmosférico e como o fluxo de radiação afeta esse proces-so. O importante é entender que, na natureza, os proces-sos ocorrem simultaneamen-te e as coisas não são dividi-das em física, química e bio-logia, como a universidade faz. Entendi cedo na minha carreira a questão interdis-ciplinar, tanto que meu pri-meiro pós-doutorado foi no Departamento de Química da Universidade da Antuérpia. Nas minhas pesquisas, tenho de olhar o planeta de modo interdisciplinar em todas as suas escalas.

Por que você se tornou um dos pesquisadores brasilei-ros mais citados no mundo?Jamais pensei que minha car-reira científica teria essa re-percussão. Coordeno muitos projetos, publico muito, oriento muitos alunos. A comunidade científica dialoga por meio das publicações e conferências. Segui esse modelo de ter fortes parcerias interna-cionais e não tenho um único trabalho científico sem a colaboração de pesqui-sadores estrangeiros. Isso dá visibilida-de internacional, mas a importância dos trabalhos, em especial os na Amazônia, também estimula as citações. A Amazô-nia é um ecossistema onde as pesquisas são recentes e cheias de novidades im-portantes. Outra questão é que pratica-mente todos os artigos que publiquei são interdisciplinares. Sou citado por públicos diferentes, de mais de uma área temática. Tenho 11 papers na Science e na Nature,

número que poucos cientistas mesmo do exterior atingiram. Até desse ponto de vista dei muita sorte. Isso mostra o dina-mismo da ciência brasileira. O Brasil é um dos parceiros mais importantes da ciên-cia hoje em nível mundial, não só na área ambiental. Com a crise econômica atual, não está muito claro como vamos manter essa liderança nos próximos anos, mas temos de achar uma saída. As pesquisas que fizemos na Amazônia foram extre-mamente importantes para os resultados do IPCC. Alguns processos das nuvens só ocorrem em ambientes muito limpos co-mo a Amazônia e foram descobertos em medidas feitas por grandes experimen-tos naquela região. Não há como estudar processos naturais em atmosferas limpas nos Estados Unidos, Europa ou Ásia, onde

a poluição do ar tomou conta. É preciso aproveitar as vantagens estratégicas que o país tem no campo científico.

O que você está pesquisando hoje?Estou tocando vários projetos, o principal deles é o programa Green Ocean Amazon (GOAmazon). Estudamos o impacto que um centro urbano como Manaus, com 2 milhões de habitantes, tem nas proprie-dades atmosféricas de seu entorno. Que-remos saber como a poluição gerada por Manaus interage com as emissões natu-rais da floresta. Manaus é um caso único no mundo, uma situação que só existe na Amazônia. Não há outra cidade grande e isolada por 1.500 quilômetros de floresta em todas as direções. Daí vem a questão:

como os gases e aerossóis produzidos pelos automóveis de Manaus interagem com os aerossóis da floresta e quais são os efeitos causados por esse tipo de poluição no ecossistema? Esse é o tema central do experimento GOAmazon, que mobiliza mais de 250 cientistas do Brasil, Estados Unidos e Europa.

O GOAmazon já produziu novos dados?O impacto da poluição de Manaus no funcionamento do ecossistema amazôni-co é muito grande. As emissões de óxidos de nitrogênio, provenientes de processos de combustão na cidade, como o funcio-namento das termelétricas que alimen-tam Manaus e os automóveis, interagem com os compostos orgânicos voláteis que as plantas emitem e produzem ozô-

nio. Encontramos concen-trações de ozônio saindo de Manaus semelhantes às da cidade de São Paulo, acima de 40 partes por bilhão, limi-te em que o ozônio começa a ser tóxico para as plantas. As concentrações naturais de ozônio na Amazônia são de 8 a 10 partes por bilhão no meio do dia. Quando se deparam com altas concen-trações, os estômatos não se abrem e, assim, evitam da-nos a seus tecidos. Ao fazer isso, a planta faz menos fo-tossíntese, fixa menos carbo-no e tem forte decréscimo na taxa de crescimento. Esse é um efeito direto da poluição urbana no ciclo do carbono da floresta amazônica. Esse

efeito aparece centenas de quilômetros vento abaixo de Manaus. Esses dados são importantes para o país. A Amazônia ab-sorve aproximadamente meia tonelada de carbono por hectare por ano. Como a área da floresta é enorme, isso tem um impacto muito grande no ciclo global de carbono. Se a Amazônia perde uma porcentagem dessa capacidade de arma-zenar carbono, o efeito estufa se agrava. Precisamos entender os fatores que in-fluenciam o ciclo do carbono na Amazô-nia. No GOAmazon também observamos fortes alterações nas propriedades das nuvens influenciadas pela pluma de po-luição de Manaus, quando comparadas com nuvens “limpas”. Isso afeta o ciclo hidrológico de modo intenso. n

a amazônia e o oceano Pacífico são as duas principais fontes de umidade do clima global

Page 32: As estrelas da inovação

32 z janeiro De 2016

Acordo em Paris sobre mudanças

climáticas prevê compromisso global

para limitar aumento da temperatura

e mira uma economia de baixo carbono

Na manhã de sábado, dia 12 de dezem-bro, representantes de 195 nações reu nidos na 21ª Conferência do Cli-ma (COP-21) aprovaram na capital da França um acordo histórico em que

se comprometem a adotar medidas para combater as mudanças climáticas. O Acordo de Paris esta-belece um esforço internacional para assegurar que o aumento da temperatura global não supere os 2 graus Celsius (°C), em comparação aos níveis pré-industriais, com a ambição de que fique abai-xo do 1,5°C, patamar capaz de reduzir os riscos e impactos das mudanças climáticas. Também prevê que os países ricos destinarão US$ 100 bilhões por ano em ajuda aos países pobres. Se tiver êxito, na segunda metade deste século o pla-neta terá reduzido o uso de combustíveis fósseis e as emissões remanescentes serão compensadas pela absorção de CO2 por reflorestamento e por técnicas capazes de capturar o gás da atmosfera e armazená-lo. “O Acordo de Paris é um triunfo

Fabrício Marques

política c&t COP-21 y

o começo da transição

para as pessoas, para o meio ambiente e para o multilateralismo. É um seguro de saúde para o planeta”, afirmou o secretário-geral da Organi-zação das Nações Unidas, Ban Ki-moon, come-morando o pioneirismo de um pacto climático que envolve grande número de países.

Os países se obrigam a apresentar metas, que estão sujeitas a revisões periódicas, e a comunicar o que estão fazendo para atingi-las. Serão cobra-dos pela opinião pública e pelas entidades ambien-talistas se não cumprirem o que prometeram, mas, caso isso aconteça, não sofrerão penalidades. As obrigações geradas pelo acordo estão relacionadas a esse processo de comunicação e revisão, não à execução das metas. Nesse sentido, o Acordo de Paris produz uma vinculação mais fraca do que o Protocolo de Kyoto, que determinava patamares legalmente obrigatórios de cortes de emissões de gases estufa. O formato do Acordo de Paris resul-tou do aprendizado com o fracasso de Kyoto, que, assinado em 1997, jamais foi ratificado pelo Con-

Page 33: As estrelas da inovação

pESQUiSa FapESp 239 z 33

anos e na recomposição das florestas prevista no Código Florestal. O Brasil espera que em 2030 possa zerar as emissões decorrentes de desma-tamento. Estados Unidos e China, por sua vez, já haviam assinado um acordo em 2014 que prevê o corte de emissões. “O que houve foi um ama-durecimento das políticas internas dos países em relação ao aquecimento global”, escreveu o físico José Goldemberg, presidente da FAPESP, em artigo no jornal O Estado de S.Paulo. “Os que achavam que o campo de batalha seriam as con-ferências do clima, nas quais se reúnem os chefes de Estado e as decisões são tomadas, perceberam que a verdadeira batalha deveria ser travada den-tro de cada país, onde políticas internas eram decididas e adotadas.”

gresso dos Estados Unidos e não conseguiu evitar que a China, a despeito da pressão internacional, utilizasse crescentemente o carvão como matriz energética até se tornar o principal país emissor de gases de efeito estufa do planeta.

Em Paris, os países levaram metas quantitativas voluntárias e unilaterais de redução de emissões até 2025 ou 2030, as “pretendidas contribuições nacionalmente determinadas” (que ganharam a sigla INDCs). “Cada país teve de se colocar e apresentar seus compromissos”, diz Gilberto Câmara, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coorde-nação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, que esteve em Paris durante a conferência.

As metas voluntárias têm menos força do que protocolos vinculantes, mas os INDCs foram construídos sobre bases realistas. No caso do Brasil, basearam-se na redução do ritmo de des-matamento na Amazônia observado nos últimos Fo

toS

Ar

nA

ud

bO

uis

sOu

– m

ed

de

/ sg

CO

P2

1

A comemoração do acordo na capital francesa, no dia 12 de dezembro: objetivos ousados no primeiro pacto climático celebrado desde o Protocolo de Kyoto

Page 34: As estrelas da inovação

34 z janeiro De 2016

Em lugar de decisões multilaterais “de cima para baixo”, observou Goldemberg, foram adota-das políticas unilaterais “de baixo para cima”. “O governo da China percebeu que o uso ilimitado de carvão, como base de seu desenvolvimento econômico, deteriorou seriamente a qualidade do ar nas grandes cidades chinesas. Por essas razões decidiu que até 2030 – ou mesmo antes disso – o uso de carvão não aumentará mais e começará a declinar. E o Brasil, num esforço interno que en-volveu o governo, o movimento ambientalista e as grandes empresas, reduziu consideravelmente o desmatamento da Amazônia.”

o papel dos Estados Unidos foi fundamental para evitar a repetição em Paris do fracasso da Conferência de Copenhague, em 2010,

convocada para estabelecer um tratado pós-Kyoto, mas que terminou sem acordo. “Há cinco anos, o presidente Barack Obama estava ainda em seu pri-meiro mandato e não tinha a noção de urgência que tem hoje”, afirma Gilberto Câmara. “Nos últimos anos, Obama fez acordos bilaterais com a China, o Brasil e a Índia. Também obteve uma vitória na Suprema Corte, que decidiu que o dióxido de car-bono é poluente e, portanto, está sob a alçada da agência ambiental do país, sem a necessidade de passar pelo crivo do Congresso.” Câmara aponta outras duas mudanças no tabuleiro geopolítico: “A

“a china percebeu que o uso ilimitado do carvão deteriorou a qualidade do ar nas cidades”, diz José Goldemberg

queda dos governos conservadores no Canadá e na Austrália ajudou o mundo desenvolvido a agir de modo mais consistente”.

Somados, os INDCs apresentados em Paris são insuficientes para deter o aumento da tem-peratura a menos de 2,7°C. Ainda assim, os paí-ses aceitaram se mobilizar para que o aumento não ultrapasse o 1,5°C, o que exigirá esforços que vão muito além dos previstos no acordo, além do monitoramento e a revisão das metas periodi-camente. O Painel Intergovernamental de Mu-danças Climáticas (IPCC) fará um estudo nos próximos dois anos para identificar o impacto do aumento de temperatura de 1,5°C e o corte de emissões para atingir essa meta. “Na prática, nós já passamos de 1,5°C e seria necessário que, milagrosamente, zerássemos as emissões amanhã para conseguir nos aproximar desse objetivo”, diz o climatologista Carlos Nobre, ex-coordenador científico do Programa FAPESP de Pesquisa so-bre Mudanças Climáticas Globais. “Estabelecer 1,5°C como limite é perceber os riscos represen-tados por superar essa margem e criar um esforço coletivo global para reduzir esses riscos”, afirma o pesquisador, que atualmente é presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O Brasil participou das negociações de mo-do ativo. A ministra do meio ambiente, Isabela

Teixeira, e o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Alberto Figueire-do Machado, diplomata com grande experiência em negociações sobre o clima, foram convidados pelo presidente da COP- -21 a arregimentar apoios. No início da conferência, o Brasil perfilou-se na

Coalizão de Alta Ambição da conferência, ini-ciativa proposta pelas Ilhas Marshall, uma das pequenas nações insulares do oceano Pacífico ameaçadas pelo aumento do nível dos oceanos, que atraiu mais de 100 países, incluindo os Es-tados Unidos e a União Europeia. “O Brasil se descolou dos demais Brics, com quem não tem afinidade na questão climática, e abriu mão de ser porta-voz dos países pobres, diferentemen-te de sua postura em outras conferências. Com isso, pôde se integrar ao grupo de alta ambição, que brigava para ter o melhor acordo possível em Paris”, diz Gilberto Câmara.

“Com o mundo se comprometendo a se des-carbonizar, o Brasil terá de rever a ideia de que a exploração de petróleo da camada pré-sal irá redimir a economia brasileira. Não é possível estar na coalizão de altas ambições e, ao mes-mo tempo, cogitar vender 6 milhões de barris

O ACOrdO de PArisO que prevê o texto aprovado na COP-21

engajamento internacional para conter o aumento da temperatura

global “bem abaixo” de 2ºC em relação aos tempos pré-industriais,

procurando alcançar a meta de 1,5ºC.

Para atingir esse objetivo, as contribuições voluntárias de cada país

serão revisadas a cada cinco anos. A primeira revisão está

programada para 2018.

nações desenvolvidas se comprometem a desembolsar pelo menos

us$ 100 bilhões por ano a partir de 2020, quando o acordo entra em

vigor, para investir em projetos de redução de emissões em países

em desenvolvimento.

Page 35: As estrelas da inovação

pESQUiSa FapESp 239 z 35

de petróleo por dia”, afirma o pesquisador. Ao mesmo tempo, observa Câmara, o Brasil terá a oportunidade de atrair inves-timentos para recompor áreas desmatadas e ajudar no aumen-to da absorção do carbono da atmosfera. “A recomposição de áreas devastadas ilegalmente, prevista pelo novo Código Flo-restal, mostra que podemos nos organizar para receber fluxos de investimento e nos tornar-mos um sumidouro de carbono. E temos grande potencial para expandir a produção de ener-gias renováveis no país.”

Mas quais são as chan-ces de obter um corte de emissões radical nos

próximos anos? Na avaliação de Carlos Nobre, há tecnologia disponível para fazer a transição a uma economia de baixo carbono nos próximos anos. “O desafio é gigantesco, mas não é impossível, porque energias limpas, tais como a eólica e a solar, estão se tornando cada vez mais competiti-vas”, afirma. “Não parece provável, por exemplo, que eliminemos as termelétricas no curto e no médio prazo, mas há uma tentativa de evitar que o efluente da geração térmica chegue à atmos-fera.” Ele admite, contudo, que os entraves não se limitam a eventuais gargalos tecnológicos e à necessidade de grandes investimentos. “A energia fóssil é responsável por 20% do PIB mundial e consome, só em subsídios, US$ 700 bilhões por ano. Isso é sete vezes mais do que os US$ 100

bilhões que os países desenvol-vidos destinarão para ajudar os mais pobres a enfrentar as mu-danças climáticas”, diz. “Não é ainda possível avaliar ao certo a velocidade com que iremos caminhar para uma economia de baixo carbono.”

José Goldemberg observa que, nos países industrializa-dos, sobretudo na Europa, o uso mais eficiente de energia é o caminho mais promissor para reduzir as emissões, uma vez que a energia que consomem, derivada de combustíveis fós-seis, é muito elevada. “Nos paí-ses em desenvolvimento, onde o consumo per capita é baixo, é inevitável que ele cresça, mas o que cabe fazer é que esse

crescimento incorpore as tecnologias mais efi-cientes e, principalmente, o uso das energias re-nováveis”, afirmou ele, que era ministro do Meio Ambiente durante a Conferência Rio-92.

O acordo de Paris também foi marcado pela va-lorização do conhecimento científico. “Em 2010, a Conferência de Copenhague refletiu apenas parcialmente os resultados do quarto relatório do IPCC, lançado três anos antes, ao estabele-cer certo limite de referência para o aumento de temperatura, de cerca de 2°C”, diz Carlos Nobre. “Já os negociadores de Paris levaram em conta os resultados do quinto relatório, de 2013, segundo o qual 2°C apresentam muitos riscos.” Para Nobre, um dos resultados mais significativos da COP- -21 é que a conferência acompanhou a ciência. n

“Brasil terá a oportunidade de atrair investimentos para recompor áreas desmatadas”, afirma Gilberto câmara

Foto

Ar

nA

ud

bO

uis

sOu

– m

ed

de

/ sg

CO

P2

1 il

USt

ra

çã

o f

lA

tiC

On

gilberto Câmara (com microfone) e a ministra isabela teixeira (dir.), em Paris: brasil perfilou-se com a Coalizão de Alta Ambição

Page 36: As estrelas da inovação

Mobilidade de

pesquisadores brasileiros

é baixa ao longo

da carreira, indica estudo

RecuRsos HuManos y

Bruno de Pierro

Circulação limitada

7,8%

2,9%0,07%

500-1.000 km1.000-2.000 km2.000-5.000 km5.000-10.000 km> 10.000 km

Estudo realizado por um grupo da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que pesquisadores brasileiros tendem a trabalhar e a fazer carreira em

regiões muito próximas às instituições em que cursaram a graduação, sugerindo uma baixa mo-bilidade dentro do país. Os autores, do Depar-tamento de Ciência da Computação da UFMG, analisaram a distribuição geográfica de apro-ximadamente 6 mil pesquisadores vinculados a 101 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), redes de colaboração científica criadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelas funda-ções estaduais de amparo à pesquisa. Observou--se que apenas 20% dos pesquisadores trabalham a mais de 500 quilômetros (km) de distância da instituição onde começaram a trajetória acadê-mica. A maioria fixou-se em empregos a menos

de 100 km da universidade em que iniciaram a carreira. O fenômeno também foi percebido entre os pesquisadores que realizaram pós-doutorado no exterior: 81% retornaram ao Brasil e se esta-beleceram nas regiões de origem.

O artigo, publicado em outubro na revista Plos One, confirma um padrão de carreira segundo o qual a maioria dos pesquisadores faz doutora-do no país e só nos estágios de pós-doutorado estreita colaborações com grupos externos. “As trajetórias observadas em nosso estudo mostram a tendência do brasileiro de permanecer na mesma instituição ou região ao longo de toda a carreira”, observou Clodoveu Augusto Davis Junior, um dos autores do trabalho, cujo autor principal é seu aluno de mestrado Caio Alves. O estudo é parte de um esforço dos pesquisadores da UFMG em utilizar dados da Plataforma Lattes, que reúne 4 milhões de currículos acadêmicos, para estu-

36 z janEiro DE 2016

Page 37: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 z 37

IlU

Str

ãO

all

-sil

Ho

ue

tt

es.

co

M

> 10 km10-100 km100-200 km

8,4%

4,7%

13,9%

9,5%

6,9%

200-500 km500-1.000 km

trajetórias mapeadasDistância entre as instituições onde pesquisadores de 101 incts cursaram a

graduação e onde atualmente trabalham. De 6 mil pesquisadores, quase metade fez carreira na mesma instituição ou região onde se graduou

44,8%

Page 38: As estrelas da inovação

exterior é pequeno. Tais características contrastam com o cenário global. Um es-tudo publicado em 2010 por Linda Ana Carine Van Bouwel, da Universidade de Leuven, na Bélgica, mostra que metade dos estudantes europeus que foram pa-ra os Estados Unidos fazer doutorado em economia entre 1950 e 2006 acabou arrumando emprego naquele país. Do restante, a maior parte foi trabalhar em outros países da Europa e apenas uma minoria voltou para os países de origem.

A baixa mobilidade de pesquisado-res no Brasil é explicada por peculiari-dades do sistema universitário. “O es-tudo da UFMG confirma o esperado”, diz o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. “Nas universi-dades públicas brasileiras, é difícil os pesquisadores mudarem de instituição, tendo em vista as regras de contratação do serviço público”, explica. Nesse mo-delo, o pesquisador é contratado como servidor público, o que favorece a fixação numa instituição muito cedo. No caso das universidades federais e em algumas estaduais, o ingresso de um novo docen-te ocorre obrigatoriamente no nível de professor auxiliar, independentemente da titulação, e a progressão entre um nível e outro da carreira pode exigir o intervalo de 24 meses. Isso desestimula pesquisadores com carreira consolidada a trocar de instituição.

“Se uma universidade deseja criar um centro de estudos sobre a China, por exemplo, não vai procurar algum es-pecialista consagrado nessa área, como acontece em instituições dos Estados Unidos e da Europa. O costume aqui no Brasil é buscar algum interessado entre os professores em início de carreira e formá-lo no assunto”, explica Elizabeth Balbachevsky, professora da Universi-dade de São Paulo (USP). No caso do sistema universitário norte-americano, a mobilidade é maior, em parte porque as instituições negociam condições es-pecíficas de contratos, quando estão interessadas em atrair determinado profissional.

Edgar Zanotto, professor da Univer-sidade Federal de São Carlos (UFSCar), ressalta que, nos Estados Unidos, é co-mum que pesquisadores recebam ofer-tas de trabalho, já que o sistema segue a lógica de mercado. “Ter os profissionais mais qualificados implica oferecer bons

dar fenômenos e tendências da ciência brasileira (ver Pesquisa FAPESP nº 233). Por meio de técnicas de geoinformática, as informações extraídas dos currículos transformaram-se em mapas que revelam percursos de carreira dos pesquisadores.

o caso do paranaense Fabio Ribeiro de Camargo ilustra essa situação. Graduado em engenharia civil

pela Universidade Federal do Paraná em 1985, ele deixou o país em 2009 para fa-zer doutorado em engenharia mecâni-ca na Universidade de Leeds, no Reino Unido. Ao longo de mais de cinco anos em que ficou fora do Brasil, Camargo colaborou com grupos de pesquisa de outros países e passou curtas tempora-das na Austrália, Japão e África do Sul. “A mobilidade permitiu com que eu me envolvesse com várias linhas de pesqui-sa e abriu oportunidades para que meu trabalho se tornasse conhecido lá fora”, conta Camargo.

Em 2014, ele passou férias no Brasil com a família. Durante a visita, foi con-vidado pela prefeitura de Curitiba para assumir o cargo de diretor de iluminação pública. O desafio era modernizar a ges-tão da iluminação da cidade, por meio do conceito de smart city, redes inteligentes que integram fontes de energia e dados de multisserviços, a fim de automatizar sistemas urbanos e evitar desperdícios. “Aceitei a proposta por se tratar de um novo desafio para minha carreira”, diz Camargo.

O estudo da UFMG revela que apenas 32% dos pesquisadores ligados a INCTs realizaram algum tipo de estudo avança-

do, como o pós-doutorado, em estados diferentes dos de sua origem ou fora do Brasil. O comportamento, porém, varia de acordo com a região. Por exemplo, São Paulo e os demais estados do Sudes-te, analisados separadamente no artigo, são localidades onde a maioria dos pes-quisadores é oriunda da própria região. Já Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul apresentam um padrão migratório tem-porário. Isso significa que uma fração expressiva de pesquisadores deixa essas regiões para fazer graduação, mestrado ou doutorado em outros lugares e, de-pois, retorna para trabalhar.

O artigo também indica que o con-tingente de brasileiros que se fixam no

“O brasileiro tende a permanecer na mesma instituição ou região ao longo da carreira”, diz Clodoveu Junior

Formação de doutoresPorcentagem de títulos obtidos no Brasil e no exterior por pesquisadores ligados a 101 incts em cada área do conhecimento

n exterior n Brasil

18

82

25

75

31

69

29

71

30

70

18

82

22

78

25

75

agricultura energia engenharia & ti

Meio ambiente

exatas saúde e medicina

Humanidades nanotecnologia

Page 39: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 z 39

posso levá-los comigo caso decida mudar de instituição”, observa.

Para o físico Ronaldo Mota, reitor da Universidade Estácio de Sá, do Rio, e especialista em política científica e edu-cacional, a ideia de que o pesquisador precisa ter um laboratório próprio e, para isso, tenha que se fixar em um local, está mudando no país. “Hoje em dia existem cada vez mais as chamadas facilities, la-boratórios compartilhados que garantem acesso a equipamentos modernos para múltiplos usuários”, afirma Mota.

a circulação de pesquisadores pode contribuir para oxigenar a produ-ção científica dentro das institui-

ções. Simon Schwartzman alerta que a baixa mobilidade pode favorecer a endo-genia na universidade, quando professo-res dão preferência para contratar seus ex-alunos. “Isso não é saudável, porque não traz outras perspectivas e visões de mundo para dentro de um departamen-to”, diz. Uma maneira eficaz de as insti-tuições se renovarem e inovarem é trazer pessoas de outros lugares. “A mobilidade ajuda a diversificar as culturas e as ma-neiras de pensar criticamente”, afirma. Uma saída encontrada por muitos pesqui-sadores para superar os limites da mobi-lidade é estabelecer redes de colaboração com pesquisadores de outras instituições.

salários”, diz Zanotto, que é professor da UFSCar há 39 anos. Segundo ele, nas universidades brasileiras os salários são similares. “Todos os professores de uma mesma categoria recebem aproximada-mente o mesmo valor.”

O pesquisador reconhece que se en-quadra no perfil apresentado pelo estudo da UFMG: durante a década de 1970, fez graduação em engenharia de materiais na UFSCar, onde foi contratado em 1976 como professor auxiliar. Entre 1979 e 1982 morou na Inglaterra, onde fez o doutorado na Universidade de Sheffield, e logo depois retornou à UFSCar como professor adjunto. Mesmo assim, buscou internacionalizar a carreira por meio de colaborações com grupos do exterior e passando períodos como professor vi-sitante em instituições da Itália e dos Estados Unidos. Zanotto explica que a principal razão para permanecer por mais de três décadas numa mesma ins-tituição foram os laboratórios de mate-riais vítreos que montou. Segundo ele, é natural que nas áreas de ciências exatas e biológicas, em que há a necessidade de equipamentos e infraestrutura laborato-rial, o pesquisador procure estabelecer vínculo institucional. “Levei anos para montar essa estrutura. Juntos, os labo-ratórios têm 900 metros quadrados e abrigam equipamentos sofisticados. Não

O número de colaborações tem avan-çado no Brasil. Um estudo publicado em 2014 revela que, entre 2008 e 2010, ocorreu quase 1 milhão de colaborações científicas entre pesquisadores brasi-leiros, em contraste com as cerca de 63 mil observadas entre 1990 e 1992 (ver Pesquisa FAPESP nº 218). “Quando pre-cisamos de um pesquisador qualifica-do, criamos uma rede de colaboração”, relata Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do INCT de Observatório das Metrópoles. Hoje, a equipe coorde-nada por ele envolve pessoas de Belém, Goiânia e Brasília, entre outros, sem que, para isso, fosse necessário contratá-las.

Já as interações entre brasileiros e estrangeiros são menos numerosas. Em tese de doutorado defendida em 2010, Samile Vanz, professora da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que os artigos de pesquisadores brasileiros escritos em parceria com estrangeiros estacionaram na casa dos 30% e vêm crescendo, em números absolutos, num ritmo menor do que as colaborações internas. “Ho-je, os pesquisadores daqui interagem mais com grupos internacionais do que no passado. Mas ainda é pouco, quan-do comparamos com outros países da América Latina, como Chile e México”, avalia Ronaldo Mota. nIl

USt

rA

çã

O v

ect

oR

oP

en s

to

ck

Concentração regional Distribuição do número de programas de doutorado pelo país por área do conhecimento

100

200

300

400

500

600

700

800

900

0

agricultura energia engenharia & ti

Meio ambiente exatas saúde e medicina

Humanidades nanotecnologia

n são Paulo

n sudeste (exceto são Paulo)

n sul

n nordeste

n centro

n norte

Page 40: As estrelas da inovação

40 z janeiro De 2016

Livros discutem as estratégias

para enfrentar a desindustrialização

da economia brasileira

DesenvoLvimento y

Um norte para a indústria

a indústria de transformação, aquela que converte matérias--primas em produtos, era res-ponsável em meados da década

de 1980 por um quarto do Produto In-terno Bruto (PIB) brasileiro. Em 2004, essa participação caiu para 17,9% e, em 2014, chegou a 10,9%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE). As raízes desse fenômeno – a desindustrialização que assombra várias economias além da brasileira – e as políticas capazes de revertê-lo vêm sendo objeto de intenso debate acadêmico no país. Três livros lançados recentemente mostram, de for-ma complementar, os argumentos e os dissensos na mesa de discussão. Lançado em 2013, a obra O futuro da indústria no Brasil – Desindustrialização em debate, organizada pelos economistas Edmar Bacha e Monica Baumgarten de Bolle, é crítica em relação aos rumos da política industrial adotada no Brasil no passado recente. Na análise de seus 17 capítulos, é recorrente a ideia de que, para dar mais

competitividade à indústria, é preciso garantir maior abertura da economia e adotar políticas de incentivo que bene-ficiem todos os segmentos, tais como a simplificação de regras tributárias e ta-xas de câmbio competitivas, e não apenas setores selecionados. O livro é resultado de dois seminários organizados pelo Ins-tituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças, dirigida por Bacha, no Rio de Janeiro, em abril e junho de 2012.

Já a obra Indústria e desenvolvimento produtivo no Brasil, lançada em 2015, reú-ne artigos com uma visão menos cética e mais diversa sobre a utilidade de políticas de estímulo à atividade industrial, ainda que os autores estejam longe de chegar a um consenso sobre suas características. O livro foi organizado por Nelson Marconi e Maurício Canedo Pinheiro, professo-res da Fundação Getulio Vargas, Laura Carvalho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Uni-versidade de São Paulo (USP), e Nelson Barbosa, o atual ministro da Fazenda. Por fim, a obra Indústria, crescimento

Léo

ra

mo

s

Page 41: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 41

e desenvolvimento, organizada por Flá-vio Vilela Vieira, reúne os resultados de um projeto de pesquisa que envolveu professores do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia sobre a relação entre o setor industrial e o desenvolvimento econômico.

Se há um denominador comum nos três volumes, é a ideia de que a per-da acentuada de fôlego da indústria

é prejudicial para o país, pelo potencial que o setor tem de produzir inovações, de obter ganhos de produtividade e de gerar riqueza. Mas alguns economistas esgrimem argumentos que contestam ideias arraigadas, como a de que a impor-tância do setor de serviços seja um fator de fragilidade para o desenvolvimento econômico ou mesmo que o aumento das exportações de commodities, em detri-mento de manufaturados, represente um sinal de regressão ao passado.

Em um dos capítulos de O futuro da indústria no Brasil, Sergio Lazzarini, Marcos Jank e Carlos Inoue sustentam que o boom de commodities de que o país se beneficiou na década passada é uma “bênção”, e não uma maldição, como defendem algumas correntes. Em 2001, commodities agrícolas, combustíveis, mi-nerais e metais respondiam por menos da metade da pauta exportadora brasilei-ra – 10 anos depois, esse quinhão subiu para 70%. Os autores demonstram que algumas commodities brasileiras têm va-lor adicionado comparável ou até supe-rior ao de produtos industrializados, pois vêm obtendo ganhos de produtividade garantidos por inovações e seus preços internacionais estão num patamar mais elevado do que décadas atrás.

“Se o produto é resultado de compe-tências construídas localmente e está inserido numa cadeia de produção glo-bal, é irrelevante se é uma commodity ou não. A soja, por exemplo, está inserida numa cadeia. Precisa de fertilizante, de máquinas e de pesquisa. Essas coisas têm de ser desenvolvidas. Você pode expor-tar soja in natura e ter toda uma cadeia produtiva dando sustentação a isso”,

afirma Sérgio Lazzarini, que é profes-sor de Organização e Estratégia do Ins-per – Instituto de Ensino e Pesquisa. “Há muito mais espaço para estimular mais pesquisa tecnológica atrelada às cadeias de commodities, em vez de dirigir cré-dito e incentivos tributários para outras cadeias com menor potencial compe-titivo”, sustentam os autores, que pro-põem o uso de receitas públicas, como os royalties da exploração de petróleo, para investir em fundos que permitam diversificar a economia – e não deixem o país refém da oscilação de preços de um grupo restrito de commodities. O trio de autores sugere que só é desejável inves-tir em indústrias de beneficiamento de commodities se esse processo adicionar valor e produtividade ao produto final, o que nem sempre acontece.

Autor de um capítulo intitulado “Pa-drões de política industrial: A velha, a nova e a brasileira”, o economista Man-sueto de Almeida critica as políticas de incentivos setoriais adotadas pelo gover-no brasileiro na última década. Segundo ele, elas se baseiam no modelo adota-do pela Coreia do Sul nos anos 1960 e 1970. “Com o agravante de que, em vez de promover uma diversificação produtiva, concede crédito subsidiado para empre-sas grandes que atuam em setores nos quais o Brasil já possui claras vantagens competitivas, como alimentos, petróleo e mineração”, diz. Na sua avaliação, in-vestir em setores escolhidos fazia sentido num tempo em que as cadeias produtivas eram nacionais. “Não são mais. Cada par-te do processo está em um país ou numa parte do mundo”, afirma. Ele defende uma política de desenvolvimento produ-tivo que torne a economia como um todo mais funcional, melhorando a infraestru-tura, simplificando regras burocráticas e reduzindo a carga tributária de maneira horizontal. Em paralelo, o papel do go-verno deve ser o de fomentar uma polí-tica agressiva de apoio à inovação que, segundo diz, é muito menos onerosa do que as políticas setoriais.

Para Mariano Laplane, professor do Instituto de Economia da Universidade

Page 42: As estrelas da inovação

42 z janeiro De 2016

Estadual de Campinas (Unicamp), há exageros na crítica ao estímulo conce-dido pelo governo a grandes empresas brasileiras. Ele afirma que é importante para o país que conglomerados nacionais expandam seus negócios no exterior e se tornem globais. “Há ganhos de inte-resse público quando uma indústria é estimulada a se globalizar e se tornar mais inovadora. Esse é um tipo de polí-tica industrial contemporânea que mui-tos países, como China e Coreia do Sul, estão fazendo”, afirma Laplane. “Vivía-mos num mundo dicotômico, em que, de um lado, havia quem defendesse que era preciso fechar a economia e substituir importações e, de outro, quem achasse que qualquer tipo de política industrial era um crime. Nós superamos e conse-guimos fazer uma política industrial sofisticada, que não é nem a dos anos

1950 nem o laissez-faire dos anos 1990”, diz o pesquisador, que é presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), instituição ligada ao Ministé-rio da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Laplane aponta o que considera um ví-cio no debate sobre estratégias de re-industrialização. “Há uma confusão

entre política industrial e políticas contra a crise. Política industrial diz respeito a estimular a inovação e tornar as empresas mais competitivas. Tem a ver com mu-danças na estrutura industrial, em favor do aumento da inovação, do dinamismo e da produtividade. Não se confunde com políticas de combate à recessão, como de-soneração da folha de pagamentos ou o aumento de impostos sobre a importação de veículos”, afirma. “Nós avançamos na sofisticação dos instrumentos da política

de inovação e melhorou o marco legal. Estamos dando os primeiros passos nesse sentido. Boa parte das nossas empresas, nacionais ou estrangeiras, acordou pa-ra esse tema há pouco tempo”, afirma. Para avançar mais rápido, é necessário investir mais recursos em pesquisa e de-senvolvimento (P&D), nas empresas, nas universidades e nos institutos de pesqui-sa. “Parte desse esforço tem de ser feita por recursos públicos e o dinheiro agora está faltando. É imprescindível ganhar o apoio da opinião pública para que a ino-vação seja vista como prioridade”, afirma Laplane, que escreveu um capítulo sobre inovação e competitividade em Indústria e desenvolvimento produtivo no Brasil.

Laplane e os demais autores do livro participaram de um seminário, realiza-do em São Paulo em maio de 2014 pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e a Escola de Economia de São Paulo, am-bos da Fundação Getulio Vargas (FGV), e foram convidados a escrever sobre os temas que apresentaram. “O objetivo do seminário era levantar a discussão para produzir o livro, mas nem todos os convidados tiveram disponibilidade de escrever capítulos. Com isso, houve uma concentração um pouco maior de autores mais simpáticos às políticas industriais”, diz Maurício Canedo Pinheiro, pesqui-sador do Ibre, que organizou o livro da FGV e também contribuiu com um ca-pítulo para a obra da Casa das Garças. “São dois livros que conversam entre si e são úteis para a compreensão e o debate sobre o tema.” Um dos desdobramentos do seminário da FGV foi a criação de um grupo de estudos sobre reindustrializa-ção no âmbito da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamen-tos (Abimaq). Um novo seminário deve acontecer neste ano, provavelmente em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e gerar um novo livro, voltado para a proposi-ção de políticas.

No trabalho que escreveu para o livro da FGV, Pinheiro abordou a política in-dustrial brasileira recente para o setor de petróleo e gás. Constatou que a de-terminação de que serviços e compras fossem feitos de empresas brasileiras, a chamada regra de conteúdo local, não foi capaz de garantir a inserção dessas companhias nacionais em cadeias in-ternacionais de fornecedores. “Políti-ca industrial baseada em algum tipo de

Trajetória do comércio exteriorevolução da exportação e da importação de produtos industriais de diferentes setores de intensidade tecnológica – Us$ milhões FoB

FonTE secex / mDic

200 mil

150 mil

100 mil

50 mil

0

-50 mil

-100mil

-150 mil

200 mil

120 mil

100 mil

80 mil

60 mil

40 mil

20 mil

0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

importaçãoexportaçãosaldo

pAIn

El d

E d

IEg

o r

IvEr

A r

epr

oD

ão

De

th

om

as

ha

wk

lIv

ro

S r

epr

oD

ão

Léo

ra

mo

s

setores De aLta e méDia-aLta intensiDaDe

setores De Baixa e méDia-Baixa intensiDaDe

Page 43: As estrelas da inovação

proteção só funciona se tiver data para acabar, se servir para expor as empresas à competição”, diz. “As empresas do seg-mento de petróleo e gás que produzem no Brasil competem com empresas de outros lugares que compram os insumos onde quiser. Como competir com elas?” Na avaliação de Pinheiro, só faz sentido beneficiar setores se eles têm chance de desenvolver competitividade num prazo razoável. “E certamente não são setores intensivos em mão de obra, porque há muitos países com mão de obra intensiva muito barata, a não ser que a gente aceite trabalhar segundo as regras deles, com salários baixíssimos”, afirma.

Outro organizador da obra, o professor da Escola de Economia de São Paulo da

FGV Nelson Marconi, sustenta que é um desperdício de recursos desenhar uma política industrial sem alinhar primeiro alguns indicadores macroeconômicos. “É preciso ter uma taxa de câmbio que dê competitividade às empresas, e garantir taxas de lucro que sejam suficientes pa-ra estimular os empresários a investir”, afirma. “Também é preciso que o salário médio da indústria cresça de acordo com o aumento da produtividade e que as tarifas públicas estejam alinhadas, para não provocar nenhuma perda de receita inesperada para as empresas”, diz. Um pré-requisito para política industrial, segundo o economista, é estabelecer e cobrar metas para que as empresas be-neficiadas se tornem mais competitivas,

tais como volume de exportação, capa-citação dos funcionários e investimento em P&D. “É fundamental que o investi-mento dê retorno para o país.”

e le é cauteloso com a ideia de privile-giar setores. “Talvez renda resulta-dos melhores se tivermos uma po-

lítica de estímulo à inovação e à P&D ao alcance de todos os segmentos”, afirma. Mas, se for para escolher algum setor, explica, deve-se levar em conta duas ca-racterísticas: que ele gere inovação e que a inovação possa ser utilizada por outros setores, fomentando o que ele chama de “encadeamentos produtivos relevantes”. Marconi cita o setor da saúde como um alvo possível. “A população brasileira

A perda de fôlego do setor industrialem porcentagem, a participação da indústria de transformação no piB brasileiro

o futuro da indústria no Brasil: desindustrialização em debateedmar Bacha e monica Baumgarten de Bolle (orgs.)civilização Brasileira420 páginas | r$ 55,00

Indústria, crescimento e desenvolvimentoFlávio vilela vieira (org.)alínea282 páginas | r$ 58,00

Indústria e desenvolvimento produtivo no Brasilnelson Barbosa, nelson marconi, mauricio canêdo pinheiro e Laura carvalho (orgs.)elsevier / FGv678 páginas | r$ 89,90

14,4

17,9

16,7 16,6

15

13,9

11,811,5 10,9

10,6

15,1

2000 2001 2001 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

FonTE iBGe. estimativas (em tracejaDo) e eLaBoração Decomtec / Fiesp

Page 44: As estrelas da inovação

44 z janeiro De 2016

está envelhecendo e um programa de inovação orientado para a área da saúde pode nos ajudar inclusive a desenvolver setores no entorno em que ficamos para trás, como a indústria eletrônica, além da indústria de máquinas e equipamentos e de vários serviços.”

Gerar emprego também deve ser uma meta, mas a relação não precisa ser direta. “Não é trivial gerar inovação e emprego ao mesmo tempo, porque muitas vezes a inovação leva à perda de postos de traba-lho. Mas é razoável beneficiar segmentos que gerem novas ocupações em seu en-torno, em especial no setor de serviços”, diz Marconi. Um exemplo, ele observa, é o da indústria têxtil, cujo crescimen-to tem vocação para gerar empregos em serviços ligados à moda, ao design, à lo-gística e ao marketing, entre outros. “É preciso incorporar inovações ao processo produtivo que diferenciam seu produto. Não dá para pensar em uma política para competir diretamente com o Vietnã ou a Etiópia, porque o custo da mão de obra é muito baixo nesses países”, afirma.

Comparações com as estratégias da China, que cresceu a taxas de 10% ao ano por mais de duas décadas, e a da Coreia do Sul, que desenvolveu uma indústria de tecnologia a partir dos anos 1970 com apoio do Estado, também são recorren-tes na discussão sobre a capacidade de o Brasil se reindustrializar. No caso da China, algumas lições podem ser assi-

miladas, observa Flávio Vilela Vieira, coordenador de Indústria, crescimento e desenvolvimento. “Destaca-se a im-portância de políticas que possam es-timular o nível de competitividade do setor exportador, a manutenção de um setor industrial dinâmico e competitivo, a relevância de se ter altas taxas de in-vestimento na economia, e políticas de caráter estrutural que consigam atingir uma melhora no ambiente institucional”, escreveu Freire, que alerta, porém, para o fato de tanto a China quanto a Índia terem ainda um baixo nível de desenvol-vimento econômico, medido pelo nível de renda per capita. “Isso permite a essas

economias, com a adoção das políticas e reformas necessárias, atingirem taxas de crescimento econômico elevadas, o que não pode ser alcançado na mesma magnitude por outras economias que já passaram, previamente, por um processo de desenvolvimento econômico e eleva-ção de seus níveis de renda per capita.”

já no caso da Coreia do Sul, a articu-lação entre políticas industrial e científica ajudou setores privilegia-

dos da indústria a alcançar um elevado grau de intensidade tecnológica. “O Es-tado demonstrou grande competência em sua atuação sobre a atividade eco-nômica, servindo-se de mecanismos de incentivo e de disciplina do capital pri-vado”, escreveu Thais Guimarães Alves, professora da Universidade Federal de Uberlândia. Experiências internacionais são referências importantes, mas, como observa Mariano Laplane, da Unicamp, sempre têm limitações. “As estratégias da Coreia do Sul ou de Israel podem ser inspiradoras, mas foram executadas em condições muito diferentes das nossas. Temos uma estrutura sofisticada e com-plexa. E é sobre ela que devemos avan-çar”, afirma. n Fabrício Marques

“Temos uma estrutura industrial complexa e é sobre ela que devemos avançar”, diz laplane

rEp

ro

dU

çã

o t

ho

ma

s h

aw

k /

FLi

ck

r

Detalhe de mural do artista mexicano Diego rivera no instituto de artes de Detroit

Page 45: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 45

Evento discute caminhos para

superar desafios em áreas como

saúde, energia e ambiente

sEminário y

soluções da ciência

seminário discutiu em são Paulo o potencial de aplicação do conhecimento científico em áreas estratégicas

Pesquisadores e representantes de instituições públicas e empre-sas participaram no auditório do Centro Britânico Brasileiro, em

São Paulo, de uma maratona de painéis sobre o papel da ciência para enfrentar desafios em áreas como saúde, energia e meio ambiente. Realizado no dia 2 de dezembro, o seminário Caminhos da Ciência e Desenvolvimento discu-tiu o potencial de aplicação do conhe-cimento científico. “Em momentos de crise de confiança generalizada como o que vivemos, é importante voltarmos as atenções para a ciência em busca de soluções”, disse Adriana Brondani, dire-tora do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, umas das entidades que apoiaram o evento. Organizado pela con-sultoria Elabora BioSolutions, o seminá-rio também teve apoio da FAPESP, da revista Pesquisa FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre outros.

O primeiro painel discutiu conheci-mento científico e desenvolvimento e contou com a participação de José Fer-nando Perez, presidente da Recepta Bio-pharma, empresa de biotecnologia vol-tada para compostos com potencial de combater o câncer, e Ladislau Martin Neto, diretor de Pesquisa e Desenvol-

vimento da Embrapa. Perez ressaltou a importância da in-teração entre universidades e empresas. “É por meio da ino-vação que empresas buscam parcerias com universidades e instituições de pesquisa di-versas. Esse tipo de colabo-ração é necessário para que todos cumpram sua função social de gerar conhecimento novo”, disse. Já Martin Neto destacou o papel do agrone-gócio nesse contexto. “Trata--se de um setor estratégico e competitivo, para o qual são necessárias inovações no sen-tido de automatizá-lo, dimi-nuindo custos e aumentando a produtividade”, observou.

Convidado para moderar esse painel, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor cien-

tífico da FAPESP, observou que é cada vez mais comum cientistas que atuam dentro de empresas realizarem pesqui-sa de grande impacto. Segundo ele, esse cenário se tornou mais comum no país nas últimas duas décadas e a mudança não diminuiu o papel da universidade. “Há lugares diferentes na sociedade em que se promovem avanços também em benefício da população. Continuam exis-tindo muitos cientistas nas universidades realizando grandes descobertas. Ao mes-mo tempo, são organizadas atividades de pesquisa na iniciativa privada”, ressaltou.

Outro painel abordou o papel da ciên-cia para a superação de desafios relacio-nados a meio ambiente e qualidade de vida. O bioquímico britânico Andrew Simpson, radicado no Brasil, falou dos avanços da farmacêutica brasileira Ory-gen em pesquisas com vacinas para com-bater o câncer. “Temos parceria com o Instituto Ludwig e com grupos de pes-quisa na Alemanha. Agora, buscamos parcerias com hospitais do Brasil para iniciar os testes clínicos”, disse Simpson. No campo da genética, Pamela Ronald, pesquisadora da Universidade da Cali-fórnia em Davis, Estados Unidos, descre-veu alguns projetos que resultaram em benefícios para a produção de alimentos. Ela colaborou em estudos que chegaram a uma variedade de arroz transgênico resistente a inundações, com produti-vidade três vezes maior que o usual. “O consenso científico diz que esses ali-mentos são seguros. Algumas sementes modificadas conseguem reduzir muito o uso de pesticidas no campo”, explicou.  

Já o economista Henrique Pacini, representante da Conferência das Na-ções Unidas para o Comércio e Desen-volvimento (Unctad), ressaltou a im-portância da ciência na área de ener-gias renováveis. “O grande desafio desse setor é ampliar o acesso à energia mo-derna. Uma estratégia é expandir o uso do etanol. Para isso, é necessário que os países adotem políticas de incen-tivo à produção de biocombustíveis”, afirmou. n Bruno de pierro

Ed

ua

rd

o c

Esa

r

Page 46: As estrelas da inovação

46 z janeiro De 2016

ciência saúde y

o vírus que pegou o país

de surpresaRicardo Zorzetto

Zika

Page 47: As estrelas da inovação

pESQUiSa FapESp 239 z 47

Cerca de 30 laboratórios de

são Paulo se unem para

investigar o agente infeccioso

que ameaça o Brasil com uma

epidemia de microcefalia

Foto

S 1

Jam

es

Ga

th

an

y /

Cd

C 2

Fr

ed

mu

rP

hy

e s

ylv

ia W

hit

Fiel

d /

Cd

C

uma dupla de risco:

o mosquito Aedes

aegypti e cópias de

vírus (pontos

escuros) da família

Flaviviridae, a

mesma do Zika

Vestida como uma cirurgiã, a pesquisa-dora Stella Melo trabalhava em total silêncio em um laboratório de biosse-gurança da Universidade de São Paulo

(USP) na tarde da sexta-feira 11 de dezembro. No interior de uma cabine na qual só circula ar filtrado, ela semeava células de rim de macaco em garrafas plásticas contendo um líquido rosado nutritivo. Embora usasse máscara, evitava falar para não correr o risco de contaminar o material. Dias mais tarde aquelas células serviriam para reproduzir o vírus Zika, um agente infeccioso que por décadas foi considerado inofensivo e ago-ra assusta o Brasil e o mundo porque, suspeita-se, está associado ao nascimento de bebês com o cérebro menor que o normal, um problema sem cura conhecido como microcefalia congênita.

Na quinta-feira seguinte, dia 17, a virologista Danielle Leal de Oliveira usou parte das células preparadas por Stella para iniciar a cultura de Zi-ka e anunciou em um e-mail: “Inoculei os vírus hoje. Estamos de dedos cruzados para ver se eles crescem”. Danielle e Stella integram a equipe do virologista Edison Durigon no Instituto de Ciên-cias Biomédicas (ICB) da USP e trabalhavam du-ro para replicar as amostras de Zika recebidas do Instituto Evandro Chagas, no Pará. O objetivo era multiplicar o vírus e compartilhar com grupos do Brasil e do exterior que planejavam estudá-lo. In-teressados não faltavam.

Desde que o Zika ganhou importância mundial em novembro com os casos de microcefalia, o vi-rologista Paolo Zanotto, colega de Durigon e seu vizinho de sala na USP, não pensa em outra coisa a não ser conter o vírus. Especialista em evolu-ção dos flavivírus, o grupo a que pertence o Zika, Zanotto sabe que é grande o risco de o vírus se espalhar pelo país – em especial pelo estado de São Paulo, onde se encontra disseminada a po-pulação urbana de seu transmissor, o mosquito Aedes aegypti. Ele sabe também que só há chance de conter o Zika com um esforço coordenado de pesquisadores, poder público e população.

Por essa razão, ainda em novembro, Zanotto iniciou a mobilização de virologistas, epidemio-logistas, médicos e entomologistas de São Paulo e do exterior para estudar tudo o que for possível sobre o Zika. No final de dezembro, 32 grupos paulistas (quase 300 pesquisadores) já haviam aceitado integrar essa rede de investigação do vírus – que recebeu o nome informal de Rede Zika – e vários aguardavam amostras de vírus do laboratório de Durigon para iniciar as pesquisas.

Essa pronta reação foi possível porque, no pas-sado, a FAPESP apoiou a criação de laboratórios de virologia em todo o estado de São Paulo que mantiveram forte interação entre si. Muitos de-les detêm projetos temáticos ou auxílios regula-res financiados pela Fundação e, para reativar o trabalho coletivo do grupo, a FAPESP concedeu pequenos aditivos aos projetos já existentes. Es-ses aditivos somarão cerca de R$ 550 mil e permitirão complementar o trabalho que já está sendo realizado.

Jean Pierre Peron é neuroimu-nologista e, entre outras coisas, estuda em seu laboratório na USP inflamações no cérebro provocadas pelo sistema de defesa do próprio corpo. Ele é um dos que aderiram à Re-de Zika e está com sua equi-pe preparada para começar ao menos dois experimen-tos. Em um deles, Peron pla-neja injetar o vírus diretamen-te no cérebro de camundongos, com dois objetivos. O primeiro é deixá-lo se multiplicar e gerar mais amostras para suas pesquisas e a de outros grupos. O segundo, e mais importante, é verificar se o próprio vírus le-sa o cérebro ou se os danos decorrem de um ata-que exacerbado do sistema de defesa contra o Zika.

Imagens do cérebro de bebês que nasceram com microcefalia e são filhos de mães possivel-mente infectadas por Zika na gravidez em geral mostram pequenos círculos brancos bem próxi-mos uns dos outros, como as contas de um colar. Segundo neurologistas, são sinais de calcificação, uma espécie de cicatriz que se forma em áreas lesadas do cérebro e ocorrem também em bebês cujas mães tiveram infecção por citomegalovírus ou toxoplasmose na gestação. No caso do Zika, não se sabe se essas calcificações são provocadas pelo vírus ou são uma lesão secundária, resultado de um superataque das células de defesa ao invasor.

Page 48: As estrelas da inovação

48 z janeiro De 2016

Também não se sabe ainda como o vírus che-ga ao cérebro, como foi observado em um bebê do Ceará que nasceu com microcefalia e morreu minutos após o parto. Foi a partir de amostras de vários tecidos dessa criança que o virologista Pedro Vasconcelos e sua equipe conseguiram isolar no Evandro Chagas, centro nacional de referência em virologia, as amostras de Zika enviadas para São Paulo. A suspeita principal é de que o vírus – assim como outros dos quase 60 da família Flaviviridae, a mesma do vírus da dengue e da febre amarela – se desenvolva melhor em células do sistema nervoso.

Um segundo experimento planejado por Peron pode ajudar a confirmar a preferên-cia do Zika por células do tecido cerebral

e a traçar o caminho percorrido pelo vírus até o sistema nervoso central. Ele e sua equipe estão prontos para inocular o vírus em camundongos fêmeas prenhes e acompanhar o que ocorre com os fetos. “Isso vai permitir verificar se o vírus chega até o cérebro dos fetos e se causa lesão, morte ou microcefalia”, disse Peron em uma vi-sita ao laboratório de Durigon na tarde em que Stella preparava as células para multiplicar o Zika.

O trabalho de Peron com os roedores deve ser complementado pelos experimentos da bióloga

Patrícia Beltrão Braga com células humanas. “A primeira coisa que precisamos saber é se, de fato, o vírus infecta células humanas do sistema nervo-so e qual tipo de morte celular ele provoca”, diz Patrícia. Com base nas informações que circulam entre os pesquisadores e na extrapolação do que se conhece sobre outros flavivírus, o Zika deve in-vadir as células do tecido cerebral, mas ainda não se sabe quais nem como. Essa informação pode no futuro orientar os médicos sobre qual terapia adotar para tentar conter o vírus ou os danos que ele pode causar – por ora, no entanto, ainda não há medicamento seguro para combater o Zika.

Patrícia deve analisar os efeitos do vírus sobre células humanas usando uma tecnologia inovado-ra. Ela vai usar células-tronco adultas extraídas do dente de leite de crianças e reprogramá-las quimicamente para se transformarem em células mais versáteis, capazes de originar diferentes te-cidos. Cultivadas em uma matriz tridimensional, essas células, ao receberem os estímulos químicos certos, originam os diferentes tipos de células do sistema nervoso central e se organizam em ca-madas, como se fossem cérebros microscópicos – alguns têm o tamanho da cabeça de um alfinete.

Patrícia planeja infectar os minicérebros com o Zika e acompanhar as alterações que surgirem.

o caminho para as américasO vírus Zika possivelmente já havia migrado em dois momentos distintos para o oeste da África e uma vez para a Ásia antes de ser identificado em 1947 em um macaco sentinela em uma floresta de uganda

ugandavírus identificado na floresta de Zika

nigéria

Burkina Faso

senegal

serra leoa

Gabão

Costa do marfim

malásia

indonésia

Paquistão

ilha yap (micronésia)

nova Caledônia

Camboja

Filipinas

1935 data estimada da 1a migração para a África

Ocidental

1945 data estimada

de migração para a Ásia

1940 data estimada da 2a migração

para a África Ocidental Primeira introdução

segunda introdução

terceira introdução

ano do primeiro registro no país

Page 49: As estrelas da inovação

pESQUiSa FapESp 239 z 49

“Minha ideia é avaliar se o vírus prejudica o crescimento das cé-lulas, a produção de proteínas e a formação de si-napses, que são as conexões entre os neurônios”, diz. “Acredito que os minicérebros devem permitir termos uma resposta rápida para algumas ques-tões”, conta a pesquisadora, que participou da pri-meira reunião da Rede Zika no início de dezembro. Até aquele momento o Ministério da Saúde havia registrado a presença do vírus em 18 estados, prin-cipalmente no Nordeste, onde foram identificados os primeiros casos. E o vírus podia avançar mais.

Uma das dificuldades de planejar ações eficien-tes para conter o vírus é que ainda não se conhece seu padrão de circulação na população brasileira – nem em outras populações. Ninguém sabe com precisão quantas pessoas já foram infectadas no país nem quantos casos novos surgem por mês. Também não há dados sobre a taxa de infecção dos mosquitos e a sua eficiência em transmitir o vírus pela picada. “Com essas informações, poderíamos calcular a capacidade de a infecção se espalhar”, conta o epidemiologista Eduardo Massad, da Fa-culdade de Medicina da USP, que aderiu à rede.

Um modo de começar a conhecer essas variá-veis é registrar os casos de infecção em tempo real, para ver como evoluem no tempo e no espaço.

Uma das ferramentas necessárias para isso seria um teste de laboratório confiável para identifi-car infecções antigas por Zika e saber por onde o vírus já passou e quando. A forma atual de fazer esse rastreamento é por meio de exames soroló-gicos, que detectam anticorpos contra o vírus no sangue. Esse tipo de teste permite saber se uma infecção é antiga ou recente, mas não funciona bem no caso do Zika. É que os anticorpos contra ele são semelhantes aos gerados contra os vírus da dengue, que ocorre em quase todo o país.

O modo alternativo de averiguar a infecção, já disponível em quase 20 laboratórios da rede pública de saúde, é um teste que usa a técnica da

reação em cadeia da polime-rase (PCR). Ele amplifica uma região do material genético do vírus, mas é mais complexo e exige pessoal treinado e equi-pamentos caros. Além disso, ele só permite detectar o Zika quando a infecção está ativa e a pessoa apresenta os sintomas.

Como boa parte dos labora-tórios da Rede Zika já dispõe de equipamentos para reali-zar PCR – muitos são antigos membros da Rede de Diversida-de Genética de Vírus (VGDN), equipada com financiamento da FAPESP –, Zanotto planeja aproveitar essa capacidade ins-talada para auxiliar no monito-ramento do Zika no estado de

São Paulo. A ideia é que esses laboratórios realizem o diagnóstico molecular de pessoas suspeitas de estarem infectadas. Assim, seria possível acompa-nhar quase em tempo real o avanço das infecções e auxiliar os serviços de vigilância epidemiológica a combater os focos de infecção ativos.

Há motivos de sobra para a urgência. O verão já começou e com ele o período de chuvas no Sudeste, onde vivem 82 milhões de pessoas ou quatro de cada 10 brasileiros. O receio de virolo-gistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública é de que o Zika encontre um terreno fér-til para prosperar. O vírus é inoculado nos seres humanos pela picada da fêmea do Aedes aegypti, um mosquito escuro de pernas listradas de bran-co que costuma se alimentar de sangue durante o dia. Além de sangue, o mosquito só precisa de um pouco de água parada para gerar sua prole. E já faz alguns anos vem se tornando resistente a insetici-das (ver Pesquisa FAPESP nº 147).

Outro motivo de preocupação é que o Aedes, transmissor também dos vírus da dengue, da febre amarela e da febre chikungunya, já se espalhou pelo Sudeste. A evidência mais contundente da presen-ça do mosquito são os casos de dengue de 2015.

pesquisadores planejam

rastrear as infecções por

Zika em tempo real e auxiliar o

combate ao Aedes aegypti

ilU

StR

ão

Pe

dr

O h

an

da

m

Polinésia Francesa

ilha de Páscoa (Chile)

BrasilParaguai

Chile

Guatemala

méxico ilhas Cabo verde

surinameColômbia

Page 50: As estrelas da inovação

50 z janeiro De 2016

No ano passado o Ministério da Saúde identificou 1,6 milhão de casos suspeitos da infecção no país, dos quais 990 mil ou 61% ocorreram no Sudeste (718 mil no estado de São Paulo). É possível, su-gerem alguns pesquisadores, que boa parte des-ses mosquitos já esteja contaminada com o Zika.

Já faz algum tempo se sabe que o Zika circula, ainda que timidamente, pelo Sudeste brasileiro. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo haviam registrado até o fim de novembro uns poucos casos contraídos em seu próprio terri-tório e confirmados por exames moleculares. Mas não havia uma contabilidade oficial – e precisa.

O primeiro caso em São Paulo foi detectado em 19 de maio, quando o Instituto Adolfo Lutz, um dos laboratórios de referência para a detecção de vírus no país, confirmou a presença do Zika no sangue de um homem de 52 anos morador de Sumaré, na região de Campinas. Outro caso foi registrado em São José do Rio Preto, no noroes-te do estado, e mais dois em Ribeirão Preto, no norte. “É possível que o Zika esteja circulando há alguns meses no estado, mas não de manei-ra disseminada”, disse o infectologista Marcos Boulos, chefe da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. “Caso contrário, já teríamos a confirmação de problemas neurológicos”, contou na tarde de 14 de dezembro, antes de o secretário David Uip anunciar que seis bebês com microcefalia estavam sob investigação para infecção por Zika.

a inda não se conhece o tamanho do pro-blema. Em meados de dezembro o Minis-tério da Saúde publicou um documento

no qual faz uma projeção, ainda com grande ní-vel de incerteza, sobre o número de infectados pelo vírus no país. Entre 443 mil e 1,3 milhão de brasileiros já podem ter tido Zika, doença que se confunde com a dengue, mas em 80% dos casos não gera sinal aparente ou causa, no máximo, um mal-estar passageiro (ver quadro abaixo). Os au-tores do documento chegaram a esses números tomando por base estimativas da literatura mé-dica internacional e os casos suspeitos de den-gue não confirmados por exames de laboratório.

O médico e virologista Maurício Lacerda No-gueira, professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto, é um dos que suspeitam de que parte dos casos identificados como dengue, na rea-lidade, seja de Zika. Há quase uma década ele acompanha os surtos de dengue em São José do Rio Preto e em abril e maio de 2015 identificou algo atípico: casos da síndrome de Guillain-Barré, doença inflamatória que degenera os nervos, em pessoas com sintomas de dengue. “Olhando re-trospectivamente, pode ter sido o Zika”, contou. Em breve ele deve testar para o vírus cerca de 300 amostras de sangue do início de 2015 clas-sificadas como dengue – Zanotto planeja fazer o mesmo com outras 1,2 mil da capital.

Caso o vírus esteja no estado há mais tempo e seja, de fato, o causador da microcefalia, novos ca-

Sintomas DEngUE Zika chikUngUnya

Febre superior a 38ºC por 4 a 7 dias ausente ou até 38ºC por 1 a 2 dias

superior a 38ºC por 2 a 3 dias

Manchas vermelhas na pele (exantema)

surgem a partir do quarto dia em 30% a 50% dos casos

surgem no primeiro ou segundo dia em mais de 90% dos casos

surgem entre o segundo e o quinto dia em 50% dos casos

Dor nos músculos muito frequente Frequente Pouco frequente

Dor nas articulações Pouco frequente e leve Frequente e de leve a moderada muito frequente e de moderada a intensa

inchaço nas articulações raro Frequente e leve Frequente e de moderado a intenso

conjuntivite rara Ocorre em 50% a 90% dos casos Ocorre em 30% dos casos

cefaleia muito frequente e muito intensa

Frequente e de intensidade moderada

Frequente e de intensidade moderada

coceira leve moderada a intensa leve

hipertrofia dos gânglios leve intensa moderada

tendência a sangramento moderada ausente leve

acometimento neurológico

raro mais frequente do que em degue e chikungunya

raro (ocorre principalmente em recém-nascidos)

Fon

tE C

ar

lOs

Brit

O/u

FPe

– in

Pr

OtO

COlO

de

viG

ilâ

nC

ia e

res

PO

sta

à O

COr

rên

Cia

de

miC

rO

CeF

ali

a r

ela

CiO

na

da

à in

FeC

çã

O P

elO

vír

us

Zik

a, 2

015

Variações sutisalguns sinais clínicos ajudam a distinguir a infecção causada pelo Zika de dengue e chikungunya

Page 51: As estrelas da inovação

pESQUiSa FapESp 239 z 51

sos podem aparecer em breve. “O pico de cir-culação da dengue em São Paulo e, portanto, de circulação do Aedes

ocorreu entre abril e maio e quem era gestante na época está para ter bebê”, lembra Nogueira. Ele e seu grupo devem monitorar 2,2 mil pessoas por cinco anos para verificar a porcentagem de casos assintomáticos de Zika e o risco de microcefa-lia nos bebês de gestantes infectadas pelo vírus.

A suspeita da conexão do Zika com a microce-falia, algo inédito no mundo, surgiu em outubro. Um mês antes a neurologista pediátrica Vanessa Van Der Linden começou a identificar um aumen-to incomum nos casos de microcefalia no Hos-pital Barão de Lucena, onde trabalha no Recife, e notificou a Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco. Em seguida o pesquisador Carlos Brito, da Universidade Federal de Pernambuco, sugeriu que o Zika poderia estar por trás dos ca-sos e o problema foi comunicado ao ministério, que notificou a Organização Mundial da Saúde.

a s evidências mais fortes só vieram no fim de novembro, quando Vasconcelos iso-lou o vírus do bebê do Ceará e a Fiocruz

do Rio confirmou a presença do Zika no líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba cujos fe-tos tinham microcefalia. Até 15 de dezembro, o ministério havia confirmado 134 casos associados à infecção por Zika – em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe – e descartado 102. Outros 2.165 continuavam sob investigação.

Vários especialistas consultados pela reporta-gem afirmam que o Zika é o principal suspeito de causar a microcefalia. Além da conexão temporal entre os dois problemas, o vírus parece estar se

adaptando a infectar os seres humanos. Em estu-do feito com pesquisadores do Instituto Pasteur no Senegal, o biomédico Caio de Melo Freire, da Universidade Federal de São Carlos, demonstrou que a linhagem em circulação no Brasil veio da África via Ásia (ver mapa nas páginas 48 e 49). No caminho, o vírus se humanizou: alguns de seus genes registram a receita para fazer proteínas de modo mais semelhante aos genes humanos.

Mesmo assim, alguns pesquisadores dizem que são necessários mais dados para fechar a questão. “Não sabemos, por exemplo, se a vulnerabilidade do feto se restringe ao primeiro trimestre ou se também é mais tardia e leva a outros problemas”, lembra o neurologista Fernando Kok, da USP. “A relação de causalidade é plausível e os sinais são fortes”, diz o infectologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Mas precisamos ter casos mais bem estudados, porque podem haver outros cofatores que ainda não conhecemos.”

“Se me perguntassem se Zika causa microcefa-lia, eu diria que não sei”, contou o epidemiologis-ta Eduardo Massad no início de dezembro. Para ele, havia muitas perguntas sem reposta. “Agora, se a causalidade for comprovada”, completou, “o Zika pode se tornar o Godzilla das infecções”. n

stella melo analisa ao microscópio cultura de células na usP.acima, células de rim de macaco infectadas com vírus Zika

artigos científicos e outros documentosFaye, O. et al. molecular evolution of Zika virus during its emergence in the 20th century. ploS neglected Diseases. 9 jan. 2014.Freire, C.C.m. et al. spread of the pandemic Zika virus lineage is associated with ns1 codon usage adaptation in humans. Biorxiv.org.ZanluCa, C. et al. First report of autochthonous transmission of Zika vi-rus in Brazil. Memórias do instituto oswaldo cruz. 11 jun. 2015.CamPOs, G. s.; Bandeira, a. C.; sardi, s. i. Zika virus outbreak, Bahia, Brazil. Emerging infectious Diseases. out. 2015.Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia rela-cionada à infecção pelo vírus Zika – http://bit.ly/1reOZ2w.Fo

toS

léO

ra

mO

s il

USt

Ra

çã

o P

ed

rO

ha

nd

am

Page 52: As estrelas da inovação

52 z janeiro De 2016

Adequações em abordagem clássica

levam a novas explicações sobre

fenômenos como a dor-fantasma

NEUROLOGIA y

Ajustes na

a dor em membro-fantasma, que poderia ocorrer em partes do corpo que não exis-tem mais, não é uma fantasia das pessoas que perderam um braço ou uma perna.

Pode ser real. Uma das hipóteses adotadas para explicá-la sugere que as fibras nervosas próximas aos membros removidos voltariam a crescer e ge-rar estímulos espontâneos, interpretados como dor. Outra possibilidade, que emerge agora, é que, depois do rompimento das fibras nervosas que transmitem os estímulos à medula espinhal, os neurônios da medula teriam se tornado tão sen-síveis que enviariam para o cérebro sinais de dor mesmo na ausência de estímulos reais.

Francisco Javier Ropero Peláez, professor da Universidade Federal do ABC, em Santo André, cogita essa segunda explicação para a dor do mem-bro-fantasma com base em sua proposta de ajustes em uma teoria clássica sobre as bases fisiológicas da dor, apresentada há 50 anos. Sua abordagem oferece novas explicações também para um dis-túrbio neurológico conhecido como disestesia, em que um toque pode ser entendido como um estímulo capaz de gerar a sensação de dor intensa, como ocorre nos casos de fibromialgia, com dores musculares generalizadas e crônicas.

Em um artigo publicado na Science em 1965, o psicólogo Ronald Melzak, da Universidade McGill,

Carlos Fioravanti

teoria da

dordordordordordor

Page 53: As estrelas da inovação

Canadá, e o neurocientista inglês Patrick Wall, então no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Estados Unidos, concilia-ram abordagens anteriores, detalhando um caminho que já havia sido cogitado pelo filósofo francês René Descartes em 1664, e apresentaram a chamada teoria do portão da dor. Hoje comum em livros de neurologia, essa abordagem explica como os neurônios processam os dife-rentes estímulos que serão percebidos pelo cérebro como dolorosos ou não do-lorosos. De acordo com essa proposta, há dois tipos de estímulos: o primeiro provém dos neurônios nociceptivos, que inervam a pele, os músculos, os ossos e as vísceras, formam fibras nervosas com diâmetro estreito e registram estímulos aversivos como o calor do fogo ou a dor causada por um corte com uma faca (ver Pesquisa FAPESP nº 155); o segundo tipo de estímulo se origina nos terminais de fibras nervosas de diâmetro largo, que registram estímulos mecânicos como toque, pressão ou vibração.

Os dois tipos de fibras conduzem o estímulo até dois tipos de neurônios da medula espinhal, localizada no interior da coluna vertebral, que agem como por-tão da dor, bloqueando ou liberando os estímulos. Se receber estímulos dos dois tipos de fibras, o primeiro neurônio, cha-mado interneurônio, vai inibir a passa-gem do estímulo para o segundo neurô-nio, que envia o sinal para o cérebro. O interneurônio só vai liberar o sinal para o segundo neurônio se o estímulo vier da fibra nociceptiva. Essa teoria explica por que se consegue usar os aparelhos elétri-cos de depilação, que puxam os pelos ao cortá-los, gerando um estímulo mecâni-co, sem sentir dor, porque os aparelhos, ao mesmo tempo, massageiam a pele, cancelando a eventual sensação de dor.

hipótesesLorne Mendell, da Stony Brook Univer-sity, Estados Unidos, comentou em 2014 que o modelo apresentado na Science “não está correto em todos os detalhes”. Um ano antes, dois pesquisadores do Ca-nadá relataram simplificações excessivas e falhas na apresentação da arquitetura neural da coluna espinhal e na locali-zação e a interação das fibras nervosas. Para Peláez, o que mais incomodava era a indicação de que a fibra nociceptiva poderia inibir um neurônio e estimular outro. Não poderia haver inibição, ele

Artigos científicosMELZACK, R. e WALL, P. D. Pain mechanisms: a new

theory. science. v. 150, n. 3699, p. 971-9. 1965.

MOAYEDI, M. e DAVIS, K. D. Theories of pain: from

specificity to gate control. Journal of Neurophysiology.

v. 109, n. 1, 5-12. 2013.

PELÁEZ, F. J. R. e TANIGUCHI, S. The Gate Theory of pain

revisited: Modeling different pain conditions with a par-

simonious neurocomputational model. Neural plasticity.

v. 752807, p. 1. 2015.

MENDELL, L. M. Constructing and deconstructing the

gate theory of pain. pain. v. 155, n. 2, p. 210-6. 2014.

pensou, porque as substâncias respon-sáveis pela transmissão ou inibição dos estímulos nervosos, identificadas depois da publicação do artigo na Science, não podem gerar efeitos opostos nos termi-nais de um mesmo neurônio.

A indicação de um provável equívoco e as evidências da capacidade de adapta-ção dos neurônios motivaram Peláez e a farmacologista Shirley Taniguchi, pro-fessora da Faculdade Israelita de Ciên-cias da Saúde Albert Einstein, a elabo-rarem um modelo neurocomputacional no qual a sensibilidade dos neurônios e a força das conexões entre eles podem variar, de acordo com os estímulos rece-bidos, como detalhado na revista Neu-ral Plasticity de novembro de 2015. Em 1996, pesquisadores da Universidade de Bath, Inglaterra, ao proporem um mo-delo matemático para explicar alguns fenômenos ligados à dor, já tinham ob-servado a variação da sensibilidade dos neurônios, que podem reagir de modo não proporcional a estímulos de inten-sidades diferentes.

A produção de dor gerada a partir de estímulos táteis, verificada em alguns

dos tipos de disestesia, segundo Peláez, poderia ser uma consequência do fato de as fibras nervosas responsáveis pe-la condução dos estímulos mecânicos perderem a camada de revestimento e, em consequência, processarem os si-nais em velocidade menor, como as fi-bras dos estímulos aversivos, confun-dindo os neurônios da medula sobre a origem do estímulo. “Há várias outras hipóteses para explicar a hipersensi-bilidade à dor”, disse o farmacologista Thiago Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Uni-versidade de São Paulo (FMRP-USP). Segundo ele, há indicações de que o in-terneurônio poderia perder o poder se-letivo – ou até mesmo morrer – e deixar os estímulos passarem mais facilmente rumo ao cérebro. Outra possibilidade é que haveria uma redução dos níveis ou da atividade do neurotransmissor Gaba, que inibe os estímulos nervosos, ou os receptores celulares específicos para o Gaba começariam a funcionar de modo inverso, estimulando, em vez de inibir, os outros neurônios.

Encerrada a etapa de elaboração e publicação das propostas de ajustes da teoria do portão da dor, Peláez começou a debater sua abordagem com pesquisa-dores da área biomédica, a enfrentar as reações de estranhamento diante de uma abordagem matemática de fenômenos biológicos e a mostrar como esse tra-balho poderia ser útil. Segundo Shirley, coautora do artigo na Neural Plasticity, a nova abordagem explica a ação de medi-camentos como a gabapentina, que con-gela a sensibilidade dos neurônios. De acordo com essa proposta, segundo seus autores, a dor-fantasma poderia ser con-trolada com a aplicação de gabapentina logo após a amputação do membro, antes de os neurônios da medula se tornarem hipersensíveis e dispararem sinais de dor mesmo sem estímulos reais. n

diFereNçAs básiCAs

diFereNçAs básiCAs

diFereNçAs básiCAs

FoNte FRANCISCO J. R. PELÁEZ/UFABC

teoriA de 1965

Estímulos nociceptivos provocam efeitos opostos, inibindo um neurônio e ativando outro

A intensidade dos estímulos não varia ao entrar nos neurônios

A sensibilidade dos neurônios não se altera

Existe apenas um ponto de equilíbrio (estabilidade) de rede de neurônios

propostA AtuAl

Os estímulos nociceptivos podem apenas ativar os neurônios

A intensidade do estímulo pode se modificar ao chegar ao neurônio

A sensibilidade dos neurônios pode variar

Existem vários pontos de equilíbrio (estabilidade) de rede de neurônios

diFereNçAs básiCAs

pesQuisA FApesp 239 z 53

2

2

1

1

3

3

4

4

Page 54: As estrelas da inovação

54 z janeiro De 2016

Rede emaranhada: imagem de microscopia de vasos sanguíneos de um tumor de intestino

Page 55: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 55

Modelo explica como tumores mobilizam

os vasos sanguíneos que os alimentam

biofísica y

Uma equipe internacional de biofísicos liderada pelo brasileiro José Onuchic, da Universidade Rice, Estados Unidos, desenvolveu um mo-

delo matemático que explica em deta-lhe como as células da parede dos vasos sanguíneos respondem à necessidade de nutrientes de um tumor em crescimento. Caso as previsões do modelo sejam con-firmadas, suas equações matemáticas po-dem ajudar os pesquisadores a buscarem compostos mais efetivos, que impeçam a formação dos vasos sanguíneos que alimentam o tumor sem interferir nos do restante do corpo.

As células tumorais, assim como as demais células do organismo, precisam do oxigênio e dos nutrientes carregados pelo sangue para sobreviver e se multi-plicar. Quando as células de um tecido sadio necessitam de sangue extra, elas secretam substâncias químicas que es-timulam o desenvolvimento de novos

Igor Zolnerkevic

vasos. A principal dessas substâncias é o fator de crescimento endotelial vascu-lar, mais conhecido pela sigla em inglês VEGF. Ao chegar à parede do vaso san-guíneo mais próximo, as moléculas de VEGF estimulam novos vasos a brotarem do existente e crescerem em direção às células que emitiram o sinal.

Tumores em crescimento fazem algo semelhante. A diferença está na quanti-dade de VEGF que produzem. Se o sinal emitido pelos tecidos normais represen-ta, digamos, um pedido feito com genti-leza, o das células cancerosas é um grito de urgência. Esse sinal mais intenso or-dena às células de vasos próximos que se multipliquem rapidamente rumo ao tumor. No lugar de uma rede harmônica de vasos sanguíneos, com estrutura or-denada e de crescimento lento, na qual vasos pequenos brotam de vasos maiores, forma-se uma rede de numerosos vasos raquíticos, que crescem às pressas para alimentar as células cancerígenas.Fo

to c

LoU

Ds

HiL

L iM

aG

iNG

LT

D /

sc

iEN

cE

PH

oT

o L

ibR

aR

Y

a fome do

“Como as células do câncer crescem muito rápido, elas necessitam de muito oxigênio e emitem um sinal de VEGF que promove a formação caótica de vasos”, explica o biofísico brasileiro Marcelo Boareto, primeiro autor do artigo descre-vendo o modelo, publicado em julho de 2015 na revista Proceedings of the Natio-nal Academy of Sciences (PNAS). Atual-mente em um estágio de pós-doutorado no Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH), Boareto desenvolveu o modelo de crescimento dos vasos sanguíneos em parceria com Mohit Kumar Jolly, da Universidade Rice. No modelo, Boareto aplicou as conclusões de seu doutorado, feito sob a orientação de Onuchic e Eshel Ben-Jacob, biofísico da Rice e também da Universidade de Tel Aviv, em Israel. “Esse tipo de pesquisa mostra que atual-mente os avanços em ciência médica re-querem muitas vezes a integração da teo-ria com a realização de experimentos”, afirma Onuchic.

Page 56: As estrelas da inovação

56 z janeiro De 2016

Morto em junho de 2015, Ben-Jacob foi pioneiro na criação de modelos ma-temáticos para tentar entender como as células – formando uma colônia de bactérias, um tecido sadio ou um tumor – se comunicam umas com as outras por meio de sinais químicos. Seus modelos, feitos em parceria com o biofísico Her-bert Levine, também da Rice, explicam por que células quase idênticas genetica-mente podem se comportar de maneira muito diferente, dependendo dos sinais que recebem de suas vizinhas.

Essa conversa química entre células é importante, por exemplo, durante o de-senvolvimento de um embrião. “Para for-mar um organismo multicelular a partir de um aglomerado de células idênticas, as células precisam se multiplicar e se diferenciar”, explica Boareto. “Curio-samente, a maioria das transformações ocorridas nas células durante o desen-volvimento embrionário é coordenada por uns poucos sistemas de sinalização.”

Um deles é o sistema notch, essencial ao desenvolvimento e à manutenção de

diversos tecidos do corpo humano, entre eles, o vascular. O sistema funciona da seguinte maneira: as células da parede dos vasos possuem em sua membrana uma proteína chamada notch (entalhe, em português). Parte dessa proteína fica fora da célula e pode se conectar a duas proteínas: a delta e a jagged (denteado).

INtERCALADAS oU AGRUpADASEm um artigo publicado em fevereiro do ano passado, Boareto, Jolly, Ben-Jacob e Onuchic explicaram pela primeira vez, por meio de um sistema de equações matemáticas, como o sistema notch atua na diferenciação celular de um tecido qualquer. Em experimentos feitos nos últimos anos, outros pesquisadores já haviam demonstrado que nos tecidos ricos em proteína delta as células, em consequência de um sinal chamado ini-bição lateral, se dispõem como em tabu-leiro de xadrez: células com proteínas delta em sua superfície se intercalam com células contendo proteínas notch. Já nos tecidos com abundância de jag-

células tip/stalk geram vasos raquíticos e pouco eficientes

células tip e células stalk formam vasos robustos e pouco ramificados

Linguagem de sinaiscomposto químico liberado por células em proliferação coordena a formação de vasos sanguíneos

CoNvERSA DE CéLULA

1 2 3

células em proliferação necessitam de nutrientes e

oxigênio e secretam o VEGf, proteína que estimula a formação

de novos vasos sanguíneos

o excesso de VEGf causa um desequilíbrio e leva à formação de células

tip/stalk com características híbridas

o equilíbrio entre indução e inibição lateral (abaixo) gera células tip e stalksinais VEGf

Já tecidos ricos em jagged, por indução lateral, geram células vizinhas semelhantes entre si

Nos tecidos ricos em proteína delta, a inibição lateral leva as células a se intercalarem como em um tabuleiro

células em proliferação

InIbIção lateral

DeltaNotch

Indução lateralJagged

Notch

tip/stalk

stalk stalk

tipstalk stalk

tECIDo SADIo

tECIDo tUmoRAL

FoNtE MaRcELo boaRETo/ETH

Page 57: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 57

artigos científicosboaRETo, M. et al. Jagged mediates differences in nor-

mal and tumor angiogenesis by affecting tip-stalk fate

decision. pNAS. 21 jul. 2015.

boaRETo, M. et al. Jagged-Delta asymmetry in Notch

signaling can give rise to a sender/Receiver hybrid phe-

notype. pNAS. 3 fev. 2015.

ged prevalece uma forma de sinalização chamada indução lateral, que deixa as células vizinhas muito parecidas, apre-sentando em sua superfície tanto as pro-teínas jagged quanto as notch.

Nos tecidos sadios, a necessidade de suprimento é sinalizada pela proteína VEGF, que aciona tanto a inibição como a indução lateral. Em equilíbrio, essas duas formas de sinalização permitem a formação de vasos sanguíneos robustos. A inibição lateral leva ao surgimento das células tip (extremidade), que guiam o crescimento dos vasos, enquanto a indu-ção lateral origina as células stalk (has-te), formadoras da parede do vaso. “A célula tip é capaz de se locomover em direção à fonte de VEGF e lidera a for-mação de um novo vaso, já as células stalk, imóveis, multiplicam-se e formam a parede do novo vaso”, explica Boareto.

vASoS RAQUÍtICoSQuando decidiram testar o modelo, Boa-reto e seus colaboradores imaginavam que o crescimento acelerado dos vasos sanguíneos fosse consequência da pro-dução excessiva da proteína delta, que favoreceria o surgimento de um número elevado de células tip. Mas experimentos realizados em 2007 e 2009 indicavam uma contradição. Ao desativar o gene responsável pela produção da proteína delta, passou a ocorrer o crescimento de muitos vasos sanguíneos, bem próxi-mos uns dos outros, como acontece na vizinhança de um tumor. “Os resultados experimentais nos deixaram surpresos”, conta Boareto.

Diferentemente do que se pensava, o sinal de VEGF emitido pelos tumores, combinado com sinais como os da infla-

o funcionamento das proteínas notch. O problema é que, assim, esses medica-mentos impedem a formação de vasos sanguíneos próximo ao tumor e também no restante do corpo, o que pode debili-tar ainda mais a saúde de quem tem cân-cer. O modelo de Boareto e seus colegas abre caminho para uma estratégia dis-tinta: usar um composto que amplifique ainda mais o sinal de VEGF do tumor. Se funcionar como o esperado, esse sinal estimularia uma produção ainda maior de proteínas jagged e a criação de mais vasos. A expectativa, no entanto, é de que sejam vasos excessivamente finos, inca-pazes de conduzir sangue para o tumor.

“São predições empolgantes, ainda aguardando validação experimental”, comentaram por e-mail os pesquisadores brasileiros Renata Pasqualini e Wadih Arap, da Escola de Medicina da Universi-dade do Novo México, nos Estados Uni-dos. Eles dirigem um laboratório que é referência internacional na busca de no-vos tratamentos para diversas doenças, explorando diferenças entre as proteínas de vasos sanguíneos sadios e doentes (ver Pesquisa FAPESP nº 190). Para o casal, o novo modelo pode orientar o desen-volvimento de fármacos que atuem na formação anormal de vasos sanguíneos observada não só em tumores, mas tam-bém na artrite e em doenças associadas a problemas na retina. n

ILU

StR

ão

fa

bio

oT

Ub

o

mação, parece suprimir a produção da proteína delta e aumentar a síntese de jagged, fazendo as células formadoras da parede dos vasos proliferarem.

Jolly e Boareto analisaram com cui-dado as equações de seu modelo até en-tenderem como conciliar o que sabiam sobre o sistema de sinalização notch com os resultados das experiências usando vasos sanguíneos. A solução que encon-traram foi assumir que os vasos raquíti-cos que alimentam os tumores não são como os vasos normais, constituídos de uma célula tip, seguida por várias stalk.

Os pesquisadores sugerem que esses vasos devem ser feitos de células híbridas, com propriedades intermediárias entre as tip e as stalk: não tão móveis quanto as primeiras, nem tão capazes de se multi-plicar quanto as últimas (ver infográfico ao lado). “Nossa hipótese é que o excesso de jagged produz células híbridas, que for-mam muitos vasos finos, pouco maduros e pouco eficientes”, diz Boareto. “O cân-cer parece se aproveitar de mecanismos já existentes, necessários para a sobrevi-vência das células sadias, adaptando-os às suas necessidades”, conta Onuchic.

Para testar essa hipótese e validar o modelo, Boareto explica que serão ne-cessárias experiências que monitorem como as células de um vaso sanguíneo com excesso de jagged respondem à si-nalização de VEGF. “É uma previsão fácil de ser testada”, afirma. “Estamos con-versando com grupos experimentais.”

A hipótese a ser confirmada pode le-var a uma nova maneira de controlar a formação de vasos sanguíneos ao redor de tumores. Os compostos antiangiogê-nese disponíveis hoje bloqueiam a proli-feração de vasos sanguíneos ao obstruir

os compostos antiangiogênese disponíveis hoje podem debilitar ainda mais a saúde de quem tem câncer

Page 58: As estrelas da inovação

58 z janeiro De 2016

Argila fina e alto teor

de metais no material

liberado pelo

rompimento das

barragens em Minas

Gerais podem alterar

dinâmica ecológica

e de sedimentos da

foz do rio Doce

AMbiente y

Os danos escondidos na lama

Maria Guimarães

Quando Valéria Quaresma e Alex Bastos, um casal de especialistas em oceano-grafia geológica, começaram a estudar os sedimentos da costa capixaba junto

à foz do rio Doce, por volta de cinco anos atrás, um dos objetivos era ter uma base para estabele-cer planos de manejo dessa região na qual duas das principais fontes de aporte econômico es-tão em oposição ecológica: a pesca e a extração de petróleo. A primeira depende da saúde do ecossistema costeiro, que pode ser ameaçada por eventuais acidentes resultantes da segunda. A dupla de professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) não imaginava que o conhecimento seria solicitado tão rapidamente. No início de novembro, quando romperam as barragens da mineradora Samarco, em Minas Gerais, eles integraram o grupo de uma centena de pesquisadores organizado pela universidade e logo se prepararam para colher amostras com-parativas. “No dia 21 de novembro a pluma que desceu o rio Doce chegou à foz e já tínhamos o barco preparado”, conta Valéria. No dia seguinte sua equipe coletava amostras da água marinha tingida de laranja.

A primeira caracterização de como se com-portam os sedimentos que o rio normalmente transporta está em um artigo publicado em de-zembro de 2015 pelo grupo de Valéria na revista Brazilian Journal of Geology. Os resultados mos-tram que os sedimentos mais finos passam por um processo rápido de deposição, conhecido como floculação, quando a água doce encontra a salinidade e o pH diferentes do mar. A deposição desse sedimento, classificado como lama terríge-na, se dá principalmente em profundidades de ao menos 10 metros, ao sul de onde o rio Doce

A fina argila em suspensão tingiu de

laranja a foz do rio Doce, a ponto de a garrafa coletora de água (direita) ficar

quase invisível quando submersa 2

1

Page 59: As estrelas da inovação

fOtO

s 1

vA

lér

iA q

uA

re

sMA

/ u

fes

2 M

Ar

co

s D

An

iel

leit

e /

ufe

s

desemboca, para onde são empurrados pelo vento nordeste – o predominante por ali. “Em seguida esse material pode ser ressuspendido e redistribuído para norte, conforme a força e a direção dos ventos e das ondas”, explica Valéria, que mapeou a deposição desses sedimentos não só no trabalho resultante das amos-tras que seu grupo coletou, como em dados compilados no artigo de revisão publicado em novembro de 2015 na re-vista Journal of South American Earth Sciences. Na região ao norte do rio Do-ce, junto à linha costeira, predominam partículas maiores e menos argilosas.

Mesmo com conhecimento da região e com todo o preparo para receber a on-da de lama que percorreu parte de Mi-nas Gerais e do Espírito Santo, causando grandes danos às cidades adjacentes e à ecologia do rio e seus arredores, a avalia-ção do impacto do material oriundo dos rejeitos de mineração não é imediata. O que deu para ver logo de cara é que se trata de um volume espantoso de mate-rial argiloso com partículas muito finas, que não se depositam facilmente. “Não conhecemos esse tipo de sedimento que integra os rejeitos”, conta Valéria, “não sabemos como ele se comporta”. Ela pre-tende acompanhar sua trajetória em uma série de futuras viagens de campo. “Pre-cisamos entre um e dois meses para ver como ficou o fundo.”

A preocupação gerada pela mudança na dinâmica de transporte de sedimen-tos vai muito além de seu papel essencial para a estabilidade da linha de costa. Nas

coletas que já fizeram, os pesquisadores se espantaram com a água completamen-te turva, que tornava difícil enxergar os equipamentos submersos. Essa mudança nas características físicas da água, segun-do Valéria, pode alterar completamente o ambiente necessário à vida dos orga-nismos que vivem no fundo e compõem a base da cadeia alimentar marinha: a comunidade bentônica.

QuíMicaAlém dos sedimentos, também preocupa os pesquisadores o conteúdo da lama em termos químicos. Um componente cuja abundância surpreende pouco, dada a atividade de extração de minério que deu origem ao acidente, é o ferro. Valéria afirma que isso pode ser um problema porque seu excesso pode causar uma proliferação excessiva dos organismos planctônicos (seres microscópicos que flutuam na coluna d’água) e provocar grande desequilíbrio ecológico.

O químico Renato Rodrigues Neto, coordenador do Laboratório de Geo-química Ambiental do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes, está à frente do grupo que vem analisando os elementos presentes na enxurrada de re-jeitos. Por enquanto só foram analisadas amostras de cinco pontos na desembo-cadura do rio Doce, mas já se nota um aumento importante de alguns metais quando se compara antes e depois da chegada da lama. “Aumentaram muito os teores de vanádio, alumínio, ferro, manganês e cromo”, conta o pesquisa-

dor, que no final de dezembro terminou de elaborar um relatório preliminar com esses resultados. Mesmo espantado com o aumento em 50 vezes da concentração de ferro, que seu grupo detectou, esse não é o elemento que o preocupa por ser um nutriente naturalmente disponível.

Mais preocupante foi o teor muito au-mentado de cromo, um elemento que po-de ser tóxico conforme sua apresentação. “Em geral ele ocorre na forma menos tóxica”, explica Rodrigues Neto, “mas ainda não testamos para saber o que exis-te agora”. São análises mais complexas, que exigirão uma parceria com outros laboratórios. Também falta, de acordo com o químico, avaliar se o cromo está numa forma biodisponível, que pode ser absorvida pelos organismos.

A gravidade do acidente levou a uma cobrança por respostas imediatas e à organização rápida de pesquisadores empenhados em encontrá-las. Mesmo assim, entender como o ambiente e os organismos que vivem nele vão reagir e ser afetados requer tempo. Nos próxi-mos meses, deve começar a se delinear o efeito causado nos animais e nas plan-tas da região. n

pEsQuisa fapEsp 236 z 59

Artigos científicosbAstos, A. c. et al. shelf morphology as an indicator of sedimentary regimes: a synthesis from a mixed silici-clastic-carbonate shelf on the eastern brazilian margin. Journal of south american Earth sciences. v. 63, p. 125-36. nov. 2015.quAresMA, v. s. et al. Modern sedimentary processes along the Doce river adjacent continental shelf. Brazilian Journal of Geology. v. 45, n. 4, p. 635-44. dez. 2015.

Page 60: As estrelas da inovação

60 z janeiro De 2016

História evolutiva de vegetação na área

serrana da região Sul ressalta importância

de ecossistema não florestal

evolução y

A riqueza dos campos de altitude

Gilberto Stam

1

Page 61: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 61

os campos de altitude da Serra Geral, no sul do Bra-sil, são encontrados sobre platôs cada vez mais altos à medida que avançam pa-

ra a borda leste, onde a serra de repente despenca em imensos cânions. Vegeta-ção campestre e arbustos predominam nessa área de invernos frios e solo raso, salpicada por afloramentos rochosos, pequenas manchas florestais e regiões encharcadas e ricas em matéria orgâ-nica (turfeiras). A aparente monotonia dos campos, que alguns chamam de “mar de grama”, esconde uma rica biodiver-sidade vegetal, com quase 300 espécies exclusivas da região, muitas delas pouco estudadas até recentemente. “A taxa de endemismo é de 25%, muito maior do que a encontrada na Floresta Atlântica da região”, diz o botânico João Iganci, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Embora muitas plantas dali também existam em outras regiões de altitude, tanto tropicais quanto tem-peradas, é esse endemismo que torna especiais os campos do Sul. “O número total de espécies também é alto e com-parável a outros centros de biodiversida-de, considerando que a área é pequena.”

Iganci, especialista na vegetação dos Campos de Cima da Serra, como são conhecidos na região, faz parte de um grupo da UFRGS e da Universidade Federal de Goiás (UFG) liderado pela geneticista Loreta Freitas, também da UFRGS, que busca compreender a his-tória evolutiva das espécies da região e localizar áreas prioritárias para con-servação. Os pesquisadores dividiram a Serra Geral em quatro regiões (ver mapa), sempre a partir de 900 metros acima do nível do mar, onde a floresta típica da Mata Atlântica dá lugar aos campos e às matas com araucária. A primeira etapa foi mapear a distribui-ção das espécies usando como indicador três gêneros típicos da região, todos eles

com uma abundância de espécies endê-micas (índice de endemismo): Petunia, Calibrachoa e Adesmia. O estudo, parte do doutorado do biólogo Michel Barros, demonstrou que a Área 1, no cume da serra, abriga a maior diversidade, com 13 espécies, seguida pela Área 2, a oeste, com 10 espécies.

Altos índices de endemismo geralmen-te ocorrem em ecossistemas antigos e es-táveis, já que demora muito tempo para

novas espécies surgirem. Parece que foi isso mesmo que aconteceu nos campos de altitude sulinos, de acordo com simu-lações do clima desde 21 mil anos atrás, quando o planeta atingiu sua temperatura mais baixa desde o último ciclo glacial. Os resultados indicam que a Área 1, seguida pela 2, manteve um clima mais estável, confirmando a pista dada pela biodiver-sidade. “No último máximo glacial o cli-ma era mais frio e seco, propício para Fo

toS

1 jo

ão

iga

nc

i / u

frg

S 2

ed

ua

rd

o c

eSa

r

Paisagens do alto da serra: gramíneas,

arbustos, araucárias e despenhadeiros

abruptos

2

Page 62: As estrelas da inovação

62 z janeiro De 2016

o desenvolvimento dos campos, o que permitiu que espécies desse ambiente avançassem sobre áreas mais úmidas e quentes, onde antes predominavam flo-restas”, conta Loreta. “Ao migrar para regiões para as quais não estavam adap-tadas, as espécies campestres se diversi-ficavam, dando origem a novas espécies e linhagens.” Durante esse período, houve expansão dos campos em direção a locais de menor altitude, ao norte. Mas, com o aquecimento gradual e aumento da umi-dade, as florestas voltaram a se expandir e ocupar regiões de campos que, por sua vez, se tornaram restritos às regiões mais altas, onde estão hoje.

As florestas com araucária – que di-videm o mesmo ambiente, formando mosaicos com os campos – também ti-

veram um papel importante. “Ao lon-go do tempo, ocorreu uma competição constante entre campo e essas florestas, com uma alternância entre ambientes dependendo das condições climáticas”, diz Iganci. Essa dinâmica, que ainda ho-je existe, pode ter sido responsável pela separação de determinadas populações que acabaram formando novas espécies. “Esse parece ter sido o caso de algumas petúnias polinizadas por abelhas”, diz Loreta. “Essas abelhas não conseguiam atravessar as florestas com araucária, que assim provocavam um bloqueio no fluxo gênico entre populações.”

Os pesquisadores observaram também que a biodiversidade fica menor nas di-reções oeste e norte, conforme diminui a altitude e a umidade que vem do mar. “Os resultados para biodiversidade se re-ferem apenas aos grupos estudados, mas são espécies altamente representativas da região”, diz Loreta. “Também obser-vamos uma forte correlação da biodiver-sidade com o clima e a altitude.” Além de indicar áreas prioritárias e ajudar a

entender a origem da biodiversidade da região, o estudo contribui para revelar uma riqueza antes desconhecida. “Até pouco tempo atrás os Campos de Cima da Serra vinham sendo completamente negligenciados em estudos que levam em conta os aspectos ecológicos, evo-lutivos e conservacionistas”, diz Iganci. O pesquisador, que fez várias viagens de coleta nos últimos 10 anos, alerta para a degradação do ecossistema e identifica sua principal ameaça: o avanço da silvi-cultura, que consiste em plantações de pinheiro e eucalipto.

pErcEpção cAmpEStrEO estudo contraria a ênfase dada às flo-restas que limita os esforços de preser-vação de campos no mundo todo. Um grupo de especialistas em ecossistemas campestres do Brasil, Estados Unidos, França, Bélgica e África do Sul tenta mu-dar essa percepção ressaltando, dentro e fora da comunidade científica, a alta biodiversidade dos campos, que devem ser vistos como ecossistemas antigos,

1 gramínea Elyonurus

2 cravo-do-campo (Trichocline macrocephala)

3 Plantio de Pinus em campo

4 Petúnia Calibrachoa sellowiana

1

2

43

Page 63: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 63

artigos científicosveldman, j. W. et al. Toward an old-growth concept for

grasslands, savannas, and woodlands. Frontiers in Eco-logy and Environment. v. 13, n. 3, p. 154-62. abr. 2015.

BarroS, m. j. f. et al. environmental drivers of diversity

in Subtropical Highland grasslands, perspectives in plant Ecology, Evolution and Systematics. v. 17, n. 5, p. 360-8.

out. 2015.

cuja história evolutiva de milhões de anos tem íntima relação com o fogo e a presença de animais herbívoros. Muitas plantas apresentam adaptações como caules subterrâneos e são capazes de brotar rapidamente após a queima e com órgãos subterrâneos como tubérculos, rizomas e bulbos, que armazenam água e amido em local protegido.

“A diversidade de plantas e também de outros grupos dos ambientes de campo e de savana no Brasil pode ser conside-rada equivalente àquela das florestas”, diz o ecólogo Gerhard Overbeck, espe-cialista em vegetação campestre, também da UFRGS. “Temos de levar em conta também a área ocupada por esses ecos-sistemas. O Pampa, por exemplo, ocupa pouco mais de 2% do Brasil, mas contém mais de 2.150 espécies de plantas apenas em ambientes de campo”, completa. Se-gundo ele, em algumas regiões campes-tres no sul do Brasil é possível encontrar mais de 50 espécies de plantas por metro quadrado, incluindo um grande número de espécies de gramíneas. Muitas plantas

de ambientes campestres têm um longo ciclo de vida, como algumas do gênero Vellozia, que ocorrem nos campos rupes-tres no Brasil Central, que demoram 100 anos para chegar à idade reprodutiva e podem viver até 500 anos. O problema é que os sinais de antiguidade no cam-po são mais difíceis de visualizar que o perímetro das árvores ou o acúmulo de matéria orgânica nas florestas.

vAlorIzAção hUmAnAOs campos também prestam importan-tes serviços ecológicos. “Esses ecossiste-mas são fundamentais na regulação do ciclo hidrológico, pois além de a vegeta-ção reter muito menos água das chuvas do que o dossel das florestas, as abun-dantes raízes finas funcionam como uma esponja que libera a água aos poucos pa-ra os rios e aquíferos”, diz a engenheira florestal especialista em Cerrado Giselda Durigan, do Instituto Florestal do Esta-do de São Paulo, em Assis. Além disso, o solo abriga tubérculos, bulbos e rizo-mas, adaptações das plantas que ajudam

a reter água na estação seca e permitem que elas resistam ao fogo e à herbivo-ria, desafios comuns nesses ambientes. “Essas estruturas contribuem para o se-questro de carbono, embora isso ainda não esteja quantificado”, diz Giselda. “Os solos são complexos e levam muito tempo para se formar. Se degradados, a recuperação é dificílima.”

A falta de conhecimento sobre a eco-logia dos campos tem levado a políti-cas de conservação equivocadas, como o incentivo à silvicultura, com resulta-dos desastrosos para a biodiversidade e para os serviços ecológicos. “As árvores fazem sombra, impedindo o crescimen-to das plantas herbáceas ávidas por sol e reduzindo a biodiversidade”, diz Gisel-da. “Além disso, fazem com que 20% a 30% da água da chuva evapore antes de chegar ao solo.” Outro exemplo de pro-teção às avessas é a proibição da “sape-cada”, queima provocada pelos pecua-ristas serranos para manejo do pasto e proibida em 1992 pelo Código Florestal Estadual do Rio Grande do Sul. Giselda afirma que o fogo, assim como o gado (desde que não sejam excessivos), evita o adensamento das árvores, ajudando a manter estável a estrutura e a diversida-de da vegetação campestre. Além disso, a variedade de gramíneas natural desses ambientes pode tornar a carne mais sau-dável do que a de animais confinados.

O grupo internacional de especialistas, do qual fazem parte Giselda e Gerhard, publicou em 2015 um artigo no qual pro-põe o conceito de “campos antigos” (old growth grasslands, em inglês), um adjetivo em geral aplicado a florestas maduras. Os autores chamam a atenção para carac-terísticas específicas de ecossistemas de campo de savana que exigem estratégias de conservação distintas. Ao ampliar a compreensão desses ambientes, eles tam-bém esperam contribuir para inserir os campos na pauta do movimento ambien-talista, lançando um novo olhar sobre es-ses ecossistemas que ajude a enxergar as riquezas escondidas no “mar de grama”. n

Foto

S 1

E 2

ilSe

Bo

ldr

ini /

ufr

gS

3 v

alé

rio

Pil

la

r /

ufr

gS

4 je

fer

Son

fr

ego

ne

zi /

ufr

gS

mA

pA a

lex

an

dr

e a

ffo

nSo

onde estiveram e estãozonas estáveis desde o último máximo glacial conservam riqueza

FontE micHel BarroS

Alto da serrao estudo examinou três gêneros vegetais nos campos em altitudes acima de 900 metros (cinza). as áreas mais diversas nas plantas estudadas (1 e 2) coincidem com as que permaneceram propícias à vegetação

Sobreposição das distribuições nos últimos 20 mil anos apontadas por modelagem ecológica

n 1 gênero

n 2 gêneros

n 3 gêneros

vales que separam áreas

Pr

Sc

rS

Área 1

Área 2

Área 3

Área 4

argenTina

Paraguai

uruguai

Page 64: As estrelas da inovação

64 z janeiro De 2016

Região da desembocadura do rio, entre o Pará e o Amapá,

abriga a ocorrência mais ao norte de corais no litoral do Brasil

Distante 86 quilômetros da cos-ta do Maranhão, o parcel de Manuel Luís é o maior banco de corais da América do Sul.

Seus recifes, com profundidade entre 15 e 45 metros (m), abrangem uma área de cerca de 69 quilômetros quadrados. A seus paredões submersos são atribuídos os naufrágios de duas centenas de em-barcações desde o século XVI até o XX. Protegido pelo status de parque estadual

ecologiA y

Recifes na foz do Amazonas

marinho, o parcel é tradicionalmente descrito como a ocorrência de recifes

de corais mais setentrional do litoral brasileiro. Agora essa condição é

colocada em dúvida por um novo estudo. Segundo artigo cientí-fico publicado em outubro no periódico Bulletin of Marine Science por biólogos do Grupo de Pesquisa em Antozoários (GPA) da Universidade Fede-ral de Pernambuco (UFPE),

existem ambientes recifais um pouco mais profundos e qua-

se desconhecidos, cerca de 550 quilômetros (km) ao norte do parcel, em fren-te à foz do rio Amazonas, entre os estados do Pará e do Amapá. A maior parte dos corais foi encontrada a profundidades que variam entre 30 e 125 m, ao longo da chamada zona mesofó-tica, onde incide pouca luz.

Depois de rever a litera-tura científica sobre o tema e vasculhar os registros de co-letas marinhas feitas desde os

Marcos Pivetta

anos 1950 perto do delta do maior rio do mundo, a equipe concluiu que existem ao menos 38 espécies de corais nessa região. A maioria das espécies identificadas (27) é da subclasse dos octocorais ou corais moles, que apresentam oito tentáculos em seus pólipos e incluem as gorgônias, corais azuis e penas-do-mar. Nove espé-cies são de corais pétreos, também de-nominados corais verdadeiros (ordem Scleractinia), uma de coral negro (ordem Antipatharia) e uma de hidrocoral ou co-ral de fogo (ordem Anthoathecata). As amostras analisadas no estudo perten-

cem às coleções do Museu de Ocea-nografia Dr. Petrônio Alves Coe-

lho, da UFPE, e do Smithsonian National Museum of Natural History (EUA). Também fo-ram identificados exemplares coletados na região durante as atividades do projeto Pia-tam Oceano, tocado por uni-versidades brasileiras com patrocínio da Petrobras, que fez coletas de animais

marinhos na década passa-da entre as costas do Pará e

Amapá.

Page 65: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 z 65

Foto

S A

lf c

oR

dei

Ro

IM

Ag

EM M

APA

eA

Rt

h o

Bse

Rv

At

oR

y /

NA

sA, c

om

iNfo

Rm

õe

s d

e c

oR

dei

Ro

et

al.

onde estão os corais mais setentrionais do paísAs formações se situam ao norte do parcel de manuel luís e distam entre 40 e 250 km das costas paraense e amapaense

cinco espécies de corais pétreos

(ordem scleractinia)

encontradas perto da foz do

Amazonas: ocorrência na zona

mesofótica, onde incide pouca luz

AmApá

pArá

mArAnhão

rio Amazonas

parcel de manuel Luís

Corais na foz do rio Amazonas

Page 66: As estrelas da inovação

66 z janeiro De 2016

A descoberta de colônias desses in-vertebrados marinhos ao largo do delta do Amazonas, entre 40 e 250 km mar adentro em relação à costa, foi uma sur-presa. “Os rios são considerados obstá-culos naturais à ocorrência de corais e o Amazonas sempre foi visto como uma barreira importante para a formação de recifes”, afirma o biólogo Ralf Cordeiro, primeiro autor do estudo. O Amazo-

nas carrega uma enorme quantidade de sedimentos para o oceano e tur-va as águas marinhas. Esse efeito

do rio sobre o oceano é captado em imagens de satélite, como a

usada nesta reportagem para ilustrar os lugares de ocorrên-cia dos corais na região Nor-te. Com menos luz incidindo em suas águas superficiais, os arredores do delta são um

local inóspito para a prolifera-ção de corais. O volume de água

doce despejado em sua foz também altera consideravelmente a salinidade do Atlântico. Sozinho, o Amazonas res-

ponde por 18% de toda a água doce que corre para os mares do planeta. Tudo isso dificulta a proliferação de corais, seres vivos que ocorrem em ambien-tes marinhos com parâmetros rígidos, como salinidade entre 3,45% e 3,64% e temperatura entre 24,5 e 28,3 graus Celsius (ºC). Estudos anteriores feitos na região estimam que a influência da água despejada pela boca do Amazonas no Atlântico pode ser sentida a uma dis-tância de até 500 km das costas do Pará e do Amapá.

oáSIS dE vIdAAs adversidades das condições locais provavelmente explicam a ausência de corais nas águas mais superficiais da foz do Amazonas e a concentração desses in-vertebrados marinhos em trechos mais profundos do Atlântico. De acordo com esse cenário, a existência de recifes em águas rasas se torna quase impossível naquela região, mas, à medida que a pro-fundidade aumenta, surgem brechas para o surgimento de oásis de vida. “Depois

Foto

S 1

RA

lf c

oR

dei

Ro

2 m

iNis

téR

io d

o m

eio

Am

Bie

Nt

e 3

hei

to

R e

vA

Ng

elis

tA 4

NA

sA /

go

dd

AR

d s

PAc

e fl

igh

t c

eNt

eR

o buraco na camada do gás ozônio (o3) sobre a Antártida, que surge durante a primavera no hemisfério sul, pode ter um importante papel em uma alteração em curso no Atlântico tropical cerca de 8 mil km ao norte do continente gelado: a diminuição na taxa de crescimento dos recifes de corais em Abrolhos, no sul da Bahia, desde os anos 1980. Um estudo de pesquisadores brasileiros, franceses e taiwaneses publicado em 17 de agosto no periódico Biogeosciences Discussions sugere que há uma forte correlação entre os dois fenômenos, apesar da enorme distância que os separa.

de acordo com o trabalho, o buraco de ozônio intensificou os ventos do oeste, que, mais fortes, passaram a levar mais águas superficiais quentes para o trecho de mar próximo ao litoral do Nordeste. dados de modelos climáticos indicam que a temperatura

média anual das águas no sul da Bahia subiu 1ºc, de 24,8°c para 25,8ºc, entre 1948 e 2006. sensíveis a mínimas variações na temperatura do oceano, os corais de Abrolhos, situados cerca de 40 km da costa, começaram a crescer menos nas últimas quatro décadas. “testamos vários parâmetros que poderiam estar por trás do aquecimento das águas em Abrolhos, como o próprio aquecimento do clima global e o fenômeno el Niño”, afirma o geofísico heitor evangelista, do laboratório de Radiologia e mudanças globais da Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj), principal autor do estudo. “o que melhor explica essa mudança é a existência do buraco de ozônio, que modifica os ventos do oeste ao redor da Antártida e, consequentemente, a estrutura dos ventos no Atlântico sul.”

Para determinar a evolução dos recifes de Abrolhos, os cientistas coletaram três amostras de duas espécies de corais-cérebro da região, a Siderastrea stellata e a Favia leptophylla. As amostras eram de colônias sadias e foram obtidas na forma de testemunhos, pequenas colunas verticais de 28 ou 50 centímetros de altura que podem ser usadas para inferir a taxa de crescimento dos corais ao longo do tempo. As duas espécies mostraram uma queda em seu ritmo de crescimento, sobretudo a partir de meados da década de 1970 e início dos anos 1980. embora o buraco de ozônio sobre a Antártida tenha sido identificado em 1985, seus efeitos sobre o clima antecedem a sua descoberta.

coleta em recife de Abrolhos (acima) e representação do buraco de ozônio (em azul) na Antártida: Atlântico mais quente afeta crescimento de corais

Conexão Antártida-AbrolhosProcessos climáticos induzidos pelo buraco de ozônio podem estar associados a menor crescimento de corais no sul da Bahia

Nidalia occidentalis: uma das 27 espécies de octocorais encontradas nos arredores da foz do Amazonas

3

1

Page 67: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 z 67

Artigos científicoscoRdeiRo, R.t. s. et al. mesophotic coral ecosystems occur offshore and north of the Amazon River. Bulletin of Marine Science. v. 91, n. 4, p. 491-510. out. 2015.evANgelistA, h. et al. southwestern tropical Atlantic coral growth response to atmospheric circulation changes induced by ozone depletion in Antarctica. Biogeosciences discussions. 15 ago. 2015.

de uns 25 m de profundidade, a influên-cia dos sedimentos e da água doce do rio é menor e as condições se tornam melhores para a existência de corais”, explica Cordeiro.

A existência de corais de profundida-de nas proximidades dos litorais do Pará e Amapá indica um padrão de ocorrên-cia diferente do que se verifica nos pon-tos da costa brasileira onde há recifes. Em Abrolhos, no sul da Bahia, e mesmo no parcel de Manuel Luís, essas forma-ções costumam se situar em águas rasas, de até 30 m de profundidade. Alguns corais identificados na boca oceânica do Amazonas são endêmicos do Brasil, capazes de construir recifes verdadei-ros, como o coral-cérebro Mussismilia hispida. Isso é um indicativo de que pode haver ecossistemas recifais de tamanho

razoável a média profundidade naquela região, embora por ora não haja infor-

mações detalhadas sobre sua extensão.

Os pesquisadores da UFPE acreditam que boa parte dos corais no delta do Amazonas é originária de populações ancestrais do Caribe. “Pode ter existido – ou talvez ainda exista – um corredor de corais na zona mesofótica entre o Caribe e o Atlântico”, diz o biólogo Carlos Daniel Pérez, coor-denador do GPA e profes-sor do Centro Acadêmico de Vitória da UFPE, coau-tor do estudo. Alguns traba-lhos sugerem que os corais da América Central e os do

Norte do Brasil estiveram unidos num passado remoto. Um dado que corrobora essa hipótese é que mais da metade das espécies de corais da ordem Scleractinia encontradas na costa brasileira também está presente no Caribe. A maior parte dos estudos estima que a fauna marinha das duas regiões divergiu evolutivamente entre 5 e 16 milhões de anos atrás, jus-tamente quando o Amazonas passou a desaguar no Atlântico.

EStUdoS CoM vídEo E FotoSPara Alberto Lindner, biólogo da Uni-versidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o artigo de Cordeiro e de seus colegas da UFPE aumenta considera-velmente o conhecimento sobre a pre-sença de corais no entorno do delta do rio Amazonas e desbanca o parcel de

Manuel Luís como o limite mais ao nor-te da distribuição geográfica desses in-vertebrados marinhos ao longo da cos-ta do país. “Apesar de estudos anterio-res indicarem a existência de esponjas, peixes recifais e de algumas espécies de corais na foz do Amazonas, o novo estudo surpreende ao contabilizar re-gistros inéditos de mais de 20 espécies de corais nessa região”, afirma Lindner, coordenador do projeto Biodiversidade Marinha do Estado de Santa Catarina e estudioso dos corais.

Por ser uma região de difícil acesso para a realização de coletas no Atlânti-co, a foz do Amazonas apresenta regis-tros incompletos da ocorrência de seres marinhos. As águas turvas e revoltas são um desafio para os estudos oceanográfi-cos e dificultam atividades de mergulho autônomo. Os pesquisadores acreditam que o trabalho de caracterização da área terá de ser feito com o auxílio de veículos submarinos operados remotamente, vis-to que há corais a profundidades acima dos 100 m. “Em razão do aquecimento global, da acidificação dos oceanos e de outras ameaças aos corais, como a pes-ca de arrasto, recomendamos a realiza-ção de levantamentos fotográficos e de vídeo para conhecermos melhor essas comunidades marinhas altamente ne-gligenciadas”, diz Pérez. n

os pesquisadores envolvidos no trabalho acreditam ter identificado uma teleconexão climática – um fenômeno em um canto do planeta capaz de causar repercussões em outra parte do globo – com implicações sobre o ambiente marinho no sul da Bahia. “A influência da Antártida na circulação atmosférica já é conhecida”, diz a professora ilana Wainer, do instituto oceanográfico da Universidade de são Paulo (io-UsP). “Novo é esse impacto no Atlântico tropical, especificamente com relação ao crescimento de corais.” especialista em modelos climáticos sobre a interação do oceano com a atmosfera na região antártica, ilana é coautora do paper.

2

4

Parcel de manuel luís: corais em águas mais rasas do que nas costas do Pará e do Amapá

Page 68: As estrelas da inovação

68 z janeiro De 2016

Pesquisadores tentam compreender

as reações que ocorrem no

interior de estrelas como o Sol

Para entender melhor como a matéria na forma de gás quente e ionizado se move dentro das es-trelas, uma equipe internacional

liderada pelo astrônomo peruano Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Uni-versidade de São Paulo (USP), comparou as quantidades dos elementos químicos berílio e lítio observadas na superfície do Sol e de outras sete estrelas semelhantes encontradas na Via Láctea. “Não podemos enxergar o interior das estrelas, vemos apenas a luz de suas camadas exteriores”, explica Marcelo Tucci Maia, aluno de doutorado de Meléndez e primeiro autor do novo estudo, publicado em março de 2015 na revista Astronomy & Astrophysics. “A abundância desses elementos funciona como uma sonda para investigar o que acontece no interior estelar.”

A conclusão do estudo é de que a maté-ria na superfície de estrelas parecidas com o Sol pode se misturar com a de camadas mais profundas do que muitos pesquisa-dores imaginavam, mas não tão internas quanto outros propunham. Meléndez e seus colegas usaram o Very Large Teles-cope (VLT), do Observatório Europeu Austral (ESO) em Monte Paranal, Chile, para observar o Sol e mais sete estrelas,

ASTRONOMIA y

investigação

solarescolhidas por possuírem massa e compo-sição química muito próximas às solares, mas idades bastante diferentes. Enquanto o Sol tem 4,6 bilhões de anos de idade, a estrela mais jovem do estudo tem apenas 500 milhões de anos e a mais velha, 8,2 bilhões de anos. “É como se pudéssemos acompanhar a evolução do Sol, desde jovem até muito velho”, Maia explica.

A equipe de Meléndez já havia publi-cado outros estudos sobre esses mesmos astros e mostrado que, quanto mais velha a estrela, menos lítio ela tem em sua su-perfície. Esses resultados confirmaram indicações de estudos anteriores que in-dicavam que estrelas semelhantes ao Sol destroem lítio à medida que envelhecem.

A maior parte do lítio do Universo foi criada na origem dos tempos, a explosão do Big Bang, há cerca de 13,6 bilhões de anos. Considerado um elemento relati-vamente frágil, o lítio é destruído por diversos tipos de reações nucleares que acontecem no interior das estrelas a tem-peraturas superiores a 2,5 milhões de graus Celsius. Dentro do Sol, segundo os modelos-padrão de evolução este-lar, temperaturas tão altas só ocorrem a grandes profundidades, próximo do núcleo, em uma região chamada de zona radiativa. A temperatura na zona radiati-

va varia de 15 milhões de graus, próximo ao núcleo, até 1,5 milhão de graus, mais externamente. Logo acima da camada radiativa, na chamada zona convectiva, a temperatura diminui gradualmente de 1,5 milhão de graus até alcançar 6 mil graus na superfície da estrela.

Na zona radiativa, a energia produzida no núcleo por meio da fusão de elemen-tos químicos (fusão nuclear) é transpor-tada para regiões mais externas pelas partículas de luz (fótons), enquanto a ma-téria permanece relativamente imóvel. Já na zona convectiva, o transporte de energia é diferente. A matéria é aquecida na vizinhança da zona radiativa e sobe até próximo da superfície, onde libera calor e afunda novamente.

Até recentemente, os astrônomos su-punham que a matéria da zona radiativa não se misturava com a matéria da zona convectiva. As observações de Meléndez e seus colaboradores, entretanto, indicam que isso deve ocorrer de alguma forma; caso contrário, não seria possível explicar o desaparecimento do lítio na superfície das estrelas. Outros pesquisadores vêm modificando as equações matemáticas que descrevem a estrutura interna das estrelas para levar em conta outros fe-nômenos físicos que permitiriam o trans-

Page 69: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 69

JeN

Ny

MO

TTA

R /

NA

SA

ProjetoHigh precision spectroscopy: impact in the study of pla-nets, stars, the galaxy and cosmology (nº 2012/24392-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Jorge Luiz Meléndez Moreno (IAG-USP); Investimento R$ 337.292,40 (para todo o projeto).

Artigo científicoTUCCI MAIA, M. et al. Shallow extra mixing in solar twins inferred from Be abundances. Astronomy & Astrophysics. v. 576. abr. 2015.

porte do material da zona convectiva para regiões mais profundas e quentes. Eles, no entanto, ainda debatem quais seriam esses fenômenos. Alguns defendem que essa mistura adicional seria provocada pela rotação da estrela. Outros imaginam que outros processos, como o padrão de difusão dos núcleos atômicos em um nível microscópico, sejam mais importantes.

Para jogar alguma luz nesse debate, Maia, Meléndez e seus colegas decidiram analisar a abundância de outro elemento químico frágil, o berílio. Assim como o lítio, o berílio é destruído por reações nu-cleares. Mas apenas por aquelas que acon-tecem a 3,5 milhões de graus. “O berílio é um dos elementos químicos mais difíceis de se observar, pois é difícil isolar a sua assinatura na luz da estrela”, diz Maia.

De acordo com o estudo da Astronomy & Astrophysics, a superfície de uma es-

trela com o porte do Sol perde muito pouco berílio ao longo de sua evolução. Segundo Maia, essa característica, me-dida agora pelo grupo, estabelece uma profundidade máxima em que a mistura do material da zona radiativa com o da zona convectiva pode ocorrer. A mis-tura deve acontecer em profundidades nas quais a temperatura chega a 2,5 mi-lhões de graus e não deve ir muito além, parando na região em que ela alcança os 3,5 milhões de graus. Esse compor-tamento permitiria explicar por que ao longo da vida dessas estrelas quase não ocorre destruição de berílio, con-sumido a temperaturas mais elevadas, ao passo que uma proporção maior de lítio é destruída.

O resultado já ajudou a descartar um dos modelos astrofísicos de evolução de estrelas como o Sol. Mas as incertezas

Fótons vindos do núcleo são absorvidos pelas partículas de matéria e depois reemitidos nessa região em que as temperaturas variam de 15 milhões de graus, nas camadas mais profundas, a 1,5 milhão, na mais superficial

Zona radiativa

É a camada imediatamente superior à fotosfera. A temperatura inicialmente decresce de 5.700 graus para cerca de 3.600 e depois volta a subir até alcançar cerca de 35 mil graus na parte mais externa dessa camada

Cromosfera

Região mais interna, densa e quente do Sol, com temperaturas da ordem dos 15 milhões de graus. Sob a força da gravidade, núcleos de hidrogênio se fundem e liberam energia na forma de fótons, que escapam para a zona radiativa

Núcleo

É a camada mais interna da atmosfera solar, com temperaturas em torno de 5.700 graus. Toda a luz visível do Sol provém da fotosfera

Fotosfera

A temperatura diminuí de 1,5 milhão de graus, na região mais interna dessa zona, para cerca de 6 mil graus, na mais externa. essa diferença de temperatura faz a matéria aquecida na vizinhança da zona radiativa subir e liberar energia próximo à superfície

Zona de convecção

Anatomia de uma estrelaMovimentos de convecção transportam matéria de regiões profundas para a superfície de astros como o Sol

Fonte LIvRO Mysteries of the sun - NASA e WIkIPedIA

nas observações ainda não permitem dis-tinguir qual seria o modelo mais correto entre os vários existentes. A equipe de Meléndez espera esclarecer ainda mais a questão ao incluir em suas análises os dados de outras nove estrelas semelhan-tes ao Sol, observadas em julho de 2015 com o telescópio japonês Subaru, ins-talado no monte Mauna Kea, no Havaí, Estados Unidos. n Igor Zolnerkevic

1

2

3

4

5

Page 70: As estrelas da inovação

70 z janeiro De 2016

tecnologia EngEnharia aEroEspacial y

protótipo do amazonia 1 serviu para demonstrar que os componentes são mantidos dentro dos limites das temperaturas extremas do espaço

Page 71: As estrelas da inovação

peSQUiSa FapeSp 239 z 71

amazonia 1 desenvolvido no país

vai monitorar recursos naturais e

ajudar no combate ao desmatamento

Se tudo correr como planejado, o Brasil deverá lançar em 2018 o primeiro satélite nacional de médio porte inteiramente projetado e construído no país. Batizado de Amazonia 1 (sem acento), o artefato foi desenvolvido

nos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e terá como missão monitorar os recursos naturais do país. Trata-se de um satélite de observação da Terra, o primeiro feito a partir da plataforma multimissão (PMM), uma estrutura genérica criada pelo Inpe para a fabricação de satélites na classe de 500 quilos. O Amazonia 1 será lançado em uma órbita de 750 quilômetros e passará sobre o Brasil a cada cinco dias. Dotado de uma câmera capaz de fazer imagens de uma faixa de 850 quilômetros de largura, o satélite vai auxiliar no controle do desmatamento da floresta amazônica, na previsão de safras agrícolas, no monitoramento de zonas costeiras e no gerenciamento de recursos hidrográficos. “O Amazonia 1 é o primeiro satélite de alta complexidade proje-tado, montado e testado no país”, diz o pesquisador Adenilson Roberto da Silva, responsável no Inpe pela área de satélites baseados na PMM. “Com ele, como vários outros países, vamos dominar o ciclo completo de desenvolvimento de satélites estabilizados em três eixos.” Artefatos com essa característica podem alterar em órbita a sua posição e orientação em relação à Terra, o que permite focalizar melhor os pontos escolhidos. Já foram gastos R$ 183 milhões no desenvolvimento do satélite e serão necessários aproximadamente mais R$ 50 milhões

Yuri Vasconcelos

léo

ra

mo

s

Satélite brasileiro

Um

Page 72: As estrelas da inovação

72 z janeiro De 2016

voo, programados para acontecer em 2017. Essa é a última etapa antes da con-clusão do satélite”, conta Adenilson. O Inpe ainda não definiu quando e qual foguete fará o lançamento do satélite, mas a escolha deverá recair sobre os lan-çadores hoje disponíveis no mercado internacional, porque o país ainda não tem um foguete para esse fim. O satélite foi qualificado para ser compatível com uma família de lançadores, tais como o ucraniano Dnepr, o norte-americano Mi-notaur-C e o europeu Vega, entre outros.

Classificado como um satélite para sensoriamento remoto de órbita polar baixa, o Amazonia 1 vai orbitar o plane-ta passando pelos dois polos, vindo do Norte em direção ao Sul, e sobrevoando o Brasil durante o dia. Ele cruzará a linha do Equador sempre às 10h30. Orbitando a uma velocidade de 7,5 quilômetros por segundo, ele levará 100 minutos para cir-cundar a Terra. Um aspecto importante

do satélite é o sobrevoo sobre o mesmo ponto em terra a cada cinco dias, período chamado de revisita. Para efeito de comparação, a revi-sita do Satélite Sino--Brasileiro de Recursos Terrestres (Cbers), sé-rie de satélites feita em conjunto com a China, acontece a cada 26 dias. “O so brevoo rápido do Amazonia 1 aumenta a probabilidade de sua câmera captar imagens úteis”, explica Adenil-son. O Amazonia 1 terá uma câmera com reso-

lução de imagem de 60 metros (m) por 60 m, enquanto o Cbers-4 tem várias câmeras sendo que a de maior resolução tem 5 m por 5 m.

O Amazonia 1 deverá voar 25 anos de-pois do lançamento do primeiro satéli-te totalmente feito no Brasil, o Satélite de Coleta de Dados 1 (SCD-1), em 1993. Cinco anos depois, em 1998, outro saté-lite dessa mesma família, o SCD-2, foi colocado em órbita. Esses artefatos, ain-da em atividade, recebem informações ambientais transmitidas por plataformas de coleta de dados instaladas em locais remotos do território nacional e as en-viam para estações terrenas do Inpe em Cuiabá, em Mato Grosso, e em Alcântara,

para a sua conclusão, totalizando R$ 233 milhões. Esse valor está relacionado não apenas ao custo do satélite mas também ao desenvolvimento dos sistemas e equi-pamentos. “Um segundo satélite custará algo próximo à metade desse valor”, diz Adenilson. “Estou otimista que, a partir desse satélite, nós possamos não só aten-der a demanda do país como exportar, de forma semelhante à indústria aero-náutica brasileira”, diz Leonel Perondi, diretor do Inpe. O Amazonia 1 integra o Programa Nacional de Atividades Es-paciais (Pnae) sob a responsabilidade da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Em dezembro, o Inpe concluiu com êxito os testes térmicos do satélite, uma etapa importante do desenvolvimento quando são simuladas as condições que ele enfrentará em órbita. “No espaço, o satélite será submetido à radiação es-pacial e a temperaturas extremas. As partes mais expostas enfrentarão tem-peraturas de cerca de -80ºC no período noturno e +80ºC nas horas iluminadas”, destaca Adenilson.

Antes dessa bateria de testes, feita no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Inpe, em São José dos Campos (SP), o Amazonia 1 já havia sido submetido com sucesso a outros ensaios. No fim de 2013, um modelo estrutural – espécie de réplica do próprio satélite – foi sub-metido a ensaios mecânicos que simu-laram as condições de vibração e acústi-

ca que ele irá expe-rimentar durante o lançamento. Pouco depois, nos primei-ros meses de 2014, foram qualificados os propulsores a se-rem empregados no artefato. Desenvol-vidos pela empresa brasileira Fibrafor-te, também de São José dos Campos, os seis propulsores que equiparão o sa-télite são essenciais para a realização de manobras no espa-ço, necessárias para a aquisição e a ma-nutenção da órbita.

“Com a qualificação do modelo térmi-co, já estão em andamento as atividades de uma nova etapa: a integração e testes do modelo elétrico, quando iremos veri-ficar a compatibilidade elétrica e testar as interfaces entre todos os subsistemas e equipamentos. Esses ensaios devem ocorrer em 2016”, explica Adenilson. Também estão previstos para este ano os testes de compatibilidade eletromagné-tica para demonstrar que todos os sub-sistemas do satélite estão funcionando perfeitamente, sem gerar interferências indevidas. “Se tudo correr bem, partimos para a integração e testes do modelo de

o amazonia 1 dará uma volta na terra em 100 minutos e sobrevoará a mesma região a cada cinco dias

Page 73: As estrelas da inovação

peSQUiSa FapeSp 239 z 73

foram qualificados pela Equatorial. Essa mesma câmera, com poucas diferenças, está instalada no Cbers-4.

A Equatorial também ficou respon-sável pelo desenvolvimento do grava-dor digital de dados (DDR, na sigla em inglês) do satélite e coube à Omnisys, de São Bernardo do Campo (SP), a fa-bricação do terminal de processamento remoto (RTU), que faz a interface entre a câmera WFI e o computador de bordo, do transmissor de dados em banda X, que vai enviar as imagens feitas para o controle em terra, além da antena desse transmissor. Já o conversor de voltagem foi encomendado à AEL Sistemas, de Porto Alegre (RS). Os painéis solares, que geram energia para funcionamento do satélite, foram produzidos pela Orbital.

O instituto se encarregou do desenvol-vimento e da finalização de vários subsis-temas, entre eles o de controle térmico, o de provimento de energia, incluindo os painéis solares, e o de telemetria e telecomando de serviços – esses dois últimos também tiveram participação da empresa Mectron, de São José dos Campos. A estrutura do satélite ficou a cargo da Cenic Engenharia, também de São José dos Campos, enquanto o sub-sistema de controle de atitude e trata-mento de dados foi desenvolvido por meio de um acordo de transferência de tecnologia com a empresa argentina In-vap. “Uma vez completado o ciclo de de-senvolvimento do Amazonia 1, teremos o domínio de toda a cadeia de fabricação de um satélite desse porte, o que vai nos permitir partir para projetos maiores e voltados para outras aplicações”, diz Adenilson. “Geramos competência nas

no Maranhão. Os dados coletados (tem-peratura, pressão, umidade, pluviometria etc.) são usados para diversas aplicações, tais como previsão de tempo, estudos re-lacionados a correntes oceânicas e marés e planejamento agrícola, entre outros.

As diferenças entre os dois satélites são grandes. O segundo pesava apenas 115 quilos, cerca de um quinto dos pou-co mais de 500 quilos do Amazonia 1. O sistema de estabilização dos artefatos também é outro. Os satélites da família SCD são estabilizados no espaço por ro-tação e se comportam em órbita como se fossem um pião, girando em torno do próprio eixo. “O único controle que te-mos é sobre sua velocidade de rotação. Ele fica sempre apontado para o mesmo ponto no espaço e seria impossível repo-sicioná-lo para monitorar um desastre ambiental com mais detalhes”, explica Adenilson. Já o Amazonia 1, como é es-tabilizado em três eixos, pode ter sua câmera apontada para qualquer lugar em busca da imagem desejada. Os dois satélites também diferem no controle da órbita. Como não possui um subsis-tema de propulsão, o SCD se aproxima da Terra algumas dezenas de metros a cada ano, enquanto o Amazonia 1 se va-lerá dos propulsores desenvolvidos pela Fibraforte para se manter em órbita du-rante toda a sua vida útil, de quatro anos.

paRceiRoS nacionaiSA nacionalização dos diversos compo-nentes que constituem o Amazonia 1 é uma característica relevante do projeto. A câmera WFI (sigla para Wide Field Imager ou Imageador de Amplo Cam-po de Visada), responsável por fazer as imagens do território brasileiro, foi feita por um consórcio formado pelas empre-sas Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, e Opto Eletrônica, de São Car-los, no interior de São Paulo. As objetivas do imageador foram desenvolvidas pelas duas empresas, enquanto a eletrônica de processamento de sinais, a montagem, a integração e os testes do subsistema

amazonia 1 é o primeiro satélite produzido dentro da plataforma multimissão projetada no inpe (à esquerda)

antena do satélite que será lançado em 2018 (abaixo)

empresas para que possam estar capa-citadas para projetar e fabricar sistemas espaciais no Brasil”, conclui Perondi.

Para Pierre Kaufmann, professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Pau-lo, e coordenador do Centro de Rádio--Astronomia e Astrofísica Mackenzie, a construção do Amazonia 1 é um em-preendimento justificável, embora não signifique um salto tecnológico em ter-mos globais, porque outros países detêm o conhecimento sobre a fabricação de artefatos desse porte e complexidade. “O Amazonia 1 não representa uma inovação competitiva internacionalmente, mas tem sua importância para nós. Como o setor espacial é estratégico, é relevante para o país ter autonomia tecnológica”, diz ele. Até hoje, destaca Kaufmann, o Brasil tem se valido de satélites de sen-soriamento remoto comprados do ex-terior ou desenvolvidos com parceiros, como é o caso do Cbers. Para o professor José Leonardo Ferreira, do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), ex-pesquisador do Inpe e ex-consultor da Agência Espacial Brasileira (AEB), o Amazonia 1 representa mais um passo em direção à independência tecnoló-gica no setor espacial. “É importante sabermos desenvolver sistemas espa-ciais e ter total autonomia no uso e nas aplicações.” n

Foto

S lé

o r

am

os

projetoDesenvolvimento e qualificação de propulsor monopro-pelente de 5n para satélite (nº 2003/07755-5); Modali-dade pesquisa inovativa em pequenas Empresas (pipe) (pipe); Pesquisador responsável humberto pontes car-doso (Fibraforte); Investimento r$ 399.026,25.

Page 74: As estrelas da inovação

74 z janeiro De 2016

Avanços tecnológicos

ampliam as possibilidades

do uso de aeronaves não

tripuladas na agricultura

ENGENHARIA ElEtRôNIcA y

Drones sobre o campo

Avanços recentes em áreas da tecnolo-gia da computação, associados ao de-senvolvimento de sistemas globais de navegação e geoprocessamento, estão ampliando as perspectivas de uso dos

veículos aéreos não tripulados, os drones, na agri-cultura. Relativamente baratas e fáceis de usar, essas aeronaves, equipadas com sensores e recursos de imagem cada vez mais eficientes e precisos, podem auxiliar agricultores a aumentar a produtividade e reduzir danos em lavouras por meio de levanta-mentos de dados que permitem detectar pragas e estimar o índice de crescimento das plantas, para citar alguns exemplos. Diante das possibilidades de uso dessas aeronaves, os cientistas da computação Bruno Squizato Faiçal, Heitor Freitas e o professor Jó Ueyama, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP) de São Carlos, interior paulista, de-senvolveram um sistema inteligente e autônomo de pulverização de agroquímicos com drones.

O uso de agroquímicos é essencial na agricultura de larga escala. Esses defensivos químicos, em geral, são pulverizados manualmente sobre as lavouras ou com o auxílio de tratores. Mesmo quando usam algum tipo de proteção, como máscaras, os traba-lhadores rurais ficam expostos ao produto, que pode provocar sérios problemas de saúde como câncer e efeitos adversos ao sistema nervoso central e peri-férico. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxi-cos. A venda no país cresceu substancialmente nos últimos anos, saltando de US$ 2 bilhões em 2001 para mais de US$ 8,5 bilhões em 2011, segundo um relatório do Instituto Nacional do Câncer (Inca) so-bre os riscos para a saúde humana do uso de agro-tóxicos. Controlar a quantidade de agroquímicos aplicados nas lavouras, por sua vez, é muito difícil. A pulverização quase sempre está sujeita a fatores meteorológicos, como a velocidade e direção do vento, que podem comprometer sua aplicação na área de cultivo, espalhando-o por áreas vizinhas.

O sistema desenvolvido pelos pesquisadores do ICMC-USP prevê o uso orquestrado de um drone de asas rotativas, na forma de hélices, e uma re-de de sensores sem fio instalada ao redor da área de cultivo. Baseia-se em um sistema de inteligên-cia artificial capaz de ajustar a rota da aeronave de acordo com condições meteorológicas específicas. Segundo eles, isso se dá por meio do cruzamento

Rodrigo de Oliveira Andrade

Page 75: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 75

de dados gerados pelo drone com os obtidos em tempo real pelos sensores instalados às margens da área a ser pulverizada. “Primeiro, o drone faz alguns voos de treinamento em diferentes alturas e condições meteorológicas para conhecer o pa-drão de deposição de seu sistema de pulverização e a influência causada pelas condições meteoro-lógicas”, explica Faiçal. “Essas informações são armazenadas para que mais tarde sejam usadas para construir um modelo de conhecimento que permita ao drone tomar decisões durante a pul-verização em condições meteorológicas seme-lhantes às anteriores ou inéditas.”

Ao se aproximar dos sensores instalados ao redor da área pulverizada, o drone verifica se as informações por ele geradas conferem com as obtidas em tempo real pelos equipamentos no

solo. Com base no cruzamento dessas informa-ções, o sistema é capaz de regular a liberação do produto químico sobre a lavoura. A ideia é que a aeronave e demais sensores funcionem de modo autônomo, com uma estação de controle e um técnico para monitorar o andamento do processo.

As coordenadas registradas no sistema de na-vegação do drone, em concordância com os cál-culos cruzados entre a aeronave e os sensores, determinam a potência de uma bomba que regula a quantidade de agroquímico liberado. Quanto maior for a potência, mais produto é liberado. Segundo os pesquisadores, isso favorece uma pulverização mais segura e precisa, capaz de me-lhorar a cobertura da aplicação e a qualidade do processo de cultivo, garantindo maior aproveita-mento dessas substâncias pelas plantas com me-

Sistema orquestrado: troca de informações entre sistemas embarcados (1) no drone e sensores instalados em solo (2) permite uma pulverização mais precisa e segura, com técnicos monitorando o andamento do processo (3)

FOtO

S E

du

AR

do

cE

SAR

1 2 3

Page 76: As estrelas da inovação

76 z janeiro De 2016

nos prejuízo ao ambiente. O sistema foi avaliado em um drone de asa rotativa com oito motores elétricos mantidos por baterias e capacidade de carga de 2,5 quilogramas (kg) em campos abertos dentro da própria universidade.

O protótipo mostrou-se eficaz ao liberar quan-tidades controladas de agroquímicos em áreas predeterminadas, levando em conta aspectos meteorológicos e as rotas calculadas pelo seu sistema de GPS. “Nosso sistema poderá garantir uma aplicação específica e inteligente, com menos desperdício e menor contato do agricultor com o agrotóxico”, comenta Faiçal. Outra vantagem, segundo ele, é que esse mesmo sistema pode ser adaptado e instalado em outros veículos usados em terra, como tratores, por exemplo, se conec-tando com sensores espalhados na lavoura. Um longo caminho ainda precisa ser percorrido, no entanto, até que a tecnologia esteja à disposição de agricultores. Um dos desafios é adaptar todo o sistema para ser usado em aeronaves maiores, capazes de pulverizar grandes áreas agrícolas. A equipe do ICMC-USP já entrou com um pedido de patente por meio da Agência USP de Inovação.

NOVAS ApLICAÇÕESNos últimos 15 anos, agricultores de vários países começaram a ver nos drones uma oportunidade para aplicar no campo conceitos da chamada agricultura de precisão, baseada no uso de instru-mentos e recursos da tecnologia da informação para implementar melhorias na produção agrí-cola. A vantagem dos drones sobre outros siste-mas de monitoramento é que eles podem fazer sobrevoos semanais, a baixo custo, durante todo o período de produção. A Embrapa Instrumenta-ção, em São Carlos, interior de São Paulo, investe desde a década de 1990 no desenvolvimento de novos sistemas e aeronaves capazes de operar com bom desempenho mesmo em condições de campo adversas. Sob coordenação do engenhei-ro eletrônico Lúcio André de Castro Jorge, os projetos procuram ampliar as possibilidades de adaptação dos drones a operações agrícolas di-versas por meio do uso de câmeras convencionais de alta definição, sensores e câmeras termais e multiespectrais, em geral, usadas no monitora-mento de lavouras, em estimativas de volume de produção e índice de doenças e pragas.

Em Gavião Peixoto, município próximo a São Carlos, pesquisadores testam novos componentes em drones semelhantes a um mini-helicóptero, com hélice de 2,80 metros (m) de diâmetro. Eles fazem sobrevoos periódicos em plantações de laranja para a detecção do greening, doença que afeta o amadurecimento dos frutos, deixando as folhas das plantas amareladas, e costuma ser identificada apenas em estágio avançado. Mais flexíveis e precisos durante a pulverização, sem

uso de sensores e de forma manual, também em culturas de arroz, soja e trigo, os drones da Em-brapa integram um conjunto mais amplo de pes-quisas voltado ao desenvolvimento de softwares e sistemas embarcados de captura de imagens adequados a várias aplicações agrícolas, de pe-quenas a grandes propriedades.

Os projetos contam com o apoio da Rede de Agricultura de Precisão da Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da própria Embrapa, e são desenvolvi-dos no novo Laboratório de Referência Nacional em Agricultura de Precisão (Lanapre), inaugurado em 2013. Nele, a equipe de Lúcio Jorge trabalha na concepção de novos sistemas integrados, tes-tando-os e validando-os em plantações de soja, milho e pastagens cultivadas em uma fazenda da Embrapa ao lado do laboratório. “Os testes são feitos com diferentes modelos de aeronaves, como o Isis, da Hórus, o Echar, da XMobots, e o Otus, da Aérials, todas empresas nacionais, e embarca-dos com software livre, o que ajuda a baratear o processo de inovação”, diz o pesquisador.

Os sistemas hoje desenvolvidos pelo grupo de Lúcio Jorge têm possibilitado identificar falhas no plantio, estimar o índice de crescimento das plantas e detectar diferentes níveis de estresse nutricional e anomalias causadas por ferrugem, estresse hídrico, fungos e pragas, por meio de câ-

Semelhante a um mini-helicóptero,

drone da Embrapa ajuda na detecção

de doenças que afetam o

amadurecimento dos frutos

FOtO

S E

du

AR

do

cE

SAR

Page 77: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 77

meras multi e hiperespectrais, capazes de obter simultanea-mente imagens em alta reso-lução espacial, espectral – com várias faixas de comprimento de onda eletromagnética na formação da fotografia – e de infravermelho. Outras, ainda em desenvolvimento, poderão ajudar na dispersão de semen-tes de eucalipto e liberação de inimigos naturais de algumas pragas para controle biológico.

Os primeiros drones no Brasil começaram a ser desenvolvidos em meados dos anos 1980 com o Acauã, aeronave na forma de um miniavião concebida pelo Centro Tecnológico Aeroespa-cial (ver Pesquisa FAPESP nº 211) em parceria com a empre-sa Avibras, inicialmente para fins militares. Esse crescimento – para além do âmbito militar – tem se refletido em aplicações diversas, do monito-ramento ambiental à inspeção aérea em opera-ções de combate ao tráfico de drogas, até missões humanitárias, com a entrega de medicamentos e vacinas em áreas de difícil acesso, por exemplo.

Mesmo com o desenvolvimento acelerado do setor, os voos dos drones ainda carecem de regras específicas. A legislação brasileira avançou um pou-co nesse sentido a partir de uma consulta pública feita recentemente pela Agência Nacional de Avia-ção Civil (Anac), segundo Lúcio Jorge. “Não haverá restrições ao uso de drones nos campos, desde que se respeite as altitudes estabelecidas”, diz. As empre-sas do setor vendem aeronaves, peças e softwares, mas esperam por uma regulação mais específica. Nos Estados Unidos, no dia 14 de dezembro, a Ad-ministração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) anunciou novas regras para o uso de drones em seu espaço aéreo. Os proprietários dessas aero-naves naquele país terão de cadastrar nome, ende-reço e e-mail em um banco de dados nacional, que gerará um certificado de registro das aeronaves.

Os drones são responsáveis em grande medida pela expan-são e pelo desenvolvimento da indústria aeroespacial mun-dial, com estimativas de gran-des investimentos, dos atuais US$ 2,7 bilhões por ano para cerca de US$ 8,3 bilhões anuais na próxima década. As possibi-lidades são várias e com a regu-lamentação do setor o uso civil da tecnologia deverá ser ainda mais expressivo. Enquanto os órgãos regulatórios do Brasil procuram a melhor maneira de lidar com questões de se-gurança e privacidade, a Lux Research, empresa norte-ame-ricana que presta consultoria em pesquisas de mercado, es-tima que mais de 1 milhão de

drones deverão ser vendidos até 2025. A tecnologia embarcada deve ser responsável

por US$ 670 milhões do US$ 1,7 bilhão movi-mentado neste mercado durante esse período. No relatório Commercial drones: Market sha-res, strategies, and forecasts, worldwide, 2015 to 2021, um documento de 620 páginas produzido e divulgado pela empresa norte-americana RnR Market Research, analistas do setor afirmam que os drones estão mudando a maneira como a agricultura é conduzida no mundo e que essas aeronaves movimentaram US$ 609 milhões em 2014. Eles estimam que esse valor deva alcançar US$ 4,8 bilhões em todo o mundo até 2021. n

Para decolar, o drone Echar, da XMobots, é posicionado em uma estrutura semelhante a um estilingue (1) e, em seguida, catapultado (2). Após sobrevoo, o motor desliga e o paraquedas se abre e amortece a aterrissagem da aeronave (3)

Mercado mundial de drones deve movimentar até US$ 1,7 bilhão até 2025, segundo a Lux Research

Projetos1. utilizando inteligência computacional e VANts para reduzir a deriva na aplicação de agrotóxicos (nº 2013/18859-8); Modalidade Bolsa no país – Regular – doutorado; Pesquisador responsável Jó ueyama (IcMc-uSP); Bolsista Bruno Squizato Faiçal (IcMc-uSP); Investimento R$ 72.650,00.2. Explorando a abordagem sensor web e o sensoriamento parti-cipatório no monitoramento de rios urbanos (nº 2012/22550-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Jó ueyama (IcMc-uSP); Investimento R$ 60.529,50.

1 2 3

Page 78: As estrelas da inovação

78 z janeiro De 2016

Para conquistar espaço no mercado,

Alibra desenvolve novos ingredientes

para a indústria alimentícia

Mesmo quem nunca ouviu falar da Alibra In-gredientes já pode ter consumido alguns dos produtos dessa empresa 100% nacional. Cria-da em 2000, com sede em Campinas (SP), ela fornece aditivos, derivados lácteos e misturas

alimentícias em pó para indústrias de alimentos e bebidas, entre elas Nestlé, Vigor, Bunge, Mococa e Nissin Ajinomoto. Seu portfólio tem mais de 600 itens de ingredientes usados na fabricação de sorvetes, pães, biscoitos, laticínios, pizzas e molhos. O carro-chefe são os compostos lácteos formulados a partir do soro do leite. Há também uma linha de alimentos prontos vendida em supermercados e para atacadistas, como achocolatados, farinha láctea e cereais em pó, e um conjunto de produtos destinados a cozinhas industriais, restaurantes e empresas de refeições coletivas (aviação ou hospitais), co-mo alimentos semiprontos e ingredientes para preparação de pratos doces e salgados.

A história da empresa, fundada por ex-alunos do curso de Engenharia de Alimentos na Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), é marcada pelo pioneirismo. A Alibra foi a primeira indústria nacional a fabricar, em 2009, um alimento análogo ao queijo, com as mesmas características físicas e sen-soriais do laticínio, mas cuja matéria-prima usada na formula-

receitas inovadoras

PesquisA emPresAriAl y

Yuri Vasconcelos

Placa para análise microbiológica, no laboratório da empresa

Page 79: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 79

dependente de ingredientes puramen-te lácteos”, diz o diretor-presidente da Alibra. O queijo análogo é usado princi-palmente em pizzas e na fabricação de alimentos pré-prontos, como salgadi-nhos recheados de queijo.

No ano passado, a empresa saiu na frente de suas concorrentes ao desen-volver o primeiro óleo em pó do país, uma opção para indústrias que buscam ingredientes ricos em ácidos graxos es-senciais. E, mais recentemente, inovou ao elaborar uma linha de sorvetes forti-ficados, formulados com nanopartículas de ferro e vitamina C. “Lançamos um lote experimental em 23 de setembro, o dia do sorvete, para chamar a atenção da indústria de gelados para a impor-tância de uma alimentação saudável”, explica Afonso.

Em um mercado pulverizado e com tantos competidores como o de ingre-dientes e produtos alimentícios, a mar-

ção não é o leite. “Existem empresas que vendem um produto semelhante, mas que usam na sua formulação matérias--primas tradicionais, como o próprio queijo. Dominamos a técnica de fabri-cação do análogo a partir de proteínas lácteas funcionais, amidos especiais de milho ou mandioca e gorduras vegetais”, explica o diretor-presidente Humberto Salvador Afonso, um dos criadores da empresa.

O queijo análogo foi elaborado para substituir parcial ou totalmente os quei-jos tradicionais. De acordo com Afonso, ele tem as mesmas características dos queijos e valor nutricional equivalente, mas custa até 20% menos. “O análogo substitui satisfatoriamente a muçarela e é um item importante de nossa linha food service. Fizemos pesquisa, impor-tamos equipamentos e levamos cinco anos para desenvolver sua formulação. O resultado é um alimento inovador e não

ca Alibra é praticamente desconhecida do consumidor. “A população não sabe quem são os fabricantes de ingredien-tes. Mas temos 900 clientes pelo Brasil e apostamos na inovação para nos dife-renciar. Essa é a nossa fortaleza”, diz. Segundo Afonso, o que diferencia a em-presa é a busca constante pela inovação e pelo desenvolvimento de produtos com alto valor tecnológico.

EmprESA

AlIbrA

Centros de P&D Campinas (sP) e

marechal rondon (Pr)

Nº de funcionários 220

Principais produtos ingredientes para as

indústrias de laticínios,

biscoitos e pizzas, além

de produtos prontos

como achocolatados e

cereais em pó

Foto

S e

du

Ar

do

Ce

sAr

os sócios roberto e Humberto, a partir da esquerda, e funcionárias do centro de P&d, em Campinas

Page 80: As estrelas da inovação

80 z janeiro De 2016

A empresa tem dois centros de pes-quisa e desenvolvimento (P&D), um em Campinas e outro em sua unidade fa-bril de Marechal Cândido Rondon, no interior do Paraná. Ao todo, 10 pessoas trabalham neles. Cerca de 1% do fatura-mento, que em 2015 deve atingir R$ 150 milhões, é investido por ano em ativida-des de P&D, seja no desenvolvimento de produtos, na compra de equipamentos ou na montagem de laboratórios. “Pla-nejamos instalar em Campinas um equi-pamento UHT [Ultra High Temperature], que faz a esterilização de vários produ-tos. É uma tecnologia importante e que

1 Preparação e testes de novos ingredientes

2 Produtos da empresa preparados para análise de proteínas

3 experimento com destilador de nitrogênio para preparo de amostras

Humberto Salvador Afonso, engenheiro de alimentos, diretor-presidente da empresa

universidade estadual de Campinas (unicamp): graduaçãoFundação Getulio Vargas: mestrado

Roberto Stefanini, engenheiro de alimentos e diretor executivo

unicamp: graduação Fundação Armando Álvares Penteado (Faap): mestrado

Gisela Alvarado, engenheira de alimentos e gerente de Qualidade

unicamp: graduação e mestrado

Dolores Lustoza, engenheira química e gerente técnica da área de Laticínios

Faculdades oswaldo Cruz: graduação

Mariane de Oliveira Balles, engenheira de alimentos e coordenadora da área de P&D em Campinas (SP)

unicamp: graduação

Débora Laschi, tecnóloga de alimentos e assistente técnica da área de Gelados

Faculdade de Tecnologia Termomecânica: graduaçãouniversidade são Judas Tadeu: pós-graduação em Gestão da qualidade na indústria de Alimentos

vai tornar mais eficaz a criação de novos produtos”, acredita o diretor executivo Roberto Stefanini, sócio-fundador da Alibra, responsável pela área de P&D.

Ele explica que, para responder à de-manda de seus clientes por novos pro-dutos, a empresa recorre sempre à ino-vação. “Não fazemos pesquisa pura em nossos laboratórios, mas desenvolvemos soluções sob medida. Realizamos proje-tos especiais com foco em formulações personalizadas para atender às necessi-dades de aplicação de cada cliente. Nosso objetivo final é que o produto adquira as características desejadas”, diz Stefanini.

Essas soluções customizadas podem se materializar, por exemplo, em um novo aditivo que torne um alimento mais es-tável ou em um ingrediente que altere a formulação original do produto do clien-te, deixando-o mais viscoso.

Soro Do lEItEOs produtos principais da Alibra são os compostos e as misturas lácteas fabrica-das com soro de leite e gorduras vege-tais ou lácteas. O soro é um coproduto da fabricação do queijo e, até 10 anos atrás, era descartado pelas queijarias ou usado para alimentar porcos. O produto tem 6,5% de material sólido, principal-mente lactose, sais minerais e proteínas não coaguladas na formação do queijo, como as lacto-albuminas e as lacto-glo-bulinas. A Alibra recebe das queijarias o soro pré-tratado e concentrado, com um teor de sólidos em torno de 65%. Com amplo domínio da técnica de secagem, a empresa transforma esse soro em um concentrado à base de pó. Nesse pro-cesso, o produto, em sua forma líquida,

InStItUIçõES QUE FormArAm oS pESQUISADorES DA EmprESA

2

1

Page 81: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 81

Outro produto da empresa que tem um processo de fabricação similar ao concentrado de soro é o óleo em pó, lan-çado em 2015, que utiliza a tecnologia de produção spray dryer. Trata-se de um processo usado em torres de secagem que transforma ingredientes líquidos em pó. Além de ter alto valor nutriti-vo e energético, o óleo em pó apresenta vantagens como facilidade de armaze-namento, manuseio e transporte. Ele é comercializado para a indústria de ali-mentação enteral, indicada para pacien-tes com dificuldades de ingestão de ali-mentos na forma líquida ou em pó pela boca, e para empresas de nutrição ani-mal e fabricantes de suplementos para atletas e produtos naturais.

AQUISIção EStrAtégIcAEm 2015, a fim de fortalecer sua presença no mercado, a Alibra adquiriu o controle da Genkor, especializada na fabricação de microingredientes (corantes, estabi-lizantes, espessantes, emulsificantes). A compra fez parte de um investimento

é colocado em torres de secagem para eliminar a água existente no concentra-do (35% do total).

O soro em pó resultante é usado para a fabricação de compostos e misturas lácteas. As diferenças entre esses dois ingredientes estão no teor de proteínas, que está abaixo de 9% nas misturas, e na presença de leite em pó na formulação exclusiva dos compostos. “Os dois, com-postos e misturas lácteas, são matéria--prima para a fabricação de sorvetes, pães, biscoitos e massas. Também comer-cializamos diretamente para os clientes o concentrado do soro em pó”, diz Ste-fanini. A Alibra vende como produto fi-nal os compostos lácteos adoçados em pó Merilú e Nutrisim, marcas próprias, que contêm em sua fórmula proteínas de leite associadas a carboidratos, vitami-nas e gordura. Para ser consumido, basta que sejam misturados com água, como ocorre com os leites em pó tradicionais. A Nestlé possui um composto lácteo si-milar, vendido na região Nordeste com a marca Ideal.

de R$ 23 milhões feito pela Alibra nos dois últimos anos para diversificar sua atuação. Com a aquisição, a Genkor vi-rou uma unidade de negócios da Ali-bra. “As duas empresas tinham produtos complementares e algumas parcerias em atividades das áreas técnicas e comer-ciais. Sempre existiu o desejo de realizar a fusão e havia boas perspectivas com a incorporação”, afirma Afonso. Genkor e Alibra integram o mesmo conglomera-do, o Grupo Káiros, formado por 10 em-presas do setor alimentício e controlado por Afonso.

E foi outra empresa do Káiros, que, em certa medida, inspirou a Alibra a lan-çar seu picolé fortificado em setembro do ano passado. Especializada na elabo-ração de ingredientes em escala nano-métrica, a divisão Funcional Mikron da Ultrapan repassou à Alibra o conheci-mento necessário para que ela criasse os picolés com nanopartículas de ferro e vitamina C. “O nanoencapsulamento dos elementos fortificantes previne sa-bores negativos, deixando o produto nu-tritivo e saboroso. Outras características sensoriais, como aroma, cor e sensação na boca, também são preservadas”, ex-plica a tecnóloga de alimentos Debora Laschi, assistente técnica da área de Ge-lados. “Com essa inovação, a intenção da Alibra não é criar uma linha de pico-lés fortificados, mas vender o sistema nutricional encapsulado para fabrican-tes de sorvetes.” nFo

toS

ed

uA

rd

o C

esA

r

nanoencapsular partículas de ferro e vitamina c previne sabores ruins e torna o sorvete mais saboroso e nutritivo, além de preservar melhor o aroma

3

Page 82: As estrelas da inovação

82 z janeiro De 2016

Além dos benefícios ambientais, o aumento

da produção de etanol ajudou a

melhorar os indicadores sociais no campo

As boas-novas da cana-de-açúcar

humanidades ECONOMIA y

maurício Puls

RIC

AR

dO

Az

Ou

Ry

/ O

lhA

R IM

Ag

EM

raram indicadores sociais dos descendentes dos empregados da lavoura canavieira com os de outras culturas, procurando verificar se as condições dos pais influenciariam as dos filhos.

O estudo mostrou que os trabalhadores envolvidos com a cana-de açúcar recebem salários maiores, são mais escolari-zados e têm uma proporção maior de emprego formal quando comparados com a média desses indicadores para as outras culturas analisadas. Foi possível ainda verificar que os des-cendentes dos empregados da lavoura canavieira apresentam indicadores socioeconômicos melhores, além de terem uma mobilidade maior para outros setores fora do agrícola: “Po-demos dizer que a expansão canavieira verificada a partir de 2008 contribuiu para a melhoria dos indicadores sociais agrí-colas”, afirma Márcia. Mas essas conquistas são relativamente recentes, adverte a professora. “Quando surgiu o Proálcool, o foco principal era buscar alternativas ao petróleo e naquele momento as questões ambientais ou sociais eram secundá-rias.” Na época, a prioridade era diminuir a todo custo a de-pendência em relação ao petróleo importado, que respondia por mais de 80% do consumo nacional.

Esse objetivo econômico foi alcançado: a produção de cana--de-açúcar aumentou de 88,9 milhões de toneladas, em 1975,

Criado em 1975 para reduzir os gastos com a impor-tação de petróleo, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) alterou profundamente a matriz ener-gética brasileira, reduzindo a poluição e a emissão de gases de efeito estufa. Mas, além dos benefícios

ambientais, a expansão recente da agroindústria canavieira também provocou impactos positivos nos indicadores sociais do país, aponta o estudo Socio-economic impacts of Brazilian sugarcane industry (Impactos socioeconômicos da indústria brasileira de cana-de-açúcar), publicado no número 16 da re-vista Environmental Development (dezembro de 2015).

Subsidiados por extenso levantamento bibliográfico, Márcia Azanha Ferraz Dias Moraes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), Fabíola Cristina Ribeiro de Oliveira, do curso de Ciências Eco-nômicas da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), e Rocio A. Diaz-Chavez, do Centro de Política Ambiental do Imperial College, de Londres, utilizaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) para comparar a situação dos empregados no cultivo da cana-de-açúcar com a dos traba-lhadores nos demais segmentos agrícolas. Também compa-

Page 83: As estrelas da inovação

PesQuisa FaPesP 239 z 83

Colheita mecanizada de cana-de-açúcar em Piracicaba (SP), em 2007: melhores condições de trabalho

Page 84: As estrelas da inovação

84 z janeiro De 2016

para 588,5 milhões, em 2013, o que permitiu que a produção de etanol crescesse de 555 milhões de litros para 23,2 bilhões de litros no mesmo período. Isso contribuiu para que a dependên-cia do petróleo importado caísse para 18% do consumo nacional em 2013. O Proálcool trouxe outros benefícios diretos. Como demonstrou o estudo Social externalities of fuels (Externalida-des sociais dos combustíveis), de 2011, elaborado por Márcia, Fabíola e outros autores, a expansão do complexo sucroalcooleiro criou empregos e aumentou a renda em vastas regiões do interior do país, enquanto as plantas dedicadas ao refino de petróleo sempre se concentraram em poucas cidades litorâneas.

dOis TemPOsContudo, do ponto de vista social, a situação não era satisfatória. “Quando se olha a literatura pro-duzida nos anos 1980 sobre o assunto, verifica-se que as condições de trabalho no setor da cana eram ruins; havia uma informalidade grande e até mesmo trabalho infantil”, diz Márcia. No plano ambiental, o quadro geral não era melhor: as queimadas produziam grandes nuvens de fu-maça. De acordo com Márcia, esses problemas estavam ligados ao processo de colheita manual da cana, com a utilização do trabalho de migran-tes que vinham para São Paulo: “As condições de trabalho e dos alojamentos eram problemáti-cas e havia a atuação dos ‘gatos’ [intermediários na contratação da mão de obra]. Com as pes-

quisas desenvolvidas no nosso grupo de estudo, conseguimos verificar que houve uma mudança importante nas condições de trabalho. São dois períodos completamente diversos. Atualmente não faz mais sentido falar em trabalho escravo na cultura canavieira”.

Outros estudos citados por Márcia já aponta-vam nessa direção. A tese Indicadores socioeconô-micos em estados produtores de cana-de-açúcar: análise comparativa entre municípios, de Janaina Garcia de Oliveira, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2011, con-cluiu que o Índice de Desenvolvimento Huma-no (IDH) dos municípios produtores de cana apresentou uma evolução favorável de 1970 a 2000: “Os municípios canavieiros em todos os estados apresentam melhores indicadores de distribuição de renda e de acesso aos serviços de infraestrutura, principalmente acesso a ins-talações sanitárias”.

Os avanços nas condições de trabalho se inten-sificaram desde então. Que fatores contribuíram para essa mudança? “O primeiro motivo foi uma ação muito rigorosa do Ministério Público do Trabalho ao exigir o efetivo cumprimento das normas”, diz a autora. A fiscalização estatal foi re-forçada pelo interesse internacional, que ganhou importância à medida que o país ampliou suas exportações de açúcar e álcool. A intensa concor-rência entre os produtores dessas commodities no mercado mundial, bem como a preocupação das empresas compradoras de açúcar e etanol, que

Cana-de-açúcar é recebida para o início do processo de produção de etanol em Nova Europa (SP): benefícios econômicos, ambientais e sociais

FOTO

s E

du

AR

dO

CE

SAR

Page 85: As estrelas da inovação

PesQuisa FaPesP 239 z 85

passaram a exercer uma auditoria mais rigorosa sobre as práticas sociais e ambientais dos forne-cedores brasileiros, também contribuíram para a adoção de práticas mais sustentáveis.

meCaniZaÇÃO O afluxo de investidores es-trangeiros para o setor, a par-tir do ano 2000, contribuiu para a adoção de uma admi-nistração mais responsável porque essas empresas trou-xeram novos padrões geren-ciais e trabalhistas. Segundo Márcia, nem todas as empre-sas nacionais tinham práticas reprováveis, mas as estrangei-ras ajudaram a erguer o pa-tamar das condições sociais e trabalhistas.

Contudo, a principal ex-plicação para a mudança no campo está, segundo a autora, na mecanização da colheita. O processo se acelerou com a eliminação gradativa da quei-ma da cana no estado de São Paulo, determinada pela assinatura do Protoco-lo Agroambiental do Setor Sucroenergético, de 2007, e pela legislação estadual que disciplina o tema. Isso trouxe enormes benefícios ambien-tais ao acabar com os problemas causados pelas queimadas, além de permitir o aproveitamento da palha da cana na geração de energia elétrica (tal como já era feito com o bagaço).

Por outro lado, a mecanização teve um efeito perverso ao inviabilizar a colheita manual da ca-na, provocando redução de postos de trabalhos. “A mecanização exige menos trabalhadores”, diz a pesquisadora. “Uma colheitadeira substitui, em média, 80 cortadores.” De 2000 a 2012, o número de trabalhadores com carteira assinada em todo o complexo sucroalcooleiro passou de 642.848 para 1.091.575 – um incremento global de 69,8%. Desagregando os dados, constata-se que o volu-me de empregos com carteira cresceu 205,2% nas destilarias de álcool e 153,93% nas usinas de açúcar. Mas o número de trabalhadores com carteira na cultura da cana-de-açúcar caiu 7,4%, de 356.986 para 330.710 empregados.

A regressão setorial no emprego tem um aspec-to positivo. “Cortar cana manualmente é um tra-balho extenuante”, diz Márcia. O caráter penoso é ressaltado por outros pesquisadores. Segundo Maria Aparecida de Moraes Silva, professora aposentada da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, “a vida útil de um cortador de cana não ultrapassa 15 anos: o tra-balho acaba com a coluna, os punhos, os braços”.

E, como observa Francisco Alves, professor associado do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Car-los (UFSCar), a mecanização não eliminou total-mente o corte manual. “Na realidade, o modelo de mecanização posto em prática na cana requer

a combinação do corte meca-nizado com o corte manual de elevada produtividade: os tra-balhadores empregados no cor-te da cana têm de ter elevada produtividade, que hoje passa das 14 toneladas por homem por dia de trabalho”, diz Alves. Isso acarreta um aumento das doenças de trabalho.

A diminuição gradativa da de-manda por cortadores manuais foi compensada, ao menos em parte, pela criação de vagas de tratoristas, motoristas, mecâni-cos, condutores de colheitadeiras e técnicos em eletrônica, apontou Márcia em seu estudo O mercado de trabalho da agroindústria ca-navieira: Desafios e oportunida-

Diminuição de postos no corte de cana foi compensada em parte por criação de vagas em outras funções Colheita manual

em Olímpia (SP): trabalho extenuante que se encontra em processo de extinção

Page 86: As estrelas da inovação

86 z janeiro De 2016

des, de 2007. Para atenuar o problema do desempre-go gerado pela mecanização, as federações patronais e de trabalhadores de São Paulo têm providenciado, de acordo com o último estudo da autora, cursos de treinamento e requalificação para 3 mil trabalha-dores a cada ano. Também houve uma absorção de parte desses trabalhadores em obras de infraestru-tura nas regiões Norte e Nordeste do país.

GeRaÇÕesPara avaliar melhor o alcance das transformações, Márcia, Fabíola e Rocio utilizaram dados de fon-tes governamentais (Pnad e Rais) que permitem comparar as condições de trabalho e os níveis de escolaridade entre duas gerações de trabalhado-res. Para evitar distorções na comparação com os demais setores agrícolas, não foram levados em conta os dados referentes aos empregados nas destilarias de álcool e usinas de açúcar.

O cruzamento das informações revela que a renda média do chefe de família (a pessoa de referência na família, na denominação atual das estatísticas oficiais) no cultivo da cana era 46,5% maior que a renda média dos demais setores agrí-colas. A escolaridade média é de cinco anos de estudo no ramo dos trabalhadores da cana, diante de quatro anos nos demais. Em comparação com seus pais, os filhos desses trabalhadores têm uma escolaridade média mais alta: 8,4 anos, no caso dos empregados na cana, e 8,1 anos, no restante do setor agrícola. Contudo, todos possuem uma renda menor que a auferida pelos pais (no caso da cana 14,2% menor, e para a agricultura em geral, 3,2% menor). Vários fatores influenciam os ren-dimentos dos trabalhadores, o que pode explicar por que os filhos, apesar de maior escolaridade, ainda ganham em média menos que os pais.

Considerando os chefes de família, é possível notar ainda que, no setor da cana, 86,98% têm

carteira assinada, ante apenas 34,23% nos demais setores agrícolas. Quando se comparam os descen-dentes, constata-se que 70,05% dos descendentes dos trabalhadores da cana têm carteira, em rela-ção aos 49,31% dos filhos de trabalhadores dos demais setores. Observa-se portanto a influência dos pais nas condições de trabalho dos filhos, ou seja, o fato de a maioria dos trabalhadores da cana terem carteira assinada deve ter influenciado as escolhas dos seus descendentes. No caso dos filhos de trabalhadores agrícolas em geral, 43,2% seguem na agricultura; no dos filhos dos trabalhadores da cana, o percentual cai para 29,3%, indicando uma maior mobilidade para outros setores.

A maior parte dos descendentes dos empre-gados no setor canavieiro encontra emprego no setor de serviços (35,3%). A indústria de transfor-mação absorve 20,9%, a construção civil, 8,1% e a administração pública, 4,9%. Essa maior mobili-dade social resulta provavelmente da influência do contexto familiar. “As condições da família influenciam muito as escolhas dos filhos”, expli-ca Márcia. “As melhores condições de trabalho dos pais abrem a possibilidade de um emprego melhor para os filhos.” n

Centro de Tecnologia Canavieira em Piracicaba (SP): avanços melhoraram condições, mas diminuíram postos de trabalho

A maioria dos descendentes de empregados da cana se encaminha para o setor de serviços

Artigo científicoMORAES, M. A. d. et al. Socio-economic impacts of Brazi-lian sugarcane industry. environmental development. v. 16, p. 31-43, dez. 2015.

Page 87: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 87

Pesquisadores discutem questões

teóricas para construir subsídios

e embasar os estudos clássicos da área

A redescoberta da filologia

Historicamente, a filologia pode ser considera-da uma espécie de ciência-tronco da qual se desenvolveram não apenas estudos como o da etimologia, mas também ciências modernas

como a linguística e os estudos literários. De um ponto de vista estrito, a filologia é o estudo do texto, incluindo sua linguagem e seus aspectos literários, por meio da análise histórica de documentos escritos. Mas, à medida que aqueles ramos do conhecimento foram se tornando independentes, seu campo foi deixando de ter contor-nos claros. Em alguns casos, o próprio termo parou de ser usado. Em lugar de “filologia clássica” (que trabalha com textos da Antiguidade grega e romana), costuma-se usar no Brasil as expressões “letras clássicas” ou “estu-dos clássicos”. Hoje, em âmbito mundial, observa-se um esforço acadêmico de fortalecer os estudos filológicos repensando seu terreno teórico. No país, o principal po-lo dessas atividades está na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“A teoria da filologia ainda é pouco conhecida aqui, mas está em pleno desenvolvimento em países como a Alema-nha”, diz a professora Isabella Tardin Cardoso, da área de estudos clássicos do Instituto de Estudos da Lingua-gem (IEL) da Unicamp, que desde 2006 é pesquisadora e docente convidada do Seminário de Filologia Clássica da Universidade de Heidelberg (Alemanha), onde vem conduzindo estudos, cursos, palestras e workshops con-

LÍNGUA y

Márcio Ferrari

rEp

ro

dU

çã

o d

E pA

InéI

S d

o M

USE

U d

A l

íng

UA

po

rt

Ug

UE

SA e

dU

Ar

do

ce

sAr

Page 88: As estrelas da inovação

O latinista e professor do IEL-Uni-camp Paulo Sérgio de Vasconcellos observa que não é só no Brasil que se dá pouca atenção à discussão de pres-supostos teóricos da filologia clássica. “Um ilustre classicista, o escocês David West [1926-2013], pregava a seus alunos o abandono da teoria para ir diretamente aos textos, como se fosse possível tratar deles sem uma teoria, explícita ou im-plícita”, diz Vasconcellos. “Nos últimos tempos, assistimos a uma mudança na área: há um interesse cada vez maior em discutir as questões teóricas que embasam o trabalho dos classicistas, e o projeto ‘Teoria da filologia’, no caso brasileiro, é fundamental nesse proces-so.” O projeto, que propiciou em 2014 a fundação do Centro de Estudos de Teo-ria da Filologia, com sedes na Unicamp e em Heidelberg, tem Isabella e Vascon-cellos como coordenadores no Brasil, e Schwindt e Melanie Möller (Freie Uni-versität Berlin), na Alemanha. Partici-pam ainda pesquisadores da Universida-de Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de Budapeste (Hungria).

A identificação, o estudo e o questio-namento dos pressupostos envolvidos nas práticas usuais dos filólogos são o campo da teoria da filologia, que po-de ser considerada uma epistemologia desse campo do saber. “A perspectiva epistemológica é indispensável se não quisermos ficar de fora de toda narra-tiva moderna nas artes e humanida-des”, afirma Schwindt, um dos pionei-ros dessa área na Alemanha. “A teoria da filologia examina o modo como nos

juntos e em intercâmbio com o profes-sor alemão Jürgen Paul Schwindt. Vá-rias dessas atividades receberam apoio da FAPESP em forma de auxílio para organização de colóquios e para trazer pesquisadores do exterior.

“É interessante observar que os estu-dos clássicos costumam ser vistos como uma área extremamente prática, até re-sistente à teoria”, diz Isabella. Seriam atividades “quase artesanais e despro-vidas de princípios interpretativos”. Ela cita como exemplos de tarefas atribuídas à filologia clássica a identificação e cola-ção de fragmentos textuais, a compara-ção e edição de textos antigos contidos em manuscritos, a suposição e identifi-cação de lacunas, a contextualização das informações encontradas nesses docu-mentos e sua tradução. “Essas práticas são bastante valorizadas também entre profissionais brasileiros.”

FrAgMEntoSUma observação um pouco mais pro-funda, no entanto, desfaz a ideia de que essas atividades são desprovidas de in-tencionalidade ou subjetividade, como se pode inferir da escolha dos manuscritos a serem estudados ou no próprio pro-cesso de pesquisa ou tradução, quando o estudioso pondera o que privilegiar e o

que deixar de lado. Entre os documentos escritos da Antiguidade, há um grande número de obras que chegaram aos dias de hoje incompletas ou em diferentes versões. Isabella cita, como exemplo, a tragédia Atreu, do dramaturgo e poe-ta latino Lúcio Ácio (170 a.C.-86 a.C.). “A ordem em que um estudioso edita os fragmentos segue certos princípios, conscientes ou não”, diz Isabella, que vem trabalhando com os fragmentos de Ácio e do orador e filósofo Cícero (106 a.C.-43 a.C.), também latino.

é comum os estudos clássicos serem vistos como uma área muito prática e mesmo resistente à teoria

Page 89: As estrelas da inovação

pESQUISA FApESp 239 z 89

pesquisadores da Unicamp e da Universidade de Heidelberg criaram um projeto que repensa a filologia a partir de palavras escolhidas

relacionamos com os textos, e a ênfa-se das minhas pesquisas está em como encontramos neles algo que é similar àquilo que nos leva, como primeiro im-pulso, a conhecê-los.”

A fim de explorar e desenvolver a teo-ria da filologia, os grupos de intercâm-bio pensaram num possível dicionário de conceitos importantes na área, mas não os mais óbvios, como “texto” e “au-tor”. Passou-se em seguida à ideia de tematizar não mais tais conceitos e sim palavras que “normalmente são apresen-tadas como tendo significado evidente”. Entre muitos outros, foram estudados os termos “clássico”, “conhecimento” e a própria palavra “filologia”. Nasceu daí o projeto bilíngue e binacional “Pa-lavras para uma teoria da filologia”, com financiamento de instituições de fomen-to alemãs, como a DFG e Alexander von Humboldt, em andamento desde 2013. Um livro bilíngue homônimo deverá ser lançado em 2016 pela editora Winter Universitätsverlag, de Heidelberg.

Schwindt vê o projeto como o ponta-pé inicial de um trabalho de mapeamen-to e até de redefinição, quando necessá-rio, dos conceitos e termos que podem se relacionar à filologia. “Nesses estu-dos, fenômenos que tradicionalmente não estão associados à seara da filologia, como temporalidade, reconhecimento, ordem e subversão, são colocados num vínculo substancial com o trabalho fi-lológico”, observa o professor alemão. Isabella ficou responsável pelo estudo da palavra “efemeridade”. “Reflito so-bre como esse termo está presente no

vocabulário filológico e de que modo se conjuga com a própria efemeridade do conhecimento, sem a qual não se pode pensar, por exemplo, a noção de progres-so, um princípio das ciências modernas”, diz a pesquisadora.

IMItAçãoO projeto foi precedido de outros, a co-meçar pelo ensaio de Isabella intitulado “Teatro do mundo: filologia e imitação”, incluído no livro Was ist eine philolo­gische Frage? (O que é uma questão filo-lógica?), que Schwindt organizou para a editora alemã Suhrkamp, uma das mais tradicionais da Europa. “No capítulo, trato de um conceito importante para os estudos filológicos antigos e modernos, o de imitação”, conta Isabella. “Recorri à obra teatral A vida de Galileu, de Bertolt Brecht, e utilizo a metáfora do ‘teatro do mundo’ para observar mais de perto a imitação e o fazer de conta que ela en-volve, como parte das ciências em geral e da filologia em particular.”

A metáfora do teatro como represen-tação do mundo ou da vida tem presen-ça recorrente na literatura e na filoso-fia ocidentais e, na visão de Isabella, é um recurso necessário à ciência para suas formulações e desenvolvimentos, como se o texto científico fosse “uma imitação do próprio objeto de estudo”. Dando continuidade à comparação en-tre ciência e arte, Isabella escreveu um texto sobre o termo “ilusão”, editado em forma de livro para a Universidade de Viena (Áustria), Trompe l’oeil: Philologie und Illusion (Trompe l’oeil: Filologia e r

Epr

od

ão

dE

pAIn

éIS

do

MU

SEU

dA

lín

gU

A p

or

tU

gU

ESA

ed

UA

rd

o c

esA

r

Page 90: As estrelas da inovação

ilusão), título referente à expressão fran-cesa que identifica a técnica de pintura que dá impressão de profundidade em imagens bidimensionais.

IntErtExtUAlIdAdE A pesquisadora observa que, ao contrário do que costumava ocorrer nos estudos clássicos entre os séculos XIX e XX, a imitação, na Antiguidade e no Renas-cimento, era um procedimento aceito e enaltecido na literatura, e funciona-va como numa espécie de competição. Ela exemplifica com a descrição de um “mundo dos mortos” em Homero, Vir-gílio, Dante e Boccaccio. Uma referência moderna e autoirônica a esse hábito foi a definição dada por Ariano Suassuna a sua comédia O santo e a porca (1957) como uma “imitação nordestina de Plau-to”. Outro aspecto revelador do estudo da imitação é o hábito, entre pesquisa-dores, de procurar “imitar a intenção do autor”. Para isso, até meados do século XX, na falta de informações históricas, costumavam-se admitir “dados” sobre a vida de escritores que foram deduzidos a partir do estilo. Assim, “Plauto era pobre e se dirigia para um público mais sim-ples” ou “Catulo escrevia seus poemas para uma namorada”. Isabella ressalta que hoje as metodologias questionam tal foco no “autor”, mas não deixam de

lado a imitação de seu objeto de estudo, quer do texto (seu estilo e lógica), quer do público que o texto teria na época em que foi produzido.

Estudos aparentados e pioneiros vêm sendo realizados por Vasconcellos no campo da intertextualidade, a análise de dois ou mais textos, de modo a re-velar novos aspectos sobre eles. “Todo latinista sabe que a literatura da antiga Roma mantém um diálogo constante e complexo com a literatura grega e tam-bém internamente”, relata o pesquisador. “No passado, o filólogo simplesmente se contentava em mencionar as passagens

dos outros autores. A teoria intertextual veio sofisticar esse estudo comparativo, mostrando um processo de geração de sentidos.” Vasconcellos, ao lado de Pa-tricia Prata, também professora do IEL--Unicamp, coordena uma equipe que está traduzindo para o português “textos fun-damentais sobre intertextualidade nos estudos clássicos”, entre eles Arte alu­siva, do italiano Giorgio Pasquali, e Nos ombros de gigantes: Intertextualidade e estudos clássicos, do inglês Don Fowler.

Para Isabella, a repercussão obtida por todos esses trabalhos comprova a necessidade de refletir sobre a prática da filologia. Segundo ela, o projeto “Palavras para uma teoria da filologia” estimulou um grupo binacional de especialistas a se reunir em torno de algumas das ques-tões centrais que cercam essas práticas. Schwindt descobriu vantagens na parce-ria com pesquisadores brasileiros. “Fi-cou claro para mim que a perspectiva científica no estudo das estruturas da filologia podem desenvolver-se muito melhor num contexto acadêmico não ex-posto à carga de influências ideológicas que moldou nosso trabalho na Europa”, avalia. Para ele, a intensidade das viagens de estudiosos dos dois países motiva-das pelo interesse na teoria da filologia é prova de que há um terreno fértil para ambos os lados. n

professor alemão considera o Brasil um país propício para a pesquisa científica das estruturas da filologia

Page 91: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 91

Maria Guimarães

Ignorados no século

XIX, experimentos de

Gregor Mendel com

ervilhas deram origem

à genética

MEMórIA

Há 150 anos, em 1866, foi publicado um trabalho que ficou conhecido como a base da genética: “Experimentos em hibridização de plantas”, de Gregor Johann Mendel.

No ano anterior, em fevereiro e março de 1865, esse monge da Morávia (à época parte da Áustria, hoje República Tcheca) apresentara seu trabalho em duas sessões da Sociedade de Pesquisa Natural de Brünn, cidade hoje conhecida como Brno. Suas conclusões foram recebidas com uma indiferença que em nada sugeria o reconhecimento que viria mais tarde.

Mendel passara sete anos cultivando quase 30 mil plantas de ervilha, cujas partes reprodutivas ele dissecava minuciosamente para obter os cruzamentos controlados que lhe permitiriam entender como características simples, como cor das flores e formato das sementes, eram transmitidas de uma geração a outra. Os experimentos lhe permitiram inferir

Mosteiro no início dos anos 1860: Mendel contemplando uma flor e Napp, à sua frente, com crucifixo

O legado de um monge invisível

wel

lco

Me

IMa

Ge

s /

wIk

IMe

dIa

co

MM

oN

s

Page 92: As estrelas da inovação

92 | janeiro De 2016

Mendel não ter sido reconhecido: era um monge concentrado em cultivar ervilhas, que apresentou seus resultados em palestras numa sociedade científica pequena e os publicou nos anais da mesma sociedade, com distribuição limitada. Também é provável que estivesse à frente de seu tempo. “Ainda não se usava estatística na biologia”, explica o professor da Unesp. A matemática usada para analisar os resultados dos cruzamentos das ervilhas era de difícil compreensão para a comunidade interessada em hibridização de plantas naquela época. Além disso, um outro assunto dominava a cena naquele mesmo momento – Charles Darwin publicara seu Origem das espécies poucos anos antes, em 1859.

Darwin fazia parte daqueles a quem Mendel enviou sua publicação, que aparentemente não foi lida. Após sua morte, foi encontrada na biblioteca do britânico com as páginas ainda unidas como saíam da gráfica.

Mendel morreu em 1884, aos 63 anos, sem ter encontrado quem desse importância a seu trabalho. Apenas na virada para o século XX, os botânicos europeus Hugo de Vries, Carl Correns e Erich Tschermak-Seysenegg se aproximaram dos mesmos resultados e descobriram o estudo publicado mais de três décadas antes. O zoólogo William Bateson se encarregou de difundir o trabalho e dar crédito a seu autor, providenciando a publicação do texto traduzido para o inglês, em 1901, na revista Journal of the Royal Horticultural Society. Foi aí que, de fato, nasceu a genética. n

a existência de fatores recessivos e dominantes, que funcionam de acordo com duas leis da hereditariedade. A Lei da Segregação afirma que cada indivíduo recebe dois fatores dos pais, mas transmite apenas um para cada descendente. A Lei da Segregação Independente, por sua vez, diz que cada característica é herdada independentemente das outras. Essa teoria explica por que características parentais que desaparecem nos descendentes podem reaparecer na geração subsequente. O trabalho foi feito numa estufa no mosteiro agostiniano de Santo Tomás, em Brünn, onde Mendel era monge menos por vocação religiosa do que por ímpeto científico.

Filho de lavradores, o jovem Johann não tinha inclinação para a labuta agrícola. Mas, sem recursos financeiros, as oportunidades de estudo eram parcas e restritas à esfera religiosa. O diretor do mosteiro que o acolheu, o abade Cyril Napp, pretendia criar um centro de excelência no conhecimento e estimulava a investigação científica entre seus monges. Ali Johann foi rebatizado como Gregor e encontrou o tempo e o espaço para dedicar-se ao trabalho aparentemente singelo que, para ele, nada tinha de modesto.

De acordo com o livro O monge no jardim, de Robin Marantz Henig (editora Rocco, 2001), Mendel almejava a glória, como sugere um poema que escreveu quando adolescente em homenagem a Gutenberg, o inventor da prensa móvel: “Possa o poder do destino me conferir/ O supremo êxtase da felicidade terrena,/

científica com sua aluna de mestrado Caroline Batisteti, em artigo publicado em 2010 na revista Filosofia e História da Biologia. Ele explica que Mendel é um exemplo de prematuridade científica porque suas conclusões não se conectavam com o pensamento do período. Mas o pesquisador não está convencido de que seja possível lançar esse olhar ao passado de forma isenta. “A questão da prematuridade é muito calcada no que nos interessa hoje”, afirma.

Para Caluzi, outros fatores contribuíram para o fato de FO

tOS

at

elIe

r d

esI

GN

&e

tc

/ e

lIz

ab

et

e fo

Nse

ca

/ c

tt-

co

rr

eIo

s d

e p

or

tu

Ga

l

selos lançados em agosto de 2015 em portugal celebram a efeméride das descobertas de Mendel

A meta mais sublime do êxtase terreno,/ A de observar, quando me erguer de minha tumba,/ Minha arte florescendo pacificamente/ Entre os que vieram depois de mim”.

A fama veio tardia, quando ele de fato já estava na tumba. Uma pergunta recorrente é por que as descobertas de Mendel foram ignoradas. O físico e historiador da ciência João José Caluzi, do campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp), debruçou-se sobre o conceito de prematuridade

Page 93: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 93

Jônatas Manzolli produz espetáculos multissensoriais criando modelos

de programação para computadores | Márcio Ferrari

Manzolli comanda o computador no

laboratório em Barcelona,

produzindo som e imagem

O brasileiro Jônatas Manzolli tem passa-do boa parte de seus dias num espaço de imersão no Instituto de Sistemas Autôno-

mos e Neurorrobótica da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, manipulando teclados de computador. Com eles, produz uma profusão in-tegrada de cores, formas e sons – um espetáculo para os sentidos que cobre as paredes e enche o ambiente com oito canais de áudio. Manzolli não é neurocientista ou engenheiro, mas músico e matemático. “Para meus alunos, eu me consi-dero um compositor e também alguém que faz tradução entre as duas áreas, como um pêndulo”, diz Manzolli, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde coordenou também o Núcleo Interdiscipli-nar de Comunicação Sonora (Nics).

ArtE

A matemática da música

DIV

ULG

ãO

Em Barcelona, Manzolli desenvolveu o sistema CromaCronos (“croma de cor e cronos de tem-po ou música”), que permite suas composições multissensoriais. No momento ele se dedica “à parte criativa”, uma vez que a parte técnica está resolvida, com suas representações matemáticas precisas e sistemas algorítmicos. “Eu posso pro-gramar o computador e montar uma espécie de instalação sonora ou ir para o palco e interagir com a máquina como um instrumento musical, em tempo real”, descreve Manzolli. É o que ele vai fazer este ano na apresentação intitulada Des-cobertas, “um concerto multimodal interativo com a Orquestra Sinfônica da Unicamp”, durante as comemorações dos 50 anos da universidade.

O laboratório em que o músico trabalha pro-move “uma abordagem contemporânea para sis-

Page 94: As estrelas da inovação

94 | janeirO De 2016

Cores e formas geradas por impulsos conscientes e inconscientes, como a respiração e a eletricidade da pele do músico

temas complexos”, neste caso os mecanismos do cérebro humano. “Em vez de fazer simulações gráficas no computador, o próprio ambiente é um simulador no qual podemos entrar e imergir”, diz Manzolli. Os neurocientistas que trabalham no laboratório usam o sistema para compreender, por meio das imagens e sons, impulsos gerados não só pela ação direta de quem opera o compu-tador, mas também por sinais inconscientes, co-mo a respiração e a condutância elétrica da pele. O músico aproveita esses recursos para explorar possibilidades artísticas. “Embaixo do sistema há toda uma camada de representação matemática que se traduz em sons e imagens e, quando eu toco, ela responde a meus estímulos, criando um diálogo”, descreve Manzolli.

cIrcUItoS cErEbrAISA pesquisa de Manzolli no instituto espanhol, que tem apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), incluiu a colaboração num projeto que utiliza jogos e realidade virtual para reabilitar pessoas que sofreram danos cerebrais, como der-rames. “O sistema cria estímulos visuais e sono-ros e propõe que a pessoa interaja com a repre-sentação do corpo na realidade virtual”, explica Manzolli. “Ao fazer isso, o paciente é levado a reconectar ou reconduzir circuitos cerebrais que foram danificados.” Um dos resultados do proje-to será um livro coescrito pelo músico brasileiro, pela neurologista espanhola Anna Mura e pelo neurocientista suíço Paul Verschure, com quem trabalha desde 1998.

O gosto pela música e pela matemática vem de longe na história de Manzolli, que já tocava piano aos 7 anos de idade. Na hora de prestar vestibular, ele escolheu matemática. Chegando à metade do curso na Unicamp, entediado com a aridez teó-rica dos cálculos, tomou conhecimento da obra do grego Iannis Xenakis (1922-2001). O músico e arquiteto compunha obras instrumentais e ele-trônicas com um sistema desenvolvido por ele mesmo. Para Xenakis, diz Manzolli, “a música era uma nuvem de notas e texturas complexas e, como tal, deveria ser criada com modelos estocásticos”, isto é, indeterminadamente, por meio de variáveis aleatórias. Entusiasmado, o jovem estudante de matemática prestou vestibular para o curso de Música do Instituto de Artes da Unicamp e entrou. Na época eram possíveis matrículas simultâneas em dois cursos da universidade.

Escolheu estudar composição e regência e se aproximou dos professores que trabalhavam com experimentação eletroacústica e música contem-porânea. Os computadores de boa qualidade eram raros no Brasil naquele período, meados dos anos 1980. Manzolli criava num sintetizador analógico (“uma joia”) e brinca que também “compunha a

música no pescoço”: pendurava na nuca pedaços de fita magnética de um gravador de quatro canais que recortava e misturava os sons entre si. Depois de graduado, com mestrado em Matemática e doutorado em Composição Musical, ingressou como professor na Unicamp em 1994, onde logo se juntou ao Nics, que hoje considera “a única razão por que tudo o que eu estou fazendo dá certo”. Ele se refere à capacidade de realização do gru-po graças à sua estrutura interdisciplinar, onde cabem estudantes de diversas origens, entre elas a música, a engenharia, a matemática e a dança – parte importante da obra de Manzolli se utiliza de interfaces gestuais para a composição musical.

Ao contrário do que pode fazer supor o uso mais convencional e popular do computador na música, a criação de partituras é apenas parte das possibilidades sonoras oferecidas pela máquina. O músico pode trabalhar com a própria progra-mação no momento da execução. “Eu costumo dizer que todo processo de composição é uma improvisação”, diz Manzolli. “Como a música é um fenômeno no tempo, existe sempre um aspec-to que está no aqui e agora. Com o computador, o músico pode expandir ou contrair a presença desse aspecto como ele quiser.” n

Foto

S D

IVU

LGA

Çã

O

Page 95: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 95

ed

ua

rd

o c

esa

r

Já a relação de Leiris com o fotógrafo e viajan-te William Seabrook é distinta. Primeiro, porque Leiris não era ainda etnólogo, mas apenas um letrado que viu na etnologia a possibilidade de escapar de suas crises e desorientação naquele ambiente francês que misturava vanguarda sur-realista, psicanálise, arte negra e frequentação dos cursos de Marcel Mauss. A intuição de Lei-ris anterior à viagem e confirmada no retorno é de que o olho do etnógrafo não é o mesmo do fotógrafo, porque é preciso superar as “visões equivocadas construídas pelas ‘lentes deforma-doras’ da cultura europeia”. Se essa perspectiva crítica, que parece ser comum a Leiris e Alfred Metraux (que frequentou os mesmos círculos), levou o último para o rigor da ciência, em Leiris a etnologia tem forte carga reflexiva. Ao mesmo tempo que é capaz de dissipar fantasmagorias, é um empreendimento de reconstrução de si. Se Seabrook foi fundamental no deslanchar do projeto africano, no retorno Leiris afasta-se dele.

Vistos pela chave interpretativa do último estudo, aqueles que no início são dedicados a Bastide (sobre as cidades e o candomblé barroco) ganham nova luz. Não é possível entender as escolhas interpreta-tivas de Bastide sem levar em conta o trânsito entre etnologia e vanguardas estéticas na França, sobre-tudo porque a visão do barroco que elabora é em grande parte filtrada pelas lentes do surrealismo.

Nesse segundo desenho, no qual a escola fran-cesa de sociologia e etnologia é uma espécie de sujeito oculto, é Gilberto Freyre quem destoa. Há pouco espaço para tratar dele, mas cabe uma palavra. Enquanto as viagens de Leiris, Bastide e Verger são carregadas de reflexividade e desejo de descoberta, a viagem à África de Freyre não passa de um périplo de autoafirmação, suas fotos entre monumentos e nativos estão carregadas de uma perspectiva imperial. Freyre, no auge de sua consagração, confirma o que já sabia.

Com o artigo “Lévi-Strauss no Brasil: a forma-ção do etnólogo” (1998) e o livro Diálogos brasilei-ros (2000), A viagem como vocação (2015) forma um conjunto incontornável de excelentes estu-dos sobre a escola francesa no Brasil e na África.

Há um desenho explícito na disposição dos capítulos de A viagem como vocação, livro de Fernanda Arêas Peixoto que apresenta

seis estudos: dois que tratam exclusivamente de Roger Bastide, dois de Gilberto Freyre, um que mescla roteiros de Pierre Verger e Bastide e, por fim, um dedicado a Michel Leiris.

Nesse quadro, o último parece destoar. De um lado, porque trata de uma viagem por acontecer, isto é, de um artigo – “L’oeil de l’ethnographe” – que Leiris escreve na França antes de partir pa-ra a Missão Dakar-Djibouti; de outro, porque o Brasil está ausente, enquanto nos cinco estudos que o precedem é o território visado e percorri-do ou o lugar de onde se parte para, em outros quadrantes, ser reencontrado.

Mas há um desenho oculto no qual o ensaio sobre Leiris passa a fazer sentido (o leitor pode-ria começar por ele). Porque na linha do tempo trata da experiência mais recuada e diz respeito ao momento decisivo (1930) no qual a etnologia francesa começa a sair de seus gabinetes e pas-sa a ter por base etnografias de pesquisadores também franceses. Os outros ensaios tratam de viagens posteriores.

As fontes no livro – literatura científica, mapas, artigos de jornais, cartas, desenhos, fotografias – são examinadas com senso de detalhe. Que o etnógrafo seja também um fotógrafo é fato re-corrente, mas cabe observar que são profissões com fins distintos. Mas há uma borda na qual se embaralham, trata-se do encontro que se dá no gênero híbrido que é a narrativa de viagem. A serviço de uma revista ilustrada, o fotógrafo anda mais rápido e tem a segurança de quem quer e sabe fazer boas fotografias para encantar um público leigo; já o etnólogo sabe que boas fotografias não são suficientes para convencer uma comunidade científica. Verger, o fotógrafo, aproxima-se da etnologia por meio de escritos de Bastide; enquanto este renova a sua perspec-tiva etnológica aceitando os desafios propostos pelo fotógrafo para encontrar o Brasil na África.

Numa observação pessoal de Bastide para Ver-ger, o etnólogo diz ao fotógrafo que ele “se man-tém ao nível dos documentos, é preciso se valer deles”, como a afirmar que o documento é pouco sem o recurso ao rigor da ciência.

Etnologia francesa no Brasil e na África

A viagem como vocação: itinerários, parcerias e formas de conhecimentoFernanda arêas Peixotoedusp 288 páginas | r$ 45,00

Guilherme Simões Gomes Júnior

Guilherme Simões Gomes Júnior é professor do departamento de antropologia da Pontifícia universidade católica de são Paulo (Puc-sP).

rESEnHAS

Page 96: As estrelas da inovação

96 | janEiro DE 2016

despretensiosa, cujo objetivo explícito no prefá-cio é a narrativa que não deveria se ater exclusi-vamente aos aspectos médicos, mas que levasse em conta o pano de fundo social e humano. Os textos, dessa forma, são depoimentos pessoais dos autores, que escolheram situações inusita-das, são muito instrutivos e, às vezes, até mesmo engraçados. A leitura é leve, fácil e demonstra a grande experiência dos autores em suas diversas subespecialidades da infectologia.

A única coisa da qual senti falta foi uma pá-gina final com a inserção institucional dos oito autores dos textos.

Em 1967 o então cirurgião-geral do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, William Stewart, teria pronunciado: “É chegada a hora de fecharmos o livro das doenças infecciosas”. Mes-mo que não haja evidências de que ele teria de fato dito tal frase, ela reflete o espírito da época. A realidade é que ainda hoje uma em cada qua-tro pessoas que morrem no mundo por ano tem como causa a Aids e/ou malária e/ou tuberculo-se. A dengue põe em risco metade da população mundial e a malária ainda mata uma criança por minuto, quase todas na África. Estamos longe de poder cantar vitória sobre as doenças transmis-síveis e o Brasil tem papel primordial no treina-mento de especialistas nessa área. Assim, peço licença a meu velho mestre Amato para apro-veitar o “resmungo” de uma de suas historinhas neste livro. Nossas universidades têm hoje uma certa obsessão em mandar alunos para estágio no exterior. No caso da medicina, são os alunos estrangeiros que querem vir para o Brasil!

Espero que esse agradável livrinho faça suces-so e, principalmente, que possa inspirar nossos alunos a reconhecer que eles têm muito a ganhar com a experiência local em moléstias infecto-contagiosas.

Que ninguém se iluda; a próxima pandemia (provavelmente de gripe) é apenas uma questão de tempo. É essencial que o mundo tenha um número suficiente de especialistas experien-tes e preparados. O Brasil terá muito com que contribuir.

De tempos em tempos o mundo entra em alerta por risco de pandemias de patóge-nos emergentes (novos) ou reemergen-

tes (conhecidos). Assim foi com a pandemia da peste negra que varreu metade da população da Europa no século XIV, a gripe espanhola que em 1918 matou mais gente do que a Primeira Guerra Mundial, e mais recentemente o HIV e a dengue. Algumas ameaças frustraram-se por razões não completamente compreendidas ou por ação dos governos locais, tais como a Sars (Síndrome Res-piratória Aguda Grave, na sigla em inglês), o vírus H5N1 e a Mers-Cov (Síndrome Respiratória por Coronavírus do Oriente Médio). Outras estão che-gando e já causam enorme preocupação, como a febre Chikungunya e o Zikavirus.

A história dos surtos e epidemias no Brasil é rica e fascinante. Muito bem documentada é a história de nosso médico maior, Carlos Ribeiro, Justiniano das Chagas (1979-1934), que em 1909 foi enviado para investigar um suposto surto de malária no interior de Minas Gerais e acabou por descobrir uma doença nova que hoje leva seu nome. Ou a surpreendente descoberta do norte--americano Raymond Shannon, que identificou larvas do Anopheles gambiae, o mais competente vetor da malária na África, em uma poça d’água em Natal, em 1930. Histórias interessantíssimas, mas que sempre foram contadas muitos anos de-pois da morte de seus protagonistas.

Foi portanto com duplo prazer que li o livro de meus mestres Guido Carlos Levi e Vicente Amato Neto Investigação de surtos e epidemias no Bra-sil. Primeiro por se tratar de dois ex-professores meus de quatro décadas atrás; e, segundo, porque se trata de histórias verídicas narradas por seus protagonistas.

O livro não é uniforme, nem no estilo, nem nos temas, nem na profundidade em que os assun-tos são tratados. São memórias por vezes muito remotas, com mais de 50 anos de história, por vezes muito recentes; alguns temas são duplica-dos, outros quase vinhetas, mas todas elas muito interessantes. Percebe-se que são experiências pessoais que tiveram impacto significativo na vi-da profissional de seus autores. Longe de ser um defeito, essa aparente heterogeneidade é reflexo da maior qualidade do livro; trata-se de uma obra

Memórias médicas de surtos e epidemias

Investigação de surtos e epidemias no BrasilGuido carlos Levi e Vicente amato Neto (organizadores)segmento Farma editores56 páginasInformações: 3093-3300

Eduardo Massad

Eduardo Massad é professor do departamento de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da universidade de são Paulo. e

du

ar

do

ce

sar

Page 97: As estrelas da inovação

PESQUISA FAPESP 239 | 97

IlU

Str

ãO

da

nie

l b

uen

o

O mercado de trabalho corporativo está cada vez mais exigente em profissionais com conhecimentos em robótica e inteligência artificial, áreas que utilizam softwares para permitir, por exemplo, aos computadores reconhecer padrões e fazer associações de forma automática. Essa tendência é abordada no relatório Preparing for the digitisation of the workforce, realizado pela revista inglesa The Economist com o patrocínio da Everis, consultoria de origem espanhola. Foram entrevistados 228 executivos em empresas nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Ásia. Do total, 80% acreditam que a capacidade de usar ferramentas digitais será um fator fundamental para seu sucesso no futuro. Mas enquanto 58% dos pesquisados criaram uma estratégia para a digitalização do trabalho, desses, apenas 23% implementaram essa tarefa.

Entre as barreiras para o avanço da digitalização da força de trabalho está a alta demanda de profissionais com boa formação, como pesquisadores. Entre os entrevistados, 82% concordam que sua organização precisa transformar a forma de gerenciar o trabalho usando a tecnologia digital. Entre os empecilhos está a ausência de conhecimentos técnicos por parte dos profissionais.

Na robótica, o uso mais comum é na linha de produção, mas cresce o uso de robôs virtuais no gerenciamento de dados, permitindo que empregados qualificados possam concentrar atenção onde são mais necessários. Robôs virtuais captam dados de negócios da empresa para organizar as informações de forma mais eficiente e ágil. Na área da inteligência artificial, 43% dos entrevistados dizem que sua

organização está fazendo uso da tecnologia. Aplicação mais comum é na análise e mensuração de dados.

“O uso de robótica e inteligência artificial é uma tendência na economia. Hoje há uma incorporação gradativa de ferramentas computacionais e de informática”, diz Renato Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores adjuntos da FAPESP na área de programas especiais. “Robótica é uma área em que os alunos da graduação na engenharia das boas universidades são razoavelmente bem informados, o mesmo acontece com os alunos de ciência da computação em relação à inteligência artificial. Em programas de pós-graduação avança-se em algumas das técnicas de forma mais específica, o que resulta em melhor aproveitamento nas áreas”, diz o professor Roberto Marcondes, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) e coordenador adjunto da área de ciências exatas e matemática da FAPESP.

Como fica o profissional que é também pesquisador, mas de outra área, que precisa de conhecimentos em robótica e inteligência artificial no seu trabalho dentro da empresa? “Esse profissional precisa entender, no mínimo, quais os modelos matemáticos e os algoritmos que são implementados nos softwares, que estão por trás dos sistemas que se quer implantar ou que estão disponíveis no mercado”, diz Marcondes. “Penso que se de um lado há a substituição de algumas atividades por máquinas, do outro há uma ampliação do setor de serviços”, diz Pedrosa. “Precisamos de gente para organizar o grande volume de informações e dados gerados pelos sistemas digitais”, completa. n

Marcos de Oliveira e Bruno de Pierro

Tendências

Força de trabalho digitalentrevistas com 228 executivos mostram o comportamento das empresas em relação à robótica e à inteligência artificial

cArrEIrAS

Page 98: As estrelas da inovação

98 | janeiro De 2016

ar

qu

ivo

pe

sso

al

perFil

Nas águas do mundobiólogo português que estudou e trabalhou em quatro países agora é professor na uFscar

Português da cidade do Porto, o biólogo Hugo Sarmento, aos 37 anos, já morou em quatro países. Formado na Universidade do Minho, em Portugal, ele fez o doutorado na Universidade de Namur, na Bélgica, onde ficou por seis anos também como responsável por projetos de pesquisa. Nesse período passou várias temporadas em países africanos estudando o plâncton de grandes lagos como o Kivu e o Tanganica. “Esse trabalho me levou a ficar por mais de três meses por ano em países como Ruanda e República Democrática do Congo”, diz Sarmento. Antes do doutorado, morou por nove meses em Angers, na França, para estagiar em uma empresa de consultoria ambiental com bolsa da União Europeia. Depois fez estágio de pós-doutorado no Instituto de Ciências do Mar em Barcelona, na Espanha, por cinco anos. Nesse período visitou outros países, inclusive o Brasil, durante as expedições Tara Oceans e Malaspina para coleta e pesquisa de plânctons em todos os mares do planeta, entre 2009 e 2012.

Casado com uma brasileira que trabalha com comércio exterior e que ele conheceu há 15 anos na França, Sarmento tinha ideia de se fixar no Brasil e se candidatou a

uma bolsa do programa Ciências sem fronteiras, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), na modalidade que busca atrair pesquisadores para o país, e tornou-se professor visitante na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No final de 2013 participou de um concurso público para a vaga de professor na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Eu nunca tinha participado de concursos e não conhecia São Carlos, tinha apenas ouvido colegas recomendar a universidade, a cidade e também a FAPESP”, diz Sarmento. No início de 2014, ele já era professor no Departamento de Hidrobiologia da UFSCar, ano em que teve aprovado um projeto do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da Fundação para estudar a biodiversidade e a genética de microalgas e plânctons.

“Queremos explorar essa diversidade de microrganismos em ecossistemas aquáticos e identificar, por exemplo, aqueles que têm toxinas e podem ser patógenos, e também mapear a distribuição de genes com possível aplicação futura em biotecnologia. “Na expedição Tara Oceans encontramos mais de 35 mil espécies de bacterioplâncton no oceano e descrevemos mais de 40 milhões de genes.” Ele colabora com o professor Armando Vieira, também da UFSCar, em um projeto para enriquecer e manter na universidade uma das maiores coleções de microalgas do mundo. “Encontrei na UFSCar um excelente ambiente e infraestrutura para a pesquisa e acredito que poderei contribuir para o avanço da ciência na minha área.” n M. O.

consulToria

Mercado valoriza profissionais com pós-graduação

A instabilidade econômica do país não impediu que profissionais com mestrado tivessem aumento médio de salário de 21,4% no primeiro semestre de 2015 em comparação ao mesmo período de 2014. A constatação está num estudo da consultoria Produtive, de São Paulo, que analisou a remuneração de executivos recolocados no mercado pela empresa nas regiões Sul e Sudeste do país. Enquanto em 2014 a média salarial desses profissionais era de R$ 13,8 mil, em 2015 subiu para R$ 17,5 mil. O estudo reafirma que é um diferencial cada vez maior no mercado de trabalho ter mestrado ou doutorado.

A análise da consultoria indica que as empresas precisam de profissionais integrados com o mercado e a academia. Outro ponto destacado é que profissionais com esse perfil têm capacidade de gerar fontes alternativas de renda, além das funções tradicionais do cargo. Além disso, eles podem investir todo o tempo disponível na carreira na empresa ou conciliar o trabalho corporativo com aulas na academia como professor, principalmente em universidades privadas.

Os executivos com pós-graduação sem o grau de mestrado ou doutorado tiveram aumento de 12,4% na comparação com 2014. A média dos salários passou de R$ 9,3 mil para R$ 10,6 mil. Aqueles que possuem apenas a graduação tiveram aumento de 4,6% com a média dos salários pulando de R$ 5,8 mil para R$ 6 mil. A consultoria analisa que o estudo reflete a valorização dos profissionais dentro da tendência atual de reconhecimento da hiperespecialização. A exigência é por profissionais focados com formação sólida, conhecimento e profundidade teórica. n M. O.

Page 99: As estrelas da inovação

_ Anuncie você também: tel. (11) 3087-4212 | www.revistapesquisa.fapesp.brclassificados

UMA NOTÍCIA EM PRIMEIRA MÃO:CHEGOU O NOVO MESTRADO PROFISSIONAL EM JORNALISMO DA ESPM.

INSCRIÇÕES ABERTASINÍCIO DAS AULAS: 23/2

Saiba mais:www.espm.br/mppjm(11) 5085-4689

ciência em tempo real o conteúdo de pesquisa fapesp não termina aqui

Visite www.revistapesquisa.fapesp.br e se cadastre para receber o boletim.

Acompanhe também: @ pesquisafapesp no

twitter e a nossa página no facebook.

Na edição on-line você encontrará vídeos, podcasts e mais notícias

Page 100: As estrelas da inovação

O que a ciência brasileiraproduzvocê encontra aqui

revistapesquisa.fapesp.br [email protected]

Assine com até 50% de desconto