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Título: As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

Autores: Paulo Jorge Fernandes, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada

© 2011, Editorial Caminho, SA

Design da capa: Croquidesign

Pré-impressão: Patrícia Louro

ISBN: 9789722125062

Reservados todos os direitos

Editorial Caminho, SA

Uma editora do grupo Leya

Rua Cidade de Córdova, 2

2610-038 Alfragide – Portugal

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Índice

CAPÍTULO 1 D. MARIA I, A PIEDOSA 13

O nascimento 15

O baptizado 17

A infância e a educação 18

As irmãs 18

Mestres e aios de príncipes 19

Os retratos de D. Maria 20

O casamento 21

Os filhos de D. Maria 23

Um projecto falhado do marquês de Pombal 24

A subida ao trono. O novo Governo 24

Os festejos na aclamação da rainha 26

Tempo de viragem 30

A reabilitação dos Távoras 32

O processo contra o marquês de Pombal 33

A Viradeira 34

Problemas no reino. Medidas para os resolver 34

A capital no reinado de D. Maria I 37

Uma capital pouco higiénica 40

Quem vivia em Lisboa 41

Divertimentos e locais de convívio 42

Os divertimentos da nobreza 42

Os teatros 43

O Teatro de S. Carlos 43

Locais públicos de convívio 48

Os jogos 49

A iluminação de Lisboa 50

Quem era Pina Manique? 53

A cultura e o ensino no reinado de D. Maria I 55

Cultura popular: feiras e romarias 57

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As Festas da Senhora do Cabo (Espichel) 57

As procissões 59

O ensino no reinado de D. Maria I 60

A Casa Pia 60

Escolas de estudos menores 61

Escolas para preparar militares 62

A educação artística e a Academia do Nu 62

A Universidade de Coimbra e a Real Biblioteca Pública 64

Bibliotecas, gabinetes de leitura e livrarias 65

A Nova Arcádia 67

A Academia Real das Ciências 68

Missões científicas 69

Quadro das expedições científicas do reinado de D. Maria 70

A grande «viagem filosófica» 71

O destino da colecção de Alexandre Rodrigues Ferreira 77

As relações de Portugal com os outros países da Europa 79

Conflitos entre Portugal e a Espanha: a colónia do Sacramento 83

A viagem da rainha-mãe a Espanha 85

Conflitos internacionais – a independência dos Estados Unidos da América 87

Portugueses na luta contra corsários e piratas no Mediterrâneo 89

Luto na corte portuguesa 91

A Revolução Francesa 97

Antecedentes 99

A Revolução Francesa, um terramoto político no velho mundo 101

A execução de Luís XVI da França 104

Os ecos da Revolução Francesa em Portugal 105

A revolta do Tiradentes 107

Arte e artistas no reinado de D. Maria I 109

A Basílica da Estrela 111

O Palácio de Queluz 113

Estátua de D. Maria 114

O Palácio da Ajuda 114

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Os azulejos 116

O mobiliário 117

Domingos Sequeira: pintor no reinado de D. Maria I 119

William Beckford: viajante e escritor 121

Bocage: um grande poeta do reinado de D. Maria I 123

Os Alornas 128

Alcipe, a marquesa de Alorna: uma figura ímpar no reinado de D. Maria I 129

CAPÍTULO 2 D. JOÃO VI, O CLEMENTE 135

D. João, príncipe regente, futuro rei D. João VI 137

Casamento por procuração 139

Carlota Joaquina em pequena 141

Os filhos de D. João e D. Carlota Joaquina 143

D. João empossado como regente do reino 147

Uma situação complicada 149

A Guerra das Laranjas 152

Doenças e conspirações no reino 153

Conspirações: D. João versus Carlota Joaquina 153

Napoleão e o Bloqueio Continental 154

Más notícias 156

A mudança da corte para o Brasil 158

Navios da esquadra que transportou a família real para o Brasil 160

A armada portuguesa 161

A largada 162

A viagem 163

Os pontos de encontro previstos para a viagem 164

Calor, calmaria, mau cheiro 166

A chegada 167

E os outros navios? 168

Preparativos no Rio de Janeiro 168

Uma entrada triunfal no Rio de Janeiro 169

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Extracto do texto escrito pelo padre Perereca, que assistiu ao desembarque da família real portuguesa no Brasil 171

Residências reais no Rio de Janeiro 172

Beija-mão real 175

As Invasões Francesas 177

Junot e a primeira invasão francesa 179

Extracto da Carta Pastoral do cardeal patriarca de Lisboa a aconselhar os católicos a confraternizarem com os franceses 180

A actuação de Junot 182

Em guerra contra Junot 183

Quem era Junot? 185

Laura Junot, a duquesa de Abrantes 186

Soult e a segunda invasão francesa 188

O desastre da Ponte das Barcas 188

Massena e a terceira invasão francesa 190

Episódios esquecidos ou as cinco invasões francesas 192

Lutas na América do Sul 193

A independência das colónias espanholas 196

A acção da corte no Brasil 197

Quem era o conde de Linhares? 199

A arte e a cultura na corte do Rio de Janeiro 201

Quem era o padre José Maurício Nunes Garcia? 205

Quem era Marcos Portugal? 207

Os pintores na corte do Brasil 209

Portugal depois das Invasões Francesas 211

Um regresso adiado 215

Na Europa: o Congresso de Viena 216

Reviravolta inesperada 218

O Brasil elevado à categoria de reino 219

A aclamação de D. João VI 220

Os Voluntários do Príncipe 221

A Revolta de Pernambuco 221

A propagação dos ideais do liberalismo 223

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O descontentamento em Portugal 225

O liberalismo 227

A Maçonaria, uma organização secreta 228

Gomes Freire de Andrade e a primeira revolta liberal 230

A repressão 231

O Sinédrio, uma sociedade secreta fundada no Porto 231

A revolução liberal de 1820 232

A notícia da revolução liberal 234

A reacção das autoridades 235

Reacções à Revolução Liberal 236

As notícias sobre a revolução chegam finalmente ao Brasil 238

A preparação das primeiras eleições 239

O traje dos deputados 240

As ideias liberais impõem-se no Brasil 241

O regresso da família real a Lisboa 242

O desembarque 243

Mudanças profundas 244

Agitação no Brasil 245

O grito do Ipiranga – a independência do Brasil 247

A Constituição de 1822 248

O juramento da Constituição 249

Correntes de opinião 250

A revolta de Amarante 251

A Vila-Francada 252

A Abrilada 253

O marquês de Fronteira relata a sua prisão pelos miguelistas 254

D. João VI reprime a Abrilada 256

O reconhecimento da independência do Brasil 256

A morte de D. João VI 256

APÊNDICE 259

1. Cronologia 261

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D. Maria I, a Piedosa

CAPÍTULO 1

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O nascimento

D. Maria nasceu no dia 17 de Dezembro de 1734 no Paço da Ribeira, em Lisboa. Foi a primeira filha do príncipe herdeiro, que viria a sentar-se no trono como D. José I, e de sua mulher Mariana Vitória. Na data em que nasceu ainda reinava o avô, D. João V.

A primeira pessoa que pegou ao colo em D. Maria foi a avó, a rainha Maria Ana. As aias trataram da menina conforme era hábito e só quando ficou vestida e pronta é que a passaram para os braços de D. José. Em seguida, os pais e os avós dirigiram-se à sala ao lado onde se encontrava um altar, um oratório, e apresentaram-na, agra-decendo a Deus que tivesse vindo ao mundo perfeita e saudável.

No mesmo dia, o embaixador espanhol enviou mensageiros a Madrid para darem a notícia aos reis de Espanha, que eram avós da menina por parte da mãe.

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16 As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

Árvore genealógica da rainha D. Maria I

D. João V(1689-1750)r. 1707-1750

D. Maria Anade Aústria

(1683-1754)

D. José I(1714-1777)r. 1750-1777

Filipe V de Espanha(1683-1746)

r. 1700-1724/1724-1746

D. Isabel Farnésio(1692-1766)

D. Mariana Vitóriade Bourbon(1618-1781)

D. Matia I(1734-1816)r. 1777-1816

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17D. Maria I, a Piedosa

No dia seguinte realizaram-se cerimónias religiosas de acção de graças com música e cânticos na Igreja Patriarcal, que o avô man-dara construir junto ao Paço da Ribeira, residência da família real em Lisboa. A notícia do nascimento foi enviada a todo o país atra-vés de mensageiros a cavalo. Logo que chegavam às aldeias, vilas e cidades, os padres mandavam tocar os sinos das capelas e das igre-jas, e as autoridades locais organizavam festas, mandavam iluminar as ruas com velas e archotes e disparar salvas de canhão em sinal de alegria. Em Guimarães organizou-se um concurso de poesia cujos prémios distinguiram quem melhor cantou em verso o nascimento da princesa, noutras localidades tomaram-se iniciativas semelhantes para festejar a boa nova.

O baptizado

De acordo com os hábitos daquele tempo, a princesa recebeu vários nomes: Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana. Os padrinhos foram o avô português, o rei D. João V, e a avó espanhola, a rainha D. Isabel Farnésio. A avó, não podendo deslo-car-se a Lisboa, fez-se representar por uma irmã do marido, rei de Espanha, a infanta D. Francisca.

A festa, conforme também era costume numa época em que a coroa recebia grandes quantidades de ouro vindas do Brasil, foi sump-tuosa. A alta nobreza participou, disputando os lugares mais próxi-mos da família real por serem um sinal evidente de importância e de prestígio na corte.

Terreiro do Paço antes do terramoto de 1755

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18 As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

No cortejo, os reis deslocaram-se debaixo de uma espécie de toldo de seda, um pálio, transportado por dois marqueses e seis condes. Ao duque do Cadaval coube a honra de transportar a vela do bap-tizado, ao duque de Lafões o privilégio de segurar na toalha branca, e ao marquês de Nisa o de levar a princesinha ao colo.

Depois do baptizado na igreja, seguiu-se grande banquete no palácio e festejos do povo nas ruas.

A infância e a educação

D. Maria cresceu rodeada de carinho e num ambiente de luxo. A corte deslocava-se com frequência, mas não fazia grandes viagens. D. João V e a sua família passavam temporadas no Palácio da Ribeira, em Lisboa, no Palácio de Belém, no Paço de Salvaterra de Magos e no Palácio Real de Mafra. Também frequentavam as ter-mas das Caldas da Rainha. A princesa e as irmãs, que vieram a nas-cer depois, acompanhavam quase sempre a corte, usufruindo do conforto possível naquele tempo, pois embora os palácios fossem grandes e bonitos, não havia por exemplo maneira de os aquecer satisfatoriamente no Inverno.

As irmãs

Os reis, os príncipes, a nobreza, o clero e o povo esperavam sem-pre ansiosamente pelo nascimento de um herdeiro do trono do sexo masculino, mas D. José e D. Mariana Vitória só tiveram filhas. Depois de D. Maria, a primeira mulher que viria a sentar-se no trono português, nasceram mais três meninas, todas em Lisboa, todas bap-tizadas com o nome de Maria.

A 7 de Outubro de 1736, quando D. Maria tinha apenas 2 anos, veio ao mundo Maria Ana Francisca Josefa. Três anos depois, a 21 de Setembro de 1739, foi a vez de Maria Francisca Doroteia. Cinco anos mais tarde, no dia 25 de Julho de 1746, Maria Francisca Benedita.

Os pais eram muito novos, ainda não tinham subido ao trono, não se encontravam assoberbados pelas responsabilidades da gover-nação e por isso puderam prestar mais atenção às filhas do que era habitual.

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A mãe, D. Mariana Vitória, sendo espanhola, falava castelhano e português, mas como vivera em França também sabia falar fran-cês. Pensa-se que terá sido a primeira mestra das filhas e que teve o cuidado de lhes ensinar línguas. Em todo o caso, não bastavam os ensinamentos da mãe para a educação das princesas ficar completa. Naquele tempo, além de aprenderem a ler e a escrever, tinham aulas de Música, Desenho, Pintura, Equitação, línguas estrangeiras, neste caso Castelhano e Francês e, como sempre, também Latim, consi-derado indispensável na formação de uma pessoa culta. Recebiam ainda orientação religiosa, que incluía o estudo da História Sagrada. Entre os professores que se encarregaram da educação da princesa D. Maria, contam-se o mestre Domingos e José da Rosa, pintores reais, e o músico da corte, David Perez. Para as aulas de Equitação, a escolha recaiu no marquês de Marialva. Quanto à religião, ficou a cargo do frade carmelita José Pereira de Santana e do padre jesu-íta Timóteo de Oliveira, também nomeado seu confessor. A aia esco-lhida para acompanhar D. Maria e as suas irmãs foi Ana Catarina de Lorena, filha do marquês de Abrantes.

Mestres e aios de príncipes

David Perez numa gravura da época O marquês de Marialva numa gravura da época

D. Maria I, a Piedosa

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20 As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

Ser chamado para educar os filhos dos reis era uma honra que só distinguia nobres, artistas de renome, padres e frades de grande prestígio. Esses mestres viviam na corte ou frequentavam-na dia-riamente e tinham acesso directo aos monarcas e às pessoas mais importantes do reino. Nas cerimónias públicas, ocupavam lugares de destaque entre os fidalgos, ainda que não fossem nobres. Nas festas, tinham direito a um traje de luxo, bordado a ouro, comple-tado por chapéu de plumas brancas.

Os aios, do sexo feminino para princesas e do sexo mascu-lino para príncipes, embora menos importantes do que os mes-tres, também gozavam de grande prestígio. Eram sempre escolhi-dos entre as famílias nobres, e do permanente convívio resultava uma amizade e uma intimidade com a família real de que pou-cos se podiam gabar. A menos que, por qualquer motivo, caíssem em desgraça, tornavam-se poderosos graças à possibilidade de influenciarem quem reinava.

O confessor, na medida em que lhe competia controlar a consciência do confessado, era sempre uma figura poderosa e às vezes temível.

Os retratos de D. Maria

Vários pintores retrataram D. Maria em diversas fases da vida, mas é de supor que, sendo princesa herdeira, tendessem a embelezá -la, ainda que dentro dos limites acei-táveis. Também ficaram testemu-nhos escritos de portugueses e estrangeiros que a conheceram. As opiniões nem sempre coincidem, o que é absolutamente natural, pois se «gostos não se discutem», a cara que deslumbra uns pode perfeitamente desagradar a outros. Mais uma vez, tratando-se da princesa herdeira, haveria quem lhe elogiasse a beleza

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por interesse, ou por pensar que tinha obrigação de o fazer. Ficaram, pois, testemunhos que a apresentam dotada de «formosura prodi-giosa» e outros que, pelo contrário, se limitam a assinalar o seu porte distinto, ou o facto de ser mais alta e delgada do que as irmãs. Num ponto parecem estar todos de acordo: D. Maria possuía um olhar sereno, melancólico, bondoso.

O casamento

Escolher noivo para uma princesa era sempre uma tarefa com-plexa; tratando-se de princesa herdeira do trono mais complicado se tornava. Segundo a interpretação das leis, D. Maria não podia casar com príncipes estrangeiros, mas houve dois que se candidataram: D. Luís, irmão do rei Carlos III de Espanha, apresentou a sua pro-posta ainda no tempo do marquês de Pombal, que se opôs por con-siderar que o enlace, em determinadas circunstâncias, poderia pôr em risco a independência nacional. O duque de Cumberland, filho segundo do rei Jorge II de Inglaterra, também apresentou uma pro-posta, rejeitada pelo clero por ser protestante.

Procurar noivo entre as famílias nobres portuguesas levantava um problema. Qualquer nobre, por mais bem-nascido que fosse, ocupava um lugar inferior na hierarquia social e a futura rainha não podia casar abaixo da sua condição. Restava a própria família real. E, na família real, príncipes solteiros só havia três: um deles era D. João Carlos de Bragança, o futuro duque de Lafões, primo do rei D. José. O marquês de Pombal manifestou-se contra porque não se entendia com ele e, como na altura ainda tinha muito poder, impediu o convívio com a princesa, e acabou por conseguir afastá--lo do país encarregando-o de uma missão no estrangeiro. Os outros eram D. António, tio-avô da princesa, quarenta e dois anos mais velho, e D. Pedro, irmão do rei D. José e, portanto, tio direito da princesa, dezoito anos mais velho do que a sobrinha.

O debate iniciara-se quando D. Maria ainda era criança. Teria 8 anos quando seguiu para Roma o pedido de dispensa ao papa, para que D. Maria pudesse vir a casar com o tio D. Pedro. O papa auto-rizou, mas a cerimónia tardou porque, atendendo aos boatos, D. Pedro não tinha amantes nem filhos bastardos, o que podia significar que não se interessava por mulheres ou que não era capaz de dar herdeiros ao trono. A princesa gostava muito do tio, ele

D. Maria I, a Piedosa

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também gostava dela e a nobreza via com bons olhos o enlace. Ainda assim o pai, D. José, hesitava. A grande decisão acabou por ser tomada sob pressão dos acontecimentos. Quando chegou o pedido de D. Luís, irmão de Carlos III, só se podia recusar, sem ofender o monarca do país vizinho, dizendo que a princesa já estava compro-metida com o tio.

D. Pedro III numa litografia de 1847 (?)

No ano de 1750 morreu o avô, D. João V e subiu ao trono o pai, D. José I. D. Maria passou a usar o título de princesa do Bra-sil1. Dez anos depois, a 6 de Junho de 1760, D. Maria (futura rai-nha D. Maria I) casou com o seu tio D. Pedro. A ânsia de ter um filho varão levou a princesa a fazer uma promessa: se fosse mãe, havia de mandar construir uma igreja dedicada ao Sagrado Cora-ção de Jesus. O pedido foi atendido e a promessa cumprida. Quando nasceu o primeiro filho, D. Maria mandou construir a Basílica do Coração de Jesus em Lisboa, que ficou conhecida por Basílica da Estrela.

1 Nesta época, era o título do herdeiro do trono.

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Retrato da rainha D. Maria I e D. Pedro III (século XVIII)

Os filhos de D. Maria

Um ano depois do casamento, a 20 de Agosto de 1761, D. Maria deu à luz um rapaz que foi baptizado com o nome do avô, José. A corte e o país inteiro exultaram por considerarem garantida a sucessão do trono.

Nesta data, reinava ainda o avô, D. José I. O marquês de Pom-bal, que tinha muito poder, exerceu a sua influência para que o prín-cipe fosse educado de acordo com os princípios que ele defendia.

Dois anos mais tarde, em 1763, nasceu outro rapaz, que recebeu o nome do bisavô D. João V e que morreu à nascença. A 13 de Maio de 1767 um feliz acontecimento ajudou a esquecer o desgosto, pois nasceu mais um príncipe que, conforme acontecia com frequência na época, recebeu o mesmo nome do irmão que o antecedera e não sobrevivera. Ficou João, mas não só. O seu nome completo era João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael, à data do nascimento filho segundo. Mais tarde, por morte do pri-mogénito D. José, com 27 anos de idade, ocupou o lugar de príncipe herdeiro e veio posteriormente a sentar-se no trono como D. João VI.

D. Maria ainda deu à luz mais três filhas: Maria Clementina, que morreu com 2 anos, Maria Isabel, que morreu com 11, Mariana Vitória Josefa, que casou com um infante de Espanha; e um filho, D. Gabriel, que também morreu jovem, aos 20 anos.

D. Maria I, a Piedosa

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24 As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

Um projecto falhado do marquês de Pombal

O marquês de Pombal e D. Maria nunca se entenderam bem. A princesa e o marido apoiavam como podiam as famílias nobres que o marquês perseguia e, por várias vezes, manifestaram discor-dância a respeito de decisões que o marquês tomava. Sendo assim, tudo indicava que, quando D. Maria subisse ao trono afastaria o mar-quês de Pombal do Governo. Por isso mesmo, o marquês de Pombal acalentou o projecto de impedir que esta princesa sucedesse ao pai. Pensava resolver o problema convencendo o rei D. José I a escolher como herdeiro o neto mais velho, D. José. Certo de que consegui-ria concretizar o projecto, contratou bons mestres da sua confiança para se ocuparem da educação do príncipe e para lhe transmitirem os princípios políticos que ele, marquês, defendia. O rei esteve quase a aceitar a proposta, mas quando a princesa soube apressou-se a dizer ao pai que não renunciava aos seus direitos. Era a primogénita, não tinha irmãos rapazes, competia-lhe reinar. O marido apoiava-a e os nobres também. O pai acabou por lhe dar razão e esqueceu as pres-sões do marquês de Pombal.

A subida ao trono. O novo Governo

O rei D. José I morreu no Palácio da Ajuda a 27 de Fevereiro de 1777. A princesa encontrava-se no quarto a descansar. Logo que foi informada, recebeu os quatro ministros de Estado, que eram: o cardeal da Cunha, Aires de Sá e Melo, Martinho de Melo e Cas-tro e o marquês de Pombal. Todos lhe beijaram a mão, pois a par-tir daquele momento era ela a rainha de Portugal.

O marquês sabia que, com a morte do rei, a sua época de gló-ria chegava ao fim. Já tinha sido impedido de entrar nos aposentos reais na fase final da doença de D. José, a rainha iria certamente demiti-lo. Antes que ela o fizesse, antecipou-se e pediu para ser dis-pensado de todos os cargos que ocupava. Alegando cansaço e falta de saúde, pediu autorização para se retirar para as suas terras, em Pombal. O pedido foi entregue a 1 de Março, a rainha respondeu no dia 4. Dispensou-o conforme desejava e autorizou que se ausen-tasse. Em memória da amizade que o pai lhe dedicara, manteve-lhe o ordenado de ministro e ainda lhe deu a comenda de Santiago de Lanhoso com os respectivos rendimentos.

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No dia 14 de Março, D. Maria I escolheu dois ministros para ocuparem os cargos que o marquês deixara vagos, dois elementos da alta nobreza, o marquês de Angeja e o visconde de Vila Nova de Cerveira. Estes fidalgos já tinham colaborado com o Governo e gozavam de grande prestígio.

O marquês de Angeja, ainda aparentado com a família real, era um homem culto, com interesse por assuntos científicos. A ele se deve o primeiro jardim botânico português, que mandou plantar à sua custa nas Caldas da Rainha. A escolha deste ministro agradou à nobreza, mas rapidamente provocou desconfiança no povo porque lhe competia velar pelas Finanças e, como tomou medidas para evi-tar gastos, muita gente se convenceu que se apropriava do dinheiro do Estado. A má vontade traduziu-se em panfletos anónimos distri-buídos pelas ruas em verso aconselhando a rainha a afastar Angeja e a acusá-lo de ser ladrão.

Senhora, se PortugalQuereis que ditoso seja,Apartai de vós o AngejaQue é pior que o Pombal.Sobre um mal vem outro mal,Que nos tem atropelado,Vede as razões de Estado,Qual faz mais enorme vulto,Se o que é ladrão ocultoSe o que é descarado.

Quanto ao visconde de Vila Nova de Cerveira, também era um homem cheio de qualidades, inteligente, culto e, na opinião de muita gente, incorruptível. A seu respeito escreveu o marquês de Penalva que os espíritos pequenos enraiveciam-se por não encontrarem motivos para dizer mal dele. Ainda assim houve quem o acusasse de ser pouco decidido e muito fantasioso na condução dos negócios do Estado, mas aguentou-se muito tempo no Governo e, em 1790, recebeu mais um título, o de marquês de Ponte de Lima.

Martinho de Melo e Castro manteve-se no seu posto de secre-tário de Estado da Marinha e continuou a prestar bons serviços e a representar o país em missões no estrangeiro. Ríspido e orgulhoso, respeitado e temido, foi uma figura importante do reinado de

D. Maria I, a Piedosa

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26 As Invasões Francesas e a Corte no Brasil

D. Maria. A rainha quis conceder-lhe o título de marquês da Lou-rinhã, mas ele recusou.

Aires de Sá e Melo, secretário de Estado dos Negócios Estrangei-ros, também continuou no seu posto, mas tratava-se de um homem tímido, pacífico, fraco, que a rainha só conservou por amizade e que nunca passou de figura apagada.

O cardeal da Cunha ainda ficou dois meses ao serviço, mas aca-bou sendo dispensado pela rainha.

O confessor de D. Maria, frei Inácio de S. Caetano, que era car-melita, continuou a prestar assistência religiosa à rainha apesar de não ser do agrado da nobreza nem do papa. Toda a gente esperava que fosse afastado porque no reinado anterior tinha sido protegido pelo marquês de Pombal, mas não foi. A rainha estava habituada a ouvi-lo e a seguir os seus conselhos, mandou que lhe arranjassem aposentos no palácio e chegou a nomeá-lo inquisidor-mor, cargo que lhe conferia grande poder.

Um viajante inglês, William Beckford, que frequentou a corte, dei-xou vários testemunhos escritos sobre frei Inácio, mas a sua opinião foi mudando à medida que o conhecia. De início, achava-o horrível e grosseiro. Por fim, não lhe poupava elogios. Nunca vi sujeito mais gros-seiro, parece banhar-se em água de rosas, ri e engorda, escreveu. Pouco depois, já se lhe referia tratando-o por o bom velho confessor e, mais tarde, escreveu o seguinte comentário sobre o confessor da rainha no seu diário: raras vezes se tem o prazer de ver uma fisionomia mais agra-dável, mais jovial. Em 1788, quando frei Inácio morreu, refere-se-lhe de forma carinhosa: Pobre coração honesto, simpático velho.

Conclui-se que frei Inácio era uma daquelas pessoas que ganha em ser conhecida.

Os festejos na aclamação da rainha

As festas da aclamação tiveram de ser adiadas porque toda a famí-lia real, incluindo a rainha, adoeceu com sarampo. Só depois de se restabelecerem foi possível realizar a cerimónia, que foi agendada para 13 de Maio de 1777, no Terreiro do Paço. O dia amanheceu magnífico e a festa foi linda. No lugar onde antes do terramoto se situava o Palácio da Ribeira tinha sido levantado um varandim de madeira, com muitas colunas e vinte e oito arcos, tudo desenhado por Mateus Vicente de Oliveira, que era sargento-mor, já se ocupara