As Letras e o Seu Ensino Anais Ix Semana de Letras Livro

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As letras e o seu ensino anais da IX Semana de Letras Departamento de Letras - UFOP 19 a 21 de novembro de 2006 José Luiz Foureaux de Souza Júnior José Benedito Donadon-Leal Alexandra Santos Irene Ruth Hirsh William Augusto Menezes (Organizadores) 2008 Editora Aldrava Letras e Artes

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As Letras e o seu Ensino Anais da IX Semana de Letras da UFOP - ISBN: 978-85-89269-28-5

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As letras e o seu ensinoanais da IX Semana de LetrasDepartamento de Letras - UFOP 19 a 21 de novembro de 2006

Jos Luiz Foureaux de Souza Jnior Jos Benedito Donadon-Leal Alexandra Santos Irene Ruth Hirsh William Augusto Menezes (Organizadores)

2008Editora Aldrava Letras e Artes

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Copyright @ Jos Luiz Foureaux de Souza Jnior e J. B. Donadon-Leal 2008Direitos reservados autora. Reproduo autorizada desta obra, desde que citada a fonte.

Reviso: sob responsabilidade dos autores dos textos Projeto grfico: Aldrava Letras e Artes. ____________________________________________________________ SOUZA JNIOR, Jos Luiz Foureaux; DONADON-LEAL, J. B.; MENEZES, William Augusto; RIRSH, Irene Ruth e SANTOS, Alexandra (Orgs.)

As letras e o seu ensino anais da IX Semana de Letras Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2008. 1a Edio. ISBN: 978-85-89269-28-5 1. Educao 2. Ensino de Lngua Portuguesa 3. Lingstica 4 Literatura 981 CDU904(091) CDD 410 _______________________________________________________Tiragem: 800 Exemplares em CDRom

Aldrava Letras e ArtesCx. Postal 36 35420-000, Mariana, MG

www.jornalaldrava.com.br

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE LETRAS CENTRO DE ESTUDOS LINGSTICOS E LITERRIOS

as Letras e o seu ensinoanais da ix semana de letras Departamento de Letras - UFOP 19 a 21 de novembro de 2006

Reitor da UFOP: Joo Luiz Martins Diretor do ICHS: Ivan Antnio de Almeida Filho Chefe do DELET: William Augusto Menezes Comisso Organizadora da IX Semana de Letras: Jos Kuiz Foureaux de Souza Jnior Presidente Alexandra Santos Irene Ruth Hirsh Jos Benedito Donadon-Leal William Menezes

Este livro acabou de ser organizado em Setembro de 2008

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Sumrio09. Jos Luiz Foureaux de Souza Jnior - Apresentao11. Adail Sobral, Elementos para uma definio do esttico segundo o Crculo de Bakhtin 22. Adalberto Teixeira de Andrade Rocha. A new historicist reading of Comus through the Ladys gums of glutenous heat 26. Adriana Slvia Marusso. O ensino de pronncia na formao do professor de lngua estrangeira 29. Alessander Pery Lopes Thomaz, Alex Caldas Simes, Ana Carolina Rocha Santa Rita, Fabianne de Sales Neto, e Josyele Ribeiro Caldeira. O projeto de extenso Mdia 28. participativa Peridico: percursos e perspectivas 31. Alex Caldas Simes e Marielle Gasperi Vilibor. PRAAT: sua funcionalidade 33. Aline Cassiana de Lima e Maria Cristina Pimentel Campos. Ethan Brand: os tormentos do pecado 37. Alice Meira Incio e Maria Emlia Magalhes Martins da Costa. Contao de histrias, audio e expresso

41. Amanda Letcia Oliveira Nascimento. A representao dos gneros em Del que no se casa, de Roberto Arlt, e Victoria, de Enrique Santos Discpolo 44. Ana Lcia Pitanguy Marques, A percepo das construes com o auxiliar DO, nas oraes interrogativas em ingls por aprendizes iniciantes: um estudo na abordagem da Lingstica cognitiva 49. Ana Maria Benevenuti, Liliane dos Santos e Walkria Gouva. Gerenciamento tpico e papisdiscursivos de juiz e requerente em uma audincia judicial de conciliao 53. Ana Paula da Silva Huback. A interferncia da freqncia nos plurais em o do Portugus brasileiro 57. Andr Dias. O homem burgus: afetividade e contradies

60. Andr Marinho. Entre o contemplar e o atuar: Ricardo Reis e a escolha de uma Ldia possvel63. Andr Soares da Cunha, Beatriz Pinheiro de Campos, Everton Fernando Pimenta e Francisco de Castro Samarino e Souza. Drcula: a Inglaterra oitocentista e a crise de paradigmas 67. Andr Vincius Pessa. A musicalidade na obra de Joo Guimares Rosa 70. Andria Almeida Mendes. Topnimos comerciais: uma anlise da nomenclatura comercial de Matip 74. Andreia Rosmaninho. O ensino de jornalismo literrio nas escolas de Comunicao e Letras 79. Andressa Vidal. Autoconhecimento modelo interno: um estudo em A quinta histria 83. ngela de Aguiar Arajo. Os desdobramentos do conceito de heterogeneidade no entrecruzamento da lingstica e da anlise de discurso 86. ngela Barbosa Franco e Maria Cristina Pimentel Campos. O poder em Macbeth: s margens da criminalidade

90. Anglica Gherardi Sindra. Identidade e erotismo em Niketche: uma histria de poligamia, de Paulina Chiziane95. Anita Fiszon. Leituras da paisagem: o barro cultural nas construes das casas de taipa e como pigmento pictrico nas obras de arte, uma alfabetizao do olhar

99. Anna Ceclia Santos Chaves. Da solido em Samuel Rawet: um olhar sobre a velhice e a infncia105. Bahiyyih Hardacre, Helder Ferreira e Heliana Mello. Evidncia de transferncia lingstica em estruturas argumentais: a aquisio de struturas resultativas da Lngua Inglesa pelo falante de Portugus brasileiro

108. Brbara Nayla Pieiro de Castro Pessoa. Representaes do fantstico: uma leitura contrastiva de Borges e Cortzar112. Berilo Luigi Deir Nosella. A narrativa no drama pirandelliano: alegoria e modernidade 115. Bianca Pataro Dutra Clmaco. O imaginrio sobre a mulher histrica no livro O homem, de Alusio Azevedo 118. Bruna Karla Pereira. Convergncia de sujeito e objeto direto: uma anlise enunciativa 122. Camila Aparecida Serafim, Ana Maria Ferreira Barcelos e Maria Cristina Pimentel Campos. O professor no espelho: a imagem da primeira aula

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125. Camila Nathlia de Oliveira Braga. Tradutores novatos: aspectos do produto tradutrio relativos organizao temtica e coeso 130. Carla Aparecida de Almeida e Maria Amlia de Almeida Cunha. Prticas de linguagem e fracasso escolar: desafios a serem enfrentados 133. Carla da Costa Silva. Animais personagens nas obras de Clarice Lispector 136. Carlos Alexandre Molina Noccioli. Radicalismo da linguagem em poemas vanguardistas pertencentes obra Pau Brasil, de Oswald de Andrade

139. Carolina Alves Magaldi. Literatura escandinava e formao nacional146. Carolina Casarin da Fonseca Hermes. a lgrima, o magma 149. Carolina de S Arajo. At que ponto o discurso enunciado no campo poltico conserva-se como um discurso poltico? 152. Isabel Nascimento, rica Teixeira, Juliana Preisser, Letcia Celeste, Lidiane Coelho e Csar Reis. Anlise da organizao temporal no comando militar 157. Cibele Braga Silva. Circe: fantasias e alucinaes 160. Cibele de Lima Machado e Maria Carmen Aires Gomes. Formao continuada para professores de Lngua Portuguesa: discutindo os PCNs de Lngua Portuguesa nas escolas pblicas de Viosa 163. Cludio Roberto Vieira Braga. Addressing the global and the local through magical realism in Yamashitas Through the arc of the rain forest

167. Clzio Roberto Gonalves. A funo discursiva do objeto incorporado em narrativas orais do portugus171. Dalcylene Dutra Lazarini. Do erro ao acerto: atividade coletiva para reescrita 176. Damris de Souza Ramos e Ilca Vieira de Oliveira. Poesia mesa: arte e tcnica na poesia de Drummond e Gilberto Mendona Teles 179. Daniel da Silva Moreira. A idade de ouro: de Ovdio aos cronistas dos descobrimentos 183. Daniel Gomes Martins. Cinema e Literatura: a elucubrao flmica no livro El beso de la mujer anaa 185. Daniervelin Renata Marques Pereira. O humor Na capa: uma anlise semitica do discurso

189. Danilo Barcelos Corra. O feminino, a sexualidade e o desejo em Uma Carta, de Srgio SantaAnna 193. Dbora Ribeiro Santos e Mnica Guieiro Ramalho de Alkmim. A norma lingstica do Brasil:um apanhado sobre as bases, origens e a construo de um padro lingstico

197. Deborah Gomes de Paula. Estratgias scio-interacionais jornalsticas e a produo de texto200. Dhenise de Almeida Celso Neto. Bertolt Brecht na cena teatral brasileirea: o redirecionamento do teatro no Brasil para uma viso engajada, moderna e inquietante teoria e prtica 204. Diogo Pacheco Veloso. Memorial de Aires e as dilaceraes da escrita do eu 208. Doroti Maroldi Guimares. O discurso literrio em sala de aula: uma anlise retrica do Desenredo, de Guimares Rosa 211. Eclair Antnio Almeida Filho. O bilingismo na poesia de Jacques Prvert

214. Edir de Lima, Luciana Guedes Dures, Shirlene Bemfica de Oliveira e Vania de Oliveira. Students resistance to speak in English218. Edmar de Assis Campelo vila. A interioridade e o mundo: um estudo da problemtica do indivduo em Amar, verbo intransitivo 221. Ednaldo cndido Moreira Gomes. Mordacidades na potica de Bernardo Guimares. 225. Eduardo Tadeu Roque e Daniel Mazzaro. Repercusses da Lei n 11.161/2005: reflexes sobre o ensino de espanhol no Brasil 229. Eliane Ganem. Do prosaico ao potico, o ensino da leitura 232. Elisson Ferreira Morato. Por um conceito de ironia em Anlise do Dscurso 235. Eliza B. de Carvalho Dornas e Julio Jeha. Evil actions in Vietnam war 239. Elizabete Chaves Coelho. Botos, demnios e judeus em O baile do judeu, de Ingls de

Sousa242. Elizete Maria de Souza. A indeterminao do sujeito no PB atravs do pronome eles: pesquisa em andamento 246. Elvis Hahn Rodrigues. Histria do livro Da sia, de Diogo do Couto 249. Enio Luiz de Carvalho Biaggi. Famigerado: anlise intersemitica de um conto rosiano

252. Esteban Reyes Zeledn. Do processo de leitura e escrita no Quixote

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255. Evelyn Blaut Fernandes, As autpsias: uma leitura de A ruiva 258. Fabrizzi Matos Rocha. Gerao Trianon: uma identidade ps-moderna 261. Flvio Accio da Rocha. Fabiano, por um olhar humanizador: uma investigao fenomenolgica 265. Flvio Rodrigues Campos. As aulas da professora Galxia e uma professora muito maluquinha: anlise da representao da imagem do professor em livros infanto-juvenis 268. Flora de Jesus. Leitura atravs da intertextualidade 273. Gean Carla Pereira. A (re)construo da identidade e a busca por um novo (re)comeo em Lucy, de Jamaica Kincaid 276. Geraldo Majella de Souza. A narrativa sedutora de A figurante 280. Germana Terezinha Aquino de Almeida e Paolla Cabral Silva. O uso do presente para explicar o passado, no Portugus 283. Gisele A. Costa e Silva e Vanessa Lavrador. Discurso religioso e opresso feminina nos anos do fascismo espanhol 287. Gisele Miranda Costa. O ensino da Morfologia: o substantivo 291. Giseli Barros e Dulce Maria Viana Mindlin. A presena das crianas no teatro de Jos de Anchieta 294. Gislene Teixeira Coelho. O papel do intelectual em Tebas do meu corao, de Nlida Pion 297. Giuliano Csar dos Santos. Delrio dos cinquentanos, de Affonso vila: relaes entre

crtica e obra300. Hrcules Toldo Corra. De leitores a escritores: o letramento literrio em obras memorialsticas brasileiras do sculo XX 304. Horcio dos Santos Queiroz. As funes gramatical e expressiva da entonao

308. Igor Antnio Loureno da Silva. Pesquisadores expertos brasileiros: um mapeamento de suas produes textuais em ingls com base na anlise de gnero e na Lingstica Sistmico-Funcional 314. Igor de Oliveira Costa. Mudana de papel discursivo em um talk-show317. Imara Bemfica Mineiro. Macednio Fernndez e Julio Cortzar: o leitor compartilhado

321. Isabel Teixeira Nascimento, rica Gonalves Teixeira, Juliana Preisser de Godoy e Silva, Letcia Corra Celeste, Lidiane Michelle Coelho de Souza e Csar Augusto da Conceio Reis. Anlise da organizao temporal no comando militar326. Letcia Celeste, Isabel Teixeira, Juliana Preisser e Csar Reis. Metodologia de anlise entonativa: Momel e Intsint 329. Isabela Roque Loureiro. As figuras da leitura e do leitor em La regenta, de Leopoldo Alas

Clarn332. sis Pordeus e Reinildes Dias. INGREDE: uma experincia on-line para o desenvolvimento da autonomia do aprendiz de Lngua Estrangeira 337. Joana Alves Fhiladelfio. Poticas da ps-modernidade no romance Em liberdade, de Silviano Santiago 341. Joana Alves Fhiladlfio e Rosilene Maria da Silva Gaio. Leituras intersemiticas: Shrek e os contos de fadas 344. Joana Anglica dos Santos Lima. Um estudo toponmico do Pelourinho 348. Joana Lima Figueiredo. O uso do patrimnio cultural como recurso educacional 352. Joana Wildhagen. A potica do espao em Cidade de Deus 355. Joelma Santana Siqueira. A crtica e O demnio familiar 359. Jorge Paulo de Oliveira Neres. Literatura: armadilha cruel para o iniciante em Letras

362. Jos Benedito Donadon-Leal - Discurso poltico e referenciao 364. Martha Mello Ribeiro - Teatro forma de educar: uma experincia SESC-RAMOS 368. Mayara Ribeiro Guimares - Uma viagem ao inferno do outro: Medo de Sade, de Bernardo Carvalho 371. Mayra Helena Alves Olalquiaga - paradise within: Paradise lost and the narration of nation in Midnights children 374. Michel Mingote Ferreira de Azara - Solida: a inquietao do olhar e outros processos 377. Michele Dull Sampaio Beraldo Matter - Da teoria prtica em Seara de vento: entre a tradio e a inovao 381. Michelle Santos Trindade A guerra do Vietn pelas lentes cinema da guerra do Vietnam 384. Michelly Pereira - At nunca ditadura: do discurso implcito

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387. Miriam de Paiva Vieira - Ekphrasis em Moa com brinco de prola 390. Miriam Ribeiro Dias - O desenho de Arlindo Daibert: a voz perifrica realada pela noface 395. Mylene Fonseca Garcia - Transtextualidade: a teoria de Genette aplicada ao estudo da adaptao flmica 400. Natlia Eliza Novais Alves e Ana Maria Ferreira Barcelos - Usar ou no a lngua materna na aula de lngua estrangeira? O que diz a literatura? 403. Natlia Rompinelli - A reinveno da identidade brasileira pelo quadro A primeira missa no Brasil da portuguesa Paula Rego 408. Newton Ribeiro Rocha Jnior - A postmodern Prometheus: the relation between creator and creature in William Gibsons Neuromancer 411. Nilce Carla Andrade Molina - Inteligncias mltiplas: o uso de flashcards no ensino de vocabulrio em aulas de lngua estrangeira (Ingls) 414. Nilson Adauto Guimares da Silva - Posicionamentos de Sartre e Camus diante do Comunismo 418. Nvea Lazaro dos Santos - Dilogos entre Literatura e Msica: a marca da oralidade na cantoria nordestina e nas cantigas trovadorescas 421. Patrcia Lane Gonalves da Cruz - A festa de Babette: a criao de um conceito 425. Patrcia Nunes Paiva e Wagner Lacerda - Murilo Mendes e o Pr-Modernismo: formao na provncia 428. Pauline Freire e Josuele Ribeiro Caldeira - A relao editora-leitora nas cartas da redao, em uma revista para adolescentes: a construo do gnero atravs de recortes em pocas diferentes 432. Paulo Roberto Barreto Caetano - Ambigidades, espelhamentos e dessacralizaes: a mulher em Mona Lisa, de Meir Kucinski 436. Paulo Roberto Machado Tostes - Traduo e identidades na terceira margem 439. Priscila Viana Castiglioni e Maria Carmen Aires Gomes - O gnero Santinho poltico 443. Rafael Tibo - Aproximaes e divergncias entre os conceitos de identidade cultural iluminista e de episteme clssica 449. Raquel Mrcia Fontes Martins - O comportamento do indivduo em fenmenos fonolgicos 453. Regina Clia Pagliuchi da Silveira - A organizao textual da opinio: crenas e valores na interao scio-comunicativa 458. Renata de Oliveira Batista Rodrigues - O saber elocucional e as principais dificuldades na produo textual 460. Rita de Cssia Dabs Moreira de Carvalho e Dulce Maria Viana Mindlin - Trs literaturas, trs autores, trs sculos e um s conto 464. Rita de Cssia Gomes - O ensino de lngua francesa e suas contribuies: uma discusso sobre o plurilingismo 468. Roberta Corra Trindade Vieira - Do trgico ao estico: o papel do incesto em Os maias, de Ea de Queirs 471. Rodrigo Maral Santos - Cenas da vida de um golem 474. Roniere Menezes - Literatura e identidades culturais na educao contempornea 478. Rose Mary Abro Nascif - Vozes da memria: um processo identitrio feminino no mbito transcultural 482. Rosiane Vieira de Rezende - Lcio Cardoso: intelectual s avessas 485. Samantha Guedes Barbosa - Itinerrio de leituras: o letramento literrio e a formao do escritor em O menino da mata e seu co Piloto, de Vivaldi Moreira 488. Sara Helena Quintino e Jos Benedito Donadon-Leal - Cnego, historiador ou beletrista? Uma anlise sobre os sujeitos em Arquidiocese de Mariana- subsdios para sua histria., do Cnego Raimundo Trindade 492. Selma Zago da Silva Borges - Nas leituras de Michel Pcheux, um novo olhar na comunicao entre aluno e escritor: gnero e-mail

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497. Shirlei Maria Freitas de Mello - A estrutura de participao dos interlocutores e o trabalho de faces na interao oral - ulti-participantes ocorrida em programa de entrevistas radiofnico 502. Silvnia de Souza e Jos Benedito Donadon-Leal - Contribuio das Cartas Chilenas para a construo da liberdade em Minas Gerais 506. Slvia Regina Paverchi - Estudos literrios e cinema: a aposta numa confluncia aplicvel sala de aula 509. Simone Batista da Silva - O professor de Ingls e os Parmetros Curriculares Nacionais 512. Simone Mller Costa - Lngua, discurso e ensino 516. Solis Teixeira do Prado Mendes - Documentos manuscritos: o que eles nos ensinam sobre a histria de nossa lngua? 519. Solis Teixeira do Prado Mendes - Anlise de estruturas lingsticas em sala de aula atravs de pesquisa: sugestes de atividades para o ensino mdio 522. Snia Maria Simes Bianchini - Concepes de erros no ensino de lnguas 525. Tadeu Luciano Siqueira Andrade. A Gramtica e o ensino da lngua portuguesa: caminhos a seguir 529. Talitha Helen Silva e Francisco Moura - Reflexes sobre a utilizao de uma brinquedoteca no processo ensino-aprendizagem de uma segunda lngua 532. Tnia Liparini Campos e Aline Alves Ferreira - Competncia em traduo e formao de tradutores: uma abordagem processual 537. Tatiana Diello Borges, Aurlia Emlia de Paula Fernandes e Ana Maria Ferreira Barcelos Como crenas vm sendo investigadas?: um levantamento inicial 542. Tatiane Gonalves Caetano e Ilca Vieira de Oliveira - O poeta e as imagens telricas: Carlos Drummond de Andrade e Gilberto Mendona Teles 545. Telma Borges - A escrita bastarda 550. Thati Ane Ribas - Os elementos de retomada em livros didticos do ensino fundamental: a concepo de lngua e linguagem 554. Tito Matias-Ferreira Junior - Routes to their roots: Indian diaspora in Rushdies The courter and Lahiris The interpreter of maladies 558. Valdeni da Silva Reis - O aluno de LE e a escrita do dirio: ressonncias discursivas na constituio do sujeito-aprendiz 563. Vanderlice dos Santos Andrade Sol - Reflexes de professores em formao sobre a prtica pedaggica de uma formadora 567. Vanessa F. Martins Vilela - O saber elocucional e as principais dificuldades na produo textual 569. Vera Lcia Rezende - Gramtica, interao, texto e reflexo: uma proposta funcionalista de ensino/aprendizagem de Lngua Portuguesa no ensino fundamental 574. Vernica Inaciola Costa Farias da Cruz - Nas representaes de Adalton Lopes os signos que compem nosso universo cultural 577. Vernica Palmira Salme de Arago e Lvia Letcia Belmiro Busccio - Cultura lingstica portuguesa: uma proposta de recuperao paralela 583. Virna Lcia Coutinho - O silncio que no se cala em Judith Ortiz Cofer: lngua e poder 586. Viviane Gonalves Curto e Ana Cristina Fricke Matte - Comparao entre o dialeto mineiro e fluminense: produo de sibilantes no final de slabas e palavras 589. Viviane Raposo Pimenta - Elementos de coeso e a construo de sentido no texto forense 594. Vivien Gonzaga e Silva - Borges e os mapas da memria: fronteiras, limites, territrios 598. Wildman dos Santos Cestari e Joelma Santana Siqueira - Macunama e o tempo na literatura

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APRESENTAO

Como o Departamento de Letras da UFOP oferece duas licenciaturas em Lngua Inglesa e suas respectivas literaturas e em Lngua Portuguesa e suas respectivas literaturas; e, tambm, trs bacharelados: em Traduo, em Estudos Lingsticos e em Estudos Literrios. A Semana de Letras: as letras e seu ensino foi pensada como um evento mltiplo em sua abordagem sobre esta importante questo: o ensino, a fim de divulgar as pesquisas realizadas nas vrias reas que este tpico contempla.Congregar as reas da Lingstica e da Literatura, tanto de lngua materna quanto de lnguas estrangeiras, contemplando as tendncias atuais e dando abertura para a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, foi outro de seus objetivos. Desta forma, procurou promover, sempre e mais, o dilogo entre a UFOP e outras universidades. Neste ano, em sua nona edio, o evento buscou estabelecer um frum de debates sobre a questo do ensino na rea de Letras, na perspectiva das novas diretrizes para o ensino superior. Crtica, discusso e questionamento so trs palavras-chave que orientaram o encaminhamento do evento. A discusso do tema realizou-se de maneira abrangente e ampla, sem cercear as propostas de comunicaes, mas orientando as discusses a partir de note speakers convidados para abord-la, a partir de sua experincia, de sua prpria qualificao e de seu posicionamento poltico-pedaggico referente ao assunto. Quanto sua estrutura organizacional, a IX Semana de Letras desenvolveu-se em trs grandes blocos. O primeiro deles constou de conferncias nos trs dias do evento, em dois perodos, proferidas pelos convidados, a partir do vetor geral de orientao do evento as Letras e seu ensino. Um segundo bloco foi composto por cursos breves em nmero de nove oficinas e mesas-redondas, propostas pelos professores do DELET e de outras universidades aproveitando os trabalhos de grupos de pesquisa em nvel de iniciao cientfica, mestrado e at doutorado! O terceiro bloco foi constitudo de sesses de comunicaes individuais. Os resumos dos trabalhos inscritos foram selecionados para apresentao mediante avaliao pela Comisso Cientfica. Os trabalhos cujos resumos foram selecionados para a apresentao na Semana esto sendo aqui publicados. Problemas de ordem tcnica obrigaram a Comisso Organizadora a refazer a editorao do Caderno de Resumos que vai aqui, tambm, publicado. Uma forma de fazer constar o resultado do trabalho realizado durante o evento. Infelizmente, as agncias de fomento no se dignaram a contribuir com a realizao da Semana de Letras, com exceo da Fapemig que contribuiu de alguma forma. H que registrar o agradecimento por este apoio aqui. Outros agradecimentos vo para a PROGRAD-UFOP que se responsabilizou pela hospedagem dos convidados. Pousada Contos de Minas que os acomodou, aos Restaurantes Lua Cheia e Uai Z que os alimentaram, da mesma forma, o agradecimento por sua colaborao. Sem a colaborao da acadmica Tatiana Camila Nogueira e a equipe de monitores por ela coordenada, eu no sei se teria dado tudo certo, como se deu. A esta turma especial, o meu mais sincero agradecimento. Aos colegas que compuseram comigo a Comisso Organizadora Alexandra Santos, Jos Benedito Donadon-Leal, William Menezes e Irene Ruth Hirsh, o meu muito obrigado pela colaborao e pela pacincia. Os trabalhos constantes deste livro representam o esforo para a realizao do evento, o resultado dos intercmbios e trocas realizados: um espelho da semana de letras, evento j consagrado no calendrio acadmico da UFOP. Resta fazer uma nota editorial: a responsabilidade pelo contedo e apresentao dos trabalhos de inteira responsabilidade de seus autores. Por

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questes de ordem tcnica, a reviso dos resumos to bem realizada pela acadmica Ana Carla Maciel e sua equipe no foi feita com os trabalhos finais, para no mais atrasar a publicao do volume, dado que os prprios autores enviaram os seus trabalhos devidamente realizados, por isso a sua responsabilidade. A diagramao simples tem a inteno de deixar transparecer o contedo dos trabalhos de maneira direta, sem intervenes ditas estticas, procurando conservar o frescor e o sabor dos originais, quando apresentados. Esperamos que os leitores aproveitem. Jos Luiz Foureaux de Souza Jnior, Ph. D. Presidente da Comisso Organizadora

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Elementos para uma definio do esttico segundo o Crculo de Bakhtin Adail Sobral No h nem primeira palavra nem derradeira palavra. Os contextos do dilogo no tm limite. Estendem-se ao mais remoto passado e ao mais distante futuro. At significados trazidos por dilogos provenientes do mais longnquo passado jamais ho de ser apreendidos de uma vez por todas, pois eles sero sempre renovados em dilogo ulterior. ... Pois nada absolutamente morto: todo significado ter algum dia o seu festival de regresso ao lar. Na poesia, como na vida, o discurso verbal um cenrio de um evento. ... Um entendimento vivel da significao global do discurso deve reproduzir esse evento... deve, por assim dizer, represent-lo de novo, com a pessoa que quer compreender assumindo o papel do ouvinte. BAKHTIN Introduo Este trabalho tem como objetivo explorar alguns elementos relativos centralidade constitutiva da imagem discursiva do locutor na produo de sentidos, tratando com esse fim dos conceitos de autor e de estilo no crculo de Bakhtin e de ethos em Maingueneau, o que implica abordar igualmente a concepo esttica do Crculo de Bakhtin. A base da discusso a concepo bakhtiniana de linguagem e de discurso; trata-se de uma perspectiva que parte da idia de que a vida e a lngua se interpenetram. Logo, uma concepo essencialmente ativa: o ato, o processo do intercmbio lingstico, e no os enunciados/discursos como produto advindo ex nihilo, o objeto de estudo e o centro de seu empreendimento terico e prtico. Terico do dialogismo e da polifonia, Bakhtin os v como arcabouos constitutivos no apenas dos discursos como da prpria linguagem; para ele, o locutor e o interlocutor tm o mesmo estatuto: assim como , retrospectivamente, uma resposta a enunciaes precedentes, a enunciao do locutor responde prospectivamente ao interlocutor. O interlocutor entendido por Bakhtin e seu crculo, em mais uma de suas geniais descobertas, como dotado de uma responsividade ativa: a resposta concreta do interlocutor que permite que se materialize a compreenso. (Cf. Bakhtin, 1997, Os gneros do discurso, passim). Portanto, s faz sentido para o homem aquilo que responde a alguma coisa e s as coisas s quais dada uma resposta. Aqui reside o cerne da teoria bakhtiniana: a lngua , tal como a vida, intrinsecamente dialgica e, mais do que isso, polifnica: se, na vida, o eu s vem a ser eu na interao com outros eus, na lngua o locutor s se constitui como tal na interao com os interlocutores. Alm disso, h quase que uma duplicao do agente lingstico: mesmo o solilquio pressupe, nesses termos, a relao do eu com outrem, mesmo que esse outrem seja o prprio eu. Logo, nenhum sentido vem a ser ou se esgota na inocuidade de um sistema fechado; ele sempre sentido em fazer-se na interao dialgica, articulando-se em dois planos: no da significao para a qual aponta e da direo que indica. Significao remete lngua e interdiscursividade; direo, ao intercmbio verbal e polifonia. Na comunicao discursiva, as unidades da lngua no se tornam necessariamente unidades do discurso: um discurso comea quando o locutor toma a palavra e acaba quando ele a deixa, embora na realidade o discurso nunca cesse, visto que as vozes que o precedem e o seguem constituem sua real delimitao. O discurso se constri com base em dois planos: o do significado a ser expresso e o da valorao, pelo locutor e por seu(s) interlocutor(es), desse significado. O sentido assim, como sugerimos, uma funo do ato valorativo intrnseco ao discurso e, mais do que isso, vida da lngua: todo discurso se orienta numa dada direo. Aqui se v completo o ciclo que vai da lngua vida e da vida lngua em sua contnua interpenetrao. O intercmbio verbal tout court constitui o espao prprio desse vir-a-ser do sentido, inclusive quando os discursos a surgidos se cristalizam em formas fixadas, padronizadas, os tipos relativamente estveis de enunciados que so chamados gneros do discurso (Bakhtin, 1997, p. 279). Os gneros que se originam no intercmbio verbal so os gneros primrios, gneros simples, advindos de interaes verbais espontneas, quer dizer, no elaboradas. Deles derivam, na esfera cultural, os chamados gneros secundrios, modalidades complexas, visto que aparecem em circunstncias de uma

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comunicao cultural, mais complexa e relativamente mais evoluda, principalmente escrita; eles absorvem e transmutam os gneros primrios, que perdem no processo sua relao direta com a realidade e com os enunciados alheios (Op. cit., p.281). Os gneros secundrios, malgrado suas diferenas com relao queles, partilham com os primrios no s da estabilidade relativa como de seu dinamismo: cada esfera de atividade que no determinada nem fixada por nenhum agente individualizvel, mas vem a existir no mbito da sociedade e da histria desenvolve continuamente suas prprias modalidades de uso da lngua. Cumpre destacar o fato de que essa estabilidade relativa se combina com um dinamismo, prprio da atividade significante do homem, que permeia a padronizao de gneros; nem essa fixidez rigor mortis, dada a ao do dinamismo, nem este instvel, devido ao agir da estabilidade relativa: as esferas da atividade no so dadas de uma vez por todas. Em concluso, cremos que pensar o discurso em termos de gneros, primrios e secundrios, com seus graus variveis e interpenetrantes de estabilidade e variabilidade, permite melhor entender a natureza histrica, social, interativa e ideolgica da linguagem e do discurso, espaos em que interagem os homens entre si e com o mundo, arena de luta social e do eterno agir prospectivo e retrospectivo de perguntas e respostas. Distines necessrio fazer duas distines fundamentais, ainda que de modo sumrio, antes de abordar a questo do autor em Bakhtin. So elas: (i) a questo do que includo no contexto da interao na definio que Bakhtin lhe d e (ii) a questo da diferena entre o autor na obra esttica e o autor em outros discursos. Interao, significao, contexto(s) Fica bem evidenciado nos vrios escritos de Bakhtin que aquilo que ele entende por interao de modo algum se esgota na situao imediata da interao, mas como o indica, para ficar nela, a epgrafe, remete retrospectiva e prospectivamente a todas as enunciaes anteriores e ulteriores, possveis e imaginveis. Ao nosso ver, isso insere toda e qualquer enunciao, toda e qualquer interao, numa rede de interlocuo em constante fazer-se, um festival de volta ao lar de prdigos significados temporariamente extraviados, rede que abarca os vrios momentos sociais e histricos constitutivos da interao/enunciao. Por outro lado, a significao um constante vir-a-ser, dado que cada dilogo recria significados de outros dilogos, assim como antecipa de certo modo dilogos ainda inexistentes, inserindo-os, que nos seja dada a licena, num novo modo de vida associado com esse jogo de linguagem que a resignificao instaura. Alm disso, luz desses elementos, o horizonte social que Bakhtin leva em conta de modo algum se esgota no interdiscurso e no contexto imediato, material mesmo, da interao, ao contrrio do que afirma, por exemplo, Tremblay (1988). Acresce que, ao dar primazia absoluta ao tema com relao aos significados cristalizados, tanto na constituio como no prprio vir-a-ser dos sentidos, Bakhtin mostra que o sentido depende por inteiro do contexto e que esse contexto de modo algum se esgota no imediato, ainda que isso no exclua de modo algum o cdigo lingstico enquanto tal, nem os processos cognitivos envolvidos. Pode-se assim ao nosso ver afirmar que, ao falar de interao, Bakhtin se refere a quatro nveis, dotados de diferentes e crescentes graus de amplitude, todos eles necessariamente constitutivos: O nvel da interao verbal concreta, do aqui e agora da presena dos interlocutores na enunciao (claro que em sua projeo no enunciado). Esse nvel o mais restrito, mas constitui, naturalmente, a base de todos os outros; O nvel do contexto imediato em que se insere a interao (lugares sociais, ethos, formas atualizadas de interao social, etc.). Nesse nvel, temos os elementos que a interao convoca diretamente e que remetem ao nvel seguinte; O nvel do contexto social propriamente dito, aquele que determina em termos conjunturais, culturais, e mesmo raciais, o modo de ser da interao; e, por fim, O nvel do horizonte social e histrico mais amplo, que abrange a cultura em geral, os grandes perodos da histria, o Zeitgeist, etc., e que includo nas consideraes que Bakhtin faz sobre a inexistncia de um sentido primeiro e de um sentido derradeiro. Se pode haver discurso fundador, nem por isso h sentido fundador: a gnese dos discursos o locus da gnese dos sentidos e no vice-versa. Desse modo, falar de autor nesse mbito implica pensar no contexto complexo em que este age, envolve considerar, de um lado, o princpio dialgico (o que segue a direo do interdiscurso) e, do outro, os elementos sociais, histricos, etc. que formam o contexto da interao. Trata-se, como se pode ver, de elementos que esto imbricados nos prprios discursos, e que s a nos so acessveis. Isso se ope a certas pragmticas formalistas e a certa sociologia (a de Bourdieu, por exemplo) e inclusive a tendncias da

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semitica greimasiana que extrapolam a sintaxe discursiva e propem o contexto como outro texto que independe do texto de que contexto tendncias que vem uma separao entre o contexto da interao e a interao propriamente dita, entre o texto e o contexto, entre a realidade discursiva e a realidade per se. Como evidente, uma ou outra posio tem srias conseqncias para a anlise do discurso. Autor, estilo e arquitetnica no Crculo de Bakhtin 3 Os sentidos gerais de arquitetnica so, no campo da arquitetura, o de cincia da arquitetura. Na msica, o de projeto estrutural de peas musicais. Na filosofia, o de sistematizao cientfica do conhecimento. Na obra de Bakhtin, todas essas ressonncias se fazem presentes a partir de seu denominador comum, o de processo de formao de totalidades, ou todos harmnicos (mas nem por isso privados de tenso), a partir da articulao dotada de sentido, em vez de ligao ou justaposio mecnica, de partes constituintes. O conceito de arquitetnica surge na obra de Bakhtin vinculado a consideraes acerca da relao entre a arte e a vida na existncia humana e sobre a responsibilidade (responsabilidade por e responsividade a) como aquilo que garante a unidade interior dos elementos que constituem a pessoa, feitas em 1919 em Arte e responsabilidade, um curto e denso texto que, fundado inclusive na teoria da relatividade, consegue de um s golpe refutar a arte pela arte, o realismo socialista e a dialtica do marxismo vulgar vigente na Unio Sovitica da poca e tantas outras tendncias parciais que o pensamento bakhtiniano no cessa de criticar e de superar por meio de propostas integradoras sem relativismos nem absolutismos. A diferena entre a ligao mecnica e a articulao arquitetnica entre os elementos constituintes de um todo tem sua primeira formulao nesse texto de 1919. O todo mecnico, no arquitetnico, tem elementos constituintes unidos apenas no tempo e do espao por alguma ligao externa, sem ser integrados pela unidade interna de sentido que marca um todo arquitetnico. Suas partes so contguas e se tocam mutuamente, mas em si mesmas permanecem alheias umas s outras; trata-se de tomos desvinculados intrinsecamente e que s se aproximam materialmente. Um todo arquitetnico imbudo da unidade advinda do sentido, estando suas partes articuladas internamente, de um modo relacional que as torna interligadas e no alheias umas s outras constitutivamente, portanto. Todo tem assim relao com acabamento, remetendo pois distino entre ambiente, aplicvel ao outro que vejo como acabado de minha perspectiva, e de horizonte, que a minha perspectiva propriamente dita, em que sou inacabado (O autor e o heri). O outro visto por mim como acabado, ao passo que vejo a mim mesmo como essencialmente inacabado, ao mesmo tempo em que o outro se v como inacabado e me v como acabado: trata-se do excedente de viso, base tanto da interao como da atividade autoral e cientfica. Todo acabamento, ou totalidade arquitetnica, admite a pergunta sobre quem o produziu, para quem e em que circunstncias, ou seja, a questo do carter situado de todos os atos humanos, da natureza avaliativa e relacional de todo e qualquer ato humano. Nessa mesma linha de raciocnio, outro elemento a considerar que, segundo Bakhtin, o ser humano no tem libi na existncia, e que sua existncia definida, a partir do evento uni-ocorrente (fundador e irrepetvel) de seu ser aquilo que Heidegger chamaria de o ser lanado no mundo que acontece ao Dasein como uma seqncia de atos responsveis (isto , responsveis por e responsivos a) que s a morte, outro evento uni-ocorrente, interrompe (Para uma filosofia do ato 1920-1924), o indivduo tem de tornar-se integralmente responsvel por todos os momentos constituintes de sua vida; assim, no basta que eles se situem uns ao lado dos outros na seqncia temporal da vida (o aspecto abarcado por qualquer juno de constituintes, inclusive no todo mecnico), preciso que se interpenetrem na unidade da culpa e da responsibilidade (originrias e constitutivas), ou na unidade interna de sentido da vida arquitetonicamente, portanto. No campo da esttica bakhtiniana, a arquitetnica a construo ou estruturao da obra, que une e integra o material, a forma e o contedo. Para entender as consideraes sobre arquitetnica, contidas nas pginas 14-28 de O problema do contedo, do material e da forma na criao literria de 1924, parte de Questes de literatura e de esttica, devem-se levar em conta algumas importantes consideraes de O autor e o heri (1920-1930), parte de Esttica e teoria da arte. De acordo com Bakhtin, a arquitetnica da viso artstica organiza tanto o espao e o tempo [todo mecnico] como tambm o sentido [todo arquitetnico]; forma tanto do espao e do tempo como do sentido (Esttica e teoria da arte). Essa idia a base da distino, feita em Questes..., entre a forma arquitetnica tragdia e a forma composicional drama. Drama uma maneira especfica (que no da ordem do sentido), mas no necessria, de

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Para textos recentes sobre esses temas, BRAIT, 2005b e FARACO, 2005. Deste ltimo, tomei conhecimento a posterior; do primeiro, tive conhecimento de uma verso anterior publicada.

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concretizao da forma arquitetnica tragdia (que da ordem do sentido); a forma drama confere obra seu acabamento, entendido como unidade do material, da forma em sentido amplo e do contedo. Ainda em Esttica e teoria da arte (p. 211), Bakhtin alega que as formas da viso artstica e do processo de acabamento do mundo, ou seja, as formas arquitetnicas determinam os procedimentos literrios externos, ou seja, de composio (a ordem, a disposio, o acabamento, a combinao das massas verbais) no o inverso. Logo, forma arquitetnica a concepo da obra enquanto objeto esttico, ao passo que forma composicional o modo especfico de estruturao da obra externa a partir de sua concepo arquitetnica. A tragdia equivale concepo geral de um edifcio especfico, ao passo que o drama a maneira como o edifcio vem a ter estruturados organicamente os componentes que vo fazer dele esse edifcio especfico a partir de um dado material em vez de uma mera sobreposio de materiais de construo. A arquitetnica cria o objeto esttico, que o contedo da atividade esttica, dotado de uma singularidade (entendida de maneira distinta da concepo de Lukcs) e de uma estrutura (entendida de maneira distinta da concepo dos formalistas) da ordem do puramente artstico; logo, o objeto esttico requer um tratamento propriamente esttico, sem levar em conta a obra exterior. As formas composicionais, por sua vez, se aplicam obra exterior, de cunho material, que a realizao do objeto esttico arquitetonicamente concebido; ela pode ser abordada de modo cognitivo, conceitual, o que no possvel com o objeto esttico. Logo, este pode ser entendido como a potncia aristotlica e a obra exterior, como o ato correspondente a essa potncia. Por isso Bakhtin pode falar em mtodo teleolgico. Esse mtodo aplicado ao estudo da articulao entre o momento esttico o do objeto esttico e o momento material o da obra exterior, que assim o aparato tcnico da realizao esttica, da criao do objeto esttico. Essa articulao constitui a composio da obra, o ato de sua realizao, definida, no entanto, pela potncia que sua arquitetnica. Em suma, no domnio esttico e, mais do que isso, no domnio do prosaico (cf. p. ex. MACHADO, 2005), temos o momento do contedo o objeto esttico , o momento do material a obra externa e o momento da forma a organizao composicional do material a partir da concepo arquitetnica. Assim, forma arquitetnica e forma composicional se vinculam constitutivamente, integrando a si, ao mesmo tempo, as especificidades do material: se a forma arquitetnica (parte do objeto esttico) determina a forma composicional (parte da obra externa), s graas a ela vem aquela a existir assim como se conhece a potncia por meio do ato de sua realizao. E a forma arquitetnica vem a existir, por meio dos atos da forma composicional, ancorada num dado material, cujas particularidades tambm impem suas coeres obra. (Questes..., p. 26) A forma arquitetnica d conta da singularidade da existncia esttica, no sendo utilitria, mas auto-satisfeita, um todo em si, quando tomada em termos de sua substncia; a forma composicional teleolgica, utilitria, o momento da realizao da singularidade, unindo portanto material e arquitetura e com eles se articulando na criao da totalidade esttica. Devo ressaltar que a idia de todo orgnico no implica que a obra seja autrquica ou um artefato, principalmente porque o vir-a ser-da obra depende da relao especfica entre autor, ouvinte e heri, de que me ocupo a seguir. Os conceitos de autor e estilo em Bakhtin tm relao intrnseca com a centralidade constitutiva da imagem discursiva do locutor na produo de sentidos. Fao aqui, por disso, algumas aproximaes com o conceito de ethos em Maingueneau, e enceto a partir disso uma discusso sobre o autor em Foucault [1972, 1992] e em Amossy [1999], a fim de definir os termos de minha anlise do projeto enunciativo do gnero de auto-ajuda em sua fase parasitria. necessrio fazer uma distino fundamental, ainda que de modo sumrio, antes de abordar a questo do autor em Bakhtin. Trata-se da questo da diferena entre o autor na obra esttica e o autor em outros discursos, dado que o texto literrio tem caractersticas especficas e dado que Bakhtin no se estende sobre a questo do autor de outras modalidades textuais. Cabe mencionar que, luz dos quatro nveis de interlocuo, ou de interao, de que j falei e, que como vimos, envolvem o tempo curto e o tempo longo, falar de autor nesse mbito implica pensar no contexto complexo em que este age, envolve considerar elementos que esto imbricados nos prprios discursos, e que s a nos so acessveis. Esse um ponto sobremodo importante para se pensar na formulao do autor por Bakhtin. Na primeira seo de O Autor e o Heri, O problema do heri na atividade esttica (1997 Orig. de 1979), temos um trecho carregado de implicaes. Bakhtin, recusando a concepo do autor como autor autrquico e, por isso, partindo da necessidade de haver dois participantes para ocasionar um acontecimento esttico (p. 42), afirma que o evento esttico pressupe, para realizar-se, duas conscincias que no coincidem, mostrando que a coincidncia (a ausncia de distanciamento) entre o autor (enquanto figura discursiva, ou autor objetivado, no como autor emprico, obviamente, que ao ver de Bakhtin jamais pode figurar ao lado de suas personagens, chegando ele a afirmar que quando o analista se refere ao autor emprico, na verdade refere-se imagem de autor que constri para esse autor emprico) e o heri (que como

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se sabe entendido por Bakhtin como o objeto do enunciado, e, no caso do texto literrio, tambm como personagem) ou seu posicionamento um ao lado do outro, o compartilhamento por eles de um valor comum, ou mesmo sua oposio, redunda no prprio trmino do evento discursivo esttico e na instaurao de eventos discursivos de outra ordem. Teramos ento, nesses casos, em vez de obra literria, outras modalidades de texto: (panfleto, manifesto, requisitrio, panegrico e elogio, injria, confisso, etc.). (p. 42) Por outro lado, a ausncia de heri na obra esttica, mesmo potencial, produz um acontecimento cognitivo (tratado, lio). E quando a conscincia com que interage o autor um deus onipotente, tem-se o acontecimento religioso (orao, culto, ritual). (Essas consideraes remetem questo do grau de proximidade/distanciamento recproca entre heri e criador cf. VOLOSHINOV, 1976a) Claro est, diante dos elementos arrolados, que a avaliao que o autor faz do heri e o grau de proximidade entre eles no prescinde do terceiro elemento determinante da forma artstica: o ouvinte, que afeta a relao autor-heri. A importncia disso para a questo do autor evidente (para no falar da questo associada dos gneros do discurso): o grau de proximidade/distanciamento deste com relao ao outro, ao ouvinte, tanto no mbito do discurso esttico como nos outros mbitos, constitutivo das modalidades de discurso, podendo-se igualmente verificar que, dada uma modalidade de discurso, ou gnero, o enunciador levado a assumir esta ou aquela posio com relao ao outro. Naturalmente, como alerta Brait, chamando a ateno para a presena das condies de produo, de circulao e de recepo, h mais coisas envolvidas: No podemos falar de gneros sem pensar na esfera de atividades especficas em que eles se constituem e atuam.... (Interao, gnero e estilo, 2002) Assim, na variedade de relaes com o outro est a prpria chave da constituio do tom e do fio dos discursos, em seus vrios planos esttico, tico, cognitivo, religioso levando-se em conta necessariamente, como vimos, as esferas de atividade em que isso possvel e aceitvel, ou os esforos para fazer que seja. Logo, quando se fala de gnero no se est falando de um de seus componentes, o texto, mas de uma totalidade que abrange textualizao e contextualizao. Um recurso textual como a parfrase, por exemplo, pode assumir um carter autoritrio ou um carter demonstrativo, a depender do gnero no qual seja usado (e, portanto, do projeto enunciativo do locutor): num texto didtico, justifica-se como recurso de demonstrao, ao passo que num texto cuja relao interlocutiva seja mais simtrica, pode ser julgada uma forma de impor uma dada viso das coisas. Assim, ser autor assumir, de modo permanentemente negociado, posies decorrentes de diferentes modalidades de organizao dos textos, de diferentes gneros, a partir da relao com o heri e com o ouvinte o que no implica a impossibilidade de redefinio dessas relaes, sendo esta maior ou menor a depender do maior ou menor grau de formalizao do gnero (algo que esteve presente nas consideraes de Dominique Maingueneau em recente palestra no LAEL da PUC-SP Maingueneau, 2002). O autor, por outro lado, dirige-se ao seu grupo social, na forma de seu representante autorizado, o ouvinte padro, entendido como fator intrnseco vital da obra, no a algum interlocutor individualizvel, do mesmo modo como autor no designa a pessoa fsica do autor, seja do texto literrio ou de outros textos donde o fracasso do chamado realismo socialista, em que se criavam obras por encomenda que nada diziam ao ouvinte presumido a que se dirigiam. Passo agora a considerar alguns detalhes acerca do vnculo entre autor e estilo e, por conseguinte, com a questo do gnero como locus do estilo. Para o Crculo (VOLOSHINOV, 1976), tanto a seleo de palavras (que envolve, dado o que foi dito acima, uma orientao na direo do ouvinte e na direo do heri) da parte do autor, como a recepo (co-seleo, mas sem a deriva de algumas teorias da recepo e de teorias ps-modernistas das comunidades interpretativas) dada a essa seleo advm do contexto da vida, que impregna as palavras de julgamentos de valor, impondo pois sua significao uma direo especfica que as dota de sentido. A operao de seleo envolve a simpatia, a concordncia com os ouvintes ou a discordncia com relao a eles e remete igualmente avaliao que o autor faz do heri. O elemento mais relevante nesse ponto o fato de o autor selecionar julgamentos de valor do ponto de vista dos prprios portadores desses julgamentos de valor (Id., p. 10, grifos meus), claro que tal como ele os projeta, em seus termos, pois. A posio do autor com respeito ao contedo ativa (ainda que, ao contrrio do que quer a tradio, o estilo seja no o homem/autor, mas o autor e o ouvinte etc.), atributo que lhe conferido pela mediao da forma (Idem), mas que no o torna infenso a todas as influncias que incidem sobre seu agir. Ser autor da obra esttica, bem como de outros discursos, envolve ao ver de Bakhtin tudo dizer em termos pragmtico-referenciais, isto , representar uma cena enunciativa, ou o cenrio de um evento dado que faltam ao enunciado as circunstncias concretas que permitem identificar o dito e o presumido de modo relativamente imediato como o seria na interao face-a-face. E a problemtica do estilo assim invocada, dado que o tudo dizer pode assumir vrias formas; Bakhtin v o estilo, diante disso, como algo interativo, advindo da relao entre o autor e seu grupo social, na forma de seu representante autorizado, o

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ouvinte enquanto fator intrnseco vital da obra (na qual, destaque-se, pode igualmente haver elementos percebidos apenas post factum). Essa necessidade intrnseca aos gneros secundrios, escritos, inseridos em esferas da cultura letrada, evoca a problemtica questo do estilo, dado que o tudo dizer pode assumir vrias formas. O estilo ou forma do contedo, sem conotaes hjelmslevianas estritas , que no tem que ver com desvio nem com as especificidades da obra literria (BRAIT, op. cit., p. 8; cf. ainda BRAIT, 2003 e 2005b) determinado pelas inter-relaes entre a escala avaliativa do evento descrito e seu agente, o heri, cujo peso depende do contexto no-articulado de avaliaes bsicas da obra (VOLOSHINOV, Op. cit. p. 11), isto , das possibilidades de avaliao, manifestas e isso merece destaque na prpria maneira como o material artstico visto e disposto (Idem, p. 12), o que descarta de uma vez por todas a idia de que s so avaliaes os elementos apresentados como tais na obra. Isso me faz pensar que, assim como, no caso da heterogeneidade, haveria uma avaliao mostrada e uma avaliao constitutiva, que mencionada mais enfaticamente aqui, sem prejuzo do reconhecimento da presena da outra, que contudo apenas sua modalidade mais evidente, ou uma espcie do gnero que esta . Bakhtin destaca, falando da avaliao, um dos princpios do estilo, o fato de ele se alterar de acordo com a mudana do valor social do heri (objeto) do enunciado (Idem, ibidem). Vem ento uma afirmao que faz muitos subjetivistas tremer, e a que j me referi: o poeta precisa socializar o sentimento (!), elaborar o evento correspondente [s vivncias pessoais do poeta] no plano da significao social [Id. Ib.] ou, como diria Wittgenstein, em concordncia com Merleau-Ponty, no existe linguagem privada. (Recordemos, no tocante a isso que Bakhtin afirma, falando da obra potica, que a obra acabada se eleva como um discurso nico, apesar de tambm dever penetrar no seu objeto atravs do discurso alheio. [BAKHTIN, 1990, p. 133]) Isso remete a mais uma das afirmaes bakhtinianas de Brait (1999, p. 34) sobre o autor, que especifica melhor o que j insinuei: ...o autor no pode ser confundido com o indivduo. O autor uma instncia de produo, do ato, do texto, do discurso o autor bakhtiniano um autor de linguagem e no um sujeito ontolgico. O segundo elemento (no em termos de sucesso) constitutivo do estilo o grau de proximidade recproca entre autor e heri. Esse ponto, a que j me referi e que remete, como eu disse, questo dos gneros, vital no s em termos do estilo como tambm em termos do estatuto do lingstico no discursivo, dado que postula, de um lado, que a prpria estrutura da lngua reflete o evento da inter-relao entre os falantes (Id., Ibid.) e, do outro, que muitos dos fatores da forma da obra so determinados em parte pelo grau de proximidade entre autor e heri. Esses elementos no so, porm, suficientes, tomados em isolamento, para determinar a forma artstica. Cumpre reconhecer a presena do ouvinte, que afeta, como no podia deixar de ser, a interao autor-heri. O ouvinte no o sucedneo do autor nem ocupa o seu lugar; trata-se antes de uma instncia independente do evento da criao artstica. Alm disso, o ouvinte tem uma posio bilateral, visto que apresenta diferentes graus de proximidade com relao ao autor, de um lado, e com respeito ao heri, do outro. Com efeito, em oposio a certas teses destinadas a defender quer o ponto de vista formal, quer o sociolgico, o autor, o heri e ouvinte nunca se fundem numa s massa indistinta; ocupando posies autnomas, no sentido de imiscveis, so lados... de um evento artstico com estrutura social especfica cujo protoloco a obra de arte (Id., p. 14). Vale dizer que, embora no muito definida, a idia de protocolo remete de certo modo questo do contrato de Greimas, notadamente por lembrar a questo institucional do evento artstico, sua estrutura social especfica. Podemos perceber ento, a partir das formulaes bakhtinianas, que, na obra, tanto em termos de estilo, como de sua prpria estruturao em geral - e mais uma vez vou do esttico aos discursos em geral, respeitadas as especificidades -, em primeiro lugar, o autor no se confunde com o indivduo-autor, sendo antes aquilo que o constitui como tal na prpria obra (cf. tambm BRAIT, 1999; 2005b); e ele o faz por meio da forma e do material, em interao com o heri e com o ouvinte. Se facilmente identificvel como imagem-objeto, o autor no parte da inteno nem do projeto do locutor; esse autor concreto no o criador da palavra nem do discurso enquanto autor de seu prprio enunciado. (BAKHTIN, 1997, p. 336) Logo, a existncia concreta do autor s pertinente enquanto incorporada ao autor do discurso, ao ator que d forma, que molda o material textual, estabele hierarquias no plano da forma, que como se sabe no pode ser pensada sem o contedo (e vice-versa). Nesse sentido, funo do autor, como o afirma Caryl Emerson: dar-se conta de todos os aspectos da personagem criada, tanto dos interiores como dos exteriores, em toda posio potencial e em toda potencial oposio a essa posio. Porque criar (...) no simplesmente inventar; no fazer (...) e menos ainda construir (...) [mas

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antes desenvolver] uma conscincia ficcional de tal maneira que esta seja suficientemente autnoma para ter vida prpria, entrar em suas prprias relaes sujeito-sujeito [no caso do heri, mas no, obviamente, de um tpico, mantendo-se contudo o princpio] 4 (EMERSON, 1996, p. 113) Em segundo, o heri no se confunde com o autor, nem vem de um ato consciente e autnomo deste. Entidade por assim dizer autnoma (mas no autrquica), tem ele seu papel prprio a desempenhar na dupla interao com, de um lado, o autor, e, do outro, o ouvinte; ele o cerne das avaliaes inerentes a todo enunciado, avaliaes que entram na composio da prpria corporalidade da obra, em sua forma, e no contedos que eventualmente se incorporem a ela ou formas cristalizadas de avaliao, ainda que estas tambm tenham sua relevncia. Essas avaliaes vm, naturalmente, como j foi exaustivamente dito, do universo social e histrico das interaes entre os homens. Por fim, o ouvinte, tal como o autor, no se confunde com o indivduo, no caso especfico, o indivduo ouvinte, o publico leitor concreto e, por assim dizer, identificvel, sendo antes a imagem tpica do interlocutor, o que depende, como bvio, do carter e da corporalidade do autor, do seu ethos (que, se incorpora elementos pr-discursivos, criado pelo discurso e nele se manifesta), do contexto extra-verbal por assim dizer cristalizado no qual se acha inserido o autor. Em suma, em termos gerais, autor, ouvinte e tpico esto presentes, ao ver de Bakhtin, como elementos constitutivos, em toda enunciao, sendo de sua interao, e como produto e resultado dela, que a enunciao e, portanto, o enunciado concreto, vem a ser. Em termos especficos, tambm dessa interao, nos termos descritos com referncia ao estilo, e ao gnero, que o autor retira, que me seja dada a licena, seu instrumental de trabalho com a forma/contedo e com o material da obra, sendo a maneira peculiar de realizar esse trabalho, mesmo respeitando as coeres de gnero da obra, que constitui o estilo. Essas consideraes ensejam comparaes entre a perspectiva bakhtiniana e algumas propostas centradas no conceito de ethos, principalmente de Maingueneau, s quais passo. Autor e ethos Os vrios elementos arrolados revelam que a imagem do autor, ou ethos, no entendida por Bakhtin nos termos da retrica, dado que ele, de um lado, recusa terminantemente a transformao da obra em artefato e, do outro, no atribui vontade consciente e a uma ao independente do autor a criao de sua imagem-objeto. Aproxima-se assim a sua noo de ethos da de Maingueneau. (1997; 2001) Para este autor, o tom do discurso (a presena subjetiva da imagem do autor) determinado pela formao discursiva, sendo mesmo uma de suas dimenses. Esse tom, ou voz, envolve a reconstruo pelo ouvinte de traos psicolgicos que o modo de dizer confere ao autor, bem como a atribuio pelo ouvinte de uma compleio corporal, igualmente a partir do modo de dizer. Meu objetivo ao propor comparaes entre esses elementos , a par de mostrar a compatibilidade das teorias mobilizadas, reunir elementos sobre como o texto autoriza o extra-textual. O conceito de ethos recebeu de Maingueneau (1989, 1999, 2000, p. ex.) uma ampla ateno. A par dele, Amossy (1999, por exemplo) desenvolveu o conceito de ethos pr-discursivo [doravante EPD], buscando com a imbricao dos dois oferecer uma proposta para a espinhosa questo da relao entre autor emprico e autor discursivo. Recorrendo a dois exemplos cuidadosamente selecionados (Maingueneau), como si acontecer, a autora demonstra que a imagem prvia que os interlocutores fazem do locutor influencia no apenas a recepo do que este diz, e de como diz, em seu discurso, como tambm o prprio desenrolar desse dizer, seja na fala ou na escrita que no obstante tm suas especificidades, a ser levadas em conta. Para Maingueneau, h diferentes graus de explicitao do ethos, sendo tanto maior quanto maior o grau de oposio do ethos a um possvel anti-ethos; tal como no caso da formao discursiva, o ethos tambm vem a ser por meio de uma delimitao da identidade discursiva do autor que envolve a oposio a outras possveis identidades. Ethos assim uma noo ligada a trs instncias que desenbocam sucessivamente uma na outra, estando todas ligadas questo do corporificar o autor: o dar corpo textual (ligado FD), que leva incorporao de modalidades se insero do sujeito no plano social, levando esta incorporao (naturalmente discursiva, em vez de concreta) do ouvinte ao conjunto dos que aderem ao discurso. O modo de dizer determina o dito, fundando-se num modo de ser que o autor cria atravs do4

to see every side of the created character, inside and out, in every potential pose and in every potential challenge to that pose. For to create, Bakhtin insists, is not merely to invent; it is not to "make" (as the Russian Formalists were fond of saying) and even less is it to make up. Rigor, consistency, and excruciating attention to detail are required to develop a fictional consciousness to the point where it is autonomous enough to live on its own, to enter into its own subject-to-subject relations. (Traduo dos trechos minha).

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discurso; logo, a partir do dito, identifica-se um modo de dizer, chegando-se deste a um modo de ser, como sempre discursivo, mas de que no podem estar ausentes os participantes, o contexto e o mvel da interao. Segundo Maingueneau, portanto, o tom do discurso (a presena subjetiva da imagem do autor) determinado pela formao discursiva, sendo mesmo uma de suas dimenses. Esse tom, ou voz, envolve a reconstruo pelo ouvinte de traos psicolgicos que o modo de dizer confere ao autor, bem como a atribuio pelo ouvinte de uma compleio corporal, igualmente a partir do modo de dizer. Amossy (1999), autora israelita que se dedica pesquisa dos esteretipos, discutindo as aporias das verses sociolgica e pragmtica da idia segundo a qual a autoridade prvia do orador determina a eficcia da palavra, prope, contrapondo-se ao ponto de vista externalista, institucional, da sociologia - que v a autoridade do orador como determinada por sua imagem, mas que descarta por inteiro o discursivo como locus de construo dessa imagem e perspectiva internalista, anti-institucional, de certas tendncias pragmticas que postulam dispositivos de enunciao que prescindem de tudo o que tem carter institucional, verificar por meio de que mediaes o ser no mundo vem a se constituir num locutor como pura instncia de discurso. Diga-se de passagem que essas questes tm implicaes e ressonncias, que incidem inclusive sobre as controvrsias instauradas por nefastas teorias ps-modernas que chegam a arregimentar Bakhtin para defender a idia de intertextualidade como a nica realidade, o que admite o abismo das interpretaes para alm do que o texto autoriza e implica o apagamento do mundo concreto. Amossy leva em conta a imagem prvia (no discursiva) do locutor, que mobilizada pelos alocutrios e, a partir dessa imagem, a interinfluncia ethos institucional ethos discursivo. Com base na anlise de discursos concretos, ela demonstra a confluncia dessas duas instncias ethicas na formao do ethos, dado que, a seu ver, assim como imagens institucionais ajudam a construir imagens discursivas, estas ajudam a construir imagens institucionais. Amossy reconhece que sua perspectiva difere em alguns aspectos da de Maingueneau, mas afirma ser o dele um outro percurso que alcana a mesma meta, algo com que concordo. Por fim, inserindo a questo do ethos numa proposta de exame da enunciao, a autora prope que se levem em conta a postura advinda da tomada de posio do sujeito concreto no campo discursivo (o tico de Bakhtin?), o ethos prvio, ou EPD, e o ethos discursivo. Em complementao, mostrando que o ethos propriamente dito advm de esquemas coletivos e de representaes sociais (que v configurados nos esteretipos), reconhece o carter scio-histrico dessa noo. Unem-se aqui autor ontolgico, autorobjetivado em outros discursos e autor-objetivado num discurso (em discursos) analisados. Assim, a noo de EPD permite pensar em diferentes modalidades de objetivao do autor, em vez de propor sua ontologizao. Trata-se de outra maneira produtiva de explicar o aparente paradoxo de que, por exemplo, Machado de Assis-pessoa no Machado de Assis-autor, mas este autoriza a incorporao da imagem que se faz daquele, algo legtimo, exceto se a partir disso se buscar ver nas obras a biografia do autor (alis, todo escrito autobiogrfico, dado que revela a histria de vida de um dado autor contada pelo simulacro desse autor). Tambm Foucault dedicou-se questo do autor, naturalmente de outra perspectiva, a do surgimento da categoria autor como modalidade de designao de uma dada funo social. Em suas principais propostas sobre esta ltima (1972, 1992), Foucault prope o que chama de funo-autor. Na obra de 1972, que trata do controle, seleo, organizao e redistribuio do discurso na sociedade de acordo com alguns procedimentos, ele afirma que alguns desses procedimentos ou mecanismos buscam evitar o poder e os riscos que o discurso envolve, evitar casualidades discursivas, fugir da fora que tem a materialidade do discurso. O livro aborda longamente tanto o controle do discurso como sua elucidao. Ele inclui a funoautor entre as formas de controle do discurso, especificamente no mbito dos sistemas internos de controle e delimitao do discurso, uma espcie de auto-censura discursivamente constitutiva, mas que advm de uma censura exterior socialmente instaurada de maneiras que nada tm de discursivas, mas muito de enunciativas. Para Foucault, nesses termos, o autor o princpio de unificao de um conjunto especfico de textos ou declaraes; sem negar a existncia de pessoas concretas que escrevem, o princpio postula a assuno por elas, quando do ato de escrever, da funo-autor, em torno da qual se organizam os textos. Essa funo serve para limitar as casualidades discursivas, evitar que se diga o que no deve ser dito; ela age criando uma identidade que assume a forma da individualidade e do eu. Trata-se de identificar e/para punir e, por meio disso, esvaziar a possvel virulncia do discurso, em outras palavras, responsabilizar quem diz como autor por aquilo que diz tomando-o como sujeito emprico, ainda que no de modo direto. Na obra de 1992 (original de 1969), Foucault fala do nome do autor como uma maneira de caracterizar um dado modo de ser do discurso, sua recepo de uma maneira determinada e a atribuio a si de um certo estatuto. A funo-autor, que se associa com isso, vista como estando fundada em quatro pilares: (a) sua ligao com o sistema jurdico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos discursos (p. 56); (b) o fato de no se aplicar a todo e qualquer discurso, nem da mesma forma, e de variar

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em funo de pocas e formas de civilizao; (c) o fato de no advir da atribuio espontnea de um discurso ao seu produtor, mas decorrer de toda uma srie de operaes, especficas e complexas de atribuio; e (d) o fato de no remeter diretamente a um indivduo concreto, mas de identificar vrios eus, vrias posies-sujeito que podem ser ocupadas por diferentes tipos de indivduos. Foucault deseja retirar ao sujeito (ou ao seu substituto) o papel de fundamento originrio e analis-lo como uma funo varivel e complexa do discurso (p. 70). Em seus termos, nada h de estranho nisso. O problema surge quando alguns tericos chegam a afirmar que o sujeito, ou a conscincia, simplesmente no existe. (cf., para uma crtica a textos que sugerem isso, SCHMITZ, 2005) Vemos assim que os elementos extradiscursivos so entendidos por ele como incorporados ao discurso, ainda que Foucault parea dar-lhes uma grande nfase, possivelmente em funo das regras de seu gnero. Em ambas as obras de Foucault, a funo-autor deveras especfica, aparentemente no aplicvel seno a um conjunto relativamente restrito de discursos. Tem pois menos amplitude do que tem o autor nas propostas de Bakhtin e de Maingueneau, nas quais o locus do autor tambm o discurso, mas todo e qualquer discurso, e nos quais o autor tambm no se confunde com um autor-indivduo. Para Foucault, a funo-autor uma forma de controle, de identificao restritiva, e o uso do nome do autor como forma de impor certa forma de recepo e de marcar seu discurso de uma dada maneira (o que est ligado questo da identidade moderna; cf. TAYLOR, 1997), ao passo que o autor, principalmente em Bakhtin, mas tambm em Maingueneau e Greimas (que no exploro aqui), um princpio de organizao do discurso, algo que engloba o institucional etc. de que parte, e que no se confunde com um autor, ou posies-autor. Logo, Foucault de certa maneira oscila entre a recusa da identificao entre o autor e um indivduo concreto e a equiparao da funo-autor, da prpria inveno do autor, a um mecanismo extra-discursivo de controle; isso porque seu empreendimento tanto discursivo como, por assim dizer, scio-filosfico. Embora reconhea no discurso o locus do autor, da funo-autor, em vez de v-lo no indivduo concreto, ele nem por isso deixa de examinar a prpria gnese social dessa noo, situando-se assim numa posio semelhante de Amossy quanto ao ethos, ainda que a desta seja bem mais matizada e de cunho discursivo; se para ela ethos institucional e discursivo se interdeterminam, para ele a funo-autor em sua gnese social e a funo-autor como imagem discursiva do autor se acham intimamente entrelaadas, no se podendo pensar uma sem a outra. Isso faz sentido, mas a nfase na no identificao de um sujeito torna um tanto problemtica a operacionalizao discursiva do conceito foucauldiano, quando no gera estranhas declaraes da morte do autor. Os vrios elementos arrolados revelam que a imagem do autor, ou ethos, no entendida por Bakhtin nos termos da retrica, dado que ele, de um lado, recusa terminantemente a transformao da obra em artefato e, do outro, no atribui vontade consciente e a uma ao independente do autor a criao de sua imagem-objeto. A noo de ethos de Maingueneau (1997; 2001) aproxima-se da concepo bakhtiniana, ainda que partindo da retrica (deveras ressignificada) e de dilogos com outros exteriores tericos. As vises de Maingueneau e de Bakhtin acentuam assim o discursivo como o lugar privilegiado da convergncia entre o trabalho do autor, o trabalho de criao do ethos, e todas as coeres sociais incidentes sobre os discursos; neles, o institucional, como tudo o mais, criao discursiva, ainda que o mundo dado, o mundo em que o homem lanado, continue a existir como se indiferente a todas as maquinaes discursivas, e to presente nelas! Isso tem a meu ver vrias implicaes. Ao convocar elementos do plano extra-textual vinculados com o ethos pr-discursivo (EPD), o discurso, em sua criao de um ethos discursivo que, como se sabe, no criado por declaraes do autor sobre sua imagem (ainda quando ele se diz Ph.D.), mas mediante o modo de dizer busca legitimar-se recorrendo, entre outras coisas, antecipao das possveis objees a esse EPD, e sua prpria legitimidade, ao tempo em que procura instaurar e legitimar a partir disso a cena de sua prpria legitimao, como se dela fosse o fiador; trata-se, como o aponta, por exemplo, Maingueneau, do paradoxo de todo discurso. Nesse sentido, a forma por excelncia de legitimao do discurso a legitimao da imagem do locutor por meio da resposta a objees que a ele faria o interlocutor antes mesmo de ouvir ou ler a primeira palavra proferida/escrita. Assim, todo locutor invoca, apesar de si mesmo, a imagem que julga que dele tm os interlocutores; quando fala, uma multiplicidade de imagens de si que fala, apesar dele mesmo, so mltiplas posies-sujeito (as I-positions ou posies-sujeito de G. Mead). Noutra ordem de consideraes, o eu que fala, no obstante essa sua multiplicidade, tem contudo a impresso, por vezes intensa, de ser um sujeito unificado, ntegro, a partir do que sente como a permanncia de sua conscincia de si (confundem-se a a mmet e a ipseit de Ricouer). No se trata porm de uma contradio: formado a partir das relaes com o outro, tanto em termos abstratos como concretos, a partir da situao de enunciao, presumida ou representada que possa ser, tambm o autor constitui esse outro, precisando por isso conceber a si mesmo como identidade unificada, continuidade de conscincia,

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permanncia, tanto na vida em geral como especificamente no momento da enunciao, dado que uma coletividade no fala seno pela mediao de um sujeito, no sendo este um item descartvel, assujeitado, mas uma concretude definida e distinta de outras concretudes. Alm disso, o sujeito da enunciao no pode nunca ser apagado, anulado, embora s se faa presente na forma de uma imagem, mesmo quando est diante do outro em carne e osso. No se trata de uma imagem essencial e inteiramente preexistente, mas de uma imagem construda (e nem por isso menos concreta, dado que chega mesmo a sugerir um corpo) tanto pelo EPD do sujeito como de sua concepo desse seu EPD atribudo, tanto pela situao concreta de enunciao, situao essa que ele s pode perceber e construir para si a partir do que pensa ser, e do que o outro pensa que ele , como da percepo que ele tem dela e julga que o outro tem. Se a constituio institucional e entendo instituio aqui num sentido bem amplo que enuncia, no entanto o sujeito que fala, e a ele cabe a responsabilidade pelo que diz. Lugar de ausncia, a instituio se faz presente, concretamente presente num certo sentido, e por assim dizer se empenha em fazer que o sujeito, aquele que fala, passe a enunciar, mas deixe de falar, e se torne assim um lugar de ausncia, ainda que seja ele, e no a instituio-imagem, o elemento visvel. Esse dilema est na base das divergncias sobre o status do sujeito nas teorias histrico-sociais da enunciao. Ao sujeito cabe saber no subjetiva, mas individualmente o que dizer, como dizer e como negociar esse paradoxo de ser mais o portador da palavra de uma imagem de si mesmo do que ele mesmo empiricamente presente. S lhe resta ser um personagem de si mesmo, pois s assim pode ele ser um sujeito de discurso e continuar a ser um sujeito concreto. Assim agindo, ele se insere numa rede de interlocuo em que ocupa diferentes posies-sujeito em diferentes situaes enunciativas. Essa operao produz um sujeito discursivo, fruto de uma autoconstruo em linguagem que toma o sujeito emprico como material e matria, e que une o EPD e o ethos discursivo, convocando pois a situao concreta, o extra-discursivo, para dentro do discursivo, constitutivamente: assim como a interdiscursividade ocorre intradiscursivamente, a constituio do sujeito discursivo, intersubjetiva que , faz-se intrasubjetiva; extra-discursiva que comea, torna-se intradiscursiva. As marcas do concreto inscritas por esse processo de objetivao do sujeito emprico no corpo do discurso autorizam a convocao, quando se analisam discursos, do que de extradiscursivo nela se presentifica. Trata-se, vale dizer, de uma presentificao transfigurada de um real j de si objeto de uma representao segunda, sem quer com isso se negue o existente do mundo. Referncias bibliogrficas AMOSSY, R. (org). Images de soi dans le discours. Lausanne: Delachaux et Niestl S.A, 1999, p. 129-154. Lthos dans le croisement des disciplines: rhtorique, pragmatique, sociologie des champs. BAKHTIN, Mikhail. Hacia uma filosofia del acto tico: de los borradores y otros escritos. Trad. de Tatiana Bubnova. Barcelona: San Juan: Anthropos, 1997. ________. Toward a philosophy of the act. Trad. de Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1993. ________. Esttica da criao verbal. 2 ed. Trad. de M. H. Galvo. So Paulo: Martins Fontes, 1997. ________. Esttica da criao verbal. 4 ed. Trad. De Paulo Bezerra. So Paulo: Martins Fontes, 2003. ________. Problemas da potica de Dostoievski. 2 ed. Trad. de Paulo Bezerra. So Paulo: ForenseUniversitria, 1997. ________. Questes de literatura e de esttica: teoria do romance. 3 ed. Trad. De A. F. Bernadini et al. So Paulo: UNESP, 1993. ________. Loeuvre de Franois Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance. Trad. de Andre Robel. Paris: Gallimard, 1970. ________. The formal method in literary scholarship: a critical introduction to sociological poetics. Trad. de Albert J. Wehrle. Harvard: Harvard University Press, 1985. BRAIT, Beth. As vozes bakthinianas e o dilogo inconcluso. In: BARROS, D. e FIORIN, Jos Luiz. (orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade. So Paulo: Edusp, p. 11-27. ________. (org.). Bakhtin, dialogismo e construo do sentido. Campinas: Ed. Unicamp, 2000. ________. Interao, gnero e estilo. In: PRETI, Dino. Interao na lngua falada e na escrita. So Paulo: Humanitas, 2002. ________. Mikhail Bakhtin: o discurso na vida e o discurso na arte. In: DIETZSCH, M. J. M., Espaos da linguagem na educao. So Paulo: Humanitas, 1999, p. 11-39. EMERSON, Caryl. Keeping the self intact during the culture wars: a centennial essay for Mikhail Bakhtin. New Literary History, n. 27. Baltimore: Johns Hopkins, 1996, p. 107-126.

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A new historicist reading of Comus through the Ladys gums of glutenous heat Adalberto Teixeira de Andrade Rocha Comus was commissioned by The Earl of Bridgewater, John Egerton, upon his assuming office and title of Lord President of the Council in the Marches of Wales in 1634 at Ludlow Castle. My presentation will discuss the implications suggested by the Ladys gumms of glutenous heat (917) through a New Historicist approach towards Comus. To construct this New Historicist reading, I suppose it is first important to present the scandal that may have had such an impact on Miltons production. The scandal involved The Earl of Castlehaven, who is brother-in-law to the wife of John Egerton. The Castlehaven Scandal became well-known around 1631, only three years prior to the first performance of the Masque. The second Earl of Castlehaven married Anne Stanley and their two children from previous marriages James and Elizabeth also married each other. Consequently, Elizabeth was both the Earls stepdaughter and daughter-in-law. At the request of the voyeuristic Earl, his servant and sexual partner raped both Elizabeth and his wife Anne. The Earl was eventually convicted, imprisoned and beheaded for both sodomy and rape. Transcripts of the trial expose in detail all that happened to Anne and Elizabeth. The two were seen as whores by 17th century society even though the trial clearly stated they were victims of sexual abuse (MOORE, 2002, p. 3-4). If the Castlehaven Scandal still shocks us nowadays we can only try to imagine how shocking it may have actually been back in seventeenth century England. I here present reasons to believe Comus was employed responsively to the scandal, even though scholars such as John Crease have questioned this perspective. News about the scandal circulated extensively at the time and some affirm that The Earls political career was in fact affected by it. The notorious Castlehaven Scandal appears to have delayed the ascendance of John Egerton, the 1st Earl of Bridgewater and Touchets brother-in-law, to the office of Lord Presidency of Wales by nearly three years. (LEASURE, 2002, p. 63). The Earls consideration upon commissioning the Masque is also suggestive for us to see the Masque as a response. Masques are generally presented to simply to glorify important occasions involving noble families. But The Earl asked that the topic would be the family itself as three of its younger members would participate in the performance and that instead of the glorification of some aspect of the occasion, the subject would be the vindication of family virtue as their younger daughter confronted temptation and assault. (HUNTER, 1983, p. 5) Considering the Earls request, it is clear when he commissioned the Masque he had the image of his family more in mind than the glorification of his ascendance. There are also aspects related to that first performance of Comus that may be suggestive here as well. Two Faces of Eve (MOORE, 2002, p. 3) discusses an intermingling between the real world in the castle and the fiction world of Comus. As The Attendant Spirit praised the children for their virtue in the Masque the Earl stepped in and led his daughter Alice, playing The Lady, to a dance. The other guests gradually joined them. After this dancing, The Attendant Spirit would have then delivered his final speech and only then proceeded to end the Masque. This convenient intermingling reflects how Comus may stand as a response employed to corroborate the images of sodomy and rape that had haunted The Earls family through associations to the scandal that involved his wifes brother-in-law. Whether or not the scandal is directly related to Miltons choices when writing Comus, I believe to be somewhat speculative. But the Earls wish to associate certain virtues to his family through Comus is made clear in more ways than one. Still, in light of the historical circumstances presented there is a moment of Miltons Masque that does seem to stand out. The part of Miltons text which I will be mainly referring to goes from line 659 until the end. Here, Alices parents would have been very proud as they watched their immobilized daughter show no hesitations as she defended her virtue against Comus cunning arguments. Nevertheless, there is one particular line here that seems to be uncongenial to the Earls intentions. It comes up when Sabrina completes the Ladys rescue. Here I prefer to quote Sabrina as she brings the Lady back to mobility: Brightest Lady look on me, Thus I sprinkle on thy brest Drops that from my fountain pure, I have kept of pretious cure, Thrice upon thy fingers tip, Thrice upon thy rubied lip, Next this marble venomd seat Smeard with gumms of glutenous heat I touch with chaste palms moist and cold (908-918)

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I find the presence of gumms of glutenous heat (917) to be very much at odds with The Earls objectives when commissioning the Masque. Why would Milton add this apparently superfluous fact as the lady is saved? As Alice Egerton plays out the Sun-clad power of Chastity, (782) wouldnt this element present itself cacophonous to the allegory constructed? Considering all I have exposed regarding the scandal involving members of his family, why would the Earl have his daughter manifest a response to Comus in any way whatsoever? Before going into New Historicism, I should allot space for dialogue towards the gumms of glutenous heat (917). I have come across considerations that the Ladys emission is consequent of different factors besides Comus temptation. One possible reading is that the emission is consequent of her ecstasy as she argues in favor of virtue. Another reading is that the substance is simply birdlime, recalling the relationship between birdlime and heat (ARCHER, 1973:99). Scholars have also attempted to explain the gums in a way that would not compromise the Ladys virtue by suggesting that Comus and/or his rout would have masturbated around her seat. (SHAWCROSS, 1973:97-98). My reading of the gums here is that they are consequent of the Ladys response to Comus true temptation. This reading can be invigorated in light of some considerations I believe are important to briefly make here. A first consideration is that Comus has the essential role of simply being a tempter while the Ladys role is of being the one who is tempted. Consider for instance that in Miltons allegory there is not one moment where Comus threatens or even manifests the possibility of just taking the Lady by force. Some may argue that immobilizing her body is an allegorical way to express Comus having control over the Lady. But how much control could this imply if he does not get whatever it is he wants? I read the immobilization as an allegorical way of expressing Comus partial control over the Lady in the sense that she is to some extent affected. Note that we also see this through the manifestation of her emission. But Comus cannot make the Lady do what he wants. In Miltons Masque the Ladys virtue is ultimately proven and Comus fails. In my perspective, Comus immobilizing her is a partial control that is allegorical for the effect of true temptation. Taking the Lady by force is not a possibility because Comus will not be successful just by engaging in intercourse with the Lady, but by actually changing her mind. And this is the goal of a true Miltonic tempter as we can see in Paradise Lost. Eve did not sin because she simply ate the apple. If she had not been told not to eat the apple, there would not have been any sin in eating it. Her sin is not of gluttony, for instance, but of disobedience. Her sin is of allowing Satan to make her mind. Her sin is of succumbing to temptation and disobeying. The gums on the Ladys seat are very important in Comus in that they prove that the Lady was in fact tempted. Her response shows how she is in accordance to Miltons ideal of to know and yet abstain as he will articulate more openly later on through his Areopagitica. Take the following lines of this political pamphlet where Milton makes a reference to Adam as an instance, God therefore left him free, set before him a provoking object, ever almost in his eyes; herein consisted his merit, herein the right of his reward, the praise of his abstinence. Wherefore did he create passions within us, pleasures round about us, but that these, rightly tempered are the very ingredients of virtue? (MILTON, 1958, p. 163) These lines show us how to Milton, there must be a possibility of sin in order for there to be virtue. And to me, this is precisely what the Ladys gums are all about: to know and yet abstain. Having presented and defended my view of the gums I believe I may go on to discuss it in terms of New Historicism. The significance here is that as consonant as these gumms are to Miltons texts they are quite at odds with the intentions of the Earl - Miltons patron. It is quite logical that the 2nd Earl of Bridgewater would not appreciate the stains that these gums would cause upon the image of his daughter and family. Because of all that was presented above, we could safely infer that he wanted his children to be portrayed as entirely virtuous, and consequently himself and his wife for raising them. It seems these gums would then certainly thwart the image he wished to portray of his family. Taking all these elements into consideration under a New Historicist lens, we can read a great deal on seventeenth century England through Comus. The superficial image of the Lady as unaffected though supposedly tempted, despite being clearly praised by society at the time, is not articulated as such by the text. Through the subtle presence of the gums we can see how they seem to be regarded as menacing to the values of Miltons contemporaries. Though this physiological response may be viewed as normal or even be celebrated at other historical moments, seventeenth century England seems to prefer to dissemble it. I presume that the more superficial spectator of Comus found it very compelling to see heaven not allow a woman to be dishonored because she was virtuous and pure. Moores The Two Faces of Eve discloses how Elizabeths grandmother would not take her granddaughter and her daughter in until they were pardoned by the king when the Castlehaven Scandal was made public (2002:4). In Miltons society, people seem to

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believe there is a coherence between your virtuousness and what in fact happens to you. It seems so