AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

8

Click here to load reader

Transcript of AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

Page 1: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR

INFRACONSTITUCIONAL

Maria Thereza Tosta Camillo Pós-Graduanda em Direito Constitucional

Trabalho apresentado como exigência para a disciplina

Teoria Constitucional Contemporânea.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo das limitações

constitucionais a que deve se submeter o legislador infraconstitucional, no

processo de confecção das leis.

Ao longo de todo o texto constitucional, encontramos diversas

limitações, materiais e formais, que devem ser levadas em conta pelo legislador

infraconstitucional. As limitações formais dizem respeito ao processo legislativo,

tais como espécie normativa e iniciativa legislativa, enquanto as limitações

materiais tratam de direitos e garantias que condicionam a atuação do legislador.

Com essa finalidade, será empreendida pesquisa bibliográfica, com

destaque para o material estudado durante a disciplina de Teoria Constitucional

Contemporânea, a fim de se efetuar uma análise crítica do tema.

O estudo encontra relevância diante da crescente constitucionalização

do direito, tendência na pós-modernidade, sendo importante para traçar o papel da

Constituição e do Poder Judiciário no novo modelo de Estado Democrático de

Direito.

2. AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR

INFRACONSTITUCIONAL

O ordenamento jurídico está escalonado em três diferentes patamares.

No primeiro, encontramos as normas constitucionais originárias ou derivadas

(estas decorrentes de um procedimento de reforma constitucional, geralmente

chamadas de emendas constitucionais). No segundo, encontramos as normas

infraconstitucionais primárias, que buscam fundamento de validade diretamente

na constituição. São elas as leis ordinárias complementares e delegadas, as

medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções (Art 59 CF). Por fim,

Page 2: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

as normas infraconstitucionais secundárias, que são atos normativos da

administração pública e buscam fundamento de validade nas normas primárias

(Art 37 caput, Art 5º, II, Art 84, IV, todos da CF), habitam o terceiro patamar da

ordem jurídica.

As limitações constitucionais à legislação infraconstitucional, bem

como o estudo da inconstitucionalidade das leis estão intimamente relacionadas

com o conceito de Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico,

e também à de rigidez constitucional e proteção de direitos fundamentais.1

O princípio da supremacia não se confunde com o princípio de rigidez

da constituição, embora estejam interligados. A supremacia garante a rigidez da

Constituição, uma vez que as normas constitucionais somente funcionam como

fundamento de validade das normas infraconstitucionais na medida em que haja

um procedimento específico e mais dificultoso de reforma constitucional, porém a

recíproca não é verdadeira, pois há a possibilidade de controle de

constitucionalidade em face de constituição flexível, apesar de essa possibilidade

ser limitada.2

2.1 LIMITAÇÕES FORMAIS

Os requisitos ou limitações formais são um corolário da adoção do

Estado Democrático de direito e do princípio da legalidade, insculpido em nossa

constituição no art. 5º, II. Para garantir que ninguém será obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, a própria constituição não só

determina que espécies normativas devem regular determinadas matérias, mas

também regras básicas na feitura dessas espécies.3

1 MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional. 16ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.598.

2 MORAES, Guilherme Peña de; Direito constitucional: Teoria da Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006, p 132.

3 MORAES, Alexandre de. Op. Cit, p. 600.

Page 3: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

Tais requisitos formais podem ser de ordem subjetiva, tais como

questões de iniciativa, ou de competência do órgão que o editou, quanto objetiva,

como a forma, os prazos e o rito observados em sua edição.4

Quanto às competências, a nossa constituição adota um sistema

complexo que busca realizar o equilíbrio federativo, repartindo as competências

através da técnica de enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com

poderes remanescentes para os Estados Federados (art. 25§1º) e poderes definidos

indicativamente para os municípios (art. 30), combinando, ainda, possibilidades

de delegação e prevendo áreas de atuação conjunta ou paralela, em que a União

tem competência para estabelecer diretrizes gerais, enquanto se confere aos

Estados – e até aos municípios - a competência suplementar.5

No que se refere às espécies legislativas, interessante a situação da

chamada Lei Complementar, uma espécie híbrida na ordem jurídica brasileira,

que, apesar de não ter força nem status de norma constitucional, exige, entretanto,

um processo legislativo mais rigoroso para sua aprovação do que o previsto para

lei ordinária. Embora seja predominante na doutrina que não há superioridade

hierárquica entre a Lei Complementar e a Lei Ordinária, o certo é que há

diferenças entre ambas as espécies legislativas, sejam de cunho formal (quorum

diferenciado) ou de ordem material (reserva de determinadas matérias pela

Constituição Federal que só poderá ser tratada mediante lei complementar).

Além disso, a Constituição também determina de quem deve ser a

iniciativa da propositura de determinadas leis (p. ex. art. 61, iniciativa privativa do

Presidente da República), sendo tais normas de observância obrigatória, até

mesmo para as Constituições Estaduais, que devem manter a simetria.

A verificação do atendimento dos requisitos formais é feito em

controle de constitucionalidade, seja este preventivo ou repressivo.

4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Curso de Direito Constitucional. 30ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 34.

5 DA SILVA, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ed. São Paulo: Malheiros,

07.2008, p.479.

Page 4: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

2.2 LIMITAÇÕES MATERIAIS

No que se refere a limitações materiais ao legislador

infraconstitucional, podemos citar, enquanto tais, as chamadas cláusulas pétreas,

os direitos fundamentais, os princípios e as regras constitucionais.

As ditas cláusulas pétreas, encontradas no art. 60 da Constituição

Federal, não somente se aplicam à legislação ordinária, mas também, e

primeiramente, ao poder reformador. Assim, não serão objetos de deliberações as

propostas tendentes a abolir: A forma federativa de Estado (artigo 1º da

Constituição Federal); o voto direto, secreto, universal e periódico (artigo 14 da

Constituição Federal); a separação dos poderes (artigo 2º da Constituição

Federal); e os direitos e garantias individuais (artigo 5º e seus incisos da

Constituição Federal). (artigo 60, § 4º, incisos de I a IV da Constituição Federal).

Vale à pena ressaltar que a mera ameaça de ofensa a uma cláusula

pétrea autoriza que o Poder Judiciário interfira no processo legislativo

determinando preventivamente sua interrupção6.

Os direitos fundamentais estão concentrados, em sua maioria, no art.

5º da Constituição Federal, embora em outros pontos da Constituição sejam

apontados direitos fundamentais, como é o caso das limitações ao poder de

tributar.7 Tais direitos têm aplicabilidade imediata e a legislação contrária que os

viole são inconstitucionais. A aferição de constitucionalidade material inicia pela

verificação de compatibilidade da norma com tais direitos e garantias; no entanto,

o presente ensaio não se aprofundará no estudo destes, uma vez que serão

abordados de forma mais elaborada na disciplina correspondente do presente

curso.

Resta, pois, o estudo dos princípios e regras constitucionais. Verifica-

se, de pronto, que a diferença entre tais conceitos encontra-se no nível de

generalidade e abstração, maior para os princípios e menor para as regras.

6 PODER CONSTITUINTE. Artigo Científico. Disponível, pela diretoria de educação a distância da

Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional Contemporânea, do Curso de Pós-

Graduação em Direito Constitucional, acesso em 07.07.2009, p. 6.

7 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Direitos Humanos Fundamentais. 6ed. São Paulo: Saraiva,

2004, p. 99/100.

Page 5: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se

alicerçada sobre princípios de justiça que espraiam a sua incidência sobre todos os

campos da vida jurídica.8

Os princípios constitucionais são extraídos de enunciados normativos,

têm elevado grau de abstração e generalidade. São também chamados normas-

síntese ou normas-matizes. Delineiam os valores que informam a ordem jurídica,

devendo as atividades produtiva, interpretativa e aplicativa das regras pressupô-

los.9

Tais princípios são dotados de duas modalidades de eficácia jurídica –

negativa ou positiva - a primeira ocorre justamente quando os princípios impedem

sejam praticados atos ou produzidas normas contrárias aos seus propósitos,

constituindo aí verdadeira limitação material ao legislador infraconstitucional.

Embora não seja objeto do presente estudo, a título de esclarecimento, a eficácia

positiva resume-se à autorização de exigência, perante o judiciário, das prestações

que asseguram a realização do que a norma pretende.

Há diversas classificações dos princípios constitucionais na doutrina;

o presente ensaio, no entanto, dará preferência à classificação pelo critério da

amplitude, considerando o valor da dignidade da pessoa humana, valor supremo

da ordem jurídica e que confere unidade teleológica aos princípios e regras que

compõem nosso ordenamento.10

De acordo com este critério, os princípios podem ser classificados em

três espécies: fundamentais, gerais e setoriais (ou especiais). Os primeiros

consistem nos atributos essenciais do Estado brasileiro – a democracia, a

república e a federação.

Os princípios gerais são derivados dos fundamentais, e têm como

objetivo limitar o poder do Estado. Exemplos de princípios gerais são os da

legalidade, igualdade, inafastabilidade do controle judicial e devido processo

legal.

8 APOSTILA DE TEORIA CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEA. Artigo Científico. Disponível,

pela diretoria de educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional

Contemporânea, do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 16.07.2009, p.13.

9 MORAES, Guilherme Peña de; Direito constitucional: Teoria da Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006, p. 101.

10 Idem, p. 102/103.

Page 6: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

Os princípios setoriais são aqueles que informam um determinado

ramo do Direito Positivo. O Direito Administrativo, por exemplo, tem cinco

princípios constitucionais básicos, enunciados no caput do art. 37 da CF

(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Da mesma

forma, outros ramos também são informados por princípios constitucionais

setoriais, como o Direito Civil (ex: sucessão hereditária, art. 5º, XXX e 227, §6º),

Empresarial (ex: liberdade de iniciativa, art. 1º, IV e 170, IV), Penal (ex: reserva

legal, art. 5º, XXXIX), Processual (ex: contraditório, art. 5º, LV), Previdenciário

(ex: solidariedade financeira, art. 195, caput), Trabalhista (ex: primazia da

realidade, art. 7º, XXXIV), Tributário (ex: capacidade contributiva, art. 145§1º).

Dessa forma, o legislador ordinário deverá, ao legislar sobre Direito

Civil, por exemplo, observar não somente os princípios gerais, mas também os

setoriais que regem tal ramo do direito, como a realização da personalidade, a

intervenção reguladora do Estado nos contratos, na propriedade e na empresa, a

objetivação da responsabilidade civil, a proteção da família e a sucessão

hereditária.

Por último, constituem igualmente limitações materiais ao legislador

infraconstitucional as regras constitucionais, extraídas de enunciados normativos

com reduzido grau de abstração e generalidade, que descrevem situações fáticas

e prescrevem condutas intersubjetivas.11

As regras constitucionais, quanto à realização do fato descrito, podem

ser concretas ou abstratas. As concretas descrevem um fato já ocorrido (ex. art. 9º

ADCT), enquanto que as abstratas descrevem uma possível ocorrência futura (ex.

art. 15 CF). Quanto à individualização do sujeito cuja conduta se deseja regular,

as regras podem ser gerais, quando prescrevem a conduta de pessoas

indeterminadas (art. 5º, XIII, CF), ou individuais, quando regula a conduta de

pessoas individualizadas (art. 8º§3º, ADCT). Ainda, quanto ao objeto, as regras se

classificam em reguladoras de estrutura ou de conduta. As regras constitucionais

de estrutura são aquelas que determinam o modo pelo qual outra regra jurídica é

criada, modificada ou extinta (ex. arts. 18§3º e 69, CF). As regras de conduta são

aquelas cujo objeto é a regulação de comportamentos interpessoais (art. 13§5º e

14§3º ADCT).

11

Idem, p. 100

Page 7: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

As regras constitucionais não podem ser contrariadas pela norma

infraconstitucional, devendo ser levadas em conta pelo legislador.

A verificação dos requisitos materiais é feita por meio de controle de

constitucionalidade, seja este preventivo – como, por exemplo, nas Câmaras de

Constituição e Justiça (CCJs) – ou repressivo – questionamento judicial da

constitucionalidade, e consiste em verificar se o conteúdo preceituado na norma é

compatível com o da norma constitucional na qual deveria ter buscado o seu

fundamento de validade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O escopo deste estudo não foi investigar todas as espécies de

limitações constitucionais ao legislador infraconstitucional, nem esgotar a

distinção entre princípios e regras, nem tão pouco listar todos os princípios

informantes do ordenamento jurídico pátrio.

A descrição das principais limitações a que se submete o legislador

infraconstitucional, em especial os princípios, norteou o trabalho, a fim de

demonstrar a aplicabilidade destes e em especial o grande papel que têm na

interpretação da legislação e na aferição de constitucionalidade, seja durante a

produção da norma ou após a sua inserção no ordenamento jurídico.

A Constituição Federal de 1988 confere aplicabilidade imediata não

somente às regras, mas aos princípios, apesar do seu alto nível de generalidade e

abstração. Dessa forma, toda a gama de direitos fundamentais e de princípios que

informam o nosso ordenamento deve ser observada quando da produção

normativa, fenômeno que tem sido chamado de constitucionalização do direito.

Tal construção tem levado os operadores do direito, em especial os

tribunais, a uma interpretação constitucional pós-positivista, sendo possível, pois,

concluir que o direito pós-positivo constitui, mais que uma coleção de regras

justapostas, verdadeira gestão social do direito, resultando na construção de

elementos normativos vinculados à aplicação de princípios na prática jurídica,

reintroduzindo, no ordenamento, a idéia de justiça.

Page 8: AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL (Maria Thereza Tosta Camillo)

4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

APOSTILA DE TEORIA CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEA. Artigo

Científico. Disponível, pela diretoria de educação a distância da Universidade

Estádio de Sá, da disciplina Teoria Constitucional Contemporânea, do Curso de

Pós-Graduação em Direito Constitucional, acesso em 16.07.2009.

DA SILVA, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ed. São

Paulo: Malheiros, 07.2008.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Curso de Direito Constitucional. 30ed.

São Paulo: Saraiva, 2003.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Direitos Humanos Fundamentais. 6ed.

São Paulo: Saraiva, 2004.

MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional. 16ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAES, Guilherme Peña de; Direito constitucional: Teoria da Constituição. 2

ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

PODER CONSTITUINTE. Artigo Científico. Disponível, pela diretoria de

educação a distância da Universidade Estádio de Sá, da disciplina Teoria

Constitucional Contemporânea, do Curso de Pós-Graduação em Direito

Constitucional, acesso em 07.07.2009.