AS MUDANÇAS NO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E OS IMPACTOS NA COBERTURA VEGETAL...
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AS MUDANÇAS NO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E OS IMPACTOS NA COBERTURA VEGETAL: EXEMPLO DE CASO EM
VARGINHA, MG.
Lennon Mazzeu de Oliveira¹
¹[email protected] UNIFAL-MG
Pesquisa concluída.
INTRODUÇÃO
A cada década que se passa a importância e a influência que o meio ambiente
exerce sobre a humanidade e suas atividades são levadas mais em consideração. Nas
últimas quatro décadas, porém, o oposto ganhou demasiado enfoque: a influência do
homem sobre o meio em que vive e os impactos resultantes desta interação.
A primeira conferência mundial que tratou da questão ambiental foi realizada em
1972, em Estocolmo na Suécia. Posteriormente, com o objetivo de avaliar os avanços
conquistados e os desafios ainda pendentes, no ano de 1992 foi realizada no Rio de
Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
conhecida como Eco-92, evento que voltou ao Rio de Janeiro em 2012 como a Rio+20.
Em 1934 foi decretada a primeira legislação ambiental brasileira onde
classificava as florestas em quatro categorias: a) protetoras; b) remanescentes; c)
modelo; d) de rendimento. Somente em 1965 com o primeiro Código Florestal foi
definida a Área de Preservação Permanente, conhecida pela sigla APP.
De acordo com a resolução CONAMA 302 de 20 de Março de 2002, a APP tem
a “função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar
o bem estar das populações humanas”.
Esta proteção é feita por meio de normalizações que restringem o uso da terra e a
supressão da cobertura vegetal nas margens de rios, córregos, cabeceiras e corpos
d’água, além de vetar a ocupação em áreas com declividades acentuadas e em topos de
morros.
No ano de 2012a Câmara dos Deputados aprovou a Lei 12651/2012, baseada no
Projeto de Lei 1876/99. A proposta de um novo Código Florestal causou muita
discussão entre as comunidades política, científica, ruralista e popular.
Os ambientalistas foram bastante pessimistas em relação as alterações propostas.
A grande maioria acreditava que muitas terras seriam convertidas em áreas de expansão
agrícola, já que a proposta reduziria drasticamente as áreas de APP.
Quando se pretende efetuar um estudo acerca de objetos ou eventos do setor
ambiental tais como o desmatamento, é imprescindível o uso do geoprocessamento. Tal
instrumento de análise permite a visualização e interpretação dos elementos distintos da
paisagem, bem como os fatores dinâmicos que os interligam, formando uma rede, um
sistema complexo ambiental o qual o homem e suas atividades estão inseridos.
OBJETIVOS
Ao se integrar diferentes dados no ambiente de SIG a percepção do usuário
sobre o fenômeno mapeado aumenta consideravelmente, ainda mais sobre objetos como
um morro, que possui alto nível de abstração no ambiente de duas dimensões de um
mapa.Assim, o presente trabalho produziu o mapeamento das Áreas de Preservação
Permanente segundo as legislações referentes ao Código Florestal de 1965 e ao Projeto
de Lei 1876 de 1999, que deu origem ao Novo Código Florestal na forma da Lei 12651
de 2012, comparando-os.
Com a união dos mapas de APP e de Uso e Ocupação do Solo se gerou uma
Carta de Derivação Ambiental, assim identificando atividades irregulares em áreas que
deveriam estar preservadas. Por fim, se mensurou em quilômetros quadrados a
diminuição que as APP’s teriam caso a redação original do PL1876/99 tivesse sido
sancionada.
METODOLOGIAS
METZGER et al. (2010) citam alguns possíveis impactos causados pela
alteração do Código Florestal, como o aumento da emissão de CO2 e extinção de mais
de 100.000 espécies - o que nas palavras dos autores seria “uma perda enorme que
invalidará qualquer compromisso com a conservação da biodiversidade.”
Com relação a expansão agropecuária, sobre as áreas de preservação,
SPAROVEK et al. (2010) defendem a ideia de que a agricultura deveria se expandir
apenas em terras onde hoje se pratica a pecuária extensiva. A pecuária por sua vez,
deveria intensificar a sua produção, demandando menos área, aumentando a qualidade
do produto e contribuindo, ainda, para uma equalização nos preços da carne.
MOROZ et al (1994) elaboraram documentos cartográficos, os quais definiram
como Cartas de Derivações Ambientais, com a finalidade de fazer um diagnóstico
ambiental. Estas cartas nada mais eram do que o cruzamento da Carta Clinográfica com
a de Uso e Ocupação do Solo da região estudada em conformidade com a Lei Estadual
de Proteção aos Mananciais de São Paulo.
A área de estudo trabalhada localiza-se no município de Varginha, sul do Estado
de Minas Gerais. Constitui a terceira maior cidade do sul do Estado, com população
aproximada de 130 mil habitantes.
Figura 1: localização da área abrangida pelo trabalho em relação ao território nacional.
O processo de classificação multiespectral é descrito por CRÓSTA (1992)
como a associação de pixels de uma imagem à um rótulo (classe) predefinido que
descreve um objeto da realidade, podendo ser um tipo de vegetação, um corpo d’água,
uma cultura agrícola, entre outros. O maior desafio à classificação é o fato de ser no
final das contas uma simplificação muito grande perante a complexidade do mundo real
retratada em uma imagem de satélite. (CRÓSTA, 1992)
No software SPRING 5.2, após a segmentação, utilizou-se o algoritmo
Bhattacharyapara se classificar por regiões uma imagem do satélite Landsat5, sensor
TM. As classes escolhidas foram: Água, Mata, Pastagem, Solo Exposto, Café, Área
Construída e Queimada. Houve a necessidade de se corrigir manualmente alguns
polígonos quanto à classe.
A delimitação das APP’s foi realizada através da técnica buffer, que refere-se a
áreas construídas ao redor de feiçõesvetoriais como pontos, linhas e polígonos, através
de um limiar de distância escolhido pelo usuário de SIG.Cada tipo de APP seguiu um
parâmetro legal diferente de acordo com o que discorre nas legislações. As delimitações
ficaram conforme a Tabela 1.
Tabela 1 – Tipos de APP e suas delimitações conforme a legislação utilizada.
Código Categoria Legislação APP1 50m ao redor das nascentes L4771/65 e PL1876/99 APP2 30m nas faixas marginais da
drenagem até 10m de largura
L4771/65
APP2a 15m nas faixas marginais da drenagem até 10m de largura
PL1876/99
APP3 100m nas faixas marginais do Rio Verde
L4771/65 e PL1876/99
APP4 15m no entorno de reservatórios artificiais localizados em zonas rurais
Resolução CONAMA 302
APP5 Terço superior de elevações com altura entre 50 e 300m em relação a base e declividade superior a 30% (17°)
Resolução CONAMA 303
APP5a Terço superior de elevações com altura mínima de 100m em relação a base e declividade maior que 25° (46%)
PL1876/99 � L12651/2012
Assim como no trabalho de NOWATZKI et al (2010) que mapeou as APP’s em
uma bacia no estado do Paraná, os diferentes tipos de APP’s receberam uma codificação
e também exclusão nas áreas de sobreposição de buffers pertencentes a APP’s de
códigos distintos.
No softwareArcGIS 10.1, para os tipos APP1, APP2, APP2a e APP3se aplicou o
buffer utilizando-se osdiferentes parâmetros legais de cada tipo. Para o código APP4,
utilizou-se o inciso III do Art. 3° da Resolução CONAMA 302 que exige uma faixa de
15 metros de APP no entorno de reservatórios artificiais com até 20 hectares de
superfície localizados em zonas rurais e que não sejam utilizados para abastecimento
público ou geração de energia. Como os quatro reservatórios da área se encaixam na
mesma descrição, foi aplicado o buffer sobre os polígonos referentes aos mesmos.
A redação do PL1876/99 prevê que as APP’s para esses mesmos tipos e
tamanhos de reservatórios devem ser delimitadas de acordo com o licenciamento
ambiental do empreendimento. Como o reservatório de maior áreapossui apenas 4,65
hectares, o parâmetro de 15 metros de APP foi mantido, já que a diferença na área total
ao final do trabalho seria mínima.
As APP’s do tipo 5 e 5a, referentes aos topos de morro, são as mais complexas
de se trabalhar devido a sua subjetividade de interpretação e análise dos parâmetros de
limites de base do morro, de forma legal e também real. (MOREIRA et al, 2003 apud.
in CASTELANI e BATISTA, 2007)
Os parâmetros de delimitação deste tipo de APP seguem a interpretação do
analista – assim – fazendo com que cada trabalho possua sua própria maneira de
entender o que é a base da elevação. Na resolução CONAMA 303 de 2002, Art. 2°, VI,
consta a seguinte definição para base de morro ou montanha: “plano horizontal definido
por planície ou superfície de lençol d`água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela
cota da depressão mais baixa ao seu redor;”.
A base de uma elevação, segundo HOTT (2005), “é um elemento de difícil
determinação, pois normalmente não é um elemento euclidiano formado por uma reta e,
sim, por uma estrutura bastante irregular, apresentando uma drenagem marcante e
característica.”.
Com o intuito de sistematizar este tipo de mapeamento, RIBEIRO et al (2002;
2005) e HOTT et al (2005) utilizaram as funções hidrológicas dos SIG’s como forma de
obtenção automática da cota de base das elevações de uma determinada área de estudo.
Assim, através da ferramenta de direção de fluxo se identifica a área de influência no
escoamento superficial de cada elevação. (VICTORIA, 2010)
Esta complexidade fez com que OLIVEIRA e FERNANDES FILHO (2013)
propusessem uma metodologia para o softwareArcGIS 10, onde através de operações
matemáticas se demarca esse tipo de APP de forma mais padronizada e acessível.
Tal metodologia foi aplicada neste trabalho,porém com algumas adaptações. Se
utilizouo MDT derivado da interpolação das curvas de nível vetorizadas da carta
topográfica do IBGE na escala 1:50.000 como base altimétrica para aquisição das
APP’s do tipo 5 e 5a.
Primeiramente se executou um filtro sobre o MDT com o intuito de eliminar as
depressões espúrias (sinks) que possam estar presentes no arquivo, ocasionando
alterações no escoamento. Após a inversão do MDT, se aplicou a ferramenta de
direção de fluxo e delimitação de bacias hidrográficas para se obter a base hidrológica
de cada elevação.
Com todo o fluxo correndo para o topo, por meio de operações matemáticas se
criou pontos nos pontos máximos de cada linha da base hidrológica – pontos de sela – e
se adicionou a cota altimétrica destes pontos de acordo com a altimetria do MDT
original. O mesmo processo foi realizado em cima do arquivo de polígonos que
representa as bases hidrológicas das elevações, retornando os valores máximos que são
convertidos em pontos, esses sendo os pontos de topo.
Foi gerada uma tabela associando-se os pontos de topo com seus respectivos
pontos de sela mais próximos, assim como descreve o inciso VI do Art. 2° da Resolução
CONAMA 303 e o inciso IX do Art. 4° da Lei 12651/2012, e se calculou a diferença
entre as altitudes destes.
Adicionou-se ao arquivo com a base hidrológica das elevações, os valores dos
pontos de topo e sela. Reclassificando este novo arquivo, definiu-seos valores dos pixels
sendo as cotas dos pontos de sela, chegando-se a base legal de cada morro. Finalmente,
através da ferramenta RasterCalculator calculou-se o terço superior de cada elevação,
as APP’s do tipo 5 e 5a.
De acordo com a legislação uma elevação deve obedecer dois critérios para
possuir APP em seu topo: altitude e declividade. Usando a ferramenta Slope do
softwareArcGIS identificou-se a declividade em graus de toda a área de estudo.
Para se descobrir as áreas onde ocorre um uso diferente do que não a
preservação prevista em lei, uniu-se as Tabelas de Atributos do arquivo de Classificação
e de um arquivo que uniu todas as APP’s. Usando a ferramenta Intersect do software
ArcGIS, se extraiu somente as áreas do arquivo de Classificação onde coincidiam com
os limites das APP’s.Finalmente, foram calculadas as áreas das classes “Café”, “Solo
Exposto”, “Área Construída” e “Queimada” que se apresentaram dentro de APP’s, pois
estas podem ser qualificadas como ilegais.
RESULTADOS
Foram identificadas 25 elevações com variação altimétrica entre 50 e 113
metros, porém 5 destas não se encaixaram no quesito declividade.O PL1876/99, não
apresenta parâmetros específicos para a delimitação de APP em topos de morro, então
se considerou os valores presentes na Lei 12651/2012. Com isso, apenas uma elevação
foi identificada.
Figura 2: Comparação na delimitação das APP’s de acordo com as legislações trabalhadas.
Ambas as legislações preveem a determinação de APP em encostas com
declividade superior a 45 graus, porém o pixel com o valor mais alto na área estudada
possui valor de 44 graus. Outro tipo de APP que o trabalho não contemplou foi
asLinhas de Cumeada, já que nenhum morro cujo topo possui APP se encontra a menos
de 500 metros de distância de outro.
As áreas de cada tipo de APP em quilômetros quadrados e sua
representatividade em porcentagem são mostradas conforme a Tabela 2:
Tabela 2 – Áreas de todos os tipos de APP e suas porcentagens em relação ao total.
L4771/65 + CONAMA 302 e
303
PL1876/99 + L12651/2012
Área (km²)
Área (km²)
% %
APP1 X X 2,78 2,78 6,2 9,7 APP2 X 27,54 61,2 APP3 X X 11,69 11,69 26 41,0 APP4 X X 0,15 0,15 0,3 0,5 APP5 X 2,82 6,3 APP2a X 13,90 48,7 APP5a X 0,02 0,07 TOTAL 44,98 28,54 100 100
No mapa de Uso e Ocupação do Solo a classe “Pastagem” se mostrou com a
maior representatividade, constituindo 46%, seguida das classes “Café” e “Mata” com
23 e 20% respectivamente. Houve uma redução de 7,3 km² na classe “Mata” presente
nos limites das APP’s, passando de 18,53 para 11,23 km², se compararmos as duas
legislações.
Figura 3: Mapa final referente à Classificação da imagem Landsat5 TM.
Outro fato evidenciado com o trabalho é a falta de aplicação da lei de maneira
incisiva. No mapa de Derivações Ambientais, se tem um total de 6,52 km² de usos
irregulares, com destaque para o cultivo de café que soma 4,08 km² e está presente
praticamente em todos os topos de morro.
Figura 4: Usos irregulares nos limites das APP’s, principalmente o café nos topos de morros.
Nos topos de morros, com a alteração do parâmetro de altura mínima de 50 para
100 metros e de declividade mínima de 17 para 25 graus, houve uma redução de
99,29%, ou 2,79 km² aproximadamente de área protegida, neste tipo de APP.
Fica evidente o prejuízo ambiental que o Novo Código Florestal trás consigo,
mesmo a faixa de APP em margens de rios até 10 metros de largura tendo sido mantida
em 30 metros ao invés dos 15 metros propostos inicialmente com o PL1876/99, já que
as novas exigências limitam muito a ocorrência de APP em topos de morro.
Somente parâmetros legais regionais amenizariam as desvantagens que
determinadas áreas acabam sofrendo com relação a outras, tendo um único parâmetro
legal para um país extenso e diverso como o Brasil. Cabe então aos órgãos ambientais
competentes realizarem de maneira incisiva a fiscalização das Áreas de Preservação
Permanente, assim além de cumprir a lei, haverá a possibilidade de recuperação futura
de áreas com usos ilegais.
BIBLIOGRAFIA
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Permanente (APP) do município de Santo Antônio do Pinhal, SP: um subsídio à
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