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SILVINO ARÉCO AS REDUÇÕES JESUÍTICAS DO PARAGUAI: A VIDA CULTURAL, ECONÔMICA E EDUCACIONAL. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO CAMPO GRANDE / MS 2008

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SILVINO ARÉCO

AS REDUÇÕES JESUÍTICAS DO PARAGUAI: A VIDA CULTURAL, ECONÔMICA E

EDUCACIONAL.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO CAMPO GRANDE / MS

2008

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)

Aréco, Silvino. A675r As reduções jesuíticas do Paraguai : a vida cultural, econômica e

educacional / Aréco Silvino. -- Campo Grande, MS, 2008. 247 f. ; 30 cm.

Orientador: David Victor-Emmanuel. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Centro de Ciências Humanas e Sociais. 1. Educação – Paraguai – História – 1549-1767. 2. Jesuítas – Paraguai – História – 1549-1767. I. Victor-Emmanuel, David. II. Título.

CDD (22) 370.989

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SILVINO ARÉCO

AS REDUÇÕES JESUÍTICAS DO PARAGUAI: A VIDA CULTURAL, ECONÔMICA E

EDUCACIONAL. Dissertação apresentada como exigência final para obtenção do grau de Mestre em Educação á Comissão julgadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul sob orientação do Prof. Dr. David Victor-Emmanuel Tauro.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO CAMPO GRANDE / MS

2008

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. David Victor-Emmanuel Tauro

______________________________________ Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves ______________________________________Profª Drª Silvia Helena Andrade de Brito

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Dedico este trabalho para minha mãe Maria Humbelina H. Areco e para minha irmã Maria Aparecida H. Areco pelo apoio de sempre. E a Renato Gomes Nogueira in memoriam.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Dr. David Victor-Emmanuel Tauro pela orientação

dedicada.

Agradeço ao Dr. Gilberto Luiz Alves pela grande contribuição durante o

processo de qualificação e pela instigante contribuição teórica contidas em suas

obras.

Agradeço as professoras: Silvia Helena Andrade de Brito, Maria Dilnéia

Espindola Fernandes e Elcia Esnarriaga de Arruda por todas as aulas

ministradas, pelo carinho e respeito transmitidos durante este período de

convivência. E principalmente pelo conhecimento recebido.

Agradeço aos professores Inara Barbosa Leão, Fabiany de Cássia Tavares Silva

e Antônio Carlos do Nascimento Osório pelo apoio durante este período.

Agradeço a Jacqueline e ao Hidem Franco pela amizade recíproca.

Agradeço aos meus colegas de Mestrado pela paciência.

Agradeço a Turma de Ciências Sociais 2007 pela Homenagem.

Aos meus amigos: Elcio, Ronaldo, Thiago, Maisa, Johnny, Juliana, Teresinha,

Gonçalo, Álvaro Banducci, Valdir, Saulo, André, Alexandra, Adriano, Gabi e

Nádia. Agradeço eternamente pelo apoio desde o primeiro momento em que eu

me candidatei a uma vaga no mestrado. Mais que apoio, recebi amizade,

carinho e companheirismo. Muito obrigado por vocês serem meus amigos.

Enfim agradeço a todos os meus familiares e amigos que tornaram “o meu

fardo” mais leve.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo, a partir de enfoque teórico-metodológico materialista histórico, analisar a Companhia de Jesus como um empreendimento capitalista, que objetivava, através do capital auferido, financiar as atividades catequéticas e missionárias, no período denominado de acumulação primitiva do capital. A base para a pesquisa foi efetivada através da coleta de dados, a partir de fontes primárias e secundárias. Este estudo sobre a contribuição das instituições religiosas na educação faz parte da Linha de Pesquisa Estado e Políticas Públicas em Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMS, tendo como foco a perspectiva de lançar um novo olhar sobre a problemática da gênese dos empreendimentos jesuíticos para financiar suas atividades educativas e missionárias. A análise tem como delimitação temporal desde o seu momento de inserção na América Latina (1549) até a sua expulsão (1767). Trata-se de uma dupla inserção em contextos globalizantes: de um lado, relacionado às atividades econômicas jesuíticas no momento da gênese e desenvolvimento do modo de produção capitalista; de outro, a compreensão das atividades educativas jesuíticas no desenrolar da trama da formação social-histórica da América Colonial. A delimitação espacial desse trabalho foi a fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul e o Paraguai. No período de atuação dos jesuítas na América Colonial, essa região (foco de nosso estudo) era denominada “Província Jesuítica do Paraguai” e, pelo “Tratado de Tordesilhas”, pertencia à Coroa Espanhola. Em regiões do Brasil, os padres jesuítas desenvolviam outras atividades e empreendimentos econômicos para sustentar seus propósitos no campo educacional e missionário. Nosso objetivo principal foi levantar fontes e dados sobre estes empreendimentos na fronteira do Brasil e do Paraguai, para estudar o escopo, extensão e volume deles, desvendar seu caráter político e econômico e as suas relações com a instituição do capitalismo como modo de produção, no período de 1549 a 1767.

Palavras-chave: Educação, História, Companhia de Jesus, Instituições Religiosas.

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RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo, a partir del enfoque teórico-metodológico materialista histórico, analizar la Compañía de Jesús como un emprendimiento capitalista, que objetivaba, a través del capital obtenido, financiar las atividades catequéticas e misioneras, en el período denominado de acumulación primitiva del capital. La base para la pesquisa fue efectivada a través de la colecta de informaciones, a partir de fuentes primarias y secundarias. Este estudio sobre la contribución de las instituciones religiosas en la educación integra la Línea de Pesquisa Estado y Políticas Públicas en Educación, del Programa de Pós-graduación en Educación, de la UFMS, teniendo como foco la perspectiva de lanzar una nueva mirada sobre la problemática de la génesis de los emprendimientos jesuíticos para financiar las suyas atividades educativas y misioneras. La análisis tiene como delimitación temporal desde el su momento de inserción en la América Latina (1549) hasta su expulsión (1767)Tratase de una dupla inserción en contextos globalizantes: de un lado, relacionado a las atividades economicas jesuíticas en el momento de la génesis y desarollo del modo de producción capitalista, de outro, la comprensión de las atividades educativas jesuítcas en el desenrollar de la trama de la formación social-histórica de la América Colonial. La delimitación espacial de este trabajo fue la frontera del Estado de Mato Grosso do Sul e del Paraguay. En el período de atuación de los jesuítas en la América Colonial, esa región (foco de nuestro estudio) era denominada “Provincia Jesuítica del Paraguay” y, por el “Tratado de Tordesillas”, pertenecía a la Corona Española. En regiones del Brasil, los padres jesuítas desenvolvían otras atividades y emprendimientos económicos para sustentar sus propósitos en el campo educacional y misionero. Nuestro objetivo principal fue levantar fuentes y datos sobre estes emprendimientos en la frontera del Brasil y del Paraguay, para estudiar su objetivo, intención y volumen y desvendar su carácter político y económico y las suyas relaciones con la institución del capitalismo como modo de produción, en el período de 1549 a 1767.

Palabras-llave: Educación, Historia, Compaña de Jesús, Instituciones Religiosas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................... 10

CAPÍTULO I BREVE HISTÓRICO DA COMPANHIA DE JESUS E AS CONTROVÉRSIAS CONTIDAS NA HISTORIOGRAFIA ACERCA DE SUA ATUAÇÃO ECONÔMICA, MISSIONÁRIA E EDUCACIONAL........................................................................................ 34

CAPÍTULO II O CONTEXTO SOCIAL-HISTÓRICO QUE EMERGE AS REDUÇÕES JESUÍTICAS DO PARAGUAI...................................... 58

2.1. O PROCESSO DE PRODUÇÃO MATERIAL NA SINGULARIDADE PARAGUAIA................................................................................................. 80

2.2 A CULTURA GUARANI........................................................................ 95

2.3 JESUÍTAS, GUARANIS E ENCOMENDEROS NA PROVÍNCIA DO PARAGUAI................................................................................................... 112

2.4 A PRODUÇÃO ECONÔMICA NAS REDUÇÕES JESUITICAS DO PARAGUAI................................................................................................... 139

CAPITULO III A VIDA CULTURAL E EDUCACIONAL NAS REDUÇÕES JESUÍTICAS: A SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA AGRÍCOLA GUARANI COM A TÉCNICA EUROPÉIA.................................................................................................. 158

3.1 A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DIVINOS DO TUPAMBAÉ................................................................................................. 169

3.2 A INTERRELAÇÃO RELIGIÃO/EDUCAÇÃO E A INSTITUIÇÃO DO IMAGINÁRIO CAPITALISTA................................................................... 183

3.3 A PRODUÇÃO CULTURAL: AS ATIVIDADES EDUCACIONAIS NOS POVOADOS MISSIONEIROS DA PROVÍNCIA JESUÍTICA DO PARAGUAI............................................................................................... 199

CONCLUSÃO.......................................................................................... 220

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................. 231

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INTRODUÇÃO

OBJETO E DELIMITAÇÃO

Este trabalho tem como objeto de análise as reduções jesuíticas da

Província do Paraguai, sendo o foco central as suas atividades econômicas,

culturais e educacionais. A delimitação temporal abrange desde a chegada dos

jesuítas na América Latina em 1549, até a sua expulsão das possessões

espanholas em 1767. A delimitação espacial deste estudo se prende à Província

Jesuítica do Paraguai. É importante ressaltar que a Governação e a Província do

Paraguai abrangiam neste período histórico um território significativamente

mais extenso que o atual, possuindo regiões que atualmente pertencem ao

Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia. De acordo com Gadelha (1989), possuía o

Paraguai jurisdição sobre os atuais Estados brasileiros do Paraná, Santa

Catarina, Rio Grande do Sul e sul de Mato Grosso (atualmente o Estado de

Mato Grosso do Sul) e parte do pantanal mato-grossense, subindo daí até a

bacia do Amazonas, região nunca colonizada pelos espanhóis.

Nos últimos anos houve um crescente interesse para os estudos sobre

as relações entre ordens religiosas e as instituições do capitalismo além da

esfera da educação, como por exemplo, a ciência, a cultura, as artes e a política.

Alguns desses trabalhos (dissertações e iniciações científicas) foram efetivados

sob a orientação do professor David Victor-Emmanuel Tauro, na linha de

pesquisa “Contribuição das Instituições Religiosas à História da Educação”1. O

presente trabalho tenciona lançar um novo olhar sobre a gênese dos

empreendimentos capitalistas adotados pelos jesuítas na província do Paraguai.

Trata-se de uma dupla inserção em contextos globalizantes. De um lado, a

______________ 1 Dentre estes trabalhos podemos destacar: José Manfroi (1987) A Missão Salesiana e a Educação em Corumbá: 1889-1996; Jordana Duenha Rodriges (2001) A economia dos empreendimentos dos jesuitas para o financiamento das atividades educativas e missionárias na fronteira do Brasil com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai; Márcio Cabral Barbio (2002) Os jesuítas e a formação colonial brasileira-A construção de um novo paradigma; Décio Henrique Cisí (2001) O movimento dos capitais dos jesuítas para o financiamento das atividades educativas e missionárias, 1549-1770; Mariley de Souza Gualberto (2000) A contribuição das instituições religiosas à história da educação de Campo Grande: o caso da Escola Estadual São José 1.

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inscrição das atividades econômicas jesuíticas no contexto da gênese do

desenvolvimento do modo de produção capitalista; de outro, a descrição das

atividades culturais e educativas no encadeamento da formação social-histórica

do Paraguai Colonial.

Como resultante de pesquisa da linha “Estado e Políticas Públicas de

Educação”, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul, este trabalho objetiva inserir a educação dentro

do contexto de desenvolvimento social-histórico da região, tendo em vista que o

Estado de Mato Grosso do Sul, no período delimitado, pertencia à Província do

Paraguai. Assim, buscamos problematizar as relações e inter-relações

específicas nesse contexto geral.

Na história da educação, as pesquisas se mostraram particularmente

intransigentes em suas análises das relações da Igreja Católica com a criação da

ciência moderna, com a pesquisa em educação da época e com a transição do

feudalismo para o capitalismo. No entanto, os trabalhos mais recentes ajudam a

rever a importância dessa instituição eclesial para a ciência e a reflexão

científica moderna no nascimento do capitalismo. Quanto à Companhia de

Jesus, há igualmente uma enorme variedade de interpretações de suas obras,

tanto junto aos índios nas missões, como na área da educação, seja nos países

europeus, seja nos países colonizados, que merecem ser esclarecidas a fim de

avaliar seu peso sobre a história do desenvolvimento do capitalismo.

Em geral, quando não se desdenha, ignora-se o enorme papel

desempenhado pelos jesuítas (e pela própria Igreja Católica Romana) nas

pesquisas filosóficas, matemáticas, físicas e astronômicas, como também, nas

ciências naturais (zoologia e botânica). Um dos maiores equívocos em relação

aos fundamentos epistemológicos dos trabalhos intelectuais leva a desprezar o

imenso esforço dos “Companheiros de Jesus” a favor da consolidação da jovem

sociedade capitalista. A metafísica aristotélica, e a prática formal da escolástica

foram responsabilizadas pela corrupção da Paidéia jesuíta.

A relevância deste trabalho também se justifica pela ampla discussão

no campo teórico. Os positivistas avaliam a ação inaciana como “civilizadora”,

pois retiraram os indígenas do estágio “selvagem” para os conduzirem até à

“civilização”, ao ensinar os nativos a se vestir, ler e escrever. Alguns teóricos

materialistas históricos não hesitaram em castigar os jesuítas com a pecha de

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reacionários vulgares, militantes fanáticos contra-revolucionários e adversários

do progresso. Os liberais, ao mesmo tempo em que compartilhavam com essas

posições (em relação à Reforma e sobre a questão do progresso), acentuaram

também suas críticas quanto a aliança da Companhia de Jesus com os reis da

Espanha e de Portugal no projeto colonialista.

O que tem sido esquecido durante o debate teórico foi a contribuição

permanente de transmissão da cultura ocidental feita pelos jesuítas durante as

atividades missionárias e a sua colaboração com a comunidade científica. O

enorme esforço desenvolvido na construção do empreendimento econômico

administrado pelos jesuítas nos quatro cantos do mundo permanece em segundo

plano nas preocupações teóricas.

Em síntese, a relevância deste trabalho se prende ao fato de que os

jesuítas foram instrumentos importantes na criação e consolidação das relações

capitalistas, sobretudo no cone-sul da América Latina. Trabalhar as diferentes

formas das relações que foram instituídas nos empreendimentos jesuíticos pode

elucidar a herança dessa ordem religiosa católica na disseminação da cultura

ocidental, imprescindível para a reprodução das relações sociais desse modo de

produção na época moderna. Essas relações foram instituídas no mercantilismo

comercial, na exploração da agricultura, na criação de gado, participação efetiva

na compra e venda de escravos e na promulgação da cultura cristã aos povos

originários da América Latina. Foram ainda, imprescindíveis para reforçar os

valores eurocêntricos.

Na atualidade, em que se discute a integração latino-americana através

da consolidação do Mercosul, este estudo pode contribuir para um melhor

entendimento da abrangência e importância do intercâmbio cultural entre o

Brasil e os países que lhe fazem fronteira. Nesta perspectiva, desvendar a

formação histórica desta região nos possibilitará uma melhor compreensão das

desigualdades regionais. E ao lançarmos uma luz em nosso passado, pode surgir

uma centelha para que possamos transformar o nosso futuro.

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REFERENCIAL TEÓRICO

Torna-se imperativo a explicitação da postura que norteia esta análise.

O recurso que possibilita a distinção entre este trabalho e outros que tenham por

objeto as reduções jesuíticas do Paraguai é a teoria, tomada em uma acepção

bem definida, cujo conteúdo em absoluto guarda qualquer conotação

metafísica, ao contrário de algumas noções vulgarizadas do mundo acadêmico.

Sob essa perspectiva, a teoria cientifica mais desenvolvida de nossos

dias já está suficientemente constituída, na medida em que ocorreu o pleno

amadurecimento da sociedade capitalista, após a revolução industrial. A teoria

nesta análise tem o sentido explicado por Alves (1984, p.16):

A teoria em nível do pensamento, nada mais é do que um reflexo que expressa o grau de consciência do homem em relação ao desenvolvimento material. Necessariamente assim sendo a constituição da teoria derivou da análise rigorosa das nações capitalistas mais desenvolvidas, cuja evolução, pelo próprio fato de serem as mais desenvolvidas, explicita de forma mais elaborada as determinações do modo de produção. Ocorre que essas determinações têm caráter geral, pois o capitalismo impregnou todo o universo através do domínio de algo formidável que ele próprio criou: o mercado mundial.

A perspectiva, no interior do presente trabalho, é a de adentrar na

senda metodológica explicitada por Karl Marx, partindo do método e

interpretação do capitalismo: o materialismo histórico e dialético. A opção

teórico-metodológica objetiva conferir historicidade à análise, buscando-se

fugir da abordagem dominante. Ao dar historicidade ao objeto impõe-se a esta

análise desvendar as contradições e os antagonismos resultantes da conquista

européia. E consequentemente descrever as particularidades destas relações na

espacialidade da redução.

O objeto dessa apreciação terá como foco as categorias constitutivas da

teoria marxista e em decorrência da abordagem eleita, as categorias totalidade,

historicidade, mercadoria, trabalho, capital, Estado, ideologia, força de trabalho,

revestem-se de uma importância central na análise, e, embora não sejam

exclusivas, quando enfatizadas proporcionam a expressão dos aspectos teórico-

metodológicos necessários para a compreensão do objeto.

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A categoria totalidade é central em nossa análise no sentido

evidenciado por Alves (2001): por identificar-se com a própria sociedade

capitalista E no estudo histórico das relações econômicas, culturais e educativas

produzidas nas reduções jesuíticas do Paraguai, existe a necessidade premente

do entendimento da organização social dos homens.

A totalidade concreta e o seu signo são processos indivisíveis, cujo

movimento é o da destruição da pseudoconcreticidade. Isto é, a destruição da

fetichista e aparente objetividade do fenômeno e o seu conhecimento histórico,

no qual se manifesta de modo característico a dialética do humano em geral, e

enfim o conhecimento objetivo do significado do fenômeno, da sua função

objetiva e do lugar que ocupa no seio do corpo social. Marx (1978, p.117) traz o

seguinte esclarecimento:

[...] a totalidade concreta, como totalidade do pensamento, como um concreto do pensamento, é de modo nenhum produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas em conceitos. O todo tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamento, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e prático mental de se apropriar dele.

Para Marx neste processo o sujeito real permanece subsistindo, agora,

em sua autonomia fora do cérebro, isto é, na medida em que o cérebro não se

comporta senão especulativamente, teoricamente.

Por isso de acordo com Marx (1978, p.17): “no método teórico, neste

caso [da economia política], o sujeito (a sociedade), deve figurar sempre na

representação como pressuposição”. A totalidade nesta acepção deve ser

entendida, grosso modo, como a formação social capitalista. E quando teve

inicio essa formação social?

Para responder a este questionamento a categoria historicidade reveste-

se de um papel fundamental nesta análise, pois o capitalismo como sistema

econômico, político e social, hoje hegemônico, surgiu muito lentamente, num

período de vários séculos, primeiro na Europa Ocidental e depois em todo o

mundo. E o seu surgimento desemboca no esforço dos indivíduos para

compreendê-lo. Nesta análise a categoria historicidade tem o sentido

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esclarecido por Ianni (1990) como sendo a transitoriedade do capitalismo,

dependente do desenvolvimento dos antagonismos e da luta de classes.

Na obra de Marx, o capitalismo é levado a pensar a si mesmo, de

maneira global e como modo fundamental antagônico de desenvolvimento

histórico. Partindo desta acepção, queremos evidenciar que o avanço das forças

produtivas tem como resultado a produção de excedentes sociais cada vez

maiores. As relações sociais engendradas dentro das formações sociais têm sido

contraditórias: a maioria das pessoas trabalha exaustivamente para perpetuar e

sustentar o modo de produção, bem como o excedente social. Paradoxalmente

uma pequena minoria se apropria deste excedente e o controla.

A sociedade burguesa, na afirmação de Marx (1978) é a organização

social e histórica mais desenvolvida, mais diferenciada na produção. É a partir

deste princípio, que efetivamos o nosso exame das relações econômicas,

culturais e educativas nas reduções jesuíticas do Paraguai, no período aqui

delimitado. Marx (1978, p.120) assevera que:

As categorias que exprimem suas relações, a compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedade já desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado, que toma assim toda a sua significação, etc. A anatomia humana é a chave da anatomia do macaco.

Ao fazer essa analogia com filologia animal, Marx quer afirmar que

para conhecer a forma inferior, você deve conhecer a forma superior, e neste

aspecto, a economia burguesa fornece a chave da economia da antiguidade, e da

própria transição da economia feudal para o capitalismo, período que é objeto

de análise neste trabalho.

Porém esta análise não será realizada a partir do método dos

economistas burgueses que fazem desaparecer todas as dificuldades históricas e

vêem a forma burguesa em todas as formas da sociedade. Marx (1978, p.120)

afirma que: “pode se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a

renda da terra, mas não se deve identificá-las”.

Pois, no capitalismo, o valor dos produtos do trabalho humano, de

acordo com Marx (1978) é dado por duas razões distintas. Primeiro que, tais

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produtos têm características físicas particulares em virtude das quais se tornam

utilizáveis e satisfazem as necessidades humanas. Todo produto do trabalho

humano tem valor de uso, em todas as sociedades. No capitalismo, os produtos

têm valor de uso porque são vendidos no mercado em troca de dinheiro. Este

dinheiro é desejado, porque pode ser trocado por produtos que tem valor de uso

desejado. Na medida em que os produtos têm valor, porque podem ser trocados

por moedas, diz-se que eles têm valor de troca. Estas duas categorias simples,

valor de uso e valor de troca, nos possibilitam entender, um pouco, as relações

econômicas das reduções jesuíticas do Paraguai, pois de acordo com Lugon

(1977, p.156):

O comércio entre as reduções, assim como o comércio externo, estava monopolizado e dirigido completamente pela comunidade. De um modo geral, tinha por base o fumo, os legumes, o algodão, os rebanhos e os diversos objetos manufaturados. Yapeyu importava, por exemplo, das reduções do norte, o fumo, o chá e o algodão que sua situação mais distanciada dos trópicos não lhe permitia produzir em condições tão boas.

Estas relações comerciais revelam a produção de mercadorias com

valor de uso e valor de troca na espacialidade da redução. Os produtos do

trabalho humano têm valor de troca somente no modo de produção

caracterizado pela produção de mercadorias. Em essência, o modo capitalista de

produção é um sistema de mercantilização universal e de produção de mais

valor.

Este sistema mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, ao mesmo

tempo, pois, mercantiliza a força de trabalho, a energia humana que produz

valor. Por isso transforma as próprias pessoas em mercadorias, tornando-as

adjetivas de sua força de trabalho, como esclarece Marx (1946, p.1015):

Desde o primeiro instante, são duas características que distinguem o modo capitalista de produção. Primeira: ele produz os seus produtos como mercadorias. O fato de que produz mercadorias não distingue de outros modos de produção; o que distingue é a circunstância o caráter dominante e determinante de seus produtos. Isto implica, antes de tudo, o fato de que o operário somente aparece como vendedor de mercadorias, ou seja, como trabalhador livre. A segunda é a produção de mais-valia, como finalidade direta e o móvel determinante da produção. O capital produz essencialmente capital.

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O mais valor e a mercadoria não podem ser compreendidos entre si,

mas como produtos das relações de produção que produzem o capitalismo.

Marx (1978) afirma que a mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como duas

coisas: valor de uso e valor de troca. Mais tarde, Marx descobriu que o trabalho

também possui esse duplo caráter: quando se expressa como valor, não possui

mais as mesmas características que lhe pertencem como gerador de valores de

uso. Portanto, antes de vender as mercadorias no mercado e obter o lucro, é

preciso produzi-las; mas é o trabalho, e só o trabalho, que pode criar o valor.

Na análise dialética, as relações surgem como realmente são, isto é,

como sistemas de relações antagônicas.

Nisto se funda o caráter essencial do regime: os componentes mais

característicos, o mais valor e a mercadoria, sejam o operário e o capitalista,

produzem-se, desde o princípio antagonicamente. Como evidenciamos

anteriormente, o modo de produção capitalista iniciou-se lentamente, no

período aqui analisado (1549-1767), no contexto histórico denominado de

mercantilismo. Neste momento histórico as forças produtivas ainda não

estavam plenamente desenvolvidas.

O período analisado é o nascimento do capital e ele emerge do

despojo, da violência, da expropriação de terras e da pilhagem colonial. A

violência foi um dos fortes mecanismos da conquista colonial, assim explicitada

por Portilla (1984, p.35):

Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados. Destelhadas estão as casas; incandescentes estão seus muros. Vermes abundam por ruas e praças, e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados. Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido, e se bebíamos, eram águas de salitre. Golpeávamos os muros de adobe em nossa ansiedade, nos restava por herança uma rede de buracos. Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos não detêm nossa desolação [...].

Portilla descreve estas atrocidades a partir dos relatos astecas que

sobreviveram a invasão espanhola na América Central. Com a derrota dos

árabes frente aos espanhóis, por volta de 1492, com a queda de Granada,

criaram-se as condições necessárias para que os espanhóis pudessem explorar o

comércio da costa ocidental africana. Esta exploração foi desde a sua gênese

mascarada com o zelo religioso, também apoiado pela curiosidade científica e

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pela concorrência comercial. Estes três aspectos exerceram uma força

coercitiva, levou-os a ampliar esses novos mercados expandindo-se em direção

ao sul, sempre rivalizando com o seu “irmão siamês” da península ibérica, os

portugueses.

Estas motivações, fortalecidas pelo incipiente Estado Moderno

espanhol, arrastou para os “descobrimentos” espanhóis, homens e capitais de

outras nacionalidades (italianos, judeus de Maiorca e escandinavos). Foi este

magma de interesses sintetizados em bases objetivas no lucro insaciável,

combinados com uma visão de mundo religiosa e austera, indiscutível e

dedicada ao extremo, que como um vendaval assolou os espanhóis, e os levou

até os mares quentes e fervilhantes do Caribe e outras regiões mais distantes. A

cobiça por riquezas associada a uma visão de mundo extremamente religiosa se

tornou um amálgama tenazmente consolidado visando a conquista.

Neste processo de acumulação primitiva do capital não havia uma

uniformidade na formação social; enquanto em algumas regiões ocorria o

trabalho assalariado, em outras prevalecia o trabalho servil e em algumas

outras, o trabalho escravo. Por não ser um processo homogêneo e linear, em

cada região havia particularidades e singularidades no desenvolvimento das

forças produtivas. Porém estavam inseridos na universalidade, que traz a marca

distintiva da gênese do modo de produção capitalista em sua fase mercantilista.

Huberman (1986, p.161) afirma: “comércio, conquista, pirataria, saque

e exploração – essas são as formas, portanto, pelas qual o capital necessário

para iniciar a produção foi resumido”. Marx (1978) completa: “[...] se dinheiro

vem ao mundo com uma mancha congênita numa das faces, o capital vem

pingando da cabeça aos pés, de todos os poros, sangue e lama”.

A produção econômica da Companhia de Jesus foi a expressão dessa

universalidade, do caráter diversificado de produção de mercadorias, em

diversas regiões do mundo. Quevedo (2000, p.11) descreve a particularidade

desta produção nas reduções jesuíticas do Paraguai, onde o modelo de

exploração da força de trabalho indígena foi a do “índio reduzido”:

[...] neste modelo havia dois elementos: a) a propriedade coletiva de todos os meios de produção (Tupambaé), na qual se desenvolviam as atividades pecuaristas para garantir a auto-suficiência e a produção de excedentes para a economia colonial

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espanhola. b) propriedade particular dos meios de produção (o Amambaé), onde se praticava a atividade por meio do trabalho livre e familiar para a autosuficiência da família missionária.

Esta forma de organização implicava relações de trabalho

simultaneamente familiar, assalariado e cooperativo, naturalmente sobre a

direção dos padres. Quevedo (2000) afirma que neste contexto procurou-se

especializar a força de trabalho, e isso provocou o surgimento de trabalhadores

em vários ramos de atividades: tecelagem, carpintaria, olaria, curtição de couro,

criação de animais e agricultura. Na avaliação de Quevedo (2000, p.12): “Este

conjunto complexo de elementos é o responsável pelo êxito socioeconômico

missionário do final do século XVII até a segunda metade do século XVIII”.

Neste contexto histórico, a mercadoria estava constituindo-se no

caráter dominante e determinante do modo de produção capitalista. Para que a

produção capitalista exista, é preciso que a sociedade tenha um mercado

desenvolvido, no qual os produtos possam ser livremente comprados ou

vendidos em troca de moedas. Existe produção de mercadorias quando os

produtos são fabricados sem qualquer interesse pessoal imediato do produtor

em seu valor de uso, mas sim, em seu valor de troca; neste aspecto a produção

econômica das reduções jesuíticas do Paraguai inseria os seus produtos em um

mercado que estava se universalizando.

Gadelha (1980, p.145) descreve a inserção da América Latina e suas

relações comerciais com o mercado mundial:

Com o afluxo da prata, no mercado peruano, os preços viram-se inflacionados, proporcionando aos mercadores lucros que chegaram a atingir 1.000%. Assim se explica que o Consulado limenho tenha se unido a burguesia sevilhana, exercendo pressão no sentido de reforçar o monopólio exclusivista espanhol. O pretexto de controle das saídas de prata nas zonas afastadas dos centros mineradores, no território americano ocasionava nestas áreas total ausência de moedas e numerário. Além disso, a proibição das colônias de fabricarem e produzirem gêneros similares aos existentes na Espanha, restringia toda possibilidade de desenvolvimento industrial e aumentava, ainda mais, a dependência das regiões mais afastadas. A lista de produtos proibidos é imensa, abrangendo quase todos os gêneros necessários e mesmo indispensável à vida diária, a saber: instrumentos de trabalho, armas e munições, ferro, aço, chumbo, papel, vinagre, azeite, licores e vinhos, móveis, tecidos, sal, etc. Isto evidentemente, não impedia que as autoridades coloniais, muitas vezes se vissem obrigados a tolerar a fabricação destes produtos, na colônia.

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A escassez de moeda provocada pela proibição da cunhagem na

colônia não significa a “total ausência” como afirma Gadelha. Este direito era

monopolizado pela burguesia sevilhana que manteve o comércio colonial,

durante mais de um século, em suas mãos. A produção e o comércio de

mercadorias eram feitos em escala mundial, e em cada região ganhava uma

configuração particular.

Haubert (1990) descreve a produção econômica das reduções jesuíticas

e, através de farta documentação da época, esclarece-nos que, quando os

jesuítas foram expulsos, em 1767, os rebanhos das reduções contavam com

mais de um milhão de bovinos, trezentos mil carneiros e cem mil cavalos.

Evidentemente, relações de produção e criação de gado dessa ordem não

poderiam ser feudais.

Portanto, a tese apresentada por Gadelha, de uma economia natural e,

consequentemente, a tese apresentada pelos teóricos e historiadores ligados a

Companhia de Jesus, destacando que a produção econômica das reduções

jesuíticas era utilizada apenas para a subsistência da “família missionária” e,

esta produção era feita isoladamente, somente nos estreitos limites dos colégios,

não se sustenta. Marx (1978, p.103) afirma:

Indivíduos produzindo em sociedade, portanto a produção dos indivíduos determinada socialmente, é por certo o ponto de partida. O caçador e o pescador, indivíduos isolados, do que partem Smith e Ricardo, pertencem as pobres ficções das robinsonadas do século XVIII. Estas não expressam de modo algum – como se afigura aos historiadores da civilização -, uma simples reação contra os excessos e um retorno mal compreendido a uma vida natural.

A gênese do mercado mundial emerge neste contexto histórico, porque

o produto só se torna produto efetivo no consumo. Por exemplo, a erva-mate

produzida pelos índios guaranis nas reduções converte-se efetivamente em

erva-mate quando é usada. Se a erva-mate não fosse utilizada não seria, erva-

mate efetiva. O produto, diversamente do simples objeto natural, não se

confirma como produto, não se torna produto, senão no consumo.

Ao dissolver o produto, o consumo lhe dá o seu retoque final. De

acordo com Marx (1978), o produto não é apenas a produção enquanto

atividade codificada, mas também enquanto objeto para o sujeito em atividade.

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Ele afirma que o consumo cria a necessidade de uma nova produção, ou seja, o

fundamento que move internamente a produção e que é a sua pressuposição.

Nesta acepção, o consumo cria o impulso da produção, cria também o

objeto que atua na produção como determinante da finalidade. É claro que a

produção oferece o objeto de consumo e põe idealmente o objeto na produção,

como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim. O

consumo cria os objetos da produção de uma forma ainda subjetiva. Sem

necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz a necessidade.

Uma das mercadorias mais produzidas e mais consumidas no cone-sul

da América Latina foi a erva-mate.

O historiador Magnus Morner (1968) afirma que, na década de 1670,

as missões jesuíticas do Paraguai produziram e exportavam 40.000 arrobas

anuais do produto. A população de Tucuman e Rio da Plata eram os maiores

consumidores (entre 20 e 30 mil arrobas) anuais. Marx (1978, p.109) tinha

razão quando afirmava: “a produção é, pois imediatamente produção”.

A produção da erva-mate e a utilização da força de trabalho indígena

levam alguns autores a caracterizar esse contexto histórico do Paraguai como

contendo relações feudais e escravocratas. A alegação para tais concepções é a

afirmação que a “essência do capitalismo é o trabalho assalariado”. E em sua

forma a “encomienda” se assemelhava às relações servis.

Neste aspecto do desenvolvimento das forças produtivas, Marx (1978,

p.38) esclarece:

Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existente ou, o que nada mais é do que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro dos quais até então tinha se movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões.

Este é o período de transição para o capitalismo, é um contexto de luta

entre as forças conservadoras e as forças revolucionárias. Um exemplo

elucidativo deste processo é a própria Companhia de Jesus. Pois, em seus vários

empreendimentos econômicos em diferentes regiões do mundo apresentava essa

configuração multifacetada, expressa na utilização da força de trabalho escrava

e assalariada. Nas reduções jesuíticas mesclavam-se o trabalho servil e

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assalariado, com propriedades privadas e coletivas. Marx (1978, p.130) afirma

que:

Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais elas são suficientemente desenvolvidas, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio da velha sociedade.

O que é importante salientar é que o capitalismo se institui no mundo

inteiro subsumindo outras formas de relações de trabalho, como a escravidão

nos Estados Unidos, ou formas servis nas Índias Ocidentais e Orientais.

Outra categoria central para a compreensão da instituição do

capitalismo e consequentemente necessária para reconstituir as múltiplas teias

que determinaram as relações econômicas, culturais e educacionais nas

reduções jesuíticas do Paraguai, é a categoria Estado.

Para empreendermos esta análise existe a necessidade de recuarmos

um pouco no tempo, antes do ano 1.000. A Europa era essencialmente

constituída de feudos, vilas e algumas poucas cidades pequenas, além de alguns

centros comerciais. No Mediterrâneo, por volta de 1.300 já havia grandes e

prósperas cidades, o que conduziu ao crescimento da especialização rural-

urbana. Outro importante resultado da especialização crescente foi o

desenvolvimento do comércio interegional e de longa distância. Eles foram

sustentados e fomentaram o desenvolvimento econômico da Europa. O

crescimento da produtividade agrícola significou que o excedente de alimentos

e manufaturados tornou-se disponível tanto para os mercados locais como para

o mercado internacional (produção, circulação e consumo).

O desenvolvimento no campo da energia e do transporte tornou-se

possível e lucrativo com a concentração de indivíduos nas cidades, produzindo

em grande escala e vendendo os bens produzidos nos mercados mais amplos de

longa distância. Assim, esses desenvolvimentos básicos na agricultura e na

indústria formaram os pré-requisitos necessários para a disseminação do

comércio, o que por sua vez estimulou ainda mais a expansão urbana e

encorajou a indústria.

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Com o desenvolvimento das forças produtivas e com a expansão do

comércio, acirram-se as contradições de classes e, no contexto desses conflitos

entre frações da nobreza e do clero, o comércio se tornou uma força de

instabilidade e de corrosão. O comércio lentamente ajudou na dissolução do

feudalismo. A produção, o comércio e o consumo, vagarosamente, corroeram as

bases do modo de produção feudal, estabelecendo as bases da acumulação

primitiva e dos fundamentos institucionais do novo modo de produção.

O capitalismo emerge na produção de mercadorias, acelerando o

consumo e expandindo a circulação, particularmente a de longa distância. Este

processo levou ao estabelecimento de cidades industriais e comerciais para

servir ao movimento do capital. O comércio interno e o externo ganham um

grande impulso com a “descoberta” do novo mundo. Neste período histórico já

existiam sistemas complexos de câmbio, compensação e facilidades

relacionadas ao crédito. Desenvolveu-se nestas cidades centros comerciais, e

instrumentos modernos, como cartas de crédito, além da elaboração de novos

sistemas de leis, entrando em contradição com o sistema paternalista de

execução de dívidas, baseadas nos costumes e nas tradições vigentes no feudo.

A partir destas contradições criaram-se as necessidades de se ajustar as

leis a estas novas relações comerciais. Estas leis foram embrionárias para as

modernas leis capitalistas dos contratos, títulos negociáveis, representação

comercial e execução em hasta pública. No sistema feudal, o produtor (o mestre

artesão) era também o vendedor, entretanto, as indústrias que apareciam nas

novas cidades eram basicamente de exportação, onde o produtor estava distante

do comprador final.

Os artesãos vendiam seus produtos aos comerciantes, que por sua vez

os transportavam e revendiam. Outra diferença importante era a de que o

artesão feudal era também um fazendeiro e, de modo geral, o novo artesão das

cidades desistiu da terra para dedicar-se inteiramente ao seu trabalho com o

qual ele podia deter uma renda monetária que podia ser usada para satisfazer

outras necessidades.

No centro do capitalismo este processo ganhou esta configuração

particular, como esclarece Marx (1968, p. 850):

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O roubo da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada à cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos.

Este emergente e novo modo de produção, circulação e consumo de

mercadorias, produziu, consequentemente, novas necessidades. Ao estabelecer

esta nova estrutura, fez emergir novas necessidades superestruturais, que se

manifestam nos fundamentos institucionais necessários para gerir esta nova

força: o capital. Marx (1968, p.854) esclarece o processo da instituição

sanguinária contra os expropriados, a partir do século XV na Inglaterra:

“Assim, a população rural, expropriada e expulsa de suas terras, compelida à

vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exigida pelo sistema de trabalho

assalariado, por meio de um grotesco terrorismo legalizado que empregava o

açoite, o ferro em brasa e a tortura”.

Marx (1968) afirma que ao progredir o processo de desenvolvimento

capitalista quebraram-se todas as resistências; a produção contínua de uma

superpopulação relativa mantém a lei de oferta e de procura de trabalho e,

portanto o salário, em harmonia com a expansão do capital; a coação surda das

relações econômicas consolida o domínio do capitalista sobre o trabalhador.

Ainda será empregada a violência direta, à margem das leis econômicas, mas

doravante apenas em caráter excepcional.

Para a marcha ordinária das coisas basta deixar o trabalhador entregue

às “leis naturais” de produção, isto é, à sua dependência do capital, a qual

decorre das próprias condições. É nesta acepção que emergem outras

necessidades superestruturais. A burguesia nascente precisava e empregava a

força do Estado, para “regular” o salário, isto é, comprimi-lo dentro dos limites

convenientes à produção de mais valia, para prolongar a jornada de trabalho e

para manter o próprio trabalhador num grau adequado de dependência.

Marx (1968, p.855) afirma: “Temos aí um fator fundamental da

chamada acumulação primitiva”. Uma das primeiras instituições produzidas

pelas contradições entre as diversas frações desta sociedade emergente foi o

Estado Moderno, e o primeiro a se constituir foi na Península Ibérica. O

primeiro Estado Moderno emerge em Portugal, com a crise de 1383-1385, de

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onde nascerá uma nova dinastia, a de Avís, que dará nova fisionomia aos

elementos vagos, dispersos em crescimento. A Revolução de Avís, cuja dinastia

se manterá por quase dois séculos no poder (1385-1580) consolidará o modelo

de Estados Modernos e, consequentemente fixará a base do capitalismo em sua

fase mercantil. Faoro (1991, p.21) descreve a causa que provocou a Revolução

de Avís:

A atividade comercial e marítima que resultou a modalidade de povoamento da costa e a exploração do mar que representa elemento decisivo que define o gênero da vida nacional portuguesa, baseado na pesca, na salinação e nos produtos comerciáveis da terra. Graça ao desenvolvimento do trafego oceânico os mercadores portugueses puderam desde cedo estreitar relações com Flandres. Entre o comércio medieval, de trocas costeiras, e o comércio moderno a longa distância há o aparecimento da burguesia desvinculada da terra, capaz de financiar a mercancia. Há, sobretudo, o aparecimento de um órgão centralizador, dirigente que conduz as operações comerciais, como empresa sua: o príncipe.

O Estado Moderno emerge das contradições e dos antagonismos no

interior desta sociedade. Evidentemente o Estado Moderno não nasce sob a

hegemonia burguesa, que só vai se consolidar com as Revoluções Burguesas do

século XVIII, mas o Estado Moderno na Península Ibérica nasce de uma aliança

entre a realeza, o clero e a burguesia mercantil em ascensão.

Neste contexto histórico, a Espanha produz também esta nova

instituição, tendo como modelo o Estado Português. Portanto, o Estado

Moderno desde a sua gênese se fundamenta nessa necessidade histórica do

capital, a mercadoria precisava se realizar. Logo, nenhuma exploração

industrial e comercial estava isenta do controle do príncipe (Estado), que

evidentemente controlava de imediato a esfera mais lucrativa, e concedia o

privilégio de exploração à burguesia nascente, presa desde o berço as rédeas

douradas da Coroa.

A outorga de atividades dispersas e tímidas, ganham relevo com as

grandes viagens, com os reis ibéricos senhores dos mares e das rotas abertas na

África, Ásia e América. Faoro (1991, p.21) afirma: “o Estado torna-se uma

empresa do príncipe que intervém em tudo, empresário audacioso exposto a

muitos riscos, por amor a riqueza e a glória, empresa de paz, empresa de

guerra”.

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Estavam lançadas as bases do capitalismo de Estado, politicamente

condicionado, que floresceu ideologicamente no mercantilismo. Neste aspecto a

instituição de um órgão centralizador objetivava institucionalizar a mercancia,

cuja força motriz era a mercadoria e a sua realização o desígnio final.

A Província do Paraguai nasce neste contexto histórico como

propriedade privada do Moderno Estado Espanhol.

Neste sentido, a categoria Estado reveste-se de uma importância

central em nosso trabalho para desvendar as relações econômicas, culturais e

educacionais nas reduções jesuíticas do Paraguai. Relações estas que estão

entrelaçadas e permeadas pelo caráter universalizante da reprodução do capital.

O emprego do poder do Estado para estimular o desenvolvimento do

capitalismo, tem a sua gênese neste período histórico. O que é verdadeiramente

o Estado? Marx (1983, p.38) responde ao enunciado desta maneira:

[...] o Estado é a forma sob a qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns, na qual condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se disso que todas as instituições comuns têm como mediador o estado e adquirem, através, uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia e, além disso, na vontade separada de sua base real, na vontade. E, da mesma maneira, por sua vez, se reduz o direito à lei.

Queremos afirmar que o Estado Moderno emerge de uma necessidade

histórica do capital, nesta acepção ele não surge da “vontade de todos”, assim

como as leis não nascem do desejo metafísico que “paira sobre nossas cabeças”.

O Estado Moderno e as suas leis são frutos da luta de classe, dentro desta

formação social, que se fundamentou desde a sua gênese na luta pela

propriedade privada dos meios de produção, assim explicitada por Marx (1969,

p.25):

O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de estado social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nascimento, o estado social, a cultura e a ocupação do homem, como diferenças não políticas; ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, participante da soberania popular em base da igualdade; ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo, isto é, como propriedade privada, como cultura e como ocupação, e façam valer a sua natureza especial.

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O Estado Moderno é a expressão da estrutura da sociedade, mas não é

a expressão harmônica e abstrata. Ao contrário, já se constitui, como um

produto de contradições políticas. E é nesta contradição que se funda o poder

estatal.

Marx (1963, p.222) afirma que: “o Estado se funda na contradição

entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular”.

Para entender as relações econômicas, culturais e educacionais nas

reduções jesuíticas do Paraguai, houve a necessidade de estudar as imbricações

e os desdobramentos sociais, político e econômicos das forças produtivas e das

relações de produção, em seu desenvolvimento, inseridos neste período de

transição.

O conjunto do processo de produção de mais valor, a reprodução

ampliada de capital e a mercantilização universal (pessoas e coisas) somente

podem ser compreendidas se a análise apreende também o Estado como

dimensão essencial do capitalismo. A teoria da luta de classes seria uma

simples abstração, se as relações e o antagonismo de classe não implicassem no

Estado capitalista como expressão e condição dessas mesmas relações de

antagonismo.

OBJETIVOS

Feitas estas considerações sobre as categorias constitutivas da análise

empreendida neste trabalho, há a necessidade de redirecionar a discussão sobre

o objetivo geral desta pesquisa. Partindo das concepções teóricas já explicitadas

nas páginas anteriores, buscou-se levantar as fontes que pudessem revelar os

dados sobre as reduções jesuíticas do Paraguai.

O objetivo geral desta análise foi contextualizar historicamente e

delimitar o período de investigação (1549-1767), compreendendo que o período

possui dois aspectos de inflexão distintos: a chegada dos jesuítas na América e

a expulsão dos inacianos das possessões espanholas, com a demarcação deste

contexto histórico inserido no período de acumulação primitiva do capital.

Partindo desse objetivo geral foram delimitados os objetivos específicos: a

compreensão das particularidades e as singularidades das reduções jesuíticas

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inseridas na universalidade da acumulação primitiva de capitais e, mais

especificamente, como se desenvolveram a economia, a cultura e a educação na

espacialidade reducional.

No campo da produção econômica buscamos descortinar quais eram as

mercadorias produzidas e compreender a força de trabalho que fora utilizada

para a produção. E principalmente, se estas mercadorias produzidas estavam

inseridas na lógica do mercado mundial.

No aspecto cultural o objetivo específico foi descrever como se deu a

interelação entre os guaranis e a sociedade européia, com o intuito de

compreender as contradições inerentes a estas novas relações sociais que ali se

processaram.

No campo educacional esta análise privilegiou a inter-relação da

religião com a educação ministrada pelos jesuítas na instituição do imaginário

social no cone-sul da América Latina.

FONTES DE DADOS

A pesquisa foi fundamentada na coleta de dados em fontes

documentais, como se segue.

Primeiramente, a documentação manuscrita da coleção de Angelis,

existente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde foram microfilmados e

efetuada uma apurada leitura de cerca de 88 documentos, o que embasou as

informações importantes sobre as problemáticas gestadas pelos jesuítas, na

Província do Paraguai.

Outa fonte documental importante foram as informações contidas nas

Cartas ânuas escritas por diversos jesuítas, e publicadas por Emilio Ravignani,

na coleção por ele organizada: Documentos para la história Argentina, Vol.19 e

20. Esta documentação foi complementada pelos documentos reunidos e

publicados por Jaime Cortesão, em cinco volumes, e que se relacionam em

grande parte, aos conflitos existentes entre jesuítas e bandeirante nas Províncias

do Guairá, Tapes, Itatim, Uruguai e Colônia do Sacramento.

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Ainda no mesmo campo, foram acessadas as informações das Cartas

Ânuas de La Província do Paraguai (1637-1639), publicadas por Ernesto

Maeder, em 1984.

Quanto aos cronistas, não poderíamos deixar de mencionar a

importância da obra de Juan Francisco Aguirre, publicada em dois volumes, e

intitulada Diário de Capitán de Fragata de La Real Armada, Juan Francisco

Aguirre. Esta publicação se encontra na Revista da Biblioteca Nacional de

Buenos Aires. Muitos cronistas que utilizamos foram também testemunhas

oculares dos acontecimentos a que reportamos. A validade dos testemunhos

apresentados por cada um deles varia segundo a sua maior capacidade de

observação.

Entre os cronistas do século XVI, Ulrico Schimel é, sem dúvida, o

mais lúcido. Esse soldado alemão e protestante, que esteve nesta região, não

esconde os atos de violência cometidos pelos espanhóis contra os índios,

mantendo um tom “imparcial” em seus relatos, sem cair na apologia, acabando

por se constituir em fonte importante.

Outros cronistas importantes são Rui Diaz de Guzmán (neto do

primeiro “adelantado” da província do Paraguai e Rio da Plata Martin Irala) e

Cabeza de Vaca, (este foi o segundo “adelantado” do Paraguai e Rio da Plata)

apesar do tom apologético trazem uma contribuição importante, pois foram

personagens fundamentais neste processo histórico.

Os cronistas da Companhia de Jesus, apesar de sua visão unilateral,

apresentam contribuição significativa, pois foram os atores dos principais

episódios ocorridos nas reduções jesuíticas, sendo que muitos destes cronistas

foram fundadores de várias reduções. Dentre os cronistas da Companhia de

Jesus foram fontes necessárias para a realização deste trabalho: Antonio Seep,

Josep Manuel Peramás, Ruben Ugarte, Diego Torres, Antonio Ruiz de

Montoya, Guilhermo Furlong, José Cardiel e Antonio Astrain. Estes cronistas

apresentam informações sobre a vida social, econômica, política e religiosa das

reduções jesuíticas do Paraguai.

No século XVIII inúmeros cronistas se preocuparam em relatar a

produção social das reduções jesuíticas do Paraguai. Estes relatos em muitos

casos foram efetivados através da visita destes cronistas in loco, e em outros

casos através de informações obtidas por viajantes. Dos cronistas do século

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XVIII podemos destacar as contribuições de Antonio Ludovico Muratori, que

apresenta um relato equilibrado sobre as reduções jesuíticas.

Por meio de uma visão culturalista, Muratori descreve a produção

social das reduções jesuíticas em vários aspectos, principalmente a questão

educacional. Outro cronista que traz uma contribuição significativa para a

realização deste trabalho é o Padre Chaerlevoix que faz um relato crítico sobre a

ação inaciana na Província do Paraguai. Pesa contra a obra de Chaerlevoix o

fato de não ter sido testemunha direta dos fatos que descreve, a base de seu

trabalho se fundamenta em relatos de seus contemporâneos. A obra de

Chaerlevoix perde um pouco de interesse na medida em que relata fatos nem

sempre com base documental.

As informações extraídas da obra de Chaerlevoix foram utilizadas

neste trabalho a partir do cruzamento destas com outras fontes e aqueles

fundamentados em prova documental.

Entre as fontes historiográficas, destacam-se as obras de Regina Maria

A. F. Gadelha (1980), Máxime Haubert (1990) e Clóvis Lugon (1977). Estas

três obras historiográficas apresentam uma radiografia completa das reduções

jesuíticas. Fundamentadas em fontes documentais, estes três autores trazem

uma enorme contribuição para a compreensão histórica do Paraguai colonial.

Entre os trabalhos acadêmicos cujo foco central é a Companhia de

Jesus, contribuíram como fontes para a compreensão da ação inaciana e de seus

empreendimentos econômicos as obras de Paulo de Assunção (2004), Charles

Boxer (1979) e Dauril Alden (1970). No campo antropológico destaco a obra de

Julio Quevedo (2000), que traz reflexões necessárias acerca das relações entre

jesuítas e guaranis.

Porém a contribuição categórica no campo antropológico para a

compreensão deste processo “cultural” estabelecido a partir da invasão

espanhola é de Barthomeu Meliá. Foi a partir dessas fontes que empreendemos

as nossas análises das reduções jesuíticas do Paraguai, e consequentemente

descrevemos as atividades econômicas, culturais e educacionais ali

desenvolvidas.

Por esta razão, esse estudo evidenciou sempre a estrutura de

apropriação econômica e dominação política, em que tendem a se cristalizar as

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relações e o antagonismo que se engendraram nas reduções jesuíticas do

Paraguai.

ESTRUTURA DO TRABALHO

Quanto à estrutura do trabalho, foram elaborados três capítulos,

subdividos em sub-capítulos, e uma Conclusão.

O primeiro capítulo apresenta uma breve história da Companhia de

Jesus e as controvérsias contidas na historiografia acerca da sua atuação

econômica, missionária e educacional. A Companhia de Jesus foi fundada em

1540, pelo espanhol Inácio de Loyola, e confirmada como Ordem religiosa,

pelo Papa Paulo III. A partir deste momento os jesuítas se espalharam pelos

quatro cantos do mundo. Este processo de inserção social da Companhia

provocou um acirrado debate sobre as suas ações catequéticas, econômicas e

culturais.

Nele buscou-se descrever as vertentes teóricas que enfatizam a ação

inaciana. Visando assegurar uma visão mais matizada e de conjunto sobre como

a problemática jesuítica é tratada na historiografia, foram consideradas duas

vertentes: o primeiro grupo a ser considerado foram os cronistas da Companhia

de Jesus e o segundo, os autores que produziram trabalhos acadêmicos que

tinham como objeto a Companhia de Jesus. Guiaram a discussão do primeiro

grupo os padres Serafim Leite, Guilhermo Furlong e Antonio Seep. No segundo

grupo, dentro da vertente historiográfica que produziu trabalhos acadêmicos,

foram destacados Máxime Haubert, Clóvis Lugon, Regina Gadelha, Paulo de

Assunção e Gilberto Luiz Alves.

No campo teórico, guiaram a discussão as principais controvérsias

contidas na historiográfia sobre a atuação jesuítica:

- Se a atuação jesuítica estava umbilicalmente ligada ao pensamento

contra-reformista?

- Se as práticas econômicas das reduções jesuíticas estavam ligadas ao

modo de produção feudal?

- E se o contexto social-histórico do Paraguai colonial estava inserido

no modo de produção feudal?

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Dentro da perspectiva de responder a estas indagações foram

destacadas as produções teóricas de Serafim Leite, Máxime Haubert, Antonio

Gramsci, Regina Gadelha, Clóvis Lugon e Gilberto Luiz Alves. Ao final do

capítulo, foram construídas considerações a respeito da divergência teórica

explicitada na obra destes autores.

Procurou-se, desse modo, realçar as considerações comparativas entre

as duas vertentes de pensamento, destacando o desenvolvimento teórico destes

autores que produziram trabalhos tendo como objeto de análise a ação inaciana.

A opção foi selecionar estudiosos que tivessem refletido sobre a contribuição

jesuítica sob o prisma da apologética ou da contradição, que permitissem por

meio de suas obras apreender as especificidades e as contradições pertinentes às

diversas análises.

No segundo capítulo, é descrito o contexto social e histórico em que

foram instituídas as reduções jesuítas no Paraguai, ao apresentar as contradições

entre as diversas frações da sociedade colonial paraguaia que disputavam a

hegemonia política, econômica e social. Nele também é evidenciada a relação

entre o caráter singular em que emerge o Paraguai Colonial, com as

particularidades das reduções, inserido em um contexto universalizante do

mercado mundial.

O terceiro capítulo está centrado sobre a vida na “redução”, sua

origem, suas características no Paraguai, enfatizando a vida cultural e

educacional em seu seio. Nele procurou-se investigar a inter-relação entre

religião/educação e descrever o processo de instituição do imaginário

capitalista. A reflexão recai sobre as atividades educacionais, que envolveram

tanto a educação assistemática e a catequese, quanto a educação escolar.

Por fim, a partir das elaborações sistematizadas nos capítulos

antecedentes, a conclusão evidencia o contexto em que emergem as reduções

jesuíticas inseridas na gênese da acumulação originária. A marca deste processo

traz em sua essência as marcas distintivas do modo de produção capitalista. As

reduções jesuíticas estavam sob a égide do Estado espanhol, e a Companhia de

Jesus recebeu o monopólio sobre a força de trabalho indígena que pudesse

converter. E o modelo adotado para a exploração da força de trabalho indígena

foi a do “índio reduzido”.

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A partir do domínio da base material, a Companhia de Jesus erigiu

uma organização política, catequética educacional, objetivando a qualquer

preço catequizar e “civilizar” os indígenas, substituindo as crenças da cultura

original indígena pela cultura ocidental. Porém, na espacialidade reducional o

processo de aculturação foi extremamente contraditório, onde a palavra guarani

nunca foi silenciada e foi um instrumento de luta contra o invasor. A partir

destas novas relações sociais fundamentadas na técnica européia e na cultura da

reciprocidade guarani, se desenvolveu uma sociedade guarani-missioneira.

Esta sociedade produziu um relativo desenvolvimento econômico,

social e cultural que provocou uma cisão entre as diversas frações da sociedade

colonial paraguaia e culminou com a crise global que envolveu a Companhia de

Jesus com as monarquias católicas. Esse processo é concomitante com a

expulsão dos jesuítas de todas as possessões espanholas e provocou o

esfacelamento da sociedade guarani-missioneira.

A matéria tratada é de extrema complexidade e sua abordagem reveste-

se de certa novidade para o Mestrado em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul, por se tratar do primeiro trabalho que aborda á história da

educação do período colonial. Logo, não há como renunciar ao reconhecimento

do caráter preliminar dos resultados obtidos nesta investigação. Muitas questões

apresentadas exigem aprofundamento: pontualmente as questões que se

relacionam com as causas que provocaram a expulsão dos jesuítas das

possessões espanholas e o conteúdo pedagógico da educação escolar nas

reduções jesuíticas do Paraguai, outro aspecto que necessita de esmero em sua

abordagem.

Deste modo, propõe-se a necessidade premente para o Mestrado em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul da instauração de

uma linha de pesquisa que possa produzir, no âmbito da investigação, a

acumulação de conhecimento e contemplar o desenvolvimento teórico da

História da Educação.

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CAPITULO I

BREVE HISTÓRICO DA COMPANHIA DE JESUS E AS

CONTROVÉRSIAS CONTIDAS NA HISTORIOGRAFIA ACERCA DE

SUA ATUAÇÃO ECONÔMICA, MISSIONÁRIA E EDUCACIONAL.

Poucas aventuras coletivas marcaram tão poderosamente a história da

civilização ocidental cristã como aquela da Companhia de Jesus. Passaram-se

quase quinhentos anos e as marcas indeléveis desta aventura continuam

arraigadas por todo o planeta, demarcadas por verdadeiros e falsos mistérios,

divergências e intrigas, mas principalmente permeadas pela admiração e crítica

de sua ação catequética, missionária e econômica.

A ordem foi fundada em 1540, porém a história da Companhia de

Jesus não pode ser compreendida sem o entendimento da trajetória do seu

fundador Inácio de Loyola (1492-1556) e, conseqüentemente, o contexto

histórico em que estava inserido. Inácio de Loyola nasceu em Azpétia

(Espanha), de uma família de soldados. Viveu na sua juventude a vida

promíscua e agitada dos fidalgos e militares do seu tempo.

Em uma batalha em Navarra, Inácio de Loyola foi atingido por

estilhaços de bala de canhão que lhe feriu gravemente as pernas. Loyola tenta

recuperar-se em casa, com muito tempo para leitura e, como Saulo em seu

caminho para Damasco, entrou em contato com dois livros edificantes, A vida

de Jesus, de um padre catuxo e Florilégio dos Santos, de Monsenhor Giacomo

de Varazzo. Estas leituras modificaram os ideais de Loyola que, depois de

quase perder as pernas e tornar-se coxo, decidiu que não queria mais servir aos

príncipes em batalhas e sim servir a Jesus Cristo. Após esta sua conversão,

passou por tempos difíceis e para sobreviver pedia esmolas2.

De acordo com Lacouture (1994, p. 19), “no início de 1528, Inácio de

Loyola atravessa os Pirineus e caminha rumo a Paris, cidade onde Guillaume

______________ 2 Foi neste período que Inácio de Loyola escreveu seu livro Os Exercícios Espirituais. É sua obra central e, redigida inicialmente em latim grosseiro, não cessará de ser revisada e ampliada. A relação de Inácio com Os Exercícios Espitiruais não é a de um autor com a sua obra. Ele a considerava como algo “revelado”, “ditado por Deus”, como se fosse uma “profecia” ou uma “revelação divina”. Nesta sua peregrinação, Inácio de Loyola construiu um “manual prático” para um cristianismo que, naquele contexto histórico, passava por uma crise profunda.

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Budé prepara a criação do Collége de France, sendo que um dos nomes

cogitados para ser o diretor desta instituição de ensino era Erasmo”.

Como acontecia em diversos aspectos da vida, no campo das idéias

esta época encontrava-se em plena conturbação, tanto no que dizia respeito à

essência quanto à forma. Esta essência expressava-se na irrupção do

humanismo, assim evidenciado por Quicherat (1864, p. 151):

[...] foram trazidos da Itália os primeiros trabalhos a fim de que se abeberassem na fonte pura da antiguidade [...] os sábios em “us”, os diagnósticos do povo latino [...] tiveram de constatar que nada sabiam de latim. A maioria deles preferiu remeter-se aos seus diplomas que testemunhavam o contrário. Apenas alguns, por esforço de modéstia e por bom senso, chegaram a conclusão de sua insuficiência, tiveram a coragem de desprender para se instruir de novo. Foi graças a eles que o fogo sagrado refulgiu sobre a douta colina. E em pouco tempo, incendiou a juventude.

O objetivo de Loyola em Paris era de estudar e conhecer os códigos

desta nova sociedade3 que emergia com um aspecto paradoxal, expressas pela

Inquisição conservadora e o humanismo revolucionário. Em 1534, Inácio de

Loyola torna-se mestre em artes e, neste mesmo ano, aglutina em torno de si um

grupo de “doutores” da Universidade de Paris. Dentre eles estavam Pierre

Favre, Francisco Xavier, Diego Lainez, Alfonso Salmeron, Paschase Broët,

Jean Cadure, Simão Rodrigues, Claude Lê Jay, Nicolau Bobadilha.

Estes dez homens foram os fundadores da Companhia de Jesus, tendo

como ponto central de sua organização a obediência devida ao “preposto geral”,

o voto de pobreza e a renúncia a toda forma de cerimonial monástico. No dia

oito de abril de 1541, Inácio de Loyola foi eleito pelos seus pares o primeiro

“preposto geral” da Companhia de Jesus.

______________ 3 De acordo com Alves (2005, p. 49), “no interior da Contra-Reforma, por sua vez, não deve ser desprezada a nova importância de que se revestiu a educação escolar como instrumento da conquista dos fiéis e, por isso, de difusão da religião católica por todo o universo. Esse novo movimento histórico criou uma demanda peculiar, e os jesuítas, principalmente, foram conclamados a atendê-la. Já não se tratava de receber alguns jovens que, por iniciativa de uma ou outra família, procurava pelos acanhados serviços educacionais dos monastérios e das catedrais. Nem se tratava de assegurar a difusão da doutrina pela expansão das atividades catequéticas, que dispensavam o domínio da leitura escrita. Tratava-se, então, de estimular os fiéis a receber os benefícios da educação intelectual”.

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A Companhia de Jesus é confirmada e aprovada como ordem religiosa

com a Bula Regimini Ecclesial, de 27 de setembro de 1540, pelo Papa Paulo

III4.

O século XVI se caracteriza por uma série de transformações políticas

e sociais, marcado pela contradição entre o humanismo e a escolástica. Com o

humanismo, há lentamente uma modificação no modo de pensar dos homens,

deste novo homem que emerge das grandes navegações e do mercantilismo,

anunciando a ascensão lenta e gradual de uma nova classe, a burguesia.

Esta nova visão de mundo está em luta fratricida com as idéias do

antigo homem medieval europeu, forjado na luta das cruzadas e de libertação

dos mouros, fundamentados em um pensamento teocêntrico e metafísico. Neste

contexto, por volta dos anos 1500, ocorreram diversos movimentos que

abalaram as estruturas da antiga organização social em diversos campos, como

o econômico, o político e o religioso.

No campo religioso, a Reforma Protestante foi um desses movimentos

que ocorreu contra a poderosa Igreja Católica, surgindo em seu próprio seio.

Manifesto por um descontentamento de algumas frações do próprio apostolado

ecumênico, que lutavam por uma nova doutrina que estimulasse o trabalho e o

acúmulo de riquezas, desta forma, seus interesses conjuminavam com os

interesses burgueses. Com a Reforma Protestante ocorre uma mudança

profunda no campo educacional, pois um dos preceitos reformistas era a não

aceitação da figura intermediária entre o fiel e Deus.

Entendiam os reformistas que o fiel poderia manter este contato com o

“Criador” diretamente, bastando conhecer os seus preceitos, que se

encontravam na Bíblia Sagrada dos cristãos. Em época anterior à reforma,

apenas os sacerdotes faziam a leitura e a tradução da Bíblia.

Os movimentos populares reformistas promoveram a expansão da

escola, com o intuito de permitir que as pessoas aprendessem a ler e a

interpretar a Bíblia conforme os seus próprios entendimentos, sem a

necessidade de intermediação do clero.

No campo político e religioso, os principais representantes foram

Martinho Lutero, Huldrych Zwinglo, Martin Bucer, João Calvino e outros que

______________ 4 Ver mais sobre este assunto: Serafim Leite. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. Tomo I, II, III, IV.

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não aceitavam a autoridade do papa, conseguindo para esta causa a adesão de

diversos príncipes. Em pouco tempo, o protestantismo passou a ser a religião

oficial de boa parte do norte da Alemanha, Suécia, Dinamarca, Inglaterra e

Escócia. É neste contexto histórico que nasce a Companhia de Jesus5.

Muito se tem escrito sobre a cruzada dos “homens de negro”, como

eram denominados os padres jesuítas, por uso de batinas dessa cor. Essa matéria

é um manancial inesgotável na literatura, provocando um acirrado debate

teórico sobre a atuação jesuítica. Neste primeiro capítulo são apresentadas as

principais controvérsias contidas na historiografia acerca de sua atuação

econômica, missionária e educacional, desde o momento de sua chegada na

América, em 1549, até sua expulsão das possessões espanholas, em 1767.

Nesses mais de dois séculos de presença ativa na vida da América

colonial, foi produzida uma vasta literatura baseada principalmente na exaltação

dos primeiros padres.

Ao analisar essas obras, evidencia-se um discurso marcado pelo tom

das biografias, obscurecendo a compreensão do papel desempenhado por essa

instituição religiosa no processo de formação social, econômica, política e

cultural da América Latina.

No decorrer deste processo histórico, originou-se uma corrente anti-

jesuítica que se instalou na Europa, no final do século XVIII, liderada pelo

Marquês de Pombal.

Essa corrente consolidou com presteza seus ataques às manifestações

culturais e políticas dos inacianos. Muitos trabalhos foram produzidos sobre a

história do Brasil e da América Latina, mas a história da Companhia de Jesus só

foi publicada entre 1938 e 1950, pela dedicação do sacerdote jesuíta Serafim

Leite que, em onze volumes, traçou o desenvolvimento da presença jesuítica em

terras brasileiras, reunindo e compilando importantes documentos que estavam

espalhados pelos arquivos europeus e brasileiros.

Esse monumental trabalho realizado pelo padre historiador possibilitou

o começo de um entendimento da estreita relação entre o poder temporal e o

poder religioso. O processo de construção da colônia foi acompanhada e

______________ 5 A Companhia de Jesus emerge na gênese da expansão do modo capitalista de produção. Neste contexto social-histórico as duas grandes potências marítimas eram Portugal e Espanha, que disputavam a hegemonia do processo econômico, inseridas no período de acumulação primitiva do capital.

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impulsionada pela ação, energia e o espírito da Ordem que desempenhou um

papel central na catequização dos índios. Através da abertura de escolas, eles

iniciaram campanhas contra a antropofagia, dispensaram instrução, realizaram

imensas obras sociais, participaram da fundação de povoados, enfim, jogaram-

se decisivamente na marcha da colonização capitalista, dando contribuição

substancial em diversos campos – cultural, educacional, religioso e

antropológico.

Os seis primeiro jesuítas chegaram ao Brasil no dia 31 de março de

1549, junto com o Governador-Geral Tomé de Souza. Nesse contexto, o

governador fundou a cidade de Salvador e tomou posse da terra, com os jesuítas

cuidando da conquista do espírito. Porém, a presença jesuítica, a partir deste

momento, apesar de discutida e estudada por diversos especialistas, em variados

campos do conhecimento, ainda constitui um tema polêmico e pouco conhecido

no que tange ao desdobramento das atividades da ordem no campo temporal,

principalmente aquelas voltadas para a manutenção das residências e colégios

dos inacianos.

Permanecem pouco estudados os seus empreendimentos econômicos e

suas relações intercontinentais, que foram o alvo principal das acusações que

deram ensejo à sua expulsão da colônia. Existia, até pouco tempo, um silêncio

sepulcral sobre as atividades econômicas dos jesuítas nas terras luso-

espanholas, gestado nas dificuldades de recolher informações dispersas nos

arquivos europeus e pelo pouco interesse que o tema recebeu da historiografia.

Os cronistas da Companhia de Jesus que escreveram sobre a instituição

amenizaram o aspecto econômico, focalizando sua atenção principalmente na

ação catequética e educativa. Conseqüentemente, enfatizaram o conflito entre

inacianos e colonos, e somente nos estreitos limites da discussão da força de

trabalho indígena, tomando como referência o universo das aldeias e das

missões jesuítas, na maioria das vezes partindo de uma visão eurocêntrica e

teológica, fundamentada na doutrina católica apostólica romana.

Esses cronistas partem de situações específicas demarcadas pela

caracterização de um mundo colonial permeado de vícios que se mesclam a um

tom apologético da luta dos “homens de negro” como salutar para a

constituição de uma identidade cultural brasileira e latino-americana. Nesta luta

de cunho maniqueísta, até mesmo Serafim Leite (1937, p. 7) é emblemático:

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O combate ao vício de comer carne humana principiou muito antes da catequese propriamente dita. Os padres chegavam a arrancar, em pleno terreiro, das mãos das velhas, dispostas já a cozinhá-lo para um banquete, o corpo morto de um índio. Tal audácia ia-lhes custando a vida. Com a ajuda de Tomé de Souza saíram felizmente indemmes (sic). E, com o método e cooperação de Mem de Sá, que impôs sanções legais contra esse costume, a antropofagia desapareceu em breve entre os índios, que se punham em contato com os portugueses. Foi uma das primeiras conquistas morais dos jesuítas.

Os cronistas da Companhia centram sua análise no ato catequético,

ratificando os benefícios da pedagogia e da educação jesuítica e tendem arvorar

para si e para os membros da ordem o poder exclusivo da lucidez no exame dos

fatos, como evidencia Francisco Rodriguez (1935, p. XII):

[...] podem bem um jesuíta, se não lhe escasseiam as qualidades de historiador, escrever a história de sua Companhia. Antes, é forçoso confessar que ele está mais apto para esse feito de que os estranhos, porque melhor conhece a sua Ordem e seu espírito particular e sabe mais exatamente avaliar as ações que ela pratica.

Apesar de inegável importância dos cronistas da Companhia de Jesus

nesse campo, as análises não articulam as ligações entre as demais atividades

exercidas pelos jesuítas em Portugal, na Espanha e nas colônias. Por minimizar

e omitir as atividades econômicas praticadas, e destacar o espírito catequético

da ordem, os cronistas inacianos impuseram uma leitura das práticas e ações da

Companhia a partir de uma perspectiva unilateral.

Serafim Leite, em sua vasta obra, mesmo partindo de sua visão parcial,

foi um dos estudiosos que conseguiu resgatar o papel dos jesuítas em terras

brasileiras, enfatizando o desempenho destes na educação, na literatura, no

desenvolvimento científico e nas artes.

Ele se preocupava em registrar o nascimento e o desenvolvimento da

Companhia. Por ele ser jesuíta, teve acesso a diversas fontes documentais, das

quais outros foram privados. O mérito de Serafim Leite consiste nos dados que

ele apresenta, facilitando, pelo menos parcialmente, a tarefa de outros

pesquisadores que, partindo de um outro referencial teórico e metodológico,

possam analisar essas informações na perspectiva de compreender esse

processo em sua totalidade e desvendar os antagonismos dessa sociedade,

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revelando o papel dos jesuítas na síntese da construção do edifício católico

latino-americano.

Contudo, essa atuação ofuscou, por muitos anos, as demais atividades

exercidas pela Companhia de Jesus e condicionou a maioria dos trabalhos que

discutem o impacto da doutrina cristã no contato com os índios do novo mundo

ou analisam o modelo adotado no campo educacional pelos jesuítas na

América.

Dentre os cronistas da Companhia de Jesus que realizaram pesquisas

importantes na América espanhola, destaca-se o sacerdote jesuíta Guilhermo

Furlong, com nove obras, publicadas pela Ediciones Theoria, de Buenos Aires.

Nessas obras, ele faz uma radiografia completa da atuação jesuítica nas missões

do Cone Sul da América Latina. O trabalho tem como fonte documental as

cartas enviadas por jesuítas a outros sacerdotes no período colonial. A obra de

Furlong é de fundamental importância no sentido de compreender, a partir do

relato dos próprios jesuítas, o contexto histórico e político desta região e, para

descortinar a construção do imaginário social do Cone Sul da América Latina.

Outro cronista da Companhia de Jesus, Antonio Seep, em sua obra

Viagem às Missões Jesuíticas e Trabalhos Apostólicos (1980), traz uma

contribuição importante no sentido de polemizar, com alguns autores, os quais

afirmam que a prática jesuítica era reacionária às mudanças naquele contexto e

que sua ação educativa e missionária estaria ligada ao pensamento feudal

inserido no contexto da Contra-Reforma.

Antonio Seep, que nasceu em 1655 e que chegou à América do Sul em

1691, descreve que, nesse momento histórico, as missões passavam por um

grande desenvolvimento científico e cultural. As missões jesuíticas do Cone Sul

eram visitadas por filósofos, arquitetos, músicos, pintores, poetas, engenheiros,

vindos da Europa, que davam cursos nas reduções, assim como auxiliavam na

construção das igrejas, das casas das missões, trazendo inovações no campo

intelectual e científico.

O segundo grupo de autores apresenta obras acadêmicas, e dentre

estes, José Maria de Paiva, em sua obra Colonização e Catequese (1982),

disserta sobre o processo de conversão dos costumes, realizado pelos religiosos

e a meta colonizadora do homem do Renascimento. Paiva destaca o fato de que

o projeto catequético foi um instrumental impositivo de usos e costumes dos

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patrícios de Camões, em que os “homens de negro” foram os engenhos de

ajustamento cultural.

Luiz Baeta Neves, em O Combate dos Soldados de Cristo na Terra

dos Papagaios (1978), apresenta um trabalho acadêmico importante,

fornecendo reflexões estruturais sobre a presença inaciana, destacando o

controle exercido pela Igreja e pelo Estado, trazendo a confusão entre o saber e

o poder, império e fé. Enfocando o tema jesuítico como parte de propostas mais

abrangentes, esses estudos salientam as formas de repressão dos inacianos ou

sua interferência direta na formação cultural religiosa das sociedades onde

atuaram.

A própria catequese e os outros processos de aculturação (vestir os

índios ou ensiná-los a confeccionar instrumentos musicais ocidentais ou, ainda,

ensino de canto gregoriano) deve ser entendida como tentativa de introduzir os

indígenas nas instituições sociais do mundo ocidental, sejam religiosas,

culturais ou econômicas.

Muitos autores fizeram trabalhos acadêmicos e dedicaram especial

atenção aos problemas da colonização e da atividade produtiva nas importantes

propriedades jesuíticas, principalmente nas reduções guaraníticas localizadas

em território espanhol e, a partir desses estudos, provocaram grandes problemas

no campo teórico.

Dentre esses autores, podemos destacar Neimar Machado (2002),

Ruggiro Romano (1973), Alicia Juliana Pioli (2002), Clóvis Lugon (1977),

Decio de Freitas (1982), Regina Maria A. F. Gadelha (1980), Lúcia Galvez

(1995), Maxime Haubert (1990), Tau Golin (1999), Julio Quevedo (2000) e

Arno Alvarez Kern (1982).

Esses autores analisam a ação dos inacianos a partir do enquadramento

espacial das reduções jesuíticas, desde a sua formação até a expulsão dos

religiosos, discutindo as estruturas sócio-econômicas das missões como um

processo ímpar. As reflexões contemplam temas como o mundo tupi-guarani, a

evangelização, a organização do trabalho, a questão espiritual, a política

“encomendeira”, as relações de produção, bem como as venturas e desventuras

de uma região de fronteira marcada pela disputa de território pelas coroas de

Portugal e da Espanha.

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Esses trabalhos que registram a construção do espaço das missões e a

defesa dos índios, resistindo às tropas luso-espanholas, devem ser entendidos

como estudos específicos sobre a questão guaraní na região, descrevendo

aspectos das particularidades de cada redução. Porém, em muitas análises, os

autores não fazem a inter-relação dessas reduções com outros acontecimentos,

em um contexto universal.

A obra de Maxime Haubert traz uma contribuição importante para a

compreensão da formação social-histórica do Paraguai e provoca um debate

teórico sobre o modo de produção colonial, ao afirmar que esse, naquele

contexto, era feudal. Outras contribuições fundamentais de Haubert (1990, p.

15) são as informações sobre a produção econômica das reduções jesuíticas e,

através de farta documentação da época, informa que, quando os jesuítas foram

expulsos, em 1767 (das possessões espanholas), “os rebanhos das reduções

contavam com mais de um milhão de bovinos, trezentos mil carneiros e cem

mil cavalos”. Evidentemente, relações de produção e criação de gado dessa

ordem não poderiam ser feudais.

O modo de produção nas missões jesuíticas é alvo de acirrados debates

sobre o aspecto se houve uma sociedade comunista ou um “comunismo

missionário”. Clóvis Lugon é o principal representante da “corrente do

comunismo”. Na sua obra República “Comunista” Cristã dos Guaranis (1977),

ele fundamenta sua tese nos conselhos comunitários que administravam a

redução e que nutriam uma autonomia administrativa. Formando com as demais

reduções uma Confederação Soberana (República), Lugon fundamenta sua tese

no trabalho comunitário e na propriedade coletiva.

Décio de Freitas corrobora a tese de Lugon e em sua obra O

Socialismo Missioneiro (1982) destaca os elementos formadores da sociedade

socialista, dando ênfase na questão da propriedade, na gestão e apropriação

comum presentes na redução. A tese da República “Comunista” Cristã dos

Guaranis, assim como a tese do Socialismo Missioneiro é um mito, pois as

reduções estavam submetidas à legislação espanhola.

As Leis das Índias e as Ordenanças de Alfaro estipulavam quem

deveria pagar tributo e quem não pagava, portanto, as reduções não tinham

autonomia fiscal. Observa-se ainda que os Guaranis reduzidos podiam ser

requisitados, bem como outros grupos étnicos para executar trabalhos públicos

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para o Estado espanhol. Muito comum era a formação das tropas guarani para

atuarem na defesa das cidades que eram atacadas por indígenas e, também, para

combater os avanços das bandeiras paulistas sob o território espanhol.

A análise que considera uma economia missioneira desvinculada da

economia mercantil está expressa em Caravaglia. Na obra Conceito de Modo de

Produção (1978), de acordo com o autor, o padre missioneiro é o principal

responsável pela dominação do branco e pela instauração de uma camada que

organiza e controla a produção.

Na análise de J. Monteiro (1999), essas abordagens, embora bastante

difundidas nos meios acadêmicos, são corroboradas pelo fato de que as missões

surgiram no bojo do sistema colonial espanhol e permaneceram fortemente

vinculadas a esse sistema, até a expulsão da Companhia de Jesus das possessões

espanholas, em 1767.

Um outro elemento que falseia a tese do Estado Teocrático é a própria

finalidade que tinham as missões de prover de braços úteis os colonos, súditos

da Coroa, além de fornecer soldados para defender os territórios pouco

povoados e milícias para socorrer eventualmente as cidades espanholas e,

principalmente, fornecer mercadorias para atender a um mercado que se

internacionalizava progressivamente.

Arno Alvarez Kern busca em seu livro Missões: uma Utopia Política

(1982), uma síntese que, ao mesmo tempo, procura superar as teses anteriores,

ao concluir que a organização política das missões não foi uma antevisão do

futuro nem aplicação de utopias renascentistas e muito menos ponto de partida

para o estabelecimento de um “Estado Jesuítico”. Para ele, as reduções foram o

resultado da busca de estabilização entre a sociedade espanhola e a indígena,

entre os interesses das frentes de expansão colonizadora luso-espanhola e os

desígnios dos evangelizadores da ação missionária, entre o trono e o altar.

Kern revela informações importantes sobre os trinta povos

missioneiros da província do Paraguai, que se estabeleceram nessa região a

partir de 1607. Especificando com clareza as áreas ocupadas pelas missões

jesuíticas junto aos guaranis, que se expandiram, inicialmente, rumo ao Guairá

(Paraná), Itatim (Mato Grosso do Sul) e Tape (Rio Grande do Sul) e que,

posteriormente, retraíram-se ante os ataques dos paulistas em direção às

proximidades de Assunção e Buenos Aires. A obra de Kern destaca também a

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produção econômica das reduções guaranís, baseadas na criação de gado e na

extração da erva-mate.

Entretanto, não se pode deixar de salientar que o capitalismo se institui

em todo o mundo subsumindo outras formas de relações de trabalho, como a

escravidão nos Estados Unidos, ou formas servis nas Índias ocidentais e

orientais6.

Quanto ao Itatim, a dissertação de Neimar Machado (2002) busca

analisar a história da Redução Nuestra Señora de la Fé, fundada em 1631, no

alto do Rio Paraguai. A partir da releitura das cartas anuais dos jesuítas que

atuaram na região do Itatim. Neimar parte de uma perspectiva teórica

denominada “nova historiografia indígena”. A proposta da pesquisa é trazer à

luz uma situação de contato intercultural, no qual coloca, de um lado, a

dominação do sistema colonial espanhol, pressão das incursões escravistas dos

bandeirantes e a introdução de novos valores por parte dos jesuítas e, de outro, a

resistência do guarani frente a um modelo imposto pelo colonialismo luso-

espanhol.

O estudo de Neimar Machado está relacionado ao abrangente processo

que vai do estabelecimento da redução, em 1631, até seu abandono, em 1659,

devido à pressão dos bandeirantes. A idéia central é de que os guaranis não

foram meras vítimas da história, mas que resistiram do ponto de vista cultural,

religioso e até físico, para preservar sua identidade. Neimar Machado destaca

que os índios das missões foram agentes ativos da história, fazendo alianças

políticas para se protegerem dos encomendeiros e bandeirantes.

Em relação ao Itatim (Mato Grosso do Sul), um trabalho importante

devido à clareza com que relaciona as missões aí estabelecidas dentro do

contexto da economia do Paraguai colonial é a obra de Regina Gadelha, As

Missões Jesuíticas do Itatim (1980). Nessa obra, a autora realiza um estudo em

que a economia colonial, baseada no trabalho indígena, era na visão da autora

______________ 6 No aspecto estrutural, de acordo com Marx (1968, p. 829), “assim como os meios de produção e os de subsistência, o dinheiro e a mercadoria, em si mesmo, não são capital, portanto, tem que ocorrer alguma transformação em determinadas circunstâncias”. E as circunstâncias históricas que proporcionaram as profundas transformações ocorreram em diversos campos de forma sistêmica, inter-relacionadas e interdependentes. Um magma de determinações que se evidencia em uma parte sólida já instituída expressa no conhecimento técnico largamente acumulado pelos europeus da última fase da Idade Média.

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“proeminentemente natural” e que a sonegação do trabalho indígena da parte

dos jesuítas gerou diversos conflitos.

Os argumentos explicitados por Gadelha, evidenciam que neste

contexto histórico no Cone Sul da América Latina, havia uma “economia

natural”, não havendo circulação de moedas e que a produção era efetivada

apenas para subsistência e, se houvesse algum excedente, este seria

simplesmente trocado por outro produto.

No entanto, a centralidade se insere no movimento da compreensão

que as relações de produção desta região estavam inseridas na lógica da

acumulação primitiva do capital7 ,que apresentava esta configuração na

particularidade paraguaia. Esse contexto de transformação social e da base

produtiva se caracterizava pela produção de mercadorias primárias e de pouco

valor agregado, e que atendiam à demanda do mercado local (ainda que

incipiente) e regional (Vice-Reino do Peru). Logo, uma economia com

configurações próprias, porém amba, inseridas na lógica da circulação do

capital8.

De grande importância nessas obras que tratam das reduções jesuíticas

na região dominada pela Coroa espanhola, são as fontes documentais das cartas

anuais da província do Paraguai, pertencentes originalmente à coleção

particular do político e bibliófilo argentino naturalizado, Pedro de Angelis

(1784- 1859).

Uma parte dessa coleção foi vendida ao governo brasileiro durante o

Segundo Império e incorporada ao acervo da Biblioteca Nacional. Os

manuscritos da coleção de Angelis foram publicados respectivamente em 1951

e 1969 e divididas em sete volumes.

______________ 7 Marx (1969) afirma que este processo precisa ser compreendido na transformação da exploração feudal em exploração capitalista, nesta acepção e, para entender a sua marcha, não se precisa ir muito longe na história. Embora um prenúncio da produção capitalista já se evidenciasse, nos séculos XIV e XV, em algumas cidades mediterrâneas, a era capitalista destacada por Marx (1969, p. 831) “data do século XVI”. Onde ela surge, a servidão já está abolida há muito tempo, e já estão em plena decadência as cidades soberanas que representavam o apogeu da Idade Média. 8 Marx (1969, p. 867) reconhece que a manobra lenta do período infantil do capitalismo não se coordenava com as necessidades do novo mercado mundial criadas pelas grandes descobertas dos fins do século XV. A Idade Média fornecia duas formas de capital nas mais diferentes formações econômico-sociais e foram as que emergiram como capital antes de despontar a era capitalista, a saber, o capital usurário e o capital mercantil.

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Recentemente foram publicados alguns trabalhos específicos que

tratam da administração da propriedade e da avaliação dos bens inacianos,

demonstrando que os estudos mais detalhados sobre as práticas econômicas dos

jesuítas são de suma importância para a compreensão de como o projeto

catequético e educacional foi sustentado.

Herman Konrad (1989), em sua obra Una Hacienda de los Jesuítas en

el Mexico, Santa Lucia, 1576-1767, descreve que, na América espanhola,

particularmente no México, a Companhia de Jesus estava ligada diretamente à

produção de mercadorias. De posse de uma farta documentação epistolar e

administrativa, revela o latifúndio de Santa Lúcia, na região central do México,

enfatizando a exploração de atividades agrícolas e a criação de gado,

destacando que as fazendas dos jesuítas possuíam administração rígida, sendo

expressa por uma economia sólida em comparação a outras fazendas de

colonos, neste período.

Herman Konrad constatou a aquisição de propriedades, assim como no

caso do Brasil, revelando doações de terras para a Companhia de Jesus e,

conseqüentemente, detectou a competição intercapitalista. Conflito este advindo

da competitividade de uma nova política administrativa praticada pelos jesuítas,

que buscaram um caminho expansionista, tendo como base a eliminação de

concorrentes fracassados, incorporando fazendas improdutivas e arrendando

terras.

Este exemplo é significativo, revelando que na ação objetiva das

grandes navegações, dos “descobrimentos” e da conquista, foram amalgamados

os interesses econômicos com a fé. As ações não ficaram restritas apenas à

monarquia e à incipiente burguesia mercantil, ávida em auferir lucros e

acumular capital9. A Companhia de Jesus se entrelaçou a esses interesses, se

miscigenando a este incipiente universo e incorporando os valores do

imaginário social da modernidade para dar prosseguimento à indústria da fé,

objetivando a expansão da Ordem.

______________ 9 Marcam este período na história da acumulação primitiva todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos das grandes massas humanas. Súbita e violentamente privada de seus meios de subsistência e lançados no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A exploração do produtor rural, do camponês, que assim privado de suas terras, constitui a base de todo o processo. Assim como também os cercamentos, onde os antigos senhores feudais expulsam os seus servos da terra, pois era mais lucrativo criar ovelhas e vender a lã à incipiente indústria manufatureira.

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Os empreendimentos econômicos foram administrados habilmente

pelos jesuítas, com uma organização férrea e uma enorme agressividade

concorrencial, fazendo com que fossem questionados e sofressem oposição de

diversos setores da neófita sociedade que estava se instituindo.

Ao mesmo tempo em que se defendiam dos ataques feitos em relação à

sua interdependência com os Estados aos quais serviam, e também no que tange

à posse de muitas riquezas, justificavam as suas práticas e relações econômicas.

Assim não era possível manter a instituição religiosa se não existisse um

mecanismo capaz de sustentar as vultosas despesas para a manutenção dos

colégios, para a construção de igrejas, atendimento aos desvalidos e à

catequese. Partindo de sua visão de mundo, a retórica de defesa dos jesuítas

centrava-se nas “virtudes” de seus atos.

O historiador estadunidense Nicholas Cushner demonstra, em suas três

obras publicadas, respectivamente, em 1980, 1982 e 1983, as atividades

econômicas jesuíticas em três regiões distintas da América espanhola. Em suas

obras, Cushner apresenta um estudo sobre a produção açucareira e de

vinicultura da região peruana; o complexo produtivo das fazendas e a fábrica de

tecidos nesta região dos Andes. Descreve a criação de muares e as propriedades

jesuíticas produtoras de vegetais, grãos e vinhos da região da Bacia do Prata.

Cushner afirma que o modelo implantado pelo Estado espanhol foi assimilado

pelos inacianos nos séculos XVII e XVIII.

As propriedades dos jesuítas analisadas pertenciam aos colégios dos

religiosos, apresentando grande similitude com as propriedades brasileiras, pois

muitas dessas propriedades foram doadas por particulares. Nas três regiões

analisadas por Nicholas Cushner (Equador, Peru e Bacia do Prata), foram

fundados grandes colégios ou universidades. Em Tucumã (Argentina), a

Universidade de Córdoba; em Lima (Peru), a Universidade de São Marcos; em

Quito (Equador), o Colégio Maior de Quito, que abrigava de setenta a cem

jesuítas.

De acordo com Cushner (1980 – 1982 – 1983), as propriedades dos

jesuítas foram adquiridas por meio de compra ou de herança, produzindo

litígios e conflitos com os vizinhos e com os nativos das regiões onde se

instalaram.

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Ao fazer um inventário e descrever as propriedades, expressa a

estrutura da empresa jesuítica e suas complexidades, abrangendo um mosaico

de iniciativas que impulsionavam os administradores a se preocuparem com o

pagamento de salários, a observância do fluxo de entrada e saída de capital,

planos de investimentos, controle do custo de produção, verificação das taxas

de rentabilidade, além do gerenciamento da força de trabalho assalariada e

escrava.

Cushner afirma que as empresas agrícolas dos jesuítas eram

extremamente lucrativas, pois ao analisar o fluxo de reinvestimentos do capital

no sistema produtivo, constatou-se que as práticas empreendidas pelos

inacianos obtinham maiores resultados que nas propriedades dos colonos. Logo,

as propriedades dos jesuítas apresentavam grande prosperidade, indo na

contramão dos regulamentos da Constituição dos jesuítas que apregoavam o

voto de pobreza.

Outra obra acadêmica importante é a tese de Paulo de Assunção,

Negócios Jesuíticos: a Administração dos Bens Divinos (2004), baseada em

uma pesquisa minuciosa e fundamentada em fontes documentais extraídas do

Arquivo do Tribunal de Contas de Lisboa (ATC); da Biblioteca Nacional do

Rio de Janeiro (BNRJ); da Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL) e do Instituto

dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (IANTT). Apoiada em uma vasta

bibliografia, a obra de Paulo de Assunção cumpre um papel determinante ao

traçar uma radiografia completa dos empreendimentos jesuíticos e lança uma

luz para desvendar o seu caráter capitalista, evidenciando as políticas temporais

de cunho econômico dos inacianos.

Em resumo, ao revisarmos as produções bibliográficas que tem como

objeto a Companhia de Jesus, observa-se que as atividades econômicas dos

jesuítas receberam uma atenção diminuta frente à problemática indígena,

pedagógica e cultural que, guardada as devidas proporções, nem sempre foram

os únicos alvos de interesse dos jesuítas.

Nos últimos anos, houve um crescente interesse nos estudos sobre as

relações entre as ordens e congregações religiosas e as instituições do mundo

capitalista, além da esfera da educação, como a ciência, a cultura, as artes e a

política. O interesse pelos jesuítas é motivado pelo embate estabelecido no

campo teórico, que tem como base conclusões instituídas, em alguns casos,

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somente na aparência do fenômeno. Em outros casos, os estudos estão

carregados da visão teológica.

O pensamento liberal coloca as atividades jesuíticas como reacionárias

ao desenvolvimento das relações capitalistas, tendência representada pelos

liberais pombalinos. Esta posição, de acordo com os liberais, estaria inter-

relacionada com uma resposta da Igreja Católica em relação às reformas

protestantes. Sobre a posição do pensamento liberal em relação à ordem

inaciana, Tobias (1986, p. 31) traz a comprovação dessa tese:

De grande júbilo encheu-se a alma de Ribeiro Sanches ao saber do alvará que tirou a educação portuguesa e brasileira das mãos dos jesuítas. Na introdução às cartas, exclama o médico: Deus seja louvado! Deus seja louvado, que me chegou ainda a tempo que os padres da Companhia de Jesus não são já confessores, nem mestres – porque se conservassem ainda aquela inquisição tão antiga, nenhuma das verdades que se leram nesse papel poderiam ser caracterizadas com outro título que de heresias! À Deus sejam dadas todas as graças que, pela infatigável providência de S. Majestade, todos esses obstáculos se dissipam.

Em outro sentido, os escritores ligados ao pensamento teológico

apresentam a ação inaciana ligada à questão da fé, como atesta Leite (1937, p.

15): “Enquanto o governador tratava da fundação e da posse da terra, os jesuítas

cuidavam da conquista do espírito”.

Leite (1937, p. 33) demonstra o pensamento etnocêntrico: “Quando os

jesuítas chegaram ao Brasil, os índios eram, pois, naturalmente incultos. Era

preciso iluminar a sua inteligência com as idéias mais nobres da época”. Leite

(1937, p. 14) também estabelece o papel central que os inacianos tiveram em

relação à formação do Brasil:

Sem desconhecer o concurso dos demais, pode-se, sem receio emitir esta proposição exata: a história da Companhia de Jesus no Brasil, no século XVI, é a própria história da formação do Brasil em seus elementos catequéticos, morais, espirituais, educativos e, em grande parte colonial. A contribuição de outros fatores religiosos não modifica sensivelmente este resultado.

No campo marxista, Antonio Gramsci apresenta o jesuitismo como a

forma organizacional, ideológica e política da Igreja desde o Concílio de

Trento.

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Portelli (1984, p. 156) confirma o pensamento gramsciano:

O influxo jesuíta sobre o aparelho eclesiástico é um acontecimento essencial da história da Igreja. Gramsci julga, além disso, que marca a passagem do ‘cristianismo ingênuo’ à um ‘cristianismo jesuitizado’, que não passa de grande hipocrisia social. O jesuitismo é a forma organizacional, ideológica e política da Igreja desde o Concílio de Trento.

Em relação ao papel dos jesuítas na Contra-Reforma, o pensamento

gramsciano e o pensamento liberal tem a mesma posição. Gramsci (1978, p. 20)

afirma que:

A Contra-Reforma esterilizou este pulular de forças populares: a Companhia é a última grande ordem religiosa, de origem reacionária e autoritária, com caráter repressivo e ‘diplomático’ que assinalou com o seu nascimento o endurecimento do organismo católico. As novas ordens surgidas posteriormente têm um pequeníssimo significado ‘religioso’ e sim grande significado ‘disciplinar’ sobre as massas de fiéis. São ramificações e tentáculos da Companhia de Jesus (ou se tornam isso), instrumento de ‘resistência’ para conservar as posições políticas adquiridas e de modo nenhum forças renovadoras de desenvolvimento.

A grande marca da atuação teórica do jesuitismo foi expressa no

Concílio de Trento, cuja formulação de Loyola, Lainez e Canisio constituíu um

instrumental para propagar a imagem da Companhia, transformando-a em uma

“máquina de guerra” contra o luteranismo e o calvinismo. Em essência, a tese

apresentada pelos jesuítas apregoava a necessidade de um retorno à fonte de um

cristianismo primitivo, objetivando manter a hegemonia da Igreja Católica

Romana no mundo cristão.

No decorrer deste debate, Gilberto Luiz Alves, em sua obra A

Educação e História em Mato Grosso: 1719- 1864 (1984), afirma que a posição

da Companhia de Jesus estava vinculada às idéias feudais. Alves destaca que a

oposição entre o sistema jesuítico de instrução e as reformas pombalinas só

seriam suficientemente compreendidas quando colocadas sob parâmetros

concretos. Partindo da categoria da totalidade concreta, na sua concepção, que

corresponde apreender a totalidade em pensamento, analisa esses

empreendimentos a partir da ótica dos antagonismos de classe e dos interesses

materiais que essas classes defendem, desvelando-se todas as suas mais

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recônditas manifestações ideológicas e, como conseqüência, seus sentidos: se

voltados para o passado, ou se projetados para o futuro.

Alves (1984, p. 36-37) assevera:

Quando se realiza essa forma de abordagem metodológica, todas as falsas questões, que têm cercado as análises da educação brasileira no período manufatureiro, revelam-se na sua exata condição, e a conclusão a que se chega é uma única: a despeito da mais elaborada materialização de seu sistema de ensino, a Companhia de Jesus enraizou toda a sua ação no sentido de preservar idéias vinculadas ao feudalismo, ordem social que encarnava o passado. Perspectiva progressista, no período em foco, foi aquela em que se manifestou a orientação revolucionária da burguesia. No caso do Brasil-Colônia, essa orientação emanou unicamente das reformas pombalinas, cujo melhor indicador foi seu compromisso com a “introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza em Portugal”. A apologia da política desenvolvida pela Companhia de Jesus no plano do ensino, estreitamente vinculada à ordem feudal e, portanto reacionária, é, no mínimo, demonstração de ignorância histórica.

Ao analisarmos a inserção dos jesuítas na América Latina não

podemos privilegiar em nossa análise apenas aspectos objetivos ou subjetivos,

pois foi a síntese dos aspectos objetivos e subjetivos que propiciou a integração

dessas sociedades distintas. Porém, a ação jesuítica não foi fundamentada na

metafísica, pois para adentrar na cultura do “outro”, estes procuraram dominar

os códigos desta sociedade. Aprenderam a língua, dominaram a sua escrita,

procuraram conhecer a sua história, buscaram conhecer a sua economia e a sua

relação de poder, etc.

Isto é, assimilaram a cultura do “outro”, incorporaram em seus ritos

religiosos traços das religiões dos silvícolas. Ao mesmo tempo, transmitiram

valores da cultura ocidental, a sua visão de mundo, a crença em uma religião

monoteísta, sua concepção de Estado, sua articulação política e, principalmente,

suas relações econômicas, tendo como centro a produção de mercadorias com

valor de troca e, conseqüentemente, a circulação e o consumo destas. O

empreendimento jesuítico não foi uma ação de amadores, organizada de forma

aleatória, pois o processo de aculturação foi totalmente contraditório à visão

teológica e escolástica. A práxis jesuítica comprova que estes não estavam

ligados umbilicalmente aos pressupostos do feudalismo, tanto nos aspectos

objetivos, quanto nos subjetivos.

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O feudalismo partia de sua organização fundamentada em dois

aspectos centrais: a não produção de excedentes para serem vendidos no

mercado e a falta de mobilidade social. E no campo subjetivo estava

fundamentada na escolástica: Deus explicava o mundo. Feita essa exposição,

deve ser reafirmado que a Companhia de Jesus, em seus empreendimentos,

produzia excedentes que eram vendidos no mercado mundial.

Outra contribuição de Alves é sua obra: O Pensamento Burguês no

Seminário Olinda (1800-1836), publicada em 1993, na qual expõe o caráter

burguês do plano de estudos do Seminário de Olinda, tanto indiretamente, por

meio das inspirações econômicas, quanto pelo ideário pedagógico de Azeredo

Coutinho, seu autor. Nesse caso, no Seminário de Olinda, foi a vitória no

campo pedagógico do Iluminismo português sobre a educação jesuítica.

Ainda uma outra contribuição de Alves é um trabalho introdutório do

projeto de pesquisa Gênese e Desenvolvimento da Escola Pública no Brasil,

com o título Origens da Escola Moderna no Brasil: a Contribuição Jesuítica.

Nesse trabalho, Alves analisa o patrimônio histórico educacional no Brasil, que

tem transitado abruptamente em relação à atividade inaciana, da apologia à

crítica negativa.

O autor entende que nenhum desses caminhos é o caminho da crítica

científica, pois o caminho seria da superação por incorporação. Portanto, a

discussão da contribuição educacional da Companhia de Jesus no Brasil deve se

distanciar de todos aqueles trabalhos que têm feito apologia da congregação ou

condenado a sua ação catequética e missionária.

Alves esclarece que não há lugar para o elogio de uma pretensa

epopéia jesuíta nos trópicos, nem encontra eco a crítica que pretendeu

identificar a atuação dos inacianos com o obscurantismo feudal, ou interpretá-la

no contexto de uma pretensa xenofobia pombalina ou, ainda, reduzi-la a

instrumento de dominação da burguesia mercantil.

No entanto, a contribuição mais significativa de Alves é o livro O

Trabalho Didático na Escola Moderna: formas históricas, que tem por objeto,

no capítulo II, O ensino jesuítico, a organização do trabalho didático e a

manufatura nascente, discutindo o patrimônio legado pelos jesuítas para a

instauração da escola moderna. Alves (2005, p. 14) afirma que: “Com essa

intenção, analisa aspectos constitutivos da organização do trabalho didático

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difundida em seus colégios, que ensejaram à Companhia de Jesus uma posição

de vanguarda na educação, desde o primeiro tempo de sua existência”.

O autor entende esse processo como uma síntese de múltiplas e

complexas determinações, ao passo que o recurso instrumental que coloca luz

para o entendimento é a compreensão do caráter universal e da singularidade da

atuação jesuítica no Brasil.

Assim, verifica-se nas obras de Alves, uma mudança em suas análises.

Nas primeiras obras, o autor relacionava a ação inaciana como reacionária e

ligada ao modo de produção feudal e, em suas obras mais recentes, coloca a

Companhia de Jesus em uma posição de vanguarda na educação.

Recuperando-se as obras historiográficas que têm como objeto a

Companhia de Jesus, pode-se detectar que os propósitos da Companhia de Jesus

foram sendo alterados com o decorrer do tempo, estando sujeito aos

mecanismos do contexto secular. Os negócios temporais realizados pelos

jesuítas foram norteados por atitudes, práticas e regras de caráter econômico,

em consonância com o modo de exploração colonial, que permitiram consolidar

a imagem do poder temporal.

Para uma melhor distinção epistemológica, nós separamos as obras

historiográficas em dois grupos distintos. O primeiro grupo, composto pelos

cronistas da Companhia de Jesus, concebe essa relação (Companhia de Jesus e

Capitalismo) como essencialmente harmoniosa e que a tendência dessa relação

foi a integração dos europeus e dos silvícolas.

As obras desse grupo partem de um referencial teórico idealista,

positivista. Analisam a relação econômica e catequética de forma naturalizada e

harmoniosa e descrevem a história colonial de forma linear, com fases de

desenvolvimento. Muitas dessas obras amenizam o aspecto econômico,

focalizando sua atenção principalmente na ação catequética e educativa e,

conseqüentemente, no conflito entre inacianos e colonos, e somente nos

estreitos limites da discussão da força de trabalho. Tomando como referência o

universo das aldeias e das missões jesuíticas, na maioria das vezes partindo de

uma visão eurocêntrica, teológica e metafísica, fundamentada na escolástica e

na doutrina católica apostólica romana.

O segundo grupo de autores concebe essas relações (Companhia de

Jesus, economia, catequese e educação) como essencialmente marcadas pela

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contradição, entre grupos de classes antagônicas que se relacionam à base da

força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida

material. O recurso que possibilita a distinção entre esses dois grupos de autores

que tem como objeto a Companhia de Jesus e suas relações econômicas,

educativas e missionárias é a epistemologia.

O conhecimento, de acordo com Lefebvre (1983), é um fato

inquestionável. Desde a vida mais imediata e mais simples, os objetos, seres

vivos, seres humanos são observados, analisados e deles se adquirem

conhecimentos. O padre Serafim Leite tem uma extensa obra que conta a

história da Companhia de Jesus, e isso constitui conhecimento. É possível, e

mesmo indispensável, examinar e discutir os meios de aumentar esse

conhecimento, de aperfeiçoá-lo, de acelerar seu desenvolvimento. Mas o

conhecimento, em si, deve ser inquestionável. Em termos filosóficos, o sujeito

– o pensamento do homem que conhece – e o objeto (os seres conhecidos)

agem e reagem initerruptamente, um sobre o outro. O sujeito do conhecimento

age sobre o objeto, explora-o, experimenta-o, ele resiste ou cede à ação do

sujeito, revela-se. O sujeito o conhece, aprende a conhecê-lo. O sujeito e o

objeto estão em perpétua interação entre dois elementos opostos e, não

obstante, partes de um todo, como numa discussão ou num diálogo. Por

definição, se trata de uma interação dialética.

O que distingue as análises efetuadas neste trabalho em relação às

análises dos cronistas da Companhia de Jesus, no que tange às atividades

econômicas, educativas e culturais nas reduções jesuíticas do Paraguai, é este

princípio gnosiológico da dialética. A principal característica deste

conhecimento é que ele se revela na prática. Antes de elevar-se ao nível teórico,

todo conhecimento começa pela experiência prática. Tão somente a observação

prática das realidades objetivas leva à análise que produz o conhecimento. O

segundo aspecto é que o conhecimento humano é social, pois é na vida social

que se descobrem os outros seres semelhantes que agem sobre o observador. O

terceiro aspecto a ser considerado é que o conhecimento tem um caráter

histórico. Todo conhecimento foi adquirido e conquistado por toda a

humanidade, porém, em determinado momento histórico, foi monopolizado por

uma classe e, conseqüentemente, ganhou o “status” de ciência.

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Neste aspecto, Dangeville (1973, p. 10) afirma que: “à medida que a

divisão do trabalho se desenvolve, o saber, a arte e a cultura separam-se dos

produtores, passando para as superestruturas e sendo monopolizadas pelas

classes dominantes”. O recurso que possibilita a distinção epistemológica que

tem como objeto as reduções jesuíticas do Paraguai e suas atividades

econômicas, culturais e educacionais é a teoria.

Em resumo, neste capítulo buscou-se demonstrar o contexto histórico

em que emerge a Companhia de Jesus no período de acumulação primitiva do

capital e apresentar as controvérsias contidas nas análises historiográficas

acerca de sua atuação econômica, missionária e educacional.

Marx (1969) afirma que o processo que cria o sistema capitalista

consiste apenas no movimento que retira ao trabalhador os seus meios de

trabalho. Um processo que transforma em capital os meios sociais de

subsistência e os de produção e converte em assalariados os seus produtores

diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que

dissocia o trabalhador dos meios de produção.

É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do

modo de produção capitalista. A estrutura econômica da sociedade capitalista

nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição da

sociedade feudal liberou os elementos para a formação da sociedade capitalista.

O produtor direto, o trabalhador, só pode dispor de sua pessoa depois que

deixou de estar vinculado à gleba. Para alienar livremente sua força de trabalho,

levando sua mercadoria a qualquer mercado, teve ainda que livrar-se do

domínio das corporações, dos regulamentos a que elas subordinavam os

aprendizes e oficiais e das prescrições com que entravavam o trabalho.

Desse modo, um dos aspectos desse movimento histórico que

transformou os produtores em assalariados é a libertação da servidão e da

coerção corporativa. Mas os que se emanciparam, só se tornaram vendedores de

si mesmo depois que lhes roubaram todos os meios de produção e os privaram

de todas as garantias que as velhas instituições feudais asseguravam à sua

existência. E a história da expropriação de que padeceram foi escrita a sangue e

fogo nos anais da humanidade. Os capitalistas industriais, na luta pela

hegemonia, tiveram de remover os mestres das corporações e os senhores

feudais que possuíam o domínio dos mananciais de riquezas. Sob esse aspecto,

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representa-se sua ascensão como uma luta vitoriosa contra o poder feudal e os

seus privilégios revoltantes, contra as corporações e os embaraços que elas

criavam ao “livre” desenvolvimento da produção e à livre exploração do

homem pelo homem.

Contudo, os cavaleiros da indústria só conseguiram expulsar os

cavaleiros da espada explorando acontecimentos para os quais em nada tinham

concorrido. Este processo, que cria o assalariado e o capitalista, tem suas raízes

na sujeição do trabalhador. O progresso constitui-se numa metamorfose desse

condicionamento, na transformação da exploração feudal em capitalista. A

Europa é o centro do capitalismo e como uma pedra que se atira na água, o

capitalismo se expande em ondas, alcançando os mais longínquos lugares.

Marx (1969) afirma que marcam época na história da acumulação

primitiva, todas as transformações que serviram de alavanca à classe capitalista

em formação. Sobretudo aqueles arrastos de grandes massas humanas

subitamente privadas de seus meios de trabalho como levas de proletários

destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do camponês, privado

de suas terras, constituiu-se na base de todo este processo. Em cada país há as

suas singularidades e particularidades, porém, todos estavam inseridos na

totalidade da acumulação primitiva do capital.

Reconsiderando as controvérsias contidas na historiografia acerca da

ação inaciana no campo econômico, missionário e educacional, são os

elementos teóricos que evidenciam o grau de consciência que estes jesuítas

expressavam acerca das condições sociais dos países em que atuaram e como

reagiram aos limites, postos por estas condições, visando realizar seus

objetivos. Os homens da Renascença sejam eles Jesuítas, Montaigne, Voltaire,

Vieira, Las Casas, Colombo, expressam a contradição deste contexto social-

histórico, em que o próprio pensamento europeu passava por profundas

transformações.

Porém, as idéias progressistas não eram hegemônicas nem se davam de

forma linear, mas sim, em ciclos, com avanços e recuos. Vale a pena ressaltar

que, neste contexto, há uma profunda radicalização das forças conservadoras

remanescentes do antigo modo de produção, que estava sendo corroído

lentamente em suas estruturas. Este antagonismo estava presente no interior das

instituições, cuja expressão latente era a luta de classes.

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Neste sentido, o antigo modo de produção feudal lutava com todas as

suas forças tentando impedir a sua derrocada. A nova classe em ascensão (a

burguesia), com a “descoberta” do novo mundo, ampliava o teatro desta luta

para além do horizonte europeu. Em cada região, este embate ganhava uma

configuração particular.

Portanto, a análise a ser desenvolvida no capítulo seguinte, sobre o

contexto social-histórico em que emergem as reduções jesuíticas na Província

do Paraguai, toma como referência as formas mais desenvolvidas para

interpretar este contexto histórico, levando em conta este fenômeno em sua

totalidade. Os exemplos retirados em caráter universalizante são matérias que

ajudam a fundamentar as análises relativas à tentativa de captação do

movimento da ação catequética e educativa e seus empreendimentos

econômicos em escala mundial.

A partir da visão do conjunto podemos demonstrar a particularidade

desta ação no Paraguai, objeto central deste trabalho. As análises a serem

desenvolvidas nos capítulos seguintes estarão inseridas na totalidade do modo

de produção capitalista. Essa exposição se faz necessária, pois as considerações

do objeto e dos objetivos centrais do trabalho poderiam levar à falsa impressão

de que pouco há a acrescentar a tudo o que foi escrito sobre a ação inaciana.

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CAPITULO II

O CONTEXTO SOCIAL-HISTÓRICO EM QUE EMERGEM AS

REDUÇÕES JESUÍTICAS DO PARAGUAI.

De acordo com Gadelha (1980), a Governação e Província do Paraguai

abrangia um território extenso que pertence atualmente ao Brasil, Uruguai,

Argentina e Bolívia. Como evidenciamos em Capítulos anteriores, o Tratado de

Tordesilhas fixava, para a Coroa Portuguesa, as terras situadas a apenas 370

léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde, mas devido à força portuguesa no

mar, esta linha imaginária deslocou-se para 270 léguas para o oeste e uma parte

que é atualmente o Brasil deslizou para a metade portuguesa.

Pelo Tratado de Tordesilhas as duas Coroas comprometeram-se que

não enviariam armadas para fazer novos “descobrimentos”, comércio ou

conquista, em respeito ao Tratado. Assim, a área de jurisdição (formal) da

Província do Paraguai no período delimitado (1540 – 1759) abrangia limites

territoriais mais extensos que os atuais.

Gadelha (1980, p. 46) esclarece:

O Paraguai limita-se ao norte, com a capitania de São Vicente, pois a linha imaginária a separar os territórios de Espanha dos de Portugal, passava sobre Iguape, no atual Estado de São Paulo; ao Sul com o Rio da Plata; a leste com o Oceano atlântico e a oeste a Província de Tucuman, atualmente pertencente a Argentina. Um pouco mais acima ficava Santa Cruz de La Sierra, cidade fundada por Nuflo de Chaves em 1560 e elevada à Província desmembrada do Paraguai pelo então Vice-Rei do Peru, Marquês de Coñete.

Gadelha esclarece ainda que neste contexto histórico, o Paraguai

possuía jurisdição sobre os atuais Estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina,

Rio Grande do Sul, Sul de Mato Grosso (atualmente Mato Grosso do Sul) e

parte do Pantanal Mato-grossense, subindo a bacia do Amazonas. Vale a pena

ressaltar que a região amazônica nunca foi colonizada pelos espanhóis.

Pierre Chaunu (1969, p. 33) afirma que seria necessário evocar

também as variações da fronteira paraguaia, cujo território oscilou entre 500,

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000 e 250, 000 Km2 em torno de um sólido núcleo de povoamento guarani,

“coração batalhador desse herdeiro bárbaro das grandes reduções jesuíticas do

século XVIII”, na visão deste historiador. Neste contexto histórico, a região do

Rio da Plata ficou um pouco esquecida, uma espécie de criança perdida e muita

tarde encontrada pelos colonizadores espanhóis, pois os olhos destes estavam

voltados para outras possessões mais lucrativas onde brotavam o ouro e a prata

em borbotões.

De acordo com Chaunu, Buenos Aires fora fundada pela primeira vez

em 1536, e posteriormente abandonada pelos seus habitantes em 1541, os quais

viviam sobre pressão dos diversos grupos indígenas nativos da região. A

fundação de Santa Cruz de La Sierra (1561), de Santa Fé (1573) e a refundação

de Buenos Aires (1580) e de Corrientes (1588) marcam o traçado de uma linha

de comunicação em direção aos Andes (Potosi) e ao Peru (Cuzco) onde estavam

as grandes minas de prata e ouro da América andina. Neste sentido Buenos

Aires seria o ponto de partida e o ponto de chegada dos colonizadores

espanhóis.

A colonização da América pelos espanhóis consolidou-se com o

investimento do capital privado de empresários e banqueiros e, também, com o

concurso de aventureiros que ansiavam por grandes lucros. O Moderno Estado

Espanhol emerge neste contexto histórico constituindo-se em representante

desses interesses, no sentido explicitado por Alves (2001, p. 191): “Reconheça-

se que, na fase competitiva da sociedade capitalista, o que se tinha era o Estado

da burguesia. Cujo reconhecimento concreto se efetivou na implementação de

uma superestrutura política e jurídica institucionalizada para gerir este

empreendimento”.

É relevante considerar que o contrato de Capitulação foi o documento

que institucionalizou a conquista e assentou as bases jurídicas que vinculavam o

Estado Espanhol à legitimação da pilhagem.

Era um contrato relativo, pois não impedia que o Estado Espanhol, na

figura de seu Rei, tivesse a competência de rescindi-lo, se este não estivesse de

acordo com os interesses do Estado, principalmente se este empreendimento

não estivesse produzindo lucros satisfatórios. Vale a pena ressaltar que em

muitos empreendimentos (os mais lucrativos), o Estado Espanhol era sócio

majoritário na rapina. Evidentemente, quando os investidores privados não

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conseguiam uma alta rentabilidade, o Estado retomava os direitos de

exploração, pois acumular era preciso.

Em sua gênese a Província do Paraguai é uma propriedade privada do

Moderno Estado Espanhol, uma grande propriedade “improdutiva”. Logo, este

Estado instituiu uma série de medidas, que denominavam de leis, na direção de

ordenar a sua exploração.

Feita essa exposição, deve ser reafirmado que desde a sua gênese a

província do Paraguai não possuía nenhuma autonomia jurídica institucional,

estando sob o controle da metrópole (Espanha), sob o domínio estrutural e

superestrutural e, principalmente, sob a égide jurídica e institucional que

emanava da conquista.

A região do Rio da Plata, no primeiro momento ficou um pouco

esquecida pela metrópole, pois o principal interesse desta era o ouro e a prata

que eram extraídos, respectivamente, no Peru e na Bolívia, sendo que a

ocupação da região do Rio da Plata era fundamental para a Espanha, no sentido

geopolítico estratégico, para evitar o avanço dos portugueses vindos do Brasil.

Gadelha (1980) esclarece que os termos das Capitulações variavam em

seus pormenores mas, no geral, nelas os chefes de expedições se obrigavam a

não tocar nas costas de domínio português e nas terras descobertas por

Colombo, em respeito à Capitulação de Santa Fé, de 17 de Abril de 149210.

Foram estas mesmas Capitulações concedidas a Hernan Cortez, que em 1517,

destruiu e conquistou o Império Asteca, numa ação de rapina que poucas vezes

a humanidade presenciou.

As capitulações, portanto, também deram o ordenamento jurídico

“legal” que concedeu o “direito” de Francisco Pizarro apoderar-se e destruir o

Império Incaico.

Neste sentido, Marx (1952) entende que este poder estatal centralizado,

com os seus órgãos onipotentes – órgãos que estabeleceram que a metade do

mundo pertencesse à Espanha – com base em um exército permanente, a

polícia, a burocracia, o clero e a magistratura, órgãos que foram criados a partir

de um plano de divisão sistemática e hierárquica do trabalho, este proceder teve

a sua gênese nos tempos da monarquia absoluta, e serviu à neófita burguesia

______________ 10 Esta capitulação foi a que forneceu a base jurídica para a exploração da América antes desta ser “descoberta” , estabelecendo muitos privilégios ao Almirante Cristóvão Colombo.

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como arma poderosa em sua luta contra o feudalismo e na conquista do “novo

mundo”.

Portanto, as Capitulações devem ser entendidas e analisadas como um

mecanismo legal que se baseou na vontade de uma classe dominante, de qual o

Estado Espanhol era representante, como assevera Marx (Apud Ianni, 1984, p.

32): “Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, além disso, na vontade

separada de sua base real, na vontade livre. E, da mesma maneira, por sua vez,

se reduz o direito à lei”.

Prosseguindo, afirma-se que a conquista colonial se desenvolveu a

partir do uso da força, tendo a sua tarefa facilitada pelo alto desenvolvimento

tecnológico do europeu em relação aos grupos nativos. O outro aspecto

facilitador da dominação foi a divergência entre os grupos étnicos que

habitavam a América, facilitando aos espanhóis a tarefa de criarem alianças

com determinados grupos, usando a estatégia de “dividir para reinar”.

As cisões das diversas etnias nativas estavam historicamente

condicionadas pelo domínio dos grandes impérios: Inca, Maia e Asteca, que

exerceram a dominação de outros grupos étnicos por centenas de anos, antes de

Colombo. Esta dominação se dava fundamentalmente através de um sistema

coletivo de produção e de prestação de serviço, denominado de Mita. Este

sistema foi incorporado pelos conquistadores espanhóis.

As Capitulações, que eram o instrumento jurídico que garantia o

“direito” do espanhol de se apoderar das riquezas do novo mundo e a Mita, re-

instituída com características espanholas, fundamentavam a exploração da força

de trabalho e do pagamento de impostos por parte da população nativa.

É ilustrativa a questão do “direito” explícito nas Capitulações e na

Mita. Como também é elucidativo o “direito” que autorizava a pilhagem do

Império Inca e do Império Asteca. A pergunta que se faz é: quem concedeu o

direito sobre esse “direito”? Neste sentido é pertinente à análise como se

instituiu toda a base jurídica da pilhagem colonial.

De acordo com Marx (1978), o Estado não paira sobre a “sociedade

civil” e muito menos exprime a “vontade geral”. Nesta acepção, quando o

Moderno Estado Espanhol se reuniu em Tordesilhas com o Moderno Estado

Português, sobre as bênçãos do papa, e dividiram o mundo por uma linha

imaginária norte-sul, de pólo a pólo, passando a 100 léguas a oeste e ao Sul dos

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Açores e Cabo Verde, decidindo que para além dessa linha, todas as ilhas e

terras “não possuídas” anteriormente por um Príncipe Cristão, descobertas ou

a descobrir, pertenceriam a Coroa de Castela, com certeza não expressavam a

vontade geral de toda a humanidade.

Eis aqui o codicilo do testamento de Adão, segundo as próprias

palavras de Francisco I. Evidentemente eles não representavam a “sociedade

civil”. Estes dois Estados estavam inseridos em um jogo de relações entre

grupos, pessoas e classes sociais. Logo, a Bula Inter Coetera, assim como o

Tratado de Tordesilhas, as ordenanças, as capitulações, o padroado, a mita, a

encomienda, a escravidão, as capitanias hereditárias, não foram estabelecidas

pela vontade geral, muito menos pela vontade divina, como querem fazer

acreditar.

Sob essa perspectiva, o direito a ter direito passa pela compreensão

dialética do Estado Moderno que emerge neste contexto histórico.

Não há como escamotear o fato que o Estado Espanhol e o Estado

Português, assim como a sociedade espanhola e a sociedade portuguesa não

eram politicamente distintas. O Estado Moderno é a expressão dessa sociedade,

porém não é expressão harmônica e abstrata. Pelo contrário o Estado Espanhol

e o Estado Português já se constituíam como um produto das contradições

políticas. A causa do direito a ter direito se evidencia pelas dimensões políticas

dessas relações.

É necessário retomar, de início, uma idéia já exposta por Marx (Apud

Ianni, 1984, p. 31) afirmando que o “Estado se funda na contradição, entre o

público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular”. A questão deve

ser mais bem colocada.

Para se realizar, o Estado não pode aparecer para a humanidade dessa

forma, simplesmente como fruto ou como produto de antagonismo ou como um

poço de contradições. Isso seria muito evidente e provocaria guerras

intermináveis. Por conseguinte, para se realizar, de acordo com Marx (Apud

Ianni, 1984, p. 32), “[...] neste processo de sua realização o Estado já se

constitui fetichizado”.

Não há como deixar de reconhecer que na consciência das pessoas e,

conseqüentemente, na práxis cotidiana, o Estado tende a aparecer sob uma

forma abstrata, como um ato da vontade coletiva, ou como forma externa da

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sociedade civil, ou metafisicamente pela vontade de Deus, ou idealisticamente

pela vontade do absoluto.

Esta longa digressão se fez necessária para estabelecer claramente a

premissa teórica que sustenta a discussão que está sendo travada acerca do

direito a ter direito dos espanhóis sobre a América espanhola e sobre que bases

se fundamentam as suas leis.

Retomando a questão mais diretamente referida sobre a “descoberta” e

a exploração das regiões meridionais da América do Sul e do Rio da Plata,

estas, portanto, estavam inter-relacionadas e interdependentes no processo

globalizante das grandes navegações e inseridas na lógica da acumulação

primitiva do capital.

Gadelha (1980) informa que o Estado Espanhol fomentou por diversas

vezes expedições marítimas para as Índias Orientais. Juan Dias de Solis é tido

como o primeiro navegador espanhol que tentou encontrar a confluência

interoceânica chegando à região do Rio da Plata em 1516. Solis não efetivou o

seu projeto, pois teria sido morto pelos índios da região, porém deixou sua

marca na região e este rio passou a ser denominado de rio de Solis. Depois dele,

Aleixo Garcia (1524), Fernando de Magalhães (1520), Jofre de Loyeza (1526),

Sebastião Caboto (1527) e Diogo Garcia (1527) foram alguns dos navegadores

que estiveram nesta região, porém não encontraram as riquezas ambicionadas.

Porém, estas expedições só foram importantes para demonstrar a

presença espanhola na província e, conseqüentemente, com o retorno destes a

Espanha alimentar o imaginário da existência de metais preciosos,

principalmente da prata, e ao mesmo tempo detectar a presença de exploradores

portugueses.

Foi em 21 de maio de 1534 que o Rei Carlos I firmou uma capitulação

com D. Pedro de Mendonza no intuito de conquistar e povoar a província em

que se encontrava o Rio de Solis, e que muitos chamavam de Rio de la Plata.

Gadelha (1980, p. 70-71) esclarece:

A expedição de D. Pedro de Mendonza foi das mais importantes que partiram da Espanha rumo a América. Nela estavam bem representados os interesses mercantis de diversos banqueiros e mercadores, especialmente dos alemães Sebastião Neithart e Jacó Welser. D. Pedro de Mendonza, que devia conduzir e custear ás suas expensas 1.000 homens na primeira viagem que realizasse ao

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Rio da Prata, levando mantimentos para um ano, contou com o apoio desses banqueiros e de outros estabelecidos em Sevilha. Também não lhe faltaram homens desejosos de se aventurar nesta expedição, pertencentes ás mais nobres casas de Espanha11.

De fato não há como tergiversar o reconhecimento de que o

empreendimento colonizador foi financiado pela iniciativa privada, tendo a

frente mercadores e banqueiros europeus.

O que se constata, portanto, é que este empreendimento foi

extremamente organizado, com capital sendo investido na construção de navios,

na compra de mantimentos etc, e cuja participação do Estado não pode ser

negligenciada, porque este emerge simultaneamente na produção material da

sociedade (estrutura) e cria toda uma superestrutura jurídica (expressa nas

capitulações) e políticas (quem recebia as capitulações) contribuindo para

firmar o ideal de homem compatível com os interesses materiais.

O entrelaçamento dos dois aspectos abordados, associado ao

financiamento privado, comprovados por Gadelha, compatibilizaram a

expressão singular do fenômeno universal, desvelando que este

empreendimento tinha a marca indelével do capital. O que se constata, portanto,

é que não procede o argumento de que as relações sociais que posteriormente

foram estabelecidas na colônia eram relações feudais.

Marx (1968, p. 883) afirma que “o prelúdio da revolução que criou a

base do modo de produção capitalista ocorreu no ultimo terço do século XV e

nas primeiras décadas do século XVI”, tendo como ponto de partida a

dissolução das vassalagens feudais – muitos destes migraram para o “novo

mundo” - e os que permaneceram na Europa foram lançados ao mercado de

trabalho, tornando-se uma massa de proletários e de indivíduos sem “direitos”,

que por toda parte enchiam inutilmente os solares.

Uma boa parcela destes homens desenraizados da terra enchia os

navios que partiam rumo às colônias americanas (inglesas, espanholas,

portuguesas, francesas, holandesas). Os lucros que esta aventura prometia com

a possibilidade de acumular riquezas era um grande estímulo. Na Espanha, e de

resto em quase toda a Europa, podia se oferecer muito pouco a esta leva de

______________ 11 Ver mais sobre este assunto: Azara, Felix de – “Descripción de Paraguai y...”, in op. cit, p. 442-3, fornece com detalhes a lista dos nobres que vieram nesta expedição de D. Pedro Mendonza.

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homens expulsos do campo, com suas terras esgotadas e divididas, com os

centros urbanos super-povoados, e com a riqueza concentrada nas mãos de

poucos. Estes homens encontraram na aventura americana a oportunidade de

fugir desta condição miserável. Os que concentravam a riqueza européia

precisavam de braços para empunhar as armas que garantiria mais uma fonte de

renda, pois eram os mesmos que financiavam a pilhagem colonial.

A luta para a conquista e ocupação do cone-sul da América Latina foi

árdua, pois os povos que habitavam a região resistiram bravamente à chegada

dos invasores. As diversas etnias que habitavam estas vastas e inóspitas

cercanias, cada qual a sua maneira, foram refratários ao colonizador europeu.

Charruas, Guarani, Mbya, Guaicurus, Paiáguas, adotaram estratégias diferentes

em relação aos conquistadores. No entanto, devido ao poder bélico e estratégico

do inimigo (europeu), foram acumulando derrotas.

Algumas etnias indígenas por aspectos culturais e estratégicos,

firmaram aliança com os espanhóis. Gadelha (1980, p. 74) esclarece:

Na sua viagem de busca ao Peru, Ayolas entraria em contato com a tribo dos cário. Pertenciam estes à avançada nação dos guaranis. Agricultores e sendetários achavam-se no estágio neolítico à chegada dos conquistadores. Firmaram com os espanhóis uma aliança defensiva-ofensiva e de parentesco, o que permitiu e facilitou a permanência definitiva destes últimos no território. Embora se defendessem inicialmente dos intrusos, foram os cário vencidos pela superioridade das armas e da técnica espanhola.

Evidentemente, Gadelha parte de uma teoria evolucionista, quando

classifica os guaranis no estágio neolítico, por serem agricultores e sedentários,

partindo de uma visão de uma história linear com fases de desenvolvimento.

Também parte de um critério de desenvolvimento técnico para estabelecer esta

classificação, porém, isto não invalida as suas informações de que os Cário

fizeram aliança defensivo-ofensiva com os espanhóis.

Um dos objetivos centrais dos espanhóis era chegar ao Peru, por dentro

do continente, pois tinham informações precisas da existência de grandes

reservas de ouro e posteriormente com a descoberta da Prata em Potosi

(Bolívia). Porém Pizarro chegou primeiro ao Peru, entrando pela América

Central, inviabilizando o sonho dos espanhóis que buscavam chegar ao Peru

partindo do cone-sul da América Latina. Com a morte de Mendonza, dono das

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capitulações para a exploração da região do Rio da Plata, este deixou como seu

sucessor Juan de Ayolas.

Ayolas fez um acordo de paz com os Cário, em seguida os espanhóis

derrotaram os caciques Lambaré e Naduá e estes fatos que abriram as veredas

para a fundação de Assunção.

Assunção foi fundada por João Salazar em 15 de Agosto de 1537, e se

tornaria o centro de onde se irradiaria toda penetração espanhola. Com a morte

de Juan Ayolas, elegeu-se Irala como chefe dos espanhóis da região. Como

Buenos Aires estava constantemente sendo atacado pelos indígenas, Irala reuniu

todas as pessoas de Buenos Aires, transferindo-as para Assunção (1541).

Gadelha (1980) informa que em 1542 foi nomeado pelo Rei um novo

“Adelantado”: Alvar Nunez Cabeza de Vaca. Esta nomeação provocou uma

crise com os espanhóis de Assunção, quando da chegada de Cabeza de Vaca

este foi preso e enviado a Espanha (1545). Os colonos da região preferiam

Domingos Martinez de Irala que devido a sua facilidade de articulação junto

aos índios, principalmente os Cário, conquistara confiança junto aos espanhóis,

agora concentrados em Assunção. Vários outros Adiantados foras designados

pela Coroa espanhola, mas não chegaram a tomar posse da governação. E Irala

acabou conquistando definitivamente o governo do território.

Domingos Martin Irala instalou definitivamente os espanhóis no

Paraguai, organizou politicamente seu governo e expandiu as ações

colonizadoras, fundando novas vilas e estabelecimentos.

Gadelha (1380, p. 75) esclarece:

As tribos indígenas são pacificadas ou dominadas e, auxiliados pelos cário agora inteiramente subjugados, os espanhóis poderão se dedicar inteiramente á colonização do território. Não desaparece, porém o sonho de enriquecimento rápido, e a procura do ouro ou prata ainda nortearão por muito tempo as idéias do colono. Porém, na Espanha, os comerciantes não querem empregar seu capital em áreas que não oferecem esperança de lucro. O Paraguai sobreviveria como zona pobre, carente de produtos valorizáveis. E isto se deveu principalmente graça à aliança cário-espanhola, formadora de uma sociedade plástica e à fixação do elemento branco nestas regiões.

Colocada tal discussão no leito econômico, e conferido um outro realce

a este contexto histórico do Paraguai Colonial, o principal objetivo dos

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financiadores do empreendimento era auferir lucros. Porém nesta região não

fora descoberto nem ouro, nem prata, logo não houve investimentos

substanciais, pois os riscos deste financiamento eram calculados pelo

investidor. Neste sentido Alves (1993, p. 62) esclarece: “Um mercador, por

exemplo, enfrentava no cotidiano o risco de prejuízos. Para reproduzir-se,

enquanto mercador deveria entregar-se a cálculos de custos, cuidados com a

produção das mercadorias e com a organização das caravanas”. Portanto o

investidor manipulava informações práticas e neste sentido não vislumbrava

rentabilidade em um investimento na região.

Realizar a articulação entre o universal e o singular representa,

sobretudo, a compreensão de dois movimentos que foram efetivados.

O primeiro movimento foi o recuo dos investidores burgueses, pois o

empreendimento não apresentava perspectiva de florescimento, portanto, o

conceito que esta região permaneceu pobre, surge a partir da lógica universal

neófita burguesa. Pois se a região estivesse produzindo ouro e prata, dentro de

um conceito universalizante, seria considerada rica. Portanto o conceito riqueza

e pobreza ratificam a lógica universalizante do sistema capitalista que vê em

todas as ocasiões a oportunidade de auferir lucros.

A região foi considerada pobre, pois se encontrava na periferia da

lógica do sistema mercantil colonial, porém regiões como Cuzco (Peru) e Potosi

(Bolívia) eram consideradas ricas. Ricas para quem? Evidentemente, não para

os milhares de trabalhadores indígenas escravos, que no regime da Mita,

instituídas pelos espanhóis, morriam aos milhares nas minas.

Chaunu (1969, p. 98) esclarece:

As condições de vida de Potosi são atrozes. O enorme pão-de-açúcar emerge de um planalto situado a 3.000 m, o cume atinge 4.890 m; as galerias desembocam a maior parte das vezes a 4300 m a 4500 m. À falta de oxigênio (tanto mais penoso quanto o esforço exigido para o transporte do minério às costas dos homens é ainda mais duro) soma-se o frio, as diferenças de temperatura, a falta de alimentos. Esses planaltos são frios demais para assegurar às culturas de subsistência um rendimento capaz de enfrentar uma tal concentração humana.

Portanto, riqueza e pobreza são apresentadas e conceituadas a partir da

lógica do colonizador e a presença deste nesta região não tinha o caráter

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“civilizador”, mas sim, o de auferir riquezas. Pois na lógica universalizante do

sistema, a mercadoria precisava se realizar. Como na região do cone-sul da

América Latina esta premissa universalizante era tímida, a região não se

“desenvolvia”.

O segundo movimento foi efetivado pelos espanhóis que já estavam

estabelecidos na região do Rio da Plata. Não encontrando ouro, nem prata, eis o

caráter singular em articulação com o universal, a solução encontrada foi a de

se fixarem no território, a partir das condições objetivas dadas.

Devido ao domínio tecnológico, materializados em seus canhões,

armas de fogo, espadas, facas, cavalos, barcos, machados, bússolas e diversos

outros utensílios, que expressam bem o caráter universal do desenvolvimento

técnico, empreenderam a conquista. A sua grande vantagem de materialidade

técnica obtida sobre os silvícolas que resistiam com flechas, lanças e bordunas ,

fez com que apesar da diferença numérica a seu favor, não fossem páreo para os

espanhóis, que os derrotaram e subjugaram.

O entrelaçamento dos dois aspectos abordados – a falta de

investimentos externos e a disposição dos espanhóis já fixados na região de

buscar a conquista do território e apoderar-se da única riqueza, expressa na

força de trabalho indígena – determinou o processo de desenvolvimento

econômico do Paraguai.

Outro aspecto importante foi à capacidade dos espanhóis em fazer

alianças estratégicas com os nativos. Essas alianças eram facilitadas por alguns

traços culturais, que levavam os grupamentos indígenas a uma maior

aproximação com o colono e eram expressas no “cuñadazo”, que consistia no

casamento do espanhol com as índias nativas, tornando-se parte da família da

esposa e, portanto, um parente aliado.

Esses casamentos mestiços formularam a síntese das duas culturas,

evidentemente sob a égide do domínio espanhol, que vai permear a formação

social do Paraguai moderno. A partir dessas considerações, torna-se evidente a

necessidade de redirecionar a discussão de alguns antropólogos e sociólogos de

diversos matizes teóricos – culturalistas, estruturalistas, funcionalistas, pós-

modernos - que apontam o contato entre estas culturas distintas como amistoso.

No cuñadazo, os guaranis mantinham como um de seus traços culturais mais

marcantes, o casamento exogâmico, possibilitando a aliança política com outros

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grupos. Mas não se pode afirmar que somente este aspecto levou ao processo de

colonização “harmoniosa” entre estes dois grupos. Que houve este contato é

evidente. Que houve o processo de miscigenação também é evidente. Porém

este contato não foi pacífico, mas sim na base da força, expressa no poder das

armas dos invasores e no domínio da tática e da estratégia da guerra, de homens

que historicamente acumularam ampla experiência na arte da guerra, forjada

nas grandes batalhas empreendidas contra os mouros, portugueses, franceses,

anglo-saxões, com centenas de gerações consumidas em guerras intermináveis

como as cruzadas.

Este caráter do desenvolvimento tecnológico universalizante se

deparou, na singularidade paraguaia, com um grupo de homens sem este

desenvolvimento técnico. Foi a “incorporação pacífica” do canhão com a

borduna. Neste sentido, as análises efetivadas por antropólogos e sociólogos

não fazem a articulação entre o universal e o singular, dando ênfase apenas ao

aspecto “cultural”. Não se pode desqualificar as análises, porém é necessário

redimensionar o peso estabelecido pela aliança expressa no “cuñadazo”,

transformando-a em uma das determinações que possibilitaram o domínio

espanhol sobre o território guarani, mas não a única ou , talvez, nem mesmo a

mais importante.

A articulação do caráter singular com o universal possibilita a

compreensão que a materialidade estrutural espanhola criou as condições para a

aliança. “União” esta sob a égide espanhola, sob o traço dominante da sua

cultura, sob o peso da religião cristã, sob o império de suas leis e

principalmente sob o domínio da produção econômica. Foi a “união” do

encomendero com o encomendado, sob a égide da espada. Alves (1993, p. 62)

traz a seguinte colaboração:

O domínio dos negócios burgueses associa-se, diretamente, ao próprio domínio do mundo material. Por isso, quando começa a se desenvolver a ciência baseada na observação e na experimentação, é o burguês o seu maior beneficiário. Os recursos que ela coloca em suas mãos viabilizam o maior controle de seus negócios. Os instrumentos, que passam a mediar as relações do homem com a natureza e com os outros homens, dinamizam os empreendimentos burgueses. As armas de fogo tornam as caravanas mais seguras. O telescópio desenvolve a astronomia. A descoberta de novos astros e estrelas faz o homem se aventurar por mares desconhecidos. São registrados novos acidentes geográficos. São feitos mapas de

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regiões até então ignoradas. Novos povos são contactados e seus costumes estudados para favorecer o intercâmbio comercial.

Em síntese, além dos aspectos culturais da aliança expressa no

“cuñadazo”, outros fatores foram determinantes para a instalação e fixação dos

espanhóis no Paraguai. Para fundamentar mais claramente esse juízo,

considere-se que o alto desenvolvimento tecnológico dos espanhóis em relação

aos indígenas, aliada a experiência militar de várias gerações, criou as

condições materiais objetivas para submeter vários grupos étnicos nativos.

Esses últimos por questões históricas e culturais não haviam desenvolvido

técnicas, principalmente bélicas, tão diversas quanto as dos europeus, e este os

submeteu e escravizou.

Um fator importante a ser considerado na capacidade de resistência

dos povos nativos são as doenças trazidas pelos invasores. Os indígenas, sem os

anticorpos para combater as diversas moléstias européias, foram incapazes de

se opor a esta invasão silenciosa, mais dizimadora do que qualquer outra

técnica bélica, sendo quase que completamente exterminados.

Gadelha (1980) informa que foi Martin Irala quem desenvolveu um

plano de expansão territorial que visava, por um lado premiar os soldados

espanhóis com índios de serviços e, por outro a expandir territorialmente a

Província do Paraguai, uma vez que as tentativas de atingir o Peru haviam sido

frustradas, e a entrada de espanhóis vindos do Rio da Plata fora proibida pelo

Vice-Rei.

Em 1553, Irala iniciou a sua política expansionista, buscando evitar a

descida dos espanhóis do Peru, e conter um possível avanço dos portugueses de

São Vicente sobre o território do Guairá (Paraná). Neste território era farta a

mercadoria mais ambicionada na região do prata: a força de trabalho indígena.

Melia (1991) estima que na época da invasão européia a população guarani era

aproximadamente 2.000.000 de indivíduos. Esta era também a mercadoria

ambicionada pelos paulistas: força de trabalho para as plantações de cana-de-

açúcar no litoral brasileiro. Marx (1970, p. 40) esclarece: “Todo

empreendimento de produção de mercadorias se torna ao mesmo tempo

empreendimento da exploração da força de trabalho”. A mesma mercadoria que

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os espanhóis queriam monopolizar: força de trabalho, a energia humana que

produz o valor.

Gadelha (1980, p. 76) elucida a expansão territorial praticada por

Martin Irala:

A povoação serviria, ao mesmo tempo, de apoio para posterior fundação de outras vilas na região, com finalidade de atingir Santa Catarina, estabelecendo porto no litoral. Visava, assim, conseguir mais rápida comunicação com a Espanha. Com este fim enviou, em 1554, o capitão Garcia Rodrigues de Vergara, com ordens de fundar a Vila de Ontiveiros, sobre o Rio Paraná, o que se efetuou sobre as terras do cacique Canendiyú. Em 1557 foi a vez da fundação de Ciudad Real, na confluência do Rio Paraná com Piqueri, povoação formada com habitantes de Assunção e Ontiveiros. Assim estabelecia-se o espanhol na posse do Guairá.

O outro projeto de ocupação espanhola foi na Província do Itatim

(atualmente Estado de Mato Grosso do Sul e parte do pantanal mato-grossense),

pois esta província representava a porta de entrada para o Peru, cuja principal

estrada era o Rio Paraguai, que corta estes confins próximos à Bolívia na base

das Cordilheiras dos Andes. A partir da análise da singularidade paraguaia,

ratificamos que os espanhóis buscavam proteger a principal riqueza desta região

que era a força de trabalho indígena, pois a outra riqueza, a terra, só daria frutos

se esta força agisse sobre ela.

Marx (1968, p. 871) afirma: “O tratamento que se dava aos nativos era

naturalmente mais terrível nas plantações destinadas apenas ao comércio de

exportação, como as das Índias Ocidentais, e nos países ricos densamente

povoados, entregues à matança e a pilhagem [...]”.

Lugon (1977, p. 22) demonstra este fato no Paraguai destacando que

Martin Irala levou seus objetivos a bom termo, apesar de muitas revoltas dos

nativos:

Nos arredores de Buenos Aires, os mais bravos guerreiros de uma tribo, retirados numa pequena fortaleza, mataram por suas próprias mãos as esposas e filhos, precipitando-se depois do alto dos rochedos para não caírem em poder dos espanhóis. Em 1557, um só dos tenentes de Irala subjugou 40.000 guaranis; no ano seguinte, Chavez submeteu um número ainda maior.

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Logo, enganam-se aqueles que imaginam, a partir de uma análise

culturalista que o processo de colonização e consequentemente o processo de

miscigenação fora pacífico - pela aliança de parentesco. Neste sentido a tese do

cuñadazo perde um pouco a sua força, pois os cunhados espanhóis

demonstraram ser extremamente ferozes e conseguiram escravizar 40.000

(quarenta mil) “parentes” pela força em somente um ano.

Lugon (1977) esclarece que a escravidão para o indígena era a morte

em curto prazo pelos maus tratos, destacando que em duzentos e cinqüenta

anos, ou seja, até 1797, a população indígena do Paraguai desceu de um milhão

para oito mil e duzentos indivíduos, colocando fora desta contagem os guaranis

das reduções jesuíticas.

Informa ainda que os invasores também sofreram grandes perdas,

mesmo com o seu poderio militar em relação aos indígenas. De acordo com um

censo do próprio Irala, desembarcaram em Buenos Aires cerca de 30.000

conquistadores e, em 1538, destes não restavam mais de 600 (seiscentos)

homens. Porém, outras levas de homens chegavam constantemente na região.

Outro aspecto populacional a ser considerado foi o aumento do número

de mestiços. Lugon afirma que no decorrer da batalha de fundação de Assunção

e posteriormente, cada combatente recebera duas donzelas, ao passo que Juan

de Ayolas apropriou-se de seis.

Sobre o papel do sistema colonial, Marx (1968, p. 872) esclarece:

Então o sistema colonial desempenhava o papel preponderante. ‘Era o deus estrangeiro’ que subiu ao altar onde se encontravam os velhos ídolos da Europa e, um belo dia, com um empurrão, joga a todos eles por terra. Proclamou a produção da mais valia último e único objetivo da humanidade.

Gadelha (1980) informa que em 1555 chegou ao Paraguai o primeiro

Bispo do Prata, Frei Pedro de Latorre, nomeado pelo papa. Neste mesmo

período Martin Irala recebia a carta régia nomeando–o Governador da Província

do Paraguai, em recompensa pelos “serviços prestados”.

O centro político e administrativo se constitui com a fundação de

Assunção e a consolidação do domínio espanhol no Paraguai. Não pode passar

sem registro que na região do Paraguai, no período pré-colombiano viviam

neste espaço aproximadamente 2.000.0000 (dois milhões) de seres humanos da

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etnia guarani, que produziam e reproduziam a sua existência através da caça e

da pesca, mas principalmente eram agricultores. Tinham suas crenças, os seus

mitos, faziam a guerra com outras etnias, em igualdade de condições

tecnológicas.

De um momento para outro, as suas terras foram invadidas por um

outro grupo de seres humanos, de uma etnia diferente da sua, com a sua

religião, seus mitos, com outra forma de produzir e reproduzir a sua existência,

e que fazem guerra com um instrumental tecnológico superior aos dos nativos.

Este segundo grupo era denominado de espanhóis ou castelhano – por pertencer

ao reino de Castela. Produzia e reproduzia a sua existência fundamentada na

produção de mercadorias com valor de uso e valor de troca, para serem

comercializados.

O centro desta produção é a propriedade privada dos meios de

produção, e uma mercadoria é especial neste modo de produçã: a força de

trabalho. Esta mercadoria é especial porque é a única que pode produzir mais

valor. Estes dois grupos se encontram em determinadas condições históricas, o

segundo grupo precisa da força de trabalho do primeiro no sentido de

produzirem excedentes e vendê-los no mercado mundial que estava se

expandindo.

Marx (1978, p. 129-130) corrobora:

[...] na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada do desenvolvimento das forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura da sociedade a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, política e espiritual. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas o contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência.

Na totalidade dessas relações de produção emergem as estruturas

sócio-econômicas do Paraguai colonial, sobre a qual se erigiu uma

superestrutura jurídica e política. A partir delas se fundamentou a

“encomienda”, termo jurídico que designava um conjunto de direitos e deveres

do tipo senhorial reconhecidos pelo Estado Espanhol aos conquistadores e a

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seus descendentes, sobre os grupos indígenas. A “encomienda” legalizava e

consequentemente disciplinava a exploração da força de trabalho dos indígenas.

Chaunu (1969, p. 99) esclarece:

Sem a exploração feroz dos índios e já dos negros, não haveria América possível antes do século XVIII, os fracassos das colonizações pacíficas promovidos por Las Casas estão aí para demonstrá-los. Para forçar os índios a entrar numa economia moderna, para coagi-las a criar riquezas susceptíveis de anexar a América á Europa, para desenvolver a produção disponível para uma capitalização em longo prazo, duas soluções somente são possíveis, de início, soluções que na prática se confundem: a escravatura tal como a Antiguidade legara à Europa moderna através da continuidade medieval da instituição, e essa solução intermédia, a chamada “encomienda”, a encomenda diríamos nós, de índios repartidos.

Os juristas e teólogos burgueses buscam destacar que a “encomienda”

fora um “avanço” em relação à escravidão da antiguidade e a dos negros

africanos na modernidade. Porém o “avanço” era somente a institucionalização

jurídica expressa na “encomienda”, que na escravidão da antiguidade e na

escravidão negra não aparecia de forma sistematizada. Assim com a

“encomienda” havia um ordenamento jurídico que dava amparo legal aos

“encomenderos” através de uma legislação especifica para reivindicar o seu

direito senhorial e hereditário para a exploração da força de trabalho indígena.

Gadelha (1980) esclarece que a conquista e povoamento da América

desde a sua gênese, foi regulamentada pelas leis e ordenanças do Estado

espanhol, representado na figura do Rei, evidentemente em síntese com os

interesses da classe dominante local.

O Estado espanhol mantinha o controle sobre a Província do Paraguai

através de seus funcionários, esta burocracia estatal se expressava através dos

oficiais e prelados. Conjuntamente com os colonos espanhóis, estavam clérigos,

religiosos, funcionários públicos, representantes do Estado e da Igreja. Como

tal, exerciam influencia política e religiosa e eram instrumentos também de

fiscalização e da instituição da “ordem” espanhola.

Na síntese da dominação foram instituídas algumas práticas originárias

da própria América que se revelam na Mita, tal como realizada pelo antigo

Império Inca, que consistia em um imposto estabelecido para a exploração da

coca, planta da família das Eritroxiláceas, no reverso amazônico dos Andes e

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para a manutenção de estradas e pousadas. A aplicação da Mita foi incorporada

pelos conquistadores espanhóis para o serviço nas minas de prata (Potosi) e de

mercúrio (Huancavelica). E principalmente na extração da erva-mate (planta da

família das Aqüifoliáceas), com cujas folhas se preparam o chimarrão, o tereré e

um chá, muito apreciado pelos indígenas no Paraguai. A aplicação da Mita no

modelo espanhol provocou grandes abusos e enormes atrocidades sobre as

populações indígenas submetidas.

Com a institucionalização da “encomienda” e da “Mita”, a Província

do Paraguai se tornou um grande campo de caça ao índio. Objetivando seu

apresamento foram organizadas as “malocas”, a visão espanhola das bandeiras

paulistas, expedições armadas que se destinava a explorar os sertões,

principalmente cativar os gentios, constituíndo-se no meio mais eficaz de

apropriação da força de trabalho. A riqueza dos espanhóis era medida pela

quantidade de índios que conseguiam aprisionar, como demonstra Gadelha

(1980 p. 103): “o índio apresado ou escravizado era o bem pelo qual se medirão

as fortunas locais dos conquistadores”.

Gadelha reproduz as informações por meio dos relatos do Sacerdote

Jesuíta Diogo Gonçalves, que esteve nesta região em 1610, e distingue três

tipos de “malocas”.

O primeiro tipo era direcionado aos grupos indígenas que nunca

fizeram mal aos espanhóis. O segundo tipo de “maloca” era direcionado aos

índios fugitivos do regime de “encomienda” e da “mita”, que escapavam dos

maus tratos. O terceiro tipo era praticado sob o pretexto da guerra justa contra

aqueles que tivessem atacado os colonos. Enfim as “malocas” eram efetivadas

sobre todos os grupos indígenas do Paraguai. Acrescente-se, ainda, que os

soldados espanhóis tinham seus salários pagos com peças índias.

No quadro geral esboçado, a conclusão é a de que na produção social

de sua própria vida, os homens (espanhóis e indígenas) contraem relações

determinadas (“encomedero” e “encomendado”, “mita” e “mitayos”)

necessárias e independentes de sua vontade. Contraem relações de produção.

De acordo com Marx (1978), estas relações correspondem às fases

determinadas de desenvolvimento das forças produtivas – que se explicitam na

fase da acumulação primitiva. Foi a totalidades dessas relações de produção que

erigiu à estrutura da sociedade paraguaia, nesta base real se levantou toda uma

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superestrutura jurídica12 e política que institucionalizou as ordenanças, a

“encomienda”, a “mita”. As quais correspondem formas determinadas de

consciência!

Na consciência espanhola emerge a expressão da classe dominante,

conquistador, hierarquicamente superior, instituidor de discriminação racial, o

possuidor da ordem social e econômica. No indígena nasce a consciência de

subjugado, encomendado, mitayo. Nesta acepção, Ianni (1984) esclarece que,

no entanto, as modalidades da consciência social não se exprimem nem se

relacionam de modo harmônico. Tanto as pessoas como os grupos sociais

apreendem as suas relações sociais reais de maneira diversa e antagônica,

quando não de forma incompleta, parcial ou fetichizada.

Marx (1974) esclarece que essa produtividade natural do trabalho

agrícola (que abrange o simples trabalho de colher, caçar, pescar, criar gado) é a

base de todo o trabalho excedente; todo trabalho no início e na origem destina a

apropriar-se da alimentação e a produzi-la.

Porém o trabalho excedente não deve ser confundido com produto

excedente e renda fundiária, que se efetivava no Paraguai neste período. Pois na

origem, de acordo com Marx (1974, p. 726) “o trabalho agrícola e o industrial

não estão separados, um ligava-se ao outro”. O trabalho excedente e o produto

excedente da tribo, do clã ou da família de agricultores corresponde tanto ao

trabalho agrícola quanto ao industrial. Ambos marcham juntos. Caça, pesca,

agricultura são impossíveis sem os instrumentos adequados.

Marx (1974, p. 726) esclarece:

Esse trabalho puramente agrícola não procede da natureza, mas é um produto bem moderno, que não se encontra por toda parte, do desenvolvimento social, e corresponde a fase claramente determinada da produção. Parte do trabalho agrícola se materializa em produtos que constituem artigos de luxo ou serve de matéria prima para a indústria, mas não entra na alimentação, e muito

______________ 12 A conquista e a colonização do Paraguai, no decorrer do século XVI, anularam os direitos dos guaranis sobre as terras. Os reis católicos pautados na Bula Papal de 1493, declararam em 1519 o seguinte: “Por donación de La Santa Sede Apostólica y otros justos y legítimos títulos, somos senõres de Las Índias Occidentales, Isla y Tierra firme del mar océano, descubiertas e por decubrir y están incorporadas en nuestras Real Corona de Castilla”. A ocupação das terras do Paraguai exigiu a instituição de um aparato legal denominado Leyes de Índias. Como evidenciamos no fragmento acima citado, essa legislação buscava preservar os interesses do Estado Espanhol sobre a América. Ver mais: Compilación de las Leys de Índias. Ley I, Título I, Libro III. V edición, Madrid, 1841. In: Quevedo, Julio. Guerreios e Jesuitas na Utopia do Prata. Bauru: Edusc, 2000. P. 65-66.

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menos ainda na das massas; por outro lado, parte do trabalho industrial se materializava em produtos que constituem meios de consumo necessários aos trabalhadores agrícolas ou não. Sob o aspecto social, é erro considerar o trabalho industrial como trabalho excedente. É em parte tão necessária quanto a parte necessária do trabalho agrícola.

Na singularidade da América colonial se confirma que esse trabalho

puramente agrícola não procede da natureza. Esta acepção vai contra a posição

de alguns autores que apontam que a economia paraguaia era estritamente

natural, a produção estava inserida na lógica da modernidade, e corresponde á

fase determinada da acumulação primitiva do capital.

Parte deste trabalho agrícola produzia artigos de luxo, o açúcar é um

exemplo, e outros produtos se constituíam em matérias-primas, como o

algodão, produzido no sul dos Estados Unidos e o couro produzido no Paraguai

e no Rio da Prata , que alimentavam as indústrias de tecelagem e da produção

de botas, sapatos etc. Esses produtos não eram para a alimentação, e muito

menos das massas; o trabalho industrial produzia biscoitos, manteigas, vinhos,

aguardente, azeite, sardinhas, etc. e se materializava em produtos que se

constituem em alimentos aos trabalhadores, agrícolas ou não.

O esforço e captação das linhas gerais da discussão acerca da

utilização da força de trabalho indígena, do trabalho excedente e, por

conseguinte, do produto excedente geral com a renda fundiária, parte do

volume e qualidade do produto excedente, pelo menos na base do modo

capitalista de produção.

Em suma, na base do trabalho excedente, de acordo com Marx (1974,

p. 725), “a condição sem a qual ele não é possível é a circunstância de a

natureza fornecer – em produtos do solo, vegetais ou animais, da pesca, etc – os

meios de subsistência necessária com o emprego de um tempo de trabalho que

não absorva a jornada toda”. Efetivamente esta condição não se explicitava no

Paraguai Colonial em sua totalidade.

O Estado Espanhol era “proprietário” do Paraguai, dono dos produtos

do solo e do subsolo, dos indígenas e dos animais etc. Ele cedeu o direito de

propriedade para indivíduos espanhóis e estes formaram as suas fazendas, onde

plantavam algodão, criavam gado, produziam açúcar e aguardente.

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Com a força de trabalho indígena, utilizando arado para a sua

plantação, com cavalos importados da Europa para cuidar do gado também

trazido da Europa e investindo capital para insumos agrícolas etc, logo, estavam

criadas as condições sociais para a produção de excedentes, que seriam

comercializados tanto no mercado interno como no mercado externo. Em

síntese, inserida no mercado mundial, portanto não havia, sob forma

hegemônica, uma economia natural no Paraguai.

Marx (1968, p. 879) afirma que isto quando não é a transformação

direta de escravos e servos em assalariados, mera mudança de forma, “significa

apenas a expropriação dos produtos diretos, isto é, a dissolução da propriedade

privada baseada no trabalho pessoal”. Com o desenvolvimento da produção

capitalista durante o período manufatureiro, evidencia-se que as idéias

hegemônicas em um determinado momento histórico são as idéias da classe

dominante, que se desvela na hipocrisia da lei burguesa e dos seus intelectuais

que expressam um total despudor em relação à exploração da força de trabalho,

escrava ou assalariada.

Logo, a exploração do trabalhador ganha nomes diferentes nas diversas

partes do mundo – no Brasil e no sul dos Estados Unidos eram escravos, nas

Índias Orientais eram servos, no Paraguai eram índios encomendados e

mitayos, na Europa respondiam pela alcunha de trabalhadores assalariados.

O elemento teórico construído em torno desta questão é a compreensão

da totalidade, como afirma Marx (1978 p. 105): “[...] a produção também não é

apenas uma produção particular, mas é sempre, ao contrário, certo corpo social,

sujeito social, que exerce sua atividade numa totalidade maior ou menor de

ramos de produção”. A compreensão das relações sociais de produção do

Paraguai Colonial passa pelo entendimento da inter-relação e da

interdependência da inserção deste no mercado mundial.

Para efeito de exemplo, a produção de algodão no sul dos Estados

Unidos era efetivada pela força de trabalho escrava, o algodão produzido nestas

condições era posteriormente exportado para a Inglaterra. O algodão era

processado na Inglaterra em suas manufaturas – período infantil da indústria

moderna. De acordo com Marx (1968, p. 875) “estas fábricas eram movidas

pela força de trabalho de crianças raptadas”. As fábricas inglesas, como

também a Real Marinha Britânica, recrutavam os seus contingentes à força.

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Logo, o algodão produzido por escravos negros, fiados por crianças raptadas,

compradas por mercadores ingleses, vendidos por mercadores espanhóis e

portugueses, iria cobrir os corpos de escravos africanos no Brasil e o colono

espanhol do Paraguai.

Portanto, a moderna indústria inglesa tem em seu DNA o roubo e a

escravização de crianças inglesas, para transformar a exploração manufatureira

em exploração industrial e estabelecer assim a correta proporção entre capital e

força de trabalho. Marx (1968, p. 878) esclarece:

A indústria algodoeira têxtil, ao introduzir a escravidão infantil na Inglaterra impulsionava ao mesmo tempo a transformação da escravatura negra nos Estados Unidos que, antes, era mais ou menos patriarcal, numa exploração mercantil. De fato, a escravidão dissimulada dos assalariados na Europa precisava fundamentar-se na escravatura, sem rebuços do Novo Mundo.

Marx (1970) busca esclarecer que a criação do mercado mundial está

inter-relacionada e é interdependente, pois as mesmas circunstâncias que

produzem a cláusula fundante da produção capitalista, a existência de uma

classe assalariada – no contexto histórico, o trabalho assalariado era

hegemônico na Europa ocidental – exige a transição de toda produção de

mercadorias para a produção capitalista de mercadorias. Esta, à medida que se

desenvolve, decompõe e dissolve as velhas formas de produção voltadas para a

subsistência imediata, como ocorreu na região do Rio da Plata.

Marx (1970, p. 39) esclarece: “começa generalizando a produção de

mercadorias e em seguida transforma progressivamente em capitalista toda a

produção de mercadorias”. Em resumo, ao aprofundarmos a análise do modo de

produção capitalista, comprovamos que o Estado Moderno é, em última

instância, um órgão da classe dominante, na direção apontada por Marx que o

monopólio do aparelho estatal, diretamente ou por meio de grupos interpostos,

é a condição básica do exercício da dominação. O governo moderno espanhol

neste contexto social histórico (1549-1759) é a expressão do poder organizado

de uma classe para a opressão de outra.

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2.1. O PROCESSO DE PRODUÇÃO MATERIAL NA SINGULARIDADE

PARAGUAIA.

Historicamente, a origem da prestação obrigatória de serviços pelos

indígenas provém das capitulações de Colombo. Em um processo denominado

de “repartimientos”, as populações indígenas foram distribuídas aos colonos,

quando da primeira invasão espanhola.

Na singularidade paraguaia, a legislação espanhola que tratava

especificamente da questão indígena estabeleceu duas espécies de prestação de

serviços (nos termos semânticos da escravidão) tendo como base à

“encomienda”, que seria a “prestação de serviço pessoal”, e a “Mita”, que

estava relacionada à pagamento de tributos.

A base econômica que se instalou no Paraguai, a partir da invasão

européia, tinha em seu centro a exploração dos recursos naturais. Porém a

circulação destas mercadorias no mercado mundial era pouco expressiva, pois

estava afastada dos grandes mercados consumidores europeus e asiáticos. A

incipiente produção atendia precariamente o mercado local e regional. No

âmbito regional, o mercado mais significativo era o Vice-Reino do Peru, pois

nesta região havia um mercado florescente, com a produção de ouro e prata.

Potosi, na Bolívia, era um grande mercado para a circulação de mercadorias,

com uma intensa produção de prata. A principal mercadoria do Paraguai era a

força de trabalho indígena, e os “encomenderos” foram os primeiros que se

apropriaram desta. Aguirre (1948) esclarece que os primeiros “empadroados”

em uma extensão de 50 léguas ao nordeste e sudeste em volta de Assunção,

confirmaram a existência de aproximadamente 27.000 indígenas. E estes foram

divididos em 400 encomendas, doadas conforme o mérito de cada conquistador.

Uma tese comumente utilizada por alguns historiadores, dentre estes

Gadelha (1980, p. 106), destaca que “a ausência de mercados e produtos

comerciais, não permitiu a substituição da mão-de-obra indígena por outros

elementos ou recursos”. Como por exemplo, o escravo negro, pois estes

custavam muito caro e os assuncenhos não dispunham de capital.

A pergunta que se faz é por que os assuncenhos iriam gastar seus

recursos financeiros em escravos negros, se a 50 léguas de Assunção, como nos

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informou Aguirre, existiam 27.000 silvícolas? Pois, qual seria a diferença da

força de trabalho escrava negra e indígena?

Esta indagação é um dos mitos da historiografia que trata da questão

indígena, que os indígenas não serviam para o trabalho agrícola, que eram

indolentes, e que ao serem escravizados, morriam de tristeza. Este mito não se

comprova, pois no período pré-colombiano, por exemplo, a base da produção

da existência e da subsistência guarani era a agricultura. Como destaca Melia

(1991), eles não eram nômades que dependessem exclusivamente da caça, da

pesca, eram acima de tudo agricultores que sabiam explorar bem a terra, cujas

árvores derrubavam e queimavam e na qual plantavam. Este mito está

estreitamente relacionado no fato de que a força de trabalho indígena no

Paraguai, assim como também no norte do Brasil, fora concedido como

monopólio para a Companhia de Jesus.

Porém, em muitas circunstâncias, a Companhia de Jesus não conseguiu

resistir às investidas de outros setores do sistema colonial ávidos para explorar

essa mercadoria, como foi o caso dos “encomenderos” do Paraguai e dos

bandeirantes paulistas. Esse conjunto de considerações desmistifica o mito da

não exploração da força de trabalho indígena.

Prosseguindo, afirme-se que as diversas etnias indígenas resistiram

bravamente aos conquistadores, vendendo caro a sua liberdade, sendo que neste

processo centenas de grupos indígenas foram completamente exterminadas.

Para efeito de exemplo, podemos citar os índios Paiaguá.

Garay (1948) informa em ordenança de 27 de outubro de 1578 que os

índios Cário decresceram em mais de três partes. Esta análise de resistência

indígena está expressa na obra de Souza (2002), que afirma “os Guaranis não

foram meras vitimas da história, mas resistiram do ponto de vista cultural,

religioso e em guerras para preservar a sua identidade”. É relevante considerar

que os índios foram agentes ativos da história, fazendo alianças políticas para se

protegerem de bandeirantes e “encomenderos”. A ideologia dominante expressa

na linguagem busca apresentar uma distinção semântica, afirmando que os

índios não foram “escravizados”, mas sim “encomendados”, pois a Igreja

Católica através da bula papal de 1537 declarou os ameríndios como “homens

verdadeiros”. Isto, entretanto, não foi o suficiente para impedir que os

espanhóis os submetessem a todo tipo de exploração. Sob o signo da

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“encomenda” e da “mita” que materializou a escravidão indígena nas

possessões espanholas.

Gadelha (1980) descreve que os mitaios eram índios aldeados, que

possuíam caciques e que foram encomendados pelo governador Martin Irala aos

espanhóis beneméritos de Assunção para lhes prestarem tributo. No sistema de

mita, cada cacique era responsável pelo cumprimento do tributo por parte dos

índios, cujo trabalho era feito por turnos de quatro a seis meses de duração.

Feita essa exposição, deve ser reafirmado que os primeiros espanhóis

que vierem para o Paraguai buscavam prioritariamente ouro e prata. Como não

encontraram, desenvolveu na singularidade paraguaia uma economia baseada

na agricultura, na criação de gado e no extrativismo.

No primeiro momento criaram as condições de apoderar-se da terra

que foi obtida através da força, e após a conquista deu-se à ocupação dos

territórios indígenas. O núcleo da produção agrícola era intitulado “Casona”,

que no primeiro momento mantinha a sua subsistência e posteriormente

começou a produzir excedentes comercializados no mercado local e regional.

Com as descobertas das minas de prata de Potosi (Bolívia) em 1545, foi

impulsionado o desenvolvimento econômico das províncias pertencentes ao

então Vice-Reino do Peru, que era composto por Chile, Tucuman e Rio da

Plata, estabelecendo dois territórios com características distintas.

O alto-Peru era grande produtor de ouro e prata, consequentemente

havia uma grande circulação monetária e as regiões do Chile, Tucuman e Rio

da Plata desenvolveram uma economia voltada para a produção agropecuária,

que atendia a região do Alto-Peru com produtos como gado, couro, erva-mate,

vinho, açúcar, etc. Gadelha (1980, p. 108) afirma que:

O Chile, Tucuman e Rio da Prata eram uma economia caracterizada pela pouca circulação de moedas e os produtos produzidos eram destinados à exportação, sem recursos para desenvolver uma economia própria. Sua existência seria apenas como zona produtora e fornecedora de gado e produtos agrícolas destinados a suprir as necessidades primárias dos mercados alto-peruanos.

Radicalizando a discussão em andamento, vale reforçar que neste

sentido a categoria que possibilita a compreensão deste processo é a totalidade,

pois demonstra a interdependência e a inter-relação das regiões da província do

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Paraguai e Alto Peru inseridos no caráter universalizante da constituição do

mercado mundial, onde a Espanha ocupava um lugar de destaque.

A região do Chile, Tucuman e Rio da Prata desenvolveu sua economia

com produção agropecuária para atender o mercado do Alto-Peru. Portanto, a

baixa circulação monetária (que Gadelha caracteriza como ausência de moeda)

não implica que esta região praticasse uma “economia natural”, mas sim era a

característica particular desta região inserida na totalidade da acumulação

primitiva do capital. Na particularidade, a província do Paraguai estava ligada

ao Alto-Peru, e mesmo que timidamente ao mercado mundial, como

fornecedora de produtos primários com pouco valor agregado, porém inserida

na trama do modo de produção capitalista.

Portanto, é a produção de mercadorias e o comércio, forma

desenvolvida da circulação de mercadorias que constituem as condições

históricas que dão origem ao capital. A visão exposta demonstra que o

comércio e o mercado mundial inauguraram no século XVI a moderna história

do capital.

Para efeito de exemplo, o gado que era produzido no Paraguai, assim

como a erva-mate, quando levado para o Alto-Peru, demonstra a circulação de

mercadoria. Isto é, a troca dos diferentes valores de uso, pois o proprietário do

gado e da erva-mate recebia em troca ouro, prata ou moedas, para considerar

apenas as formas econômicas engendradas neste processo de circulação,

encontraremos o dinheiro como produto final.

Em grande ou pequena quantidade, esse produto final da circulação das

mercadorias é a primeira forma na qual aparece o capital. Logo, todo capital

novo, para entrar em cena, surge no mercado de mercadorias, de trabalho ou de

dinheiro, sob a forma de dinheiro que através de determinados processos, tem

de transformar-se em capital. Nesta acepção, a produção agropecuária

/extrativista do Paraguai em sua relação com o Alto-Peru estava inserida na

lógica da circulação mundial, pois os capitais que financiavam a extração da

prata de Potosi, por exemplo, perfaziam este mesmo circuito. O mesmo fazia

com o dinheiro o proprietário do gado e da erva-mate, quando comprava

insumos para uma nova produção (machados, facão, foice, cavalos, asno,

carroça, armas, pólvora, alimentação, etc).

Marx (1984, p. 166) demonstra que:

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O dinheiro que é apenas dinheiro se distingue do dinheiro que é capital através da diferença na forma de circulação. A forma simples da circulação de mercadorias é M – D – M, conversão da mercadoria em dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria, vender para comprar. Ao lado dele encontramos uma segunda especificamente diversa, D – M – D, conversão do dinheiro em mercadoria e reconversão de mercadorias em dinheiro, comprar para vender. O dinheiro que se movimenta de acordo com esta última circulação transforma-se em capital e, por sua destinação é capital.

Partindo dos fundamentos teóricos elaborados por Marx (1984)

veremos que este circuito D – M – D percorre duas fases opostas, conforme

sucede a simples circulação. Na primeira fase, dinheiro (pesos) compra, por

exemplo, erva-mate, transforma-se em mercadoria. Na segunda, a erva-mate é

trocada por dinheiro, venda, a mercadoria volta ser dinheiro. O que caracteriza a

união de ambas as fases é o movimento conjunto em que se permuta pesos por

erva-mate e a erva-mate por pesos. Compra a erva-mate para vendê-la, ou

abandonando-se as diferenças formais entre a compra e a venda. Portanto, neste

contexto histórico, na região do Alto-Peru e nas regiões do Chile, Tucuman e

Rio da Prata comprava-se mercadoria com dinheiro e dinheiro com mercadoria.

O resultante final de todo este processo é a troca de dinheiro por

dinheiro, D – D. Merece ser ilustrado, ainda, que o mercador espanhol de

Assunção comprava 3.000 quilos de erva-mate13 por 100 pesos, depois vendia

para o comerciante do alto-Peru por 110 pesos, este mercador assucenho teria

por fim trocado 100 pesos por 110, dinheiro por dinheiro.

Evidentemente que a circulação D – M – D seria absurda e sem

sentido, se o objetivo do mercador fosse o de trocar duas quantias iguais, 100

pesos por 100 pesos. Seria mais simples e mais acautelado ele guardar estes 100

pesos de que expô-los aos riscos da circulação. O comerciante do Alto-Peru

pode ter vendido por 110 pesos ou por 100 pesos a erva-mate, ou por um

motivo qualquer foi obrigado a desfazer de sua mercadoria por 50 pesos, mas,

de qualquer maneira, seu dinheiro descreveu um movimento característico e

original, diferentemente do efetuado na circulação simples. Um outro exemplo

______________ 13 De acordo com Quevedo na Província do Paraguai e Rio da Prata a erva “Caa ivirá” (erva de pau-não peneirada) era utilizada também como moeda, sendo o seu valor taxado por uma unidade imaginária conhecida como peso oco, que segundo as Ordenanzas de Alfaro e as Leyes das Indias, deveria Valer seis (6) reais, embora este valor tenha se reduzido posteriormente. Ver mais sobre este assunto: Quevedo, J. Guerreiros e Jesuítas na utopia do Prata. Bauru: Edusc, 2000.

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é elucidativo: a de um pequeno agricultor paraguaio que produzia algodão, e

que vende o seu algodão e com o dinheiro obtido compra mandioca. O

fundamental nesta análise é conhecer as marcas distintas que diferenciam as

formas destes circuitos D – M – D e M – D – M, descortinando a diferença de

conteúdo que permanece latente sob a diferença de forma. Vamos desvelar o

que é comum em ambas as formas, pois de acordo com Marx (1984, p. 167)

“ambos os circuitos se decompõem nas mesmas duas fases antitéticas”.

Mercadoria – Dinheiro, Venda e Dinheiro - Mercadoria e Compra.

Destacamos que em cada uma destas duas fases se entrelaçam os mesmos

elementos materiais mercadoria e dinheiro, e os mesmos personagens da

economia comprador e vendedor. Marx (1984, p. 167) afirma que: “cada um

dos dois circuitos constitui a unidade das mesmas fases antitéticas, e em ambos

os casos essa unidade é efetivada pela intervenção de três contratantes, dos

quais um apenas vende, o outro só compra e o terceiro compra e vende

alternadamente”.

Para exemplificar: o produtor da erva-mate só vende, o consumidor da

erva-mate só compra e o comerciante assucenho compra e vende. O que

diferencia os dois circuitos Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria e Dinheiro –

Mercadoria – Dinheiro é sucessivamente a inversão de ambas as fases opostas

da circulação.

A circulação simples da mercadoria, de acordo com Marx (1984),

começa com a compra e termina com a venda. No primeiro caso é a mercadoria

e, no segundo o dinheiro, o ponto de partida e a meta final do movimento. Na

primeira forma do movimento, o dinheiro serve de intermediário e, na segunda

a mercadoria.

Na circulação Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria, o dinheiro vira

mercadoria, que serve de valor de uso. O dinheiro é gasto de uma vez para

adquririr definitivamente a mercadoria. Na forma Dinheiro – Mercadoria –

Dinheiro, o comprador gasta dinheiro, para fazer dinheiro como vendedor. Com

a efetivação da compra lança-se dinheiro em circulação, para retirá-lo delas

depois com a venda da mesma mercadoria. O dinheiro é empreagado com a

intenção de apoderar-se dele novamente.

No caso de mercador de Assunção que compra a erva-mate, ele apenas

adianta o dinheiro. No caso do agricultor paraguaio que compra mandioca, sem

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o intuito de vendê-la, pode se dizer que a soma empregada foi efetivamente

gasta. Para Marx (1984), o circuito Mercadoria – Dinheiro – Mercadoria, o

mesmo dinheiro muda de lugar duas vezes. O vendedor recebe-o do comprador

e passa para outro vendedor. O processo tem sua gênese com a posse do

dinheiro em troca de mercadorias. O que ocorre de forma inversa na forma

Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro. Não é o mesmo dinheiro que muda de lugar

duas vezes e sim a mesma mercadoria.

Um outro exemplo é elucidativo: O mercador assucenho recebe das

mãos do vendedor 100 quilos de erva-mate e as transfere para as mãos de um

outro comprador. A circulação simples das mercadorias, como acentuou Marx

(1984, p. 168) “a dupla mudança de lugar da mesma peça de dinheiro ocasiona

sua transferência definitiva de uma mão para outra”. Já na circulação do

mercador assucenho ocorre à circulação Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro,

uma dupla mudança da mesma mercadoria, ocasionando o retorno do dinheiro

na mão do mercador. Não importa se este vendeu a erva-mate mais cara do que

foi adquirida. Este aspecto só influi no montante da soma do dinheiro que

retorna ao mercador. Marx (1984, p. 468) esclarece esta questão: “A volta

propriamente se dá logo que se vende a mercadoria comprada, concluindo

inteiramente o circuito D – M – D. Pois aí transparece a diferença entre a

circulação do dinheiro na função de capital e sua circulação como dinheiro

apenas”.

Essa longa exposição se fez necessária para estabelecer claramente a

premissa teórica que sustenta a discussão que está sendo travada acerca da

afirmação de Gadelha (1980 p. 135):

A economia que se desenvolveu no Paraguai nunca deixou de ser incipiente, baseada nos recursos oferecidos pela agricultura e criação de gado. A célula da produção era a “casona”, geradora de uma economia auto-subsistente, apoiada na abundância da mão-de-obra, recursos naturais e de produtos comercializados à base da simples troca.

E de Haubert (1990, p. 204) que afirma: “a economia não é

monetária”, e paradoxalmente ele afirma: “e a negligências dos guaranis

obrigam os jesuítas a mandarem efetuar trabalhos necessários à obtenção dos

produtos que em seguida serão vendidos nas cidades coloniais”. Haubert

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assevera que ocorria no Paraguai o modo de produção feudal, pois ele parte de

categorias constitutivas deste modo de produção para explicar as relações

econômicas, por exemplo: “corvéias públicas” e ”vassalos”, para aclarar a

exploração da força de trabalho indígena na construção de edifícios ou

fortificações públicas.

Os argumentos de Gadelha (1980) afirmando que neste contexto

histórico no cone-sul da América Latina, havia uma “economia natural”, não

havendo circulação de moedas e que a produção era efetivada apenas para

subsistência. E se houvesse algum excedente, seria simplesmente trocado por

outro produto. Conseqüentemente, os argumentos de Haubert afirmando que a

produção e as relações sociais no Paraguai eram eminentemente feudais.

Para radicalizar a discussão, entendemos que a centralidade da reflexão

se insere no movimento e na compreensão que as relações de produção desta

região estavam inseridas na lógica da acumulação primitiva do capital e

apresentava esta configuração na particularidade paraguaia. O contexto de

transformação social e da base produtiva se caracterizava pela produção de

mercadorias primárias e de pouco valor agregado, que atendia a demanda do

mercado local (ainda que incipiente) e o regional (vice-reino do Peru). Uma

economia com configurações próprias, porém ambas inseridas na lógica da

circulação do capital.

Cabe destacar que o argumento da “economia natural” deu-se porque o

Paraguai não explorava a produção de mercadorias com grande aceitação no

mercado Europeu, como por exemplo, o açúcar do Brasil e o cacau da

Venezuela. E uma das causas apontadas para este “atraso” seria a falta de

capital para a compra de força de trabalho de escravos negros.

Como já foi ressaltado anteriormente, o Paraguai desenvolveu a sua

economia numa configuração própria, a partir das condições objetivas dadas e

que atendia às necessidades regionais. Pois a instituição da “encomienda”

garantiu a classe dominante paraguaia força de trabalho barata até o princípio

do século XIX. E sua economia se fundamentou nesta exploração. Um exemplo

elucidativo desta exploração foi a produção e comercialização de tecidos de

algodão produzidos nos teares das “Casonas”, explorando a força de trabalho

das mulheres indígenas “encomendadas”.

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Nesse aspecto, torna-se imprescindível relatar que o Paraguai, neste

período, também desenvolveu uma pequena, porém eficiente, produção de

açúcar e aguardente e produzia também uva de boa qualidade para a extração de

vinho, que atendia ao mercado regional como Buenos Aires.

Além disso, foram introduzidas a produção de trigo, cevada, batata e a

expansão da produção de mandioca e outras raízes da cultura indígena,

plantações de milho, feijão e algodão. Na produção extrativista os principais

gêneros eram a cera, o mel e o tabaco “peten”, mas a principal mercadoria era,

sem dúvida, a erva-mate. Esta planta nativa da região exercia na economia

paraguaia uma função paradoxal, pois através de sua extração produzia a

riqueza para os “encomenderos”. E por outro lado, provocava a pobreza, a

miséria e a opressão sobre os “encomendados” e mitaios, a força de trabalho

que retirava das profundezas da selva a erva-mate sob as condições mais

degradantes. Como a falta de alimentação, maus tratos e precárias condições de

trabalho. Gadelha (1980, p. 139) esclarece:

A erva e o tabaco, “peten” como era chamado embora considerados “vícios”, também eram explorados. Em 1608, a erva já pagava dízimos no valor de 37 pesos e 4 reais, valor um pouco inferior aos dízimos do açúcar que eram, então, de 38 pesos e 7 reais (por cada 2/9 de direitos pagos).14

Outra mercadoria produzida nesta região era o gado bovino.

Introduzido pelos primeiros colonizadores, se espalhou pelos campos e

pradarias selvagens, embrenhando-se pelas matas, e favorecido pela farta

alimentação e mananciais de água, se multiplicou rapidamente. Com o decorrer

dos anos o gado penetrou mata adentro e foi se procriando sem controle, criados

selvagens, transformando-se em grande manadas. Chaunu (1969, p 134)

esclareceu a importância do gado na região de Buenos Aires:

A cidade vive no século XVII, do contrabando da prata de Potosi e do abastecimento do Brasil açucareiro, no século XVIII, da exploração do gado que se aproveita o couro. A sua mudança quantitativa situa-se entre 1730 e 1775 e atinge vitoriosa criação, em 1756-1775, do quarto e último vice-reinado, de La plata.

______________ 14 Ver mais sobre este assunto: Aguirre, Juan F. – “Diário del Capitán de Fragata de la Real Armada, Juan Francisco Aguirre”. Revista de La Biblioteca Nacional. 19 (47-48): 9 – 598, 1948. t 2, 2 pt.

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O “ganado” designava o conjunto de manada ou do rebanho. Aplicam-

se, geralmente nos finais do século XVI e XVII a uma manada ou rebanho

semi-selvagem que os vaqueiros e posteriormente o gaúcho controlava de

longe. Na função de vaqueiros, se destacam os indígenas e os mestiços.

Canabrava (1944) esclarece que as principais cidades desta região

eram: Córdoba, Salta, La Rioza, Madrid, Tujui, Santa Fé, Bermejo, Buenos

Aires, Corrientes, porém estas cidades viviam sempre à sombra de Tucuman,

pois esta era a principal rota terrestre que estabelecia a conexão entre as

Províncias do Prata e de Tucuman com o Alto-Peru.

Gadelha (1980) ilustra que Assunção ocupava uma posição central

nesta região, dando uma enorme contribuição em homens (crioulos e mestiços)

e também em indígenas, gado, armas, diversos gêneros alimentícios, e socorria

as outras cidades que sofriam ataques de índios.

Como já foi ressaltada anteriormente a descoberta das minas de prata

em Potosi (1545) acelerou o processo de desenvolvimento econômico do cone-

sul da América Latina. O brilho da prata propiciou uma grande concentração

demográfica em torno das cidades de La Paz, Chuquiasca e Potosi. Capoche

(1969) afirma que Potosi possuía um grande mercado bem sortido, com uma

quantidade inominável de objetos de luxo extremamente requintados de várias

partes do mundo: sedas, brocados, tecidos bordados em ouro, etc.

Paradoxalmente, a prata produzia riqueza para um pequeno grupo, e

espalhava a miséria para a grande maioria dos “pongos” trabalhadores das

minas. De acordo com Canabrava (1944, p.13), “havia em Potosi muita miséria

e pobreza que contrastava com a riqueza, havendo muita prostituição que não se

restringia apenas às mulheres indígenas, mas também mulheres européias”. Em

relação aos bordéis existentes na cidade, de acordo com Canabrava: “havia 120

mulheres brancas espanholas”. Mercadores, aventureiros, jogadores foram

atraídos para Potosi e superlotavam os bordéis, as casas de jogos e as casas de

danças.

Como nas colônias não era permitido legalmente a cunhagem de

moedas, com essa grande movimentação econômica ocorria a escassez de

moedas. A moeda utilizada era o próprio metal (prata), com os quais se

efetuavam os pagamentos dos mineiros livres, que com ela compravam comida

e desenvolviam a prostituição. Partindo desta falta de liquidez (escassez de

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moeda) é que emerge o mito de que as relações econômicas eram efetivadas

pela simples troca, baseadas em uma “economia natural”. O padre Vargas

Ugarte (1954, p. 54) afirma que “grande parte do comércio de Potosi, Santa

Cruz e Churquiasca estava monopolizada por um pequeno grupo de

comerciantes de Lima, sede do Vice-Reino do Peru. Estes mercadores locais

mantinham estreita relação de sociedade com a burguesia comercial de

Sevilha”.

Logo, a tese que apresenta as economias coloniais isoladas e que a

produção de mercadorias estava no estreito limite da subsistência,

fundamentada apenas na troca da produção excedente, não se sustenta. De

acordo com Ugarte, o comércio desta região estava sob o monopólio de um

grupo de comerciantes de Lima, associados aos burgueses de Sevilha,

demonstrando a inter-relação e a interdependência da colônia em relação à

metrópole, e conseqüentemente ao incipiente mercado mundial.

Ugarte (1954) argumenta que os diversos segmentos da produção e do

comércio estavam extremamente organizados em associações (grêmios)

existindo um grande número destas: alfaiates, sapateiros, maleiros, confeiteiros,

espadeiros, carroceiros, açougueiros, carpinteiros, etc. As principais

corporações eram a dos sapateiros e carpinteiros. Eis, portanto, alguns

elementos que nos auxiliam a apreender que a economia do Paraguai,

materializada nesta inter-relação comercial com o alto-Peru, estava inserida na

singularidade econômica regional.

Entretanto, a construção histórica deste processo não se deu de forma

linear – em fases de desenvolvimento – estas relações se cristalizaram pelo

antagonismo entre diversas frações de classe em ascensão. O princípio que

norteou este processo foi o da contradição entre exploradores (encomenderos,

comerciantes, banqueiros, etc) e explorados (trabalhadores assalariados,

escravos, mitaios, índios encomendados). Este antagonismo também se

expressava na luta entre as frações da classe dominante. Em determinado

período por disputas regionais e em outros, por fatores externos como as

medidas protecionistas do Estado espanhol, que buscava a partir dos interesses

da metrópole controlar e monopolizar as atividades comerciais mais rentáveis.

O Estado espanhol não possuía uma grande estrutura para controlar

todas as atividades econômicas e floresceram o contrabando e o comércio

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“ilegal” entre a região do Tucuman, Chile, Paraguai, Rio da Prata, Brasil e o

Alto-Peru. Grandes variedades de mercadorias eram contrabandeadas, como a

erva-mate, ouro, prata, gado, açúcar, tabaco, aguardente, armas de fogo, ferro.

Felipe II estabeleceu o sistema de comboios para frotas e galões com

data de saída rigorosamente controlada pela Casa de Contratação, cujo objetivo

era proteger as remessas de ouro e prata para a Espanha. O sistema objetivava

controlar as importações e exportações e evitar o ataque de piratas e corsários.

Chaunu (1969, p. 87) afirma que “mesmo com estas medidas o contrabando não

cessou e, entre 1640 e 1760, o contrabando superou o tráfico oficial”. Chaunu

assegura que a base econômica de Buenos Aires no século XVII era

fundamentalmente o contrabando da prata de Potosi e o abastecimento do Brasil

açucareiro.

Cortesão (1951) destaca que com a construção do porto de Buenos

Aires, o comércio interior e o comércio exterior deram um salto quantitativo na

região platina através da permissão de navios soltos, ou do contrabando. Outro

fato positivo para essa integração comercial foi a União Ibérica (1580 – 1640),

que alimentou o comércio com os portugueses, principalmente com o Brasil e

com Angola. Bastos (Apud Alves, 2005) refere-se ás mancomunações de

comerciantes portugueses e espanhóis na realização de contrabando entre o

Brasil, tendo como centro Vila Bela, e a América espanhola. Por força da

natureza dessa atividade, as informações existentes que a atestam são muito

parciais mas há evidências que uma das práticas mais utilizadas era a troca do

ouro pela prata, que permitia aos comerciantes, tanto portugueses quanto

espanhóis, escaparem ao controle do fisco. Pois a prata não era taxada no

Brasil, nem o ouro na América espanhola.

Outro mito da historiografia que estuda a relação da América

espanhola com a América portuguesa afirma que estas regiões estavam

isoladas. O Brasil neste mito aparece como se estivesse a milhões de

quilômetros de distância, totalmente disjunto, como se não houvesse nenhum

contato entre os portugueses e os espanhóis. Contudo, é importante ressaltar

que em outros momentos alguns historiadores apresentam esta relação como

extremamente conflituosa, e que os encontros se davam apenas nas matas, entre

os bandeirantes e mamelucos brasileiros buscando escravizar os indígenas que

“pertenciam” aos espanhóis.

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Além disso, aparecem na historiografia os espanhóis lutando

bravamente contra os portugueses, no sentido de preservar a sua mercadoria.

Em muitos momentos estes fatos realmente ocorreram, como já foram

demonstrados em inúmeros trabalhos historiográficos. Porém, esta relação não

era somente conflituosa, e havia neste período uma intensa relação comercial

com o Brasil. Canabrava (1944) assevera que com a União Ibérica (1580-1640)

houve um grande incentivo nesta relação e aprofundou-se ainda mais este

comércio, pois os portugueses já estavam presentes em grande parte da América

espanhola.

Chaunu (1969) também corrobora esta argumentação, afirmando que

os portugueses monopolizavam com seus produtos o comércio de Buenos

Aires, Tucuman, Potosi, Alto-Peru, formando uma extensa rede comercial,

fixando-se como comerciantes, banqueiros, agiotas e prestamistas e

desempenhando os mais variados ofícios.

Gadelha (1984) esclarece que no fim do século XVI, as Ordenanças do

governador de Assunção Juan Cabellero (1593) descrevem os caminhos

percorridos pela circulação de mercadorias em um mercado regional (latino-

americano). Neste sentido, as Ordenanças estabeleciam benefícios para os

produtores de cana-de-açúcar e a fabricação de açúcar e de vinhos, medidas

estas para suportar a concorrência brasileira (açúcar) e chilena (vinhos). Outra

informação importante que Gadelha apresenta diz respeito a venda da erva-mate

nos mercados de Tucuman, destacando também que o contrabando da prata

aumentava este comércio, e era uma preocupação constante das autoridades

coloniais do Paraguai.

Gadelha (1984, p. 149) enfatiza que “pela cidade de Assunção e

também por Buenos Aires passava grande quantidade de prata em contrabando

para o Brasil e consequentemente era a porta de entrada de mercadorias

brasileiras, portuguesas e européias”, dentre as quais o açúcar, azeite, ferro,

fazendas, móveis, negros, armas e gêneros vários, que em relação à Espanha e

ao Peru apresentavam preços inferiores. As informações apresentadas por

Gadelha tornam evidente a circulação de mercadorias no cone-sul da América

Latina, se contrapondo ao mito do isolacionismo criado por alguns

historiadores. Outro comércio bastante ativo era o comércio de negros escravos

para as minas de prata de Potosi. O Paraguai estava integrado ao mercado

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latino-americano e este estava inter-relacionado com o incipiente mercado

mundial. Porém apresentava as suas particularidades devido ao lugar que

ocupava na produção, isto é, produzia produtos primários com pouco valor

agregado e comprava produtos manufaturados com maior valor agregado.

Valeria acentuar, ainda, que o Paraguai estava arraigado nas relações

de produção do capitalismo comercial, aliás, a sua constituição emerge deste

processo, portanto não se sustenta a tese que isola a sua existência dos

condicionamentos econômicos globalizantes que se refletem no argumento da

“economia natural”, e que ajuíza a “ausência” de comércio, e que os produtos

excedentes eram negociados com base em um sistema de simples troca.

Portanto a tese de uma “economia natural” – de um fazendeiro

espanhol vivendo isolado, com centenas de índios cultivando a terra, se

alimentando de carne bovina, rebanho que é criado em estado “semi-selvagem”,

produzindo mandioca e outras raízes apenas para a sua subsistência, sendo o

produto excedente trocado nas pequenas Vilas de Assunção e Buenos Aires,

não precede. Como assevera Marx (1978, p. 109), “são as pobres ficções das

robinsonadas do século XVIII. Estas não expressam de modo algum como se

afigura aos historiadores da civilização, uma simples reação contra os excessos

de requinte e um retorno mal compreendido de uma vida natural”.

Nesta acepção, é necessária a compreensão histórica do

desenvolvimento das novas forças produtivas que se ampliaram a partir do

século XVI, a compreensão deste processo como um resultado histórico, como

um ponto de partida e não como a resultante final – e não considerar estas

relações conforme a natureza, mas como um processo social. Marx (1978, p.

104) esclarece:

A produção de um individuo isolado fora da sociedade – uma raridade, que pode muito bem acontecer a um homem civilizado transportado por acaso para um lugar selvagem, mas levando consigo já, dinamicamente as forças da sociedade – é uma coisa tão absurda como o desenvolvimento da linguagem sem indivíduos que vivam juntos e falem entre si.

No caso da Província do Paraguai evidentemente ocorreram fatos

isolados com grupos indígenas, que devido à invasão de suas terras penetraram

mata adentro, fugiram para o interior da selva vivendo afastados da sociedade

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colonial. Na particularidade da Província do Paraguai devido a enorme

distância em relação à metrópole, e mesmo em relação a outras localidades na

própria América, devido à dificuldade de transporte ocorria certo isolamento

localizado, porém não pode generalizar o isolamento para todo Paraguai

colonial.

Portanto a tese que aponta o isolamento conjuntural inter-relacionado

com uma economia também isolada não se sustenta, pois o Paraguai estava

inserido nessas relações de produção. Marx (1978, p. 107) reconhece que:

Quando as condições sociais, que correspondem a um grau determinado da produção, se encontram em vias de formação ou quando já estão em vias de desaparecer, sobrevém naturalmente perturbações na produção, embora em graus distintos e com efeitos diferentes. Em resumo: existem determinações comuns a todos os graus de produção, apreendidas pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condições gerais de toda produção não são outra coisa senão esses fatores abstratos, os quais não explicam nenhum grau histórico efetivo de produção.

Em resumo: a província do Paraguai emerge na gênese do modo

capitalista de produção, como propriedade privada do Estado Moderno

Espanhol, os primeiros conquistadores vêm para o cone-sul da América Latina

em busca do ouro e da prata. Porém não as encontram, consequentemente

diminui o investimento neste empreendimento, porque a lógica dos investidores

era o lucro fácil e rápido. Os primeiros conquistadores espanhóis, portanto, sem

muito capital, passam a desenvolver uma economia de acordo com a

configuração particular desta região. Por habitar nesta província uma grande

população nativa de diversas etnias e favorecidos por um conjunto de “leis”

como a “encomienda” e a “mita”, os espanhóis passam a explorar as riquezas da

terra (que era a força de trabalho indígena) balizando a exploração econômica

na produção de produtos primários com pouco valor agregado. O alicerce de

sustentação desta economia era a criação de gado e a extração da erva-mate,

além de uma incipiente produção agrícola.

O processo institucionalizado pelo Estado espanhol através de suas leis

e da práxis efetivada pelos espanhóis no Paraguai para subjugar o indígena foi

caracterizado pelo uso da violência. Devido a grande vantagem tecnológica

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expressa em um forte poder bélico, os grupos indígenas foram dominados e

subjugados pelos conquistadores.

Porém os indígenas resistiram à invasão e à escravização, algumas

etnias indígenas, principalmente os guaranis, por uma questão estratégica e por

alguns traços culturais construíram com os espanhóis alianças ofensivas e

defensivas. As alianças foram estabelecidas pela ligação de parentesco

(cuñadazo), favorecendo um processo de miscigenação entre conquistadores e

conquistados.

A partir das relações econômicas fundamentadas na produção e

circulação de mercadorias com poucos valores agregados, e favorecidos pela

descoberta de ouro e prata na região do Alto-Peru, criou-se um mercado

regional incipiente com a produção e comercialização de mercadorias como:

erva-mate, gado, couro, vinho, trigo, aguardente, cevada, algodão etc. Portanto

esta região se constitui em um ponto estratégico para a circulação de

mercadorias com a fundação do Porto de Buenos Aires. Mercadorias estas

“legais” ou contrabandeadas, sendo, portanto um ponto estratégico de produção,

circulação e de consumo no cone-sul da América Latina.

A análise se faz necessária no sentido de esclarecer o leitor sobre o

contexto histórico em que se estabeleceu no Paraguai a Companhia de Jesus. A

compreensão histórica da formação econômica e social da Província do

Paraguai e consequentemente descrever as suas particularidades nos

possibilitará uma melhor compreensão da ação da Companhia de Jesus em suas

relações econômicas, sociais, religiosas e políticas, inseridas nestas teias de

relações.

2.2 A CULTURA GUARANI.

Melia (1991) esclarece que o tupi-guarani, como linguagem e como

cultura, é um ramo do tronco lingüístico tupi mais antigo, a partir do qual toma

características próprias e diferenciadas, provavelmente desde o primeiro

milênio antes de Cristo, aproximadamente de 3.000 à 2.500 anos atrás. Ainda

de acordo com o autor, os guarani migraram da bacia amazônica,

hipoteticamente motivados por um notável aumento demográfico, intensificado

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em um período que coincide com o período da cultura ocidental de

aproximadamente 2.000 anos.

Os grupos étnicos denominados atualmente de Guarani passaram a

ocupar as selvas subtropicais do Alto-Paraná, do Paraguai e do médio Uruguai.

Os índios se locomoviam de um lugar para outro em busca de novas terras,

porém não eram nômades que dependiam impreterivelmente da caça, da pesca e

da coleta para a produção e reprodução de suas existências. Eram acima de tudo

agricultores que sabiam explorar eficazmente as terras selvagens, cujas árvores

derrubavam e queimavam e na qual plantavam mandioca, legumes, etc.

Eram extremamente hábeis na arte da cerâmica, cujos artefatos

produzidos eram utilizados para preparar e servir seus alimentos. Como colonos

dinâmicos continuaram a sua expansão migratória até aos tempos da invasão

européia no Rio da Prata (na década de 1520). A migração, como história e

como projeto, constitui uma de suas marcas características, ainda que muitos de

seus grupos tenham permanecido por séculos em um mesmo território e nunca

tenham feito uma migração efetiva.

O mito guarani da busca da “tierra sin mal” e de uma “tierra nueva” é

uma estrutura marcante de seu pensamento e de sua vivência; na realidade, a

“tierra sin mal” é uma síntese histórica e prática de uma economia vivida

profeticamente. Melia (1991, p. 14) esclarece: “[...] Animicamente el Guaraní

es un pueblo em éxodo, aunque no desenraizado, ya que la tierra que busca es la

que le sirve de base ecológica, hoy como en tiempos pasados y como será

mañana.”

Melia afirma que ao longo destes últimos 1500 anos, período em que

as tribos podem considerar-se formadas com suas características próprias, os

guaranis têm se mostrado fiéis a sua cultura original, não por inércia, mas pelo

trabalho ativo na busca das condições ambientais mais adequadas para o

desenvolvimento de seu modo de ser. De acordo com Melia (1981, p. 15): “La

tradición en este caso es profecía viva. La búsqueda de ‘la tierra sin mal’ como

estructura del modo de pensar de Guaraní, informa el dinamismo económico y

la vivencia relígiosa, que le son tan propias”.

Com a invasão espanhola nos séculos XVI e na medida em que

avançaram no território no século XVII, em suas viagens de exploração e em

suas expedições de conquistas e consequentemente acompanhados dos

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missionários em sua “conquista espiritual”, os europeus encontraram os

Guaranis organizados formando conjuntos territoriais mais ou menos extensos,

que denominaram de “províncias”, que eram reconhecidas pelos nomes

próprios dos grupos indígenas que ali habitavam: Cário, Tobatín, Guaramboré,

Itatin, Mbaracayú, gente del Guairá, del Paraná, del Uruguai, los del Tape.

As províncias abarcavam um vasto território que ia da costa do

Atlântico ao Sul de São Vicente, até a margem direita do Rio Paraná, e desde o

sul do Rio Paranapanema e do Grande Pantanal (o lago de Los Jarayes) até as

ilhas do delta, junto a Buenos Aires. Por sobre as denominações particulares (de

cada grupo), prevaleceu o nome genérico de Guarani, devido à unidade

lingüística dos dialetos desses grupos e as profundas semelhanças em sua

organização sócio-política e em suas expressões culturais. Melia (1991, p. 15)

traz a seguinte colaboração:

El Guaraní era la “Lengua General” de gentes que cubrían una amplísima geografia. Debe tenerse en cuenta, sin embargo, que en ese espacio estaban enclavados otras “naciones”, generalmente pobladores más antiguos, con áreas de ocupación bastante desigual y con relaciones más o menos conflictivas con los Guaraní.

Melia esclarece que na época dos primeiros contatos com os europeus,

a população guarani alcançava cifras consideráveis. A hipótese de uma

população de aproximadamente 1 500 000 até 2 000 0000 (dois milhões) de

indivíduos. Ainda que pareça forte e superestimada, parte de um fundamento

sério que emerge da documentação histórica ganhando veracidade quando se

considera a boa produtividade que alcançaram os grupos neolíticos com sua

economia baseada na reciprocidade que estava ligada profundamente com a sua

vida religiosa. Durante o processo colonial, o censo demográfico alarmou os

próprios governadores da província.

Pois, províncias inteiras desapareceram ou foram subjugadas pelos

encomenderos e as que sofriam ataques constantes dos bandeirantes paulistas

em busca de escravos, além das doenças trazidas pelos brancos que dizimaram

grandes contingentes de indígenas. Sobre a dizimação dos indígenas Melia

(1991, p. 16) afirma:

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La Província Del Guairá, por ejemplo, que contó com más de 200 000 indios (y tal vez hasta 800.000), fue reducida a prácticamente ningún habitante. La mayor parte de esta gente se han muerto de pestiléncia, malos tratamiento y guerras... (BARZANA, 1594, in: Monumenta Peruena V, 1970: 590-91). Guerras, malos tratos, epidemias y cautiverios fueron los cuatro jinetes de aquel apocalipsis colonial que se abatió sobre el pueblo guarani.

Uns poucos milhares de guaranis foram absorvidos pela mestiçagem

biológica e social, entretanto outros eram reduzidos em missões franciscanas

(desde 1580) e jesuítas (desde 1605). Melia (1991, p. 16) afirma que quando

esses povos foram desintegrados como gupos ao longo do século XIX: “[...] Sus

pobladores tornáranse miembros del nuevo Estado Paraguayo que los

assimilaba y les imponia, uma vez más, outro processo de ‘reducíon’ hacia la

condición de campesino pobre”.

A opressão colonial mencionada por Melia foi sentida desde que se

instauraram os repartimentos dos índios para os encomenderos (1556). O

processo provocou várias rebeliões contra os cristãos. No período de 1537 a

1616 se registraram mais de vinte e cinco revoltas contra os conquistadores.

Um traço característico deste momento foi o surgimento de manifestações

proféticas contra a dominação.

Ao serem subjugados e angustiados pela feroz dominação, alguns

grupos guaranis se apegaram as religiões de salvação parecida com a de muitos

povos oprimidos – o caso do povo judeu é emblemático nesta questão15. Pois

Jesus de Nazaré predisse a queda dos maus, justiça para os pobres, o fim da

miséria e do sofrimento, reunião com os mortos e um novo reino dos céus.

Porém os traços desta pregação eram intrinsecamente pagãos: por mais

que as crenças tradicionais fossem alteradas, a pregação dos “messias”

indígenas se apresentava com força revigorada buscando recuperar a felicidade

ancestral que fora usurpado pelos conquistadores. Esses movimentos indígenas

com estas características “proféticas” eram direcionados contra os estrangeiros.

______________ 15 De acordo com Marvin Harris (1978, p. 121) “o cristianismo nasceu, inicialmente, na Palestina entre os judeus. A crença na vinda de um salvador chamado o messias – era uma importante feição no tempo de Cristo, pois este Deus tinha feições do homem. Os primeiros seguidores de Jesus, quase todos judeus, acreditavam ser ele esse salvador. (Cristo é uma palavra derivada de Krystos, termo com que os judeus, ao falarem grego, referiam-se a seu esperado salvador). Todos os povos antigos – não diferindo da maioria dos povos modernos – acreditavam que as batalhas não poderiam ser ganhas sem a assistência divina. Para ganhar um império ou simplesmente para sobreviver como um Estado independente, devia haver soldados com os quais os antepassados, os anjos ou deuses estivessem dispostos a cooperar”.

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Os chefes dessas rebeliões eram na maioria das vezes caciques e xamãs, ou

seja, homens que foram os mais humilhados pela opressão cristã. Haubert

(1990, p. 160) descreve um desses movimentos:

Em San Ignacio, por exemplo, os jesuítas decidiram finalmente tirar as concubinas de Miguel Altiguaye, cacique poderoso e respeitado, por eles nomeado capitão geral da redução. Este proclama que os padres são “alcoviteiros” e ri das ameaças do inferno, “onde conta se divertir”. Ele próprio se faz padre e oficia em sua choupana. Vestido com uma alva e uma murça de penas multicores, diz a missa a sua maneira, com uma torta de mandioca e -, numa cabaça pintada de várias cores – a chicha ancestral; fala entre os dentes, mostra a torta e a chicha aos assistentes, consome tudo; finalmente faz mil cerimônias e é objeto de grande veneração.

Melia (1991) destaca que estas rebeliões arrancadas da tradição

religiosa indígena, em que os índios ao se sentirem ameaçados se manifestam

através de gestos e palavras também religiosas – que na expressão de Haubert

seria “Messias contra Messias”16. Uma das mais significativas respostas

proféticas contra a opressão colonial foi a de Oberá (1597).

Os guaranis que seguiam Oberá cantavam e dançavam

ininterruptamente durante vários dias. Desbatizando os que haviam sido

batizados pelos padres cristãos, lhes conferiam novos nomes conforme a

tradição indígena. Estes e outros levantes foram movimentos de libertação

contra a escravidão colonial e a opressão cristã, e ao mesmo tempo uma

confirmação, na expressão de Melia (1991) do seu modo de ser tradicional, que

na religião encontra sua expressão.

Talvez o Guarani em épocas anteriores à da colonização pudessem, ter

sentido às vezes a terra que habitavam assolada por catástrofes naturais, como

inundações, secas, enfermidades, distenções internas, ataques de outros povos

(tribos inimigas). Não resta nenhuma dúvida, contudo, que o maior cataclisma

que enfrentaram foi o da dominação, sob o julgo dos colonizadores, como um

sistema que lhes retirou a liberdade. Melia (1991, p. 17) entende que:

______________ 16 Marvin Harris (1978, p. 121) traz um exemplo elucidativo: “Davi, o fundador do primeiro e maior império judeu; declarava ter participação divina com o Deus Jeová. O povo judeu chamava Davi de Messiah (em hebreu mashia), termo aplicado a sacerdotes, escudos, a Saul, predecessor de Davi, e a Salomão, filho de Davi. Assim, Messiah, originariamente, significaria qualquer coisa possuidora de grande poder sagrado e de santidade. Davi foi também chamado de Ungido – aquele que, colaborando com Jeová, fora autorizado a governar os domínios térreos de Deus”.

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[...] no hay duda que las crisis de éstos y más terribles males es la dominación colonial que como sistema le quita la libertad. Incluso las reducciones jesuítas, com su declarado intento de libertalos de la encomienda y del servicio personal, no eran sino espacios de libertad reducida donde el “modo de ser religioso” tradicional se veía descreditado, ridiculizado y hasta físicamente perseguido.

Haubert (1990) explica que a entrada dos jesuitas no mundo guarani

esteve acompanhada durante anos de uma verdadeira “guerra de messias”. Se

bem que os jesuítas, de acordo com Melia (1991, p. 17):

[...] entron en un relativo diálogo con el pueblo guaraní cuando se trataba de comunicación linguistica y de ciertas concepciones de la vida económica y política, el antagonismo en el campo religioso, tanto en el campo de las creencias como en el de la expresión ritual, fue total.

O que se pode demonstrar a partir destas análises é que a resistência

Guarani se deu em diversos campos – armada, em aliança ofensiva e defensiva,

etc. O Paraguai colonial também foi durante séculos a terra de eleição de

messias e de profetas indígenas. Em nenhuma outra região se podem constatar

tantos movimentos de libertação tendo como base a mística. Os movimentos se

multiplicaram a partir do momento em que os conquistadores e jesuítas

estabeleceram a sua dominação e jogaram decisivamente no intuito de destruir a

antiga civilização. Estes fatos explicam o desespero que se apoderou dos

Tupinambás e dos Guaranis. Melia (1991, p. 17-18) esclarece: “Esta

desesperación los habría animado a escuchar a los profetas que se levantaban

entre ellos y que les ofrecian como solución la huida hacia la tierra – sin – mal

o la venida próxima de una edad de oro”.

Melia afirma que tanto na área de dominação colonial propriamente

dita quanto nas áreas de missões (reduções) foram se processando gradual e

firmemente a substituição da religião indígena pela religião cristã. Um

fenômeno cujo alcance e valor não se pode medir, mas que teve certamente

mais implantação exterior que de aculturação participada. Melia (1994) não

nega a autenticidade das conversões, nem a verdade de suas novas expressões

rituais, tão pouco discute a profundidade da vivência cristã, inclusive em suas

manifestações místicas, entre os índios guaranis, nem a profunda religiosidade

paraguaia. Pois de acordo com este autor, estas são derivações que se separam

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da experiência religiosa do Guarani tribal, e que devem ser tratados

especificamente como fenômeno de religiosidade popular. Uma das fontes mais

importantes na busca da compreensão da cultura Guarani é uma leitura atenta

das cartas, informes e crônicas dos primeiros tempos de colonização.

Cadogan (1992), em um estudo antropológico, descreve a experiência

religiosa guarani que tem sido vivida por mais de um milênio nessas terras por

gerações e gerações de homens e mulheres. Para Cadogan a experiência

religiosa segue sendo o signo que dá sentido a vida de muitas pessoas. Em

relação à religiosidade Guarani desde a gênese da colonização, diversos autores

descrevem a importância desta na sociedade Guarani. Já em 1594 o padre

Alonso Barzana havia captado alguns aspectos fundamentais da religião

Guarani. Seus textos, se os despojarmos de suas concepções mais

preconcebidas, possibilita-nos alcançar os elementos mais importantes e

essenciais dessa religião.

Melia (1991, p. 23) descreve a visão de um missionário sobre a

primeira síntese da religião Guarani:

Es toda esta nación muy inclinada a religión, verdadeira o falsa, si los cristianos los hubieran dado buen ejemplo y diversos hechiceros no los hubieran engañado, no sólo fueran cristianos, sino devotos. Conecen toda la inmortalidad del alma y temen mucho las anguera, que son las almas salidas de los cuerpos, y dicen que andan espantando y haciendo mal. Tienen grandísimo amor y obediencia a los padres, si los padres, si los ven de buen ejemplo, y la misma y mayor a los hechiceros que los engañan en falsa religión, tanto, que si lo mandan ellos, no sólo les dan su hacienda, hijos e hijas, y los sirven pecho por tierra, pero no se menean por su voluntad17. Y esta propensión suya a obedecer a titulo de relígión, ha causado que no sólo muchos indios infieles se hayan fingido entre ellos hijos de Dios y maestros, pero indios criados entre españoles se han huido entre los de guerra, y unos llmádose e Jesuscristro, y han hecho para sus torpezas monasterios de monjas quibus abutuntur, y hasta hoy, los que sirven y los que no sirven ( a los españoles) tienen sembrados mil agüeros y supersticiones y ritos de estos maestros, cuya principal doctrina es enseñarles que bailen de dia y de noche, por lo cual vienen a morir de hambre, olvidadas sus sementeras... Bailes tienen tantos y tan porfiados, fundados en su religión, que algunos mueren en ellos [...].

______________ 17 Melia obteve estas informações em: Monumenta Peruana V, 1970: 589-90.

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Melia esclarece que outra síntese histórica da religião Guarani na visão

missionária é a que oferecem Antonio Ruiz de Montoya18, que apresenta uma

defesa dos indígenas contra os “encomenderos” e bandeirantes, porém no que

tange ao aspecto religioso mantém uma visão conservadora, principalmente em

relação aos “feiticeiros”, aos quais qualificam de “diabólicos”.

Melia (1991) destaca a relativa incapacidade que repetidamente tem

mostrado os missionários para entrar em diálogo com o “espírito” da sociedade

indígena que é tão acentuadamente mística, como é a sociedade Guarani, e esta

questão representa um problema teológico de certa importância. Na realidade,

seriam problemas sociológico e antropológico, que se expressa no caráter da

não compreensão por parte dos jesuítas do aspecto central ocupado pela religião

e consequentemente as relações sociais da constituição desses grupos indígenas.

No aspecto antropológico, em muitos outros momentos os jesuítas

buscaram relativizar os aspectos culturais. Porém no campo religioso

(cristianismo) evidenciou-se a lógica do etnocentrismo europeu que consistiu

fundamentalmente em isolar uma característica da própria cultura e elevá-la à

condição de definidora da “natureza humana”.

De acordo com Rodrigues (1989, p. 150), “tal operação se faz sempre

de modo a reservar para a cultura classificadora o lugar mais confortável, pois a

característica isolada, considerada universal e inevitável, está acima de qualquer

discussão”. Na particularidade do Paraguai devido à força da colonização, os

jesuítas buscaram impor radicalmente a visão de mundo “cristã”, fundamentada

nos dogmas e nos ritos da igreja e a imposição da “moral” cristã, desvelada na

proibição da antropofagia, no casamento monogâmico.

Um traço característico e fundamental para a compreensão da cultura

guarani é a “palavra”. Para o Guarani a “palavra” tem uma grande

representação e na sua visão de mundo, este traço cultural capacita o Guarani a

qualquer diálogo. Na visão etnocêntrica da sociedade européia e principalmente

do missionário católico, este traço da cultura Guarani foi interpretada como

uma predisposição as questões espirituais e que esta “tolerância” estava mais

voltada ao caráter “primitivo” dos indígenas. Curt Nimundajú (1987, p. 14)

______________ 18 Ver mais sobre este assunto: MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista espiritual hecha por los religiosos de la Compañia de Jesús e las provincias del Paraguay, Paraná, Uruguay y Tape. Madrid (2. ed. Bilbao, 1892). Nueve Edición: Rosario, 1989.

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esclarece: “[...] aunque naturalmente el guarani en lo intimo de seu ser, esté tan

convencido de la verdad de su religión como el cristiano más fervoroso, nunca

es intolerante”.

A preocupação, ao desenvolver esta análise, tem por objetivo a melhor

compreensão das relações sociais que se procederam no Paraguai, entre os

jesuítas, os guaranis e os conquistadores espanhóis. O entendimento

aprofundado dessas relações está entrelaçado na trama da instituição da

sociedade. Ao desvelar a importância da “palavra” para a cultura guarani, revela

aspectos significativos da formação social do Paraguai.

De acordo com Melia (1991, p. 23-30) “para o Guarani a palavra é

tudo. E tudo para eles é a palavra”. Esta afirmação na visão eurocêntrica podem

ser atribuídas a alguma influência da cultura ocidental, que tem sua matriz

filosófica em Platão. É sem dúvida a “palavra” a expressão mais constante pela

qual os guaranis desvelam o seu modo de ser, e se manifesta através de seus

mitos, de seus cantos e de seus ritos. Neste sentido, a visão de mundo guarani

tem a sua expressão máxima na palavra.

Porém Melia (1980) alerta que não é fácil sistematizar o vocabulário

para o Guarani, devido às várias subculturas19, cada uma com suas

características particulares. Há a necessidade de recorrer a textos particulares e

buscar o valor semântico em um contexto mais global, e verificar sua realidade

nas experiências de vida.

Partindo de uma análise da particularidade da cultura Guarani Cadogan

(1992, p. 33) descreve o mito “Mbyá – Guarani Ayvu rapyta (o fundamento da

linguagem humana)”, e possibilita uma melhor compreensão deste, em inter-

relação com o contexto mais global:

______________ 19 Nesta análise cultura tem o sentido explicitado por Santos (1983) como uma dimensão do processo social, não se limitando apenas a um conjunto de práticas e concepções, como por exemplo, se poderia dizer da linguagem. Não é, portanto apenas uma parte da vida social como, por exemplo, se poderia falar da religião. A cultura não é algo independente da vida social, algo estranho com a realidade que existe. Partindo deste entendimento, a cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela existe em alguns contextos e não em outros. Logo, a cultura é uma construção histórica, seja como dimensão do processo social, ou seja como concepção. A cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Muito pelo contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à percepção da cultura, mas também a sua relevância, à importância que passa a ter. Portanto, aplica-se ao conteúdo de cada cultura particular, produto da história de cada sociedade.

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El verdadero Padre Ñamandú, el primero de una pequeña porción de su própria divinidad, de la sabiduría contenida en su própria divindidad, y em virtude de su sabiduría creadora hizo que se engendrasen llamas y tenue neblina. Habiéndose erguido,de la sabiduría contenida em su própria divinidad y en virtud de su sabiduría creadora, concebio el origem del lenguaje humano. De la sabiduria contenida em su propria divinidad, y en virtud de su sabedoria creadora, créo nuestro Padre el fundamento del lenguaje humano e hizo que formara parte de sua propria divindad. Antes de existir la tierra en medio de las tinieblas primigenias, antes de tenerse conocímiento de las cosas creó aquello que sería el fundamento del lenguaje humano, e hizo el Primer Padre Ñanmandú que formara parte de su propia divindad [...].

Foram apresentadas apenas as duas primeiras estrofes do mito Mbyá –

Guarani Ayvu rapyta, que fora apresentado por Cadogan depois de ter escutado

e registrado etnograficamente. O desenvolvimento deste mito ratifica a

importância da palavra na cultura guarani, e possibilita uma melhor

compreensão do antagonismo provocado neste povo quando estes foram

subjugados pelos europeus. Melia (1991) afirma que estes versos, transcritos

por Cadogan, constituem uma das expressões mais importantes da religião

Guarani. O dom da palavra por parte dos padres “divinos” e a participação da

palavra por parte dos mortais, marca o que é e o que pode ser um Guarani. O

que podemos apreender destes estudos etnológicos sobre a cultura Guarani é

que em todas as instâncias críticas deste povo, como por exemplo, a concepção,

o nascimento, quando se recebe o nome, a iniciação, a paternidade, a

maternidade, como também na enfermidade, na vocação chamânica, morte e

“pós-morte”, esses momentos se definem em função de uma palavra única e

singular, que faz o se que diz, que em outra forma dá substância à pessoa. Toda

essa reflexão poderia parecer uma gratuita transpiração platônica ocidental para

o universo guarani. Porém existe uma farta documentação registrada por várias

fontes etnográficas, que descrevem este aspecto da cultura Guarani. Em síntese,

estes estudos etnográficos nos possibilitam entender que é sempre em função da

palavra inspirada que o Guarani cresce em sua personalidade, em seu prestígio

e até em poder político ou mesmo em poder “mágico” ou em ambos juntos, o

que é mais comum.

Melia (1991) assegura que a educação do Guarani é uma instrução da

palavra, pela palavra, porém não é educado para aprender e muito menos para

memorizar textos, mas sim para escutar a palavra que receberá do “alto”, e

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geralmente através de sonhos. Portanto para Melia o Guarani busca a perfeição

de seu ser na perfeição de sua fala, sua valorização e seu prestígio entre os

membros de sua comunidade e entre as comunidades vizinhas, vêm na medida

pelo grau de perfeição e inclusive a quantidade de cantos e modos de dizer que

possui. Podemos ratificar pela análise de Melia que a cultura Guarani se

fundamentava na oralidade, uma sociedade fundamentada em códigos sociais

transmitidas por milhares de anos, utilizando-se apenas da linguagem falada,

que se defrontou a partir do século XVI com uma outra sociedade que se

fundamentava além da oralidade, também na linguagem escrita, cujos códigos

se expressavam em “leis” escritas. O seu próprio mito da criação estava

expresso na linguagem escrita.

Nesta acepção Meliá esclarece que na cultura Guarani a sabedoria

procede do desenvolvimento de sua palavra e esta por sua vez, da propriedade e

intensidade de sua inspiração. É fácil verificar como é essencial para o Guarani

a experiência propriamente religiosa, que nem todos conseguem no mesmo

grau, mas que todos de um modo ou de outro aspiram. Nesta direção Melia

(1991, p. 36) corrobora: “Em potencia, cada Guarani es un profeta – y un

poeta”. Manifestada no plano ritual e no plano cerimonial, a religião se

expressa também através de um discurso místico que em sua origem emerge do

modo de ser Guarani, onde as relações sociais estão entrelaçadas á sua

cosmovisão, numa prática social da reciprocidade. A compreensão desta prática

social da reciprocidade Guarani entrelaçada a prática social do conquistador

europeu em sua lógica mercantil, possibilitará abarcar a singularidade das

relações sociais do Paraguai colonial.

Na cultura Guarani, de acordo com Meliá (1991), a palavra original é

caracterizada pela palavra que conta os mitos, palavra que significa a

reciprocidade de saber dar esse grande dom que são as palavras. Para Meliá,

palavras ritualizadas e palavras profetizadas são formas de comunicação e

intercambio de mensagens.

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Em 1914 o antropólogo Curt Nimuendaju20 transcreveu em idioma

Guarani o que denominou de: As lendas da criação e destruição do mundo

como fundamentos da religião dos Apapocúva – Guarani.

É uma tarefa difícil oferecer um resumo destes mitos, mas para uma

compreensão melhor do leitor é importante descrever a visão de mundo

Guarani, no sentido da apreensão de aspectos fundantes de sua cultura

indispensável para revelar as complexas relações sociais que se processaram na

Província do Paraguai.

Nimuendajú (1987) assevera que na mitologia Guarani a figura central

Ñande Ru Vusu – Nosso grande pai – veio primeiro e se deixou conhecer no

meio da escuridão originária, e em seu peito havia uma luz como o sol. Ele dá a

terra, seu princípio colocando-a sobre firme suporte. Esse grande pai é

“conhecedor das coisas” e encontra uma mulher, que o Guarani denominava de:

“Nuestra Madre”.

Os dois se casam, e “Nuestra Madre” fica grávida de gêmeos. Ñande

Ru Vusu (Nuestro Padre), enojado, abandonou “Nuestra Madre” na terra e saiu

de cena para voltar apenas no final, quando se faz presente na liturgia. A mãe

grávida se põe a caminhar em busca do marido, porém é devorada por tigres; os

gêmeos nascem, por conseguinte órfãos. Os gêmeos convivem primeiro na casa

dos tigres, mas eles se vingaram dos assassinos de sua mãe. O primeiro foi

denominado irmão maior e o segundo irmão menor, ambos saem para

caminhar. Eles tentam recompor a sua mãe a partir de seus ossos, porém não

conseguem, e a morte está definitivamente instalada na terra.

De acordo com Schaden (1976, p. 841) “são estes heróis que

‘Guaranizaram’ o aspecto do mundo, fizeram que o mundo fosse ‘Guarani’

tanto em sua natureza como na ordem social e cultural”.

Retomando ao mito da criação, estes “heróis” continuam a sua

caminhada, sempre em marcha, provocando e produzindo típicas situações da

cultura: dão nome às frutas, roubam o fogo dos corvos, encontram outros

semelhantes, inimigos e futuros cunhados. Por fim se encontram de novo com o

pai, mediante a dança ritual e ao som da maracá. O pai lhe deixou o que traz

______________ 20 Ver mais sobre esse assunto: NIMUENDAJU, Curt. As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião Apapocúva – Guarani. São Paulo: Hucitec. Editora da Universidade de São Paulo, 1987.

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entre as mãos: seus atributos de xamã; e se esconde de novo. A terra está

ameaçada; a obscuridade com seus morcegos podem cair sobre todos e o tigre

azul os quer devorar. Entretanto, “Nuestro Padre”, fez a pessoa de Tupã, que ao

mover-se pelo céu provoca trovão e relâmpagos. Este discurso mítico expressa

a visão de mundo Guarani. E promulga traços de sua cultura e se manifesta

socialmente na dança, como um ritual que revela o encontro do Xamã com o

que este considera “Nuestro Padre” que lhes revela o caminho. Este caminho

conduz a casa de “Nuestra Madre” onde não falta fruta nem chicha para beber.

É a festa. Meliá (1991) esclarece que este mito dos gêmeos é comum a todo

Guarani, da costa Atlântica até a Cordilheira boliviana. Apesar de algumas

expressões que provavelmente registram preocupações mais modernas.

Outro aspecto importante da cultura Guarani está relacionado à sua

estreita ligação com a terra.

De acordo com Melia (1991), em estudos arqueológicos dos Guaranis,

sobretudo através pedaços de cerâmicas, localizadas em antigas aldeias,

oferecem algumas evidências para compreendermos o processo histórico

cultural dos Guaranis. Um desses aspectos explicitados por Meliá (1991, p. 64)

evidencia através destes estudos que “o Guarani é um povo cujo raio de ação

abarca uma grande geografia com migrações eventuais a regiões muito distantes

e com deslocamentos freqüentes dentro de uma mesma região”. Não são

propriamente nômades, mas, de acordo com Melia são colonos dinâmicos.

Melia (2004, p. 71) esclarece:

Los Guarani saben que el tekoa no es sólo lugar natural; también es el techo. No es pura técnica agrícola; es mas apropiación tecnica de um lugar por el conjunto de los que están unidos bajo el mísmo. El tekoa viene a ser el espacio y las técnicas adaptadas a la natureleza de los que comparten la misma unidad.

Os Guarani ocupam terras com características ecológicas constantes;

de fato, as terras mais aptas para o cultivo de: maiz, mandioca, milho, batata,

porongos e cabaças. Essas terras oferecem um horizonte ecológico bem

definido, cujo limites dificilmente são quebrados. Portanto, por estas

características pode se identificar uma “terra Guarani” e a práxis não desmente.

Os Guarani escolheram climas úmidos, com uma temperatura média de 18 a 28

graus, que se localizam perto de rios e lagoas, em lugares que não excedem aos

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400 metros do nível do mar, habitando bosques e selvas típicas da região

subtropical. Evidentemente que no processo histórico estas características não

foram inflexíveis e imutáveis. Melia (1991) destaca que a boa terra para o

Guarani é tão real porque se fundamenta não na natureza mais sim no “ato

religioso” que é o seu princípio, e por esta razão ele a conserva.

A mitologia Guarani explicita a profunda ligação do Guarani com a

terra, como assevera Melia (1991 p. 68):

El fundamento de la tierra Guaraní acaba siendo de este modo, la fiesta, donde se comparte la alegre bebida de la chicha: kawi, fruto de la tierra y del trabajo de muchos, unidos em minga (mutirão): potyrõ, donde también el hombre se hace palabra dívina y esa palabra es compartida por todos. Donde hay una fiesta guaraní, ahí esta en fin de cuentas el centro de la tierra y la tierra buena y perfecta a la que se aspira.

Outro aspecto significativo da cultura Guarani é a linguagem dos

sonhos e visões. Ao descrever esta particularidade o leitor tem uma melhor

compreensão de como vai se expressar a construção da psique do índio

reduzido, em síntese dialética com os dogmas e os ritos do cristianismo imposto

pelos jesuítas. Como esclarece Marx (Apud Ianni, 1984, p. 146):

[...] A bem dizer, na história passada é um fato perfeitamente empírico que, pela transformação de sua atividade em atividade universal, os diversos indivíduos foram cada vez mais submetidos a um poder que lhes é estranho (opressão que tomavam por uma chicana daquilo que denomina o Espírito do Mundo), poder que se tornou cada vez mais maciço e se revela, em última instância, como mercado mundial.

Meliá (1991) afirma que assim como outros índios da família tupi-

guarani se guiam pelos sonhos, este conteúdo latente de sua psique emerge na

prática social ritualizada. O xamã na sociedade Guarani representa o modelo

ideal de pessoa, e tem nos sonhos uma de suas principais atividades; e são

guiados por estes sonhos.

O etnógrafo Curt Nimundajú (1987, p. 34) constatou este fenômeno e a

grande importância do sonho entre os Apapokúva da etnia Guarani:

[...] se refiere a las experiências del alma en el sueño, concuerdan los Apapokúva con todos os demás indios que se trata de sucesos

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reales, que pueden influir muy significativamente en el curso de vida de las personas. Aunque de los sueños naturalmente no se produzca ningun resultado inmediatamente palpable, ellos representam experiencias de las cuales resultan en saber y un poder. Quien sueña sabe y puede mucho más que el que no sueño por esto; los payés cultivam ciertamente el soñar como una de las más importantes fuentes de su saber y de su poder.

Estes elementos apresentados pela etnologia contemporânea – a

palavra, o sonho e a religião – são algumas categorias antropológicas altamente

pertinentes, quando se trata de analisar e compreender a produção social de uma

determinado grupo indígena. Porém muitas destas análises partem de um

referencial epistemológico sistêmico e funcional, cuja função da palavra, da

religião e do sonho seria a de manter a coesão social da sociedade analisada.

Outro grupo de etnólogos parte de referenciais estruturais, cuja estrutura

elementar permanece a-histórica, e a forma manifesta, o rito, o xamã, a festa, o

som da maraca – vem no sentido de expressar estas estruturas elementares que

permanecem latentes.

Muitas destas análises colocam as sociedades indígenas apartadas e

isoladas da totalidade. Como se estas sociedades fossem imunes às

interferências externas. Apresentam estas sociedades hipostaziadas,

petrificadas. Sociedades sem história. Neste sentido o recurso que possibilita

lançar uma luz nas relações sociais produzidas a partir do processo de

dominação européia no Paraguai e consequentemente esclarecer as relações

econômicas e sociais a partir da conquista é a história. Pois nas análises

sistêmicas, funcional, estrutural deixam ou deixaram completamente de lado a

história, ou a consideraram uma coisa acessória, sem qualquer vínculo com a

marcha da humanidade. Marx (Apud Ianni, 1984, p. 147) traz a seguinte

contribuição:

Por isso história deve sempre ser escrita de acordo com uma norma situada fora dela, a produção real da vida aparece como não sendo histórica, enquanto o que é histórico aparece como separado da vida ordinária, como extra supra-terrestre. A relação do homem com a natureza é, assim excluída da história, o que gera a oposição entre natureza e história. Consequentemente, essa concepção não pôde ver na história senão os grandes acontecimentos políticos e as lutas religiosas e, afinal de contas teóricas, e foi constrangida a partilhar especialmente, em cada época, supõe-se, por exemplo, que seja determinada por motivos puramente “políticos” ou “religiosas”, embora “política” e “religião” não sejam senão formas

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de seus motivos reais: seu historiador aceita essa opinião. A “imaginação” ou a “representação”, que esses homens determinados tem de si de sua prática real, transforma-se na única força determinante e ativa, que domina e determina a sua prática.

Portanto, a palavra, a terra, o sonho e a religião Guarani não se

explicam por si só, são elementos que possibilitam entender as teias de relações

sociais da sociedade paraguaia do período colonial. Estes elementos

possibilitam a compreensão de como se deu a síntese dialética da cultura

Guarani e européia. E consequentemente patentear como a instituição do

capitalismo se institui subsumindo todas as antigas formas de produção. Como

por exemplo, o trabalho servil nas índias ocidentais, o trabalho escravo no sul

dos Estados Unidos e no Brasil, assim como também as outras formas de

economia como as do Guarani, fundamentada na reciprocidade.

Partindo de questões de caráter universal e com a utilização de

recursos históricos e antropológicos, conduzem a uma reflexão filosófica mais

geral.

As análises arroladas neste capítulo não concernem somente ao

patrimônio de uma sociedade particular (Guarani). Mas parte de um principio

universalizante na ótica reconhecida por Meliá (2004, p. 11) “[...] hay que

poner de reliéve y revelar lo que desde los orígenes de la humanidad permanece

intangible y primordial en todas las comunidad del mundo: las matrices de los

valores humanos”. Porém estes valores não estão petricados e estanques. São

processos históricos, portanto, o mundo sensível não é um objeto petrificado e

muito menos um objeto dado, diretamente por toda a eternidade e sempre

semelhante a si mesmo. Porém é produto da indústria do estado da sociedade

(Guarani). È um produto histórico, resultado da atividade de toda série de

gerações. Na visão de Marx (Apud Ianni, 1984, p. 151) “e em cada uma iça

sobre os ombros da precedente, aperfeiçoa sua indústria e seu comércio, e

modifica seu regime social, em função da transformação das necessidades”.

O esforço de captação das linhas gerais da discussão acerca da cultura

Guarani, em seus traços mais característicos como a linguagem, a religião e o

sonho, decorre no sentido de pensarmos em cultura como dimensão do processo

social. Podemos também revelar a cultura numa sociedade “primitiva”, em

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cultura das sociedades indígenas paraguaias, por exemplo. Santos (1986, p. 46)

esclarece que:

Mas notem também que nem cultura é a mesma coisa lá e aqui, nem seu significado é igual em ambos os casos. Apenas nesse sentido de serem a dimensão do processo é que se pode falar igualmente em cultura. Como se tratam de sociedades com características que as diferenciam bastante, os conteúdos do que é cultura, a dinâmica da cultura, a importância da cultura – tudo isso deve variar bastante.

As considerações expostas desvendam que as sociedades indígenas

mantinham uma interação crescente com as diversas etnias que habitavam esta

região, anterior ao período colombiano. Após a conquista manteve relações com

a sociedade colonial e, posteriormente com a sociedade nacional. Em todos

estes períodos históricos participaram de processos sociais comuns, partilharam

de uma mesma história. Nesse processo suas culturas mudam de conteúdo e de

significado. Estas podem se expressar como traços de resistência a sociedade

que as quer subjugar, tomar suas terras e colocá-las sob controle. Porém é

inevitável que incorporem novos conhecimentos para que possam melhor

resistir, que as suas culturas se transformem para que as sociedades sobrevivam.

Assim analisar a cultura Guarani implica em descortinar o processo social

concreto: as lendas e crenças, a linguagem, o sonho, as festas ou jogos,

costumes e tradições. Esses fenômenos não dizem nada por si mesmos, como

esclarece Santos (1986 p. 47): “eles apenas dizem enquanto parte de uma

cultura, a qual não pode ser entendida sem referencia à realidade social que faz

parte, a história de sua sociedade”. A idéia que tem a centralidade desta análise

é a de processo, pois é comum em diversos campos teóricos que cultura

Guarani seja pensada como algo estático, parado, petrificado.

Portanto, nada do que pertence à cultura pode ser estanque, porque a

ela se insere em uma realidade onde a mudança é um aspecto fundamental. A

visão exposta é antagônica á visão dominante que apresenta a cultura Guarani

como se fosse um produto, uma coisa com começo, meio e fim, com

características definidas e um ponto final. Em muitos casos o etnólogo extrai da

experiência histórica do povo Guarani produtos, estilos, formas, mitos e

constrói-se com isso um modelo de cultura. Essas construções podem servir

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para fins políticos, como, por exemplo, tornar ilustre a imagem de uma potência

dominadora.

Ao mesmo tempo, é comum que os interesses dominantes de uma

sociedade expressem uma definição de cultura dessa sociedade que seja de seu

agrado. Vale a pena ressaltar que nem todos esses modelos se esgotam nesses

fins. Nesta análise, a cultura Guarani é a dimensão da sociedade que inclui todo

o conhecimento num sentido ampliado e todas as maneiras como esse

conhecimento é expresso. Logo, é uma dimensão dinâmica, criadora, ela mesma

em processo, uma dimensão fundamental das sociedades contemporâneas.

A preocupação em descrever traços da cultura Guarani e a

compreensão da síntese por incorporação com a cultura do conquistador

europeu, permite efetuar a síntese dialética dos aspectos objetivos e subjetivos

que teceram a trama do tecido social das reduções jesuíticas da Província do

Paraguai. A aproximação em relação aos aspectos culturais, sociais e

antropológicos da etnia Guarani propicia uma melhor compreensão das relações

sociais empreendidas entre jesuítas, Guarani e encomenderos na Província do

Paraguai.

2.3 JESUÍTAS, GUARANIS E ENCOMENDEROS NA PROVÍNCIA DO

PARAGUAI.

Benitez (1981) informa que os primeiros jesuítas que chegaram ao

Paraguai em 1588 vieram do Brasil, a pedido do Bispo Alonso da Guerra. Eram

os seguintes jesuítas: P. Leonardo Armini, Juan Saloni, Tomás Fields, Manuel

Ortega e Esteban Grao, que se juntaram aos Padres Francisco de Angulo e

Marcial de Lorenzana, vindos do Peru. Astrain (1996) esclarece que estes

missionários iniciaram a sua pregação entre os indígenas e brancos em

Assunção, no Guairá, Villarica, Ciudad Real, chegando até Xerez na Província

do Itatim. Desde a chegada não faltou financiamento aos padres por parte dos

espanhóis. O padre Ortega recebeu as primeiras doações de terras em 1594,

efetivadas pelo tenente General do Guairá Rui Diaz Gusman, terras estas na

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província de Villarica21. Os jesuítas tomaram posse dessas terras em 20 de julho

de 1595 na presença do Alcaide Ordinário e o Escrivão da Vila. A Companhia

de Jesus não foi a primeira ordem religiosa a atuar no Paraguai, antecederam a

eles, os clérigos seculares e membros de outras ordens religiosas. Benitez

(1981, p. 17-18) esclarece:

Debe recordase que desde la fundación mísma de la Asunción, los religiosos trabajaron hombro a hombro con los conquístadores en la tarea de incorporación de la problación nativa a la vida civilizada. Fundación de “reducciones” y pueblos, catequización, organización de la familia de acuerdo a los principíos de la religión católica, constituyen apenas un esquema de la grande y sacrificada labor de mercedários, jerónimos, dominicos e franciscanos, y jesuítas luego, en los arduos dias iniciales de la conquista y colonización.

Benitez (1981) assevera que em 1604 foi criada a Província Jesuítica

do Paraguai e desde então cresceu a influência dos missionários desta ordem no

Paraguai. Prosperava a ação catequética e missionária, mas a extensão da

Província causava graves entraves, dificultando o seu governo e a manutenção

do trabalho, pois mesmo com o apoio do governo local, as longas distâncias e a

dificuldade de locomoção criavam grande empecilho. Astrain (1996, p. 13)

corrobora:

Antes de entrar em la relación de los primeros pasos que dieron los jesuítas em la vastas regiones por el Paraná, bueno será presentar algumas nociones geográficas, acerca del territorio que abarcaba lo que llamamos la provincia jesuítica del Paraguay. Al oir esta palabra, se imaginarán algunos lectores modernos, que la província de la antigua Campañia estaba reducida a los limites de la actual República que lheva ese nombre. [...] la gobernación del Paraguay comprendia los inmensos territorios que hoy forman las Repúblicas de la Argentina, del Paraguay, del Uruguay y as provincias merindionales del Brasil, ocudas entonces por los españoles.

Primeiramente os jesuítas organizaram colégios para os filhos dos

conquistadores, partiram também para missões ambulantes pelo interior do

Paraguai, em trilhas já abertas pelos franciscanos Francisco de Solano e Luis

Bõlanos, passando a cuidar dos neófitos cristãos indígenas, principalmente os

______________ 21 Ver mais sobre este assunto: Diaz de Guzman, Ruy. Merced de Tierras hechas al Colégio de La Companhia de Jesus para la fundacion de un Colégio... publicado In: Cortesão, J. Org. Jesuítas e bandeirantes no Guairá (1549-1640). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951 (Manuscritos da Coleção de Angelis, V. 1) p. 10-90.

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da etnia Guarani que tinha uma pequena iniciação do cristianismo. Os jesuítas

se ocuparam de pequenos grupos de “fiéis” sem pastor. Charlevoix (1747, p.

180) confirma “que durante alguns meses, os padres Ortega e Fields

percorreram solitariamente as montanhas, florestas e povoados da província do

Guairá”. E quando voltaram a Assunção informaram aos seus superiores que

tinham observado aproximadamente duzentos mil Guaranis. Astrain (1996, p.

21-22) esclarece:

Imposible no es explicar uno por uno los sucesos particulares y las aventuras apostólicas que fueran corriendo los pp. Ortega e Fields entre los pueblos del Paraguay. Indios buscados entre los bosques, caminos atravesados en medio de dificultades horribles, hambre y sed en jornadas por terrenos abandonados, trabajo molesto en la instrucción de indios rudos, resistencia en pecadores obstinados, todos estos pormenores que lheva consigo la vida apostólica, sobre todo en pueblos y países no muy cultivados por los ministros evangélicos, fueron experimentando en aquellos primeiros años los pp Ortega e Fields en la parte central y oriental de la actual República del Paraguay.22

Alguns fatores dificultavam a atuação dos primeiros jesuítas no

Paraguai, primeiramente a dificuldade de locomoção por esse extenso território,

a segunda era o desconhecimento da língua indígena e o terceiro aspecto era a

instituição da encomenda. Neste primeiro momento não havia ainda se

estabelecido o confronto entre os religiosos e os “encomenderos”, pois em

Assunção a elite local tratava com respeito os padres e rapidamente já lhes

havia edificado uma casa, um colégio e uma bela igreja (1595). A missão no

Paraguai, na visão dos colonos neste primeiro momento, parecia estar de acordo

com os seus interesses. Com os inacianos usando sua influência para apaziguar

os índios das vizinhanças, seguindo o modelo das missões peruanas, isto é, de

pleno acordo com a lógica do mundo colonial.

De acordo com Astrain (1996) a fundação da província jesuítica do

Paraguai foi negociada pelo Padre Diego de Torres em Madri e Roma, missão

atribuída pela congregação provincial do Peru através do padre visitador

Esteban Paez. A negociação ocorria desde o princípio do ano de 1602. A

proposta foi levada para o preposto geral Cláudio Aquaviva que decidiu dividir

______________ 22 O atual Paraguai não deve ser confundido com o que os jesuítas chamam de “Província” do Paraguai, ou paraguaia. Sabe-se que a Companhia de Jesus é dividida em províncias, elas próprias reagrupadas, em “assistência” – Itália, Alemanha, etc.

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a Província do Peru, formando ao norte e ao sul duas vice – províncias. A

primeira foi denominada de Novo Reino de Granada (atual Colômbia) com a

qual se juntaria o colégio de Quito, e a segunda foi intitulada de Santa Cruz de

La Sierra (atual Bolívia) por se localizar mais ao sul da província do Peru.

Como esclarece Astrain (1996 p. 33): “[...] empezadas en las regiones del

Tucuman. al principio admitió el P. Aquaviva este plan trazado en el Perú, y

despachó al Padre Torres con la respuestas de que se ejecutase aquella

división”.

Ao mesmo tempo o Padre Aquaviva concedeu ao Padre Torres a

disponibilidade para levar consigo para o Peru, trinta e cinco missionários que

foram recrutados das províncias da Itália e da Espanha; posteriormente estendeu

este número para quarenta e cinco. Portanto, a fundação da Província Jesuítica

do Paraguai como conseqüência da cisão da Província do Peru compreendia

mais ou menos os territórios atuais da Argentina, do Uruguai, do Paraguai do

Rio Grande do Sul (Brasil), da Bolívia oriental e inicialmente o Chile. A

maioria das obras consagrada aos jesuítas do Paraguai diz respeito às missões

Guaranis, situadas na atual República do Paraguai, e também na Província

Argentina de Míssiones e nos territórios meridional do Brasil. Embora os

Guaranis seja o tema central desta análise, não há motivo para limitar o estudo

das relações sociais, econômicas e políticas em relação a outros grupos étnicos.

Pelo contrário ao recolocá-los inseridos na totalidade das relações da Província

do Paraguai, teremos a oportunidade de captar as razões e a práxis missionária

entre os Guaranis.

Gadelha (1984) afirma que em 1607 o provincial da Companhia de

Jesus no Paraguai Diego Torres regressou do Peru trazendo consigo doze

missionários. E em 1608 se reuniu no Chile a primeira congregação provincial,

que discutiu as diretrizes básicas de ação a ser adotada pela Companhia na

província. A retórica jesuítica desde o primeiro momento definia claramente os

seus objetivos: a conquista do território da província, catequizar os índios e

“salvar suas almas”. Gadelha (1984, p. 193) corrobora: “Não menos prejudicial

á obra da conversão dos índios, era a instituição da ‘encomienda’ e do serviço

pessoal”. Sobre o tratamento que os índios recebiam dos encomenderos

escrevia Torres (Apud Gadelha, 1984, p.193):

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Es general y comum en tres gouernaciones el seriu23 personal que los españoles encomederos y vezinos (que llaman) tienen de los yndios que es seguirse dellos y de sus mugeres y hijos como de esclavos sin que ellos tengã cosa ppia y algunas vezes apartando los maridos de las mugeres y mui de hordin los hijos de los padres y lo que a los mas les dan es algunas pocas tierras [g] de las muchas que les tienen usurpadas en que hagan sus pobres sementerillas y a malas penas les dan tiempo para ello y a tros tienen sus cassas y les dan nas muy limitadas raciones de maiz o trigo, y rraras ueces alguna carne y un misarable uestidillo [..].

No território da província do Paraguai os indígenas, após um século da

conquista e da colonização, estavam quase que totalmente subjugados. Se no

primeiro momento houve uma feroz resistência, neste período era domínio, que

se dava sob vários aspectos. O regime da “encomienda” dizimou milhares de

indígenas no trabalho das lavouras, na extração da erva-mate e na criação de

gado. Os indígenas “encomendados” tinham uma vida miserável, recebendo um

tratamento pior que a de “escravos”, provocando a destruição de suas famílias,

a fome e os maus tratos. As fugas eram constantes e a redução da média de vida

era a expressão prática destes cem anos de dominação espanhola. Os indígenas

buscavam refúgio nas florestas no interior da província em lugares inacessíveis

e distantes dos brancos, e continuavam sendo perseguidos pelos espanhóis e

pelas bandeiras paulistas. A institucionalização da “encomienda” fez da

província do Paraguai um campo de caça ao índio.

Simard (2004) esclarece que a violência está na origem da relação

colonial. Seja pelas armas quanto pelo constrangimento, foi pela

desestruturação dos quadros sociais existentes que a potência espanhola pode se

instalar. Mais que a colaboração das elites cacicais, foi o seu enfraquecimento

no principio, e, posteriormente, sua inserção na máquina administrativa e nos

mecanismos econômicos, que permitiram ao sistema manter-se e reproduzir.

Mas, se alguns desses elementos de articulação se pode vislumbrar em outras

colonizações, os espaços de mobilidade, as margens de manobras deixadas, das

quais se aproveitaram os índios, numa palavra, o jogo que as engrenagens

coloniais comportavam, eram particularmente importantes na América

espanhola. Esta resistência ao domínio se deu também pela guerra, pois os

______________ 23 Gadelha obtém essas informações em: Astrain, Antonio (sj) – História de la Compañia de Jésus em la asistencia de España. Madrid: Administración de La Rázon y Fé, 1913, 4 v., t4.

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índios guaicuru24 atacavam os povoados dificultando também o comércio entre

o Paraguai e o Peru. Os índios paiaguás mantinham uma resistência acirrada

em um outro corredor de transporte – o rio Paraguai e seus afluentes

dificultando a navegação e a circulação de mercadorias.

Neste processo a evangelização e a colonização do imaginário foram

as missões incumbidas à igreja. Conter a revolta armada buscando pacificar

pela catequese, o controle dos ritos de passagem pela obrigação do batismo, do

casamento e dos funerais religiosos, a luta contra a poligamia, a imposição de

novos valores morais, a integração social das camadas mais humildes são

aspectos desse processo de ocidentalização que tem a sua gênese neste contexto

social histórico do Paraguai.

É difícil falar da Igreja de maneira uniforme, abstraindo a diversidade

de atitudes, das políticas e das estratégias das ordens religiosas encarregadas da

cristianização. Os jesuítas pela sua experiência acumulada durante longos anos

de ação pelos quatros cantos do mundo, aliada a boa formação intelectual e a

constante troca de informação com outros colégios em várias partes do mundo,

desenvolveram seu empreendimento com uma configuração singular a realidade

social, histórica e cultural do Paraguai. Partindo da práxis jesuítica,

comprovaram que o grande entrave para o seu empreendimento – catequese,

educação e a instituição dos códigos sociais do mundo ocidental – estava

relacionada com a “encomienda”. Estas análises da conjuntura política do

Paraguai eram repassadas ao preposto geral em Roma, que levava estas

informações ao Rei da Espanha, e a indagação era: como converter em

“cristãos” e tornar “civilizados” os indígenas escravizados?

O Estado espanhol buscava de toda maneira defender os seus

interesses estratégicos, pois a colonização do continente americano se inscreve

num processo globalizado e de integração de populações que, até aquele

momento, haviam vivido isoladas do velho mundo. Paradoxalmente no “Novo

Mundo” o Estado espanhol se utilizou de uma instituição arcaica, o tributo,

facilitando a “integração” econômica dos índios. Essa forma de imposto era

______________ 24 Os Guaicurus eram os índios “cavaleiros”, pois nesta região do Rio da Prata, o conquistador Pedro de Mendonza levou alguns cavalos em 1536. Por ocasião da segunda fundação de Buenos Aires, em 1580, Juan Garay, encontrou milhares de cavalos selvagens que percorriam a Planície circundante. Os índios, que haviam temido aqueles animais, bem depressa compreenderam a utilidade que eles podiam ter e tornaram-se cavaleiros muito hábeis.

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diferente de todas as outras taxas, pois era cobrada sobre uma categoria da

população singularizada por suas origens. Bernand (2004, p. 168) esclarece que

justificação era claramente exposta pela legislação: “Porque é coisa justa que os

índios, que estariam pacificados e reduzidos á nossa obediência e vassalidade,

nos sirvam e nos devam tributos, a nós enquanto suseranos, como o fazem

todos os súditos vassalos25”.

Portanto, era também de interesse do Estado espanhol que este grande

contingente pagasse seus tributos a Coroa, pois a exploração da “encomienda”

havia dizimado uma grande quantidade de silvícolas. Neste sentido emerge na

metrópole outra indagação: como desenvolver economicamente o cone-sul da

América Latina e fazer com que esta se torne lucrativa e os indígenas possam

pagar seus tributos?

Diante desse quadro a articulação jesuítica junto ao Rei da Espanha

passou a fazer sentido, pois entrelaçava os interesses da Companhia de Jesus e

do Estado Espanhol. E os jesuítas possuíam grande credibilidade, pois os seus

empreendimentos em diversas partes do mundo eram extremamente lucrativos.

Parece, numa primeira aproximação, que o segredo é muito simples: a

província do Paraguai precisava ser lucrativa. Logo, a Companhia de Jesus

começou a montar a sua estrutura. De acordo com Gadelha (1980, p. 94)

“dispunha neste período a Província Jesuítica do Paraguai de cinqüenta e sete

membros, entre sacerdotes e irmãos’. Este pessoal foi repartido pelas casas e

missões que a Companhia dispunha. E foram assim distribuídos: treze

sacerdotes no Chile, sete em Tucuman e nove no Paraguai. Nesta contextura já

estavam em funcionamento os colégios de Santiago (Chile) e o de Assunção

(Paraguai), possuindo a Companhia de Jesus outras duas residências em

Santiago de Tucuman e em Córdoba, as duas últimas cidades pertencentes a

governação do Tucuman. Outra ação estratégica da Companhia foi a construção

de uma casa em Buenos Aires.

Esta cidade por ser uma região portuária, era a porta de entrada de

missionários e de mercadorias que vinham do Brasil e da Europa. A construção

de uma casa jesuíta em Buenos Aires desvenda a perfeita consciência, por parte

da Companhia, de assegurar uma base sólida no campo material para o

______________ 25 Ver mais sobre este assunto: Leyes de Índias, livro VI, Cap. V, lei I.

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desenvolvimento de sua empresa na província do Paraguai. Como revela Seep

(1980 p. 67): “[...] no dia 17 de janeiro, dia de Santo Antônio entramos a toda à

vela em Buenos Aires. [...] Nossos navios estavam carregados com pelo menos,

doze milhões de toda espécie de mercadorias, como ferro, cobre, linho e, até

madeira”.

Buenos Aires seria um importante entreposto comercial e o ponto de

partida e de chegada utilizado pelos padres em sua relação com a Europa.

Gadelha (1980, p. 195) afirma que “era por Buenos Aires que se enviavam

navios com os seus procuradores, e recebiam mercadorias e auxílios da

Europa”. Seep (1980) comprova que a casa de Buenos Aires seria o ponto

obrigatório e de apoio ao conjunto das missões do Paraguai. A Companhia de

Jesus se tornou um fator importante na vida econômica da cidade. Os jesuítas

organizaram as suas estruturas e partiram para a ação de forma organizada,

atuando em duas frentes.

A primeira seria a consolidação e a ampliação desta base material. E na

segunda frente, a constituição de uma superestrutura jurídica, política e

educacional no sentido de legitimar a sua visão de mundo, fundamentados na

síntese de preceitos cristãos, no campo moral e religioso, e o desenvolvimento

das instituições do capitalismo. Pois era incongruente aos preceitos mercantis a

não existência de consumidores, devido à miséria e a pobreza que assolava a

maioria da população do Paraguai colonial. A elite local que no primeiro

momento via com bons olhos e apoiava a ação inaciana pelo seu aspecto

“civilizador” de vestir os índios, ensiná-los o catecismo, introduzi-los ao canto

gregoriano e na música, ensinando-lhes os valores da cultura ocidental,

prontamente se voltou contra jesuítas, pois no centro da política empreendida

por eles estava o fim da “encomienda” e a defesa do trabalho assalariado.

A elite percebeu que os jesuítas tinham um projeto próprio que

rivalizava com os seus interesses. Logo, jesuítas e Guaranis se uniram para

fazer frente aos encomenderos, a partir deste momento se acirraram as

contradições entre estes grupos, que culminaram em quase dois séculos de

profundo antagonismo.

No início, os encomenderos haviam apoiado a idéia de reduzir os

índios em missões e “pueblos”, pois isso lhes facilitaria a obtenção da força de

trabalho necessária. Para o Estado Espanhol a redução era um instrumento

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estratégico na cobrança dos tributos, pois com o declínio demográfico o Estado

perdia receitas. Esses desequilíbrios entre a taxação dos tributos e o declínio

populacional permaneceram durante toda época colonial, apesar de alguns

esforços de recomposição dos encargos fiscais. Um desses esforços foi o

modelo de índio reduzido.

Bernand (2004, p. 168) especifica que “o índio tributário era um adulto

entre dezoito e cinqüenta anos de idade, sendo que os caciques e suas famílias

eram isentos de tributos”. O tributo, num primeiro momento foi cobrado em

espécie: erva-mate, produtos agrícolas, animais etc. Mas, já na segunda metade

do século XVI, passou a ser exigido em dinheiro. Na singularidade Paraguaia o

pagamento do tributo em dinheiro foi assim descrito por Astrain (1996 p.198):

Una pesada tribulación vino afligir a los jesuítas del Paraguay a mediados del siglo XVII, y fue la forma de pagar el tributo que se les impuso a los índios en 1658. Después de largas discusiones que seria prolijo, referir, por fin se había precisado el tributo que debían pagar los indios Paraguayos y esto se habia hecho a petición de los mismos Padres de la Compañia.

De acordo com Quevedo (2000, p. 71) “o modelo adotado foi as

reduções que seria a concentração de índios em pequenos povoados para

convertê-los à fé católica reformada, conforme estipulado pelo Concílio de

Trento (1545-1563)”. Foi nesse contexto da exploração da terra e da força de

trabalho indígena que o padre Diego de Torres Bollo fundou em 1607 a

província jesuítica do Paraguai. Ação articulada com o governador

Hernandarias, na busca da “conquista espiritual” e material dos Guaranis. As

reduções emergem como uma síntese dialética que marcam a transição da

sociedade tribal à sociedade moderna do Estado absoluto.

Gadelha (1980, p. 195) descreve os objetivos das primeiras reduções:

[...] Os objetivosa atingir através da fundação das três missões estão claramente indicados [...]. A primeira missão em terras do Guairá e Tibajiba tinha por finalidade impedir a fuga dos índios motivados pela prestação obrigatória aos espanhóis, do detestado “serviço pessoal”. [...] A segunda missão, entre os índios Paraná, era considerada como sendo de suma importância: “porque estos indios

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Paranaes impediam la nauegación, y comercio que ay por este rio a todas las ciudades”.26

A terceira missão de acordo com Gadelha (1980) que tem como fonte

o Padre Diego Torres era reduzir e aldear os índios guaicurus. As missões eram,

portanto essenciais aos interesses dos colonos espanhóis. Principalmente a

missão dos guaicurus que era estratégica para a manutenção do comércio entre

Assunção e as demais regiões. A dificuldade imposta pelos ataques indígenas

dificultava esta ligação isolando a região do Paraguai e conseqüentemente

impedindo as relações econômicas com o Alto-Peru, Rio da Plata e Tucuman.

Porém as tentativas de reduzir os guaicurus foram inúteis, como

esclarece Astrain (1996 p. 75): “Bien se esforzaron los jesuítas em ganar a los

gaycurus, pero fue imposible conseguir nada de provecho”. A partir dessas

considerações, torna-se evidente a necessidade de redirecionar a discussão que

alguns autores apresentam sobre o processo de catequese que estabelece o

caráter “heróico” dos padres da Companhia de Jesus. E que estes se

embrenhavam sozinho pelas matas subtropicais da América espanhola e sem

nenhum outro propósito além de “salvar as almas” dos “selvagens”. Um dos

autores que apresenta esta visão é Haubert (1990), afirmando que em 1610

pouco ao sul de Assunção, hoje capital do Paraguai, dois jesuítas despojados de

tudo conseguem reunir algumas centenas de “selvagens” guaranis numa aldeia

missionária. Haubert (1990, p 21) completa a sua apologia: “Os polemistas

católicos concordam em que tendo encontrado nas florestas americanas almas

ainda virgens de toda a escória da civilização, os jesuítas puderam, apenas pela

virtude dos Evangelhos, fazer dos guaranis ‘os mais puros e felizes dos

homens’”.

Haubert (1990) não demonstra que o projeto de reduzir os índios

guaranis não era um projeto individual e isolado de apenas dois jesuítas. Mais

sim era um projeto do Estado Espanhol em aliança com a Companhia de Jesus

na figura de seu preposto geral Cláudio Aquaviva. O projeto contava com o

apoio das autoridades locais na figura do governador Hernandarias e do

provincial da Companhia de Jesus no Paraguai Diego de Torres. Pois era do

entendimento geral que caberia aos jesuítas apaziguar os indígenas e reduzi-los, ______________ 26 Ver mais em: Torres, Diego de (s.j)- “Segunda Carta, Del.P.Diego deTorres (6juniode1610). In:Ravigani,Emilio(org).Iglezia.Cartas annuas de la Provincia Del Paraguay.p41-48.

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assegurando assim, força de trabalho para os colonos e tributo para o Estado

Espanhol.

No primeiro momento a Companhia de Jesus incorporou este papel de

“civilizador” e por um curto período conseguiu conciliar os interesses das

diversas frações da classe dominante local. Porém, o processo de instalação das

reduções gerou as contradições entre jesuítas e “encomenderos” (elite local),

que vai se materializar em dois projetos distintos. Dos colonos que lutariam

com todas as armas para manter os seus privilégios na exploração da força de

trabalho indígena sobre a sua hegemonia. E, por outro lado, o projeto jesuíta

que através de uma forte articulação política conseguiu o monopólio sobre as

aldeias reduzidas e através de leis específicas, que garantiam a isenção por dez

anos de pagamentos de impostos – que era cobrado pelo trabalho pessoal,

consequentemente conquista a hegemonia do corpo e da alma dos indígenas

reduzidos.

A carta magna expedida pelo Rei da Espanha foi fundamental para a

estratégia jesuítica. Este fato se deu em 1610 e foi comprovado pelo Provincial

da Companhia de Jesus no Paraguai, Diego de Torres apud Gadelha (1980 p.

196):

Ilegado yo este puerto de Buenos Aires a visitar esta casa y el nuevo gouernador que es muy afecto a la Companhia halle bien acaso outra cédula y carta de su magª en la carta manda que bayan p. es a las prou.as de guayra, y que los trae el p.e mexia que se apliquem ([ocho]) (6) para esta mision y que se les prouea de lo necesario. Y en la cédula ordena, que todos los indios que se convirtieren por el evangelio se pongan em su Real corona y por diez años no paguem cosa alguna, y prouen a los religiosos de lo necesario a su costo y por este respecto há mandado el gouernador que las dichas tres misiones se prouean de ornamentos y campanas, y a cada dos p.es se den trecientos pesos para su vestuario y sustento y se nos ha começado a pagar.

Logo, o projeto dos jesuítas avança com o apoio da Coroa espanhola,

bastava agora reduzir os índios, convertê-los ao cristianismo, conseqüentemente

os indígenas também se beneficiaram deste processo, pois ficavam isentos do

pagamento do tributo. Esta Carta Magna representava uma derrota no campo

político aos encomenderos, passando o monopólio da força de trabalho indígena

para outras mãos. Esta estratégia já estava amadurecida há algum tempo, pois o

provincial das missões jesuítas no Paraguai Diego de Torres, já havia abolido o

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serviço pessoal nos Colégios e nas propriedades jesuíticas27, e as medidas

haviam sido ordenadas pelo proposto geral da Companhia Cláudio Aquaviva.

Neste sentido fica evidente que desde a sua fundação a Companhia de

Jesus usava de seu prestígio político junto aos reis e ao papa, buscando obter

vantagens para sua ação econômica, catequética e missionária. E na

singularidade Paraguaia não foi diferente. Os jesuítas ao decodificar o processo

de mudança profunda nas relações sociais provocadas pelo procedimento de

acumulação primitiva. Com o desenvolvimento das forças produtivas,

buscavam se integrar nesta ação, incorporando em suas práticas os novos

códigos sociais28 que emergem em instituições jurídicas, que davam

“legalidade” aos seus atos. Um exemplo elucidativo desta nova configuração

estatal se expressa nas Leis das Índias e na Carta Régia. A mesma dificuldade,

no entanto, encontrava o vice-rei em obrigar os desocupados e mendigos

brancos a trabalhar.

O Peru carecia de negros que substituíssem a força de trabalho

indígena e, em 1604, a Real Audiência chegou à mesma conclusão, que era

impossível por em prática o conteúdo da Carta Magna sem causar a falência

total do Vice-Reino do Peru.

No ano de 1606, o Vice-Reino do Peru sob forte influência dos

jesuítas, esteve a ponto de abolir o serviço pessoal, porém por uma fatalidade o

Vice-Rei faleceu, e o seu sucessor, o Marquês de Montesclaro, agiria com

cautela e em 1608 não demonstrou intenção de abolir o serviço pessoal. A lei

existia, porém a conjuntura política e econômica inviabilizava a sua execução.

Foi neste contexto desfavorável à proposta de abolição do serviço pessoal que o

provincial da Companhia de Jesus Diego de Torres decidiu colocar em prática a

Carta Régia que abolia o serviço pessoal nos colégios e nas propriedades da

Companhia.

______________ 27 Ver mais sobre este assunto: Chaunu, P. A América e as Américas. Lisboa – Rio de Janeiro: Cosmos, 1969. P. 100-102. 28 A Carta Régia de 24 de novembro de 1601 no Vice-Reino do Peru demonstra claramente a dificuldade em se adaptar a realidade a uma lei. Aparentemente a legislação resolvia o problema da força de trabalho, pois o Rei compelia e dava instruções às autoridades coloniais que impulsionasse os indígenas no sentido de alugarem seus serviços em praça pública, em troca de salários e alimentação. Quanto aos “yaconos”, eles eram considerados “livres” e não poderiam, sob o pretexto de não possuir aldeias ou estarem desenraizados de suas terras, de forma alguma serem vendidos junto com a terra.

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Logo, todas as informações colhidas tendem a reforçar a influência da

Companhia que buscava articular junto à metrópole a imposição do fim do

serviço pessoal. Um exemplo elucidativo sobre este processo fica manifesto

quando o preposto geral da Companhia escreveu de Roma ao provincial do

Paraguai Diego de Torres informando a respeito da nomeação do novo

governador do Paraguai (1611) Diego Martin Negron, que era favorável às

posições políticas da Companhia. Torres apud Gadelha (1980, p. 198-199)

descrevem o conteúdo desta carta:

Há uenido a este Gouierno por G.or um Caballero muy christiano, y afecto a la Comp.a y aunque es gran soldado há escripto a su Magestad que no trate de enuiar otros soldados para las conquistas de ynfieles que padres de la Companhia, ni hazer guerra con otras armas, q con el Sancto Euangelio, y cierto no ay outro camino ni mas seguro, ni mas breue. Há dado tambien trecientos y cinqüenta patacones – para cada mission por una cédula de su Magestad con q se há suplido algo de la mucha necessidad.

A carta também informava a chegada do visitador real D. Francisco de

Alfaro, enviado pelo Estado Espanhol com a instrução de visitar o Paraguai e

Tucuman, no sentido de buscar uma solução para os problemas do “serviço

pessoal”. E buscar uma saída negociada para o conflito instalado entre os

colonos e os jesuítas. A perspectiva dos jesuítas e do Estado Espanhol era a

transformação do indígena escravo em trabalhador assalariado. A retórica

oficial era que o Estado Espanhol estava extremamente preocupado com a

destruição dos povos nativos. A Companhia através de seus representantes

aproveitou a vinda do visitador Francisco de Alfaro e impôs a sua presença.

Acompanhando o visitador quando este inspecionava as governações e

manifestando a posição da Companhia. A ordem jesuita se colocou em oposição

ao ex-governador da Província do Paraguai Hernandarias de Saavedra, que

possuía grande prestigio na província.

Alfaro atendeu a posição da Companhia de Jesus, apresentando

discordância apenas pontuais. Como, por exemplo, em relação ao montante de

tributo que os “encomenderos” deveriam receber dos índios. Destaque-se que já

na metade do século XVI os tributos na América Espanhola, passaram a ser

exigido em dinheiro, e para obter, os tributários foram obrigados a trabalhar,

mediante um salário, nas minas, nas oficinas têxteis ou nos diversos campos de

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ofícios. Nas áreas mineiras da Nova Espanha e do Peru o trabalho assalariado e

a agricultura de mercado tornaram-se uma circunscrição permanente do sistema

econômico. Este modelo era que os espanhóis queriam planificar na província

do Paraguai.

Porém os colonos do Paraguai acusaram, e com razão, que a

Companhia de Jesus era a mentora das ordenanças de Alfaro29. Os

“encomenderos” se sentindo prejudicados apelaram para a Audiência de

Charcas e enviaram procuradores ao Rei da Espanha. Nestas manifestações os

“encomenderos” receberam o apoio do governador Hernandarias de Saavedra

em defesa da manutenção da “encomienda”.

Iniciou-se então na Província do Paraguai uma dura perseguição contra

os jesuítas, que foram obrigados a fugir de Assunção, por aproximadamente três

meses, até que os ânimos se acalmassem, regressaram amparados por

Hernandarias. Não pode passar sem registro alguns pontos das Ordenanças de

Alfaro, demonstradas por Astrain (1996). Apresentaremos brevemente as

principais destas ordenanças, para que o leitor forme idéia sobre o antagonismo

desse processo. Astrain (1996, p. 58) esclarece:

En el primeiro dice el oidor: “Primeiramente declaro, que por una junta hecha en esta ciudad de Santiago del Estero, con el dicho Sr. Obispo, prelados de las órdenes y letrados que en esta ciudad se hollaron, religioso y legos, se declaró por todos, sin que hubiese persona contraria opinión, que el servicio personal que en esta província se ha usado conforme a las que han llamado ordenanzas y tasa, ha sido y es injusto y contra todo derecho, y asi lo declaro.

Astrain esclarece que no segundo item das Ordenanças se fizesse

cumprir a cédula real que ordenava que os índios não pudessem ser dados como

escravos e nem vendidos. Declarando assim nulas todas e qualquer comércio de

indígenas. E que daquele momento em diante nenhuma pessoa estava

autorizada a vender e a comprarem índios, proibia também a captura de índios

através das “malocas”, e estipulava uma pena de seis anos de prisão. A pena

seria cumprida dentro de uma galera e o prisioneiro seria obrigado a remar por

seis anos. ______________ 29 De acordo com Magnus Morner (1968, p. 39) Hernandarias de Saavedra possuía as melhores encomendas de indígenas existentes e dispunha de muitos escravos negros, o que não era muito comum entre os colonos. Neste sentido se justifica a posição deste que foi contra os inúmeros itens das Ordenanças de Alfaro.

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A ordenança de número 25 estabelece que nos povoados indígenas não

fossem permitido residir nenhum espanhol, nem mestiço, nem negros e

mulatos, sob pena de pagar cem pesos espanhóis e ser castigado com cem

açoites. A ordenança de número 28 tinha um caráter “moral” e proibia que

qualquer mulher, sogra, irmã ou mãe de “encomendero”, estava impedida de

entrarem nos povoados índios, ainda que sob o pretexto de curar os enfermos.

Outro ponto central das ordenanças foi a que estabeleceu o trabalho assalariado.

Astrain (1996, p. 59) explicita:

La 48 dice asi: “Declaro que la mita ha de ser la sexta parte de los índios del pueblo que deban pagar tasa, porque de mujeres muchachos ni viejos no se há de dar mita. El alcalde repartirá, según su prudencia, los indios que vienen de mita”. A estos indios encarga el oidor que no se les impognan trabajos demasiado penoso, el llevar sillas de manos, el mover molinos a brazo y otros que podrían estragarles la salud. El cuidado de que se pague religiosamente a los pobres indios el jornal que merecen por su trabajo, se ven la ordenanza 60, cuyo texto dice asi: “Item. Declaro que los indios jornaleros que sirven en los pueblos de españoles o en edificios hayan de ganar y ganen un real de plata moneda de Castilla y de comer, todo el tiempo que estuvie ocupados,y el indio estuvieren en estancia de ganado mayor haya de ganar y gane lo que montare la tasa que pague aquel año y más doce pesos, y el guarda de ganado menor gane lo que pague un indio de tasa, aunque le sea reservado, y más otro doce pesos”.

Astrain esclarece que no artigo 63, Alfaro declara que a jornada de

trabalho indigena deveria ser paga semanalmente, antes que o índio lhes

pedisse, e deveria ser entregue em suas próprias mãos, em dinheiro. Estabelecia

que de modo algum fosse permitido que as mulheres indígenas acompanhassem

seus maridos no trabalho. Porém um dos pontos mais delicados que atendeu o

visitador foi o de fixar a taxa, isto é, decidir sobre a contribuição que os índios

deviam pagar aos encomenderos. Astrain (1996, p. 60) esclarece que depois de

longa discussão junto ao Bispo, e com os Provinciais das Ordens religiosas,

disse Alfaro:

Se declaró por todos, sin contradicción de nadie, que las mujeres, de qualquier edad que fueren, los viejos y muchachos no tienen obligación de paga tasa ni servicio personal, y asimismo lo declaro yo por esta ordenanza. Los indios que han pagar tasa son los varones desde diez y ocho hasta cincuenta años, salvo los que tuvieren enfermedad que no puedan trabajar para ganarlo y los caciques principales y alcaldes, sacristanes y cantores, que asimismo son libres de tasa.

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As ordenanças foram apoiadas pelo Bispo de Tucuman, pelo

governador do Chile e de Tucuman e pelos franciscanos e jesuítas. As

ordenanças marcaram profundamente o antagonismo entre os espanhóis locais

(colonos) e a Companhia de Jesus que permeará durante os séculos XVII e

XVIII. Essa luta histórica culminará com a expulsão dos jesuítas da Província

do Paraguai na segunda metade do século XVIII.

Suznik (1965) destaca que as Ordenanças de Alfaro, não foram

compreendidas em sua extensão, nem mesmo pelos indígenas que reagiram,

entendendo que as ordenanças seriam outra forma de exploração. Quanto aos

“mitaios”, reagiram às ordenanças e fizeram grandes revoltas e se recusavam a

pagar os tributos. Os jesuítas sentiram-se fortalecidos, pois os encomenderos –

que haviam recorrido das ordenanças junto á Audiência de Charcas – foram

derrotados por três vezes consecutivas em suas apelações.

Em 1615 Hernandarias de Saavedra fora nomeado Governador do

Paraguai e do Rio da Prata, e este cumpriu rigorosamente as ordenanças. Com a

confirmação das ordenanças de Alfaro por Felipe III, em 1618, ficou

sacramentada a vitória “legal” da Companhia de Jesus. Porém na praxis

cotidiana da Província do Paraguai a encomienda (Prestação de serviço pessoal)

continuou até o fim do regime colonial.

Os jesuítas utilizaram todos os artifícios para que houvesse o

cumprimento das ordenanças de Alfaro, recusando-se a absolver em confissão

os encomenderos e ameaçando-os de excomunhão. Porém nada podia conter a

ganância dos encomenderos. Pois na materialidade da produção, o Paraguai

Colonial não havia ainda criado as condições objetivas e subjetivas para a

transposição imediata para o trabalho assalariado. Assim como era impossível

substituir a força de trabalho indígena, pela africana, pois os colonos não

haviam acumulado capital suficiente para o desenvolvimento das forças

produtivas locais. Pois estavam na periferia do sistema, cujo papel que lhes

cabia, neste contexto histórico, era de exportador de produtos primários com

pouco valor agregado, inseridos prioritariamente no mercado regional, cujo

centro era as regiões produtoras de ouro e prata.

Neste sentido, na práxis cotidiana as leis apregoadas nas ordenanças de

Alfaro estavam fora de lugar, no tempo e no espaço. As ordenanças de Alfaro

não foram cumpridas, e os quase dois séculos seguintes foram de luta. Os

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colonos fortaleceram a sua produção econômica com o instrumental que

possuíam: burlando as ordenações e prosseguirão na exploração da força de

trabalho indígena. Bernard (2004.p.169) afirma:

A bem da verdade, a fronteira que separa a mita dos serviços pessoais é tênue. Sem os índios, os espanhóis não podiam nem movimentar-se, nem comer, nem viver, “e apesar disso nos esperamos a hora de acabar com eles”; E nos termos seguintes que se expressa Fray Rodrigo de Loayza, em 1586: “Se o fazem carregar uma carga de quatro ou cinco arrobas [1 arroba = 11,5 Kgl], ele a transporta por dez léguas até cair sobre o peso sem conseguir levantar-se, e o espanhol o ajuda á força de pontapés e puxa-lhe o cabelo, que todos têm muito longos, para sua desgraça, porque os espanhóis se servem deles como se fosse cordas para arrastá-los [...], e muitos índios não esperam que os venham reerguer e, vendo-se esmagados pelo trabalho, pelas taxas e pelos tributos, sufocam-se enrolando os cabelos em torno do pescoço, e alguns, ainda mais desesperados, enforcam-se numa árvore e enforcam seus filhos para livrá-los de uma tal sujeição e miséria.

Esse testemunho, entre muitos outros, é revelador do desalento dos

índios diante da exploração de que eram vitimas. Os jesuítas mantiveram a sua

estratégia de atuação, era orientação do preposto geral da Companhia Cláudio

Aquaviva com base em uma larga experiência de mais de 50 anos de atuação no

Brasil (1549) e com o trabalho que realizavam com sucesso no Peru. Para evitar

que as dificuldades encontradas no Paraguai repercutissem negativamente em

outras províncias. O provincial do Paraguai recebeu ordens para renunciar as

missões itinerantes, e estabelecer missões estáveis em locais determinados e

afastados dos conglomerados coloniais. E o modelo adotado foi a do “índio

reduzido”, Quevedo (2000, p.65) assevera que:

Para que a conversão tivesse continuidade, eram necessários os aldeamentos de índios cristãos, nos quais se procedia à redução do índio à fé católica. Para os católicos, a Redução significava trazer de volta a fé cristã os filhos que se desgarraram no caminho verdadeiro de Cristo e da fé católica. Portanto, reduzir é reconverter o índio ao cristianismo.

Logo, as reduções disseminaram-se pelo Paraguai e Rio da Plata,

fundamentadas no caráter legal estabelecido nas Ordenanças de Alfaro. E

estabeleciam à redução do índio a fé católica pelo isolamento dos povoados

indígenas, que teoricamente “pretendia-se proteger”. Na ótica de Lugon (1977)

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pelo isolamento pretendia-se proteger com a moralidade, a liberdade das tribos

ainda não submetidas. O monopólio jesuíta sobre a força de trabalho indígena

começava a se configurar, contando com o apoio do Estado Espanhol.

Lugon (1977, p. 30) desceve esse processo:

O governador do Paraguai, Hernandarias de Saavedra anunciara há pouco ao Rei da Espanha que se revelava impossível subjulgar os 150.000 índios do Guairá. O Rei Felipe III, cercado de boas influências e persuadido das vantagens políticas e militares que poderia resultar da solução preconizada pelos jesuítas, respondera: “Mesmo que possuíssemos as forças necessárias, os índios do Guairá só devem ser submetidos pelos ensinamentos do Evangelho. (15 de julho de 1608). A 26 de novembro de 1609, o teniente-general do governador das províncias do Paraguai e do Prata ordenava ao capitão Pedro Garcia que impedisse aos colonos recrutarem escravos na província de Guairá tendo ficado a redução dos habitantes confiada, a título exclusivo, aos padres Cataldino e Maceta.

A força de trabalho mudava de mãos, e passou para o monopólio da

Companhia de Jesus. Neste sentido destrói-se o mito de que um grupo de

religiosos abnegados que saiam sozinhos pelas selvas subtropicais, e

começaram as suas pregações e, pelo “poder de Deus” converteram milhões de

“selvagens” à fé católica e que seus únicos objetivos eram catequizar e “salvar

as almas dos indígenas”.

A luta na realidade era mais pelo corpo dos indígenas do que pela sua

alma, pois com a sua força de trabalho estes poderiam produzir o valor.

Portanto, o projeto jesuítico no Paraguai não foi efetivado aleatoriamente, foi

um projeto planejado e extremamente organizado, contando com o apoio do

Moderno Estado Espanhol. Apoio que se materializou financeiramente,

fundamentado em uma legislação (Ordenanças de Alfaro e Leis das Índias) e no

apoio militar, para que o empreendimento jesuítico pudesse prosperar.

Os governantes espanhóis não davam um salto no escuro, conheciam

profundamente a práxis jesuítica em diversas partes do mundo. As propriedades

jesuíticas (estâncias, fazendas, colégios, etc) no México, no Chile, no Peru eram

extremamente produtivas. Também conheciam os empreendimentos jesuíticos

no Brasil, em Goa (Índia), no Japão. Compreendiam que apoiando a Companhia

de Jesus, breve esta região se tornaria próspera e desenvolveria novas relações

de produção, e toda forma de lucro era muito apreciada pela Coroa espanhola.

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Lugon (1977) afiança que o empreendimento jesuítico (denominado de

redução) estava apoiado na legislação espanhola: Um decreto oficial do

visitador régio só foi obtido, porém a 11 de outubro de 1611. As primeiras

reduções já estavam estabelecidas. Declarava Felipe III: “Esses índios não

devem ser entregues em sujeição a ninguém”. O estatuto das reduções foi

confirmado em 1631, 1633 e 1647.

Aqui também se quebra outro mito: que as reduções eram produção

independente, desvinculadas das relações coloniais.

Desde a sua gênese as reduções jesuíticas foram constituídas

intrinsecamente na lógica das relações coloniais. Portanto, a tese apresentada

por Lugon (1977) de que fora instituída uma República “comunista” Guarani,

que contava apenas consigo. E que esta República mostrou-se capaz de

salvaguardar a sua liberdade, pois podia se defender com armas iguais. A tese

apresentada por Lugon é paradoxal, pois ao mesmo tempo evidencia que as

reduções foram constituídas sob a égide do Estado Espanhol, em um segundo

momento só podiam contar consigo.

Portanto a tese não procede, o próprio Lugon paradoxalmente

confirmou que as reduções eram legitimadas juridicamente por leis espanholas.

Ao aclarar essas relações, fica explicito que a Republica “Comunista” Guarani

só existiu imageticamente (na imaginação do autor), pois, na práxis, estava

sobre a égide do Estado Moderno Espanhol. Quevedo (200, p. 78) esclarece

que, “em 1609, Pedro de Anasco governador do Paraguai e Rio da Prata,

proibira a entrada de espanhóis na zona do Rio Paranapanema, na província do

Guairá, bem como o recrutamento de índios para o serviço pessoal”. O evento

possibilitou a incursão de jesuítas no Guairá, em 29 de dezembro de 1609, e a

fundação da primeira redução sob o comando dos padres jesuítas Lorenzana e

San Martin, em Santo Ignácio Guaçu, na confluência dos rios Paraná e

Paraguai.

Vale ressaltar que a região do Guairá fica a oeste do atual estado do

Paraná (Brasil) e neste período estava ocupada por encomenderos. Existiam

neste local as cidades espanholas de Ciudad Real (1550) e Vila Rica (1570). A

partir de 1610, os inacianos penetraram profundamente nesta região, fundando

mais de 14 reduções, entre os rios Tabagi e Iguaçu. Foram assim organizadas:

Loreto (1910); S. Inácio Mini (1611); S. Francisco Xavier (1622); S. José

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(1625); Encarnação (1625); São Paulo (1626); S. Miguel (1626); S. Antonio

(1627); Conceição (1627); São Pedro (1627); Sete Arcanjos (1628); S. Tomas

(1628); Jesus e Maria (1628); Maria Maior (1629). Nossa Senhora de Loreto foi

a primeira redução e nesta foi concebido o projeto geral das futuras reduções.

Os padres Cataldino e Maceta foram enviados de Assunção pelo padre

Diego Torres. Com o apoio do Bispo e do Governador que lhes conferiram

amplos poderes para reunirem os “índios cristãos” a serem convertidos em

povoados. Os padres teriam autoridade para governarem sem dependência em

relação às cidades paraguaias e fortalezas vizinhas dos lugares em que se

estabelecessem.

Estavam os jesuítas autorizados para construír igrejas em todas as

localidades, e em nome do Rei fazer com que se cumprissem a Carta Magna de

1601 e as Ordenanças de Alfaro, pois os novos cristãos estavam “livres” do

serviço pessoal em relação aos colonos e passaram a estar sob a tutela dos

jesuítas.

Charlevoix (1747) afirma que nos primeiros dias de julho de 1610,

Nossa Senhora do Loreto foi fundada, à margem do rio Piraga e ao norte do

Iguaçu, no Brasil atual30. Nossa Senhora de Loreto em pouco tempo ficou

super-povoada, os jesuítas expuseram com clareza as vantagens de estarem

reunidos em reduções e que estariam protegidos dos encomenderos e

bandeirantes paulistas. Logo foi preciso fundar outra redução com o apoio de

um cacique de nome Aticaya. Inauguraram a segunda redução a

aproximadamente uma légua e meia de distância e deram-lhes o nome de Santo

Inácio Mini, que abrigou desde os primeiros dias várias centenas de famílias.

Diacronicamente outro grupo estava em vias de formação no norte do

Paraná, no Paraguai atual, a quatrocentos quilômetros de Nossa Senhora de

Loreto e das outras reduções do Guairá. O fundador das reduções do Paraná foi

o padre Lorenzana que era reitor do Colégio de Assunção, e em 1609, decidiu

partir neste empreendimento de implantar as reduções jesuíticas entre os

Guaranis.

Lugon (1977) esclarece que no final de 1610, o padre Lorenzana

fundou entre os rios Paraná e Paraguai a redução de Santo Inácio Guaçu. Esta

______________ 30 Ver mais sobre este assunto: CHARVELOIX, Pierre. F. Xavier de. (SJ). Historie du Paraguay. Paris: 1747. Tomo I.P. 226.

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redução prosperou e novas filiais foram fundadas sob a direção do Padre

Gonzalez. Foi em 1612 que chegou da Espanha Antonio Ruiz de Montoya,

considerado o grande realizador das reduções jesuíticas, superior geral de 1620

a 1637. Montoya escreveu, em 1639, uma obra impressa em Madri denominada

A Conquista Espiritual, em que narra a sua ação neste empreendimento, sendo

um documento importante para a compreensão da visão inaciana sobre este

processo.

Montoya (Apud Lugon, 1977, p. 35) descreve como foi o processo da

fundação de reduções, e em que estágio encontrou os “novos cristãos”:

Do ponto de vista religioso, eis o estado em que ele encontrou as quatro primeiras reduções: “Elas não estavam ainda muito povoadas de cristãos, porque os padres tinham observado que a maioria dos prosélitos só era atraída para aí pela a esperança de não ser mais inquietada pelos espanhóis e pelos portugueses do Brasil e de ficar em melhor situação para se defenderem de seus antigos inimigos”.

A informação apresentada por Montoya revela a adesão estratégica por

parte dos Guaranis que se aliaram aos jesuítas para garantir a sua liberdade,

mesmo que reduzida, frente aos encomenderos. O outro aspecto que facilitou a

adesão do guarani ao modelo de índio reduzido, foi que o Estado Espanhol lhes

garantia por lei – em caso de conversão ao cristianismo – a isenção por dez

anos do “serviço pessoal”.

A política implementada com as reduções cumpria um papel

geopolítico importante também para o Estado Espanhol, com a ocupação

territorial efetivada pelos padres jesuítas e com o processo de sedentarização

dos nativos sob a bandeira espanhola, dificultavam o avanço português. Muito

embora neste período histórico (1580 – 1640) houvesse ocorrido a União

Ibérica sob o controle da Espanha. Os portugueses do Brasil não aceitaram

passivamente o domínio espanhol, e as invasões das terras espanholas eram

constantemente efetivadas pelas bandeiras paulistas.

Lugon (1977) informa que cada redução, neste período, contava

aproximadamente com mais de dois mil habitantes cada. E os missionários

atuavam como fermento no meio da massa, ampliando estes contingentes.

Atuando no sentido de mudar os hábitos sociais, buscando estabelecer uma

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disciplina coletiva arraigando novos mecanismos de organização social. Após a

conversão, os jesuítas iniciaram o projeto de produção e reprodução da vida

material nas reduções. Assim que uma tribo aceitava renunciar a vida nômade e

se descobria uma localização favorável, era preciso construir, semear e comprar

gado. É a partir deste momento que começa o empreendimento jesuítico das

reduções da Província do Paraguai.

Quevedo (2000, p. 11) afirma que um dos pontos centrais da missão

era o modelo de “índio reduzido”. Havia dois elementos que fundamentavam

toda a organização da propriedade da terra e da produção. Instituem-se nas

reduções dois tipos de propriedade: a primeira era denominada de Tupambaé –

propriedade coletiva, na qual se desenvolviam as atividades agropecuaristas

para garantir a auto-suficiência e a produção de excedentes para a economia

colonial espanhola.

A segunda era denominada de AMAMBAÉ31 – a atividade agrícola,

por meio do trabalho familiar, para a auto-suficiência da família indígena. No

idioma Guarani Tupambaé significa “terra de Deus”. Os jesuítas organizaram

este modelo de produção coletiva, onde se aplicava toda força de trabalho

disponível na redução, alguns dias da semana ou intensivamente em épocas de

plantio e de colheita. A criação do gado pertencia ao tupambaé32 , os excedentes

eram vendidos no mercado, e o capital obtido era reinvestido na produção. Esta

forma de organização econômica implicava de acordo com Quevedo (2000) em

______________ 31 De acordo com Peramás (2004, p. 57) “Entre los guaranies habia cosa comunes, otras no. A cada cual se la asignaba uma cierta extensión de campo, bastante grande por cierto, en la que los jefes de família plantaban para si y los suyos el trigo de las Índias [el maiz], ésta para ellos su principal cosecha, pues nuestro trigo poco lo aprecian, y varias otras especie de legumbres de varia clases, asi como raices comestibles de las cuales as unas llaman mandió y otras manduvi, que en el mismo tallo y en el extremo de la raiz contienen unas vainas con unas como nueces, algo semejantes a nuestra almendras. [...] Todo esto era propriedad de los colonos y se llaman avambaé, es decir, cosa privada de cada índio. Los bueyes del común se prestaban por seu turno a los cabezas de famílias para que araran sus própios campos”. 32 Peramás (2004, p. 58-59) esclarece: “En determinados dias del año, los pobladores trabajaban para la comunidad en los respectivos campos comunes, ya que todos, aun el alcalde y las autoridades, conforme a la antigua constumbre romana, se dedicaban a las cosas del campo, lo que ciertamente hubiera aprobado también aquel ilustre varón Tomás Moro, que queria que fueron agricultores todos los que se juntaram en aquella república a UTOPIA. También el templo, las casas particulares y todas las démas construcciones del pueblo las edificaban y las refaccionaban los Guaranies. Las casa, sin embargo, eram asignadas a cada uno por la autoridad, de acuerdo con el cura, no por sorteo como queria platón, y las conservaban los jefes de família para si los suyos, a no ser que, aumentado la família, hubiera que dar outro hogar a los hijos que contraian matrimonio. [...] De esta forma todas las famílias eran casi iguales y poseian los mismos bienes, a no ser que alguno cultivara su campo com más empeno y sacara de él más benefícios”.

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relações de trabalho simultaneamente familiar e coletivo sob a direção dos

caciques, do cabildo e dos padres jesuítas. Os jesuítas buscaram especializar a

força de trabalho. Provocando o surgimento e o desenvolvimento de vários

novos ramos na produção, e o aparecimento de trabalhadores em tecelagem,

carpintaria, olaria, curtição de couro, criação de animais e agricultores.

Quevedo descreve que a divisão social do trabalho nas reduções jesuíticas era

por idade, sexo e existia regra referente a turno de trabalho. Esta síntese de

complexos elementos é apontada por Quevedo como a responsável pelo êxito

sócio econômico das reduções jesuíticas do final do século XVII até a segunda

metade do século XVIII.

Em uma síntese dialética simultaneamente ao processo de

transformação da terra, os guaranis também se transformaram, e gradativamente

foram incorporando os valores sociais do ocidente. A produção econômica se

explicita pela utilização da técnica ocidental em síntese com a cultura Guarani e

a quantidade expressiva de trabalhadores. Carlos Pastore (1972, p. 18)

esclarece:

Las tierras del Paraguay fueran dívididas en tierras de españoles y en tierras de los indios, y cada una de las partes en tierras de la comunidad y en tierras de dominio privado se subdividíron en solares, peonias y cavallorias. Españoles e índios fueran a la vez agrupados en partidos y los ultimos también en aldeas, fijandales los limites territoriales de los partidos y de las aldeas.

Os acontecimentos comprovaram que já nas primeiras reduções, os

jesuítas reorientaram e especializaram o trabalho indígena e consequentemente

os indígenas obtiveram uma “autonomia reduzida” em relação ao branco. Os

jesuítas consolidaram o seu empreendimento, garantindo uma sólida

organização administrativa entrelaçada com uma forte ação política junto aos

indígenas. Introduziram o gado, a partir de 1615, estabeleceu o plantio de trigo,

cana-de-açúcar, uva e outros cereais. Garantiram com este empreendimento a

sobrevivência dos indígenas reduzidos, evidentemente sob seu controle.

A relativa prosperidade e a grande concentração demográfica

aumentaram a cobiça dos encomenderos e dos bandeirantes interessados nessa

força de trabalho que começava a se especializar. Quevedo (2000, p. 78-79)

assevera:

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Os colonos sentiam-se prejudicados, achando que os padres disputavam com eles o controle do trabalho indígena. Por isso em 1618 os bandeirantes declararam guerra aos jesuítas do Guairá, escravizando índios reduzidos. A população das reduções, em 1628, era de aproximadamente 27.500 índios. Os bandeirantes escravizaram cerca de 20.000 índios dessa região. Finalmente, em 1631, só estavam intactas as reduções de Loreto e S. Ignácio Mini. A defesa do índio gerava um profundo conflito com os colonos33.

Astrain (1996) afiança que neste contexto histórico a cidade de São

Paulo era uma das mais importantes do Brasil. Pela sua grandeza, pela

fertilidade de seu solo considerada pelo seu comércio ativo com as outras

grandes cidades. Por estes motivos era uma das cidades mais prósperas da

América Meridional. Era uso corrente e uma tradição nas colônias portuguesas

na América e nas ilhas Atlânticas, adentrarem na selva desses países e cativar

índios e buscar pedras preciosas, ou qualquer outro objeto que lhes fosse de

alguma utilidade. Os colonos de São Paulo exercitaram mais que qualquer outro

estas empresas, chamadas de bandeiras. Destas bandeiras resultou um

fenômeno etnográfico singular, pois quando partiam nestas bandeiras, os

portugueses não traziam ao retornar somente os índios cativos. Durante a longa

jornada mantinham relacionamentos com as índias cativas, tendo como

resultantes filhos mestiços (mamelucos). Os espanhóis denominavam os

paulistas, de mamelucos, e estes invadiam o território espanhol em busca de

índios para trabalharem em suas lavouras. Astrain (1996, p. 114) descreve que:

La primeira irrupción de los paulistas en las cristandades fundadas por nuestros padres se remonta al año 1611. Nos da noticia de este hecho el capitán Antonio Añasco, que procuró resistir en cuanto alcanzaron sus fuerzas al brío de los invasores y arrebatarles la presa. [...] Estas entradas de los paulistas una veces a mano armada, para apoderarse violentamente de los indios fieles o infieles y llevárselos como esclavos, otras veces con engaños y dádivas para atraer hacia si a los infelices que vivian en las selvas, se fueran repetiendo lo ãnos seguintes y nuestros Padres deliberaron que convenia resistir com las armas a estas invasones, exhortando a nuestros indios a pelear en campo abierto contra otras la fuerza de los enemigos.

Com a devastação bandeirante da região do Guairá, os inacianos foram

obrigados a ir para o sul e para o Itatim, á aproximadamente 500 km ao norte de

______________ 33 Ver mais. CORTESÃO, Jaime – Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil. Lisboa: Portugália, 1966. 2 v.

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Assunção. O Itatim teve uma pequena sobrevida de 1631 a 1669 com os

povoados de: Encarnação (1633), Apósteles (1633), natividade (1632), São

Benito (1632), São José (1631) e Anjos (1631).

Quevedo (2000) afirma que no sul instalaram-se na bacia do Paraná e

na margem direita do Uruguai, (atual Argentina), fundando Santo Inácio Guaçu

(1610), Itapuã (1615), Conceição (1619), Japeju (1627) e São Xavier (1627). À

margem esquerda do Rio Uuruguai, nas bacias do Rio Ijui, Ibicui e Jacuí e no

planalto central do atual Rio Grande do Sul, surgiram às reduções do Tape. As

três regiões que possuíam reduções neste período ficaram assim configuradas –

Itatim, Guairá e Tape.

De acordo com Quevedo o governador da Província do Rio da Prata,

D. Francisco Céspede autorizou a redução dos índios da região do Tape, em

1626. E assim foram fundadas 18 reduções: Candelária (1620), S. Nicolau

(1626), S. Francisco Xavier (1626), Candelária do Caaçapá (1627), N. S. de

Assunção (1828). Todos os Santos (1628), São Carlos do Capi (1631), Apóstolo

São Pedro e São Paulo (1631), São Tomé (1632), São Miguel (1632), São José

(1632), Santa Teresa (1632), Santa Ana (1633), São Joaquim (1633),

Natividade (1633), Jesus e Maria (1633), São Cosme e Damião (1634) e São

Cristóvão (1634).

Porém este processo de redução não ocorreu harmonicamente e de

forma linear, foi um processo fundamentado na contradição, pois havia uma

resistência indígena à evangelização. Esta resistência em muitos momentos não

foi pacífica, e os jesuítas defrontaram-se com muitas adversidades. Tanto no

âmbito interno da redução com sublevações de indígenas já reduzidos. Quanto

no âmbito externo, pelos ataques de encomenderos espanhóis e de bandeirantes

paulistas.

Quevedo (2000, p. 80) descreve que “o ano de 1635 foi

particularmente desastroso para as reduções jesuíticas, pois uma bandeira

paulista chefiada por Raposo Tavares, atacou estrategicamente a redução de

Jesus e Maria”. A redução dispunha de um pequeno arsenal de guerra que era

utilizado pelas demais reduções. André Fernandes, cristão-novo, liderou a

bandeira, invadindo e ocupando a redução de Santa Tereza. Os ataques e

consequentemente a resistência era utilizado pelos jesuítas como uma

propaganda ideológica. Os jesuítas em suas pregações exortavam que este

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processo era uma “guerra santa”, e o fato da bandeira paulista ser liderada por

um “cristão novo” fortaleceu esta idéia.

No imaginário jesuíta a luta representava uma cruzada do fiel católico

contra o infiel, em uma visão maniqueísta da luta do bem contra o mal. De

Deus contra o Diabo. Quevedo (2000, p. 80-81) esclarece:

A luta contra os bandeirantes escravistas conferia novos termos à luta do bem contra o mal. Se esta visão dinâmica social ganhava um estatuto místico nos Exercícios (como já foi apontado), na América a luta se tornava real: o gentio estava ali, na figura do bandeirante, rugindo ferozmente como um turco infiel que ameaçava a Cristandade.

Quevedo (2000) esclarece que as bandeiras que vinha de São Paulo em

direção ao Tape (Rio Grande do Sul atual), assassinavam os indígenas que não

conseguiam levar, e aprisionava os demais, levando-os para São Paulo, onde

eram vendidos como escravos. Em 1637 chegou ao Tape a bandeira de Fernão

Dias Paes, só que ela foi surpreendida, por uma pequena e bem armada milícia

indígena que expulsou o inimigo. Este processo de luta foi liderado pelo

cacique indígena Nicolau Neenguire, da redução de Apósteles del Caaçapa –

Guazu, que ajudou a aniquilar parte da bandeira de Dias Paes.

A ação escravista dos bandeirantes era nociva á proposta dos jesuítas.

Por um lado, os índios começaram a não mais desejar ir para as reduções que

eram constantemente atacadas. Por outro lado foi positiva, pois fortaleceu os

laços sociais entre os jesuítas e as lideranças indígenas. Ambos defendiam o

mesmo projeto – a luta pela vida. Os jesuítas solicitaram junto ao Estado

Espanhol que pudessem armar os índios para expulsar os bandeirantes das

reduções. O Estado Espanhol que também tinha um grande interesse em manter

esta região sob o seu controle, autorizou isso, e em 1641 a milícia indígena

armada pelo Estado Espanhol e pelos jesuítas reagiu contra os bandeirantes

expulsando-os das reduções.

Em resumo descrevemos neste capítulo que os primeiros jesuítas

chegaram ao Paraguai em 1588, e iniciaram a sua pregação entre os indígenas e

os brancos em Assunção. Neste primeiro momento receberam o apoio da elite

local que esperava que os jesuítas apaziguassem os indígenas e os catequizasse,

e os instituísse nos códigos sociais ocidentais, facilitando assim a sua

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exploração no regime da “encomienda”. Os jesuítas com uma larga experiência

acumulada durante anos de ação em outros lugares perceberam que o entrave

para o desenvolvimento econômico e social desta região era o regime da

“encomienda”. E passaram a articular politicamente no sentido de abolir o

serviço pessoal.

O Estado Espanhol também ansiava pelo desenvolvimento econômico

desta região, pois queria auferir lucros, expressos na cobrança de tributos, e

buscava assegurar o domínio deste território que era constantemente invadido

pelos paulistas. A disposição de por fim na encomienda alocou os jesuítas em

posição antagônica em relação aos interesses da elite local. Para concluir as

necessárias definições iniciais referentes à ocupação da terra e da exploração da

força de trabalho indígena, os jesuítas intervieram política e socialmente

conquistando vitórias expressivas no aspecto “legal”. É importante mencionar

as Ordenanças de Alfaro, que adaptaram definitivamente as Leis das Índias á

singularidade Paraguaia. As Ordenanças foram editadas em 1611. Francisco de

Alfaro, então visitador da Audiência de Charcas, foi até a futura capital para

vistoriar e informar ao Estado espanhol sobre o funcionamento das

encomiendas que registravam níveis elevados de evasão indígena, com milhares

de mortes e uma grande parcela submetida a maus tratos constantes –

provocando uma baixa densidade demográfica.

As Ordenanças de Alfaro suprimiram as encomiendas de serviço

pessoal e mantiveram a encomienda de tributos e a compensação do trabalho

indígena por meio da remuneração pela jornada de trabalho. Os jesuítas tiveram

uma participação ativa neste processo influenciando Alfaro, no sentido de

elucidar que o declínio econômico e social do Paraguai estava entrelaçado com

o antigo modelo de encomienda. Pois o trabalho forçado obrigava o índio a

migrar, o que por sua vez provocava redução na produção, e com a morte de

muitos e sem um mercado interno, não havia circulação de mercadorias e nem

de capital, provocando a estagnação econômica e social.

Apesar das Ordenanças de Alfaro os encomenderos continuaram

forçando os indígenas ao trabalho e usurpando suas terras – que se expressa em

um ditado popular da época “se acata, pero no se cumple”. Neste sentido as

Ordenanças podem ser consideradas um avanço como expressão jurídica de um

Estado, que orientado por “princípíos” religiosos e com uma visão estratégica

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em relação à geopolítica regional e á racionalidade econômica que marca a

gênese do capitalismo. Assume mesmo que teoricamente a proteção dos

nativos, entregando uma parcela considerável desta força de trabalho para a

tutela da Companhia de Jesus. E o modelo econômico, social e político adotado

pela Companhia foi a do “índio reduzido”. De acordo com Quevedo (2000) as

reduções foram a concentração de índios em pequenos povoadas, para convertê-

los à fé da Igreja Católica reformada, conforme estipulado pelo Concilio de

Trento (1545 – 1563). As reduções eram, portanto, povoados exclusivamente de

indígenas, principalmente da etnia Guarani. Com igrejas, residência de índios e

que devido às hostilidades de encomenderos e bandeirantes impunham um

caráter itinerante ao empreendimento. A produção econômica das reduções se

fundamentava em dois elementos: 1) a propriedade coletiva de todos os meios

de produção (o Tupambaé), que na linguagem indígena significa – a “terra de

Deus”, na qual se desenvolviam as atividades agropecuaristas, sob a direção dos

jesuítas.

O segundo elemento era a propriedade particular dos meios de

produção (o Amambaé ou Avambaé), onde se praticava a atividade agrícola,

por meio do trabalho familiar. As reduções disseminaram-se pelo Paraguai e

pelo Rio da Prata, tendo como base legal as Ordenanças de Alfaro e alcançaram

grande prosperidade e grandes contradições.

2.4 A PRODUÇÃO ECONÔMICA NAS REDUÇÕES JESUITICAS DO

PARAGUAI.

Para a análise da produção econômica nas reduções jesuíticas da

província do Paraguai é necessário o concurso de fontes primárias e secundárias

produzidas desde meados do século XVI. A análise dessas fontes permite,

ainda, ilustrar como se deu a interação de seu elemento central, a produção

econômica com os elementos complementares, o financiamento das atividades

missionárias e educativas e a instituição do imaginário capitalista fundamentado

no trabalho. Uma das mercadorias responsáveis pelo êxito do empreendimento

econômico, missionário e educacional nas reduções jesuíticas foi em grande

parte à produção da erva-mate.

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Quevedo (2000, p. 135) revela que “após a licença concedida pelo

Estado Espanhol, em 1645, este produto destacou-se no mercado interno,

superando a produção dos encomenderos paraguaios”. O comércio da erva-mate

gerava o capital que sustentava o empreendimento jesuítico, os recursos

financeiros provenientes da produção e circulação desta mercadoria mantinham

os Guarani e Jesuítas em paz com o Estado Espanhol. Permitindo-lhes pagar os

tributos a máquina administrativa, bem como adquirir tudo o que era necessário

para a produção e reprodução da existência das reduções. Temístocles Linhares

apud Quevedo (2000, p. 135) afirma que: “O mate preparado nas missões

passou a gozar da preferência do mercado, ou seja, da parte dos consumidores

espalhados não só na região do Prata como além dos Andes, em Potosi, no

Chile, no Peru em Quito”. Quevedo (2000) descreve que a produção de erva-

mate34 das missões era feita em alta escala e no decênio 1680 – 1690, a

exportação de erva-mate das reduções chegou a 9.000 arrobas anuais.

Na província do Paraguai e Rio da Prata a erva “Caá ivirá” (erva de

pau – não peneirada) era utilizada também como moeda sendo que seu valor

taxado por unidade imaginária conhecida como peso oco, que de acordo com as

Ordenanzas de Alfaro e a Leyes das Índias, devia valer (6) reais, embora este

valor tenha-se reduzido posteriormente. Assim o tributo pago pelos povoados

missionários ao Estado Espanhol eram em média trezentos a quatrocentas

arrobas anuais de erva-mate.

Magnus Morner (1969) afirma que devido à pressão dos colonos

paraguaios que reclamaram junto ao Governo Espanhol, e este através de uma

cédula real limitou o comércio da erva-mate, em 12 mil arrobas. E apesar da

imposição de limites ás exportações, estas continuaram. Na década de 1670 as

reduções jesuíticas produziram e exportaram 40.000 arrobas anuais de erva-

mate e, na década seguinte, a exportação chegou a 60.000 arrobas. Os maiores

consumidores da erva-mate produzida pelas reduções jesuíticas era a população

de Tucuman e a do Rio da Prata que consumiam aproximadamente entre 20 mil

______________ 34 ASTRAIN (1996, p. 100) esclarece: “Cultivan también los índios la llamada ‘yerba do Paraguay’, que todavia se usa en infusión como el té y el café. La yerba mate, - dice P. Hernandez, no tiene de yerba sino el nombre, porque no es yerba, sino hojas de un árbol, después de tostada y molidas. El arbol que la produce es en su figura y en su hoja muy parecido al naranjo, y alcanza desde cinco metro hasta diez y doce de altura, dándose algunos ejemplares que llegan a quince. Cuando llegaran los padres al Paraguay, hallaron que los indios solian recoger esta yerba y servise de ella como licor confortante y aun nutritivo”.

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e 30 mil arrobas anualmente. Morner tem como fonte de sua pesquisa

documentos do governador de Buenos Aires D. José de Garro, esclarecendo que

em 1683 chegara a Província do Rio da Prata, aproximadamente 50.000 arrobas

de erva-mate, vindas do Paraguai, mais especificamente das missões jesuíticas.

Lugon (1977) também destaca a produção da mercadoria (erva-mate)

nas reduções do Paraguai, elucidando que a “yerba” dos espanhóis e

denominados pelos Guaranis de Caa, primeiramente era extraída no meio da

selva. Pois estas cresciam em estado selvagem em meio à floresta. Chaerlevoix

(1747) afirma que se tratava da folha de uma árvore do tamanho de uma

macieira mediana. Esta planta foi classificada pelo botânico Geoffroy Saint-

Hilare por: Ilex Paraguariansis. O hábito de tomá-la sob a forma de infusão é

um costume indígena que se espalhou também entre os conquistadores.

Lugon (1977) revela que cada família consumia pelo menos uma

arroba de folhas da Caa por ano. De manhã, após a missa eram distribuídas aos

punhados pelos padres jesuítas. Para os colonos “escravistas” a qualidade mais

preciosa da erva-mate era o seu valor de troca, assim como também para os

jesuítas que no primeiro momento extraia esta mercadoria da selva e a colocava

em circulação em uma pequena parcela no mercado regional. Porém esta

situação mudou completamente no começo do século XVIII. Lugon (1977, p.

127) afirma que:

Os pacientes ensaios de cultura e de reprodução da yerba, nas plantações artificiais, tinham finalmente sido coroados de êxito. Imensas áreas foram consagradas a yerba, nas cercanias de cada redução. Foi um dos maiores agrônomos dos jesuítas Aimé Bonpland, que viveu in loco antes da ruína das plantações, diz que a yerba cultivada era mais fina e de aspecto melhor e de melhor qualidade. Em geral, de resto, “todos os produtos das missões tinham superioridade sobre os outros, porque a sua preparação era racional e saia da rotina em que voltou a cair depois nessas mesmas regiões”.

A “encomienda” desenvolveu-se no Paraguai, no princípio da

colonização também fundamentada no extrativismo da erva-mate. Os índios a

serviço dos espanhóis era a força de trabalho que agia sobre a natureza

transformando a Caa em mercadoria. A extração da erva-mate era um trabalho

penoso, para os índios sob o regime da “encomienda” morriam aos milhares, no

meio da floresta, sem alojamento, sem alimentação adequada (escassez de

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alimentos) e submetida a maus tratos. Eram chicoteados e mortos por motivos

fúteis no interior das selvas subtropicais para extrair a erva, que se tornaria a

riqueza do “encomendero”.

Lugon (1977) descreve que para o Guarani das reduções jesuíticas, no

princípio, quando ocorria o processo extrativista35 era também um trabalho

árduo. Uma cinquentena de homens, por redução, tinha de viver durante

semanas quando não meses, longe dos seus, em condições bastante precárias e

irregulares, sob a ameaça permanente das serpentes e das feras. No segundo

momento em que se desenvolveu através da agronomia o cultivo da erva-mate

nas proximidades das aldeias, os jesuítas aumentaram o número de

trabalhadores no Tupambaé (a terra de Deus) aumentando a produção e a

lucratividade.

Quevedo (2000) afirma que a erva produzida nas reduções reunia

quantidade e qualidade, tornando-se superiores aos demais produtos do

Paraguai. Os guarani-missioneiros produziram o tipo “caamini”, que era mais

selecionada e suave que a “yerba de palos” produzidas nas encomiendas

paraguaias. Após a colheita a erva “caamini” era transportada por via fluvial

desde as missões até Santa Fé (Província do Rio da Prata). Esta rota da erva-

mate dos povoados da margem oriental do rio Uruguai tinha em São Borja seu

escoadouro natural, após percorrer uma distância que variava de 400 a 600 km.

Eram transportadas em enormes carretas puxadas por bois. Partindo de São

Borja seguiam para Santa Fé, onde ficava o entreposto no qual um padre

procurador-geral da Companhia Jesus se encarregava de comercializar o

produto.

Astrain (1996.p.100-101) assevera: “Com el poducto desta yerba

adquirian los pueblos guaranies las ropas, herramientas, alhajas de iglesia y

otros objectos de que necasitaban. Sin embargo, nuestros padres hubieran de

tomasse um cuidado más que regular para el buen despacho de este comercio.”

Os ervais pertenciam ao Tupambaé (Terra de Deus) que era administrada pelos

jesuítas, porém não se impedia que no Amambaé (Terra do Índio) estes

______________ 35 De acordo com Astrain (1996, p. 100): “Para recogerla necessitaban a veces apartase 50 y 60 leguas lejos de sus terras, lo cual acarreaba algún desorden en el pueblo. Dispusieron pues, que cada uma de la reducciones tuviese algún campo plantado de esta yerba, y estos terrenos, que se llamaban yerbales, venian a constituir uma riqueza considerable para los pueblos, pues alli se recogia no solamente la yerba necessaria para el consumo de los indios, sino también outra cantidad mucho mayor que se empezó a exportar hacia Santa fé y Buenos Aires”.

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tivessem uma pequena plantação de erva-mate, cujo excedente desta produção

privada era vendida conjuntamente com o grande carregamento do Tupambaé,

ou comercializavam para os próprios jesuítas. A nomeação de um procurador

para gerir os negócios indígenas foi assim esclarecida por Astrain (1996, p.

101),

Observaron, en efecto, que en Santa Fé los españoles cometián con los pobres indios que llevaban las cargas de yerba tan irritantes injusticias, que juzgaron indispensable nombrar un padre, que fuese procurador de los indios, y que con él, y no inmediatamente con los indios, se entendieran los compradores de la yerba.

De Santa Fé o produto seguia por terra até Buenos Aires, nesta cidade

era comercializado com mercadorias de várias nacionalidades e sua circulação e

consumo atingia todo mercado regional Latino Americano de Tucuman a

Potosi, de Quito a Buenos Aires, e a mercadoria (erva-mate) se realizava como

mercadoria no consumo. De acordo com Linhares (1969 p. 25): “As missões

jesuíticas faziam mais comércio do que as três províncias reunidas (Tucuman,

Buenos Aires e Paraguai)”. E este comércio era regulamentado pelo Estado

Espanhol como assevera Peramás (2004 p. 126):

Una Cédula real habia concedido a los trinta pueblos de Guaranies exportar doce mil arrobas de yerba paraguaya (lá arroba española es de 25 libras de peso y asi de ella usamos para hacer la cosa más fácil de entender). Doce mil dividido entre treinta pueblos, corresponde a cada pueblo 400 arrobas. Esta cantidad y no mayor, se les permitió a los indígenas para no perjudicar los interesses de los españoles de la ciudad de Asunción, cuyos bienes dependen sobre todo comercio de la yerba.

Este exemplo de Peramás é elucidativo, no sentido que aclara a luta

entre as frações da neófita burguesia do Paraguai, na disputa por mercado. O

jesuíta fundamentado na técnica desenvolve através de estudos agronômicos o

cultivo da erva-mate. Criaram, portanto, por suas próprias experiências, uma

ciência agrícola adaptada às condições geográficas e climáticas do Paraguai.

Portanto ocorre produção de mercadorias.

A erva-mate que de acordo com Morner (1969) em 1683, chegava a

Província do Rio da Prata 50.000 arrobas de erva-mate e tabaco, patenteia a

circulação de mercadorias, cujos maiores consumidores residiam na província

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de Tucuman e Rio da Prata. Porém muitos autores que escrevem sobre o tema

apresentam a erva-mate, não como uma mercadoria, demonstra este circuito

Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria, de forma fetichizada. Marx (1984) assevera

que a mercadoria, a primeira vista, parece ser coisa trivial. No caso analisado da

erva-mate vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e

argúcias teológicas. Porém como valor-de-uso, nada há de misterioso nela, quer

a sob o aspecto de que se destina a satisfazer necessidades humanas, com suas

propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em

conseqüência do trabalho humano.

Evidentemente os Guaranis anteriores ao período colombiano, com a

sua atividade, modificavam este elemento natural de modo a torná-lo útil. Mais

ao modificar a Ilex Paraguariansis, quando faz dela Caa (erva-mate). Não

obstante a erva-mate ainda é planta, coisa prosaica, material. Nas reduções logo

ela se revelou mercadoria, transformou-se em algo ao mesmo tempo perceptível

e impalpável. Além de estarem embaladas em sacas e cestos firma a sua posição

perante outras mercadorias – chega a ser medida de valor – expande as idéias

fixas de sua cabeça de planta, fenômeno mais fantástico do que se tocasse

violino e cantasse o canto gregoriano por iniciativa própria.

Marx afirma que o caráter misterioso da mercadoria não provém do

seu valor-de-uso, nem tampouco dos fatores determinantes do valor. E por isso,

existem algumas motivações. Marx (1984, p. 80) corrobora:

Primeiro, por mais que difiram os trabalhos úteis ou as atividades produtivas, a verdade fisiológica é que são funções do organismo humano, e cada uma dessas funções, não importa a forma de seu conteúdo, é essencialmente dispêndio de cérebro, dos nervos dos músculos e dos sentidos etc, do homem. Segundo, quanto ao fator que determina a magnitude do valor, isto é a duração daquele dispêndio ou a quantidade de trabalho, é possível distinguir claramente a quantidade e a qualidade do trabalho.

Neste sentido o tempo de trabalho historicamente sempre interessou

aos homens, e em cada época ganhou uma configuração particular. Na análise

da produção da erva-mate a quantidade e a qualidade desta produção também se

expressam em dois momentos distintos: no primeiro momento quando o

processo era extrativista o tempo e a qualidade do trabalho se expressava

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diferentemente do segundo momento quando havia extensas plantações de erva-

mate a poucos metros de suas residências.

O tempo do trabalho e a qualidade do trabalho se mostram na

produtividade que aumentou consideravelmente. Depois o preço desta

mercadoria levava vantagem em relação ao preço da erva-mate do

“encomendero” que a produzia de maneira extrativista. Que aumentava o tempo

de trabalho e conseqüentemente a qualidade do trabalho. E se materializava na

morte de milhares de trabalhadores indígenas por exaustão. Logo, por estes

fatores a produção de erva-mate das reduções guaraníticas era maior que a das

três províncias reunidas: Tucuman, Buenos Aires e Paraguai.

Ao elucidar que desde que os homens, não importa o modo, trabalhem

um para os outros, adquire o trabalho uma forma social. Portanto, o caráter

misterioso da mercadoria que é fruto do trabalho como valores, Marx (1984, p.

80) esclarece:

[...] a medida, por meio da duração, do dispêndio da força humana de trabalho toma a forma de quantidade de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas quais se afirme o caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho.

Neste sentido a erva-mate é misteriosa porque oculta as características

sociais do próprio trabalho dos homens, os escravos, assalariados e servos. Esta

mercadoria se apresentava como características materiais, tais como, folhas e

galhos moídos, “yerba em palos”, além de propriedades sociais. Sendo

utilizadas em processo de infusão, era refrescante, pertencendo à cultura

indígena, com propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho. Por

ocultar, portanto, a relação social existente: encomenderos e encomendados

índios reduzidos e jesuítas, indígenas e Estado Espanhol. Pois omite a relação

social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-

la como relação social existente, à margem deles entre os produtos do seu

próprio trabalho. Marx (1984) esclarece que através desta dissimulação, os

produtos do trabalho se tornaram mercadorias, coisas sociais, com propriedades

perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos. Portanto, uma relação social

estabelecida entre os homens assume a forma fantasmagórica de uma relação

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entre coisas e para encontrar uma similitude, temos que recorrer a uma região

nebulosa que é a crença. Marx (1984, p. 81) esclarece:

Ai os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo isso de fetichismo, que está sempre grudado ao produto do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias.

Esse fetichismo do mundo das mercadorias decorre conforme

demonstra a análise precedente, do caráter social próprio do trabalho que

produz mercadorias. Na apreciação da produção econômica das reduções

jesuíticas este fetichismo se explicita de forma latente, por ocultar que as

50.000 arrobas de erva-mate produzidas em 1683, aparecem de forma

fetichizada como “produção jesuítica” e não como produção do trabalho social

indígena cristalizado.

Ao lado da atividade ervateira se desenvolveu também a pecuária36. De

acordo com Quevedo (2000, p. 139) “quando os jesuítas iniciaram a

missionarização dos Guaranis Tape da margem oriental do Rio Uruguai, em

1626, notaram que as pradarias da região eram adequadas para a pecuária”. O

gado foi introduzido na região de São Miguel em 1634, pelo jesuíta Cristóvão

de Mendonça e depois distribuído entre as demais reduções. O primeiro lote

(cerca de 1.500 reses) veio de Corrientes e cada redução (no Tape) recebeu em

média 99 cabeças de gado, em função de seu campo de pastagens comportarem

a um número maior ou menor delas. Devido à ação escravista dos bandeirantes

paulistas que assolavam a região do Tape (Rio Grande do Sul), os Guaranis

reduzidos migraram para a margem ocidental do Rio Uruguai, tendo de deixar

centenas de cabeça de gado na área circundada pelos rios Ibicui e Quarai, na

direção dos rios Negro e Jacui.

Estas reses sobreviveram abandonadas e reproduziram-se sem qualquer

domesticação, tornando-se bravios. Bruxel (1961, p. 166) descreve que “no fim

do século XVII já havia mais de um milhão de reses selvagens na Banda

______________ 36 Bernard (2004) esclarece que o gado na América hispânica fazia parte da paisagem na segunda metade do século XVI. O governador Hernandarias havia deixado, em 1587, cem cabeças em torno de Santa Fé do Paraná (Argentina); quinze anos depois, havia cerca de cem mil.

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Oriental”. Esta imensa reserva é conhecida como Vacarias do Mar (alusão ao

Mar Del Plata), e os jesuítas instalados nos povoados de Japejú, La Cruz e São

Tomé exploravam comercialmente o gado desta região. O padre Diego

Altamirano apud Quevedo (2000) referiu-se a esse um milhão de cabeças de

gado chimarrão que descia pela margem do Rio Jacui na direção do Rio Negro

em 1686 (mesmo período que os jesuítas exportaram 50 mil arrobas de erva-

mate), e em 1717, os castelhanos obtiveram a concessão do governador do Rio

da Prata para explorar a Vacaria do Mar.

Com o avanço luso-brasileiro e dos castelhanos sobre as reduções e

também sobre o gado a formação de estâncias para a criação de gado37 foi uma

necessidade imposta pelas vicissitudes. Pois havia um desafio irremediável, a

dizimação do gado pelos lusos e castelhanos que exigia respostas. O gado

juntamente com a erva-mate eram os pilares de sustentação da materialidade

das reduções, e era de fundamental importância mantê-la38.

A solução encontrada foi dividir o gado em grandes estâncias que se

estendiam por centenas de hectares. Lugon (1977) informa que estas estâncias

eram cercadas de muralhas de cercas vivas de cactos, de sebes ou de valados.

Cada estância estava dividida em vários distritos ou rodeos, contendo cada uma,

cinco a seis mil cabeças de gado.

Para Moussy (1993, p. 672) as estâncias dos jesuítas “eram as mais

belas de todo pais, [...] cada fazenda tinha sua capela, seu laranjal e outras

árvores frutíferas [...]. Todos os seus estabelecimentos eram magníficos”.

Lugon afirma que de acordo com os regulamentos das reduções, o pároco ou os

seus auxiliares tinham que visitar as estâncias uma vez ao ano pelo menos. O

______________ 37 Astrain (1996, p. 101) esclarece: “Si para sustento de los indios bastaba con la labranza, el ganado vacuno y el producto de la yerba, tabién procuraran nuestros padres ensenãr a sus neófitos las artes e ofícios mecánicos que necessitan en todo pueblo culto. Aprendieron los indios bien aquellos ofícios, aunque nunca poseyeran la cualidad de inventar en ninguno de ellos. Hay, dice Cardiel, todo género de ofícios mecánicos necesarios en una población de buena cultura. Herreros, carpinteros, tejedores, estatutarios, pintores, doradores, rosarieros, torneros, plateros, materos o que hacen mates, que es la vasija en que se toma la yerba del Paraguai llamada mate y hasta campeneros y organeros hay en algunos pueblos”. A partir dessas relações sociais emergiram novas necessidades impostas pelas vicissitudes. 38 Astrain (1996, p. 100) revela que: “Espantan a primera vista los números que cita el P. Cardiel de la vacadas que en su tiempo existian. Con facilidad pasmosa se reunían rebaños de 30.000, 50.000 y 80.000 vacas, que andaban perdidas por aquellos bosques y fácilmente podian ser comidas y aprovechadas. Procuraron los Padres que cada pueblo tuviese uma estancia de estas vacas y también cabezas de otros ganado, con lo cual estaba asegurado el sustento de carne para todo el año”.

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gado compreendia a espécie bovina e lanífera que estavam concentrados nos

onze principais grupos de estâncias situados ao sul do Uruguai.

Montoya (Apud Lugon, 1977, p. 128) esclarece que “comprara dez mil

bois de uma só vez, após a grande migração de 1631, para duas reduções

fundadas por foragidos do Guairá”. É nesse contexto que o Colégio de Buenos

Aires cumpria um papel estratégico na circulação da mercadoria, servindo de

entreposto comercial39. Neste sentido Seep (1980, p.39) assevera:

A terra, note bene, (sic) é tão fértil, que por toda parte encontrará uns doze a quinze mil bois e vacas, dos maiores e mais bonitos deitados no capim ou pastando. São livres e não fazem parte de nenhum rebanho. Se te aprouver carnear uma rês basta ires ao campo, atirar-lhe uma corda pelos chifres, trazê-la para casa; pertence-te. Nosso Colégio recentemente, mandou reunir 20.000 cabeças de gado e o vendeu por 12.000 talers. [...] não seria isto um alto negócio para os mercadores de gado e corretores da Europa.

Os animais importados pelos espanhóis e jesuítas tinham se

multiplicado, de modo prodigioso nas pradarias verdejantes do prata. Para a

Companhia de Jesus a força de trabalho que capturava a riqueza era os Guaranis

que os entregava para os procuradores da Companhia comercializar. Seep

(1980) afirma que os jovens guaranis de quinze a dezesseis anos eram capazes

de capturar bois enormes, um grupo montado podia perseguir as manadas e

apossar-se delas, não sem à custa, de muito cansaço. Lugon (1977, p. 128)

corrobora:

Os homens da redução do Padre Sepp reuniram, assim, cinqüenta mil bois em dois meses. Foi apesar de tudo uma oportunidade excepcional. Quando os paulistas destruíram ou roubaram as oitenta mil cabeças de gado da “Valqueria de Los Pinares”, recentemente criada, e segundo plano estabelecido, teria representado em oito anos 400 a 500 mil reses, a perda fora sentido como um desastre.

Lugon (1977) que tendo como fonte o padre Huander anuncia que uma

única redução possuía em período normal até cem mil bois. No recenseamento

efetuado após a expulsão dos jesuítas, e a dispersão deu ainda cinco a seis mil

______________ 39 De acordo com ASSUNÇÃO (2004, p. 80) “A modernidade da Companhia de Jesus não estava só na sua proposta de inserção junto à sociedade, na luta pela fé, na catequização indígena ou na pedagogia dos colégios jesuíticos. Esta modernidade ia além. Compartilhava de uma mudança do espírito econômico que fora tecido nos séculos XV e XVI”.

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bois para certas reduções, doze, trinta e cinqüenta mil para outras e cerca de

oitocentos mil para o conjunto das reduções. Não compreendidas as estâncias

de Santo Ângelo e São Borja, nem as estâncias gigantescas de S. Miguel e

Yapeyu, por si só mais populosa que todas as outras e cujas manadas era

“inumeráveis”.

Um pouco antes, o Padre Dobrizhoffer (Apud Furlong, 1960) escrevera

que em Yapeyu possuía 500 mil reses e São Miguel ainda mais, o que dá um

total de mais de dois milhões. Lugon (1977, p. 129) descreve que no Paraguai

moderno não contava com mais de 206 mil bois em 1876. Quanto ao gado

ovino e caprino, o recenseamento parcial de 1768 dava um total de 238.141. O

padre Huander (Apud Lugon, 1977) escreveu que certas reduções possuíam

entre 20 a 30 mil ovelhas40. Por volta de 1690, uma única redução, São Tomé,

contava com 40 mil. As cabras eram pouco numerosas. Lugon (1977) assegura

que bois e ovelhas pastavam em liberdade nos limites da estância. Não havia

estábulos nem manjedouras.

Tratava-se exclusivamente de gado de abate, semi-selvagem. A

produção de leite não entrava na conta. Yapeyu e São Miguel abatiam, em

média, quarenta reses por dia para o consumo dos habitantes. Quanto aos

cavalos, uma redução que não possuísse três a quatro mil era considerada muito

pobre. Em 1768, foram recenseados 86.394 cavalos e potros, 38.262 mulas e

14.975 burros. Os asnos e mulas, assim como uma parte dos cavalos, eram

guardados nas próprias localidades, onde os utilizavam como animais de carga

e tiro, para trabalhos e transportes de uma redução para outra. Os cavalos eram

empregados tanto para a caça como para os exercícios militares e paradas, para

viagens e para malhar o grão. Muratori (1826, p 162) revela que “os guaranis

eram bons cavaleiros e mantinham um ou dois cavalos perto de casa, numa

espécie de pátio, para seu prazer, assim como para o trabalho”.

______________ 40 Sepp (1980, p. 155) revela: “Também não nos faltam galinhas, leitões, cordeiros, ovelhas, cabras. A aldeia de São Tomé já há anos conta com mais de 40.000 ovelhas”.

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Haubert (1990) também traz informações importantes sobre a

produção econômica das reduções41 jesuíticas, assegurando que afora algumas

cabeças de gado a produção pecuária era exclusivamente do Tupambaé.

Haubert também mostra os dados expressos no censo realizado pelo Estado

Espanhol, que afirma como já foi apresentado em capítulos anteriores que no

momento de expulsão dos jesuítas, as reduções guaranis possuíam mais de um

milhão de cabeças de bovinos, cerca de trezentos mil carneiros e cabras, cem

mil cavalos, cinqüenta mil mulas e vinte mil asnos. Estes rebanhos são

gigantescos, se compararmos com o conjunto das reduções, que abrigavam

então mais de noventa mil habitantes. Evidentemente os números apresentados

por Haubert (1990) e por Lugon (1977) não são exatos, pois estimados, dando-

nos a compreensão das dimensões do empreendimento pecuário das reduções

jesuíticas. Haubert entende que esse conjunto de bens e de empresas era gerido

pela “comunidade”, ou seja, estava sob a direção direta dos jesuítas. Logo

estava sob o controle da Companhia de Jesus42, pois a propriedade “comunal”

imposta em seu principio pela legislação colonial, correspondia a exigência da

missão. Haubert (1990, p 204) esclarece que:

Passados os vinte anos de isenção após a submissão à Espanha, os neófitos devem um tributo ao Rei. Considerando-se o serviço militar prestado pelos Guaranis, esse tributo é fixado em peso por cabeça. A ele são sujeitos todos os vassalos do sexo masculino entre dezoito e cinqüenta anos exceto os caciques, seus filhos

______________ 41 Gadelha (1980, p 303) afirma que: há luta pela apropriação da “mão-de-obra” indígena, com os vizinhos paraguaios enfrentariam um poderoso rival, nos padres da Companhia de Jesus os quais desde 1610, iniciam uma luta pela conversão dos índios ao cristianismo e pela libertação dos Guarani encomendados. Para a realização desse ideal, os jesuítas tentaram fundir alguns elementos das duas culturas, conseguindo desenvolver em suas reduções, um sistema de economia e de vida com características peculiares; aproveitaram elementos da cultura comunitária indígena, aliados a uma rígida disciplina interna nas reduções em prol de seu objetivo sócio-religioso. A aspa sobre o conceito de “mão-de-obra” é nossa, pois entendemos que á categoria que melhor explica essa relação seria força de trabalho. 42 ASSUNÇÃO (2004, p 83) esclarece que: “Regulamentos referentes à administração das unidades produtivas foram elaborados pelos padres-procuradores com freqüência, dando orientações àqueles que assumiam funções administrativas. Apenas de os registros não serem abundantes nos arquivos, as práticas de regulamentos devem ser comuns pela própria forma de organização interna, para dar continuidade aos empreendimentos, evitando que os religiosos, por despreparo ou falta de habilidade, cometessem erros básicos ou agissem de maneira de forma inadequada na sociedade onde estivesse atuando”. Dentre os dezoitos itens, pode-se destacar o aconselhamento do procurador para: não incorrer em débitos; assegurar-se de que todos os títulos de propriedades e os direitos de possessão estivessem em acordo com as normas prescritas em lei, visitar freqüentemente as propriedades para assegurar o andamento das atividades; controlar os livros de debito e de créditos para o ajustamento de contas e para que pudessem ficar arquivados para dirimirem possíveis duvidas.

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primogênitos, os sacristãos, os corregedores e os magistrados municipais. O tributo deve ser pago em dinheiro.

Este exemplo é elucidativo, no sentido de apontar a movimentação

econômica, e por outro lado entender as relações sociais produzidas pela

criação do mercado mundial. Reconhecendo que a República “Comunista” dos

Guaranis é um mito, pois estes estavam submetidos à legislação espanhola, e

esta, estipulava quem deveria pagar tributo, e quem não pagava tributo,

portanto, as reduções não tinham autonomia fiscal. Observa-se ainda que os

Guaranis reduzidos podiam ser requisitados, bem com outros grupos étnicos

para executar trabalhos públicos para o Estado Espanhol, como por exemplo, a

construção de edifícios e fortificações. E o mais comum era a solicitação das

tropas Guarani para atuarem na defesa das cidades que eram atacadas por

indígenas e também para combater os avanços das bandeiras paulistas sob o

território espanhol.

Sobretudo os neófitos deveriam prover todas as necessidades das

reduções. Tais como: construção de edifícios públicos, fabricação ou

pagamento do mobiliário, dos objetos de culto, das vestes sacerdotais, estátuas,

lustres; aquisição de hóstias, do vinho da missa, dos santos óleos, de cera, da

manutenção parcial ou total dos funcionários e magistrados municipais,

milicianos, recepção de autoridades. Todos estes custos incluindo os tributos

individuais eram mantidos com os recursos provenientes, da produção do

Tupambaé. Neste sentido a base econômica que financiava o empreendimento

tinha como pilares fundamentais a erva-mate e o gado bovino. Portanto era a

força de trabalho indígena que produzia o valor e impulsionava o

empreendimento das reduções jesuíticas43. Haubert (1990) é um dos autores que

afirmam que no contexto das reduções, estas não estavam inseridas em uma

economia monetária. Esta afirmação é paradoxal, pois em sua obra afirma que

os jesuítas nomeavam procuradores para comercializar a produção das

reduções.

______________ 43 MELIÁ (1986, p 174-175) assevera que: “Hechos similares se repitieron no pocas vezes. El arado tirado por bueyes, la cria de ganado, la racionalizacion de los cultivos,e especial el de la yerba mate, la sedentarizacion definitiva Del problado misionero... fueron otros tantos cambios importantes em la vida guarani, la modernizacion técnica sin duda se reflejó en los modos de produccion y em las formas de cooperacion, que resultaron ahora mas complejas y planificadas”.

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O padre Seep (1980) descreve que o Colégio de Buenos Aires havia

vendido 20.000 cabeças de gado por 12.000 talers. Evidentemente que o

dinheiro fruto da produção do Tupambaé não estava nas mãos dos indígenas.

Estava sendo administrado pelos jesuítas, os índios estavam sob a tutela da

Companhia de Jesus de acordo com a legislação espanhola. Assim como no

Brasil atual, cujos indígenas estão sob a tutela da Funai, pois a classe dominante

considerava (e considera atualmente) o indígena “incapaz” de gerir a sua

própria existência.

Haubert (1990, p 205) anuncia a ideologia da classe dominante quando

afirma “Ora, todos os membros da sociedade Guarani são crianças, incapazes

de satisfazer obrigações de caridade”. Melia (2004, p 213) assevera: “En la

história da las reducciones actuaron sin duda factores sociales, políticos y

económicos que ‘reducian’ a los Guaranies, asi como una ideologia que nunca

dejó de ser, en sus raices, colonial y etenocêntrica44.” Mas os guaranis eram

suficientemente adultos para produzir mais de um milhão de cabeças de gado e

exportar 50.000 arrobas de erva-mate no ano de 1683, e a servir ao Estado

Espanhol nas guerras territoriais. Porém para a ideologia da classe dominante

estes não estavam “preparados” para gerir o capital que era produzido pela sua

força de trabalho. Nesta acepção os indígenas eram considerados “incapazes”.

Pois na visão eurocêntrica o jesuíta estava mais “preparado”, pois estes

dominavam os códigos sociais da sociedade instituída. Cujo Deus atenderá pelo

singelo nome de Capital, e seu objetivo na terra era a reprodução ampliada.

Melia (2004, p 208) assegura que a redução não é somente uma redução

espacial mais sim política:

En primer momento se trata de una reducción espacial: la reducción se opone a la dispersion. “juntar los indios” es la principal defeniccion da la reduccion. La intencion de esta concentracion de los indios, sin embargo, responderá a diversos intereses: servicio a los encomenderos, facilidad para la mision, pero también defensa de los própios indios y proyecto de tornarlos más “políticos e humanos”. De todos os modos, la reducción, aun con su mera expresión de reduccion espacial, es ante de tudo una reduccion política. Espacio y política son el eje central em torno al cual gira la reducción. Reduciendo a la sociedad guarani se la reduce politicamente.

______________ 44 Ver mais sobre este assunto: Meliá, Bartomeu. Temple, Dominique. El don la venganza y otras formas de economia Guarani. Asuncion: CEPAG, 2004. p 189 – 215.

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Paradoxalmente Haubert (1990) reconhece o caráter tutelar e que os

jesuítas mantinham com sucesso o seu empreendimento devido ao pagamento

salarial ser efetivado em gênero alimentício. Nota-se que a Tutela missionária é

compreendida aqui num sentido bem mais amplo que a estrita tutela legal, mas

isso se deve também ao fato de os jesuítas estarem convencidos de que, “se o

estômago não estiver cheio de carne de boi, os guaranis fugirão por montes e

vale”. Por estar inserida na totalidade do modo de produção capitalista em sua

fase de acumulação primitiva, a produção econômica das reduções jesuíticas era

monetária, evidentemente para os gerenciadores do empreendimento, pois estes

comercializavam o gado, a erva-mate, o couro (que era exportado em enorme

quantidade para a Europa) que fora produzido pela força de trabalho indígena.

Com o dinheiro resultante do comercio compravam mantimentos,

insumos, ferramentas que eram distribuídos aos indígenas. O gado bovino da

produção45 “comunal” era controlado pelos jesuítas que ordenava quantas

cabeças deveriam ser vendidas e quantas cabeças de gado seriam abatidas e a

quantidade de carne que teria direito cada família indígena. Com o lucro

auferido com as vendas das mercadorias produzidas nas reduções os jesuítas

pagavam os tributos. A amortização do imposto era feito em dinheiro sobre a

força de trabalho indígena utilizada na produção (com as exceções já levantadas

nas páginas anteriores) ao Estado Espanhol.

O dinheiro, já na Europa comprava galeões, navios mercantes, canhões

e pagava os salários de seus funcionários etc. Colocava o capital em circulação

no mercado mundial46, mantendo o ciclo da reprodução ampliada, pois estes

navios, canhões, eram produzidos pela força de trabalho assalariada. Portanto, o

dinheiro do pagamento dos tributos dos índios do Paraguai, estava inter-

relacionado e interdependente na produção de mais valia para o capitalista

proprietário da fábrica de navios, de canhões etc. Por mais paradoxal que possa

______________ 45 Para Dobb (1981, p 225) “a chamada ‘acumulação primitiva’, mostrou-se por um lado como concentração de propriedade pela ação da pressão econômica e monopólio, usura ou expropriação real, e, por outro, como o conseqüente desapossamento dos donos anteriores.” 46 Dobb (1981, p 225 – 226) esclarece que: “um tipo de propriedade nasceu das cinzas de um tipo mais antigo: a grande propriedade atingiu a estatura adulta digerindo a pequena. Uma classe capitalista surgiu como produto não da frugalidade e da abstinência, como os economistas tradicionalmente afirmam mas do desapossamento de outros através da superioridade econômica ou política. (...) A chamada acumulação primitiva, portanto, nada mais é que o processo histórico de divorciar o produtos dos meios de produção...A expropriação do produtor agrícola ou camponês, assim afastado de qualquer propriedade do solo, é a base de todo o processo”.

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parecer Máxime Haubert (1990.p.217) o mesmo autor que afirma que neste

contexto as reduções não estavam inseridas em uma economia monetária, traz a

seguinte colaboração:

O comércio entre as reduções não basta para satisfazer todas as suas necessidades. A agricultura e o artesanato se ressentem principalmente do ferro e de outros metais: produtos semimanufaturados, instrumentos diversos e objetos manufaturados (armas, facas, anzóis, medalhas.) constituem, portanto o essencial das importações.

Marx (1968) afirma que neste contexto já está assegurado a expansão

dos mercados e conseqüentemente a transformação das linhas de tráfego que

trouxeram de inicio modificação substancial nos métodos mercantis. No

começo as corporações de comerciantes – estes mesmos que vendiam armas,

facas, anzóis, medalhas, ferro e outros metais para as reduções – ainda

predominavam no tráfico com a Índia e a América. Mas por trás destas

corporações estavam grandes nações47.

Por exemplo: no lugar dos catalães que negociavam com o Levante,

surgiu à Espanha inteira, ao lado da Espanha apareceram dois grandes países

Inglaterra e França; e mesmo os menores como Portugal e Holanda eram tão

grandes e forte como Veneza; a nação mercantil maior e mais forte do período

anterior. A força destes Estados Nacionais deu ao mercador navegante, nas

empresas aventuradas dos séculos XVI e XVII, um apoio que tornava a

corporação que protegia os associados, inclusive com armas, cada vez mais

supérflua, e os custos dela nitidamente importunos. Marx (1968, p. 1032-1033)

descreve este processo:

Então passou a desenvolver-se muito mais rapidamente a riqueza individual, e logo apareceram comerciantes isolados que podiam empregar em um empreendimento tanto fundos quanto uma sociedade inteira. As sociedades comerciais sobreviventes em sua maioria se transformam em companhias armadas que, sob proteção e soberania da metrópole, conquistavam paises inteiros recém descobertos e os exploravam em regime de monopólio. Quanto mais nos novos territórios se estabeleciam colônias, predominantemente fundadas pelo Estado, tanto mais o comercio

______________ 47 Dobb (1981, p. 212) afirma que: “Em suma, o sistema Mercantil foi um sistema de exploração regulamentado pelo Estado e executado através do comercio, que desempenhou um papel importantíssimo na adolescência da indústria capitalista: foi essencialmente a política econômica de uma era de acumulação primitiva”.

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corporativo recuava ante ao comerciante individual e por conseguinte cada vez mais o nivelamento da taxa de lucro estava na dependência exclusiva da concorrência.

Até aqui encontramos como revela Marx taxa de lucro para o capital

mercantil, pois até então só havia, além desta o capital usurário, e ainda está em

sua gênese o capital industrial (que ainda não estava desenvolvido). Para uma

melhor compreensão do leitor é importante destacar que no principio deste

processo, fundamentado na teoria de Marx, ainda era hegemônica a produção de

trabalhadores que eram proprietários dos meios de produção, e assim o trabalho

deles não produzia mais-valia a capital algum48. Era obrigada a ceder grátis a

terceira fração do produto, faziam na forma de tributo ao senhor feudal. Marx

(1968, p. 1033) assevera:

Por isso, pelo menos no começo o capital mercantil só pode extrair lucro dos compradores estrangeiros de produtos indígenas ou dos compradores indígenas de produtos estrangeiros; só nos fins deste período – na Itália, portanto no decair do império levantino – a concorrência externa e as dificuldades do mercado podiam forçar o artesão que produzia mercadoria de exportação e entregá-los ao exportador abaixo do valor49.

Portanto, as transformações ocorridas na produção determinaram no

centro do capitalismo a superação do trabalhador artesanal pelo trabalhador

manufatureiro50, e nas colônias manteve-se o ciclo sistêmico do capital

mercantil expresso na extração de lucro dos compradores estrangeiros de

produtos indígenas. Como por exemplo, a erva-mate, gado, couro etc. E dos

compradores indígenas de produtos estrangeiros como: armas, ferro, facas,

panelas, anzóis, outros metais, etc. Além dessas mercadorias as reduções

necessitavam de outras como: sal (que era desconhecido nesta região); o vinho

que era preciso importar da Espanha ou do Chile (ou em Mendonza), a cera

______________ 48 Grifos nossos. 49 DOBB (1981, p. 188) esclarece que: “[...] as condições para o investimento mais lucrativo na indústria não tinham amadurecidos de todo nos séculos anteriores. Outros investimentos eram preferíveis às dificuldades, riscos e menor liquidez do capital dedicado á empresa industrial”. 50 Dobb (1981, p. 188) afirma que: “As condições cruciais necessárias para tornar atraente o investimento na indústria em qualquer escala considerável não podiam estar presentes até que o processo de concentração progredisse o bastante para causar um desapossamento real dos proprietários anteriores e a criação de uma classe substancial dos destituídos. Em outras palavras, a primeira fase de acumulação – o crescimento da concentração da propriedade existente e o simultâneo desapossamento – era um mecanismo essencial para criar as condições favoráveis à segunda”.

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européia para as velas, o óleo, e, sobretudo, os objetos e vestimentas de luxo

para o culto e outras cerimônias.

Logo, para comprar essas mercadorias e para pagar os tributos, houve a

necessidade premente de aumentar as exportações. Tratava-se principalmente

da erva-mate, do couro do boi, de tecidos de algodão e de lã, de tabaco, de

açúcar, do mel e de alguns produtos manufaturados como móveis de madeiras.

Haubert (1990) informa que todos os anos cada redução fretava varias balsas

(aquelas que não eram proprietária de várias) para transportar as mercadorias

para os estabelecimentos coloniais, navegavam pelos rios Paraná, Paraguai e

Uruguai. As viagens ocorriam geralmente após a estação agrícola. Para a

viagem recebia como provisões carne defumada, erva-mate, tabaco.

Em Santa Fé, Buenos Aires ou Assunção entregava as mercadorias aos

procuradores das missões. Os procuradores faziam todas as negociações e

operações comerciais. Haubert revela que os procuradores não era apenas

representantes comerciais do Tupambaé51, mas também dos índios que

individualmente (familiar) obtivera extraordinariamente, um pequeno excedente

e desejavam vendê-las ou trocá-las por mercadorias espanholas.

Os indígenas se hospedavam nos Colégios jesuítas52, e em edifícios

construídos com o capital das missões. Enquanto aguardava a mercadoria se

realizar na circulação e posteriormente no consumo, pois eles já haviam

iniciado todo esse circuito quando efetivaram a sua produção. O comércio

externo podia ser feito também de forma inversa com os viajantes e os

______________ 51 Gadelha (1980, p.266) esclarece: “Vigiadas e sob rígida orientação do padre cura desenvolviam-se, também, as plantações individuais de cada familia, inclusive a do cacique. Ao lado destas surgiram plantações comunais de milho, legumes, algodão destinados à ‘Caixa da Comunidade. Estes campos cultivados em comum, por todos os habitantes da aldeia seriam denominados ‘Tupambaé’, isto é, ‘Terra de Deus’”. 52 No caso dos Itatim era o Colégio de Assunção que servia de intermediário as transações.

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mercadores indo até as reduções. Porém a legislação colonial permitia que estes

permanecessem nas reduções apenas por três dias53.

Haubert (1990) destaca que a residência permanente destes

comerciantes nas reduções não era permitida desde 1618 pelas Ordenanzas de

Alfaro. Evidentemente, pois era monopólio da Companhia de Jesus o circuito

de produção, circulação de mercadorias nesta região, principalmente de uma

mercadoria especial a única que é capaz de produzir valor: a força de trabalho.

Este direito “sagrado” era resguardado pela lei espanhola.

______________ 53 De acordo com Lugon (1977, p. 155): “Somente os mascates, os vendedores ambulantes estrangeiros, podiam penetrar, algumas vezes, nas reduções e nelas permanecer até três dias, ficando instalados numa casa especial situada no exterior do perímetro urbano e nas vizinhanças do Colégio. Sob controle, era permitido a esses mascates oferecerem e trocarem suas bugigangas. E era tudo. Para favorecer o comércio exterior com Assunção e Buenos Aires, foram estabelecidos mercados mais ou menos regulares em Santo Inácio Guaçu, Santa Maria da Fé, Santiago, Santa Rosa, S. Carlos, Yapeyu e São Cosme. O bispo Fajardo nota que e fervor religioso era menos elevado nessas reduções, por causa de contado com os mercadores. As feiras para o mercado interior não se revelavam necessárias, uma vez que todos os produtos estavam concentrados e postos à disposição dos consumidores nos grandes armazéns comunais”.

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CAPITULO III

A VIDA CULTURAL E EDUCACIONAL NAS REDUÇÕES

JESUÍTICAS: A SÍNTESE DA EXPERIÊNCIA AGRÍCOLA GUARANI

COM A TÉCNICA EUROPÉIA.

As condições existentes no território ocupado pelas reduções eram

extremamente favoráveis ao desenvolvimento da agricultura. Dois fatores

foram fundamentais para o desenvolvimento da agricultura nas reduções

jesuíticas.

O primeiro fator é que o povo Guarani historicamente de acordo com

Meliá (1991, p. 14) “[...] son agricultores que saber explotar eficazmente essas

tierras de selva, cuyos àrboles derriban y queman y en cual plantan maíz,

mandioca, legumbres y muchos outro cultivos”. O segundo fator foi à técnica

trazida pelos europeus fazendo com que a antiga economia Guarani

fundamentada na reciprocidade fosse substituída por uma nova relação

fundamentada na propriedade, provocando uma mudança de perspectiva. A

relação secular fundamentada na reciprocidade foi substituída por uma nova

relação abalizada na propriedade. Pode-se ilustrar esta nova alternativa

observando a relação dos Guaranis com o machado de ferro (cunha). Que era

uma novidade nas reduções, como descreve o Padre Roque Gonzáles apud

Melia (2004 p. 201):

Para derribar estos àrboles, y lo que es más, para cavar sus canoas, como no saben el uso de hierro (aunque hay minas de él en su Uruguai) usan cuñas de piedra que es cosa que pone admiración corten com ellas cuanto es menester com gran facilidad. Después de reducirlos nuestros padres, les llevan esta misma forma de cuñas, pero hechas de hierro, y com cada uma delas se gana una família, que se reduce de buena gana, por tener com que hacer sus canoas y sementeras.

Portanto a síntese de boas terras e hábeis agricultores e com novas

inovações técnicas trazidas pelos europeus. E consequentemente o acúmulo de

aproximadamente 2.000 anos de experiência dos Guaranis como agricultores,

aliada ao conhecimento técnico implementado pela Paidéia jesuítica floresceu.

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Os Guaranis incorporaram estas novas técnicas como assinala Melia (2004 p.

202):

El hacha trae la forja el hierro, y la compra de Hierro. Al principio la reciprocidad estaba integrada en una estructura de prestaciones y ayudas personoles: alimentarse y educarse; casarse y hacer fiesta; cuidar la salud y morir. Vengarse, a veces. El hombre y la mujer son agricultores, son cazadores y son recoletores. Pero, he aquí que viene el herrero.

A introdução da técnica, por outro lado, destrói a antiga economia

guaranitica fundamentada na reciprocidade, como ilustra Montoya (1633, p.

196) “el sentido de jo, recíproco mutuo, son ‘on’ ñomba’e, nuestras cosas

mutuas [...], orojohayhu, orojohayhu, amámonos ad invicem, orojopói,

convidámonos a comer”. Esta comunidade surge às vezes, por vicissitude

histórica muito concreta. Melia (2004, p. 29) afirma: “que van desde

cataclismos y fenómenos ecológicos adversos hasta pertubaciones sociales -,

una consciencia aguda de los males que afectam el buen modo de ser”. Nesta

acepção a inovação técnica introduzida pelos europeus cinge todo um sistema

econômico da reciprocidade guarani.

Meliá (2004) esclarece que no antigo modo de produção ocorria uma

igualdade na produção material da existência, porém com o ferro, emerge uma

nova estratificação econômica, pois o ferreiro cria um utensílio para dominar a

natureza, uma técnica que suplanta a eficácia dos processos naturais.

Na visão de mundo Guarani o ferreiro rompe com a natureza: não o

amansa ou domestica; a combate. Meliá (2004, p. 202) esclarece: “su trabajo se

pone al servicio de los productores tradicionales. Le da azada al agricultor y

espada al guerreiro. El herrero es de una ‘casta’ diferente. Es incluso temido ya

que su produccion es de terrible eficacia”.

A admissão de novas técnicas preparou o ingresso do dinheiro (moeda)

e com ela o valor, e o comércio, que entrou em profunda contradição com a

tradição guarani. A síntese dialética da técnica européia e da economia

fundamentada na reciprocidade guarani encontrou um campo fértil nas grandes

planícies cortadas de outeiros, vales marginados de suaves colinas, nas

campinas ao fundo, bosques altos nas cristas das elevações, tal é o aspecto geral

do Paraguai Oriental, onde se encontravam as antigas reduções do noroeste da

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província. A síntese se expressou na grande produtividade agrícola e a criação

de um espaço singular o da redução, onde frutificou este processo.

Como revela Seep (1980, p. 145) “as roças são muitos férteis, mesmo

sem adubo dão literalmente frutos cem por cento, o cereal cultivado era o milho

(o chamado grão turco) que era produzido em grande quantidade”. Nas

reduções a síntese da técnica européia e a prática agrícola guarani produziam

grandes safras, e por outro lado grandes discriminações da classe dominante.

Dois exemplos são elucidativos nas palavras do padre Seep (1980.p.146):

“Nossos arados não são tão providos de relhas de ferro, porque donde tirar tanto

ferro, mas são feito do primeiro tronco de árvore que se encontre e apontado

como um arado. [...] freqüentes vezes também dá a este ou aquele índio umas

duas ou três geiras para lavrar”. A citação de Seep revela o contole jesuíta na

produção. E Seep mostra a visão eurocêntica: “Mas, que é que faz o índio

glutão? Pega da semente, que ele deveria confiar ao seio da terra tão fértil e da

qual poderia esperar uma cegadura abundante, e enfia em seu papo voraz”.

A citação do padre vem no sentido de trazer à baila que a síntese não

se deu pacificamente, foi fruto da contradição, sob a hegemonia da cultura do

dominante, pois Seep elogia o arado que é a demonstração da técnica, como se

a técnica, por si só, pudesse arar a terra. Por outro lado promulga a sua visão

eurocêntrica em que a força de trabalho aparece deslocada da produção com a

alcunha de: glutão. Esta contradição nas reduções também se proclamava

através da violência como descreve Seep (1980 p. 146):

E é completamente deshabitada(sic) e muitas vezes não se encontrará uma só chocinha em 300 milhas de extensão. Mas nós não conseguimos fazer com que os índios, em sua pura preguiça semeiam mais de uma ou duas rocinhas de 18 passos de grão turco. E mesmo isto só conseguimos com tundas. Ainda domingo passado tornou-se absolutamente necessário passar uma sova em alguns índios que não haviam amanhado a terra e nem haviam procurado encontrar um arado.

O processo reducional, portanto, não era o paraíso como alguns autores

buscam salientar, pois a violência contra os indígenas era uma constante.

Morais, (1980, p. 147) busca justificar a violência:

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Muito se discutiu em torno da questão dos castigos corporais, sob forma de surras com açoites ou chicotes, administrados nas reduções. Os críticos, no entanto, esquecem que nos séculos XVII e XVIII se opinava a respeito de maneira bem diversa. Surras e chicotes constituíam, naquelas épocas, a coisa mais natural deste mundo [...].

Ao naturalizar as surras e açoites Moraes busca ocultar a contradição,

pois, esconde as relações de poder estabelecido, da mesma forma que os

escravocratas justificavam os açoites nos escravos negros “porque eles queriam

fugir”. O açoite anuncia o poder e a contradição entre aquele que ordena o

açoite e aquele que o recebe, pois na literatura que trata desse tema não se

encontra registrado o açoite em nenhum jesuíta. O processo ratifica que a

síntese entre a técnica européia e a experiência agrícola Guarani, teve como

resultante o aumento da produtividade, combinadas em surras e açoites, que se

constitui dialeticamente em uma nova tese que emerge nas relações sociais das

reduções guaraníticas.

Explicita-se a hegemonia jesuítica no empreendimento, pois ao

dominar a base material como esclarece Seep (1980) que estava sobre o

controle dos jesuítas todas as ferramentas utilizadas na produção, assim como

também os insumos (sementes, mudas, etc.), e quando chegava à época de

semear que era comumente no mês de junho e agosto, o padre concedia os bois

e o arado para o amanho da roça. Seep (1980, p. 147) esclarece: “[...] lhes

forneço a semente. O que isto me custa, em face dos seis a sete mil índios, pelos

que tenho de cuidar, o inteligente leitor que o diga”.

Lugon (1977, p. 122) esclarece que “quando os Guaranis arroteavam

uma terra, desbravavam uma floresta virgem, as cinzas, as raízes e as plantas

queimadas serviam de adubos. As reduções possuiam canais de irrigação que

levavam água aos campos, cujo leito deste era constantemente pavimentado”.

Máquinas hidráulicas extraiam água dos rios. Desde a sua chegada os jesuítas

encontraram pequenas plantações de milho, mandioca, batata-doce e erva-mate

em estado selvagem. Os jesuítas introduziram a cultura do trigo, cevada, arroz,

cana-de-açúcar, algodão, fumo. Sendo que o cânhamo fornecia o pano

necessário. E em que cada redução possuía seis a oito imensas hortas e

pomares, à parte o jardim dos padres, que era uma horta para experiência de

aclimatação e ocupava, por si só, até três hectares aos fundos dos colégios.

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Seep (1980) afirma que a horta de sua redução produzia o ano inteiro

as mais variadas espécies de hortifrutigranjeiros e enumerava uma lista extensa

de legumes e verduras que vai da chicória ao melão, assim como flores e

plantas ornamentais. A outra grande produção das reduções era o algodão, Seep

(1980, p.210) destaca: “Mandei plantar algodão, absolutamente necessário para

os vestidos. A terra em que se planta denomina o índio de Mandiyuti. O

algodão cresce em abundância no Paraguai. [..] O algodão cresce destarte, em

belíssimas quão extensíssimas renques, ao modo das videiras”.

Lugon (1977) descreve que os padres possuíam livros de agricultura

trazidos da Europa e também criou com a sua própria experiência em síntese

com o conhecimento indígena uma ciência agrícola aplicada. Seus êxitos neste

campo foram anotados, cuidadosamente classificados e conservados. Também

foram concebidas e criadas ferramentas apropriadas, e em cada redução no

momento das lavouras seiscentos a oitocentos animais de tiro estavam em

atividade. O milho formava a base da alimentação junto com o centeio, o trigo,

o arroz e dava até quatro colheitas ao ano, e era um dos produtos também

comercializados. Lugon (1977, p. 125) informa que “a colheita do algodão

anual era em média de duas mil arrobas de onze quilos e meio por cada

redução”. Seep (1980) afirma que na nova redução de São João tinham sido

plantados cem mil pés de algodão no primeiro ano. Dois anos mais tarde

existiam trezentos mil que produziam mais de quatro mil quintais de algodão.

A cultura do algodão desapareceu depois da expulsão dos jesuítas.

Lugon (1977, p. 21) assevera que “a produção de cana-de-açúcar, cuja

prosperidade pode ser vista pela quantidade de açúcar branco armazenada na

redução de Santa Rosa em 1695: duzentos quintais de açúcar branco”. Outra

mercadoria produzida para a exportação era o vinho, sendo que as reduções do

Uruguai exportavam vinho para Buenos Aires, Assunção e Rio da Prata.

Bougard (1883, p. 351) esclarece que “outra mercadoria produzida nas

reduções jesuíticas e de grande aceitação no mercado era o tabaco, denominado

‘fumo do Paraguai’ que estava classificado ‘a par dos melhores Cruz de

Havana’”. A produção cobria as necessidades internas e permitia grande

exportação. Porém, como já demonstramos nas páginas anteriores as duas

principais atividades econômicas do empreendimento jesuítico era sem duvida a

produção da erva-mate e a criação de gado. Lugon (1977, p. 125) também

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corrobora com esta afirmação: “[...] a erva-mate forneceu desde os primeiros

tempos uma fonte de grandes rendimentos. Um século após a expulsão dos

jesuítas, ainda se exportava aproximadamente, cinco mil toneladas de mate

(442. 940 arrobas), provenientes do território das missões”. Por ser um povo

que tinha desenvolvido durante milhares de anos a agricultura, os Guaranis

desenvolveram também a arte da cerâmica, como atesta Meliá (1991, p. 14):

“Son também hábiles ceramistas, cuyos artefactos necessitan para preparar y

servir sus alimentos”.

Logo, a riqueza do solo e o clima facilitaram além do desenvolvimento

agrícola, também o artesanato e a pequena manufatura que fora introduzido aos

poucos, principalmente o trabalho com cerâmica e com a madeira. Os Guaranis

tinham uma longa experiência nos ofícios manuais, principalmente na

fabricação de armas de guerra (arcos, flechas, lanças, bordunas etc.) e de canoas

para os transportaram pelos rios. A confecção de alguns ornamentos de plumas,

a cerâmica e o trabalho com o couro era uma técnica dominada por centenas de

anos por parte dos indígenas.

Cardiel (1990, p. 108) desataca que “os primeiros mestres profissionais

dos Guaranis foram os próprios padres, alguns dominavam um grande numero

de ofícios”. Bourges (1755) constatou que os jesuítas trouxeram para as

reduções profissionais em diversos ofícios para ensinar aos indígenas reduzidos.

Muratori (1983, p. 159) informa que “os irmãos jesuítas ligados aos grandes

colégios faziam intercâmbio com as reduções. Jesuítas de Córdoba ou de

Assunção, passavam longos períodos nas reduções, para iniciar os guarani em

vários ofícios e aperfeiçoá-los”.

A princípio a produção de manufaturas era somente no estreito limite

para a satisfação das necessidades das reduções. Com o decorrer do tempo

ocorreu um desenvolvimento desta produção e esta também passou a ser

comercializado. Neste sentido se revelam a introdução de uma educação técnica

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e profissionalizante inserida pelos padres jesuítas nas reduções, cujos alunos

aprendizes eram os índios Guarani54.

Lugon (1977) afirma que para a produção de vestuários dois teares

funcionavam em Itapuã, isto em 1627. E as outras reduções não estavam por

certo desprovidas desse equipamento. Muratori (1983) confirma essa suposição

de Lugon e que após a segunda migração todas as reduções eram auto-

suficientes na produção de vestuários, sendo que as mais modestas contavam

entre dez e vinte teares; e em Yapeyu, por exemplo, tinha trinta e oito. Muratori

descreve que por toda parte nas reduções observava-se um grande número de

tecelões que fabricavam continuadamente os tecidos para vestir todos os

habitantes da redução e produzindo excedentes.

Florentin de Bourges (1755) observou que os guaranis trabalhavam

todas as espécies de tecidos e panos que era preciso. Pois no verão os indígenas

vestiam-se de algodão e no inverno de lã, e estas fábricas tinham uma produção

considerável e os jesuítas enviavam os excedentes para Buenos Aires, Córdoba

e Tucuman, e as exportações se ampliou até a Europa. O tecido inicialmente

simples passou a ser decorados com flores e estampas variadas que provocou a

admiração do padre Seep (1980, p.245):

Quem foi que ensinou meus índios a tecer franjas e bordar rendas? A costurar e fazer com a agulha corporais, cortinas, casulas e todas as alfaias, de culto divino? Quem lhes guiou a mão para tornear do chifre relicários romanos? Quem lhes ensinou a lavrar a pedra, a burilar, com esforços incríveis, estátuas, altares, púlpitos e a fazer mil outros trabalhos perfeitissímos. [...] Não quero mencionar os tapetes de lã que as senhoras da nova colônia há pouco tempo fizeram, em nada inferiores aos tapetes turcos.

O artesanato “moderno” e a pequena manufatura foram introduzidos

pelos jesuítas e estavam sobre o controle destes. Eles controlavam toda a

______________ 54 Para uma melhor compreensão deste processo de educação profissionalizante (ofícios) introduzido pelos jesuítas na província do Paraguai duas obras são emblemáticas. A primeira é: Florentin de Bourges; O. F. M; Voyage aux Indes Orientales par lê Paraguay, lê Chili et lê Perou; - publicado pelos padres jesuíta, volume V das Lettres Edificantes. O relato de Florentin de Bourges constitui um documento precioso para a compreensão da ação inaciana no Paraguai; pois é um testemunho direto da própria época. Frei Florentin era um padre capuchinho que chegou as reduções por acaso, depois de ter vagueado um mês na floresta quando fora abandonado por seus guias quando ia em direção a Cordóba. Residiu por dezessete dias na redução de Francisco Xavier e também ficou um tempo em São Nicolaou e Concepcion. Tradução espanhola de 1755, cartas Edificantes, tomo IX. A segunda obra é: Muratori, Antonio. Relations des missions deu Paraguay. Paris: Macpero, La Découvert, 1983.

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produção, as oficinas estavam estabelecidas no próprio recinto do colégio e,

cada ramo de atividade tinha a sua própria “fabrica” ou oficinas. E durante a

época de cultivo da lavoura ou na colheita da safra, os artesões trabalhavam

uma semana na oficina e duas semanas no campo. Haubert (1990) afirma que

por esta dupla função os Guaranis não recebiam nenhum pagamento, apenas

ganhavam uma ração suplementar. A exploração da força de trabalho indígena

se dava, portanto, em vários setores da produção: agrícola, artesanal e

manufatureira. Seep (1980, p. 245) descreve esta exploração:

Não relato aqui os talentos dos demais padres missionários, que inventaram, em sua indefessa atividade, muitas coisas semelhantes –. Ensinaram a fabricar sinos de bronze, a fundir tachos de estanho, a preparar salitres, e nitratos em pó. Tenho visto, com grande admiração minha, relógio feitos pelos índios, relógios que dão horas e cujos ponteiros indicam o tempo; esferas ou cilindros astronômicos, nos quais os indígenas lograram a gravar os graus e os minutos com a precisão a mais exata. Assim como se torna difícil distinguir um ovo do outro, o é igualmente difícil adivinhar qual o relógio feito na Europa e qual no Paraguai.

Ao mesmo tempo em que relata a capacidade do guarani em produzir

sinos de bronze, a fundir metais e a produzir relógios, a visão etnocêntrica

também se expressa no pensamento de Sepp, no sentido de separar o trabalho

físico do trabalho intelectual, se utilizando do conhecimento técnico para

hierarquizar a cultura européia em relação à cultura indígena, expressando o

domínio de um grupo sobre o outro. Seep (1980, p. 245) assevera que:

Ao ler estas cousas (sic) quase incríveis, perguntará, com toda razão, algum leitor europeu curioso, quem pôde civilizar a tal ponto estes bugres estúpidos e broncos? Respondo eu: na verdade, são estúpidos, broncos, bronquíssimos estes nossos silvícolas para todos os assuntos espirituais, para tudo que reclama trabalho mental e que se não pode ver com os olhos. Para os serviços mecânicos, porém, tem olhos de lince.

Algumas empresas do Tupambaé tinham o caráter de pequenas

indústrias, como por exemplo, os moinhos, serrarias, olarias, instalação de

secagem de erva-mate ou de tratamento de cana-de-açúcar. Portanto, existia nas

reduções uma série de ofícios, a propósito a engenharia civil e arquitetura.

Peramás (2004, p. 33) corrobora:

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Los pueblos de guaraníes contaban con edifícios comodísimos. Siempre que posible, se construian en un alto. Un lado de la Plaza, un cuadrado de uma 150 varas, lo ocupaba el templo, el cementerio, la casa del cura y las oficinas de los artesanos; sobre los otros tres lados se distribuian las casas de los indios, todas de tapial y cubiertas con tejas acanaladas.

Haubert (1990) confirma também a existência de vários ramos de

ofícios como: carpinteiros, marceneiros, tanoeiros, torneiros, oleiros, curtidores,

sapateiros, seleiros, alfaiates, chapeleiros, douradores, fabricantes de terços e os

escultores. Estes ofícios foram introduzidos e ensinados pelos padres jesuítas,

que contavam com a contribuição de profissionais destas áreas para ministrar os

cursos.

A Tipografia criada pelos jesuítas foi durante muito tempo a única do

Paraguai e no Rio da Prata. A principio os inacianos se utilizavam o talento de

copista do Guarani, cujas letras de imprensa por eles forjadas eram tão perfeitas

que chegavam a enganar os peritos – pode se ver este talento em grandes in-

fólios ainda conservados em algumas bibliotecas. Por várias vezes os jesuítas

haviam tentado trazer da Europa um tipógrafo, pois na Espanha a impressão de

livros em Guarani era muito difícil e o encaminhamento era custoso. Haubert

(1990, p. 213) esclarece:

Em 1770, finalmente o padre J. B. Neuman consegue com os meios disponíveis construir uma pequena tipografia e fundir no estanho os caracteres, entre os quais muitos são específicos da língua Guarani. Os livros editados são normalmente em espanhol ou em guarani, e o número de exemplares é muito reduzidos. A maioria das obras são manuais para o uso dos missionários e catequistas [...]

O padre Dobrizhoffer (Apud Furlong, 1968) descreve que o papel

utilizado era importado da Europa e a tinta era extraída da madeira de tapy, cuja

fuligem da combustão era extraída e recolhida em um recipiente; vertendo água

quente e misturando com borracha e açúcar. Estava produzida a tinta. As

reduções também foi um espaço para o desenvolvimento de uma pequena

indústria química. Os jesuítas após um profundo estudo sobre a flora sul-

americana ensinaram aos Guaranis, através de processos químicos a extrair

materiais corantes, perfumes, remédios, etc.

Um outro ramo da produção estabelecido nas reduções jesuíticas foi o

da construção civil, este trabalho se efetivava tanto internamente, quanto

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externamente, pois em muitas oportunidades os Guaranis foram solicitados para

trabalharem nas cidades coloniais na construção de igrejas, fortalezas, colégios,

casas. A indústria da construção civil nas reduçõe ou nas cidades coloniais era

efetivada pela força de trabalho indígena.

Nas reduções devido ao aumento da população e o desenvolvimento

produtivo e com as constantes mudanças e o estabelecimento de novas

reduções. No primeiro momento foram construídos os galpões coletivos,

posteriormente foram às cabanas familiares, até chegar à sólida casa de pedra e

cal com amplas varandas. Nas cidades coloniais a força de trabalho Guarani

levantava as igrejas e colégios. Seep (1980, p. 68) esclarece:

Há cinco anos nossos padres descobriram cal, bem como a maneira de queimar tijolos e telhas. Eis porque o telhado do colégio não é feito de palha, mas de telhas, como na Alemanha. Da pedra referida estamos construindo agora uma torre. É o começo duma igreja e finalmente se porá também mãos ao colégio.

Lugon (1977) revela a qualidade profissional dos operários Guarani no

ramo da construção civil – como pedreiros, carpinteiros, pintores, marceneiros.

Este aspecto revela-se nos edifícios públicos e nos colégios que escaparam da

destruição e são ainda hoje utilizados como sede de prefeituras e quartéis. Os

pedreiros também eram explorados para a extração da pedra de talha e da

ardósia. O outro ramo da produção que também era explorado era o da

construção naval. Lugon (1977) afirma que nos estaleiros navais instalados nas

margens do Uruguai e do Paraná, construíam barcos de transporte bem

adaptados, extremamente resistentes, e canoas de guerra para trinta a quarenta,

homens, tendo a sua fabricação merecido a admiração dos espanhóis. Em

muitas reduções os estaleiros navais e o porto ocupavam uma vasta área55.

Lugon descreve que turmas de trabalhadores ocupavam-se

organizadamente da armazenagem de cereais, moagem e conservação de

reservas. Existiam moinhos de ventos e de água. Os moinhos, as serrarias e os

curtumes se localizavam a beira de cursos da água e eram grandes e sólidas as

construções. Os curtumes eram sem duvida um dos grandes empreendimentos

dos jesuítas, preparando uma das mercadorias que tinha grande aceitação no

______________ 55 Ver mais sobre este assunto: Garsch; Bruno. Dei Einflus der jesuiten Missionen Wandel des Naturlandsohaft Zen Kultenlandschaft. Breslou, 1934, p. 95

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mercado europeu: o couro. Seep (1980, p. 143) expõe a dimensão das

exportações de couro:

O benévolo leitor poderá calcular facilmente quantas reses se gasta aqui ao todo, quanto eu só já consumo tantas, e quantas ainda ficam sobre os campos infinitos do Paraguai, para a procriação indispensável. Nossos três navios levaram 300,000 couros para a Espanha, mas não de vacas, e sim de touros mais crescidos. Aqui um couro sai a 15 kreuzers, que vem a ser o salário para o serviço de tirá-lo. Na Europa, no entanto, em qualquer parte vende-se um couro de boi como estes por seis e mais Reichstaler. Daí poderá o benévolo leitor mais uma vez fazer nova conta calculando o lucro indizível que os espanhóis tiram só do couro. São as verdadeiras minas indígenas de ouro e prata de sua Majestade Real.

Acrescente-se ainda, que assim como os curtumes, moinhos e serrarias,

havia também usinas de fabricação de açúcar e azeite, os fornos de tijolos e os

armazéns para a secagem e torrefação do chá, estes de acordo com Moussy

(1993) ficavam sempre situados na periferia da redução.

Lugon (1977) informa sobre a existência de forjas e fundições,

modestas, pois a região era pobre em metais, desenvolveu-se tanto que se

conseguiram fundir os sinos das igrejas das reduções como metal importado da

cidade de Coquinho (Chile), passou a fabricar também armas de fogo, canhões

e munições. Em cada localidade a fábrica de armas ocupava diversas oficinas.

Após várias décadas de implantação das reduções jesuíticas varias

profissões foram estabelecidas, como atesta Charlevoix (1756, p.242): “vêem-

se por toda parte oficinas de douradores, pintores, escultores, ourives,

relojoeiros, serralheiros, carpinteiros, marceneiros, tecelões, fundidores, em

uma palavra, todos os ofícios que passem ser útil”. Charlevoix enumera ainda

os sapateiros, alfaiates, padeiros, açougueiros, toneleiros, torneiros, telhadores,

violeiros, fabricantes de alfaias agrícolas (arados, charruas, grades, etc.) e de

carroças, fabricantes de rosários e círios, etc. Os vasos de estanhos ou terracota,

delicadamente trabalhados, comprovam a habilidade do Guarani na arte da

cerâmica, como demonstra Melia (1991, p. 14): “Son tambien hábile ceramista,

cuyos artefactos necessitan para preparar y servir sus alimentos.” A arte da

cerâmica já estava extremamente desenvolvida entre os Guaranis deste o

período pré-colombiano. Fato descrito por Lugon (1977 p 78): “os arqueólogos

admiram os vasos gigantes em que os guaranis inumavam os seus gloriosos

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guerreiros”. Gaish (1934, p. 122) esclarece que “os missionários que visitavam

as reduções ficavam impressionados com o desenvolvimento: econômico,

social e principalmente o desenvolvimento dos ofícios, comparando o trabalho

artesanal e submanufatureiro com os que ocorriam nas grandes cidades

européias da época”.

O padre Seep (1980, p. 165) afirma que “os Guaranis produziam

relógios, clarinetas e trombetas tão bem quanto na Alemanha”. A redução de S.

João possuía um relógio em que os doze apóstolos apareciam sucessivamente

nas doze pancadas do meio-dia. Esse relógio de acordo com Sepp fora

construído na própria redução, sem a ajuda de operários estrangeiros. Sendo

que todas as reduções estavam munidas de quadrantes solares e relógios que

regulavam as ocupações dos habitantes. Entre os mestres que aperfeiçoou os

guaranis e ensinou-lhes o ofício da relojoaria constam os nomes dos padres

Jaime Carreras e Charles Franck. Nesta acepção os jesuítas introduziram a

concepção de tempo nas reduções, uma das características distintivas da

modernidade. Pois, “tempo é dinheiro”.

Bonpland (Apud Lugon, 1977, p. 138) descreve o processo da

mudança de ritmo temporal no cone sul da América Latina: “descobriu um

relógio no claustro do Colégio de São Nicolau, em ruínas, que indicava á hora

local, á hora de Madri e a de Roma”. Charlevoix (1756. p, 241) destaca que “a

orientação profissional foi praticada nas reduções dois séculos antes de se

implantar na Europa, pois desde que as crianças atingiam a idade de trabalhar

eram conduzidas pelos jesuítas às diversas oficinas e fixadas naqueles para a

qual teria maior inclinação”. Neste sentido Charlevoix naturaliza a “vocação”

confundindo o caráter persuasivo dos jesuítas a uma “arte” guiada pela

natureza.

3.1 A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DIVINOS DO TUPAMBAÉ.

As cartas – assim como o e-mail na atualidade – fizeram parte de um

sistema de comunicação interna e administrativa da ordem jesuítica, sendo

reguladas por uma seqüência (cartas anuais) de procedimentos administrativos e

religiosos rígidos que atendiam a uma infinidade de funções na ação inaciana.

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Este procedimento era de forma geral, seja na Europa ou nos outros continentes.

O objetivo central era a troca de informações precisas e regulares dos membros

da ordem para com os seus superiores na Espanha e em Roma. Ao mesmo

tempo mantinha o espírito de corpo entre os membros da Companhia. De

acordo com Assunção (2004) os relatos edificantes dos novos membros da

Companhia, assim como revelavam ao público a conduta ética e moral;

elevando a abnegação e a vida sofrida e pobre dos missionários.

As cartas repetiam de ano para ano as atividades realizadas, tornando-

se a base dos textos que foram publicados em coletâneas, que sofriam um

trabalho editorial elaborado. Adriano Prosperi (Apud Assunção, 2004, p. 228)

afirma que: “feito de seleção e de censura, destinado a fornecer uma

determinada imagem da companhia e a controlar rigorosamente as reações dos

leitores”.

De acordo com Assunção (2004) que fez uma profunda e rigorosa

pesquisa historiográfica, nos arquivos consultados ocorrera uma diminuição

acentuada destes registros que se tornou a principal base de sustentação da

historiografia oficial feita pelos cronistas da companhia. Assunção (2004, p.

228) esclarece:

Edificar, num primeiro momento significou nortear os comportamentos e confirmar a existência da cristandade ocidental; posteriormente, assumiu outro significado particular além daqueles que envolviam a conversão do gentio dos primeiros anos. As cartas jesuítas não limitaram a retratar o cotidiano da conquista espiritual da ordem durante os dois séculos na terra dos Brasis. As cartas de negócios, pouco mencionadas por estudiosos ou pelas diversas compilações de documentos relativos á atuação da companhia de Jesus, revelam a faceta temporal da Instituição que, por vezes comprometeu o discurso inaciano que afirmava dar mais de si mesmo, antes mesmo de pensar em si próprio.

Este exemplo é elucidativo, pois desvela que o modelo das cartas de

negócios apresentava também na singularidade espanhola um arquétipo com

esta configuração. O modelo das cartas de negócios tinha em sua estrutura um

parágrafo introdutório de saudação registrando a felicidade de ser agraciado

com a carta, expressa também, o seu regozijo, ou pesar sobre a saúde e as novas

que recebera de seu correspondente.

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Em seguida tinha inicio os registros pormenorizados do assunto, sendo

o número de parágrafos definido pelo tema que era objeto. A parte central da

carta era redigida de forma a demonstrar o respeito pela hierarquia e à

autoridade do padre provincial ou ao reitor. Da mesma maneira que se dava

satisfação das atividades, os religiosos solicitavam produtos e pareceres para a

condução de seus afazeres. O fechamento seguia a conversão de desejos de

saúde ao superior, respeito e submissão. Um exemplo ilustrativo destas cartas é

a escrita pelo Padre Nicolas Mastrilho Duran, em 1628, nesta missiva descreve

a Ciudad Real do Guairá.

Duran (Apud Ravignani, 1929, p. 303):

Los españoles que viven en esta ciudad seran [como 50. Barone] hijos de la buena gente que vino de España al Paraguay [estan muy ricos porque] se contentan com su pobreça el vestido ordinario es de algodon [tenido];, í raras veces alcanzan algun vestido de España a truque de Yerba, de la qual dire en su lugar.

A carta é um documento esclarecedor para a compreensão do processo

de funcionamento da Companhia de Jesus, fundamentado na hierarquia e na

administração centralizada. O modelo de organização era vertical. A

administração geral da Companhia estava centralizada na figura do preposto

geral, cuja sede era em Roma. As cartas enviadas aos padres provinciais

comprovam esta tese e expõe o caráter centralizador. Assunção (2004) afirma

que o padre provincial era o responsável pela concentração de todas as

informações referentes ao encaminhamento das atividades empreendidas nas

colônias. Porém a instância máxima de decisão era o preposto geral que residia

em Roma.

Pelo teor das cartas é possível identificar que nas dependências dos

colégios jesuítas nas colônias espanholas – que na realidade era um modelo

global – havia uma secretaria que guardava documentos diversos: como

contratos, registros de operações comerciais realizados com terceiros, etc.

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As cartas anunciam as orientações56 dos padres provínciais aos padres

administradores com instruções e aconselhamentos específicos. Assunção

(2004) revela que havia nas Constituições da ordem instruções específicas de

como deveria ser a administração de um Colégio.

O sistema de controle era feito por um livro caixa, onde eram

registrados a movimentação financeira: crédito, débito, totais, subtotais, etc.

Evidentemente a rotatividade dos membros e as dificuldades da comunicação

impediram em muitas circunstâncias a clareza necessária na gestão das

propriedades. Porém o que marcava a ação inaciana era o caráter geral,

apregoada no controle sobre os negócios. O controle rigoroso permitiu a

elaboração de toda estratégia de atuação para a produção e reprodução da

Ordem. A hierarquia verticalizada, a ação organizada e a disciplina na execução

da ação, distinguem a identidade jesuítica em relação às outras ordens. A partir

dessas considerações, torna-se evidente a necessidade de redirecionar a

discussão para a particularidade administrativa das reduções. Porém não

perdendo o foco deste caráter generalizante da hierarquia política e

administrativa da Companhia de Jesus, inter-relacionada e interdependente da

singularidade colonial espanhola.

Haubert (1990) descreve que a administração das reduções era dividida

em dois distritos, sendo um deles parte da Província de Buenos Aires e o outro

da Província do Paraguai. Os governadores e as outras autoridades coloniais –

vices-reis, audiências, etc. – portanto, teoricamente eram as autoridades

coloniais que tinham o poder jurisdicional sobre as reduções. Porém, na prática

a tutela confiada aos jesuítas limitava consideravelmente a efetivação desta

autoridade. Tanto os governadores locais, quanto os jesuítas estavam,

submetidos a um poder superior; que se proclama na legislação espanhola.

Neste sentido a prestação de serviço militar é, ao lado do tributo, a

manifestação elucidativa da submissão do Guarani e do Jesuíta ao Estado

Espanhol. Porém a Campanha de Jesus é um grupo de pressão extremamente

eficiente, com um caráter internacional tanto no centro do capitalismo –

Portugal, Espanha, França, Roma – quanto nas colônias.

______________ 56 Ver mais sobre este assunto: Ravignani, Emilio, org – Iglezias: cartas annuas de la Província de Paraguay, Chile y Tucuman de la Compañia de Jesús (1604 – 1614). Con advertencia de Emilio Ravignani e introduccion Del Carlos Leonhard, S. J. Buenos Aires, Jacobo Peuser, 1927. T. 19 (Documentos para la historia Argentina), CXXIII t 580 p.

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Portanto, o governador da província (nesta análise a província do

Paraguai) tinha o poder de nomear em cada redução o corregedor (prefeito),

assim como o tenente de corregedor (prefeito adjunto). Haubert revela que de

fato o governador nomeava o prefeito e do adjunto a partir da indicação do

provincial da Companhia de Jesus. Da mesma forma se dava em relação à

eleição dos outros membros do Cabildo (Conselho Municipal).

Sobre o governo civil das reduções Astrain (1996, p. 94) esclarece:

Volviendo ahora los ojos al gobierno civil de aquelas reducciones, lo primeiro que suelle lhamar la atención del observador es la separación absoluta que los jesuítas establecieron entre los indios y todos los demás españoles. En esta separación creen ver algunos un artifício de los jesuítas, para apoderarse de los indios y formar com ellos, no una colonia de vassalos sometidos al Rey de España, sino un imperio o reino jesuitico (asi se le ha llamado) destinado a promover los intereses de la Compãnia de Jesús.

O cabildo, além do corregedor e do tenente de corregedor,

compreendia dois Alcaídes (os alcaídes eram encarregados da administração da

polícia e da justiça) um ou dois alcaídes da irmandade eram encarregados da

polícia dos campos, o alferes real (que carregava o estandarte real no dia da

festa do padroeiro) e quatro conselheiros municipais. Haubert (1990, p. 224)

esclarece:

Todo ano por volta do final do mês de dezembro, o conselho que deixa o mandato escolhe os cabildantes do ano seguinte. Se essa eleição não se fizer na presença do cura, leva-se lhe a lista, e ele risca os nomes que acha indignos. E, este seu papel de tutor, e as modificações são sempre aceitas.

Haubert afirma que o novo cabildo nomeava os diversos funcionários

da redução: os chefes militares, os encarregados do armazém, o mestre de

capela, o sacristão, os zeladores encarregados respectivamente da supervisão de

cada corporação, dos meninos, das meninas e das mulheres. Cardiel (1913)

observa que nessas “eleições” não havia rivalidades ou gratificações e ao sinal

de ambição o participante era excluído. Este exemplo apresentado por Cardiel é

elucidativo, pois decreve a consolidação da hegemonia social da sociedade

patriarcal espanhola.

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Que a principio é legitimada pelo poder da força e posteriormente

transferida para os grupos justapostos pelo poder econômico. Com a

condescendência do Estado Espanhol, enraízam-se definitivamente as

instituições capitalistas, buscando reproduzir, tanto ao nível das relações

sociais, quanto na vida política, o mesmo sistema de tirania adotado na “gestão”

dos negócios do Estado. Porém quem tinha o poder real para detectar os “sinais

de ambição” era sem dúvida o jesuíta.

Nesta acepção, na esfera colonial a Igreja tinha uma enorme

importância no desempenho de funções públicas, situando-se ao mesmo nível

da administração do Estado. Cardiel (Apud Haubert, 1990) desvela este

processo, pois os magistrados desempenhavam para o cura o mesmo papel que

era desempenhado em um Colégio Jesuíta pelos “ministros” para com o reitor.

Ou o desempenho em uma escola maternal, por dois ou três alunos designados

pelos mestres quando há muitas crianças, para que estes façam os colegas

executarem as ordens. Como estes não podem punir ninguém, mas somente

prestar contas ao mestre do que está acontecendo; eles também são crianças,

embora um pouco mais capazes que as outras e se merecessem também seriam

punidos com chicotes.

Esta visão do sacerdote jesuíta Cardiel que escreveu este exemplo em

1747, divulga a prática da Companhia de Jesus em relação ao processo da

participação Guarani e conseqüentemente da gestão política e administrativa

das reduções. Ao fazer esta analogia em relação a administração da redução em

relação a um Colégio Jesuíta, acusa a visão hierarquizada verticalmente da

Ordem, cuja última palavra ou a última instância de decisão estava na figura do

preposto geral. Cardiel (Apud Haubert, 1990, p. 225) encerra essa analogia com

a seguinte frase: “Asi es acá – é assim que são as coisas em nossa redução”.

O sacerdote jesuíta Lupercio (Apud Haubert, 1990, p. 225) corrobora

com esta visão:

Um século antes o provincial Lupercio é mais brutal ainda em sua Carta anual de 1664 ao padre Geral: “Todo ano elegemos magistrados com nomes esplendidos, que dirigem a redução, mas nada podem inovar, não podem castigar, nem ordenar nada sem autorização expressa dos padres. Poderíamos até dizer que eles se vangloriam por terem recebido este poder ocioso e a autorização de usar varas. Assim Deus nos fez príncipes sobre esta terra, sobre homens transtornados e dilacerados”.

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A vida política na redução refletia a própria estruturação da sociedade

colonial. O príncipe reinava com a ajuda dos senhores da terra que governavam

homens transtornados e dilacerados. O gosto amargo da erva-mate, a

mercadoria mais importante produzida no Paraguai, expressa a síntese dessas

relações sociais do Guarani reduzido.

Portanto, para a estabilidade da sociedade colonial, esboçou-se um

paternalismo, enquanto fator legitimador do Estado Espanhol, em seu

colonialismo raquítico. Ao mesmo tempo em que se acentuavam os

antagonismos entre a riqueza dos senhores da terra (inclusive os jesuítas) e a

pobreza da grande maioria dos indígenas que estavam ainda na condição de

encomendados, dos arrendatários e dos pequenos agricultores. Os laços que se

estabeleceram nas reduções como a proteção física, a ajuda material ou mesmo

as relações afetivas (discípulos). Para um Guarani, portanto exercer um “cargo”

neste sistema significava um privilégio, havia vários interesses comuns entre

jesuítas e guarani, mesmo que pertencendo a grupos sociais diferentes. Tratava-

se de uma espécie de solidariedade, característica do paternalismo e que

funcionava como um instrumento de legitimação do cristianismo e do

patriarcalismo colonial.

Como destacamos anteriormente as cartas anuais são fontes

privilegiadas para a compreensão da visão dos membros da Companhia em

relação a sua ação e aos seus empreendimentos. Os resultados iniciais desta

análise mostram que na visão jesuítica emerge a figura do Guarani, não como

igual, mas do “Guarani tutelado” e a marca distintiva dessa tutela é “sua

inferioridade cultural”. A cultura Guarani era considerada pelos jesuítas como

inferior. Muito tempo antes de Augusto Comte ter teorizado sobre a lei dos três

estados, a Companhia vislumbrava uma história linear, em fases de

desenvolvimento, portanto, os indígenas estavam ainda no estado “selvagem”.

A análise mostra ainda que as reduções foram instituídas a partir da

cosmovisão dos dominadores, assim expressa por Astrain(1996, p. 94-95):

Formáronse, pues, las reducciones del Paraguay con la expresa condición de que alli las autoridades habian de ser indios, aunque asi éstos como todo el pueblo regonecian la autoridad suprema del Rey de España y del Gobernador de la província, pagaban su modesto tributo, socorrian al Estado con levas de soldados, como

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veremos más adelante, y se portaban en todo como verdaderos súditos del Rey de España.

Encontramos, então, no interior desta cosmovisão, assim como no

interior desta estratificação social, o mesmo fenômeno de aparente paradoxo.

Na cosmovisão do conquistador os indígenas seriam “reduzidos” e seriam

“livres” para exercer a autoridade. Na estratificação social os indígenas seriam

“livres” para obedecer ao Rei, seriam “livres” para pagarem seus tributos,

seriam “livres” para morrer como soldados do Estado Espanhol. Em ambos os

casos, é o artifício do paternalismo que legitima aquilo que, por natureza

deveriam ser antagônicos.

A relação paternalista do Estado no que toca aos privilégios de

conceder a tutela aos jesuítas, e posteriormente são retribuídos através do apoio

político-militar. Na estratificação social o jesuíta assegura a reprodução ao nível

ideológico via aliança. No econômico pela dependência na organização da

produção, circulação e consumo da mercadoria. No aspecto social pelos laços

religiosos e político. E consequentemente pela gestão, mesmo que incipiente na

“administração” reducional do Guarani.

Dessa forma os jesuítas por dominar os códigos sociais da sociedade

instituída exercem a tutela sobre o Guarani reduzido, que através de uma

organização hierarquizada verticalmente, busca nas práticas políticas e

administrativas inserir os indígenas nos códigos sociais da cultura ocidental.

Instituindo valores como a eleição do “corregidor” (prefeito), do

“teniente corregidor” (prefeito adjunto) e os membros do Cabildo (Câmara

Municipal). E principalmente do novo modo de produção que estava se

instituindo: o capitalismo. Neste sentido Sarup (1980, p. 151) afirma que: “no

processo de produção, o trabalhador produz não só coisas materiais, mais

também a si mesmo”. Neste contexto a economia, portanto, não produz somente

as mercadorias, mas também força de trabalho. Uma das várias instituições que

serviram para instituir esta estrutura foi à religião. A igreja católica, assim como

o protestantismo, ou como o islã reproduziu as formas de consciência exigidas

para a integração de uma nova geração no sistema econômico. Pois da mesma

forma, que o sistema educacional teve um papel central no preparo do indivíduo

para o mundo das relações do trabalho alienadas e estratificadas. Nesta acepção,

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no contexto das reduções para reproduzir as relações sociais de produção,

dialeticamente ocorreram a reprodução da consciência. E o processo da

“administração” da redução desvenda esta reprodução. Manacorda (1996, p. 2)

esclarece:

O homem não nasce homem: isto o sabem hoje tanto a fisiologia quanto a psicologia. Grande parte do que transforma o homem em homem forma-se durante a sua vida, ou melhor, durante o seu longo treinamento por tornar-se ele mesmo, em que se acumulam sensações experiências e noções, formam-se habilidades, constrõem-se estruturas biológico-nervosas e musculares-não dadas a priori pela natureza, mas fruto do exercício que se desenvolve nas relações sociais [...].

Contrapondo-se, a essa visão exposta por Manacorda, na ótica dos

cronistas da Companhia de Jesus o indígena aparece como uma criança que

precisa ser tutelada, pois a única sociedade aceita como tal, na visão jesuíta é a

sociedade européia. E o jesuíta, portanto cumprira o papel de civilizador. Esta

visão permanece até os dias atuais. No Brasil, por exemplo, as diversas etnias

indígenas estão atualmente sob a tutela da Funai. Portanto os jesuítas não

consideravam as relações tribais dos Guarani como sociais.

Lugon (1977) se contrapõe a visão de que os indígenas eram um

passivo rebanho sob a direção do cajado jesuíta, afirmando que na realidade nas

reduções existia uma democracia mais real do que as nossas democracias

burguesas. Clóvis Lugon destaca que as tribos Guarani foram levadas a aceitar

a vida nas reduções pelos seus caciques. Pois, segundo Lugon, esta autoridade

estava estabelecida, a milhares de anos na cultura guarani. A tese apresentada

por Lugon se opõe, portanto, a já apresentada pelos cronistas da Companhia,

destacando que com as várias fusões entre tribos, foram constituídos serviços

administrativos e a aplicação de novos regulamentos exigiu a criação de

funções numerosa que em um breve período fizeram passar para um segundo

plano e depois desaparecer a autoridade dos caciques.

O exercício dessas funções na ótica de Lugon suscitou o aparecimento

de uma elite não hereditária, independente dos antigos quadros. Lugon (1977, p.

89) explicita a sua visão da “democracia” guarani nas reduções:

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É pelas eleições e pelo exercício das funções públicas que os guaranis adquirem um sentimento tão vivo de sua autonomia nacional e de sua responsabilidade em face ao bem comum. Toda administração prática se encontrava em suas mãos. Os guaranis zelavam pela boa ordem de sua cidade e tomavam eles próprios as medidas e iniciativas úteis. Organizavam e dirigiam os trabalhos. Administravam os armazéns. Rendiam justiça.

De acordo com Muratori (1983) o conselho de cada redução

compreendia o “corregidor” ou presidente, muitas vezes denominado caciques,

a qual tinha as suas ordens um comissário administrativo; o “tenente

corregidor” ou vice-presidente, dois alcaides (oficiais de polícia que dirigiam o

policiamento das ruas e dos campos); o fiscal e seu lugar tenente, encarregado,

entre outras coisas, de manter os registros de estado civil. Enfim quatro

“regedores” ou conselheiros assumindo diversos serviços e eventualmente,

assessores cujo número era proporcional ao número de habitantes.

Bourges (1755, p. 273) afirma que “a eleição dos chefes de setores

partia do critério que para ser escolhido o candidato ao posto de chefia deveria

ser o mais fervoroso cristão”. De acordo com Bourges o vice-presidente, ou um

alcaide, tinha a responsabilidade geral sobre a juventude até os dezessete anos.

Sendo que um alferes ou subtenente era o porta-estandarte da redução. A

representação simbólica expressa neste exemplo da instituição de um “porta

bandeira”, que conceituamos como colonização do imaginário.

Charlevoix (Apud Lugon, 1977, p. 89) destaca que “o corregidor e

todos os funcionários eram ‘escolhidos’ pelos próprios índios, em eleição

anuais, cujo processo eleitoral era coordenado pelos jesuítas, porém são poucos

os detalhes sobre o procedimento dessas eleições”.

As considerações expostas, portanto, vem no sentido de elucidar as

teses apresentadas por um grupo de autores que tem como ponto central a

“democracia” existente nas reduções. O primeiro grupo de autores, que tem

como principal interlocutor Clóvis Lugon afirma que o conjunto das reduções

formava uma República “Comunista” Cristã dos Guaranis. O segundo grupo de

autores que defendem a tese de “democracia” nas reduções tem como principal

interlocutor Josep Manuel Peramás que faz uma analogia entre as reduções

jesuiticas e a República de Platão. Vale a pena ressalta que esses autores

apresentam um protótipo de “democracia burguesa”, anterior as revoluçõs

burguesas do final do século XVIII.

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A tese defendida por Lugon que nas reduções jesuíticas havia uma

“democracia” mais avançada que muitas democracias burguesas não se

demonstram na práxis. Pois o principio fundante da democracia é que o poder

emana do povo e em seu nome será exercido. Logo, este princípio fundante da

democracia não ocorria nas reduções jesuíticas do Paraguai. Porque a Lei que

garantia a existência da redução não emanava deste povo, mais sim das Leis das

Índias e das Ordenanças de Alfaro, leis estas que emanavam do Estado

Moderno Espanhol. Pois nem mesmo a Metrópole vivia sob um regime

democrático, mais sim em um regime monárquico, como esclarece Lefort (1991

p. 31-32):

Com efeito, é no quadro da monarquia, de uma monarquia de tipo particular, desenvolvendo-se originalmente dentro de uma matriz teológico-político, fornecendo ao príncipe um poderio soberano dentro dos limites de um território, tornando-o, ao mesmo tempo uma instância secular e um representante de Deus, que se esboçaram os traços do Estado e da nação, e uma primeira separação entre a sociedade civil e o Estado. Longe de se reduzir a uma instituição superestrutural, cuja função derivaria da natureza do modo de produção, a monarquia, por sua obra de nivelamento e de unificação do campo social e, simultaneamente, por sua inscrição nesse campo, tornou possível o desenvolvimento de relações mercantis e um modo de racionalização das atividades que condicionaram a emergência do capitalismo.

Outro aspecto a ser levantado é que no processo de indicação do

“corregidor”, esta nomeação era uma prerrogativa do governador da província

do Paraguai ou do Rio da Prata – nem mesmo este governador era eleito

democraticamente, mas nomeado pelo Estado Espanhol. Portanto não se

fundamente a tese de democracia nas reduções jesuíticas do Paraguai. Nem

representativa muito menos direta. A tese de democracia defendida por Lugon

(1977, p. 89) é extremamente paradoxal, pois “o padre tinha o direito de

controlar a lista dos eleitos perante a assembléia pública”. Portanto, não pode

haver um processo democrático, se a decisão estava sob o controle externo.

Vale a pena ressaltar que a própria condição de indígenas fora estabelecida

pelas leis espanholas, e dentre estas leis estava da “encomienda” que ainda

funcionava na prática. A tese apresentada por Peramás (2004. p, 151) parte do

seguinte pressuposto:

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El modo de eligir las autoridades era el siguiente. Al final del mes de diciembre, los que aquel año habian desempeñado um cargo público, deliberaban entre si sobre quiénes tenian ser designados para gobernar el pueblo el ano próximo. A los que parecian dignos los ponian em uma tablilla. Para estos cargos electivos no habia – como suele – niguna maniobra, ningún alboroto, ninguna intriga.

Paradoxalmente a tese apresentada por Peramás revela um processo

eleitoral, em que os Guaranis reduzidos elegiam os seus governantes. Este

processo é contraditório, pois o próprio Peramás (2004 p. 152) afirma que:

Escrita la lista, la llevaban al cura. Si éste encontraba que habían nombrado a alguien que le constaba no era merecedor, avisaba para que lo substituiyeran por outro, esto es segun las Leyes de Indias que ordenan que los párrocos estén presentes en la elecciones de los indígenas para se hogan con orden.

A partir dessas considerações, torna-se evidente a necessidade de

redirecionar a discussão em relação às teses apresentadas por estes autores. Essa

discussão precisa abandonar a visão unilateral e estruturante do materialismo

vulgar em que as relações sociais aparecem petrificadas apenas como reflexo da

produção material, e a utilização de categorias fundantes do marxismo

descontextualizadas historicamente. Conseqüentemente perde a visão de

totalidade deste processo. Por outro lado apreender essa pretensa verdade

metafísica e idealista que postula a separação entre a prática e a teoria, entre a

vida e o pensamento, cujo resultante é inspirada ou fruto de um raciocínio

individual.

Pois ao apresentar a redução jesuítica como um protótipo da República

de Platão, que se realizou, essa tal “verdade” metafísica se apresenta como um

bloco, dogmática e sistêmica; como uma revelação que o metafísico atribui a si

mesmo, ou que generosamente empresta à espécie humana. Como afirma

Lefbvre (1983, p. 53) “no fundo essa ‘verdade’ metafísica aparece sempre

pronta acabada; ela existe previamente, em Deus, por exemplo, que tudo sabe e

tudo vê”.

Neste sentido podemos afirmar que os Guarani não eram “crianças”

que necessitavam de tutela. E muito menos se encontrou com o homem branco

“mau” e foi submetido por estes. Muito menos os Guarani eram um povo

altamente “democrático” e com o apoio de uma vanguarda intelectual (os

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jesuítas) fundaram no interior do Paraguai a República “comunista” cristã dos

Guaranis. Tendo como base para tal concepção a produção “comunitária” e a

gestão compartilhada.

Portanto, estes autores apresentam a relação indígena e jesuíta, como

algo imóvel. A categoria que possibilita uma melhor compreensão deste

processo é a contradição, pois esta impede o pensamento ao analisar estas

relações de estacionar, “impele-o para frente”, ao mesmo tempo porque o

pensamento só é verdadeiro em movimento e porque o real é móvel.

Logo, a análise destas relações parte de condições históricas em que se

estabeleceu o encontro destas duas sociedades distintas, deste a sua gênese

fundamentada na contradição. Nesta análise a categoria totalidade reveste-se de

um caráter central, ao compreender a essência e a aparência do fenômeno

possibilita-nos a apreensão das leis que regem a sociedade capitalista desde a

sua formação. Pois ao se instituir o modo de produção capitalista traz em seu

cerne o principio da contradição, que na singularidade colonial paraguaia se

expressou no processo de dominação, fundamentada na pilhagem e na

escravidão. Instituindo o contra-senso entre conquistadores e conquistados.

Nesta acepção quando estes autores apresentam apenas uma visão

unilateral: “os Guarani eram crianças e precisavam ser tutelados”. A tese

apresentada expõe um sofisma, pois de acordo com Kant (Apud Lefbreve,

1983) duas proposições, opostas são necessários ao mesmo conceito, não sendo

válidas em sua unilitariedade, cada uma para si, mas têm sua verdade tão

somente na unidade do seu conceito. Lefebvre (1983, p. 263) esclarece:

Com efeito, formalmente, duas proposições opostas podem ser simultaneamente falsas, mas não podem ser simultaneamente verdadeiras. Não obstantes, elas o são; e isso, por conseguinte, não em si, mas na unidade superior. O falso, portanto, é precisamente o unilateral; a verdade se encontra na totalidade. Por outro lado, já que o ser é processo, a unidade e a totalidade só podem ser momentâneas, o que é uma outra maneira de dizer que o processo é necessariamente contraditório.

Portando a compreensão da totalidade nos permite apresentar verdades

relativas como, por exemplo: o que possibilitou o domínio europeu sobre os

guarani foi o seu maior desenvolvimento tecnológico, expressos em suas armas

de fogo, canhões, caravelas, machado, arado, etc. Por outro lado se apresenta

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outra verdade relativa: os indígenas resistiram bravamente a esse domínio, sob

vários aspectos: religiosos e revoltas.

A síntese dessas verdades relativas se expressa no domínio pela força

do Estado Espanhol, que a partir dessas contradições urgiu toda uma

superestrutura jurídica, política e religiosa para manter o seu domínio. A partir

desta síntese emerge em aspiral uma nova tese: o indígena submetido sob a

égide da lei espanhola, e neste sentido desenvolve novas relações sociais que

não estão petrificadas, mas sim em movimento. A análise sobre este processo,

desvela a não existência de uma linha de demarcação insuperável entre a

verdade relativa e a verdade absoluta.

Em resumo a organização política e administrativa das reduções

jesuíticas foi um modelo institucionalizado pelo Moderno Estado Espanhol,

expresso na tutela concedida para a Companhia de Jesus. Contraditoriamente no

interior das reduções a partir dessas novas relações sociais também foi impressa

a marca distintiva da organização social guarani. Fundamentada na vida

comunitária que se expressou em suas decisões coletivas. Marca distintintiva de

sua ancestralidade, que emerge nas reduções na figura de seus caciques e

xamãs. Nesta síntese, a administração política / administrativa das reduções

proclamadas nas relações sociais surgem sob a égide hegemônica do

conquistador – economia, política, religião. Porém apesar da “liberdade

reduzida” o fazer social Guarani se expressou na práxis comunitária, na

produção coletiva, que mesmo submetidos impôs a marca de sua sociedade.

Desta síntese erigiram a tese de uma sociedade “reduzida”, cujos

elementos provocaram um relativo desenvolvimento econômico e social. O

desenvolvimento econômico e social evidentemente a partir da lógica do

conquistador acabou provocando – com a luta pela hegemonia na sociedade

colonial Paraguai – a destruição deste modelo de “índio reduzido”, para um

outro modelo a do “índio pobre”. No capítulo seguinte buscamos descrever a

história da educação paraguaia na época colonial, demonstrando a contribuição

jesuítica neste processo.

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3.2 A INTERRELAÇÃO RELIGIÃO/EDUCAÇÃO E A INSTITUIÇÃO

DO IMAGINÁRIO CAPITALISTA.

Benitez (1981) apresenta um estudo importante sobre a história da

educação paraguaia no período colonial. Destacando que quando da invasão

espanhola evidentemente a educação não era o objetivo central dos

conquistadores – pois estes possuíam outros objetivos já explicitados nos

capítulos anteriores.

Portanto, nos primeiros anos da conquista não havia um programa de

ação educativa a ser desenvolvido no Paraguai e Rio da Prata. Após algumas

décadas as instruções básicas passaram a despertar interesse por parte das

autoridades coloniais já estabelecidas – governadores e cabildos.

Evidentemente a educação não poderia ser o objetivo e a preocupação

dos primeiros conquistadores nos primórdios do século XVI, já que estes

vieram para a província do Paraguai em busca de ouro e prata. Ao se deparar

com a realidade paraguaia e consequentemente com a ausência do ouro e da

prata, se estabeleceram na região, buscando explorar a terra e a força de

trabalho indígena através da “encomienda”. Ao se estabelecer os colonos

passaram a constituir famílias. A partir do aumento demográfico de crianças

espanholas e mestiças as autoridades locais passaram a se interessar sobre a

questão educacional. Primeiramente de forma tímida através do Cabildo de

Assunção, de alguns governadores, mas principalmente das Ordens Religiosas.

De acordo com Benitez foi Domingo Martinez Irala, na primeira época

da colonização que criou as primeiras escolas e “doctrinas” que ficaram a cargo

dos religiosos. Posteriormente o governador Hernandarias de Saavedra foi

quem teve essa iniciativa, com a incorporação da Companhia de Jesus e

consequentemente a criação de instituições de ensino, isto já no primeiro quarto

do século XVII. A luta pela primeira universidade surgiu com Jaime Sanjust já

na segunda metade do século XVIII. Porém foi Augustin de Pinedo que fez

reiteradas gestões para conseguir a habilitação de uma universidade, mas a sua

pretensão ficou abaixo do esperado. A Cédula Real de 1776 autorizou apenas a

abertura de um Colégio-Seminário, que foi o de São Carlos, frustrando a

perspectiva da elite local que ansiava por uma universidade.

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O Real Colégio de São Carlos foi inaugurado em 1783, no governo de

Pedro Melo de Portugal e adotou várias disposições para normatizar o seu

funcionamento. Outro projeto relacionado à educação fora apresentado por

Lazáro de Rivera em 1796, que previa a introdução de uma Cartilha Real, como

texto de aprendizagem nas escolas elementares.

Benitez (1981, p. 10) esclarece:

Debe señalarse que algunos monarcas: Carlos V, Felipe II, Felipe IV, Carlos III; produjeron instrucciones para a educación de los indigenas, en las que se recomendaba especialmente la utilización del idioma castellano como instrumento educativo particularmente para la enseñanza de la doctrina Cristiana. En la práctica, aquellas instrucciones no tuvieron vigencia, pues los indigenas opusieron tenaz negativa al aprendizaje del idioma español. Em consecuencia, la norma fue el aprendizage del idioma guarani por los misioneros, como medio de comunicación e integración cultural, pues hasta catecismo y libros imprimieron en el idioma autóctono.

Como podemos evidenciar pela tímida preocupação de reis e

governadores que manifestaram uma preocupação diminuta em relação à

questão educacional em mais de dois séculos da vida colonial. Com a ausência

de um propósito definido no campo da educação, apregoado pelas inúmeras

dificuldades em relação à carência de professores, acompanhado pela dispersão

da população e a precariedade das comunicações.

Enfim não havia interesse político da metrópole em desenvolver um

projeto neste sentido. Pois a maioria da população era indígena, para o

colonizador o seu interesse, de acordo com Meliá (1997, p. 34) era:

Es un hecho que hasta ahora la civilización occidental, en vez de otogar a los indios una situacion de miembros dignos y conscientes de la sociedad dominante, ha despojado a los indios de su identidad cultural para convertirlos en sujetos dependientes de los colonos, y en muchos casos sus esclavos.

Em geral a grande miséria em que viviam a maioria da população

tornou quase que impossível a utilização generalizada do recurso da Cátedra

livre e somente uma minoria ínfima dos jovens paraguaios (filhos de elite local)

saiam para fazer seus estudos fora da província.

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A despeito da despreocupação geral dos governantes, o Cabildo de

Assunção demonstrou um pouco de interesse sobre este tema, no decurso do

período colonial.

Fatos estes apresentados por Benitez (1981, p. 11):

El cabildo asunceno fue tomando iniciativas y disposiciones en beneficio de la educación en la Província; asi por ej. ortogo solares, proveyó locales, procuró y costéo maestros, tomó a su cargo la fiscalización de la administración educacional, autorizando el desempeño de los maestros y fijando emolumentos y responsabilidades. El Cabildo alentó el desarrollo de la educación en toda la provincia, no solamente la creación de escuelas de primeiras letras sino también otogando facilidades para la instalación de instituiciones del nivel superior e las simples escuelas elementares.

De acordo com Benitez, que possui como fonte o Arquivo Nacional do

Paraguai, para a habilitação do Colégio Jesuíta no século XVII, o Cabildo de

Assunção proveio o prédio necessário e concedeu outras facilidades para a sua

instalação. Em 1630 para remediar uma situação difícil, pois os jesuítas

entraram em conflito com os colonos por causa das questões da encomenda. E

foram expulsos de Assunção. Astrain (1996, p. 63) descreve o episódio:

Algo más de tres meses, según escribe el P. Torres duró esta persecución y trabajo en el colegio de la Asunción. Al cabo, ya con la paciencia de los Padres ya porque los ánimos se fuesen poco a poco apaciguando, cesó la tempestad y vino la bonanza por medio de un caballero muy ilustre, que era voz común, quien tenia más indios encomendados en todo el Paraguay.

Em conseqüência do fechamento do Colégio jesuíta de Assunção neste

período de três meses, o Cabildo habilitou a própria Câmara Municipal para o

funcionamento de uma escola. Benitez (1981, p. 12) descreve um aspecto

importante da gênese da escola paraguaia:

[...] educación durante la colonia era solamente para los varones, las niñas que tenia expresa prohibición de ser admitidas en escuelas de varones, por lo general crecieron analfabetas con sólo la instrucción religiosa y labores hogoreñas.

Podemos afirmar que neste contexto histórico a materialização do

ensino no Paraguai apresentava profundas dificuldades estruturais entrelaçadas

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pelos aspectos culturais, demarcadas por questões étnicas e de gênero, marcas

características do seu tempo. Em síntese podemos destacar que o Paraguai do

século XVII, evidentemente não foi no aspecto educacional a Atenas de

Péricles. Porém estas etapas históricas foram superadas, pela ação localizada de

setores da sociedade do Paraguai Colonial. Principalmente as Ordens

Religiosas, contudo as dificuldades eram inumeráveis, a destacar a falta de

recursos e de um projeto educacional.

Seria simples demais reduzir todo o sentido desta breve análise da

história da educação paraguaia a uma questão de relações entre estrutura e

superestrutura. O desafio deste exame parte do referencial teórico de Marx

(Apud Manacorda, 1996, p. 97) que é buscar estabelecer uma relação no

mínimo tripla. A saber: a) detectar uma “base real”, dada pelo conjunto das

relações de produção, que, na realidade do Paraguai, já pressupõe “um

determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais” e

constituem “a estrutura econômica da sociedade”. b) e consequentemente a

implementação de toda uma “superestrutura jurídica e política” que se erigiu

sobre o Paraguai colonial e sobre esta base correspondeu, a terceira relação. c)

“determinadas formas de consciência social”, que tem como lócus a Província

do Paraguai.

Assunção é um exemplo elucidativo desta tripla relação, o núcleo da

conquista espanhola expressão da contradição hispano – Guarani. A base real

do conjunto das relações de produção era a exploração da força de trabalho

indígena. A relação de produção surgiu na contradição do explorador

(encomendero) e do explorado (índio). Cujo desenvolvimento das forças

produtivas se fundamentava na produção de mercadorias primárias com pouco

valor agregado e que atendia a uma incipiente economia regional na gênese da

acumulação primitiva do capital.

As formas determinadas de consciência anunciam a contradição entre

conquistador e conquistado. Sob a hegemonia do conquistador este estabelece

núcleos populacionais indígenas. Os indígenas que já não eram os mesmos da

conquista, já era uma outra geração fruto do genocídio, da mestiçagem, e

aculturados pelos dominantes. Estes núcleos populacionais organizados

paulatinamente sob a égide de uma superestrutura jurídica que se manifesta nas

leis das Índias, nas Ordenanzas de Alfaro. E na ação política que emerge na

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organização provincial na figura dos governadores e do cabildo. No campo

religioso e educacional que se entrelaçam. Formando um amalgama responsável

de inserir os dominados nos códigos sociais da sociedade dominante, enquanto

organização social – casas, roupas, economia, religião, etc.

Portanto, estas relações são históricas e o antagonismo se anuncia sob

a hegemonia da classe dominante paraguaia, que paradoxalmente instituía a

encomienda e através das ordenanças estabelecia a “obrigação” de instruir o

indígena.

Como revela Benitez (1981, p. 14):

[...] la del gobernador Domingo Martinez Irala, fecha 14 de mayo de 1556, para “... el bien provechoso, conservación, doctrina y enseñamento de los dichos indios...” los encomenderos quedaban obligados a tratalos”... como a prójimos, instruyéndolos y doctrinándolos... y que las tales personas (los encomenderos) procuren tener en sus casas dos o tres niños de diez años abajo de los de su encomenda, para que aprendan la doctrina cristiana y vean y entiendan las cosas de Dios y de su santa iglesia[...].

A contradição demarca o processo de ocidentalização da cultura do

“outro”, e é a partir desta perspectiva que, além da colonização por parte do

império espanhol, adquire grande significado a empresa religiosa e política que

será atribuída aos jesuítas, que atuaria em função de uma “correção da cultura”

– que na visão eurocêntrica estava pervertida mas não ausente. A partir dessa

visão de mundo que na realidade era a expressão da cúria romana, como

esclarece Reese (1999, p. 158):

Voltando ao século XVI, o sistema consistório, em que os cardeais enquanto grupo aconselhava o papa, estava desaparecendo. Os comitês ou congregações de cardeais eram formados para estudar determinadas questões e relatá-las ao papa. Em conseqüência da reforma, a primeira congregação permanente, o Tribunal da Inquisição Romana e Universal foi estabelecido em 1542 para lidar com questões da fé e heresia.

Na província do Paraguai o entrelaçamento da religião com a

educação, portanto ganha uma configuração particular, porém está inserida na

universalidade do cristianismo Romano. Neste contexto social histórico estes

dois aspectos são indivisíveis – de tal modo como as palavras jesuítas e

educação se tornaram sinônimas. Nas diversas Ordenanças fica explicita a

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preocupação dos governadores com aspectos da imposição dos códigos

culturais ocidentais para a população nativa. O governador Hernandarias de

Saavedra que governou o Paraguai de 1598 / 1603. Apesar de todas as

disposições anteriores no sentido de apoiar através de “leis” a exploração da

força de trabalho indígena, manifesta esta preocupação em sua Ordenança de

1603. Benitez (1981, P. 15) descreve:

A respecto, el gran gobernante criollo escribe en la introducción de sus Ordenanzas de 1603: “Por cuanto en esta ciudad de La Assunción, cabeza de gobernación, y en la demás de esta Província, hay y ha habido gran desorden y descuido en los encomenderos en lo que toca a la doctrina y buena enseñanza y conservación de los naturales a ellos encomendados... a cuya causa, la mayor parte de Los indios... se han muerto, consumido y acabado... y que de hoy en adelente haya orden en todo, y con más facilidad y menos trabajo sean enseñados en las casas de nuestra santa fé católica, con acuerdo y consejo de personas cristianas y doctas, hago, ordeno las ordenanzas [...].

Em 31 artigos redigidos em espanhol e em Guarani, Hernandarias de

Saaverdra definiu com precisão o entrelaçamento da educação e a religião

cristã. Cuja síntese expressa a sua visão de mundo, e as contradições inerentes à

dominação exercida sobre os indígenas. O governador apresenta nestas

ordenanças a política do Estado Espanhol de “proteção” e a tentativa de uma

“elevação” cultural dos nativos, dos mestiços, dos criollos (como ele) criando

escolas de primeiras letras e instrução artesanal e de ofícios em vários

povoados. De acordo com suas Ordenanças de 1603, os homens menores de 15

anos e as mulheres menores de 13 anos e os velhos que já tivessem completado

60 anos estavam desobrigados do trabalho pessoal (encomienda). Outro

procedimento foi a obrigatoriedade imposta aos encomenderos de construírem

igrejas nos lugares de agrupamentos dos índios (Los pueblos) para que

pudessem receber a doutrina cristã proferida pelos padres todos os dias. Sendo

que o sábado seria o dia dedicado ao descanso e o domingo a prática do culto.

A partir dessa consideraçõs fica evidente o entrelaçamento educação e religião.

Como síntese de uma visão de mundo dominante neste período histórico, que

nasce no ocidente e ganha esta configuração particular na Província do

Paraguai.

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A ordenança demonstra a visão eurocêntrica de mundo fundamentado

na escolástica. Neste sentido as “primeiras letras” e “doutrina cristã” são

sinônimas. Quando o visitador Francisco de Alfaro em 1611, foi enviado pela

Audiência de Charcas para a Província do Paraguai, objetivando verificar a

escravidão indígena, ante as numerosas denúncias de abuso dos encomenderos.

Se contrapondo aos encomenderos Alfaro em suas Ordenanças “aboliu” os

trabalhos pessoais dos indígenas e apoiou algumas iniciativas educacionais de

Hernandarias de Saaverdra. Pois foi Hernandarias quem solicitou a abertura de

um seminário e de um colégio que ficaria a cargo da Companhia de Jesus.

Devido ao entrelaçamento de “educação” e “doutrina católica” as Ordens

Religiosas foram as responsáveis pela primeira “educação” do Paraguai. Foram

as Ordens Religiosas as mentoras e realizadoras deste processo

educativo/religioso.

Desde a fundação de Assunção os religiosos trabalharam

conjuntamente com os conquistadores no sentido de instituir os códigos sociais

do mundo ocidental ligado neste contexto histórico a gênese das instituições

capitalistas. Devemos, portanto, entender a própria catequese e os outros

processos de aculturação – vestir o indígena, ensiná-los a confeccionar

instrumentos musicais ocidentais, ou ainda, o ensino do canto gregoriano –

como uma marca indelével deste decurso.

A fundação de “reduções” e “pueblos”, a catequização, a educação, a

organização da família (de acordo com os princípios do catolicismo),

constituíram o campo de ação das Ordens Religiosas como os mercedários,

jerônimos, dominicanos, franciscanos e jesuítas. As ações das ordens religiosas

estavam amalgamadas com o projeto da conquista colonial; que era a expressão

singular da acumulação primitiva do capital. O aporte educativo ganha uma

configuração particular na Província do Paraguai, entrelaçada pelo caráter

universalizante, que tem o seu procedimento práxis das Ordens Religiosas.

Cabia às Ordens Religiosas o papel “modelador” e “civilizador” das

relações sociais estabelecidas com os indígenas, neste novo lócus. Nestas

relações antagônicas, as ordens religiosas seriam as mediadoras destas novas

analogias entre os diversos grupos e ao mesmo tempo incorporar os valores da

sociedade dos conquistadores. Por exemplo, na organização familiar instituiu o

casamento monogâmico, casa, roupa, trabalho, economia, religião e a

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imposição de toda a estética da sociedade ocidental. O mesmo processo se deu

em relação aos crioulos e mestiços foi mediante a estas instituições: igreja,

escolas, cátedras livres e seminários que se formaram os primeiros sacerdotes,

governadores (Hernandarias) “filhos da terra”. Sob a égide das idéias

dominantes. É neste contexto histórico que a Companhia de Jesus, implementou

a sua ação no Paraguai colonial e nas reduções esse processo ganha uma

configuração particular.

Hernandarias solicitou a abertura de um Colégio e de um seminário

que ficaria a cargo dos jesuítas. Devido a este entrelaçamento entre “educação e

catolicismo” o papel desempenhado pelas ordens religiosas ocupou um espaço

central na incipiente colonização do imaginário, como destaca Benitez (1981, p.

23):

En 1604 fue creada la Província Jesuítica del Paraguay y desde entoces creció la afluencia de los misioneros de la Orden en la Provincial de Paraguay. Referida la trayectoria del Colégio Jesuítico de la Asunción en otro lugar, cabe una reseña de otros aspectos de labor cultural de la Compañia. Antes que nada, debe mencionarse su labor fundacional: los 30 pueblos situados entre la banda izquierda del Tabicuary, ambos márgenas de Paraná y ambas márgenas del Uruguai.

Neste sentido, de acordo com Benitez (1981) os “pueblos” e as

reduções surgem também como um projeto educativo/religioso e os “pueblos”

que estavam sob a jurisdição paraguaia eram os seguintes: San Ignácio, Santa

Rosa, Santa Maria, Santiago, San Cosme, Itapúa, Jesus e Trinidad. Também

foram reduções jesuíticas: San Joaquim, San Stanislao, Belém, esta última era

uma redução de índios mbyá. O processo de aviltamento das reduções e dos

pueblos produzia também um processo de segregação com a criação de

“pueblos” de índios e cidades de brancos.

Porém no seio dessas relações estavam contidos os germes da

contradição, pois com a instituição das reduções transcendeu estas relações para

outros planos: culturais, econômicos, religiosos. Neste processo ocorreram

realizações inovadoras e a incorporação de materiais desconhecidos e que até

então não haviam sido utilizados pelos indígenas: a pedra para as esculturas e

para a construção civil, ladrilho, telha, adobe, couro de gado, madeira

trabalhada, portas e janelas. Nas igrejas começaram a ser produzidas magníficos

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trabalhos de esculturas em madeira, frontais, colunas, capitólios, retratos,

imagens de santos, mobiliários e muitas pinturas primorosamente realizadas.

Estas obras foram realizadas pela força de trabalho indígena convenientemente

adestrada. Neste aspecto os Guarani mostraram-se desde o princípio muito

sensíveis e acessíveis a todas as espécies de artes. Eram notavelmente dotados

para a escultura, pintura e música.

Lugon (1977) desvela este processo educacional e afirma que o

primeiro mestre de música foi um jesuíta francês o Padre Luis Beguer, que

ensinou aos Guaranis a música instrumental e vocal. O padre Beguer que era

também pintor e escultor nasceu em Abbeville, em 1590, foi admitido na

Companhia em 1614 e chegou ao Paraguai em 1616, onde passou a vida toda

como professor de música, pintura e escultura. Depois de Luis Beguer foi o

padre Jean Baes, de origem belga, que fora antes um mestre renomado na corte

do Arquiduque Alberto, e depois junto a infanta Isabel e também como mestre-

de-capela na Corte de Carlos V. Jean Baes ensinou aos Guarani as notações

musicais mais desenvolvidas da época. O padre Baes foi o mestre dos Guarani

em música instrumental e vocal, passou também boa parte de sua vida como

professor e morreu em 1623 na redução de Loreto.

O padre Sepp que chegou ao Paraguai em 1691 é também apresentado

como um professor virtuoso em todos os gêneros musical e compositor, como

esclarece Furlong (1968, p.31): “Antonio Sepp, tan habilidoso en la musica, en

la pintura, en la escultura y en la arquitectura que era el assombro de sus

contemporâneos”.

O padre Sepp fundou reduções, construiu igrejas, de acordo Hoffmann

(1980, p. 34) “uma destas igrejas construídas não ficava devendo em beleza a

quaisquer outras da Bavária, com exceção da igreja de Munique”. Para

prevenir-se contra assaltos e ataques de bandeirantes, e de outros grupos

indígenas, rodeou toda a aldeia com muro e fosso. No lugar dos casebres de

barro e palha construiu casa de pedra. Foi um profícuo introdutor da cultura

ocidental nas reduções inserindo os indígenas em vários ofícios, na economia e

fez florescer a agricultura nas reduções que estavam sobre a sua direção. O

padre Sepp morreu em 1733, aos 78 anos de idade, tendo trabalhado 45 anos

nas reduções missioneiras. Hoffmann esclarece que para a história econômica

brasileira e latina americana, tem ainda o padre Sepp especial importância por

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ser o primeiro precussor da siderúrgia brasileira e latina americana. Hoffmann

(1980, p. 38) esclarece:

Lendo a descrição do forno construído pelo padre Sepp, e os métodos por ele usados na fusão do minério, temos o relato completo dum Rennfeuer (fogo fluído ou fogo de refinação) como haviam inventado os Galos e havia usado ao tempo de César (e, de certo, já há muitos século antes) e, como, então, o passaram a usar os germanos. [...]. De importância maior e especial é o fato de haver o Padre Sepp, a esse tempo, fabricado aço, mediante determinado processo, e de já fazer naquele tempo, distinção entre ferro e aço, muito antes que essa classificação fosse usual pelo mundo, como salienta o Padre Teschauer.

O espaço reducional possibilitou a instituição dos valores da cultura

ocidental em síntese com a cultura Guarani, possibilitando o acesso do

“Guarani reduzido” a técnica européia através de escolas de ofícios, do canto,

da música, como esclarece Lugon (1977, p. 144):

Desde o tempo do Padre Baes, em cada redução foi criada uma escola de canto coral, música e dança. Diz Charlevoix: “Ai se aprendem a tocar todos os tipos de instrumentos cujo uso é permitido nas igrejas [...]. Tiveram muito pouco trabalho para aprenderem a tocá-los como verdadeiros mestres. Aprenderam a cantar pelas notas as melodias mais difíceis, e somos quase tentados a crer que cantam por instintos como as aves”57.

Lugon esclarece que o “instinto” era desenvolvido diariamente, em

aulas que duravam várias horas. O padre Pipário (Apud Pastels, 1912, p. 543)

escreveu ao padre Provincial de Milão “que muitos indígenas já sabiam muito

bem compor músicas, que podiam rivalizar com os mais famosos músicos da

Europa58.”

Na maioria das reduções os mestres-de-capela era um Guarani e não

um jesuíta. Lacouture (1991, p. 455) descreve que “um grande músico desta

época, Domenico Zipoli, também jesuíta e rival de Vivaldi, contribuiu neste

______________ 57 Ver mais sobre este assunto em: Charlevoix, Tomo I, p. 241-242. 58 Este processo foi apresentado pelo cineasta inglês Roland Joffé no filme A Missão – contestável no plano histórico por concentrar num breve período fatos que desenrolaram ao longo de mais de um século, e por abraçar rigidamente a visão jesuítica – Porém o filme de Joffé explicita a instituição de valores da cultura ocidental como a música e os instrumentos musicais como a flauta e o violino. Por outro lado o cineasta brasileiro Silvio Back no filme a República Guarani, um documentário vigoroso, Back denuncia o que ele chama de “a ocupação ideológica do indígena”. Explicitando também a instituição dos valores da cultura ocidental nas reduções Guarani.

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processo de instituição de valores da cultura ocidental através da educação

musical, compondo partituras para os Guarani com várias cantatas”. Lacouture

destaca que os índios ficavam fascinados com os ofícios cantados onde suas

vozes faziam maravilhas, e vários missionários deveram seus prestigio ao seu

talento de flautistas ou violinistas, como os padres Vaisseau e Berger.

O padre Sepp (1980) esclarece que neste processo foi instituída uma

Escola nacional de Música para a qual selecionavam os alunos mais destacados

de cada redução. Seep (1980, p. 247):

Estes índios paraguaios são, por natureza, como que talhados para a música, de maneira que aprendem a tocar com surpreendente facilidade e destreza toda sorte de instrumentos, e isto em tempo brevíssimo. No que concerne ao mestre, quase o dispensam de todo.

Muratori (1983, p. 96) revela que “nos primeiros tempos as menores

das reduções possuíam quatro organistas habilitados e músicos que se

destacam, por sua excelência, como tocadores de alaúde, flauta, espinhetas,

trombeta, fagote”. De acordo com Muratori muitos europeus que ouviram a

música dos índios (tocada pelos índios) garantiram não ser inferior o das

catedrais da Espanha. O repertório incluía além do canto coral e da polifonia do

Padre Baes, música de bailado e marcha, motete a várias vozes. Os violinistas

também se destacavam, em especial, tocavam as mais difíceis composições

européias com muito virtuosismo.

Muratori enfatiza que quando dois padres franceses vieram visitar as

reduções em 1628, cujos nomes eram: Hérnoad de Tuol e Noel Bethold, os

indígenas apresentaram em honra aos visitantes, bailados com uma música a

duas vozes, “ao bom gosto francês”. Este processo de aculturação e a

identificação do Guarani para com a música e a aptidão para com os

instrumentos musicais aparecem na visão dos cronistas da Companhia de Jesus

e para os autores que defendem a posição dos jesuítas como “modeladoras” e

“civilizatória” e que as manifestações culturais abriu as veredas para o papel

“civilizador” da cultura européia.

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Nesta acepção SYLVIO BACK59 (Apud Lacouture, 1991, p. 460)

contesta esta posição resumindo desta forma este processo:

A redução dos amerindios do século XVII – ou de hoje – a uma cultura estrangeira que substituiu um pensamento racional ao pensamento mítico, e a ordem do Estado à relação libertária, só pode ser considerada um progresso a partir de uma avaliação puramente arbitrária das civilizações.

Meliá (1991) corrobora com a visão de Sylvio Bacck afirmando que os

Guaranis pré-colombianos não possuíam templos e nem imagens de ídolos,

portanto, os Guarani não podiam oferecer manifestações de artes plásticas, nos

primeiros tempos, aos conquistadores e missionários especialmente sensíveis à

arte barroca que possuía em suas igrejas uma expressão privilegiada. Assim

mesmo, os Guarani impressionaram sempre pela sua eloqüência em falar, eram

os “senhores da palavra”. Meliá (1991, p. 84) corrobora: “Toda la lengua

guarani, reconecian admirados los missioneros jesuítas, era un arte”.

Meliá revela, portanto, que essa palavra Guarani durante o processo

colonial, foi “reduzida” de muitos modos em especial pela tentativa de

substituição pela arte ocidentalizada do canto gregoriano, ou da introdução de

instrumentos musicais como o violão, violino, clarinete, órgãos etc. Mas como

afirmamos anteriormente ao instituir as reduções no sentido de segregar a

população indígena, se institui a partir do princípio da contradição. A palavra

guarani nunca foi completamente silenciada e foi o instrumento mais utilizado

pela resistência Guarani contra o invasor, no sentido de perpetuar traços de sua

cultura tradicional.

Melia (1991, p. 83) esclarece:

Belleza, fantasia y libertad, los Guarani los han expresado, sin enbargo, en otro arte, que no se ve y no se toca. Lo mejor del arte Guarani no se hace, se dice; no se ve, se escucha. La primeira y fundamental arte del Guaraní es la palavra.

O aspecto da aculturação se manifesta em múltiplas facetas, em um

mosaico de determinações expressas na estética ocidental que emerge nas

______________ 59 Sylvio Back concedeu esta entrevista exclusivamente para Jean Lacouture no dia 14 de Outubro de 1990, no Rio de Janeiro.

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reduções no signo das estátuas de madeiras e de pedras, nos afrescos e nos

quadros que substituíram e imitam muitas vezes o grego antigo, mimeses do

Renascimento. Lugon (1977, p. 148) afirma que Avé-Lallemont observou

“numa grande sala do Colégio de S. Lourenço, em ruínas trinta e três estátuas

de diferentes tamanhos reunidas pelos índios e cuidadosamente conservadas”.

A escultura foi no processo de colonização uma das expressões

estéticas mais utilizadas como bem observa Moussy (1852) que numa sala do

Colégio, de que ainda se conserva o teto fora colocado um São Miguel

derrubando um diabo, grupo colossal em madeira. Também foi observado por

Moussy o esmero artístico que os Guarani dedicava á lavra escultória das

arcadas e das galerias de mármore ao longo de certas ruas. Moussy descreve o

aspecto exterior das igrejas que eram construídas em pedras vermelhas, branca

e amarela, no estilo renascentista, e na maioria das vezes com três ou cinco

naves e um campanário em pedra rendilhada.

Lugon (1977) esclarece que as igrejas construídas pelos Guaranis eram

espaçosas e imponentes, estas construções provocaram uma rivalidade entre as

reduções em relação aos aspectos estéticos e também em relação a sua

suntuosidade, estimuladas pelos jesuítas. Lugon revela que neste ponto assistiu-

se à reconstrução de igrejas por inteiro, a fim de colocar ao mesmo “nível” de

outras, privando-se os habitantes do necessário para conseguirem.

Acentue-se, que o conjunto desta análise apresenta o processo

educacional como um aspecto mais amplo e que se dá em todos os setores da

vida cotidiana da redução. Neste sentido a instituição escolar tem a expressão

de Alves (2000) que se recusa a ver a instituição escolar como algo perene, cuja

função especificamente pedagógica se identificaria com a sua única razão de

ser.

Portanto, a estética ocidental revela este processo de aculturação do

imaginário, pois mesmo as pinturas das igrejas encerram o caráter pedagógico.

As igrejas eram decoradas de pinturas cujas representações destacavam os

“mistérios” da religião católica e as ações heróicas dos personagens bíblicos do

Antigo e do Novo Testamento.

Lugon (1977) enfatiza que essas pinturas estavam separadas por

festões e compartimentos de grinaldas feitas com folhas sempre frescas e

salpicadas de flores e que essas igrejas não ficariam atrás das mais belas da

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Espanha e do Peru, tanto pela beleza da estrutura como pela riqueza e bom

gosto da prataria e dos ornamentos de todas as espécies60.

Sobre o processo de aculturação pela estética ocidental como

expressão do “belo”, do “rico”, do “suntuoso”, Florentin de Bourges (1755)

corrobora com os dados de Charlevoix, descrevendo que estas pinturas eram

realizadas pelos próprios índios e as sacristias eram bem sortidas de prataria e

ornamentos de culto com expressões e valores da cultura européia.

Lugon (1977) também confirma a acepção do valor estético ser medido

pelo grau de riqueza que pudesse contar com a expressão do “belo” estar ligado

ao “rico” e o “feio” ao “pobre”, pois no altar de São Miguel era tão

magnificamente esculpido que o orçavam em “trinta mil réis de prata, sem o

dourado da talha”.

A pedagogia da absorção, portanto, se dava em todas as dimensões

instituindo lenta e gradualmente a visão de mundo da sociedade européia. Este

processo ocorria na singularidade Paraguaia e ganhava nas reduções jesuíticas

uma conformação particular. O procedimento de aculturação se deu em todos os

campos: econômico, político, social, estético, etc. Porém no espaço reducional

estes valores emergem desde a sua gênese sob a égide da contradição, pois a

suntuosidade das igrejas e consequentemente a sua expressão material e estética

entram em contra-senso com a habitação indígena. Haubert (1990, p. 246)

descreve:

Os materiais de construção variam de acordo com a época e o lugar. Para o teto, a telha começa a substituir a palha por volta de 1700. As paredes são de barro amassado com palha, de adobe, de pedra talhada até cerca de oitenta centímetros do chão, depois em tijolo de argila seca ao sol ou até inteiramente de pedra talhada. No momento da expulsão dos missionários, ainda se encontram todos os tipos de construção.

Como já vimos o processo pedagógico e educativo nas reduções é

muito mais amplo. É na verdade a instituição de padrões culturais, pois os

Guaranis pré-colombianos viviam em grandes “galpões” com várias famílias.

Os europeus impõem uma mudança profunda, ao instituir a “casa” para apenas

a família monogâmica, e além de impor “novo” modo de viver ainda os

______________ 60 Ver mais em: Charlevoix, Tomo I, p. 242-253.

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qualifica de “pobres”, “sujos”, como um valor estético da cultura ocidental que

se contrapõe com “mansões”, “castelos” no sentido de hierarquia estética, como

demonstração de dominação. Haubert (1990, p. 246) expõe essa contradição:

Em compensação não há qualquer diversidade no alojamento, que se reduz por toda parte em um único cômodo quadrado de cerca de cinco a seis metros de lado, não importando o tamanho da família. Um couro de boi faz às vezes de porta. Não há janelas ou chaminé; faz-se fogo num canto. O chão não é revestido. O mobiliário é bem reduzido semelhante aos dos ancestrais; algumas redes ou peles de jaguar e couros de boi estendidos no chão, o travesseiro, uma pedra ou um pedaço de madeira [...]. No mesmo cômodo vivem e dormem os animais domésticos, os cachorros e as galinhas [...]

Haubert (1990) revela que o padre geral recomendava em 1696 que os

curas visitassem regularmente as habitações e que estes não deveriam permitir

de maneira alguma que várias famílias vivessem sob o mesmo teto, como era

comum antes da chegada dos europeus e da conquista. Da mesma forma se deu

também em relações aos vestuários cujo traje dos homens consistia numa calça,

num colete e no ornado de franjas nas bordas, que em guarani chama-se aobaci.

E se conseguissem ganhar ou adquirir uma camisa e acreditava-se que com esse

traje estariam “decentemente” vestidos. As roupas eram de algodão, com

exceção do poncho de lã para os dias frios. Os cabelos dos Guaranis cristãos

eram cortados como os dos noviços. As mulheres só soltavam os cabelos

quando ia à igreja o que era considerado um sinal de reverência. Em tempos

normais elas prendiam os cabelos com rendinhas de algodão.

Em casa e nos trabalhos do campo usavam vestidos de talar sem

mangas. Para o culto vestiam usualmente por cima do vestido uma túnica

também de talar, que era denominado de tupai. Na expressão estética cristã a

mulher Guarani vestida dessa forma era um “retrato vivo de Nossa Senhora de

Loreto”. As mulheres cristãs Guarani não utilizavam mais a pintura corporal

nem no rosto, nem nos lábios.

Haubert (1990, p. 248) revela que “o uso de colares e brincos pela

mulher Guarani era permitido, estes eram feitos de vidros de todas as cores e os

brincos eram geralmente de cobre e podiam atingir até três dedos de diâmetro”.

Assim como fora instituído pelos jesuítas a questão habitacional, as vestimentas

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das mulheres apregoam o sentido “estético” e ao mesmo tempo “moral” do

cristianismo.

Haubert (1990, p. 250) esclarece:

Pode parecer paradoxal os jesuítas, por um lado incitarem os índios a aumentarem ao máximo sua produção e, por outro restringiram o consumo de maneira tão draconiana. Bem que gostariam que os neófitos demonstrassem mais interesse em garantir sua subsistência e a decência de seu alojamento e de suas roupas, mas não poderia permitir que esse interesse se transformasse em desejo “de enfeitar o corpo desprezível ou parecer mais do que são”.

Este exemplo é elucidativo, pois divulga uma posição de classe,

evidentemente da dominante, fundamentada na “moral” cristã a instituição dos

códigos de sua sociedade, incentiva o aumento da produção, pois acumular era

preciso, restringe o consumo para servir a este propósito. A estética emerge

como uma distinção social e imposta como um valor moral. Síntese do

entrelaçamento da “educação” e do “dogma religioso” que insurge com uma

característica distintiva de uma classe embrionária que ansiava por acumular

riquezas sob a égide de um “moralismo” desmoralizado pela pilhagem, pelo

roubo, pela escravidão, marcas fundantes de um renascimento que emerge na

morte e no genocídio. Época das luzes, iluminadas pelas fogueiras da

inquisição, livre pensamento reduzido, sob a égide da luta de classe.

Neste sentido Haubert (1990, p. 250) corrobora:

Entre eles, no entanto, há pessoas de uma categoria mais alta, e os jesuítas permitem que usem roupas mais ricas; até lhas dão às custas do Tupambaé, se elas não tiverem condições de adquiri-las. Além disso, quando os jesuítas dizem aos Guaranis “enriqueçam”, acrescentam, segundo os preceitos do Evangelho, “mas permaneçam pobres de espírito”.

Paradoxalmente a Companhia de Jesus é a expressão materializada do

enriquecer – pois era sem dúvida a ordem religiosa mais rica de toda a América

Colonial - a retórica do “permanecer pobre de espírito” e a expressão ideológica

de sua ação. Portanto na materialidade reducional o indígena poderia adquirir

riqueza, contando que sejam “pobres de espírito” para que aceitem

passivamente o domínio. Neste sentido como afirma Sarup (1980, p. 152): “A

alienação e a desigualdade têm suas raízes não na natureza humana, não na

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tecnologia, não no sistema educacional, mas na estrutura da economia

capitalista”. Nesta definição as reduções jesuíticas são á expressão da gênese do

capitalismo (em sua fase de acumulação primitiva) que estimulou a produção

econômica e ao mesmo tempo legitimou a desigualdade econômica

proporcionando um mecanismo meritocrático para destinar os indivíduos a

posições econômicas desiguais.

3.3 A PRODUÇÃO CULTURAL: AS ATIVIDADES EDUCACIONAIS

NOS POVOADOS MISSIONEIROS DA PROVÍNCIA JESUÍTICA DO

PARAGUAI.

De acordo com Meliá (2004), os franciscanos foram os primeiros

organizadores de reduções no Paraguai, entre os anos de 1580 a 1615. Frei Luis

de Bolaños e Frei Alonso Buenaventura foram os protagonistas desse audacioso

empreendimento. A Companhia de Jesus buscou imprimir estrutura e

organização, formulando um projeto amplo e abrangente.

Projeto que contemplava todas as dimensões da vida humana, social,

política, cultural e, principalmente, religiosa. Para a implementação de uma

redução, os jesuítas faziam a escolha dos lugares mais elevados e de fácil defesa

para se estabelecer. Com alguns índios, iniciavam as plantações e as

construções e quando já estavam estabelecidos, vinham as famílias.

De modo geral, a redução possuía uma praça como centro e a igreja

como prédio mais importante. A redução procurava produzir uma nova

espacialidade social.

Seguiam, quase sempre, a mesma forma de urbanização, delimitando o

espaço físico com a intenção de introduzir os índios aos novos códigos sociais

da sociedade que estava se instituindo. Nas reduções, eram demarcadas, como

salientamos anteriormente, em primeiro, a igreja61 e a praça central e, a partir

______________ 61 Duverger (1993, p. 102) afirma que: “... los frailes se consagran a construir sus monasterios, pero paralelamente a la construción de los edifícios conventuales edifican en forma sistemática un anexo con materiales ligeros destinados a servir de escuela. Desde su instalación, es alli donde acogen a los hijos de las personalidades índias del lugar. Esos jovencitos reciben alli los primeros rudimentos de la religión católica, aprenden de memória las oraciones principales – Pater Noster, Ave Maria, Credo – en latín y son iniciados en los princípios de da escritura y de la lectura”.

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desse núcleo, traçavam-se as demais construções. Havia a sede administrativa,

denominada “cabildo”, a escola, o refeitório, as casas para as famílias, as

oficinas, o refeitório, o cotiguaçu (uma casa especial, destinada às viúvas, às

mulheres sozinhas e aos órfãos), a hospedaria e, ainda, a horta e o pomar,

chamados “quinta”. Este conjunto de construções formava uma vila, a partir da

visão organizativa européia.

Furlong (1933) descreve que foi estabelecida uma intercomunicação

entre todas as reduções; os rios eram munidos de pontes ou canoas e balsas para

o transporte.

Abriam-se estradas e, a cada cinco léguas, era exigida a construção de

uma capela provida de dois aposentos e alguma casa de índios, que agradavam

e acolhiam os transeuntes. Furlong esclarece que desde a vitória de Mbororé62,

as reduções jesuíticas mantinham guarnições de fronteira e comunicações

fluviais e terrestres entre si, como estratégia de defesa. Em diversas reduções,

no alto da torre da igreja, giravam espelhos solares. Desempenhavam o papel de

foto-telégrafo, como válidos instrumentos convencionais de intercomunicação

entre as reduções vizinhas.

Foi neste espaço social que ocorreu com uma configuração particular

toda a produção cultural dos povoados missioneiros do Cone Sul da América

Latina. O período que compreende todo este processo envolve os séculos XVI a

XVIII, aproximadamente 160 anos, sendo que o período áureo dos trinta povos

missioneiros vai de 1682 a 1767. No Paraguai, situavam-se as seguintes

reduções: Santo Inácio-Guaçu, Cosme Damião, Trindade, Jesus, Santa Rosa,

Encarnação, São Tiago Apóstolo, Nossa Senhora da Fé.

Na Argentina atual: Santo Inácio Mini, Santa A’na, Loreto, Candelária,

Corpus Christi, Conceição, São Carlos, São José, Apóstolos, Santa Maria

Maior, São Xavier, Mártires, São Tomé, Japeju e Santa Cruz.

No atual Rio Grande do Sul (Brasil), estavam localizadas as seguintes

reduções: São Francisco de Borja, São Nicolau, Bispo, São Luiz Gonzaga, São

______________ 62 Em 1640, o papa excomungou os predadores de índios na América colonial. O documento em referência foi apresentado pelo Padre Diáz Tano. As reduções jesuíticas prepararam um exército para enfrentar os bandeirantes paulistas. O exército guarani contava com aproximadamente de quatro mil homens armados. Após árduas batalhas, os guaranis conseguiram expulsar os bandeirantes, em 28 de março de 1641. A batalha decisiva deste episódio foi a de Mbororé.

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Lourenço, Mártir, São Miguel Arcanjo, São João Batista e Santo Ângelo

Custódio.

Estas reduções mantinham uma inter-relação e uma intercomunicação

constante. Havia, ao mesmo tempo, inter-ajuda e intercâmbio comercial e

cultural recíproco. Fazendo parte de uma complexa organização denominada de

Trinta Povos das Missões, da província jesuítica do Paraguai. É importante

descrever este processo enfatizando as atividades culturais dentro da redução,

envolvendo tanto a educação assistemática, a catequese, quanto a educação

escolar63.

O primeiro processo que apresentaremos será de como se deu a síntese

dialética da cultura guarani ao se fundir com a “cultura das imagens” trazida

pelos colonizadores e jesuítas e, consequentemente, descrever os artefatos que

constituíram o signo das expressões “artísticas” e educacionais no espaço social

da redução.

No período pré-colombiano, a expressão da arte guarani se realizava na

cestaria, na cerâmica e na pintura corporal. O acervo “artístico” guarani

originário, no espaço social da redução, passou por significativos acréscimos

com a feitura de imagens. Hoje, ainda se encontram os remanescentes

arqueológicos dos antigos povoamentos. Custódio (2000, p. 19) afirma que “o

espírito barroco missioneiro que restou deste grande naufrágio, material e

ideológico, impressiona a quantos puderem passar por lá. São anjos, arcanjos,

querubins, santos e índios. Cedro e arenito. Terra vermelha, fumaça, estrelas do

sul...”.

A maioria das imagens missioneiras guarani é de autoria desconhecida.

Charlevoix (1913) afirma que os jesuítas orientavam os indígenas nas oficinas

de arte, além de talhar algumas peças por inteiro. As figuras eram talhadas em

madeira, que depois eram policromadas. Seep (1980) revela que os altares,

também em madeira, eram coloridos e dourados, decorados com pilastras,

flores e santos.

Essas imagens serviam como elementos educativos e catequéticos.

Esse caráter didático da arte historicamente apareceu na Idade Média, como

______________ 63 Nos primeiros anos, os sermões e os ensinamentos eram feitos com o auxílio de intérpretes, mas a necessidade de dominar os códigos lingüísticos dos índios para tornar a catequese mais eficiente acabou impondo-se. Dominando a língua nativa, os padres chegaram até às crianças, fazendo com que elas levassem para as famílias os novos códigos sociais.

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forma eficiente de ensinar a religião. No período barroco, houve uma

revalorização da imagem religiosa, como forma pedagógica de se referir às

pessoas.

Portanto, os jesuítas introduziram no espaço reducional, novas formas

de expressão cultural, até então desconhecidas pela sociedade guarani64.

Objetivando o sucesso da catequese, essas novas formas de expressão foram

usadas como formas de persuasão. E para que os indígenas compreendessem os

conceitos abstratos que estas expressões continham, foi necessário introduzir o

processo educativo.

Logo, catequização e educação estiveram amparadas na utilização e na

produção de imagens, pinturas, procissões, festividades, teatros, cantos, danças,

enfim, tudo o que pudesse ser exteriorizado, visível e palpável.

Nesta síntese da cultura guarani com o processo de catequização,

produziu-se no espaço social da redução um novo acervo de representações de

signos conduzidos habilmente pelos jesuítas. As imagens religiosas foram

importantes instrumentos à disposição dos jesuítas no trabalho de catequização

dos guaranis reduzidos.

Com isso, aparecem “santos” ligados ao cotidiano do homem comum,

proporcionando um contato mais “direto com Deus”.

Haubert (1990) descreve que nas reduções jesuíticas, o ano era

naturalmente marcado por festas religiosas e civis. As celebrações possuíam

uma particularidade notável que, antes de mais nada, se manifestavam pelo

fervor religioso e, também, pelo esplendor da cerimônia. Outro exemplo

elucidativo apresentado por Haubert é que durante o período de Quaresma, às

quartas e sextas-feiras à noite, após a missa, os homens e os meninos se

entregavam à flagelação pública.

A procissão da quinta-feira “santa” era feita à moda espanhola.

Compreendia a reunião de trinta crianças ou mais. Cada criança era escoltada

por dois homens, que carregavam tochas de fogo em suas mãos. Cada criança

carregava a representação de um instrumento que fora utilizado na “Paixão de

Cristo”. Após a realização destes eventos religiosos, se utilizavam do toque de

trombetas, terminando os espetáculos com a lamentação das mulheres e as

______________ 64 Outro aspecto importante neste processo foi a conversão de alguns chefes indígenas, que influenciou um grande número de silvícolas a aceitar o batismo, que foi realizado em massa.

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flagelações dos homens. Haubert (1990, p. 233) afirma que: “As manifestações

de dor aumentavam na Sexta-feira Santa. Quando do relato da Paixão, o

sofrimento dos índios é tamanho que, ao ver suas lágrimas, o padre muitas

vezes não consegue conter as suas e é obrigado a interromper o sermão”.

Estas expressões catequísticas65 também se manifestavam nas

procissões. Havia a construção de todo um simbolismo nestes eventos, que se

materializava na utilização do fogo, com enormes tochas que os indígenas

carregavam e, também, nas grandes cruzes de madeira. Expressões simbólicas

do processo de instituição do imaginário social cristão. A Sexta-feira “Santa”

era a expressão do sofrimento. Já o sábado de “aleluia” ganhava uma nova

configuração, assim descrita por Haubert (1990, p. 276):

No sábado de aleluia, o fuego nuevo, o “fogo novo”, é aceso diante do pórtico da igreja, e é aspergido e abençoado pelo padre; cada fiel leva um tição para casa. No dia de Páscoa, os fiéis vão à igreja toda iluminada e decorada com guirlandas, ao som de flautas e tambores. A alegria explode em cânticos.

Estes exemplos apresentados por Haubert descrevem a estratégia

catequética dos jesuítas, assim como também reconhece a participação efetiva

da Igreja Católica.

Os concílios da Igreja Católica foram sempre enfáticos quanto à

importância da veneração das imagens e dos rituais religiosos, como as

procissões e a comemoração dos “santos padroeiros”.

Os hinos litúrgicos, a veneração dos santos, a harmonia dos sinais de

celebração religiosa, a prédica dos padres durante a missa, tinham a intenção de

gravar na memória dos guaranis a prática do cristianismo. Todas essas

expressões confirmam que a prioridade dentro do espaço social da redução era a

instituição dos códigos sociais da sociedade dominante66. Neste processo, as

procissões exerceram um papel fundamental no cenário barroco Contra-

______________ 65 Nessa dinâmica de aprender a língua guarani, de introduzir as imagens, de construir igrejas e escolas, de ministrar a catequese, a atividade escolar e traduzir catecismos para crianças e adultos, de realizar casamentos coletivos em datas festivas dos padroeiros da igreja, o cristianismo consolidou sua hegemonia, mesmo com todas as resistências enfrentadas. 66 Na espacialidade reducional, as artes tiveram um grande impulso, já com a estrutura urbana dos povoados definida: ruas bem traçadas, casas circundando a praça e, como ponto de referência, a igreja. Também estavam instalados os setores educacional e produtivo, incluído aí as oficinas.

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reformista. Os eventos desta natureza eram sistemáticos e acompanhados de

grandes preparativos, mobilizando todos os habitantes da redução e atraindo

participantes de outras reduções.

Haubert (1990, p. 277) afirma que:

Para o Corpus Christi erguem-se inúmeros arcos de triunfo ao redor da praça, cada um dominado por uma estátua ou por um quadro. Nos arcos, nas ripas que os unem, os fiéis penduram frutas ou animais da região: pedaços de caças e peixes, crus ou cozidos, pintinhos vivos em gaiolas, galinhas presas pelo pescoço, pássaros de todas as cores presos por um fio, amarrados na pata, cães, macacos, raposas, ovos de ema, etc.

As procissões, as festas religiosas, a produção e a utilização de

imagens, nas reduções, foram atividades em que se ocuparam os guaranis.

Percebe-se, através dos registros dos jesuítas, a importância do uso das

imagens67 como forma de persuadir os índios a participar frequentemente dos

rituais sacros e as orações, seja pela beleza externa dessas imagens, seja pela

expressão da hegemonia que elas representavam. As imagens eram usadas na

catequese e na educação como marcas distintivas da sociedade dominante. Ela

reforçava a pregação e a práxis cotidiana do empreendimento jesuítico. A

utilização de imagens com este propósito pode ser restituída historicamente. A

Igreja Católica, desde o Concílio de Nicéia II, passou a afirmar o valor das

“imagens sagradas”. Durante a Idade Média, usou-a em profusão com o sentido

catequético.

Grande parte das igrejas européias tinha os seus vitrais, as suas portas

laterais e suas portas principais esculpidas com temas bíblicos, e as laterais

dessas igrejas eram decoradas com imagens de “santos”. Nas reduções da

Província Jesuítica do Paraguai, o barroco jesuítico ganhou uma configuração

particular68, que se materializou mesclada à flora e à fauna locais. As flores

nativas, os frutos da região, os animais empalhados, ocuparam espaço na

decoração das igrejas. Nesta perspectiva, ocorreu a síntese da cultura guarani

______________ 67 No contexto da arte sacra latino-americana, percebe-se que a escultura barroco missioneira ainda é um assunto pouco estudado. Essas obras merecem especial destaque por ilustrarem a originalidade da expressão indígena incorporada aos padrões europeus. 68 Maria Inês Coutinho (1996), em seu estudo sobre o imaginário missioneiro, classificou tipologicamente as obras em três categorias: eruditas, mistas e primitivas. Nesse mesmo trabalho, as peças também foram analisadas do ponto de vista técnico, estilístico, iconográfico, de nomenclatura barroco-guarani, mas não chegam a ter um aprofundamento maior.

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com as possibilidades tecnológicas advindas da Europa. Nas reduções, os

guaranis passaram a trabalhar com materiais que exigiam uma técnica mais

apurada, como, por exemplo, a aplicação de cor dourada nas imagens, a

confecção de alfaias, utilizando instrumentos de trabalho delicados e precisos.

Logo, a arte foi meio de imposição, propaganda, pregação catequética

e educativa, no Cone Sul da América Latina. Estas manifestações artísticas e

culturais se davam em diversos campos: produção de imagens, procissões,

festas. Nas festas e celebrações religiosas, eram representadas peças teatrais,

que tinham como roteiro as representações bíblicas.

De modo geral, a redução possuía uma praça como centro e a igreja

como prédio mais importante.

Na praça, desenvolvia-se a maior parte das atividades sociais, como as

festas, procissões, teatro e outras atividades. Como não existiam locais

específicos, destinados às representações teatrais, estas aconteciam nas praças,

nas ruas e dentro dos colégios e igrejas. Kostianovsky (1999) descreve que os

jesuítas recebiam, entre os ensinamentos de sua ordem, orientações sobre

técnicas teatrais, que consideravam mais eficazes e fascinantes para a catequese

e para a educação, do que, por exemplo, os sermões. Os jesuítas começaram,

então, a misturar os costumes, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano

indígena aos seus apólogos educativos, que teve como resultante espetáculos

quase sempre litúrgicos de cunho eminentemente epistolar.

Nestes espetáculos, revela-se a síntese e o antagonismo da cultura

guarani e européia. A expressão desse antagonismo se manifestava nos anjos e

nas flores nativas, santos católicos e bichos nativos, demônios e guerreiros69.

Além de figuras alegóricas como o “temor a Deus” e o “amor de Deus”, as

personagens femininas (geralmente as “santas” da Igreja Católica) eram sempre

interpretadas por homens travestidos, já que as mulheres eram terminantemente

proibidas de participar das encenações. Para Furlong (1938), esta proibição era

para “se evitar o excesso de entusiasmo entre os jovens”.

Charlevoix (1747) afirma que boa parte dessas obras não era assinada e

pouco cuidado se dedicava à sua conservação. Normalmente, eram os próprios

______________ 69 Na XV Carta Ânua (1984, p. 156), dirigida ao padre provincial Diego de Boroa, em 1635, da Redução de Nossa Senhora de La Candelária, pode-se comprovar claramente este processo: “Los índios se esmeraran notablemente en el aderezo de las calles”.

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religiosos que escreviam as peças, embora os índios tenham também escrito

algumas peças, afirma Charlevoix.

Os espetáculos teatrais eram geralmente auto-sacramentais,

apresentando os “mistérios” do catolicismo. Em geral, de acordo com

Charlevoix, as peças continham conteúdo doutrinal ou eram de caráter

“moralizante” e “edificante”, e eram divididas em dois tipos: as que eram feitas

para as cerimônias religiosas e as representadas em ocasiões especiais, como

visitas de bispos, superiores da ordem, entre outros. A canonização de Inácio de

Loyola, em 1622, motivou a criação de textos que exaltavam a glória desse

novo “santo” e da Companhia por ele fundada. O aspecto importante dessas

manifestações culturais foi a participação efetiva de toda a população das

missões nas festas e na produção das representações teatrais70. A síntese desta

participação da sociedade guarani incorporou a este processo rituais de sua

cultura ancestral. Os guaranis tradicionalmente se manifestavam através da

dança em suas cerimônias prévias às guerras e à caça. No espaço social da

redução, ocorreu a incorporação dessas manifestações lúdicas ao texto teatral

europeu. Os jesuítas mantiveram e estimularam a dança, introduzindo-a aos

poucos nas peças teatrais. Logo, a síntese por incorporação da dança e do canto

guarani ganhou um significado cristão. Devido a esta configuração particular,

as apresentações teatrais ganharam terreno no espaço social da redução, se

constituindo como uma manifestação coreografada.

Paralelamente a esse teatro com finalidade de catequese e de

doutrinação, os jesuítas mantinham uma atividade teatral em latim, praticada

pelos alunos dos colégios da Companhia de Jesus. Furlong (1938) afirma que as

peças teatrais eram sempre revestidas de valores morais, onde sobressaíam

repertórios de acontecimentos ocorridos na metrópole ou na colônia.

As peças teatrais nos Colégios eram escritas pelos próprios estudantes,

com auxílio dos padres, geralmente sendo realizadas com músicas e durava em

torno de duas horas. A arte, portanto, foi um instrumental utilizado habilmente

pelos jesuítas em seu empreendimento. Todo esse instrumental que fora

introduzido pelos jesuítas no espaço reducional, era desconhecido da cultura

ancestral guarani, o que nos leva a refletir sobre o impacto da iconologia cristã

______________ 70 O período áureo da produção da arte e da evangelização aconteceu após 1640, quando as reduções se estabeleceram em lugares definitivos, após o recuo dos bandeirantes.

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incidindo sobre o imaginário social do guarani reduzido, como também sobre o

aspecto técnico deste impacto71. O fato de o guarani esculpir com novos

instrumentos, usando gaivas e cinzel, provocou uma nova relação social,

inseridos em uma nova forma de produção e reprodução de sua existência,

provocando novas necessidades.

Temos, portanto, na própria gênese do processo de instituição das

reduções, vinculada umbilicalmente com o processo colonizador, a instauração

de práticas educativas. Seja a produção de imagens, a representação de peças

teatrais ou a educação escolar – sustentadas por uma ortodoxia religiosa

católica, dirigida sobremaneira às sociedades indígenas, desdobradas em

diversas formas.

Os jesuítas, desde a sua chegada na Província do Paraguai, começaram

a ensinar a ler, a escrever, a contar e a cantar, como parte da estratégia de fazer

com que os “gentios” aderissem à cultura européia. Como afirma Melia (Apud

Emiri e Monsserat, 1989, p. 9): “De muitos e diversos modos conquistados, os

povos indígenas são, afinal, conquistados pela escrita”. A Companhia de Jesus,

dentre os vários interesses que permeavam a sua ação, ambicionavam a

conversão dos silvícolas ao cristianismo, fazendo com que os guaranis

reduzidos absorvessem os valores culturais da Europa.

Nesta síntese, os jesuítas, por dominarem os códigos sociais instituídos

pela sociedade dominante e contando com o apoio do Estado espanhol,

exerceram o comando sobre estas novas relações de produção social. Ao

dominar a produção da base material, erigiu toda uma superestrutura: religiosa,

jurídica, educacional e política, no espaço reducional, evidentemente,

vinculadas umbilicalmente ao Estado espanhol. No espaço reducional, a cultura

dominante impôs por rigor os seus fundamentos, isolando os opositores dessas

novas relações, representados pelos xamãs e pelos caciques, criando, a partir da

produção material, uma nova estratificação social na espacialidade reducional,

sob a sua hegemonia. Contraditoriamente, a sociedade guarani, pelas condições

históricas, entrou neste processo na busca pela sobrevivência física.

______________ 71 É preciso esclarecer que, num primeiro momento, as casas e as igrejas eram feitas de madeira e cobertas de palha, não havendo ainda as construções em pedra como são referidas atualmente. De acordo com Maeder e Bolsi (1980), esse “momento clássico” só aconteceu com a estabilidade dos povos e com a vinda às reduções, de escultores e arquitetos jesuítas. Podemos destacar entre esses: Brasanelli, que esteve nas reduções entre 1697 a 1728; Primoli, entre 1693 a 1747; Antonio Sepp, de 1631 a 1733.

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Conhecedores profundos da flora e da fauna da região, possuidores da

força de trabalho, com conhecimento empírico da produção regional e dos

produtos da natureza, encontraram na espacialidade reducional a possibilidade

de garantir a sua sobrevivência, protegidos do regime de “encomienda” e dos

ataques dos bandeirantes, em “liberdade reduzida”.

A partir destas condições históricas, buscaram, no espaço reducional,

sobreviver ao “cataclisma” que foi a invasão européia. Neste processo, a

Companhia de Jesus era a responsável perante o Estado espanhol, pela redução.

Havia conquistado o monopólio sobre a utilização da força de trabalho dos

indígenas que conseguissem agrupar em suas missões. Porém, neste novo

empreendimento que estava se instituindo, o trabalhador deveria dominar os

códigos sociais dessa nova sociedade72.

Portanto, era imperativo esse trabalhador ser cristão, freqüentar o culto

e a escola, ser monogâmico e, principalmente, dominar os novos instrumentos

técnicos da produção: o arado, o machado, a serra, a tecelagem, o cavalo, etc.

No espaço reducional, essas relações sociais produziram novos

imperativos, que obrigaram os índios a realizar novos sacrifícios e novas

inserções sociais, criando uma dependência em relação à produção material da

redução, desviando-os para novas formas de deleite, arruinando a sua antiga

organização política e econômica, esfacelando antigas instituições como o

“xamanismo” e a dos “caciques hereditários” 73.

Estas novas formas de deleite foram introduzidas pelos jesuítas, cujas

primeiras preocupações referiam-se à segurança alimentar. Para tanto, de

acordo com Furlong (1963), o padre Cristovão de Mendonça introduziu o gado

vacum, cavalos, ovelhas e animais domésticos. Também a agricultura foi

______________ 72 Na visão dos historiadores ligados à Companhia de Jesus, três foram as maiores conquistas que os jesuítas obtiveram em “favor” dos guaranis: 1. Erradicaram a “bebedeira”; 2. A “poligamia”; 3. A “ociosidade”. Para terminar o hábito da excessiva bebedeira, estimularam o chimarrão e o tereré. Para acabar com a poligamia, introduziram o conceito de matrimônio monogâmico e de família. Para superar a ociosidade, introduziram as mais variadas frentes de trabalho, permeadas por música e canto. O que podemos afirmar contraditoriamente a esta premissa, é que através de aldeamento e do sistema educativo incluíam a leitura, a escrita e a educação para o trabalho. A força de trabalho indígena foi explorada em grande escala, sendo também um canal para a implementação de valores “cristãos” e eurocêntricos, adequados à política colonialista. 73 Melia (2004, p. 210) afirma: “Cuando se reducian, los Guaranis se hacian “cristianos”, eran bautizados, pero no se hacían españoles. Permanecia ava índio, ava karai, pero no ava y koarai; índio “cristiano”, pero no índio y “español”. Con la reducción se mantienen los mismos conceptos tradicionales de ava, karai y pai’i, pero dispuestos en otra figura. Karai puede adjetivarse en el ava, pero no puede substantivarse simultáneamente con el índio”.

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metodicamente desenvolvida em Tupambaé (Propriedade de Tupã-Deus) e

Amambaé (área designada ao cuidado de cada família). Após estruturar esta

base material, os jesuítas oriundos de diferentes nações européias introduziram

nas reduções as produções artísticas mais recentes de seus países. Toda essa

eloqüente produção funcionou como forma de aculturação, persuadindo os

indígenas à aceitação dos valores culturais da sociedade dominante. O guarani

reduzido foi arrebatado pelo poder das imagens, pelo canto, pela música e pelos

ritos religiosos (entre eles a ladainha e o sermão). A sociedade dominante,

representada na figura dos jesuítas, ao criar uma força estranha sobre os

guaranis, encontra, assim, satisfação para a escassez da Ordem.

Marx (1978, p. 16) afirma que:

No interior da propriedade privada [...] cada indivíduo especula sobre o modo de criar no outro uma nova necessidade para obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-lo a uma nova dependência, para desviá-lo para uma nova forma de gozo e, com isso, de sua ruína econômica. Cada qual trata de criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar satisfação para seu próprio carecimento egoísta. Com a massa de objetos cresce, pois, o reino dos seus alheios ao qual o homem está submetido e cada novo produto é uma nova potência do engano recíproco e da pilhagem recíproca.

A catequese dava sustentação à prática da exploração colonial. A

religião por meio da catequese e da educação aparece desde o início com a

retórica legitimadora da expansão colonial, que se apresentava como “conquista

espiritual”; é junto ao papado que os reinos ibéricos, pioneiros da colonização e

expansão, buscam autoridade para amenizar as disputas pela partilha do “Novo

Mundo”; é deste processo que advém a legitimação de conquista74 . Na gênese

do processo colonizador da Província do Paraguai, a instauração de práticas

educativas foi sustentada por uma ortodoxia religiosa católica, dirigida

sobremaneira às populações indígenas e desdobrada em diversas formas.

Furlong (MCMLIX, p. 124) afirma que:

Asi mismo hay en cada Colegio los maestros de escuela, los cuales están al frente de los grupos de niños: el uno se ocupa en la

______________ 74 De acordo com Meliá (2004, p. 213), “la reducción a veces pretendió la eliminación de determinados costumbres y la extirpación de ciertos ritos, pero lo más ordinario era simples la transformación gradual de práticas y hábitos tradicionales y comunes”.

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enseñanza de la primeras nociones y el otro en explicar la gramática, y uno y otro se dedican empeñosamente en formar los corazones de los niños.

O processo de implantação de aldeamentos e sistemas educativos que

incluía a leitura e a escrita esteve desde o princípio sob o comando dos jesuítas.

Este processo é destacado em inúmeras cartas destes.

As artes são destacadas na correspondência do padre Betschon (Apud

Quevedo, 2000), afirmando que em todas as classes de ofícios (oficinas das

missões) havia entre eles alguns notáveis artistas. As atividades artísticas foram

amplamente desenvolvidas nas missões.

O conjunto dessas obras permite analisá-las sob o prisma da arte

guarani-missioneira, qual seja: estas manifestações artísticas foram elementos

importantes no processo de conversão dos indígenas, estando intimamente

ligado à evangelização e à educação assistemática no processo reducional. A

síntese deste processo se revela no acervo destas obras produzidas pelos

indígenas e fundamentadas em modelos europeus, possuindo a técnica européia

aliada ao espírito artístico e criativo do guarani, baseado nos paradigmas

escolásticos em síntese com o humanismo. Os missionários concebiam a arte

como uma virtude que se aplica ao fazer, atuando no sentido de uma repetição

magistral de um modelo. No processo de evangelização / educação, os jesuítas

partiam do pressuposto que as manifestações artísticas deviam ser um método

de ensinar e convencer os índios dos “verdadeiros” e “autênticos” valores da

cristandade ocidental.

A análise que se pode fazer da escultura e das igrejas revela que a

suntuosidade e o esplendor representavam a reverência que se colocava nas

“coisas de Deus”. A mesma reverência que se pôde evidenciar na produção do

Tupambaé (Terra de Deus).

A expressão deste poder pode se auferir pelas igrejas jesuítas que

possuíam no esplendor de seu interior o estilo barroco. O interior destas igrejas

apresentava uma característica cenográfica com a proposta de aguçar todos os

sentidos do neófito cristão. Pode-se, pois, avaliar o efeito dessa carga cultural e

visual sobre os catecúmenos. O padre tinha a missão de converter e educar o

guarani nestes novos códigos sociais. A conversão a fé católica através do

ensino da doutrina e o método utilizado para tal fim, encontravam-se na arte,

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que facilitou o contato da psique do índio com esta nova realidade social. Este

processo catequético / educacional se desenvolvia em todas as dimensões do

cotidiano reducional. Porém, tal processo foi extremamente contraditório75. O

missionário precisava incutir os paradigmas “civilizatórios” da sociedade cristã

ocidental no índio, consequentemente, negando a arte ancestral guarani, que

possuía um caráter prático e simbólico. O guarani se expressava através de uma

educação assistemática, por meio de uma outra visão de mundo.

Fundamentado em uma concepção mágico-religiosa, neste processo,

teve que incorporar elementos da concepção cristã-ocidental, num processo

educativo / catequético com conteúdo e forma diferente da arte guarani. Santos

(1975, p. 53-54) esclarece:

A educação, como processo, deve ser pensada como a maneira pela qual os membros de uma dada sociedade socializam as novas gerações, objetivando a continuidade dos valores e instituições considerados fundamentais. As sociedades tribais possuem maneiras específicas de socializar seus membros jovens, dentro dos padrões da cultura tradicional [...]. Não há, assim, escolarização formal entre os indígenas, em termos das culturas tradicionais.

Neste primeiro período de educação escolar indígena no Paraguai

colonial, predominaram a catequese e as ações educativas acionadas para

desmantelar culturalmente o povo guarani e sua distinta identidade.

Logo, a ação catequética / educacional missionária reproduziu os

valores e a prática dessa nova sociedade que estava se instituindo. E o espaço

reducional foi o palco onde se evidenciou e se aprofundou essa contradição,

pois a arte era coletiva e anônima. Em sua manifestação coletiva, se expressa a

cultura tradicional guarani. Ao emergir anonimamente (sem o nome do autor),

temos expressa a cultura dominante, pois a arte se encontra materializada, sob o

signo (a imagem de um santo) do domínio. Pois sendo o Deus desse mundo o

capital, ao retirar o capital do trabalhador, fazem deste um ateu. O aparecer

social da obra jesuítico-missionária se manifesta anonimamente, mas seu

código social é o barroco.

______________ 75 Este processo era contraditório porque pelo Concílio de Trento, a Inquisição, instituição criada na Idade Média e também conhecida como Tribunal do Santo Ofício, foi reativada. Em nome de Cristo e sob o pretexto de combater os hereges, a Inquisição condenou à tortura milhares de pessoas. Nessa época foi criado também o Index, lista de livros proibidos pela “Santa Igreja”, que dificultou o avanço cultural e científico do mundo moderno.

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Este procedimento dificultava identificar os autores das obras. As

obras não eram assinadas, mas produzidas no “atellier” e, posteriormente,

encaminhadas às residências (que possuíam pequenos oratórios nas cavidades

das paredes) e às igrejas. Havia imagens que ficavam à disposição da

comunidade, sendo utilizadas em altares. A ruptura da visão de mundo guarani,

de padrões ancestrais, produziu uma nova realidade social no espaço

reducional.

Essa mescla de elementos nativos na escultura, na arquitetura, na

decoração dos retábulos, tendo como base os modelos europeus, resultou numa

produção peculiar. Nesta acepção, a práxis jesuítica foi apoiada no domínio dos

meios expressivos das imagens como manifestação do real, da verdade, da fé,

do dogma; todo esse aparato foi usado como “mediação” entre o homem e

Deus. A arte, a catequese, a educação assistemática e a educação escolar

influíram sobre a práxis indígena. E este, paradoxalmente incorporou o aparato

visual, cenográfico, educacional e tecnológico “oferecido” pelo jesuíta.

Antagonicamente, manteve traços de sua ancestralidade.

Tendo como síntese deste processo uma produção social com

características particulares no espaço reducional, inseridos no caráter

universalizante de acumulação primitiva.

Este processo teve como resultante uma produção social particular, que

teve como palco a espacialidade reducional. Um exemplo elucidativo desta

particularidade pode ser vista na arquitetura, que caracterizava-se pelo

rebuscado gosto cenográfico, com colunas, arcos, frontões e frisos fantasiosos e

subjetivos, possuindo movimentos, formas complexas, luminosidade,

escadarias, como a igreja de Gesú, em estilo proto barroco. Guilherme Furlong

apresenta fartas e detalhadas descrições das igrejas dos Trinta Povos. Todas

eram espaçosas.

A igreja da redução de Japeju, por exemplo, oferecia lugar para oito

mil fiéis.

Furlong (1963) descreve que a pintura apresentava perspectivas,

geralmente em “trompe l’oeil”, integradas as camjas. Mas foi principalmente a

utilização de um delicado contraste entre luz e sombra que representou o ponto

culminante da pintura, com a estruturação de contrapontos cromáticos e a

exuberância física dos personagens. O artista procurava usar os efeitos

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luminosos numa contínua e gradual mudança de intensidade nos vários planos

da tela. No caso da escultura, houve uma preocupação em fundi-la com outras

artes, especialmente a arquitetura. Nunes (1999, p. 123) afirma que:

O barroco, pelo seu gosto do monumental, pela sua vontade de impressionar, ostentando a força e o poder, foi o instrumento da espiritualidade católica a serviço de um humanismo, empenhado na submissão das almas e na conversão dos povos. Tal aspecto sócio-político entrosa-se à ascese inaciana e, consequentemente, a catequese jesuítica que acompanhou a expansão colonizadora do século XVI em diante, trazendo-nos o barroco.

Na espacialidade reducional, as importantes construções das igrejas

faziam parte da estratégia de evangelização / educação. A arquitetura deveria

ser um símbolo de poder e de respeito ao cristianismo. Junto dos templos

religiosos e também dos mosteiros eram edificadas as escolas, destinadas a

preparar as crianças para as novas relações sociais que se instituía.

Haubert (1990) afirma que a educação escolar não era para todas as

crianças da redução. Se restringia aos filhos dos caciques, magistrados76,

funcionários, cantores e sacristãos, mais algumas crianças do povo,

particularmente dotadas. O objetivo do ensino impõe um limite duplo no

recrutamento e ao conteúdo, que só era dispensado aos destinados às funções

públicas (membros do cabildo, contadores e cantores), funções, portanto,

transmitidas por via hereditária nas estratificações “superiores” dos índios

reduzidos. Este ensino compreendia apenas as matérias estritamente

necessárias: leitura, escrita, aritmética77, canto.

______________ 76 O processo este descrito por Peramás (2004, p. 77): “Ni todos los niños eran instruídos en la lectura, escritura y en nociones de cálculo, sino tan sólo aquellos que pedia el bien de la ciudad. De entre ellos eran elegidos después el corregidor, los cabildantes, los magistrados, escribanos y procuradores públicos, los sacristanes y los médicos. Estos pocos niños eran principalmente de famílias de caciques, y de índios principales a quienes tenia en especial consideración sobre los demás. Leyan perfectamente en guaraní, en español y en latin y muchos de ellos escribian con letra tan elegante que no desmerecía de los más bellos caracteres tipográficos”. 77 Peramás (2004, p. 78) afirma que: “Todos los domingos, después de recitadas las fórmulas del catecismo por todos, y cantados por la comunidad los mistérios de la fe, dos que por su voz eran mejores que otros, estando de pil en medio del templo, decian: aqui los mostramos en orden y el nombre de los números: Uo:respondia el pueblo. Uno. Después ellos: dos, y a su vez todos: dos. Después, tres, cuatro etc., y así por delante hasta ciento y mil. Después de esto, los mismos directores de coro: aqui mostramos los nombres de los dias de la semana: domingo, y repetian todos: domingo; después: lunes, y ellos, lunes, y así hasta el sábado. Así se conseguia que los indígenas desde pequeños se hacieran familiares estos nombres y los usaran con facilidad en las cazas sagradas y en las profanas”.

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Os estudantes aprendiam a ler e a escrever (alguns em letras de

imprensa), não apenas em guarani, mas também em espanhol e até latim. Não

se lhes ensinava, no entanto, a compreender e a falar nas últimas duas línguas.

Haubert (1990, p. 261) descreve este processo:

De acordo com o caso, louva-se ou censura-se os jesuítas por terem proibido o uso do espanhol a seus neófitos. Teriam, desta forma, uma barreira lingüística com o objetivo de proteger seu “reino”, impedindo os colonos de descobrir seus “mistérios” e seus súditos de descobrirem que existia uma outra felicidade além da obediência, ou de proteger suas ovelhas contra todos os vícios que os castellanos veiculariam.

Pedro Lozano (Apud Furlong, MCMLIX) afirma que após esse ensino

rudimentar, alguns meninos que demonstravam aptidão eram admitidos numa

escola mais especializada. Cardiel (1913) afirma que o desenvolvimento da

dança seria uma dessas escolas especializadas, assim como também a escola de

música. Para este autor, o desenvolvimento da dança e da música deve-se muito

aos jesuítas estrangeiros que estudaram em colégios para nobres, na Europa, e

lá aprenderam e desenvolveram a arte recreativa. Peramás (2004) esclarece que

a educação e a disciplina dos guaranis reduzidos possuíam características

distintas. As crianças eram educadas um período em suas casas e um outro

período na comunidade.

Peramás descreve que as crianças eram despertadas ao amanhecer, ao

toque de uma campainha, iam para o templo, faziam suas orações e recebiam o

catecismo.

Este catecismo era dirigido por dois membros da redução, mais

experientes. Assistiam a missa e, ao sair do templo, recebiam as orientações do

dia, sendo servido a todas as crianças, no pátio da igreja, a primeira refeição do

dia. Nos dias normais, estas crianças eram conduzidas por uma pessoa mais

velha, para realizar trabalhos, como, por exemplo, a limpeza dos campos da

redução das ervas daninhas ou abrir os caminhos cobertos de pedras ou a

retirada de galhos que caíam das árvores.

À tarde, as crianças retornavam novamente para a igreja para receber a

catequese que era dirigida pelo cura. Após a catequese, tomavam a merenda na

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casa do cura e retornavam às suas casas para ajudar as suas famílias nos

trabalhos domésticos.

Peramás afirma que a educação das meninas era diferenciada em

relação aos meninos. As meninas eram quase sempre acompanhadas por um

“guardião” e eram separadas dos meninos. Como evidenciamos anteriormente,

nem todas as crianças recebiam a educação escolar. Para receber esta instrução,

a criança deveria passar por um processo de seleção, fato este também

confirmado por Peramás.

Peramás (2004) afirma que estas poucas crianças selecionadas eram

principalmente das famílias dos caciques e das principais lideranças da redução.

Blás Garay apud Benitez (1981, p. 25) esclarece:

Cada reducción tenía su escuela en que unos pocos índios, los muy precisos para ofícios de amamunces o desempeñar cargos conjeciles, apreendian a leer y escribir en latin y castellano, mas no hablarlos ni a entender su significado. La lengua española estaba absolutamente prohibida a los neófitos.

Cabe lembrar, como se sabe, que as gramáticas e até mesmo os

catecismos destinam-se, essencialmente, ao uso dos padres. A circulação de

gramáticas e catecismos (impressos e manuscritos) nas reduções jesuíticas não

reduz, portanto, a mediação e a persuasão do missionário no processo de

instrução (o conteúdo que seria aplicado) religiosa / educativa do índio

catecúmeno. Na espacialidade reducional, a instrução religiosa / educativa tem

como prioridade “as coisas necessárias para a doutrina e o catecismo”. A

instrução escolar se impõe “nas regras e preceitos da língua”. E foram os

jesuítas quem estabeleceram as regras e os preceitos da língua guarani, já que

estes, em sua cultura original, possuíam apenas a linguagem oral78. Os jesuítas,

ao implementarem as reduções, partiram do pressuposto de que os guaranis não

possuíam “fé”, nem “lei, nem Rei”, e que viviam desordenadamente. Essa

suposição de uma ausência lingüística da “ordem” revela o ideal eurocêntrico

de colonização trazido pelos jesuítas. ______________ 78 Felix Azara (Apud Furlong, 1978, p. 72) é um dos diversos autores ligados à Companhia de Jesus, que não reconhecia os guaranis como seres humanos. Descrevendo a linguagem guarani de maneira sarcástica, afirma: “A unidade da língua entre os guaranis, que ocupavam tão vasta extensão do país, vantagem que nenhuma das nações cultas do mundo têm logrado ter, indica, igualmente, que esses selvagens tiveram o mesmo mestre de língua que ensinou aos cachorros a ladrar de igual modo em todos os países”.

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E buscaram na espacialidade reducional superar a “desordem”, fazendo

obedecer a um “Rei”, difundindo uma “fé” e fixando uma “lei”. Historicamente,

a Companhia de Jesus desenvolveu uma práxis de buscar se adaptar à cultura

local. A adaptação aos costumes locais, em respeito à diversidade de regiões

sob o domínio jesuítico, era fundamental para a eficácia do empreendimento.

Estas orientações constavam nas Constituições da Companhia de Jesus e foram

apresentadas por Inácio de Loyola em 1550.

De fato, os jesuítas empreenderam no Paraguai uma significativa obra

missionária e educativa, especialmente fazendo uso de novas metodologias, das

quais a educação escolar foi uma das mais poderosas e eficazes79. Em matéria

de educação escolar, os jesuítas souberam construir a sua hegemonia. Não

apenas organizaram uma ampla “rede” de escolas elementares e Colégios, como

a desenvolveram de modo extremamente organizado, contando com um projeto

e sendo o Ratio Studiorum a sua expressão máxima.

Franca (1952) descreve que o Ratio Studiorum ou Planos de Estudos –

o método pedagógico dos jesuítas, publicado em 1599 – fora organizado e

sistematizado a partir da práxis pedagógica que tivera início no Colégio de

Messina – primeiro colégio aberto da Sicília, em 1548.

A partir da experiência italiana, criou-se no seio da Companhia uma

disputa sobre qual experiência pedagógica seria a aplicada pela Companhia: o

modus italicus ou o modus parisiensis. Prevaleceu o modus parisiensis, tendo

como modelo a Universidade de Paris, berço intelectual dos principais

fundadores da Companhia.

Este estatuto pedagógico jesuíta era composto de um conjunto de

procedimentos que envolviam desde a organização escolar e orientações

pedagógicas até a observância do dogma católico. De acordo com Franca, o

método de estudo contido no Ratio Studiorum compreendia o trinômio: estudar,

repetir e disputar, sendo prescrições estas estabelecidas nas regras do reitor do

colégio. Como exercícios escolares, havia a preleção, lição de cor, composição

e desafio, sendo estas práticas pedagógicas que remetem diretamente à

______________ 79 Sobre este processo Melia (1997, p. 33) afirma que: “Socialmente, ‘civilizar’ a los índios significa en muchos casos convertilos en el más bajo proletariado. Si civilizar significa realmente convertirlos en hombres cultos y bien pagados, en hombres de ciências y financeros, en altos funcionários, civilicemos en buena hora. Pero si civilizarlos és ponerles un simples machete en la mano o un hacha, pagarles mal, tenerlos a nuestras órdenes y prohibirles un sin número de actividades, entonces dejémoslos en paz y nos lo agradecerán”.

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escolástica medieval, configurada como pedagogia tradicional que, na sua

vertente religiosa, tornava a educação sinônimo de catequese e evangelização.

Nesta acepção, as palavras jesuítas e educação consequentemente se

tornaram sinônimas.

O projeto educacional almejado pelo Ratio Studiorum objetivava a

formação do “homem perfeito”, do bom cristão. Este projeto estava centrado

em um currículo de educação literária e humanista.

No espaço reducional, o Ratio Studiorum foi aplicado ganhando uma

configuração particular. Além do projeto catequético e educacional, a

metodologia jesuítica ampliou este projeto para a transformação do “selvagem”

em “bom selvagem”. Se a educação literária e humanista estava voltada para a

formação da elite colonial, no espaço reducional, estas novas relações sociais

haviam constituído uma “elite indígena”, que era formada pelos caciques,

cabildos, administradores etc., que foram educados a partir desse plano de

estudo. Saviani (2004) afirma que a concepção pedagógica tradicional tem por

característica uma visão essencialista do homem. Nesta acepção, o homem é

concebido e constituído por uma essência humana e este processo é imutável.

Logo, a educação teria o papel de moldar a existência particular e real de cada

educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano.

Esta práxis estava presente no espaço reducional, para os jesuítas,

tendo o homem sido feito por Deus à sua imagem e semelhança. Logo, a

essência humana é considerada, pois, criação divina. Consequentemente, o

homem deve se empenhar para fazer merecer a dádiva divina.

E a expressão mais acabada dessa vertente é dada por Tomás de

Aquino (tomismo), que consiste na busca de uma articulação entre a filosofia de

Aristóteles e a tradição cristã. Lacouture (1994) esclarece que neste período, os

colégios jesuítas começaram a se espalhar por toda parte, inicialmente para a

formação de jovens religiosos e, depois, para a formação gratuita da juventude.

As considerações expostas devem ser compreendidas no contexto ideológico da

Contra-Reforma, pois essa educação gratuita e para todos era uma característica

marcante nos países influenciados pela Reforma, como atesta Alves (2001, p.

172): “A tendência que germinava com a Reforma, contudo, revelou ser mais

apropriada, historicamente, ao processo de universalização da escola burguesa”.

Nesta acepção, a educação jesuítica emerge em contraposição à Reforma. E

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estes colégios se espalharam no centro do capitalismo: Messina, Barcelona,

Pádua, Lisboa, Nápoles..., e na periferia do sistema: São Paulo, Goa, Buenos

Aires, Assunção, Santo Inácio-Guaçu, Japeju, São Miguel Arcanjo, etc.

Saviani (1996, p. 5) esclarece:

Portanto, ao deslocamento do eixo do processo produtivo do campo para a cidade e da agricultura para a indústria, ao deslocamento do eixo cultural do saber espontâneo, assistemático, para o saber metódico-científico, correspondeu ao deslocamento do eixo do processo educativo de formas difusas, identificadas com o próprio processo de produção da existência, para formas específicas institucionalizadas, identificadas com a escola.

O quadro de dificuldades posto pela produção desta nova instituição

educacional em escala mundial, fez com que em cada região a ação inaciana

ganhasse uma nova configuração particular. Inseridos na totalidade da força

expansiva do capital, que levou, de acordo com Saviani (1996, p. 6), “[...] à

criação do mercado mundial, é a tendência à universalização das formas

próprias das sociedades burguesas.”

E as reduções jesuíticas estavam inseridas nesta totalidade. E na

particularidade do espaço social reducional, podemos afirmar que a energia da

práxis jesuítica teve tolerância maior que a realizada pelos colonizadores leigos,

a qual revelou uma marca de violência mais acentuada que a dos religiosos,

pois de acordo com Agnolin (1998), entre os séculos XVI e XVII, a

evangelização e, consequentemente, a educação jesuítica teve como estratégia

particular o ato de se apropriar de repertórios culturais (dos povos dominados)

com a finalidade de conseguir uma penetração mais eficaz da sua mensagem.

A partir dessa estratégia, seguiram o caminho da catequese e do ensino

geral, usaram imagens, cantos, músicas, teatros, procissões nos dias santos e nas

festas do padroeiro local. As escolas dirigidas pelos jesuítas contribuíram

decisivamente para a formação dos novos líderes e para a criação de

universidades na América Latina. Os ensinamentos dos colégios jesuítas eram

procurados pelos antigos líderes indígenas. Por sua vez, os padres tinham sob

sua influência e orientação as crianças nativas, agora escolarizadas, que seriam,

no futuro, os dirigentes locais.

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O que podemos evidenciar nesta análise é que a experiência do

encontro dessas duas culturas distintas (guarani – europeu) permitiu a síntese

por incorporação de preceitos religiosos, estéticos, educacionais etc. Essas teias

de relações sociais produzidas na espacialidade da redução estavam

entrelaçadas pelo caráter universalizante da acumulação primitiva do capital.

Demonstramos que a estratégia catequética e missionária se materializou, pois o

Cristianismo tem atualmente grande visibilidade no Paraguai. No aspecto

cultural, a estratégia jesuítica se efetivou parcialmente, sendo que o seu grande

mérito foi a preservação da língua guarani. No campo econômico, a estratégia

capitalista também se efetivou, já que no devir histórico transformou o guarani

reduzido no trabalhador pobre.

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CONCLUSÃO

As reflexões que tecemos ao longo deste trabalho nos levam a apontar

alguns aspectos que merecem ser realçados. Evidentemente não propomos

enunciar nenhuma análise sumária nesta conclusão, uma vez que, estas

reflexões já foram por demais ratificadas no decorrer do trabalho. Portanto, as

conclusões confirmadas no decorrer da pesquisa não serão apresentadas de

forma linear, hierárquica e positiva, não resumindo assim as considerações

obtidas, em grau de importância em relação à totalidade do conteúdo exposto.

O primeiro aspecto tecido na trama da apresentação geral do trabalho é

a compreensão do contexto social e histórico em que foram instituídas as

reduções jesuíticas do Paraguai.

A companhia de Jesus emerge, portanto, na gênese da expansão do

modo de produção capitalista. Neste período as duas grandes potências

marítimas eram Portugal e Espanha que disputavam a hegemonia do processo

econômico. De acordo com Marx (1968) a movimentação do capital nessa fase

tem a aparência de um círculo vicioso, do qual só poderemos escapar se

admitirmos a existência de uma acumulação primitiva, anterior à acumulação

capitalista, isto é, uma acumulação que não decorre do modo capitalista de

produção, mas é seu ponto de partida. Marx afirma que essa acumulação

primitiva desempenha na economia política um papel análogo ao do “pecado

original” na teologia: Adão mordeu a maçã e, por isso, o pecado contaminou a

humanidade inteira. Da mesma maneira, a classe dominante procura explicar a

origem da acumulação por meio de uma estória ocorrida há muito tempo.

Essa tese afirma que em tempos imemoriais existiam, de acordo com

essa lenda econômica, duas espécies de pessoas: uma elite laboriosa, inteligente

e, sobretudo econômica, e um outro grupo constituído de vagabundos,

trapalhões que gastavam mais do que tinham. A lenda teológica descreve que o

homem foi condenado a comer o pão com o suor de seu rosto. Mas a lenda

econômica explica-nos o motivo por que existem pessoas que escapam a esse

mandamento de Deus. Aconteceu que a elite foi acumulando e a população

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vadia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além da própria pele.

Marx (1968, p.829) afirma:

Temos aí o pecado original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre, apesar de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora esses poucos tenham parado de trabalhar há muito tempo.

O primeiro aspecto realçado nesta conclusão é o papel fundamental

que a acumulação originária desempenhou na verdadeira história. Pela

violência, pela escravização, pela rapina, pelo assassinato, em suma pela

pilhagem colonial. Esse processo se deu em escala mundial e foram estes os

métodos utilizados pelos espanhóis no cone-sul da América Latina.

As conquistas espanholas não se deram por acaso, foram deliberadas e

bem planejadas, exercidas com audácia: uma alta inteligência técnica fora

colocada a serviço de “Deus” e do lucro, tendo como resultante um assalto

selvagem, pirático e de rapina, como poucas vezes o mundo testemunhara. E a

partir de 1540 os jesuítas se mostraram presentes neste processo. “Os filhos de

Cristo” seguiam esta senda de sangue, construindo suas igrejas, missões e

seminários, porque na práxis, a rapina se travestia de cruzada. Por maior que

fossem as recompensas deste mundo, as glórias sublimes de Colombo, Cortez,

Vespúcio, Pizarro, Cabeza de Vaca, Solís, e Caboto, seriam os galardões do

“outro mundo”.

O processo de instituição das reduções jesuíticas do Paraguai precisa

ser compreendido no movimento de inter-relação e interdependência com esse

processo histórico. Nesse sentido, Marx (1968) afirma que este processo precisa

ser compreendido na transformação da exploração feudal em exploração

capitalista. Na singularidade da produção social na Província do Paraguai

aparecem relações econômicas e sociais que se aproximam das formas de

relações da formação feudal, entretanto, somente no domínio da aparência, pois

em essência esse movimento contém os germes do capitalismo.

É um equívoco, cometido por parte de alguns autores, conceber estas

relações sociais como eminentemente feudais. E para entender essa marcha não

há necessidade de uma longa digressão na história. Embora um prenúncio da

produção capitalista já se evidenciasse, nos séculos XIV e XV, em algumas

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cidades mediterrâneas, a era capitalista destacada por Marx (1986, p.831) “data

do século XVI”. Marx afirma que onde ela surge, a servidão já esta abolida há

muito tempo, e já estão em plena decadência as cidades soberanas que

representavam o apogeu da idade média.

Portanto, se na Espanha foram preponderantes as relações capitalistas,

não poderiam ser feudais as relações que ocorriam em suas colônias.

Marcam este período, na história da acumulação primitiva, todas as

transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação,

sobretudo, aqueles deslocamentos das grandes massas humanas, súbita e

violentamente privadas de seus meios de subsistência foram lançadas no

mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A base

de todo este processo foi a exploração do produtor rural, o camponês, que ficou

privado de suas terras. Para atender à incipiente indústria manufatureira, os

antigos senhores feudais expulsaram os servos de seus campos, pois era mais

lucrativo cercar as terras, criar ovelhas e vender lã. A história dessa

expropriação assume singularidades e particularidades (não é um todo

homogêneo) nos diferentes países, percorrendo várias fases (não de forma

linear) em seqüência diversa (com avanços e recuos) e em épocas diferentes,

permeada pelo caráter universal que é a reprodução ampliada do Capital. Logo,

o ouro e a prata extraídos nas colônias espanhola, à custa da morte e do

sofrimento de milhões de indígenas, contribuíram significativamente para o

desenvolvimento das forças produtivas da Inglaterra.

Portanto a análise da instituição das reduções jesuíticas, e

consequentemente as suas atividades econômicas, culturais e educacionais,

empreendida neste trabalho, se situa no conjunto dos estudos historiográficos

cujo conhecimento histórico efetivo é a compreensão deste processo em sua

totalidade. Alves (2001, p.19) afirma que: “Totalidade, no caso corresponde à

forma de sociedade dominante em nosso tempo: a sociedade capitalista.

Apreender a totalidade implica, necessariamente, captar as leis que a regem e o

movimento que lhe é imanente”.

A conquista e a exploração do “novo mundo” foi obra essencialmente

da iniciativa privada, assim como, também de aventureiros interessados na

empresa. Evidentemente, estes deveriam possuir capital e foram estimulados a

assinar contratos com o Estado espanhol para realizar seus empreendimentos.

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Os “empreendedores” que representavam o domínio espanhol na América eram

denominados de “adelantados”. Juntamente com esse título vinham amplas

prerrogativas jurídicas e militares, entre as quais, o direito vitalício de fundar

cidades e construir fortalezas.

Em contrapartida deveriam promover a cristianização dos índios e

entregar ao estado um quinto da produção de suas terras. O poder local nas vilas

e nas cidades era exercido pelo cabildo, uma espécie de Câmara Municipal. Os

cabildos contavam com a participação de homens selecionados, eleitos em cada

municipalidade entre os mais ricos criolos (indivíduos de origem espanhola

nascidos na América), e que gozavam de certa autonomia.

Este modelo administrativo foi também implementado nas reduções

jesuíticas. Neste caso, os “adelantados” eram os jesuítas que haviam garantido o

amplo direito de fundar as missões, construir igrejas e monopolizar a força de

trabalho indígena. Em contrapartida, deveriam promover a catequização dos

índios, pagar os tributos e instituir na espacialidade da redução os códigos

sociais da sociedade colonial. O Estado espanhol surge neste período histórico

como a superestrutura desta sociedade. Porém o Estado não é a única

superestrutura, uma vez que, esta instituição coexiste dialeticamente com outras

superestruturas, dentre elas a própria Igreja. Logo, o Estado não pode emergir

como a expressão harmônica desta sociedade.

Assim como a Igreja, o Estado não é a expressão harmônica e abstrata

da sociedade espanhola. Ao contrário ele já se constitui como produto da

contradição política, no sentido enunciado por Marx (1963, p.222): “o Estado se

funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o

particular”. As relações sociais nas colônias estavam entrelaçadas e permeadas

por estas contradições. No Paraguai estas contradições ganham uma

configuração particular com o enfrentamento político entre jesuítas e colonos na

disputa pelo monopólio da força de trabalho indígena. A própria Igreja Católica

mantinha em seu seio outras ordens que discordavam da posição dos jesuítas e

também lutavam para conquistar privilégios junto ao Estado espanhol. Portanto

o princípio que rege este processo é o princípio da contradição entre as diversas

frações da sociedade colonial. O Estado espanhol implantou nas colônias o seu

modelo administrativo, criando duas instituições dotadas de ampla competência

administrativa e judiciária: o Vice-reino e as Audiências.

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Os vice-reis eram responsáveis pelo controle das minas e de sua

administração e supervisionavam a evangelização dos nativos, além de presidir

às sessões das Audiências. O embrião do Estado Moderno espanhol, neste

período, já estava constitutivamente organizado e orientado pelas exigências do

capital. Desde a época da acumulação originária, o poder estatal surge

vinculado à burguesia. Uma das contribuições que este trabalho suscitou foi a

de afirmar que a Companhia de Jesus não possuía total autonomia jurídica nas

reduções. Portanto, as reduções jesuíticas do Paraguai estavam sob a égide da

legislação espanhola, expressa nas leis das Índias e nas Ordenanças de Alfaro.

Paradoxalmente estas leis não eram cumpridas, como descreve Gadelha (1980,

p.201):

Ao contrário do que ocorreu nas cidades espanholas do Rio da Prata e Tucuman, onde o braço índio pode ser substituído de forma relativamente rápida pelo negro africano, as encomendas, obrigando a prestação do serviço pessoal por parte do índio guarani, se prolongariam até o fim do regime colonial.

Neste período histórico a produção econômica das reduções jesuíticas

expressou a posição ocupada pelo Paraguai no mercado mundial. Consistindo-

se em um empreendimento que explora a terra, com proprietários de estâncias

que criavam gado bovino, ovinos, cavalos e outras espécies. Possuíam também,

engenhos de açúcar, curtumes, marcenarias, atuavam no ramo da construção

civil e possuíam estaleiros, além de outros estabelecimentos. Eram exportadores

de mercadorias com pouco valor agregado. E toda esta incipiente produção era

sustentada pela força de trabalho indígena sob a tutela dos jesuítas.

O modelo adotado para a exploração da força de trabalho foi a do

“índio reduzido”. A partir dessas relações de produção se instituiu na

espacialidade da reducão uma nova sociedade guarani-missioneira, que se

desenvolveu com um caráter particular, inserida neste contexto globalizante.

Outra contribuição significativa neste trabalho foi inserir as bandeiras paulistas

na lógica da acumulação primitiva, não se esquecendo do papel das “malocas”

(versão espanhola das bandeiras paulistas) desempenhado neste mesmo

processo. No cone-sul da América Latina a acumulação originária ganhou esta

configuração particular. Transformando o cone-sul americano em um campo de

caça aos índios, que eram vendidos como escravos, para se estourarem de

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trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar. Posteriormente o açúcar era vendido

como produto excedente na Europa, quando ocorria de fato a acumulação. Isto

ocorreu porque o dono do capital conseguiu vender as mercadorias produzidas,

fossem elas, açúcar, erva-mate, gado, couro, produtos agrícolas e converter o

dinheiro recebido em capital, como foi comprovado nas reduções jesuíticas.

Além disso, o fracionamento do mais valor em diversas partes em nada muda a

natureza nem as condições necessárias em que ela se torna fator de acumulação.

Qualquer que seja a proporção do mais valor que o produtor dono do

capital conserve para si mesmo ou ceda a outro é sempre ele quem se apropria

desse mesmo mais valor, tal como revelamos nas atividades econômicas das

reduções jesuíticas do Paraguai. A partir do domínio da base material, a

Companhia de Jesus erigiu com o apoio do Estado Espanhol toda uma

superestrutura religiosa, política e educacional. Marx (Apud Alves, 2001, p.16-

17) ilustra com êxito a essência da produção social:

O criminoso não produz apenas crimes, mas também o direito criminal e, com este, o professor que produz relações de direito criminal e, além disso, o indefectível compêndio em que lança no mercado geral ‘mercadorias’, as suas conferências. Com isso aumenta a riqueza nacional, para não falarmos do gozo pessoal que, segundo uma testemunha idônea, o professor Roscher, os originais do compêndio proporcionaram ao próprio autor. O criminoso produz ainda toda polícia e justiça criminal, beleguins, juizes e carrascos, etc.; e todos aqueles diferentes ramos que constituem tantas categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem capacidades diversas do espírito humano, criam novas necessidades e novos modos de satisfazê-lo. Só a tortura suscitou as mais engenhosas invenções mecânicas e ocupou na produção de seus instrumentos muitos honrados artífices.

Logo, as reduções jesuíticas do Paraguai não produziram somente

“índios reduzidos”. Produziam também a espacialidade social da redução e com

isso criou-se todo um sistema social, gerando novas necessidades. Objetivando

cristianizar a qualquer preço o “índio reduzido”, os jesuítas buscaram substituir

as crenças ancestrais do guarani.

Nos primeiros anos, os sermões e os ensinamentos eram feitos com o

auxilio de intérpretes, acrescidos do imperativo de dominar os códigos

lingüísticos dos índios para tornar a catequese mais eficiente. Esta nova

necessidade provocou a produção de gramáticas na língua guarani. Ao produzir

a gramática surge a necessidade de ensinar os indígenas a ler esta gramática.

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Nesta acepção criou-se no espaço social da redução a emergência de publicar e

imprimir esta gramática. Consequentemente, ao dominar a língua nativa, os

padres chegaram até às crianças, fazendo com que elas levassem para as

famílias as novas crenças e as novas condutas.

Este processo foi extremamente dinâmico e contraditório, pois, ao

aprender a língua guarani, o jesuíta europeu desenvolveu a gramática da língua,

e ao impedir o ensinamento da língua espanhola nas escolas das reduções

preservou-se a língua originária. Ao construir templos, possibilitou o

desenvolvimento da arquitetura guarani-missioneira, que contraditoriamente se

contrapôs à simplicidade e a rudeza das habitações guarani. Ao produzir as

belas imagens dos “santos católicos”, estas entravam em contradição com as

imagens de animais nativos da região. Estas imagens de “santos” mesclavam-se

com as imagens “míticas” da cultura original guarani, em um processo

dinâmico de produção de uma nova cultura, sintetizado pelos elementos da

cultura ocidental e guarani. Ao produzir novas necessidades, os jesuítas

precisavam instituir os conceitos abstratos para a compreensão do cristianismo.

Nesta acepção já não bastava a educação assistemática e a catequese,

surge então a necessidade da educação escolar para instituir os códigos sociais

da sociedade dominante.

Ensinar a matemática no sentido de quantificar a produção e identificar

o valor das moedas é um exemplo elucidativo deste processo. As crianças

catequizadas pelos jesuítas, posteriormente iniciados nas primeiras letras, se

transformaram nas novas lideranças indígenas substituindo os antigos lideres

hereditários. As antigas lideranças instituídas pela “hereditariedade cacical” e

“xamânica” fora substituída pelos “caciques cristãos”.

A partir da constituição de novos líderes nos filhos destes,

conjuntamente com os filhos de uma casta de administradores das reduções

(cabildos e administradores) tiveram acesso à educação escolar ministrada pelos

jesuítas.

Neste processo os jesuítas constituíram uma nova “elite” cacical não

mais ligada à cultura original (desestruturando antigas instituições guaranis),

mas pela capacidade que esses “novos líderes” tiveram de se incorporar aos

novos códigos sociais que estavam se instituindo. Outro aspecto importante que

este trabalho suscitou foi o entendimento da ação inaciana. Muitos autores

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afirmam que as ações dos jesuítas estavam estreitamente relacionadas com a

Contra Reforma, e por esta razão a sua ação catequética e educativa era

reacionária em relação às grandes transformações sociais e econômicas que

estavam acontecendo naquele período histórico. Em nossas análises

desenvolvidas nas reduções jesuíticas do Paraguai detectamos que em muitos

aspectos no campo das idéias e na práxis cotidiana os jesuítas tiveram uma

atuação progressista em relação às idéias dominantes do feudalismo.

No campo das idéias, apesar do domínio da escolástica, a ação

catequética e educativa, assim como a própria prática econômica, entrou em

contradição com as antigas instituições. Criando, assim, uma pálida síntese

entre o catolicismo romano (conservador) e o humanismo (revolucionário),

ambos inseridos na gênese da Renascença, abrindo as veredas para o

Iluminismo do século XVIII. Os jesuítas foram a expressão prática dessa

contradição.

O catolicismo até então preso á visão escolástica, ao se deparar com

todas as contradições inerentes à conquista do “novo mundo” em um

determinado momento histórico se colocou – ainda que timidamente -, contra o

extermínio dos povos indígenas. Este ato de defesa dos indígenas foi unificado

na Província do Paraguai, como afirma Gadelha (1980, p.216):

Revela-se, portanto, difícil servir simultaneamente a Deus, ao rei e aos colonos. Insurgindo-se contra a prática do serviço pessoal, levantaram-se os jesuítas contra toda a estrutura, social e econômica, sobre a qual repousava a sociedade Paraguai. Se a encomenda era um mal, criticada por todos, no Paraguai, em especial, era um mal necessário. Os franciscanos, que também criticavam a encomenda, mantinham-se numa posição mais discreta que a dos padres da Companhia.

O princípio da contradição estava alojado no seio das instituições, pois

ao mesmo tempo em que os jesuítas eram perseguidos no Paraguai por

defenderem a “liberdade” dos índios, paradoxalmente, de acordo com Alden

(1970), os jesuítas eram os maiores proprietários de escravos negros de toda a

América Colonial. Este período de transição da sociedade feudal para o

capitalismo traz em seu âmago o princípio da contradição. As lutas entre as

diversas frações desta sociedade se dão em todas as dimensões da vida social.

No interior das instituições religiosas existia também esta luta, que traz em seu

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bojo os antagonismos das diversas frações da sociedade feudal em decadência e

as frações da burguesia em ascensão. Nas reduções jesuíticas nós consideramos

como progressistas o processo de aculturação que diz respeito à assimilação e à

síntese de aspectos culturais do “outro”, porém não de forma reflexa, de

conhecer para dominar, mas sim a síntese por incorporação.

O exemplo elucidativo deste processo foi a organização dos vocábulos

e da gramática da língua guarani. Aquilo que a principio deveria ser uma

simples lista de nomes, lista esta que iam passando de um padre para outro, com

o passar do tempo foi se ampliando ou aperfeiçoando sucessivamente.

Evidencia-se, dessa forma, a síntese dialética por incorporação, pois neste

processo ocorreu a dupla aculturação. Ocorre a utilização da linguagem falada

indígena (guarani) em síntese com a linguagem escrita (que era desconhecido

para o guarani).

Nesta dupla aculturação o guarani incorporou a linguagem escrita e o

jesuíta a língua guarani. Este fato apresenta uma característica progressista em

relação ao antigo modo de produção feudal, pelo simples fato da inteiração

entre europeus e ameríndios representa uma identificação entre integrantes da

espécie humana. A visão dominante na sociedade européia, neste período

histórico, afirma que estas etnias não eram seres humanos.

Consequentemente, elas eram rotuladas de “primitivas”, “bárbaras”,

“selvagens”, e outras denominações pejorativas. Foi necessária uma bula Papal,

em 1537, que declarou os ameríndios como “homens verdadeiros”. Entretanto,

isto não impediu que os europeus os submetessem a todo o tipo de exploração.

A visão etnocêntrica não era uma exclusividade da Companhia de Jesus. A

compreensão que o etnocentrismo é uma característica de todas as sociedades,

pois simbolicamente esta é uma maneira de cada sociedade afirmar para si

própria a sua identidade. O que podemos destacar nesse trabalho é que a práxis

jesuítica não era um todo homogêneo.

Houve neste processo, por parte de um grupo de jesuítas certa

relativização cultural, no sentido conceitual explicitado por Rodrigues (1989),

que designa uma atitude conceitual diferente do etnocentrismo. Paradoxalmente

no que tange à antropofagia os jesuítas não relativizaram e combateram

arduamente.

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Estes dois exemplos expressam a contradição deste contexto social

histórico em que o próprio pensamento europeu passava por profundas

transformações. Porém as idéias progressistas não eram hegemônicas, nem se

deram de forma linear, em fases de desenvolvimento, mas, em ciclos com

avanços e recuos. Esta contradição é a expressão da luta de classes no seio desta

sociedade que estava se instituindo.

Finalmente, merece ser destacada a inter-relação religião/educação que

se desenvolveu na espacialidade da redução. No espaço social da “redução” a

cultura guarani foi “reduzida” de muitos modos, em especial pela tentativa de

substituição pela arte ocidentalizada do canto gregoriano, ou pela introdução de

instrumentos musicais, como o violão, violino, clarinete e órgão. Porém este

processo se instituiu de forma contraditória, pois os indígenas resistiram no

sentido de perpetuar os traços genuínos de sua cultura. A palavra guarani nunca

foi silenciada e foi um mecanismo de resistência contra o invasor. A partir da

síntese da cultura européia, fundamentada no desenvolvimento tecnológico e no

cristianismo, com a cultura guarani, essencialmente baseada na reciprocidade se

desenvolveu na espacialidade da redução uma sociedade única denominada

guarani-missioneira. Neste contexto histórico os trinta povos missioneiros

desenvolveram uma sociedade com configuração própria, alcançando grande

desenvolvimento econômico e social. Paradoxalmente, produziram os

antagonismos que provocou a sua própria destruição.

Ao finalizar, se faz necessário deixar claro que as conclusões expostas

neste trabalho apresentam graus distintos de refinamentos. Isto é, não se trata de

algo acabado, pois a ciência é o devir da ciência. As balizas teóricas e

documentais da investigação nem sempre possibilitam dar-lhes um acabamento

definitivo. As análises apresentadas neste trabalho são, portanto, a expressão da

sistematização possível de ser alcançada em face dos condicionamentos

apontados. Outras investigações poderão trabalhar as questões não respondidas.

Merece uma investigação mais aprofundada o volume, o escopo e a extensão da

produção econômica das reduções jesuíticas.

O acesso e o levantamento exaustivo de fontes documentais e

historiográficas, acerca desse tema, poderiam clarear melhor a posição ocupada

pelo Paraguai Colonial em sua inter-relação com o mercado mundial. Poderia

revelar, também, a existência do trabalho assalariado no espaço reducional,

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assim como a produção manufaturada nas reduções jesuíticas. Poderia

finalmente esclarecer quais foram verdadeiramente as causas que provocaram a

expulsão dos jesuítas das possessões espanholas. Ao descortinar todo esse

processo poderíamos conhecer melhor a práxis dos “homens de negro”, que

viveram na indivisível fronteira dos exercícios espirituais e da administração

dos empreendimentos jesuíticos, na tênue separação entre Deus e o lucro.

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