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AS RELAÇÕES DE PODER NA (RE)CONSTRUÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) DE PROFESSORES(AS) Débora Sousa MARTINS 1 Maria de Lourdes Faria dos Santos PANIAGO 2 RESUMO: Ancorada nos estudos de Hall (2003a, 2001, 2003b, 2003c) e Bauman (1998, 2005), parto do pressuposto de que a (re)construção da(s) identidade(s) de professores(as) é um processo contínuo de redefinir-se, inventar e reinventar-se. Como objeto de estudo, investigamos por meio dos discursos como os(as) professores(as) (re)constroem sua(s) identidade(s) no contexto das transformações sociais, econômicas e culturais, considerando o momento político, histórico e cultural. Para isso, utilizamos enquanto abordagem teórico-metodológica os estudos desenvolvidos por Michel Foucault (1979, 2002, 2005) visto que, faz-se importante analisar as relações de poder-saber, as quais são produtoras de verdades, verdades estas que constroem, transformam, revogam e negociam a(s) identidade(s) dos(as) professores(as) intra e extramuros da escola. O corpus é composto por depoimentos de três professores(as) de Português do Ensino Médio da rede pública de Jataí-Go, os quais foram obtidos por meio de questionários respondidos e entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio. O objetivo geral é conhecer como a(s) identidade(s) dos(as) professores(as) são (re)construídas, analisando os diferentes efeitos de sentido constituídos e influenciados pelas práticas sócias, na perspectiva do poder-saber. Levanto a hipótese de que a (re)construção de identidade(s), não importa apenas os fatos em si, mas se dá nas relações de poder e resistência entre o “eu” e o “outro” influenciadas pelas transformações sócio históricas e culturais por meio dos sentidos produzidos destes para o sujeito exercendo grande impacto na educação, mais especificamente, no processo de ensino-aprendizagem e na produção de uma cultura de desvalorização profissional e de incompletude dos sujeitos envolvidos. PALAVRAS-CHAVE: Identidades. Professores. Discurso. Relações de poder-saber. INTRODUÇÃO Esse artigo parte do pressuposto de que a identidade de professor(a) está em constante constituição, ou seja, não está pronta e acabada. Mas, se constrói historicamente, e que este ocupa as posições sujeito que as práticas discursivas constroem para ele. Assim a pesquisa se justifica pela necessidade, mais ampla, de se entender, enquanto processo contínuo a formação do professor e com isso a sua identidade como sujeito/professor está em constante mudança, e é influenciado por todas essas maneiras de ver o mundo que o perpassam. 1 Mestranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Contato: [email protected] 2 Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás- Campus - Jataí. Contato: [email protected]

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AS RELAÇÕES DE PODER NA (RE)CONSTRUÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) DE

PROFESSORES(AS)

Débora Sousa MARTINS1

Maria de Lourdes Faria dos Santos PANIAGO2

RESUMO:

Ancorada nos estudos de Hall (2003a, 2001, 2003b, 2003c) e Bauman (1998, 2005), parto do

pressuposto de que a (re)construção da(s) identidade(s) de professores(as) é um processo

contínuo de redefinir-se, inventar e reinventar-se. Como objeto de estudo, investigamos por

meio dos discursos como os(as) professores(as) (re)constroem sua(s) identidade(s) no

contexto das transformações sociais, econômicas e culturais, considerando o momento

político, histórico e cultural. Para isso, utilizamos enquanto abordagem teórico-metodológica

os estudos desenvolvidos por Michel Foucault (1979, 2002, 2005) visto que, faz-se

importante analisar as relações de poder-saber, as quais são produtoras de verdades, verdades

estas que constroem, transformam, revogam e negociam a(s) identidade(s) dos(as)

professores(as) intra e extramuros da escola. O corpus é composto por depoimentos de três

professores(as) de Português do Ensino Médio da rede pública de Jataí-Go, os quais foram

obtidos por meio de questionários respondidos e entrevistas semiestruturadas gravadas em

áudio. O objetivo geral é conhecer como a(s) identidade(s) dos(as) professores(as) são

(re)construídas, analisando os diferentes efeitos de sentido constituídos e influenciados pelas

práticas sócias, na perspectiva do poder-saber. Levanto a hipótese de que a (re)construção de

identidade(s), não importa apenas os fatos em si, mas se dá nas relações de poder e resistência

entre o “eu” e o “outro” influenciadas pelas transformações sócio históricas e culturais por

meio dos sentidos produzidos destes para o sujeito exercendo grande impacto na educação,

mais especificamente, no processo de ensino-aprendizagem e na produção de uma cultura de

desvalorização profissional e de incompletude dos sujeitos envolvidos.

PALAVRAS-CHAVE: Identidades. Professores. Discurso. Relações de poder-saber.

INTRODUÇÃO

Esse artigo parte do pressuposto de que a identidade de professor(a) está em constante

constituição, ou seja, não está pronta e acabada. Mas, se constrói historicamente, e que este

ocupa as posições sujeito que as práticas discursivas constroem para ele. Assim a pesquisa se

justifica pela necessidade, mais ampla, de se entender, enquanto processo contínuo a

formação do professor e com isso a sua identidade como sujeito/professor está em constante

mudança, e é influenciado por todas essas maneiras de ver o mundo que o perpassam.

1 Mestranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Contato: [email protected] 2 Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás-

Campus - Jataí. Contato: [email protected]

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O objetivo geral do trabalho é conhecer como a(s) identidade(s) dos(as)

professores(as) de Língua Portuguesa são (re)construídas, analisando os diferentes efeitos de

sentido constituídos e influenciados pelas práticas sociais, na perspectiva do poder-saber. E

como objetivos específicos - descrever uma regularidade do discurso, apreendendo os sentidos

que dali deriva com vistas a compreender a concepção que eles têm de si e de seu trabalho

docente.

Analisamos como corpus o discurso de três professoras de Língua Portuguesa da

educação básica da rede pública de Jataí – GO. Os depoimentos foram coletados no primeiro

semestre de 2012 por meio de entrevistas semiestruturadas e gravadas em áudio e

questionários.

Os propósitos estabelecidos, invariavelmente, levam-nos, a princípio, à elaboração de

questões, a saber: Quais são os dizeres dos(as) professores(as) sobre si e sobre a profissão

docente? Quais são as relações de poder que aparecem no discurso dos(as) professores(as) e

que influenciam a constituição identitária desses sujeitos?

Para atender a essas perguntas, considero importante os estudos de Michael Foucault

(1979, 2002, 2005) ao falar das relações de poder que atuam na constituição dos sujeitos. O

poder não é da ordem do consentimento, mas é um conjunto de ações que age no

comportamento do sujeito, que afeta as práticas sociais, atua sobre o corpo dos indivíduos

direto ou indiretamente. Haja vista que o poder se ramifica em diversas práticas, e pode ser

expresso como um micro-poder, o que gera uma teia de poderes que conduz a sociedade por

meio do saber.

Ao discutir o tema da identidade tenho como principais teóricos Bauman (1998, 2005),

Silva (2003) e principalmente Hall (2003a, 2001, 2003b, 2003c). Para este, a identidade

torna-se uma “celebração móvel”. O conceito de identidade aqui está relacionado à formação

do professor de Português. Nesse caso, as considerações teóricas realizadas estão ancoradas

também nas ideias de Tardif (2002), Nóvoa (1995, 1999), Pimenta (2005).

É interessante marcar que estamos cientes de que a atuação docente não é capaz de

gerar consensos apenas pacíficos, sem conflitos. A proposta é investigar os usos da linguagem

situando-os sócio historicamente, considerando-os como eventos linguísticos produzidos por

um sujeito social e heterogêneo, cuja identidade é construída nas práticas sócio discursivas e

perpassada por valores políticos, ideológicos e éticos que circulam, explicita ou

implicitamente, na sociedade.

Portanto, podemos dizer que há uma preocupação centrada em problematizar e

compreender – não necessariamente solucionar questões relacionadas aos usos da linguagem,

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nem tão pouco à construção de verdades, até porque as compreendo como transitórias.

Abordaremos a seguir o conceito de identidade.

IDENTIDADE(S)

Abordar a temática da identidade não é tarefa fácil, visto que é um termo um tanto

complexo. De acordo com Hall (2003a), o período histórico pós-moderno que diz respeito ao

tempo atual, a contemporaneidade, que data de meados do século XX aos primeiros anos do

século XXI, é marcado por velozes e profundas transformações nas estruturas centrais da

sociedade. Para ele, hoje em dia este conceito está se efetivando em uma variedade de áreas

disciplinares, que “criticam a ideia de identidade como integral, originária e unificada” Hall

(2003b, p. 103).

Bauman (1998), afirma que os cargos, as posições ou carreiras já não se mostram mais

inteiramente seguras na atualidade. O planejamento de um futuro profissional torna-se cada

vez mais ameaçado pela meta do progresso tecnológico, alcançado no presente por meio do

“emagrecimento” da força de trabalho, isto é, com base no fechamento de divisões de trabalho

e reduções de funcionários, ainda mais quando aparece uma mão de obra submissa e menos

dispendiosa.

É preciso entender ainda de acordo com o autor, que a identidade é uma construção de

relações, espaço, tempo e contexto. Ela se faz, desfaz e se refaz a partir de negociações

necessárias nas relações de poder presentes na convivência. A identidade, de acordo com

Bauman (2005, p. 13), é uma construção líquida, fluida, porosa, que deveria ser considerada

um processo contínuo de redefinir-se, inventar e reinventar-se. Assim, são tão instáveis

quanto todas as coisas do mundo, exigindo que os sujeitos mantenham a flexibilidade e a

velocidade para se adaptarem às mudanças constantes.

Hall (2003a) explica ainda que as identidades passam por um grande colapso, devido

as modificações sociais que veem ocorrendo desde o século XX. Para ele, o sujeito sofreu um

deslocamento no que diz respeito a si mesmo e também ao seu lugar social-cultural. Processo

esse conhecido como “crise de identidade”. Segundo o autor o sujeito se sente abalado quanto

à ideia que tem de si próprio como um ser integrado, completo de identidade fixa.

Esse desconforto afeta principalmente o campo educacional, uma vez que o perfil

identitário desses profissionais atravessa constantes desafios que na maioria das vezes os

desestabilizam não só na prática em sala de aula, mas também na vida particular. A identidade

assim é construída em um movimento da história, que está em constante transformação.

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Constitui-se ainda através dos discursos, das práticas sociais, das posições as quais o sujeito

representa. O sujeito não tem uma só identidade, mas diversas posições-sujeito, ou seja,

diferentes movimentos, ou posições de identificação Hall (2003a).

Percebemos atualmente um discurso que tende a proliferar na denúncia de novos

entraves na educação, em função das alterações extremas que o lugar do ensino ocupa hoje na

vida das pessoas. Possivelmente referidas ao declínio do domínio simbólico do professor ante

a sala de aula, que não pode mais se posicionar como represente do saber, com seu devido

valor de qualificação, ou então, devido a uma redefinição de lugares sociais do professor e do

aluno. Isso porque há outras instâncias responsáveis pela transmissão da cultura e do

conhecimento que não mais apenas a escola.

Todos esses desafios colocam a competência profissional do professor em uma

situação de instabilidade e desconforto, isto é, em dúvida, o que afeta diretamente a

autoimagem, a autoestima, e, por conseguinte reflete nas relações interpessoais e deixa esse

sujeito cada vez menos confiante na sua posição de professor, dificultando assim a construção

de um perfil mais favorável ao exercício de uma prática educativa mais autônoma.

E segundo Moita Lopes (2002) a construção de identidade social está intimamente

relacionada à maneira como os indivíduos “se comportam discursivamente” em contextos

sociais diversos. Nessa perspectiva, o discurso e a identidade são construídos e reconstruídos

socialmente e têm um caráter dialógico. Ele explica que “é a presença do outro com o qual

estamos engajados no discurso que, em última análise, molda o que dizemos e, portanto,

como nos percebemos a luz do que o outro significa para nós”. Moita Lopes (2002, p. 32)

Para Coracini (2003, p. 143) diz que as múltiplas vozes que são caracterizadas “pela

dispersão, pela heterogeneidade, inteiramente vinculada ao momento histórico-social e

ideológico, atravessam, de forma conflituosa e dissonante, a constituição identitária” do

sujeito. E compreendo como a autora citada anteriormente que “a identidade é ilusória e só

existe como construção imaginária”.

Assim sendo, a identidade não é uma espécie de cobertura, algo que se possa ver a

olho nu, mas é uma construção do sujeito por meio da convivência com outros sujeitos em

lugares diferentes com realidades e experiências distintas. Portanto, acreditamos ser de suma

importância pesquisar o processo de formação identitária dos professores, visto que a

realidade da educação na contemporaneidade requer uma ação diferente em relação há outros

tempos, pois o docente tem que lidar com novas expectativas em relação ao ensino que

diferem daquelas de quando muitos deles começaram a exercer a profissão.

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A RELAÇÃO PODER-SABER NA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA

Recorremos aos estudos de Michel Foucault (1979, 2002, 2005), para falarmos dessa

relação de poder - saber que interferi na historicidade do sujeito. O poder que não é da ordem

do consentimento, mas é um conjunto de ações que age no comportamento do sujeito, que

afeta as práticas sociais, atua sobre o corpo direto ou indiretamente dos indivíduos. Haja vista

que “o Poder” não existe. Existe, sim, práticas ou relações de poder que se ramificam em

diversas práticas, o que pode ser expresso como um micro-poder, o que gera uma teia de

poderes que conduz a sociedade por meio do saber.

A tese de Foucault (1979) sobre o funcionamento de micro-poderes na sociedade

mostra que o poder se traduz como formas de relação: enraíza-se no tecido social, age sobre o

cotidiano dos homens, classifica-os em categorias, ligando-os a uma identidade, ao lhe impor

uma lei de verdade que é necessário reconhecer. E isso, em termos de linguagem, tem uma

incidência direta sobre a produção discursiva de imagens de identidade na sociedade. Trata-se

do exercício de uma relação saber/poder que diz qual a identidade o sujeito deve assumir para

ser reconhecido pelo grupo social que lhe serve de referência.

E é através da produção da verdade sobre o sujeito é que podemos exercer o poder,

institucionalizando assim a busca pela verdade, primeiramente pelo poder da soberania,

depois pelo poder disciplinar nas sociedades modernas, mas sem perder a ideia de

panoptismo3. Desse modo, o poder é produtivo, transformador e disciplinador; produz algo no

corpo humano, produz saber e este alimenta o poder, em uma relação que acontece de maneira

cíclica, ambos se afetam de forma conjugada, retroalimentando-se. Nas palavras do autor:

Temos antes de admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-

o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente

implicados, que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de

saber, nem saber que não suponha e não constitua, ao mesmo tempo, relações de

poder. Foucault (2005, p. 29-30).

Como vimos, o saber tem sua origem no poder, constitui novas relações de poder e é

dotado de poder. Assim, funciona como uma rede de dispositivos ou mecanismos que

atravessam toda a sociedade visível e invisível ao mesmo tempo, presente em todas as

3 O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação,

ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se

implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies

onde este se exerça. [...] O panoptismo tem uma tríplice função: a vigilância, o controle e a correção. Foucault

(2005, p.169)

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situações e lugares e do qual nada nem ninguém consegui fugir. Logo, são mecanismos gerais

de dominação, de controle, de submissão, de normalização de condutas. Todos eles dispersos

anonimamente nas práticas cotidianas que ocorrem em vários momentos e níveis

Foucault (2005) denominou mecanismo de poder disciplinar o qual se faz presente

também nas instituições escolares interferindo na individualidade de todos os sujeitos que li

convivem, desde o zelador até o diretor. Para o autor, a individualidade é controlada pelo

poder, sendo a individualidade instrumento e efeito de poder. A escola de acordo com o

Foucault se utiliza da disciplina para tornar os sujeitos em corpos dóceis, úteis e mais

produtivos economicamente.

Como se pode perceber, a disciplina trabalha diretamente o corpo dos indivíduos,

manipulam seus gestos e comportamentos, formam-no, adestram-no. Poder invisível que

permite ver tudo permanentemente sem ser visto, como forma de organização do espaço,

divisão e controle do tempo, visando a produção de um corpo social. Todavia, a

transformação do sujeito em corpo dócil não ocorre de forma violenta, mas pelo contrário, de

modo discreto e sútil.

No entanto, vale lembrar que o poder está em todo lugar e se manifesta em uma

multiplicidade de relações de forças, nas quais também há a resistência. Alguns discursos

produzidos na escola causam efeitos de verdade que podem ser tanto instrumento e efeito de

poder, quanto um obstáculo na tentativa de barrar a resistência, ou tentativas de driblar os

efeitos do poder disciplinar.

Igualmente, o processo de construção identitária não se dá apenas de forma tranquila e

isolada, mas nas relações estabelecidas socialmente, é uma identidade que nasce e se

transforma constantemente até mesmo com as relações de resistência, pois é o resultado das

suas interações cotidianas que determinam o modo de ver o mundo, de senti-lo em um dado

momento histórico. Assim, a formação pessoal e profissional, as experiências afetivas e

culturais que permeiam o contexto de vida do professor são fatores que relacionam entre si e

afetam diretamente no modo de ser desse sujeito e com certeza no processo constitutivo de

identidade.

Ou seja, o discurso que representa o professor vem do social e chega à escola sob a

forma de controle regulamentar, ao qual o sujeito também intui como a sociedade o vê e

principalmente como a sociedade julga que o professor deve ou não, ser. Pode-se considerar

que esses modelos de conduta expressos socialmente determinam de certa maneira a vida dos

professores de tal forma que eles passam a ser disciplinados também em outras esferas da

sociedade e mantenham comportamentos semelhantes na escola e em outros ambientes.

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Nessa perspectiva, são mecanismos próprios de identificação e de construção

subjetiva. Ou seja, a adequação do sujeito a certas práticas discursivas. Foucault (2002, p.

238) as divide em práticas discursivas e não discursivas. Prática discursiva refere-se a todo

um conjunto de enunciados que moldam nossa maneira de compreender o mundo e falar sobre

ele. Por sua vez, as práticas não discursivas dizem respeito a condições sociais, econômicas,

históricas e políticas, dentre outras. Para ele, “são ‘as práticas’ concebidas ao mesmo tempo

como modo de agir e de pensar que dão a chave de inteligibilidade para a constituição

correlativa do sujeito e do objeto”.

Portanto, os discursos são resultados de práticas que veiculam poder e promovem

resistências. Nessa perspectiva, as identidades dos(as) professores(as) são construídas,

negociadas e reconstruídas, a partir de interpretações e novas significações que fazemos

acerca da instituição escolar, do fazer pedagógico e porque não dizer do sujeito professor,

bem como, o modo como “eu” entende tudo isso a partir do “outro”.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Falar sobre formação de professores no mundo contemporâneo traz muitas

inquietações, pois, o contexto escolar apresenta um turbilhão de alterações, visto que as

variações no mundo do trabalho, o avanço da ciência e da tecnologia, a ampliação das

informações, a valorização da economia e as constantes alterações nas políticas sociais trazem

consequências às relações humanas modificando a maneira de compreender o mundo e nele se

interagir.

Assim, a educação, desde o básico até o ensino superior tem sido objeto de análise nas

últimas décadas por diferentes teóricos, como por exemplo, Nóvoa (1995, 1999), Tardif

(2002), Pimenta (2002). Essas investigações quase sempre revelam a necessidade de capacitar

e proporcionar subsídios adequados ao professor para o exercício de educar. Apesar de tantos

estudos pouco tem sido feito por parte das autoridades competentes em relação à formação

humana desse profissional, a maior preocupação está em apresentar resultados satisfatórios e

numéricos ao nível de educação do país.

Observa-se, hoje, grande pressão para que os professores apresentem melhor

desempenho, principalmente no sentido de os estudantes obterem melhores resultados nos

exames nacionais e internacionais. As críticas ressaltam, sobretudo, os professores como mal

formados e pouco imbuídos de sua responsabilidade pelo desempenho dos estudantes. É como

se o professor fosse o único responsável para que as metas educacionais dos governantes

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sejam alcançadas. Os professores gradativamente vão assumindo a responsabilidade por todos

os déficits ligados ao seu trabalho, apresentando cada vez mais problemas de saúde e estresse

por se sentirem, sobretudo, culpados, pelas falhas.

A formação gira muitas vezes em preparar professores ideais, com o mínimo de falhas

possíveis, e sempre dar conta de ministrar o conhecimento de forma autêntica e inovadora, ou

seja, promover um ambiente atrativo e motivador. Porém, nem sempre são colocados em

xeque os problemas que podem ser encontrados na escola que causam a desestabilidade dos

conhecimentos deste professor, e mais, diminuem em grau significativo os sonhos e as ilusões

desse profissional que ao chegar à escola se depara com uma realidade a qual ele não foi

preparado para enfrentar, porque sua formação foi para ser ideal e não real.

Dessa maneira, a relação dos professores com o saber não deve si referir à mera

transmissão do conhecimento já internalizado por eles, mas uma prática que vai bem além

desse pensamento, visto que o professor forma cidadão para a vida em sociedade, e também

educa com princípios humanos, morais e étnicos trazidos por ele, “a forma como o professor

ensina está diretamente ligada à imagem que ele faz da profissão” Nóvoa (1999, p. 30).

Para Tardif (2002, p. 11) os saberes devem expressar o estilo/identidade do professor,

construído “[...] com a sua experiência de vida e a sua história profissional e com as suas

relações com os alunos e outros agentes da escola”. Já não mais interessa apenas o saber

teórico ou somente o prático, mas a união desses às experiências diárias com os outros

integrantes da escola. O resultado dessa aglutinação é a construção da identidade, sendo, o

modo de ser de cada professor aliado à influência do outro.

De acordo com Pimenta (2002) a identidade do professor se constrói a partir do

significado social da profissão, bem como da revisão constante dos significados sociais

atribuídos tradicionalmente à profissão. Além disso, constrói-se pela reafirmação de práticas

consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Nas palavras da autora, “confere

à atividade docente no seu cotidiano, a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no

mundo, de sua história de vida, de suas representações, [...] em sua vida o ser professor.”

Pimenta (2002, p. 19).

Portanto, a identidade do professor comporta os aspectos epistemológicos dos saberes

científico e o de ensinar, mas também compreendendo a docência como um meio de

intervenção profissional na prática social. Tardif (2002, p. 11) pressupõe que os saberes dos

professores partem de “um saber plural, formado pela amálgama, mais ou menos coerente, de

saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e

experienciais”. Logo, no processo de formação, o professor vai se profissionalizando e, ao

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mesmo tempo, construindo sua identidade como profissional no embricamento com outros

sujeitos e por meio dos lugares sociais nos quais esse sujeito se inscreve para discursar, bem

como ao articular a teoria e a prática.

OS SUJEITOS E ANÁLISE DO CORPUS: UMA LEITURA POSSÍVEL

Os sujeitos pesquisados são três professoras licenciadas em Letras/Português e atuam

na educação básica, na rede pública de Jataí/GO. Sendo, Maria Clotilde, 35 anos de idade,

casada e trabalha na educação há 13 anos. Cléo4 e Flor, 41 anos, solteira e docente há 12 anos.

Vale ressaltar que os nomes são fictícios e escolhidos pelas professoras pesquisadas.

Analisamos como corpus, um recorte dos depoimentos desses sujeitos, que foram

obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio e de questionários

aplicados. Os temas versavam, basicamente, sobre: a) os motivos que levaram a escolher esse

curso; b) qual avaliação ele faz de seu trabalho docente; c) qual avaliação ele faz da profissão

– professor; além de outros que foram surgindo durante a entrevista e que foram relevantes

para a pesquisa.

Na tentativa de alcançar o objetivo geral do trabalho que é conhecer como a(s)

identidade(s) das professoras de Língua Portuguesa são (re)construídas, analisando os

diferentes efeitos de sentido constituídos e influenciados pelas práticas sociais, na perspectiva

do poder-saber, buscamos respostas para as perguntas do trabalho.

QUAIS SÃO OS DIZERES DOS(AS) PROFESSORES(AS) SOBRE SI E SOBRE A

PROFISSÃO DOCENTE?

No processo de construção de identidade, principalmente em relação a identidade do

professor de Língua Portuguesa é interessante conhecer o significado social que os

professores atribuem a si mesmos e visão desses profissionais acerca da profissão. Em geral,

os professores afirmam suas qualidades profissionais, garantem seu esforço em desempenhar

a função, mas há algo que os deixam apreensivos e com sensação de impotência, como fica

expresso nos depoimentos das entrevistadas ao responderem o questionário sobre avaliação

sobre si e sobre a sua profissão. A partir das práticas discursivas e não discursivas percebemos

a construção identitária desse sujeito nos depoimentos a seguir:

4 Cléo não entregou o questionário, por isso, não há como precisar todas as informações, mas os dados da

entrevista dela estão completos, por isso, o trabalho apresenta análises acerca dos dizeres da colaboradora.

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“Razoável. Sou exigente em sala de aula, consigo, geralmente, a atenção dos alunos. Mas, sei

que poderia fazer melhor, especialmente com relação à reescrita de textos, escolha de

conteúdos e outros”. (Questionário, Maria Clotilde).

“Procuro dar o melhor de mim para os alunos no que se refere a minha função, mas não

recebo muito de volta e isso é ruim”. (Questionário, Flor).

O discurso das participantes nos remete a ideia de que não somos o que somos apenas

por nós mesmos, mas, nos constituímos com e a partir do outro. Com efeito, o sujeito

professor encontra-se marcado por diferentes discursos que provêm das mais variadas

concepções teóricas e práticas as quais teve contato ao logo da vida. Esse sujeito tece os seus

dizeres a partir das experiências pessoais e profissionais, bem como, das exigências sociais

impostas construindo assim, identificações relativas a ser professor e à docência.

Na materialidade discursiva percebemos que elas têm uma percepção de si, o quem

sou eu, e querem incutir no interlocutor essa imagem ao dizerem: “sou exigente em sala de

aula”; “procuro dar o melhor de mim”; e é também na negação de uma conduta que marca a

visão de si como é expresso: “não recebo muito de volta”; “sei que poderia fazer melhor”. Os

sujeitos pesquisados se afirmam e/ou se negam na tentativa de estabelecerem um perfil acerca

de si e do seu trabalho docente.

É sob esse olhar que Silva (2003) compreende a identidade como algo que sou e a

diferença como algo que não sou, é constante jogo de afirmação e negação, ou ainda o que

fica dentro e o que fica fora. Nota-se ainda, dizeres permeados de outros lugares sociais, a

individualização do sujeito seria, portanto uma ilusão, pois é a reprodução do discurso de um

grupo, ou ainda de vários grupos. Com isso, a identidade desse sujeito é constituída ao longo

da história de modo geral, tanto pessoal, acadêmica e profissional na presença do outro. Moita

Lopes (2002).

De fato, o sujeito é construído sócio - historicamente, e as práticas não discursivas são

geradoras de efeitos que se refletem entre os indivíduos, afetando-os de vários modos. O

relato a seguir aparece claramente um ser multifacetado, com várias identidades e que todas

elas convivem nele ao mesmo tempo sem que ele possa controlar, como se pode identificar:

“[...] não dá para separar os problemas da escola com a nossa vida pessoal, e isso está

levando as pessoas a ficarem loucas. [...] Eu me vejo e sinto com sem chão, sem saber o que

fazer, sem autonomia, sem identidade como professora [...]” (Entrevista, Cléo, 14/06/2012).

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Pela fala da participante observa-se que ela não sabe como proceder. É uma docente

que senti profundamente os significados atribuídos socialmente a profissão. De acordo com

Novóa (1999) o modo como o professor age é um reflexo de como ele sente a importância da

sua profissão trazendo consequências positivas ou negativas. Para Hall (2003c) a perda de si,

ou o deslocamento pelo qual as pessoas estão sentindo em relação ao meio social, cultural e

até mesmo quanto a si, também é reflexo das mudanças nas estruturas centrais da sociedade

moderna. E todas essas situações afetam diretamente no processo de constituição de

identidade desse sujeito, o que lhe causa uma crise identitária, não sabe como deve agir.

Nesse sentido, até a relação consigo mesmo encontra-se abalada e não compreendida,

alterando até a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados, talvez pelo fato de

não aceitar a inconclusão ou a incompletude, uma vez que o discurso do outro é considerado

importante na construção do “eu”. Assim, as atividades ao longo da vida não existem

isoladamente, são partes de um sistema de relações mais gerais que lhes conferem valor, nas

quais há relações de poder do qual ninguém escapa.

Os depoimentos das participantes vão ao encontro das concepções de Bauman (1998),

afirmar que os cargos, as posições ou carreiras já não se mostram mais inteiramente seguras

na atualidade. Mas, tão instável quanto todo no mundo, exigindo que os sujeitos mantenham a

flexibilidade e a velocidade para se adaptarem às mudanças constantes, o que na maioria das

vezes causa muitos danos.

Podemos inferir que sobre os dizeres acerca da profissão professor a palavra

desvalorização do professor atinge a identidade dos sujeitos pesquisados em bastante acuidade

como podemos ver quando a participante fala de sua profissão: “A minha profissão hoje é

muito desvalorizada e isso afeta a minha identidade por completo. Você hoje tem vergonha

de dizer que é professor [...]”. (Entrevista Flor, 14/06/2012). Por isso, para Bauman (2005, p.

13), a identidade é uma construção líquida, fluida, porosa, um processo contínuo de redefinir-

se, inventar e reinventar-se.

Na fala de outra participante o discurso se repeti “(...) a gente não é mais valorizado, é

simplesmente mais um funcionário que tem que bater o ponto, cumprir aquele papel.

Ninguém mais quer essa profissão, não ganha nada (...)”. (Entrevista 15/06/12, Capitu). De

acordo com Nóvoa (1995), não se deve deixar cair no esquecimento o modo relativamente

desvalorizado que o professor sente a profissão vista aos olhos da sociedade. Os baixos

salários que a categoria recebe em relação a outros profissionais também de nível superior.

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Logo, é incontestável que a fixidez da identidade dos profissionais da educação foi

abalada e marcada por dúvidas e incertezas a respeito do processo de construção, além da

forma como estes lidam com a questão, dentro da subjetividade. Portanto, entendemos a

identidade como um processo ininterrupto, produzido discursivamente e na interação com o

outro por meio de práticas sociais permeados de poder. São construídas em instâncias

dinâmicas e dialógicas corroborando para o desenvolvimento do EU. Com isso, Hall (2003a)

defende que esse sujeito não tem uma identidade única e fixa, mas celebração móvel, se

projetando em múltiplas identidades em diferentes práticas sociais.

QUAIS SÃO AS RELAÇÕES DE PODER QUE APARECEM NO DISCURSO DOS(AS)

PROFESSORES(AS) E QUE INFLUENCIAM A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA

DESSES SUJEITOS?

De acordo com Foucault (2005) o poder não depende de consentimento para se fazer

presente, mas ao contrário está presente em todas os lugares e situações exigindo eficiência

nas atividades, agindo diretamente do corpo dos indivíduos sem que esses possam perceber,

porque age de forma sútil e não de modo violento. Recortamos três depoimentos que tornam

possíveis as relações de poder e saber que agem na (re)construção identitária desses sujeitos, a

saber:

“O professor hoje não tem identidade. Ela está sendo destruída a cada dia, em função do

que? Desses jogos políticos, a gente vira uma marionete nas mãos deles, na mão do governo,

na mão do sistema. Agora com esse bônus então, nem se fala (...)” (Entrevista, Cléo,

15/06/12).

“Eu vejo a pressão dentro da escola pela subsecretaria. É uma cobrança desnecessária que

representa é claro, a mão do governo (...) agora criaram uma nova função. Vem uma pessoa

da subsecretaria para sentar com o coordenador para fiscalizar até os seus planos de aula. É

o que eles chamam de tutora” (Entrevista, Maria Clotilde, 15/06/12).

“[...] Eu me lembro de quando eu estudava aquelas coisas lá na história que fala que o

professor na época da ditadura trabalhava com o policial do governo na porta para ver se o

professor saía da linha. Assim que eu me sinto hoje encurralada, todo tempo você está sendo

vigiada [...]” (Entrevista, Flor, 14/06/2012).

É interessante marcar que nos três casos há algumas expressões fortes que demarcam

relações de poder caracterizado pela subordinação. Os dizeres estão dispersos, porém

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apresentam uma regularidade como no primeiro caso em que Cléo diz “mãos deles”, “nas

mãos do governo”; o segundo destacamos as palavras de Maria Clotilde “pressão”;

“cobrança”, “nova função”, “fiscalizar” e quanto ao terceiro expresso por Flor

“encurralada”, “vigiada”. São palavras que sinalizam e condicionam o cumprimento das

normas dentro do ambiente escolar. Através da vigilância hierárquica (do represente legal,

diretor, coordenador), o poder disciplinar estabelece um controle pelos “olhares que devem

ver sem ser vistos”, Foucault (2005, p. 145).

Nessa perspectiva tem-se uma forma de poder disciplinar que age de forma sútil para

fiscalizar e/ou vigiar na tentativa de disciplinar os corpos. Assim, impor normas e padronizar

é ditar regras e modelos a serem seguido na tentativa de homogeneizar e controlar. Como já

foi mencionado nesse trabalho o poder se ramifica em micro-poderes alcançando todas as

esferas sociais, agindo sobre o cotidiano dos homens, ligando-os a uma identidade, ao lhe

impor uma lei de verdade, assim como, o modo “correto” de fazer os planos de aula sob um

saber que gera poder de “fiscalizar os planos” que é necessário reconhecer essa verdade.

Foucault (2005).

Este conjunto de dizeres expresso pelos participantes nos remete a ideia de

panoptismo, Foucault (2005), visto que é perceptível a tríplice da vigilância, do controle e da

correção, mas tudo de forma bem sútil. Como exemplo disso, podemos citar como vigilância

a representante da subsecretaria, a coordenadora e porque não os próprios colegas de trabalho,

bem como o próprio professor que passa a se ver com os olhos do observador, isto é a se

subjetivar. Quanto ao controle, as ações de fiscalizar e vigiar para que a norma seja cumprida

e tudo ocorra na perfeita ordem. Isso pode ser comprovado ao dizer, “nas mãos o governo”.

Por fim, a correção pode se dá na perda do direito ao bônus do governo no final do ano letivo

caso o professor não cumpra com as exigências propostas para receber esse benefício.

Dessa maneira, podemos inferir que a (re)construção da identidade dos sujeitos

pesquisados sofre sim os efeitos do poder, uma vez que ele não é da ordem da anuência, da

manifestação de um consenso, mas o modo de ação de uns sobre os outros. Como exemplo,

no terceiro relato, Flor menciona que “um policial do governo ficava à porta” independente

da permissão ou não do professor. Na sociedade atual com os novos mecanismos de poder

disciplinar, trocou-se o policial militar pela tutora da subsecretaria. Agora não mais à porta da

sala, mas senta-se com a coordenadora.

Portanto, o poder se exerce de forma sútil na tentativa de adestrar ou normatizar os

sujeitos em corpos dóceis e úteis. De acordo com a participante Maria Clotilde a tutora tem a

função de fiscalizar os planos de aula. Assim, há um saber que gera poder, visto que vende a

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ideia de que os professores não sabem como fazer os planos de aula e é necessário um saber

exterior, uma norma para ajudá-los, ou seja, padronizá-los. Para tanto, a dominação pelo

poder passa pelo corpo, age na alma e se efetiva pelo consentimento do indivíduo. É racional,

duradoura e produtiva. Ao agir pela sutileza, pelo convencimento, uma relação de dominação

eficiente suspende a vontade de resistência dos indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho que ora se encerra permitiu-nos conhecer como a(s) identidade(s) dos(as)

professores(as) são (re)construídas, analisando os diferentes efeitos de sentido constituídos e

influenciados pelas práticas sócias, na perspectiva do poder-saber. No entanto, sem ter a

pretensão de esvaziar o horizonte de olhares que recaem sobre o tema, mas sim, observar por

meio de uma das possibilidades como é realizado esse processo.

Desse modo, a partir da análise percebemos que os dizeres dos professores sobre si e

sobre a profissão docente são construídos socialmente na relação de influência entre sujeito,

língua e história. Eles assim afirmam: “sou exigente em sala de aula”. Porém, deixa ver a

lacuna existente entre o que é enunciado e o concreto ao dizer, “mas sei que poderia fazer

mais”. Assim, vê-se que não tem como fugir a exterioridade, a interpelação do outro, por isso,

os professores situam seus discursos num lugar de entremeio, ao passo que mudam as

concepções de si mudam também seu modo de entender a profissão e essas novas maneiras

sem dúvida modificam as suas representações sociais.

Em consonância com Bauman (2005, p. 19) concluímos que a identidade é o resultado

de um processo não só interno do indivíduo, mas também como resultado das interações

vividas e percebidas por este indivíduo ao longo de seu processo de socialização, ou nas

palavras do autor - características da “era líquida-moderna”, cujos efeitos, imprevisíveis e

incontroláveis, trouxeram consigo a quebra da solidez.

Também como afirma Hall (2003c), não tem como o sujeito ter a mesma identidade

por toda uma vida, a nosso ver sempre sustentamos a mesma identidade, se a mantivermos

uma vida toda, é porque foi uma história muito cômoda de nós mesmo. Pelos relatos dos

participantes vimos que não gozam de tanta comodidade na profissão. Logo, os sujeitos

pesquisados aqui possuem inúmeras matrizes identificatórias, e é portador de várias

identificações que se completam e se contradizem mutuamente.

Da mesma forma, acrescentamos que é perceptível as relações de poder que aparecem

no discurso dos sujeitos de pesquisa e que influenciam a constituição identitária deles, uma

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vez que se posiciona num lugar de profissional excluído e “sem valor”, que “não sabe mais

como agir”. E, se vê “nas mãos do governo”. É importante ressaltar que esse sujeito percebe

as modificações sociais e as movências nos significados sociais de ser professor, bem como,

as alterações ocorridas nas políticas públicas e principalmente em relação às exigências

expressas pelo governo através da secretaria de educação.

Nesse cenário nos reportamos a Foucault (2005) para afirmar que a vigilância sobre os

indivíduos permite a articulação das relações de poder e saber, para se organizar em torno da

norma, do que se torna ou não normal, correto ou incorreto, que se permite ou não fazer. O

poder disciplinar incide sobre o corpo, de forma a controlar suas forças, e a extrair desse

corpo um aumento da força produtiva e, por outro lado, uma diminuição da força política.

A esse respeito faz-se necessário ressaltar que o poder disciplinar o qual podemos

perceber nos dizeres de Maria Clotilde, Cléo e Flor agem sobre o sujeito não para supliciá-lo,

mutilá-lo, mas para adestrá-lo - fabricando assim um novo sujeito – homens dóceis, na

tentativa de diminuir a resistência. Soma-se a isso, que o poder age em todas as esferas sociais

e não somente do macro para o micro, mas em níveis variados e em pontos diferentes da rede

social e podem estar ligados ou não ao Estado.

Portanto, comprovamos a hipótese inicial do trabalho, visto que a (re)construção da(s)

identidade(s), não importa apenas os fatos em si, mas se dá nas relações de poder e resistência

entre o “eu” e o “outro” influenciadas pelas transformações sócio históricas e culturais por

meio dos sentidos produzidos destes para o sujeito exercendo grande impacto na educação,

mais especificamente, no processo de ensino-aprendizagem e na produção de uma cultura de

desvalorização profissional e de incompletude dos sujeitos envolvidos.

Diante do que foi exposto, percebe-se que o sujeito tece seu discurso de maneira a

coadunar os dizeres, fazendo com que estes aparentem estar unissonantes, mesmo de modo

inconsciente. Mas como vimos, são construídos por registros de heterogeneidade, bem como

pela contradição exercendo efeitos de sentido no processo de (re)construção da(s)

identidade(s) dos(as) professores(as). Enfim, constatamos que sempre são construídos efeitos

de verdade sobre o professor e a profissão docente difundida e legitimada através das práticas

sociais, as quais constroem, transformam, revogam e negociam a(s) identidade(s) dos(as)

professores(as) intra e extramuros da escola, produzindo saber e poder. Foucault (2005).

REFERÊNCIAS

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