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AS RELAÇÕES DE PODER NA (RE)CONSTRUÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) DE
PROFESSORES(AS)
Débora Sousa MARTINS1
Maria de Lourdes Faria dos Santos PANIAGO2
RESUMO:
Ancorada nos estudos de Hall (2003a, 2001, 2003b, 2003c) e Bauman (1998, 2005), parto do
pressuposto de que a (re)construção da(s) identidade(s) de professores(as) é um processo
contínuo de redefinir-se, inventar e reinventar-se. Como objeto de estudo, investigamos por
meio dos discursos como os(as) professores(as) (re)constroem sua(s) identidade(s) no
contexto das transformações sociais, econômicas e culturais, considerando o momento
político, histórico e cultural. Para isso, utilizamos enquanto abordagem teórico-metodológica
os estudos desenvolvidos por Michel Foucault (1979, 2002, 2005) visto que, faz-se
importante analisar as relações de poder-saber, as quais são produtoras de verdades, verdades
estas que constroem, transformam, revogam e negociam a(s) identidade(s) dos(as)
professores(as) intra e extramuros da escola. O corpus é composto por depoimentos de três
professores(as) de Português do Ensino Médio da rede pública de Jataí-Go, os quais foram
obtidos por meio de questionários respondidos e entrevistas semiestruturadas gravadas em
áudio. O objetivo geral é conhecer como a(s) identidade(s) dos(as) professores(as) são
(re)construídas, analisando os diferentes efeitos de sentido constituídos e influenciados pelas
práticas sócias, na perspectiva do poder-saber. Levanto a hipótese de que a (re)construção de
identidade(s), não importa apenas os fatos em si, mas se dá nas relações de poder e resistência
entre o “eu” e o “outro” influenciadas pelas transformações sócio históricas e culturais por
meio dos sentidos produzidos destes para o sujeito exercendo grande impacto na educação,
mais especificamente, no processo de ensino-aprendizagem e na produção de uma cultura de
desvalorização profissional e de incompletude dos sujeitos envolvidos.
PALAVRAS-CHAVE: Identidades. Professores. Discurso. Relações de poder-saber.
INTRODUÇÃO
Esse artigo parte do pressuposto de que a identidade de professor(a) está em constante
constituição, ou seja, não está pronta e acabada. Mas, se constrói historicamente, e que este
ocupa as posições sujeito que as práticas discursivas constroem para ele. Assim a pesquisa se
justifica pela necessidade, mais ampla, de se entender, enquanto processo contínuo a
formação do professor e com isso a sua identidade como sujeito/professor está em constante
mudança, e é influenciado por todas essas maneiras de ver o mundo que o perpassam.
1 Mestranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Contato: [email protected] 2 Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás-
Campus - Jataí. Contato: [email protected]
O objetivo geral do trabalho é conhecer como a(s) identidade(s) dos(as)
professores(as) de Língua Portuguesa são (re)construídas, analisando os diferentes efeitos de
sentido constituídos e influenciados pelas práticas sociais, na perspectiva do poder-saber. E
como objetivos específicos - descrever uma regularidade do discurso, apreendendo os sentidos
que dali deriva com vistas a compreender a concepção que eles têm de si e de seu trabalho
docente.
Analisamos como corpus o discurso de três professoras de Língua Portuguesa da
educação básica da rede pública de Jataí – GO. Os depoimentos foram coletados no primeiro
semestre de 2012 por meio de entrevistas semiestruturadas e gravadas em áudio e
questionários.
Os propósitos estabelecidos, invariavelmente, levam-nos, a princípio, à elaboração de
questões, a saber: Quais são os dizeres dos(as) professores(as) sobre si e sobre a profissão
docente? Quais são as relações de poder que aparecem no discurso dos(as) professores(as) e
que influenciam a constituição identitária desses sujeitos?
Para atender a essas perguntas, considero importante os estudos de Michael Foucault
(1979, 2002, 2005) ao falar das relações de poder que atuam na constituição dos sujeitos. O
poder não é da ordem do consentimento, mas é um conjunto de ações que age no
comportamento do sujeito, que afeta as práticas sociais, atua sobre o corpo dos indivíduos
direto ou indiretamente. Haja vista que o poder se ramifica em diversas práticas, e pode ser
expresso como um micro-poder, o que gera uma teia de poderes que conduz a sociedade por
meio do saber.
Ao discutir o tema da identidade tenho como principais teóricos Bauman (1998, 2005),
Silva (2003) e principalmente Hall (2003a, 2001, 2003b, 2003c). Para este, a identidade
torna-se uma “celebração móvel”. O conceito de identidade aqui está relacionado à formação
do professor de Português. Nesse caso, as considerações teóricas realizadas estão ancoradas
também nas ideias de Tardif (2002), Nóvoa (1995, 1999), Pimenta (2005).
É interessante marcar que estamos cientes de que a atuação docente não é capaz de
gerar consensos apenas pacíficos, sem conflitos. A proposta é investigar os usos da linguagem
situando-os sócio historicamente, considerando-os como eventos linguísticos produzidos por
um sujeito social e heterogêneo, cuja identidade é construída nas práticas sócio discursivas e
perpassada por valores políticos, ideológicos e éticos que circulam, explicita ou
implicitamente, na sociedade.
Portanto, podemos dizer que há uma preocupação centrada em problematizar e
compreender – não necessariamente solucionar questões relacionadas aos usos da linguagem,
nem tão pouco à construção de verdades, até porque as compreendo como transitórias.
Abordaremos a seguir o conceito de identidade.
IDENTIDADE(S)
Abordar a temática da identidade não é tarefa fácil, visto que é um termo um tanto
complexo. De acordo com Hall (2003a), o período histórico pós-moderno que diz respeito ao
tempo atual, a contemporaneidade, que data de meados do século XX aos primeiros anos do
século XXI, é marcado por velozes e profundas transformações nas estruturas centrais da
sociedade. Para ele, hoje em dia este conceito está se efetivando em uma variedade de áreas
disciplinares, que “criticam a ideia de identidade como integral, originária e unificada” Hall
(2003b, p. 103).
Bauman (1998), afirma que os cargos, as posições ou carreiras já não se mostram mais
inteiramente seguras na atualidade. O planejamento de um futuro profissional torna-se cada
vez mais ameaçado pela meta do progresso tecnológico, alcançado no presente por meio do
“emagrecimento” da força de trabalho, isto é, com base no fechamento de divisões de trabalho
e reduções de funcionários, ainda mais quando aparece uma mão de obra submissa e menos
dispendiosa.
É preciso entender ainda de acordo com o autor, que a identidade é uma construção de
relações, espaço, tempo e contexto. Ela se faz, desfaz e se refaz a partir de negociações
necessárias nas relações de poder presentes na convivência. A identidade, de acordo com
Bauman (2005, p. 13), é uma construção líquida, fluida, porosa, que deveria ser considerada
um processo contínuo de redefinir-se, inventar e reinventar-se. Assim, são tão instáveis
quanto todas as coisas do mundo, exigindo que os sujeitos mantenham a flexibilidade e a
velocidade para se adaptarem às mudanças constantes.
Hall (2003a) explica ainda que as identidades passam por um grande colapso, devido
as modificações sociais que veem ocorrendo desde o século XX. Para ele, o sujeito sofreu um
deslocamento no que diz respeito a si mesmo e também ao seu lugar social-cultural. Processo
esse conhecido como “crise de identidade”. Segundo o autor o sujeito se sente abalado quanto
à ideia que tem de si próprio como um ser integrado, completo de identidade fixa.
Esse desconforto afeta principalmente o campo educacional, uma vez que o perfil
identitário desses profissionais atravessa constantes desafios que na maioria das vezes os
desestabilizam não só na prática em sala de aula, mas também na vida particular. A identidade
assim é construída em um movimento da história, que está em constante transformação.
Constitui-se ainda através dos discursos, das práticas sociais, das posições as quais o sujeito
representa. O sujeito não tem uma só identidade, mas diversas posições-sujeito, ou seja,
diferentes movimentos, ou posições de identificação Hall (2003a).
Percebemos atualmente um discurso que tende a proliferar na denúncia de novos
entraves na educação, em função das alterações extremas que o lugar do ensino ocupa hoje na
vida das pessoas. Possivelmente referidas ao declínio do domínio simbólico do professor ante
a sala de aula, que não pode mais se posicionar como represente do saber, com seu devido
valor de qualificação, ou então, devido a uma redefinição de lugares sociais do professor e do
aluno. Isso porque há outras instâncias responsáveis pela transmissão da cultura e do
conhecimento que não mais apenas a escola.
Todos esses desafios colocam a competência profissional do professor em uma
situação de instabilidade e desconforto, isto é, em dúvida, o que afeta diretamente a
autoimagem, a autoestima, e, por conseguinte reflete nas relações interpessoais e deixa esse
sujeito cada vez menos confiante na sua posição de professor, dificultando assim a construção
de um perfil mais favorável ao exercício de uma prática educativa mais autônoma.
E segundo Moita Lopes (2002) a construção de identidade social está intimamente
relacionada à maneira como os indivíduos “se comportam discursivamente” em contextos
sociais diversos. Nessa perspectiva, o discurso e a identidade são construídos e reconstruídos
socialmente e têm um caráter dialógico. Ele explica que “é a presença do outro com o qual
estamos engajados no discurso que, em última análise, molda o que dizemos e, portanto,
como nos percebemos a luz do que o outro significa para nós”. Moita Lopes (2002, p. 32)
Para Coracini (2003, p. 143) diz que as múltiplas vozes que são caracterizadas “pela
dispersão, pela heterogeneidade, inteiramente vinculada ao momento histórico-social e
ideológico, atravessam, de forma conflituosa e dissonante, a constituição identitária” do
sujeito. E compreendo como a autora citada anteriormente que “a identidade é ilusória e só
existe como construção imaginária”.
Assim sendo, a identidade não é uma espécie de cobertura, algo que se possa ver a
olho nu, mas é uma construção do sujeito por meio da convivência com outros sujeitos em
lugares diferentes com realidades e experiências distintas. Portanto, acreditamos ser de suma
importância pesquisar o processo de formação identitária dos professores, visto que a
realidade da educação na contemporaneidade requer uma ação diferente em relação há outros
tempos, pois o docente tem que lidar com novas expectativas em relação ao ensino que
diferem daquelas de quando muitos deles começaram a exercer a profissão.
A RELAÇÃO PODER-SABER NA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA
Recorremos aos estudos de Michel Foucault (1979, 2002, 2005), para falarmos dessa
relação de poder - saber que interferi na historicidade do sujeito. O poder que não é da ordem
do consentimento, mas é um conjunto de ações que age no comportamento do sujeito, que
afeta as práticas sociais, atua sobre o corpo direto ou indiretamente dos indivíduos. Haja vista
que “o Poder” não existe. Existe, sim, práticas ou relações de poder que se ramificam em
diversas práticas, o que pode ser expresso como um micro-poder, o que gera uma teia de
poderes que conduz a sociedade por meio do saber.
A tese de Foucault (1979) sobre o funcionamento de micro-poderes na sociedade
mostra que o poder se traduz como formas de relação: enraíza-se no tecido social, age sobre o
cotidiano dos homens, classifica-os em categorias, ligando-os a uma identidade, ao lhe impor
uma lei de verdade que é necessário reconhecer. E isso, em termos de linguagem, tem uma
incidência direta sobre a produção discursiva de imagens de identidade na sociedade. Trata-se
do exercício de uma relação saber/poder que diz qual a identidade o sujeito deve assumir para
ser reconhecido pelo grupo social que lhe serve de referência.
E é através da produção da verdade sobre o sujeito é que podemos exercer o poder,
institucionalizando assim a busca pela verdade, primeiramente pelo poder da soberania,
depois pelo poder disciplinar nas sociedades modernas, mas sem perder a ideia de
panoptismo3. Desse modo, o poder é produtivo, transformador e disciplinador; produz algo no
corpo humano, produz saber e este alimenta o poder, em uma relação que acontece de maneira
cíclica, ambos se afetam de forma conjugada, retroalimentando-se. Nas palavras do autor:
Temos antes de admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-
o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente
implicados, que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de
saber, nem saber que não suponha e não constitua, ao mesmo tempo, relações de
poder. Foucault (2005, p. 29-30).
Como vimos, o saber tem sua origem no poder, constitui novas relações de poder e é
dotado de poder. Assim, funciona como uma rede de dispositivos ou mecanismos que
atravessam toda a sociedade visível e invisível ao mesmo tempo, presente em todas as
3 O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação,
ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se
implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies
onde este se exerça. [...] O panoptismo tem uma tríplice função: a vigilância, o controle e a correção. Foucault
(2005, p.169)
situações e lugares e do qual nada nem ninguém consegui fugir. Logo, são mecanismos gerais
de dominação, de controle, de submissão, de normalização de condutas. Todos eles dispersos
anonimamente nas práticas cotidianas que ocorrem em vários momentos e níveis
Foucault (2005) denominou mecanismo de poder disciplinar o qual se faz presente
também nas instituições escolares interferindo na individualidade de todos os sujeitos que li
convivem, desde o zelador até o diretor. Para o autor, a individualidade é controlada pelo
poder, sendo a individualidade instrumento e efeito de poder. A escola de acordo com o
Foucault se utiliza da disciplina para tornar os sujeitos em corpos dóceis, úteis e mais
produtivos economicamente.
Como se pode perceber, a disciplina trabalha diretamente o corpo dos indivíduos,
manipulam seus gestos e comportamentos, formam-no, adestram-no. Poder invisível que
permite ver tudo permanentemente sem ser visto, como forma de organização do espaço,
divisão e controle do tempo, visando a produção de um corpo social. Todavia, a
transformação do sujeito em corpo dócil não ocorre de forma violenta, mas pelo contrário, de
modo discreto e sútil.
No entanto, vale lembrar que o poder está em todo lugar e se manifesta em uma
multiplicidade de relações de forças, nas quais também há a resistência. Alguns discursos
produzidos na escola causam efeitos de verdade que podem ser tanto instrumento e efeito de
poder, quanto um obstáculo na tentativa de barrar a resistência, ou tentativas de driblar os
efeitos do poder disciplinar.
Igualmente, o processo de construção identitária não se dá apenas de forma tranquila e
isolada, mas nas relações estabelecidas socialmente, é uma identidade que nasce e se
transforma constantemente até mesmo com as relações de resistência, pois é o resultado das
suas interações cotidianas que determinam o modo de ver o mundo, de senti-lo em um dado
momento histórico. Assim, a formação pessoal e profissional, as experiências afetivas e
culturais que permeiam o contexto de vida do professor são fatores que relacionam entre si e
afetam diretamente no modo de ser desse sujeito e com certeza no processo constitutivo de
identidade.
Ou seja, o discurso que representa o professor vem do social e chega à escola sob a
forma de controle regulamentar, ao qual o sujeito também intui como a sociedade o vê e
principalmente como a sociedade julga que o professor deve ou não, ser. Pode-se considerar
que esses modelos de conduta expressos socialmente determinam de certa maneira a vida dos
professores de tal forma que eles passam a ser disciplinados também em outras esferas da
sociedade e mantenham comportamentos semelhantes na escola e em outros ambientes.
Nessa perspectiva, são mecanismos próprios de identificação e de construção
subjetiva. Ou seja, a adequação do sujeito a certas práticas discursivas. Foucault (2002, p.
238) as divide em práticas discursivas e não discursivas. Prática discursiva refere-se a todo
um conjunto de enunciados que moldam nossa maneira de compreender o mundo e falar sobre
ele. Por sua vez, as práticas não discursivas dizem respeito a condições sociais, econômicas,
históricas e políticas, dentre outras. Para ele, “são ‘as práticas’ concebidas ao mesmo tempo
como modo de agir e de pensar que dão a chave de inteligibilidade para a constituição
correlativa do sujeito e do objeto”.
Portanto, os discursos são resultados de práticas que veiculam poder e promovem
resistências. Nessa perspectiva, as identidades dos(as) professores(as) são construídas,
negociadas e reconstruídas, a partir de interpretações e novas significações que fazemos
acerca da instituição escolar, do fazer pedagógico e porque não dizer do sujeito professor,
bem como, o modo como “eu” entende tudo isso a partir do “outro”.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Falar sobre formação de professores no mundo contemporâneo traz muitas
inquietações, pois, o contexto escolar apresenta um turbilhão de alterações, visto que as
variações no mundo do trabalho, o avanço da ciência e da tecnologia, a ampliação das
informações, a valorização da economia e as constantes alterações nas políticas sociais trazem
consequências às relações humanas modificando a maneira de compreender o mundo e nele se
interagir.
Assim, a educação, desde o básico até o ensino superior tem sido objeto de análise nas
últimas décadas por diferentes teóricos, como por exemplo, Nóvoa (1995, 1999), Tardif
(2002), Pimenta (2002). Essas investigações quase sempre revelam a necessidade de capacitar
e proporcionar subsídios adequados ao professor para o exercício de educar. Apesar de tantos
estudos pouco tem sido feito por parte das autoridades competentes em relação à formação
humana desse profissional, a maior preocupação está em apresentar resultados satisfatórios e
numéricos ao nível de educação do país.
Observa-se, hoje, grande pressão para que os professores apresentem melhor
desempenho, principalmente no sentido de os estudantes obterem melhores resultados nos
exames nacionais e internacionais. As críticas ressaltam, sobretudo, os professores como mal
formados e pouco imbuídos de sua responsabilidade pelo desempenho dos estudantes. É como
se o professor fosse o único responsável para que as metas educacionais dos governantes
sejam alcançadas. Os professores gradativamente vão assumindo a responsabilidade por todos
os déficits ligados ao seu trabalho, apresentando cada vez mais problemas de saúde e estresse
por se sentirem, sobretudo, culpados, pelas falhas.
A formação gira muitas vezes em preparar professores ideais, com o mínimo de falhas
possíveis, e sempre dar conta de ministrar o conhecimento de forma autêntica e inovadora, ou
seja, promover um ambiente atrativo e motivador. Porém, nem sempre são colocados em
xeque os problemas que podem ser encontrados na escola que causam a desestabilidade dos
conhecimentos deste professor, e mais, diminuem em grau significativo os sonhos e as ilusões
desse profissional que ao chegar à escola se depara com uma realidade a qual ele não foi
preparado para enfrentar, porque sua formação foi para ser ideal e não real.
Dessa maneira, a relação dos professores com o saber não deve si referir à mera
transmissão do conhecimento já internalizado por eles, mas uma prática que vai bem além
desse pensamento, visto que o professor forma cidadão para a vida em sociedade, e também
educa com princípios humanos, morais e étnicos trazidos por ele, “a forma como o professor
ensina está diretamente ligada à imagem que ele faz da profissão” Nóvoa (1999, p. 30).
Para Tardif (2002, p. 11) os saberes devem expressar o estilo/identidade do professor,
construído “[...] com a sua experiência de vida e a sua história profissional e com as suas
relações com os alunos e outros agentes da escola”. Já não mais interessa apenas o saber
teórico ou somente o prático, mas a união desses às experiências diárias com os outros
integrantes da escola. O resultado dessa aglutinação é a construção da identidade, sendo, o
modo de ser de cada professor aliado à influência do outro.
De acordo com Pimenta (2002) a identidade do professor se constrói a partir do
significado social da profissão, bem como da revisão constante dos significados sociais
atribuídos tradicionalmente à profissão. Além disso, constrói-se pela reafirmação de práticas
consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Nas palavras da autora, “confere
à atividade docente no seu cotidiano, a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no
mundo, de sua história de vida, de suas representações, [...] em sua vida o ser professor.”
Pimenta (2002, p. 19).
Portanto, a identidade do professor comporta os aspectos epistemológicos dos saberes
científico e o de ensinar, mas também compreendendo a docência como um meio de
intervenção profissional na prática social. Tardif (2002, p. 11) pressupõe que os saberes dos
professores partem de “um saber plural, formado pela amálgama, mais ou menos coerente, de
saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais”. Logo, no processo de formação, o professor vai se profissionalizando e, ao
mesmo tempo, construindo sua identidade como profissional no embricamento com outros
sujeitos e por meio dos lugares sociais nos quais esse sujeito se inscreve para discursar, bem
como ao articular a teoria e a prática.
OS SUJEITOS E ANÁLISE DO CORPUS: UMA LEITURA POSSÍVEL
Os sujeitos pesquisados são três professoras licenciadas em Letras/Português e atuam
na educação básica, na rede pública de Jataí/GO. Sendo, Maria Clotilde, 35 anos de idade,
casada e trabalha na educação há 13 anos. Cléo4 e Flor, 41 anos, solteira e docente há 12 anos.
Vale ressaltar que os nomes são fictícios e escolhidos pelas professoras pesquisadas.
Analisamos como corpus, um recorte dos depoimentos desses sujeitos, que foram
obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio e de questionários
aplicados. Os temas versavam, basicamente, sobre: a) os motivos que levaram a escolher esse
curso; b) qual avaliação ele faz de seu trabalho docente; c) qual avaliação ele faz da profissão
– professor; além de outros que foram surgindo durante a entrevista e que foram relevantes
para a pesquisa.
Na tentativa de alcançar o objetivo geral do trabalho que é conhecer como a(s)
identidade(s) das professoras de Língua Portuguesa são (re)construídas, analisando os
diferentes efeitos de sentido constituídos e influenciados pelas práticas sociais, na perspectiva
do poder-saber, buscamos respostas para as perguntas do trabalho.
QUAIS SÃO OS DIZERES DOS(AS) PROFESSORES(AS) SOBRE SI E SOBRE A
PROFISSÃO DOCENTE?
No processo de construção de identidade, principalmente em relação a identidade do
professor de Língua Portuguesa é interessante conhecer o significado social que os
professores atribuem a si mesmos e visão desses profissionais acerca da profissão. Em geral,
os professores afirmam suas qualidades profissionais, garantem seu esforço em desempenhar
a função, mas há algo que os deixam apreensivos e com sensação de impotência, como fica
expresso nos depoimentos das entrevistadas ao responderem o questionário sobre avaliação
sobre si e sobre a sua profissão. A partir das práticas discursivas e não discursivas percebemos
a construção identitária desse sujeito nos depoimentos a seguir:
4 Cléo não entregou o questionário, por isso, não há como precisar todas as informações, mas os dados da
entrevista dela estão completos, por isso, o trabalho apresenta análises acerca dos dizeres da colaboradora.
“Razoável. Sou exigente em sala de aula, consigo, geralmente, a atenção dos alunos. Mas, sei
que poderia fazer melhor, especialmente com relação à reescrita de textos, escolha de
conteúdos e outros”. (Questionário, Maria Clotilde).
“Procuro dar o melhor de mim para os alunos no que se refere a minha função, mas não
recebo muito de volta e isso é ruim”. (Questionário, Flor).
O discurso das participantes nos remete a ideia de que não somos o que somos apenas
por nós mesmos, mas, nos constituímos com e a partir do outro. Com efeito, o sujeito
professor encontra-se marcado por diferentes discursos que provêm das mais variadas
concepções teóricas e práticas as quais teve contato ao logo da vida. Esse sujeito tece os seus
dizeres a partir das experiências pessoais e profissionais, bem como, das exigências sociais
impostas construindo assim, identificações relativas a ser professor e à docência.
Na materialidade discursiva percebemos que elas têm uma percepção de si, o quem
sou eu, e querem incutir no interlocutor essa imagem ao dizerem: “sou exigente em sala de
aula”; “procuro dar o melhor de mim”; e é também na negação de uma conduta que marca a
visão de si como é expresso: “não recebo muito de volta”; “sei que poderia fazer melhor”. Os
sujeitos pesquisados se afirmam e/ou se negam na tentativa de estabelecerem um perfil acerca
de si e do seu trabalho docente.
É sob esse olhar que Silva (2003) compreende a identidade como algo que sou e a
diferença como algo que não sou, é constante jogo de afirmação e negação, ou ainda o que
fica dentro e o que fica fora. Nota-se ainda, dizeres permeados de outros lugares sociais, a
individualização do sujeito seria, portanto uma ilusão, pois é a reprodução do discurso de um
grupo, ou ainda de vários grupos. Com isso, a identidade desse sujeito é constituída ao longo
da história de modo geral, tanto pessoal, acadêmica e profissional na presença do outro. Moita
Lopes (2002).
De fato, o sujeito é construído sócio - historicamente, e as práticas não discursivas são
geradoras de efeitos que se refletem entre os indivíduos, afetando-os de vários modos. O
relato a seguir aparece claramente um ser multifacetado, com várias identidades e que todas
elas convivem nele ao mesmo tempo sem que ele possa controlar, como se pode identificar:
“[...] não dá para separar os problemas da escola com a nossa vida pessoal, e isso está
levando as pessoas a ficarem loucas. [...] Eu me vejo e sinto com sem chão, sem saber o que
fazer, sem autonomia, sem identidade como professora [...]” (Entrevista, Cléo, 14/06/2012).
Pela fala da participante observa-se que ela não sabe como proceder. É uma docente
que senti profundamente os significados atribuídos socialmente a profissão. De acordo com
Novóa (1999) o modo como o professor age é um reflexo de como ele sente a importância da
sua profissão trazendo consequências positivas ou negativas. Para Hall (2003c) a perda de si,
ou o deslocamento pelo qual as pessoas estão sentindo em relação ao meio social, cultural e
até mesmo quanto a si, também é reflexo das mudanças nas estruturas centrais da sociedade
moderna. E todas essas situações afetam diretamente no processo de constituição de
identidade desse sujeito, o que lhe causa uma crise identitária, não sabe como deve agir.
Nesse sentido, até a relação consigo mesmo encontra-se abalada e não compreendida,
alterando até a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados, talvez pelo fato de
não aceitar a inconclusão ou a incompletude, uma vez que o discurso do outro é considerado
importante na construção do “eu”. Assim, as atividades ao longo da vida não existem
isoladamente, são partes de um sistema de relações mais gerais que lhes conferem valor, nas
quais há relações de poder do qual ninguém escapa.
Os depoimentos das participantes vão ao encontro das concepções de Bauman (1998),
afirmar que os cargos, as posições ou carreiras já não se mostram mais inteiramente seguras
na atualidade. Mas, tão instável quanto todo no mundo, exigindo que os sujeitos mantenham a
flexibilidade e a velocidade para se adaptarem às mudanças constantes, o que na maioria das
vezes causa muitos danos.
Podemos inferir que sobre os dizeres acerca da profissão professor a palavra
desvalorização do professor atinge a identidade dos sujeitos pesquisados em bastante acuidade
como podemos ver quando a participante fala de sua profissão: “A minha profissão hoje é
muito desvalorizada e isso afeta a minha identidade por completo. Você hoje tem vergonha
de dizer que é professor [...]”. (Entrevista Flor, 14/06/2012). Por isso, para Bauman (2005, p.
13), a identidade é uma construção líquida, fluida, porosa, um processo contínuo de redefinir-
se, inventar e reinventar-se.
Na fala de outra participante o discurso se repeti “(...) a gente não é mais valorizado, é
simplesmente mais um funcionário que tem que bater o ponto, cumprir aquele papel.
Ninguém mais quer essa profissão, não ganha nada (...)”. (Entrevista 15/06/12, Capitu). De
acordo com Nóvoa (1995), não se deve deixar cair no esquecimento o modo relativamente
desvalorizado que o professor sente a profissão vista aos olhos da sociedade. Os baixos
salários que a categoria recebe em relação a outros profissionais também de nível superior.
Logo, é incontestável que a fixidez da identidade dos profissionais da educação foi
abalada e marcada por dúvidas e incertezas a respeito do processo de construção, além da
forma como estes lidam com a questão, dentro da subjetividade. Portanto, entendemos a
identidade como um processo ininterrupto, produzido discursivamente e na interação com o
outro por meio de práticas sociais permeados de poder. São construídas em instâncias
dinâmicas e dialógicas corroborando para o desenvolvimento do EU. Com isso, Hall (2003a)
defende que esse sujeito não tem uma identidade única e fixa, mas celebração móvel, se
projetando em múltiplas identidades em diferentes práticas sociais.
QUAIS SÃO AS RELAÇÕES DE PODER QUE APARECEM NO DISCURSO DOS(AS)
PROFESSORES(AS) E QUE INFLUENCIAM A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA
DESSES SUJEITOS?
De acordo com Foucault (2005) o poder não depende de consentimento para se fazer
presente, mas ao contrário está presente em todas os lugares e situações exigindo eficiência
nas atividades, agindo diretamente do corpo dos indivíduos sem que esses possam perceber,
porque age de forma sútil e não de modo violento. Recortamos três depoimentos que tornam
possíveis as relações de poder e saber que agem na (re)construção identitária desses sujeitos, a
saber:
“O professor hoje não tem identidade. Ela está sendo destruída a cada dia, em função do
que? Desses jogos políticos, a gente vira uma marionete nas mãos deles, na mão do governo,
na mão do sistema. Agora com esse bônus então, nem se fala (...)” (Entrevista, Cléo,
15/06/12).
“Eu vejo a pressão dentro da escola pela subsecretaria. É uma cobrança desnecessária que
representa é claro, a mão do governo (...) agora criaram uma nova função. Vem uma pessoa
da subsecretaria para sentar com o coordenador para fiscalizar até os seus planos de aula. É
o que eles chamam de tutora” (Entrevista, Maria Clotilde, 15/06/12).
“[...] Eu me lembro de quando eu estudava aquelas coisas lá na história que fala que o
professor na época da ditadura trabalhava com o policial do governo na porta para ver se o
professor saía da linha. Assim que eu me sinto hoje encurralada, todo tempo você está sendo
vigiada [...]” (Entrevista, Flor, 14/06/2012).
É interessante marcar que nos três casos há algumas expressões fortes que demarcam
relações de poder caracterizado pela subordinação. Os dizeres estão dispersos, porém
apresentam uma regularidade como no primeiro caso em que Cléo diz “mãos deles”, “nas
mãos do governo”; o segundo destacamos as palavras de Maria Clotilde “pressão”;
“cobrança”, “nova função”, “fiscalizar” e quanto ao terceiro expresso por Flor
“encurralada”, “vigiada”. São palavras que sinalizam e condicionam o cumprimento das
normas dentro do ambiente escolar. Através da vigilância hierárquica (do represente legal,
diretor, coordenador), o poder disciplinar estabelece um controle pelos “olhares que devem
ver sem ser vistos”, Foucault (2005, p. 145).
Nessa perspectiva tem-se uma forma de poder disciplinar que age de forma sútil para
fiscalizar e/ou vigiar na tentativa de disciplinar os corpos. Assim, impor normas e padronizar
é ditar regras e modelos a serem seguido na tentativa de homogeneizar e controlar. Como já
foi mencionado nesse trabalho o poder se ramifica em micro-poderes alcançando todas as
esferas sociais, agindo sobre o cotidiano dos homens, ligando-os a uma identidade, ao lhe
impor uma lei de verdade, assim como, o modo “correto” de fazer os planos de aula sob um
saber que gera poder de “fiscalizar os planos” que é necessário reconhecer essa verdade.
Foucault (2005).
Este conjunto de dizeres expresso pelos participantes nos remete a ideia de
panoptismo, Foucault (2005), visto que é perceptível a tríplice da vigilância, do controle e da
correção, mas tudo de forma bem sútil. Como exemplo disso, podemos citar como vigilância
a representante da subsecretaria, a coordenadora e porque não os próprios colegas de trabalho,
bem como o próprio professor que passa a se ver com os olhos do observador, isto é a se
subjetivar. Quanto ao controle, as ações de fiscalizar e vigiar para que a norma seja cumprida
e tudo ocorra na perfeita ordem. Isso pode ser comprovado ao dizer, “nas mãos o governo”.
Por fim, a correção pode se dá na perda do direito ao bônus do governo no final do ano letivo
caso o professor não cumpra com as exigências propostas para receber esse benefício.
Dessa maneira, podemos inferir que a (re)construção da identidade dos sujeitos
pesquisados sofre sim os efeitos do poder, uma vez que ele não é da ordem da anuência, da
manifestação de um consenso, mas o modo de ação de uns sobre os outros. Como exemplo,
no terceiro relato, Flor menciona que “um policial do governo ficava à porta” independente
da permissão ou não do professor. Na sociedade atual com os novos mecanismos de poder
disciplinar, trocou-se o policial militar pela tutora da subsecretaria. Agora não mais à porta da
sala, mas senta-se com a coordenadora.
Portanto, o poder se exerce de forma sútil na tentativa de adestrar ou normatizar os
sujeitos em corpos dóceis e úteis. De acordo com a participante Maria Clotilde a tutora tem a
função de fiscalizar os planos de aula. Assim, há um saber que gera poder, visto que vende a
ideia de que os professores não sabem como fazer os planos de aula e é necessário um saber
exterior, uma norma para ajudá-los, ou seja, padronizá-los. Para tanto, a dominação pelo
poder passa pelo corpo, age na alma e se efetiva pelo consentimento do indivíduo. É racional,
duradoura e produtiva. Ao agir pela sutileza, pelo convencimento, uma relação de dominação
eficiente suspende a vontade de resistência dos indivíduos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho que ora se encerra permitiu-nos conhecer como a(s) identidade(s) dos(as)
professores(as) são (re)construídas, analisando os diferentes efeitos de sentido constituídos e
influenciados pelas práticas sócias, na perspectiva do poder-saber. No entanto, sem ter a
pretensão de esvaziar o horizonte de olhares que recaem sobre o tema, mas sim, observar por
meio de uma das possibilidades como é realizado esse processo.
Desse modo, a partir da análise percebemos que os dizeres dos professores sobre si e
sobre a profissão docente são construídos socialmente na relação de influência entre sujeito,
língua e história. Eles assim afirmam: “sou exigente em sala de aula”. Porém, deixa ver a
lacuna existente entre o que é enunciado e o concreto ao dizer, “mas sei que poderia fazer
mais”. Assim, vê-se que não tem como fugir a exterioridade, a interpelação do outro, por isso,
os professores situam seus discursos num lugar de entremeio, ao passo que mudam as
concepções de si mudam também seu modo de entender a profissão e essas novas maneiras
sem dúvida modificam as suas representações sociais.
Em consonância com Bauman (2005, p. 19) concluímos que a identidade é o resultado
de um processo não só interno do indivíduo, mas também como resultado das interações
vividas e percebidas por este indivíduo ao longo de seu processo de socialização, ou nas
palavras do autor - características da “era líquida-moderna”, cujos efeitos, imprevisíveis e
incontroláveis, trouxeram consigo a quebra da solidez.
Também como afirma Hall (2003c), não tem como o sujeito ter a mesma identidade
por toda uma vida, a nosso ver sempre sustentamos a mesma identidade, se a mantivermos
uma vida toda, é porque foi uma história muito cômoda de nós mesmo. Pelos relatos dos
participantes vimos que não gozam de tanta comodidade na profissão. Logo, os sujeitos
pesquisados aqui possuem inúmeras matrizes identificatórias, e é portador de várias
identificações que se completam e se contradizem mutuamente.
Da mesma forma, acrescentamos que é perceptível as relações de poder que aparecem
no discurso dos sujeitos de pesquisa e que influenciam a constituição identitária deles, uma
vez que se posiciona num lugar de profissional excluído e “sem valor”, que “não sabe mais
como agir”. E, se vê “nas mãos do governo”. É importante ressaltar que esse sujeito percebe
as modificações sociais e as movências nos significados sociais de ser professor, bem como,
as alterações ocorridas nas políticas públicas e principalmente em relação às exigências
expressas pelo governo através da secretaria de educação.
Nesse cenário nos reportamos a Foucault (2005) para afirmar que a vigilância sobre os
indivíduos permite a articulação das relações de poder e saber, para se organizar em torno da
norma, do que se torna ou não normal, correto ou incorreto, que se permite ou não fazer. O
poder disciplinar incide sobre o corpo, de forma a controlar suas forças, e a extrair desse
corpo um aumento da força produtiva e, por outro lado, uma diminuição da força política.
A esse respeito faz-se necessário ressaltar que o poder disciplinar o qual podemos
perceber nos dizeres de Maria Clotilde, Cléo e Flor agem sobre o sujeito não para supliciá-lo,
mutilá-lo, mas para adestrá-lo - fabricando assim um novo sujeito – homens dóceis, na
tentativa de diminuir a resistência. Soma-se a isso, que o poder age em todas as esferas sociais
e não somente do macro para o micro, mas em níveis variados e em pontos diferentes da rede
social e podem estar ligados ou não ao Estado.
Portanto, comprovamos a hipótese inicial do trabalho, visto que a (re)construção da(s)
identidade(s), não importa apenas os fatos em si, mas se dá nas relações de poder e resistência
entre o “eu” e o “outro” influenciadas pelas transformações sócio históricas e culturais por
meio dos sentidos produzidos destes para o sujeito exercendo grande impacto na educação,
mais especificamente, no processo de ensino-aprendizagem e na produção de uma cultura de
desvalorização profissional e de incompletude dos sujeitos envolvidos.
Diante do que foi exposto, percebe-se que o sujeito tece seu discurso de maneira a
coadunar os dizeres, fazendo com que estes aparentem estar unissonantes, mesmo de modo
inconsciente. Mas como vimos, são construídos por registros de heterogeneidade, bem como
pela contradição exercendo efeitos de sentido no processo de (re)construção da(s)
identidade(s) dos(as) professores(as). Enfim, constatamos que sempre são construídos efeitos
de verdade sobre o professor e a profissão docente difundida e legitimada através das práticas
sociais, as quais constroem, transformam, revogam e negociam a(s) identidade(s) dos(as)
professores(as) intra e extramuros da escola, produzindo saber e poder. Foucault (2005).
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