Aspectos Da Terceirização e a Responsabilidade Trabalhista

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INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objetivo a exposição e análise crítica do instituto da terceirização, principalmente sob o prisma do Direito do Trabalho, demonstrando seus impactos sobre as relações de emprego e sua consequente influência na sociedade como um todo. O estudo de tal temática se mostra deveras relevante, tendo em vista que o assunto se encontra em evidência como nunca antes esteve no cenário nacional, sobretudo por conta da tramitação do Projeto de Lei 4330 no Congresso Nacional, que dispõe sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes. Para tanto, no primeiro capítulo será abordado o conceito de terceirização, tanto na seara de administração de empresas quanto na jus laboral, passando por sua evolução histórica no Brasil e dirimindo eventuais confusões entre o instituto da terceirização e o da intermediação de mão-obra. Neste capítulo também será tratado o aspecto da natural limitação da terceirização à luz dos princípios constitucionais, tendo por fim análise da sua natureza jurídica. Já no segundo capítulo, será feita uma profunda análise da normatização da terceirização nos dias de hoje, expondo as hipóteses em que sua atividade é considerada lícita e ilícita, tendo como principal expoente a Súmula 331 do TST. O terceiro capítulo tratará acerca dos efeitos e consequências da terceirização, sobretudo nas relações de

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Monografia

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INTRODUO

A presente monografia tem como objetivo a exposio e anlise crtica do instituto da terceirizao, principalmente sob o prisma do Direito do Trabalho, demonstrando seus impactos sobre as relaes de emprego e sua consequente influncia na sociedade como um todo.O estudo de tal temtica se mostra deveras relevante, tendo em vista que o assunto se encontra em evidncia como nunca antes esteve no cenrio nacional, sobretudo por conta da tramitao do Projeto de Lei 4330 no Congresso Nacional, que dispe sobre os contratos de terceirizao e as relaes de trabalho deles decorrentes.Para tanto, no primeiro captulo ser abordado o conceito de terceirizao, tanto na seara de administrao de empresas quanto na jus laboral, passando por sua evoluo histrica no Brasil e dirimindo eventuais confuses entre o instituto da terceirizao e o da intermediao de mo-obra. Neste captulo tambm ser tratado o aspecto da natural limitao da terceirizao luz dos princpios constitucionais, tendo por fim anlise da sua natureza jurdica.J no segundo captulo, ser feita uma profunda anlise da normatizao da terceirizao nos dias de hoje, expondo as hipteses em que sua atividade considerada lcita e ilcita, tendo como principal expoente a Smula 331 do TST.O terceiro captulo tratar acerca dos efeitos e consequncias da terceirizao, sobretudo nas relaes de emprego e na sociedade, discorrendo, tambm, sobre a responsabilidade dela decorrente.O quarto captulo ter como escopo a relao entre as cooperativas de trabalho e a terceirizao trabalhista, abordando, inclusive, a especificidade da Administrao Pblico no que tange ao tema.Por fim, no quinto e derradeiro captulo, ser feita uma anlise do iminente Projeto de Lei 4330, que tem por finalidade a regulamentao, de forma geral, do instituto da terceirizao e das suas respectivas relaes de trabalho.

CAPTULO 1 CONSIDERAES SOBRE A TERCEIRIZAO NO DIREITO DO TRABALHO

1.1 Conceito

Em primeiro lugar, faz-se necessrio saber que a terceirizao trabalhista recebe outras denominaes, tais como focalizao, horizontalizao, outsourcing, externalizao de atividades, parceria, contrato de fornecimento, subcontratao, entre outras[footnoteRef:1]. [1: CASTRO, Rubens Ferreira de. A Terceirizao no Direito do Trabalho. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 78 apud CRUZ, Luiz Guilherme Ribeiro da. A terceirizao trabalhista no Brasil: aspectos gerais de uma flexibilizao sem limite. Revista CAAP Centro Acadmico Afonso Pena, Belo Horizonte-MG, n. 1, jan./jun. 2009, ISSN 1415 0344. Disponvel em: . Acesso em: 27 out. 2014.]

O termo terceirizao um neologismo criado pela rea de administrao de empresas, resultante da palavra terceiro, compreendido como intermedirio ou interveniente, visando enfatizar a descentralizao empresarial de atividades para outrem, um terceiro empresa[footnoteRef:2]. [2: DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. So Paulo: LTr, 2012, p.435.]

Para a Cincia da Administrao, terceirizao

a transferncia de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia prpria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforos gerenciais em seu negcio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade[footnoteRef:3]. [3: SILVA, Ciro Pereira da. A terceirizao responsvel: modernidade e modismo. So Paulo: LTr, 1997, p. 30 apud RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 3. ed. So Paulo: Mtodo, 2013.]

J para o Direito do Trabalho, segundo Maurcio Godinho Delgado, terceirizao

o fenmeno pelo qual se dissocia a relao econmica de trabalho da relao justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenmeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de servios sem que estendam a este os laos justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente[footnoteRef:4]. [4: DELGADO, Maurcio Godinho, op. cit. ]

No entendimento de Amauri Mascaro Nascimento, terceirizar transferir a terceiros uma obrigao e um direito que originariamente seriam exercitveis no mbito do contrato originrio, mas que passam, pela subcontratao, a gravitar no mbito do contrato derivado[footnoteRef:5]. [5: NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 632.]

Neste mesmo diapaso, entende Luciano Martinez que a

terceirizao uma tcnica de organizao do processo produtivo por meio da qual uma empresa, visando concentrar esforos em sua atividade-fim, contrata outra empresa, entendida como perifrica, para lhe dar suporte em servios meramente instrumentais, tais como limpeza, segurana, transporte e alimentao[footnoteRef:6]. (grifos do autor) [6: MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 626.]

Podemos, assim, definir, de forma ntida e objetiva, terceirizao como a transferncia de atividades secundrias, que no esto diretamente ligadas ao objetivo central da empresa, a uma outra empresa especializada, com a finalidade de liberar a empresa tomadora para concentrar esforos em sua atividade principal, sendo que o vnculo de emprego fixado entre a empresa interveniente e o empregado terceirizado, no se estendendo tomadora dos servios.Por fim, podemos tambm conceituar e classificar a terceirizao como interna ou atpica e externa ou clssica. Na terceirizao interna, a empresa tomadora contrata uma outra pessoa jurdica para fornecer trabalhadores para prestarem servio dentro da sua prpria instalao. J na modalidade externa, a empresa principal particionada em outras empresas menores, sendo que essas so responsveis por boa parte do ciclo produtivo e utilizam, muitas vezes, os mesmos trabalhadores que foram demitidos da grande empresa[footnoteRef:7]. [7: SANTOS, Carlos Ramon da Silva. Responsabilidade da Administrao Pblica na terceirizao frente aplicabilidade dos direitos fundamentais. UNB, Braslia, 2012, p. 22. (monografia)]

Exemplificando, nas palavras de Mrcio Tlio Viana,

no primeiro caso, a fbrica externaliza etapas do processo produtivo. Em vez de fabricar um automvel inteiro, divide a produo com suas parceiras. No segundo caso, a empresa internaliza empregados de outras. Em vez de contratar pessoal de limpeza, ela contrata... quem os contratou[footnoteRef:8]. [8: VIANA, Mrcio Tlio. A terceirizao revisitada: algumas crticas e sugestes para um novo tratamento da matria. Rev. TST, Braslia, vol. 78, no 4, out/dez 2012, p. 198. Disponvel em: Acesso em: 29 mar. 2015.]

Desse modo, fica claro que na terceirizao h um novo modelo empregatcio, distinto do clssico modelo bilateral, criando verdadeira relao trilateral, que abrange em um dos vrtices do tringulo o trabalhador, que mantm vnculo de emprego com o prestador de servios, mas disponibiliza o resultado de sua energia de trabalho a um tomador de servios diverso do seu empregador[footnoteRef:9]. Por fim, resta salientar que entre o prestador de servios e o tomador h uma relao de direito civil (contrato civil de atividade) ou ainda uma relao administrativa, se o tomador for a Administrao Pblica, e entre o empregado terceirizado e a prestadora de servios, uma relao de emprego. [9: RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 3. ed. So Paulo: Mtodo, 2013, p. 194.]

1.2 Evoluo histrica no Brasil

Os primeiros traos da terceirizao no Direito do Trabalho do pas advieram na dcada de 1940, com a promulgao da Consolidao das Leis Trabalhistas, que trouxe, em seu bojo, a subcontratao de mo de obra, especificamente por meio do instituto da empreitada e subempreitada (art. 455, CLT).J por volta de 1950, as multinacionais trouxeram de forma mais efetiva a prtica da terceirizao, sendo um dos seus principais expoentes a indstria automobilstica que, para agilizar a produo e diminuir seus custos, passou a contratar empresas para a produo de componentes que seriam utilizados na montagem dos automveis.Porm, at meados dos anos 1960, a terceirizao no teve destaque no mbito jurdico, tendo em vista que o seu impacto social ainda era tmido.Em 1974 foi apresentado, pelo Deputado Joo Alves, o Projeto de Lei n 1.347, que se transformou na Lei n 6.019/74, tambm conhecida como Lei do Trabalho Temporrio. A justificativa do projeto mostra que

o contingente de trabalhadores representado, por exemplo, por estudantes que no dispe de um tempo integral para um emprego regular; por donas-de-casa que, apenas em certas horas, ou em dias da semana, podem se dedicar a um trabalho para o qual tenham interesse e qualificao, sem prejuzos para os seus encargos domsticos; para os jovens em idade do servio militar, que encontram dificuldades de emprego justamente pela iminncia de convocao; para os trabalhadores com mais de 35 anos, ou j aposentados mas ainda aptos e que no encontram emprego permanente, ou no o querem em regime regular e rotineiro. Serve, tambm, queles trabalhadores que ainda no se definiram por uma profisso definitiva e que, pela oportunidade de livre-escolha entre vrias atividades, podem se interessar por uma delas e, afinal, consolidar um emprego permanente. E, por outro aspecto, no deixam de atender queles que, apesar de j empregados desejam, com um trabalho suplementar, aumentar seus rendimentos[footnoteRef:10]. [10: MARTINS, Sergio Pinto. A terceirizao e o direito do trabalho. 13. ed. So Paulo: Atlas, 2014, p. 03.]

Posteriormente, em 20 de junho de 1983, surge a Lei n 7.102/1983, que foi criada com o intuito de regulamentar a segurana dos estabelecimentos financeiros, autorizando a explorao de servios de vigilncia e de transporte de valores no setor financeiro.Atualmente, a terceirizao ainda padece da falta de uma lei que a normatize de forma geral, tendo como principal documento regulamentador a Smula 331 do TST.

1.3 Terceirizao vs. Princpio da no mercantilizao do trabalho

O princpio da no mercantilizao do trabalho adveio com a constituio da OIT, pela Conveno da Filadlfia de 1994, que cravou como princpio fundamental que o trabalho no uma mercadoria[footnoteRef:11]. [11: CANAD. Constituio da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) e seu anexo (Declarao de Filadlfia). Disponvel em: . Acesso em: 27 out. 2014.]

Dessa forma, visando proteger a dignidade humana, adota-se a premissa de que o trabalho no mercadoria, no coisa que possa ser comercializada.Face ao exposto, faz-se mister dizer que a terceirizao constitui o fornecimento de atividade especializada, e no o fornecimento de trabalhadores[footnoteRef:12], no tendo o terceiro tomador qualquer relao de gerenciamento com os trabalhadores. (grifo nosso) [12: RESENDE, Ricardo, op. cit. ]

1.4 Terceirizao vs. Intermediao de mo de obra

Ainda que, na prtica, no se faa distino entre terceirizao e intermediao de mo de obra, interessante tal distino, tendo em vista o quo esclarecedora na seara ora estudada.Com efeito, a terceirizao em si no vedada, desde que a relao de emprego no reste configurada entre o tomador e o empregado. O que o Direito do Trabalho no admite, como regra quase absoluta, a intermediao de mo de obra[footnoteRef:13]. (grifo do autor) [13: Ibidem, p. 197.]

A intermediao de mo de obra , em regra, proibida no Brasil, pois fere princpios basilares do Direito do Trabalho, como a dignidade do trabalhador e o princpio da no mercantilizao do trabalho. Neste mesmo sentido, prescreve Amauri Mascaro Nascimento que

terceirizao e intermediao de mo de obra no so figuras idnticas. [...] A intermediao a comercializao, por algum ou por uma pessoa jurdica, da atividade lucrativa de aproximar o trabalhador de uma fonte de trabalho, o que condenado pelos princpios internacionais de proteo do trabalho. As agncias de colocao de servios fazem a intermediao. Quando essas agncias so pblicas no sofrem nenhuma contestao. As agncias privadas, no entanto, so, sob a perspectiva do direito internacional do trabalho, recebidas com reservas[footnoteRef:14]. Precariza-se a intermediao quando o intermedirio uma pessoa fsica que coopta o trabalho de pessoas sem qualificao profissional numa regio do Pas para trabalhar no meio rural de outra regio[footnoteRef:15]. [14: A diferenciao entre as agncias de colocao de servios pblicas e as privadas consiste que, no caso das agncias pblicas, no h qualquer lucratividade destas em detrimento do trabalhador, tendo em vista que tal prestao social do Estado gratuita. J no caso das agncias privadas, h a cobrana por tal servio de intermediao, que, em detrimento do trabalhador, lucra com a fora de trabalho alheia.] [15: NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 633.]

Enquanto na terceirizao tem-se o fornecimento de uma atividade especializada pelo terceiro ao tomador, que no tem qualquer relao de gerenciamento com os trabalhadores, na intermediao de mo de obra, por sua vez, h o mero aluguel de trabalhadores. Nela ns temos todos os elementos de caracterizao da relao de emprego, como a subordinao e a pessoalidade, havendo a figura de um terceiro que intermedeia a relao e a fora de trabalho de outrem, cobrando por isso. Dessa forma, o trabalhador quem acaba arcando com a precarizao de seus salrios e demais direitos para remunerar o intermedirio, que lucra com a fora de trabalho alheia.

1.5 Fundamento legal genrico para a terceirizao

Como ser visto adiante, no h, no ordenamento jurdico brasileiro, norma trabalhista que regulamente, de forma geral, a questo da terceirizao no mbito laboral. Dessa forma, o principal argumento daqueles que defendem a terceirizao ilimitada o art. 5, II, da CRFB/1988, que traz o seguinte texto: ningum ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. (grifo nosso)Com base no referido dispositivo legal, tais intrpretes defendem que cabe terceirizao trabalhista, em razo da ausncia de norma que a regulamente, a estrita aplicao do Princpio da Legalidade Privada: como no proibido, seria permitido.Tal argumento se resta absurdo, tendo em vista que h, na Constituio de 1988, clara delimitao do processo terceirizante. Segundo o ilustre jurista Mauricio Godinho Delgado,

os limites da Constituio ao processo terceirizante situam-se no sentido de seu conjunto normativo, quer nos princpios, quer nas regras assecuratrias da dignidade da pessoa humana (art. 1, III), da valorizao do trabalho e especialmente do emprego (art. 1, III, combinado com o art. 170, caput), da busca da construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art. 3, I), do objetivo de erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais (art. 3, III), da busca da promoo do bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3, IV)[footnoteRef:16]. [16: DELGADO, Maurcio Godinho, op. cit., p. 445.]

No obstante, h tambm de se evidenciar o princpio do no retrocesso social. Princpio esse aplicvel aos direitos sociais, tendo incidncia no Direito do Trabalho. Segundo Maria do Perptuo Socorro Wanderley de Castro,

trata-se de princpio externo aplicvel ao Direito do Trabalho que, a partir do texto constitucional, assegura eficcia ao projeto de criao de uma sociedade justa e solidria e permite a concretizao dos direitos que visam proteo em situaes de vulnerabilidade social[footnoteRef:17]. [17: CASTRO, Maria do Perptuo Socorro Wanderley de. Terceirizao: Uma Expresso do Direito Flexvel do Trabalho na Sociedade Contempornea. So Paulo: LTr, 2014, p. 96.]

Maria do Perptuo Socorro Wanderley de Castro ainda leciona que tal princpioconstitui uma forma de resistncia ao Direito Flexvel do Trabalho, que ope os direitos sociais j alcanados como barreira desconstruo da regulao social promovida pelo iderio do modelo neoliberal e resultante da absteno do Estado frente s relaes de trabalho[footnoteRef:18]. [18: CASTRO, Maria do Perptuo Socorro Wanderley de, op. cit., p. 97.]

Desta forma, no necessrio grande esforo para concluir que, por meio de normas principiolgicas, a Carta Magna traa limites terceirizao sem peias, no havendo espao para nenhum tipo de mecanismo que possa reduzir a valorizao do trabalho e do emprego, instituindo formas novas e incontrolveis de discriminao, aumentando a desigualdade social entre os trabalhadores e em relao aos empregadores, frustrando objetivos constitucionais to caros como a busca do bem-estar e a justia social.

1.6 Natureza jurdica da terceirizao

De fato, no existe entre os doutrinadores consenso acerca da natureza jurdica da terceirizao. Isso se d, pois, alm das inmeras concepes propostas, a terceirizao instituto da Cincia da Administrao, estranha, portanto, na sua gnese, ao direito[footnoteRef:19]. Nela possvel verificar caractersticas elementares de vrios contratos distintos, como de fornecimento de bens ou servios, de empreitada, de franquia (franchising), de locao de servios, de tecnologia (know how) e de outros tantos, tornando-o, assim, instituto especial e de aspecto atpico[footnoteRef:20]. [19: RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 196.] [20: MUTA, Peterson Vivela. Terceirizao trabalhista: aspectos jurdicos e perspectivas legais. Repertrio de Jurisprudncia IOB, So Paulo-SP, n. 24, 2 quinzena de dez. de 2010, p. 788. Disponvel em: . Acesso em: 27 out. 2014. ]

Porm, como mencionado no item 1.1 da presente monografia, a relao de terceirizao mantida entre o tomador dos servios e o terceiro de direito civil (contrato civil de atividade), ou seja, tem natureza jurdica de direito privado. Neste mesmo sentido, Sergio Pinto Martins diz que a natureza da terceirizao geralmente de um contrato de prestao de servios. A terceirizao no tem natureza trabalhista, mas uma forma de gesto de mo de obra, em decorrncia muitas vezes da reestruturao da empresa[footnoteRef:21]. [21: MARTINS, Sergio Pinto. A terceirizao e o direito do trabalho. 13. ed. So Paulo: Atlas, 2014, p. 12.]

No obstante tal natureza jurdica, o Direito do Trabalho, constitudo, em regra, por normas cogentes, impe certas limitaes a atuao dos particulares na relao de terceirizao. Podemos citar como exemplo de limitaes impostas pelo Direito do Trabalho os arts. 2 e 3 da CLT que, respectivamente, definem quem empregador e quem empregado, no restando a terceiros qualquer pactuao em sentido contrrio. Da mesma forma a clusula de no responsabilizao, muitas vezes prevista nos casos de sucesso de empregadores, no surtiria qualquer efeito se pactuada entre as partes, tendo em vista o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT.Importante mencionar que no resta confuso com o trabalho temporrio, regulamentado pela Lei n 6.019/1974, pois, na terceirizao, o contato com o terceirizado permanente e no ocasional, como ocorre neste outro instituto, servindo apenas para atender a picos de produo ou repor pessoal.No mais, a terceirizao tambm no se confunde com a empreitada, a locatio operis,

pois nesta, o que interessa o resultado da obra. Inexiste, via de regra, um sistema de parceria entre quem contrata a empreitada e o empreiteiro. Este tem apenas o interesse em concluir a obra e no em ser parceiro do terceirizante. Ao contrrio, na terceirizao, a ideia de parceria substancial[footnoteRef:22]. [22: PADOAN, Adayl de Carvalho. A terceirizao e seus aspectos legais. Revista do Curso de Direito da Universidade Estcio de S JurisPoiesis, Florianpolis-SC. Disponvel em: . Acesso em: 27 out. 2014.]

CAPTULO 2 HIPTESES LEGAIS: TERCEIRIZAO LCITA E ILCITA DE MO DE OBRA

2.1 Previso legal de hipteses de terceirizao

Como j foi mencionado no item 1.2 da presente monografia, no h no ordenamento jurdico ptrio, norma jurdica que regulamente, de forma geral, a questo da terceirizao no mbito laboral. O que temos so apenas poucas normas e/ou dispositivos legais que permitem formas de terceirizao, considerada em sentido amplo[footnoteRef:23]. [23: RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 197.]

O direito trabalhista brasileiro, em regra, veda qualquer forma de intermediao de mo de obra. Porm, h a exceo do trabalho temporrio, que a nica possibilidade de intermediao de mo de obra prevista em lei em nosso ordenamento jurdico.A definio do trabalho temporrio e da empresa de trabalho temporrio dada pelos arts. 2 e 4 da Lei n 6.019/74, nestes termos:

Art. 2 Trabalho temporrio aquele prestado por pessoa fsica a uma empresa, para atender necessidade transitria de substituio de seu pessoal regular e permanente ou a acrscimo extraordinrio de servios.[...]Art. 4 Compreende-se como empresa de trabalho temporrio a pessoa fsica ou jurdica urbana, cuja atividade consiste em colocar disposio de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por ela remunerados e assistidos.

De pronto, pela mera leitura de ambos artigos, nota-se que o trabalho temporrio tem carter excepcional, tendo em vista que s cabvel essa modalidade de contrato para atender necessidade transitria de substituio de seu pessoal regular e permanente ou acrscimo extraordinrio de servios. Tal restrio se mostra imprescindvel, pois impede que o trabalho temporrio venha a concorrer com o trabalho permanente, servindo apenas para suprir necessidades espordicas dos empregadores, vitalizando a economia e melhorando a renda individual dos que no podem obrigar-se em trabalho permanente.Podemos dizer, tambm, que o trabalho temporrio foge a bilateralidade, que regra geral da relao de emprego, formando, segundo Ricardo Resende, uma relao trilateral, em que o tomador dos servios contrata a empresa de trabalho temporrio, que, por sua vez, fornece os trabalhadores ao tomador[footnoteRef:24]. [24: Ibidem, p. 201.]

Neste mesmo diapaso, prescreve Maurcio Godinho Delgado que

a lei n. 6.019/74 criou relao justrabalhista trilateral, que se repete, mutatis mutandis, nas demais situaes de terceirizao: a) empresa de trabalho temporrio (ETT) ou empresa terceirizante; b) trabalhador temporrio; c) empresa tomadora dos servios (ETS) ou empresa cliente[footnoteRef:25]. [25: DELGADO, Maurcio Godinho, op. cit., p.460.]

O vnculo estabelecido entre o empregado e a Empresa de Trabalho Temporrio ETT de emprego, porm, entre esta e o tomador h apenas um contrato de fornecimento de trabalhadores, no havendo vnculo empregatcio deste com os trabalhadores.No caso do trabalho temporrio, perfeitamente possvel a contratao de pessoal para atuar na atividade-fim[footnoteRef:26] da empresa tomadora, enquanto na terceirizao s possvel tal contratao para labor na atividade-meio[footnoteRef:27], sob pena de descaracterizao da terceirizao e consequente estabelecimento de vnculo de emprego entre o empregado terceirizado e a tomadora do servio. Tambm fato que, no caso do trabalho temporrio, h pessoalidade e subordinao direta do trabalhador ao tomador dos servios, haja vista que a finalidade o fornecimento do trabalhador em si, e no de atividade especializada. J na terceirizao, tal pessoalidade e subordinao no podem existir, pois, nesse caso, restariam preenchidos todos os requisitos de caracterizao da relao de emprego, formando-se, assim, o vnculo de emprego entre o empregado terceirizado e a empresa tomadora do servio. Por derradeiro, outra diferena fundamental entre o trabalho temporrio e a terceirizao reside no limite temporal de vigncia do contrato de trabalho, pois, enquanto na terceirizao no h limite de tempo, no trabalho temporrio, o contrato entre a empresa de trabalho temporrio e a empresa tomadora ou cliente, com relao a um mesmo empregado, no pode ser maior que 9 meses. [26: A atividade-fim deve ser entendida como a tarefa intimamente relacionada ao objetivo social da empresa, normalmente identificado em seus estatutos constitutivos. MARTINEZ, Luciano, op. cit., p. 700.] [27: A atividade-meio compreendida como aquela que se presta meramente a instrumentalizar, a facilitar o alcance dos propsitos contratuais sem interferir neles, mas que no esto diretamente relacionadas ao objetivo central da empresa. Ibidem.]

Esse entendimento pode ser extrado da interpretao conjunta dos arts. 10 da Lei n. 6.019/1974 e art. 2, pargrafo nico da Portaria n 789 do MTE (Ministrio do Trabalho e Emprego), nestes termos:

Art. 10 O contrato entre a empresa de trabalho temporrio e a empresa tomadora ou cliente, com relao a um mesmo empregado, no poder exceder de trs meses, salvo autorizao conferida pelo rgo local do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, segundo instrues a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mo-de-Obra.

Art. 2 Na hiptese legal de substituio transitria de pessoal regular e permanente, o contrato poder ser pactuado por mais de trs meses com relao a um mesmo empregado, nas seguintes situaes:[...]Pargrafo nico. Observadas as condies estabelecidas neste artigo, a durao do contrato de trabalho temporrio, includas as prorrogaes, no pode ultrapassar um perodo total de nove meses[footnoteRef:28]. [28: BRASIL. Portaria n. 789 de 2 de junho de 2014. Estabelece instrues para o contrato de trabalho temporrio e o fornecimento de dados relacionados ao estudo do mercado de trabalho. Disponvel em: . Acesso em: 27 out. 2014.]

2.2 Terceirizao lcita e ilcita

Antes de adentrarmos ao tema terceirizao lcita e ilcita, importante ressaltar que a forma de contratao padro, que constitui a regra na ordem justrabalhista brasileira, a frmula empregatcia clssica (relao bilateral entre empregado e empregador), sendo que as hipteses de terceirizao lcita so excepcionalssimas. A terceirizao lcita ou legal aquela que observa estritamente os preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, distanciando-se da fraude e da consequente relao de emprego. J a terceirizao ilcita ou ilegal aquela que se refere a mera locao permanente de mo de obra, dando ensejo a fraudes e causando prejuzos aos trabalhadores[footnoteRef:29]. [29: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 160.]

Para que a terceirizao seja lcita no podem haver elementos de caracterizao da relao de emprego no trabalho do terceirizado, principalmente a subordinao e a pessoalidade. Dessa forma, no pode a empresa tomadora emanar ordens ao empregado terceirizado, como se fosse seu empregador, ou seja, no h poder de diretivo entre eles. Nesse momento, se faz necessria a distino entre a subordinao jurdica e a tcnica, pois, segundo Sergio Pinto Martins,

[...] a subordinao jurdica se d com a empresa prestadora de servios, que admite, demite, transfere, d ordens e a tcnica fica evidenciada com o tomador, que d as ordens tcnicas de como pretende que o servio seja realizado, principalmente quando o nas dependncias do tomador[footnoteRef:30]. [30: Ibidem, p. 162.]

Do mesmo modo, a tomadora no pode exigir que a prestadora coloque a seu dispor determinado empregado terceirizado, pois tal escolha cabe somente empresa terceirizante, sob pena de caracterizao da pessoalidade. Neste sentido, a lio de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Para o tomador, no deve importar a pessoa de quem est efetivamente prestando os servios terceirizados, mas sim a atividade empresarial contratada, sendo irrelevante qualquer substituio de trabalhadores da prestadora. A empresa tomadora, na terceirizao, contrata o servio empresarial oferecido, mas no a mo de obra ou certo trabalhador[footnoteRef:31]. [31: GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 352]

preciso lembrar que o Direito do Trabalho preza pelo princpio da primazia da realidade, constante do art. 9 da CLT[footnoteRef:32], prevalecendo a realidade dos fatos sobre o aspecto formal. Assim sendo, pouco importa a roupagem e/ou nome utilizados em determinada situao, uma vez que, presentes os requisitos constantes do art. 3 da CLT, restar evidenciada a relao de emprego. [32: Art. 9 - Sero nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na presente Consolidao.]

Caso sejam comprovadas a subordinao e a pessoalidade na prestao dos servios, a jurisprudncia tem decidido pela configurao de vnculo de emprego do empregado terceirizado com o tomador:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA SEGUNDA RECLAMADA (UNIMED). VNCULO EMPREGATCIO. ILICITUDE DA TERCEIRIZAO. ATIVIDADE MEIO. EXISTNCIA DE PESSOALIDADE E SUBORDINAO. O Tribunal a quo concluiu que, embora se trate de atividade meio, a terceirizao ilcita em razo da existncia de pessoalidade e subordinao entre a reclamante e a tomadora dos servios. Deciso que se harmoniza com a Smula n 331, III, desta Corte. (TST AIRR: 16231420105030108 1623-14.2010.5.03.0108, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 15/05/2013, 8 Turma, Data de Publicao: DEJT, 17/05/2013).

TERCEIRIZAO. ATIVIDADE-MEIO. PESSOALIDADE E SUBORDINAO PRESENTES. VNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR. ENQUADRAMENTO BANCRIO.Ainda que a terceirizao ocorra na atividade-meio, comprovadas a pessoalidade e a subordinao, h vnculo de emprego com o tomador de servios. (TRT-1 RO: 917005020095010079 RJ, Relator: Volia Bomfim Cassar, Data de Julgamento: 31/07/2012, 2 Turma, Data de Publicao: 10/08/2012).

2.2.1 Terceirizao lcita

Atualmente, alm da hiptese de trabalho temporrio prevista pela Lei n. 6.019/1974, todas as demais situaes de terceirizao lcita esto previstas no texto da Smula 331 do TST. Esta smula , sem dvidas, o principal documento que rege a terceirizao na seara justrabalhista brasileira, delimitando-a e apontando as responsabilidades dela decorrentes. Por meio de sua leitura, podemos identificar quatro grandes grupos de situaes sociojurdicas delimitadas, quais sejam: a) situaes empresariais que autorizem contratao de trabalho temporrio (Smula 331, I): tais situaes se encontram prescritas na Lei n. 6.019/1974, podendo ser resumidas em necessidade transitria de substituio de seu pessoal regular e permanente ou acrscimo extraordinrio de servio.b) atividades de vigilncia, regidas pela Lei n. 7.102/1983 (Smula 331, III): referida lei, anteriormente, previa apenas a possibilidade de terceirizao dos servios de vigilncia para empresas do segmento bancrio. Porm, atualmente, com a edio da Smula 331 e consequentes modificaes legislativas trazidas pela Lei n. 8.863/1994, qualquer segmento do mercado de trabalho pode contratar servios de vigilncia mediante empresas especializadas, valendo-se do instrumento jurdico da terceirizao, desde que estas obedeam s normas da legislao especfica;c) atividades de conservao e limpeza (Smula 331, III): provavelmente, estas so as atividades em que se mais ocorre a terceirizao. A terceirizao das atividades de conservao e limpeza ocorriam mesmo quando a Smula 256 do TST, que precedeu a Smula 331, no contemplava a licitude de tais prticas quanto a esse segmento de servios e trabalhadores; ed) servios especializados ligados atividade-meio do tomador[footnoteRef:33]: de forma sucinta, atividade-meio aquela atividade secundria, que no compe o ncleo da dinmica empresarial do tomador, ou seja, no est ligada diretamente ao objetivo central da empresa. De forma exemplificativa, podemos citar as atividades de transporte, conservao, limpeza, custdia, operao de elevadores, servio de alimentao aos empregados do estabelecimento etc. [33: DELGADO, Maurcio Godinho, op. cit., p. 448-450. ]

Diante o exposto, fica clara a absoluta importncia do estudo da Smula 331 do TST. Assim sendo, faremos uma minuciosa anlise item por item do referido verbete. A seguir:

Item II A contratao de trabalhadores por empresa interposta ilegal, formando-se o vnculo diretamente com o tomador dos servios, salvo no caso de trabalho temporrio (Lei n 6.019, de 03.01.1974)

Referido item apenas repete o que j foi estudado anteriormente. Como j foi visto na presente monografia, a intermediao de mo de obra , em regra, vedada pelo direito trabalhista brasileiro. A regra a frmula empregatcia clssica (bilateral), sendo exceo a frmula empregatcia trilateral, praticada, por exemplo, na terceirizao. Logo, o item I da Smula 331 define a intermediao de mo de obra como sendo, em regra, ilcita, pois a nica hiptese legal que excepciona tal regra o trabalho temporrio.Uma vez ocorrida a terceirizao ilcita, deve-se desconsiderar o aspecto formal e aplicar o princpio da primazia da realidade (art. 9 da CLT), formando-se vnculo direto de emprego entre o empregado terceirizado e o tomador dos servios. Nesse caso, no h de se falar em responsabilidade solidria ou subsidiria, tendo em vista que, a rigor, o tomador o real empregador[footnoteRef:34]. [34: RICARDO, Resende, op. cit., p. 218.]

Item IIII A contratao irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, no gera vnculo de emprego com os rgos da administrao pblica direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

Nesse caso, a questo permeia mais pela seara constitucional do que trabalhista. O inciso II do art. 37 da Constituio declara que a investidura em cargo ou emprego pblico depende de prvia aprovao em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos. Dessa forma, ainda que a contratao tenha sido irregular, no ter o condo de gerar vnculo de emprego com a Administrao, pois foi realizada sem o devido concurso pblico.Tal impossibilidade de gerao de vnculo empregatcio tambm pode ser extrada da leitura do 2 do art. 37 da Constituio Federal, tendo em vista que, a no observncia dos requisitos previstos no inciso II do mesmo artigo, entre os quais a necessidade de concurso pblico, implica a nulidade do ato e a punio da autoridade responsvel, nos termos da lei. Nesse sentido, assevera Sergio Pinto Martins que

o referido artigo exige concurso pblico no s para o cargo, mas tambm para emprego pblico, ou seja, para o regime da CLT, tanto na Administrao Pblica direta, como indireta ou fundacional. O requisito concurso pblico , portanto, essencial validade do negcio jurdico (arts. 104[footnoteRef:35], 107[footnoteRef:36] e 166, IV[footnoteRef:37], do Cdigo Civil)[footnoteRef:38]. [35: Art. 104. A validade do negcio jurdico requer: [...] III - forma prescrita ou no defesa em lei.] [36: Art. 107. A validade da declarao de vontade no depender de forma especial, seno quando a lei expressamente a exigir.] [37: Art. 166. nulo o negcio jurdico quando: [...] IV - no revestir a forma prescrita em lei; [...]] [38: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 147.]

Tambm vale dizer que a Administrao Pblica est estritamente ligada ao princpio da legalidade, no podendo o princpio da primazia da realidade se sobrepor a regra de ordem pblica contida no inciso II do art. 37 da Constituio Federal, sendo que a norma constitucional est acima das regras ordinrias da CLT e dos princpios do Direito do Trabalho.Por fim, h que se tomar cuidado para no haver confuso entre a impossibilidade de formao de vnculo de emprego com a Administrao, com a questo da responsabilizao subsidiria do tomador dos servios, que ser analisada com mais detalhes quando do estudo dos itens IV e V.

Item IIIIII No forma vnculo de emprego com o tomador a contratao de servios de vigilncia (Lei n 7.102, de 20.06.1983) e de conservao e limpeza, bem como a de servios especializados ligados atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinao direta.

No item III, o TST tratou de regular as hipteses[footnoteRef:39] de terceirizao lcita, sendo elas: [39: Alm das hipteses previstas no item III da Smula 331, tambm lcito o trabalho temporrio, que tratado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudncia como uma espcie de terceirizao.]

a) servios de vigilncia, regulados pela Lei n. 7.102/1983; b) servios de conservao e limpeza; ec) servios especializados ligados atividade-meio do tomador.Quanto a primeira hiptese, cabe registrar que vigilante no vigia. Segundo Mauricio Godinho Delgado,

vigilante membro de categoria especial, diferenciada ao contrrio do vigia, que se submete s regras da categoria definida pela atividade do empregador. O vigilante submete-se a regras prprias no somente quanto formao e treinamento da fora de trabalho como tambm estrutura dinmica da prpria entidade empresarial[footnoteRef:40]. [40: DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 449.]

Neste mesmo sentido, a ementa do seguinte acrdo:

VIGIA E VIGILANTE. DIFERENCIAO.A funo do vigilante se destina precipuamente a resguardar a vida e o patrimnio das pessoas, exigindo porte de arma e requisitos de treinamento especficos, nos termos da lei n 7.102/83, com as alteraes introduzidas pela lei n 8.863/94, exercendo funo parapolicial. No pode ser confundida com as atividades de um simples vigia ou porteiro, as quais se destinam proteo do patrimnio, com tarefas de fiscalizao local. O vigilante aquele empregado contratado por estabelecimentos financeiros ou por empresa especializada em prestao de servios de vigilncia e transporte de valores, o que no se coaduna com a descrio das atividades exercidas pelo autor, ou seja, de vigia desarmado, que trabalhava zelando pela segurana da reclamada de forma mais branda, no sendo necessrio o porte e o manejo de arma para se safar de situaes emergenciais de violncia. (TRT 3 Regio RO: 00329-2014-185-03-00-6 MG, Relator: Rosemary de Oliveira Pires, Data de Julgamento: 01/07/2014, 6 Turma, Data de Publicao: 09/07/2014).

Na hiptese de servios especializados ligados atividade-meio do tomador, h de se fazer importante distino entre atividade-fim e atividade-meio. No obstante tal tema ser alvo de grande discusso doutrinria, e, mesmo no havendo consenso, podemos considerar atividade-fim aquela estritamente ligada ao objeto social da empresa, ou seja, aquela atividade inerente ao seu objetivo central, sem a qual no haveria a consecuo dos fins do empreendimento. Neste sentido, prescreve Mauricio Godinho Delgado que

atividades-fim podem ser conceituadas como as funes e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao ncleo da dinmica empresarial do tomador dos servios, compondo a essncia dessa dinmica e contribuindo inclusive para a definio de seu posicionamento e classificao no contexto empresarial e econmico. So, portanto, atividades nucleares e definitrias da essncia da dinmica empresarial do tomador dos servios[footnoteRef:41]. [41: DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 450.]

Podemos dar como exemplo o professor de uma faculdade que, sem dvida alguma, desempenha atividade-fim ao ministrar suas aulas, pois atua na atividade central da instituio educacional.Atividade-meio, ao seu passo, poder ser definida como aquela atividade secundria, de apoio, que no faz parte do objetivo principal da empresa, no sendo essencial para a consecuo dos fins do empreendimento. Nessa linha, ensina Sergio Pinto Martins que a atividade-meio pode ser entendida

como a atividade desempenhada pela empresa que no coincide com seus fins principais. a atividade no essencial a empresa, secundria, que no seu objeto central. uma atividade de apoio a determinadores setores da empresa ou complementar[footnoteRef:42]. [42: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 130.]

So exemplos da terceirizao na atividade-meio: a limpeza, a vigilncia, a conservao, o servio de alimentao aos empregados do estabelecimento etc.Por derradeiro, para que no exista, contudo, o vnculo de emprego com a tomadora dos servios, imprescindvel que no restem presentes a pessoalidade e a subordinao direta. Isto se justifica pois os servios prestados pela empresa terceirizante so no eventuais e onerosos. Logo, se tambm forem pessoais e subordinados, estaro preenchidos os requisitos caracterizadores da relao de emprego constantes do art. 3 da CLT, e a estar caracterizada, incontestavelmente, a relao de emprego direta com o tomador[footnoteRef:43]. A pessoalidade e a subordinao direta devem se dar com a pessoa que fornece a mo de obra, e, caso o servio seja prestado no estabelecimento da tomadora, deve ser executado sob as ordens de prepostos da prestadora, e no da tomadora[footnoteRef:44]. [43: RICARDO, Resende, op. cit., p. 221.] [44: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 133.]

Item IVIV O inadimplemento das obrigaes trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios quanto quelas obrigaes, desde que haja participado da relao processual e conste tambm do ttulo executivo judicial.

Este item diz respeito a responsabilizao do tomador do servios pelo inadimplemento das obrigaes trabalhistas nos casos de terceirizao lcita.Apesar de a terceirizao ser lcita em determinados casos, o tomador responde pelo abuso do direito de terceirizar, afinal, no pode ele usar da terceirizao como meio de fraude para eximir-se das obrigaes trabalhistas. O abuso do direito encontra respaldo no art. 187 do Cdigo Civil, o qual prescreve que: Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes. Nesse mesmo sentido, ensina Ricardo Resende que

ao eleger mal (culpa in eligendo) seu prestador de servios, e ao no fiscalizar conduta do mesmo em relao ao cumprimento das obrigaes trabalhistas (culpa in vigilando), o tomador dos servios age em flagrante abuso de direito, razo pela qual lhe cabe tambm algum tipo de responsabilidade[footnoteRef:45]. [45: RICARDO, Resende, op. cit., p. 222.]

A responsabilidade do tomador dos servios, nos casos de terceirizao lcita, subsidiria. Mas h de se tomar cuidado, pois existe uma condio para tal responsabilizao: a empresa tomadora dos servios tem que ter participado da relao processual, constando do ttulo executivo judicial.

Item VV Os entes integrantes da Administrao Pblica direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condies do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigaes da Lei 8.666/93, especialmente na fiscalizao do cumprimento das obrigaes contratuais e legais da prestadora de servio como empregadora. A aludida responsabilidade no decorre de mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Referido item trata da responsabilidade subsidiria da Administrao Pblica direta e indireta nos casos de terceirizao.Por meio de breve leitura, fica claro que no aplicvel Administrao Pblica a responsabilizao subsidiria automtica prevista no item IV da Smula 331. Isso se d por fora do 1 do art. 71 da Lei 8.666/93, que reza o seguinte:

Art. 71 [...] 1 A inadimplncia do contratado com referncia aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais no transfere Administrao Pblica a responsabilidade por seu pagamento, nem poder onerar o objeto do contrato ou restringir a regularizao e o uso das obras e edificaes, inclusive perante o registro de imveis.

Por conta do referido pargrafo, no pode a Administrao Pblica ser responsabilizada pelo pagamento dos encargos trabalhistas de forma automtica, mas somente quando age com conduta culposa, incorrendo especialmente em culpa in eligendo e em culpa in vigilando. Neste mesmo sentido, a ementa do seguinte acrdo do TST:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIRIA. TERCEIRIZAO. ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA. SMULA 331/TST. No se analisa a responsabilidade subsidiria sob o prisma do comando normativo inserto no art. 71 da Lei n 8.666/93, mas diante da aplicao dos princpios constitucionais fundamentais e dos princpios que regem o direito do trabalhador, bem como da prpria Lei n 8.666/93, art. 58, III, e art. 67, mister se presente a culpa in vigilando da Administrao Pblica direta ou indireta ao longo da prestao de servios (STF, ADC n. 16-DF). Ademais, nos termos do item VI da Smula n 331/TST, a responsabilidade do agravante abrange todas as verbas decorrentes da condenao referente ao perodo da prestao laboral . Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. (TST - AIRR: 1174007520125210011, Relator: Vania Maria da Rocha Abensur, Data de Julgamento: 19/11/2014, 3 Turma, Data de Publicao: DEJT 21/11/2014).

Segundo prescreve o art. 65 da Lei n. 8666/93, deve a execuo do contrato ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administrao especialmente designado, permitida a contratao de terceiros para assisti-lo e subsidi-lo de informaes pertinentes a essa atribuio.Dessa forma, deve a Administrao Pblica fiscalizar o contratado no tocante ao pagamento das obrigaes trabalhistas e previdencirias dos seus empregados, sob pena de, havendo inadimplemento pela empresa prestadora dos servios, ter que arcar com o pagamento dessas obrigaes.

Item VIVI A responsabilidade subsidiria do tomador de servios abrange todas as verbas decorrentes da condenao referentes ao perodo da prestao laboral.

O item VI prescreve que a responsabilidade subsidiria de que tratam os dois itens anteriores abrange todas as parcelas decorrentes da condenao imposta ao terceiro prestador dos servios, mesmo que indenizatrias ou punitivas, devendo ficar limitada ao tempo em que o empregado trabalhou para a tomadora dos servios.Tambm na abrange a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios as multas dos arts. 477, 8 e 467 da CLT, e, inclusive, a indenizao adicional da Lei n. 7.238/84. Em consonncia com este entendimento, o seguinte aresto do TST:

[...] 2. RESPONSABILIDADE DA TOMADORA PELO PAGAMENTO DAS MULTAS PREVISTAS NOS ARTS. 467 E 477 DA CLT. A jurisprudncia desta Corte pacificou o entendimento de que a condenao do tomador de servios abrange todas as verbas no adimplidas pelo devedor principal, inclusive as multas previstas nos arts. 467 e 477 da CLT, uma vez que se trata de verbas vinculadas ao contrato de trabalho. Recurso de revista no conhecido. (TST - RR: 470003220085150047 47000-32.2008.5.15.0047, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 11/05/2011, 8 Turma, Data de Publicao: DEJT 16/05/2011).

2.3 Construo jurisprudencial acerca do tema

A jurisprudncia da Justia do Trabalho, sobretudo a do TST, comeou a dar mais ateno ao instituto da terceirizao no transcorrer dos anos 80, mais especificamente no ano de 1986, quando foi aprovada, pela Resoluo Administrativa n. 4/86, a Smula 256, que versava sobre legalidade dos contratos de prestao de servios, tendo como precedentes, por exemplo, os seguintes acrdos:

O trabalho de conservao e asseio no pode ser objeto de contratao pela Lei n. 6.019, por no se tratar de trabalho temporrio. Menos ainda pela locao prevista no Cdigo Civil, por ser atividade permanente, indispensvel vida da empresa. A contratao de locadora constitui fraude ao regime da CLT. Vnculo empregatcio com o tomador do servio quando h continuidade e o trabalho prestado a uma nica empresa. [...] (Ac. 2 T 377/82, Proc. RR 889/81, j. 2-3-82, Rel. Min. Marcelo Pimentel, Recorrente: Brilho Conservao e Administrao de Prdios Ltda. e Cia. Estadual de Energia Eltrica, e Recorrida: Margarida da Silva Ramos).

Contratao de empresa para execuo de servios inerentes atividade da reclamada. Ou h fraude ou mo-de-obra locada em situao no prevista na Lei n. 6.019/74. (Ac. 3 T 3.874/81, Proc. RR 402/81, j. 4-12-81, Rel. Min. Guimares Falco, Recorrente: Ripasa S.A. Celulose e Papel, e Recorridos: Moacir de Oliveira e outros, Transportadora Ruratran Ltda. e Madeireira Patriarca Ltda.).

No acrdo do RR 3.442/84, que deu origem Smula 256, no qual foi relator o Min. Marco Aurlio, ficou claro que a contratao de empresa interposta s seria admissvel em casos excepcionais, tendo em vista que, perante ao princpio da no mercantilizao do trabalho, os homens no podem ser objeto desse tipo de contrato, apenas as coisas, restando ilcita a locao de fora de trabalho. Segundo Sergio Pinto Martins, uma das preocupaes principais do verbete em anlise foi a de no permitir o leasing de mo de obra ou marchandage, no sentido da explorao do homem pelo prprio homem, mediante contratao de trabalhadores por empresa interposta[footnoteRef:46]. [46: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 114.]

Nestes termos, a Smula 256 prescreve que salvo os casos de trabalho temporrio e de servio de vigilncia, previstos nas Leis ns 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, ilegal a contratao de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vnculo empregatcio diretamente com o tomador dos servios.Dessa forma, importante mencionar que, na poca de validade da Smula 256, o TST proibia a intermediao de mo de obra tanto na atividade-fim quanto na atividade-meio, excepcionando apenas os casos da Lei n. 6.019/74 (Lei do Trabalho Temporrio) e da Lei n 7.102/83 (Lei do Trabalho de Vigilncia). Porm, a anlise da Smula 256 do TST deve ser feita com cuidado, sob pena de que as empresas prestadoras de servios no mais possam exercer esse ramo de atividade. Deve-se interpretar tal smula no sentido de evitar a formao de empresas de fachada, que se mostram isentas de qualquer idoneidade financeira e estrutural, surgindo com o nico intuito de fraudar o sistema e direitos trabalhistas.Esta smula foi cancelada pela Resoluo n 121 do TST, de 19 de novembro de 2003.J no dia 17 de dezembro de 1993, foi aprovada, pela Resoluo Administrativa n 23/94, a Smula 331 do TST, que veio, de certa forma, suceder a Smula 256.A Smula 331, atualmente, o principal documento que tratar de regulamentar, mesmo que de maneira precria, a prtica da terceirizao trabalhista. A sua importncia se deve a completa falta de regulamentao por vias legais, tendo em vista a no existncia de norma que discipline, de forma geral, tal prtica.Seus principais precedentes foram os seguintes:

Contrato de prestao de servios Legalidade.Salvo os casos de trabalho temporrio e de servio de vigilncia, previstos na Lei n 6.019, de 3-1-74, e 7.102, de 20-6-83, ilegal a contratao de trabalhadores por empresa interposta, formando-se vnculo empregatcio diretamente com o tomador dos servios.

CAPTULO 3 EFEITOS DA TERCEIRIZAO E A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA

3.1 Vantagens e desvantagens da subcontratao

A terceirizao adveio com a necessidade de especializao e aperfeioamento das atividades produtivas no mbito empresarial, e, como qualquer outra estratgia de organizao ou conglomerado de mtodos de gesto, tem seus pontos positivos e negativos.Alm de ser uma tendncia muito forte na modernizao das relaes empresariais, a terceirizao j passou a ser realidade, sendo tratada como prtica cotidiana nas empresas, cujos os principais objetivos so aumentar a produtividade e a qualidade, alm de reduzir os custos com pessoal e encargos sociais, aumentando-se, assim, a competitividade.A princpio, a terceirizao se mostra uma prtica muito vantajosa, pois se torna uma opo bastante atrativa para o empresrio que quer aumentar o desempenho da sua empresa e, ao mesmo tempo, diminuir seus custos. Isso possvel, pois, com a terceirizao, a empresa pode focar suas atividades no prprio empreendimento e no em atividades secundrias. Neste entendimento, prescreve Sergio Pinto Martins que com a terceirizao, o administrador de empresas no precisar se preocupar com certas atividades, dentro da empresa, que muitas vezes so dispendiosas e at ociosas, mas que fazem parte do seu todo operacional[footnoteRef:47]. [47: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 32.]

Na mesma linha de pensamento, Luiz Carlos Amorim Robortella prope que um dos aspectos mais atraentes da terceirizao vem da possibilidade de transformar custos fixos em variveis, eliminar boa parte das operaes no essenciais e liberar o capital para a aplicao na melhoria do processo produtivo, em novas tecnologias e em novos produtos[footnoteRef:48]. [48: ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Terceirizao Aspectos jurdicos Responsabilidades Direito Comparado. Revista LTr 58-08. So Paulo. Vol. 58, n. 08, ago. apud CRUZ, Luiz Guilherme Ribeiro da. A terceirizao trabalhista no Brasil: aspectos gerais de uma flexibilizao sem limite. Revista CAAP Centro Acadmico Afonso Pena, Belo Horizonte-MG, n. 1, jan./jun. 2009, ISSN 1415 0344. Disponvel em: . Acesso em: 08 jan. 2015.]

A reduo dos custos decorre do fato de que a empresa tomadora no necessita manter operaes no essenciais ao seu funcionamento, j que estas operaes so delegadas s empresas terceirizadas, que conseguem execut-las com um menor custo.Alm da reduo dos custos, podemos destacar tambm o fator qualidade, pois inerente terceirizao a consequente especializao das empresas na realizao das tarefas, tornando-se natural que os produtos e servios prestados sejam de maior qualidade. Essa especializao ocorre pois a empresa tomadora pode delegar atividades secundrias a empresas prestadoras de servios, que tm aquelas atividades como seu principal empreendimento. No obstante, a prpria empresa tomadora acaba se tornando mais especializada, pois pode dedicar maior ateno e foco a sua atividade principal.Com a terceirizao cria-se tambm uma forma de simplificao da estrutura organizacional da empresa, racionalizando-a[footnoteRef:49]. Isso ocorre uma vez que a empresa tomadora no precisa mais manter em sua estrutura atividades que no dizem respeito ao seu objeto social, simplificando-a e tornando a sua gesto mais objetiva e precisa. [49: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 32.]

Ainda possvel falar em uma maior gerao de empregos, tendo em vista que a demanda por empresas terceirizadas se torna cada vez maior, aumentando-se, assim, a arrecadao de impostos, como o ISS na rea de servios.Rubens Ferreira de Castro defende essa ideia, afirmando que

a aplicao desta tcnica de administrao gera o crescimento do nmero de empresas dentro da economia nacional, sendo que essas aumentam o nmero de postos de trabalho, com vantagens refletidas na rea social. [...] Essa importncia mais intensa no campo econmico e social, pois um dos principais objetivos do Direito do Trabalho o pleno emprego, a garantia de trabalho para todos[footnoteRef:50]. [50: CASTRO, Rubens Ferreira de. A Terceirizao no Direito do Trabalho. So Paulo: Malheiros, 2000. p. 80 apud CRUZ, Luiz Guilherme Ribeiro da. A terceirizao trabalhista no Brasil: aspectos gerais de uma flexibilizao sem limite. Revista CAAP Centro Acadmico Afonso Pena, Belo Horizonte-MG, n. 1, jan./jun. 2009, ISSN 1415 0344. Disponvel em: . Acesso em: 10 jan. 2015.]

Todas essas vantagens provenientes da terceirizao tm como principal objetivo a maior competitividade da empresa, tendo em vista que, com o advento da globalizao das economias e da concorrncia internacional, tornou-se cada vez mais acirrada a disputa por espao no mercado de consumo.Como pode-se ver, a maioria das vantagens dizem respeito ao empregador, restando ao empregado quase que s desvantagens.Com a terceirizao, o vnculo empregatcio criado se torna frgil e os direitos sociais so reduzidos, restituindo cena do trabalho dos antigos contratos de empreitada. Ocorre, tambm, o distanciamento e diferenciao entre os trabalhadores. Neste sentido, leciona Maria do Perptuo Socorro Wanderley de Castro, que o local de trabalho no tem mais o significado da antiga fbrica, pois, no mesmo ambiente, uns so empregados da empresa, mas outros so terceirizados, empregados de outrem o que opera uma dissociao entre o seu trabalho e a sua empregadora[footnoteRef:51]. [51: CASTRO, Maria do Perptuo Socorro Wanderley de, op. cit., p. 161.]

Tambm aponta Fbio Tulioso Barroso que a terceirizao fomenta

a precarizao dos mecanismos de agregao solidria dos trabalhadores, dentro e fora da empresa; a instabilidade e as jornadas diferenciadas concorrem para a criao de um abiente de confrontao interna da classe obreira, o que supe uma exteriorizao dos conflitos existentes entre as classes que formam o tecido produtivo social[footnoteRef:52]. [52: BARROSO, Fbio Tlio. Direito Flexvel do Trabalho: abordagens crticas. Recife: Universitria da UFPE, 2009, p. 54 apud CASTRO, Maria do Perptuo Socorro Wanderley de. Terceirizao: Uma Expresso do Direito Flexvel do Trabalho na Sociedade Contempornea. So Paulo: LTr, 2014, p. 161.]

No obstante, podemos afirmar que a terceirizao, alm de precarizar as relaes e condies de trabalho, tambm precariza a remunerao do trabalhador. Em uma pesquisa recente realizada pela CUT (Central nica dos Trabalhadores) juntamente com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Econmicos), foi constatada, em dezembro de 2010, a diferena de remunerao de 27,1% a menos para os trabalhadores terceirizados[footnoteRef:53]. [53: Terceirizao e Desenvolvimento: uma conta que no fecha. Dossi sobre o impacto da terceirizao sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. Setembro, 2011. CUT e DIEESE. Disponvel em: . Acesso em: 16 jan. 2014.]

Ademais, o trabalhador terceirizado trabalha mais, tendo, em mdia, uma jornada semanal contratada de 43h contra 40h do trabalhador direto. Tal pesquisa demonstra uma diferena ainda maior entre os trabalhadores diretos e terceirizados quando o assunto rotatividade e permanncia no emprego. Enquanto a permanncia no trabalho de 5,8 anos para os trabalhadores diretos, em mdia, para os terceiros de 2,6 anos. Desse fato decorre a alta rotatividade dos terceirizados 44,9% contra 22% dos diretamente contratados[footnoteRef:54]. Essa permanncia reduzida acarreta prejuzo ao trabalhador que, ao alternar perodos de emprego e desemprego, no consegue projetar e organizar a sua vida, perdendo assim a perspectiva de crescimento tanto econmico quanto profissional. No obstante, a alta rotatividade tambm prejudica o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), uma vez que alavanca os custos com o pagamento de seguro-desemprego. [54: Terceirizao e Desenvolvimento: uma conta que no fecha. Dossi sobre o impacto da terceirizao sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. Setembro, 2011. CUT e DIEESE. Disponvel em: . Acesso em: 16 jan. 2014.]

Podemos destacar tambm como ponto negativo da terceirizao a elevada incidncia de acidentes de trabalho graves e fatais. Segundo informaes da FUP Federao nica dos Petroleiros, entre 2012 e 2013, foram registradas 110 mortes de terceiros contra 20 mortes de funcionrios da Petrobrs, ou seja, os terceirizados tm 5,5 mais chance de morrer em um acidente de trabalho do que os trabalhadores efetivos no setor do petrleo[footnoteRef:55]. [55: Notcia do site da CUT]

Mas essa no uma exclusividade dos petroleiros. Segundo a pesquisa Terceirizao e Desenvolvimento Uma conta que no fecha, realizada pela CUT em parceria com o DIEESE,

em setores perigosos como o de energia eltrica, extrao e refino de petrleo e siderurgia esta realidade tem se expressado de forma cruel. Estudo da subseo do Dieese do Sindieletro Minas Gerais, realizado em 2010 com base em dados da Fundao Coge, revela que entre 2006 e 2008, morreram 239 trabalhadores por acidente de trabalho, dentre os quais 193, ou 80,7% eram trabalhadores terceirizados[footnoteRef:56]. [56: Terceirizao e Desenvolvimento: uma conta que no fecha. Dossi sobre o impacto da terceirizao sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. Setembro, 2011. CUT e DIEESE. Disponvel em: . Acesso em: 16 jan. 2014.]

Esse nmero extremamente elevado de acidentes graves e fatais entre os terceirizados decorre do fato de que eles no tm o mesmo treinamento e cobrana para o uso de EPIs, alm de serem submetidos a jornadas mais extensas, exaustivas e com remuneraes inferiores que os trabalhadores diretos.Ainda podemos citar o problema do enfraquecimento sindical, tendo em vista a consequente disperso dos trabalhadores em inmeras empresas pequenas, sem qualquer preocupao com sua integrao social[footnoteRef:57]. Esse enfraquecimento tambm ocorre pois a terceirizao tem como consequncia a contratao de vrios empregados por empregadores diferentes, dificultando, assim, a unidade dos trabalhadores para a obteno de vantagens que o movimento organizado pode oferecer. [57: RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 258.]

Alm das inmeras desvantagens que ocorrem durante a execuo do contrato dos terceirizados, esses trabalhadores tambm no tm vida fcil quando o assunto o trmino desse mesmo contrato. Segundo o TST Tribunal Superior do Trabalho, 22 das 100 maiores devedoras da Justia do Trabalho so empresas terceirizadas. Sendo que entre as 20 primeiras do ranking, apenas as cinco empresas de terceirizao de mo de obra, vigilncia e servios gerais somam 9.297 processos[footnoteRef:58]. Desta forma, o resultado desta prtica para os trabalhadores terceirizados o desemprego inesperado, acompanhado da falta de pagamento. [58: Notcia do site do TST]

3.3 Terceirizao e responsabilidade

Inicialmente, a responsabilidade trabalhista nos casos de subcontratao foi tratada pela Lei n. 6.019/74, que envolve apenas a terceirizao temporria, ou seja, de relao trabalho temporrio. Essa lei prev a hiptese de responsabilizao solidria da empresa tomadora dos servios no caso de falncia da empresa de trabalho temporrio, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens[footnoteRef:59]. Um detalhe muito importante que, pela leitura do texto legal, essa responsabilidade do tomador dos servios abrangeria apenas contribuies previdencirias, verbas remuneratrias e a indenizao pela ruptura do contrato de trabalho temporrio. [59: RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 236.]

Porm, com o passar do tempo, a jurisprudncia j via que aquele modo de responsabilizao, pautado apenas nos casos de falncia ou insolvncia da empresa terceirizante, no era o suficiente para conter o crescente aumento do inadimplemento das verbas trabalhistas, vendo-se, assim, a necessidade de um avano para a maior proteo dos direitos do trabalhador. Pautada nessa necessidade de avano, foi criada a Smula 331 do TST, que passou a responsabilizar, de forma subsidiria, as empresas tomadoras pelo mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas por parte da empresas prestadoras de servio[footnoteRef:60]. [60: DELGADO, Maurcio Godinho, op. cit., p. 477.]

Nestes termos, esclarece o item IV da supracitada smula que o inadimplemento das obrigaes trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios quanto quelas obrigaes, desde que haja participado da relao processual e conste tambm do ttulo executivo judicial.Como pode-se ver, alm de uma ampliao na incidncia da responsabilidade trabalhista em situaes de terceirizao, houve um aumento na abrangncia das verbas submetidas responsabilidade, passando a recair sobre todas as parcelas contratuais devidas pela empresa terceirizante ao obreiro terceirizado. Por outro lado, essa responsabilidade foi atenuada, passando a ser subsidiria ao invs de solidria.A responsabilidade subsidiria, nesse caso, no tem previso legal, decorrendo apenas da orientao do item IV da Smula 331 do TST.Por meio da analogia, o TST, com base no art. 455 da CLT, que trata da subempreitada, deu respaldo legal para a redao do item IV da Smula 331. Segundo o referido artigo, o empreiteiro responsvel subsidiariamente pelas obrigaes derivadas do contrato de trabalho, tendo em vista que o empregado tem direito de reclamao contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigaes que originariamente eram do subempreiteiro. Nestes termos, o art. 455, in verbis:

Art. 455. Nos contratos de subempreitada responder o subempreiteiro pelas obrigaes derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamao contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigaes por parte do primeiro.

Essa responsabilidade existe pois toda atividade lesiva a um interesse patrimonial ou moral gera a necessidade de reparao, que o fato gerador da responsabilidade civil. De acordo com Alice Monteiro de Barros, essa sano funda-se na culpa (responsabilidade subjetiva) e tambm no risco (responsabilidade objetiva), representando esta ltima uma reformulao da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanizao[footnoteRef:61]. [61: BARROS, Alice Monteiro de Barros. Curso de direito do trabalho. 7. ed. So Paulo, LTr, 2011, p. 359.]

Pela teoria do risco proveito, entende-se que tem responsabilidade aquele que busca tirar proveito de atividade danosa, baseando no preceito de que quem aufere o bnus, deve suportar o nus. Com esse mesmo entendimento, Maria Helena Diniz prescreve

que aos trabalhadores e s vtimas de acidentes, contra a insegurana material e todo dano, deve haver um responsvel. A noo de risco prescinde da prova da culpa do lesante, contentando-se com a simples causao externa, bastando a prova de que o evento decorreu do exerccio da atividade, para que o prejuzo por ela criado seja indenizado. Baseia-se no princpio ubi emolumentum, ibi ius (ou ibi onus), isto , a pessoa que se aproveitar dos riscos ocasionados dever arcar com suas consequncias[footnoteRef:62]. [62: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. v.7. So Paulo: Saraiva, 1987, p. 11 e CHAVES, Antnio. Responsabilidade civil. 1. ed. So Paulo: Bushatsky, 1972, p. 36. apud BARROS, Alice Monteiro de Barros. Curso de direito do trabalho. 7. ed. So Paulo, LTr, 2011, p. 360.]

Esse pensamento tem amparo legal no caput do art. 927 e tambm em seu pargrafo nico, que prescreve que:

Art. 927 Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo.Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No obstante possamos falar em responsabilidade objetiva por conta do risco proveito, que aquele que dispensa a prova de culpa, h tambm quem defenda que a responsabilizao subsidiria do tomador dos servios decorre de culpa, sendo que essa culpa pode ser subdivida em culpa in eligendo e culpa in vigilando. A culpa in eligendo decorre do fato de que a empresa tomadora no observou o dever de cuidado objetivo no momento de eleger a empresa que lhe prestaria os servios, ou seja, fez uma escolha inadequada ao eleger como sua prestadora de servios uma empresa inidnea financeiramente. J a culpa in vigilando, advm do fato de que a empresa tomadora no se ateve a fiscalizar da forma devida as atividades da prestadora dos servios.Segundo Sergio Pinto Martins,

o no pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado mostra a inidoneidade financeira da empresa prestadora de servios. Isso indica que a tomadora dos servios tem culpa in eligendo e in vigilando, pela escolha inadequada de empresa inidnea e por no a fiscalizar pelo cumprimento das obrigaes trabalhistas[footnoteRef:63]. [63: MARTINS, Sergio Pinto, op. cit., p. 138.]

Essa corrente de pensamento tem grande prestgio e aplicao quando a tomadora dos servios a Administrao Pblica, direta ou indireta, j que a redao do item V da Smula 331 veda a responsabilizao automtica nesse, s sendo permitida em caso de conduta culposa por parte da Administrao Pblica.Por derradeiro, importante ressaltar que o responsvel subsidirio s ir responder se tiver participado da relao processual e tenha havido o trnsito em julgado da deciso. Isso ocorre, pois, num processo, quem no foi parte na fase de conhecimento no o pode ser na fase de execuo.Diante o exposto, podemos afirmar hoje que, nos casos de falncia ou insolvncia da empresa prestadora dos servios, a responsabilidade da empresa tomadora solidria. J nos demais casos, que no envolvam falncia, a responsabilidade da empresa tomadora subsidiria.

3.3.1 Responsabilizao de entes estatais terceirizantes

A responsabilidade subsidiria da Administrao Pblica, direta ou indireta, perante s obrigaes trabalhistas das empresas terceirizadas, j foi tema de grande celeuma no Direito do Trabalho. Porm, atualmente, a soluo explicitada no item V da Smula 331 do TST, representa o entendimento jurisprudencial cristalizado e pacificado quanto ao tema, resultante da aplicao de normas trabalhistas de proteo.Toda a discusso da responsabilizao da Administrao Pblica tem incio com a leitura do caput e do pargrafo 1 o art. 71 da Lei n. 8.666/93, que rezam o seguinte:

Art. 71. O contratado responsvel pelos encargos trabalhistas, previdencirios, fiscais e comerciais resultantes da execuo do contrato. 1 A inadimplncia do contratado com referncias aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais no transfere Administrao Pblica a responsabilidade por seu pagamento, nem poder onerar o objeto do contrato ou restringir a regularizao e o uso das obras e edificaes, inclusive perante o registro de imveis.

Como pode-se ver, o pargrafo 1 do art. 71 da Lei n. 8.666/93 determina que no existe nenhuma responsabilidade da Administrao Pblica perante o inadimplemento dos encargos trabalhistas.Todavia, tal pargrafo s explicita que no existe responsabilidade do ente pblico no caso de mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas por parte da prestadora dos servios, ou seja, que a responsabilizao no seria automtica, deixando lado para responsabilizar a Administrao Pblica quando a mesma incorresse em culpa.Foi nesse sentido o entendimento do TST, estampado no Incidente de Uniformizao de Jurisprudncia suscitado no Processo TST-IUJ-RR-297.751/96, que deu origem ao enunciado do item V da Smula 331, in verbis:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAO DE JURISPRUDNCIA - ENUNCIADO N 331, IV, DO TST - RESPONSABILIDADE SUBSIDIRIA - ADMINISTRAO PBLICA - ARTIGO 71 DA LEI N 8.666/93. Embora o artigo 71 da Lei n 8.666/93 contemple a ausncia de responsabilidade da Administrao Pblica pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdencirios, fiscais e comerciais resultantes da execuo do contrato, de se consignar que a aplicao do referido dispositivo somente se verifica na hiptese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o prprio rgo da administrao que o contratou pautou-se nos estritos limites e padres da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigaes, por parte do contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta contratante a responsabilidade subsidiria. Realmente, nessa hiptese, no se pode deixar de lhe imputar, em decorrncia desse seu comportamento omisso ou irregular, ao no fiscalizar o cumprimento das obrigaes contratuais assumidas pelo contratado, em tpica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiria e, conseqentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas conseqncias do inadimplemento do contrato. Admitir-se o contrrio, seria menosprezar todo um arcabouo jurdico de proteo ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administrao Pblica deve pautar seus atos no apenas atenta aos princpios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pblica, que no aceita e no pode aceitar, num contexto de evidente ao omissiva ou comissiva, geradora de prejuzos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o art. 37, 6, da Constituio Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administrao, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigao de indenizar sempre que cause danos a terceiro. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administrao, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou servio, por fora ou decorrncia de ato administrativo[footnoteRef:64]. [64: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true&nume oFormatado=RR%20-%20297751 31.1996.5.04.5555&base=acordao&numProcInt=83959&anoProcInt=1996&dataPublicacao=20/10/2000%2000 00:00&query=]

Importante salientar que em 24.11.2010, o Supremo Tribunal Federal, julgou, por maioria de votos, procedente o pedido formulado na ao Declaratria de Constitucionalidade, que pleiteava a validade do pargrafo 1 do art. 71 da Lei n. 8.666/93.Conforme o julgado, o STF entendeu que:RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiria. Contrato com a administrao pblica. Inadimplncia negocial do outro contraente. Transferncia consequente e automtica dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execuo do contrato, administrao. Impossibilidade jurdica. Consequncia proibida pelo art. 71, 1, da Lei Federal n 8.666/93. Constitucionaliade reconhecida dessa norma. Ao direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. constitucional a norma inscrita no art. 71, 1, da Lei Federal n 8.666, de junho de 1993, com a redao dada pela Lei n 9.032, de 1995. (STF, Pleno, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 24.11.2010, Dje 17 e 8.9.2011, RTJ 219, p.11).

CAPTULO 4 COOPERATIVAS DE TRABALHO E A ADMINISTRAO PBLICA

4.1 Cooperativas de trabalho e a terceirizao

Segundo Sergio Pinto Martins, cooperativa a sociedade de pessoas que tm por objetivo a organizao de esforos em comum para a consecuo de determinado fim[footnoteRef:65]. [65: MARTINS, Sergio Pinto. Cooperativas de trabalho. 4. Ed So Paulo: Atlas, 2013, p. 41.]

J a concepo legal reza que cooperativa de trabalho a sociedade constituda por trabalhadores para o exerccio de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogesto para obterem melhor qualificao, renda, situao socieconmica e condies gerais de trabalho (art. 2 da Lei n 12.690/12).As cooperativas foram criadas com a ideia de melhorar a condio social de seus associados, porm, infelizmente, so vistas por muitos como meio para fraudar as relaes trabalhistas. Isso ocorre pois, de acordo com o art. 442 da CLT, pargrafo nico, qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, no existe vnculo empregatcio entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de servios daquela.Ricardo Resende destaca que, com o advento da Lei n 8.949/1994, que incluiu o dispositivo legal supracitado, muitos empresrios de ocasio imaginaram ter recebido o salvo-conduto para cooperativizar de vezes as relaes de trabalho, eliminando definitivamente os direitos trabalhistas conquistados ao longo de dcadas[footnoteRef:66]. [66: RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 251.]

Porm, vale salientar que o que a lei cria uma mera presuno relativa de ausncia de vnculo de emprego, ou seja, s no haver a caracterizao do vnculo de emprego caso o instituto seja utilizado de forma lcita. Do contrrio, restar configurada a relao de emprego, em respeito ao princpio da primazia da realidade, disposto no art. 9 da CLT. As cooperativas em geral so regidas pela Lei n 5.764/1971, j as cooperativas de trabalho, por hora nosso objeto de estudo, so regulamentadas pela Lei n 12.690/2012, porm, mesmo s estas aplica-se, de forma subsidiria, a Lei n 5.764/1971, naquilo que no colidir com as disposies da lei especfica.

As cooperativas de trabalho podem ser classificadas em:

a) Cooperativas de produo; b) Cooperativas de trabalho autnomo ou eventual; c) Cooperativas de mo de obra.

Cooperativa de produo o modelo clssico de cooperativa. Nele h uma reunio de trabalhadores, que so detentores dos meios de produo e podem atuar na rea industrial, comercial ou agropecuria. Neste modelo os trabalhadores so seus prprios patres, no existindo a figura do empregador, sendo presente uma verdadeira relao de mutualismo, com a diviso dos lucros e prejuzos igualmente entre si. Neste sentido, dispe o art. 4, I, da Lei n 12.690/2012, que a cooperativa de produo, quando constituda por scios que contribuem com trabalho para a produo de bens e a cooperativa detm, a qualquer ttulo, os meios de produo.Por sua vez, cooperativa de trabalho autnomo ou eventual a reunio de trabalhadores autnomos, que se organizam com a finalidade de aumentar seus ganhos e rendimentos, como, por exemplo, as cooperativas de taxistas. Neste sentido, dispe o art. 4, I, da Lei n 12.690/2012, que a cooperativa de servio, quando constituda por scios para a prestao de servios especializados a terceiros, sem a presena dos pressupostos da relao de emprego.J no caso das cooperativas de mo de obra no se pode falar em cooperativismo, mas sim em mero aluguel de trabalhadores. Isso ocorre pois elas agem como intermediadoras de mo de obra, disponibilizando o trabalho de seus associados a outras empresas, sem qualquer trao mutualismo entre os trabalhadores cooperados. Dessa forma, fica claro que as cooperativas de mo de obra fogem totalmente ao objeto do cooperativismo, servindo apenas como meio para fraudar as relaes trabalhistas, restando, portanto, ilcita essa espcie de cooperativa.Vale explicitar que o art. 5 da Lei n 12.690/2012, prescreve que a cooperativa de trabalho no pode ser utilizada para intermediao de mo de obra subordinada. Ou seja, uma vez presente a subordinao na prestao do servio, restar configurado o vnculo de emprego entre o associado e o tomador dos seus servios.

Neste mesmo diapaso, Gustavo Felipe Barbosa Garcia prescreve que

se a cooperativa, na verdadem somente tem o objetivo de intermediao de mo de obra, havendo prestao de servios de forma subordinada, e no autnoma, em face do tomador, o vnculo de emprego do associado forma-se diretamente com este, por no se tratar de cooperado propriamente[footnoteRef:67]. [67: GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa, op. cit., p. 364.]

Esse tambm o entendimento unnime da jurisprudncia, como podemos ver, por exemplo, nos seguintes acrdos:

COOPERATIVA. RELAO DE EMPREGO. Quando o fim almejado pela cooperativa e a locao de mo de obra de seu associado, a relao jurdica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho. (TRT-2 - RO: 2930463800 SP 02930463800, Relator: FLORIANO VAZ DA SILVA, Data de Julgamento: 31/05/1995, 1 TURMA, Data de Publicao: 07/06/1995).

Imprpria a denominao de cooperativa na contratao de trabalho entre associados e beneficirio dos servios, configurando evidente fraude aos direitos das reclamantes, por afast-las da proteo do ordenamento jurdico trabalhista. Reconhecimento de vnculo empregatcio entre cooperativados e tomador dos servios. (TRT - 4 - R-RO - 7.789/83 - Ac. 4 T- 8.5.84, Rel. Juiz PETRNIO ROCHA VOLINO, in LTr 49-7/839-840).

Ante o exposto, podemos dizer que se a cooperativa for lcita, no h de se falar em terceirizao e muito menos em vnculo de relao empregatcia. Se for ilcita, no podemos falar de terceirizao propriamente dita, mas sim de terceirizao ilcita, aplicando, no caso, o disposto no item I da Smula 331, que preza pela criao de vnculo direto com o tomador dos servios.

4.2 Especificidade da Administrao Pblica

Como j pode ser visto nos itens 3.3.1 e 2.2.1 da presente monografia, a Administrao Pblica detm algumas peculiaridades no tocante terceirizao trabalhista, sobretudo quando o assunto responsabilidade pelos crditos trabalhistas e a criao de vnculo de emprego.Isso ocorre, pois, com o advento da Constituio Federal de 1988, passou a ser requisito imprescindvel para a investidura em cargo pblico a prvia aprovao em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos.Dessa forma, mesmo nos casos de terceirizao ilcita, torna-se inconcebvel a configurao do vnculo empregatcio com os entes da Administrao Pblica, tendo em vista o no preenchimento do requisito formal do concurso pblico. Foi com base nessa linha de pensamento que foi redigido o item II, da Smula 331 do TST, que reza que A contratao irregular de trabalhador, atravs de empresa interposta, no gera vnculo de emprego com os rgos da Administrao Pblica Direta, Indireta ou fundacional (art. 37, II, da Constituio da Repblica).Desse no reconhecimento de vnculo de emprego, decorre, tambm, a no responsabilizao automtica da Administrao Pblica perante o inadimplemento das obrigaes trabalhistas da empresa terceirizante aos seus trabalhadores.Aps a deciso do Supremo Tribunal Federal em declarar constitucional o art. 71 da Lei n 8.666/93, que considera incabvel a responsabilizao automtica da Administrao Pblica pelos encargos trabalhistas decorrentes do mero inadimplemento do parte da empresa terceirizante, o Tribunal Superior do Trabalho deu nova redao Smula 331, passando o item V da referida Smula ter o seguinte texto:

V Os entes integrantes da Administrao Pblica direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condies do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigaes da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalizao do cumprimento das obrigaes contratuais e legais da prestadora de servio como empregadora. A aludida responsabilidade no decorre do mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Dessa forma, o Poder Judicirio, com base no art. 71. da Lei n 8.666/93, tratou excluir a responsabilidade da Administrao Pblica pelo mero inadimplemento das obrigaes trabalhistas da prestadora do servio, porm, por outro lado, responsabilizou-a, subsidiariamente, quando tal inadimplemento decorrer de conduta culposa quanto fiscalizao da prestadora do servio, ou seja, culpa in vigilando.

CAPTULO 5 O PROJETO DE LEI 4330

Como j foi exposto mais de uma vez no presente trabalho, atualmente, a terceirizao no goza de lei que a regulamente de forma geral, sendo, assim, normatizada, principalmente, por meio da Smula 331 do TST. Porm, este cenrio h de mudar logo, tendo em vista a clere tramitao do PL 4330 no Congresso Nacional, sobretudo na Cmara dos Deputados.O PL 4330 de autoria do ex-deputado Sandro Mabel PL/GO, apresentado em 26/10/2004, que, de acordo com a sua ementa, dispe sobre os contratos de terceirizao e as relaes de trabalho deles decorrentes.Tal PL tem sido objeto de calorosas discusses, tendo de um lado, principalmente, os empresrios e, de outro, os sindicalistas, trabalhadores e estudiosos do Direito, sobretudo, Juzes e Procuradores do Trabalho.