Aspectos do coprocessamento de resíduos

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Aspects of waste co-processing in clinker kilnsBacharel em Engenharia Qumica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em Engenharia Metalrgica e de Minas pela UFMG. Professora da rea de Processamento Mineral e Meio Ambiente da UFMG

Snia Denise Ferreira Rocha

Bacharel em Engenharia Qumica pela UFMG. Doutora em Engenharia Metalrgica e de Minas pela UFMG. Professora da rea de Corroso e Materiais da UFMG

Vanessa de Freitas Cunha Lins

Belinazir Costa do Esprito SantoGraduado em Engenharia Qumica pela UFMG

ResumoA prtica do coprocessamento de resduos na indstria de cimento tem se expandido devido necessidade crescente de uma destinao ambiental e socialmente mais adequada de resduos perigosos provenientes de diversos processos industriais. O objetivo deste trabalho foi realizar uma reviso sobre o coprocessamento de resduos em fornos de clnquer, no Brasil e no mundo, visando contribuir para a otimizao dos processos, identificando os aspectos j estudados e os que ainda demandam pesquisas. Foram abordados aspectos socioambientais e tecnolgicos do coprocessamento, bem como a anlise do ciclo de vida (ACV) na produo de cimento, e a produo tcnico-cientfica sobre o coprocessamento. Palavras-chave: coprocessamento; indstria de cimento; descarte de resduos; combustveis alternativos.

AbstractThe practice of co-processing of residues has increased due to the requirement of environmental and social friendly disposal of dangerous wastes from several industrial processes. The aim of this work was to perform a revision of co-processing of residues in Brazil and in the world, aiming at process optimization and also to identify the aspects already studied as well as those which still request research efforts. Social, environmental, and technological aspects of coprocessing were discussed in the present work as well as the life cycle analysis (LCA) in the cement production and the technical and scientific literature about co-processing. Keywords: co-processing; cement industry; residue disposal; alternative fuels.

IntroduoA prtica do coprocessamento de resduos na indstria de cimento tem se expandido devido necessidade crescente de uma destinao ambiental e socialmente mais adequada de resduos provenientes de diversos processos industriais. Vrios estudos vm sendo conduzidos no sentido de se conhecer melhor os aspectos envolvidos nessa prtica, j adotada em muitos pases, inclusive no Brasil. Ainda existem diversos pontos a serem conhecidos e estudados, relacionados com essa atividade, que indubitavelmente demandam pesquisas. Esses trabalhos objetivam dar suporte a uma legislao adequada, a alteraes e estabelecimento de procedimentos de processos,

principalmente considerando a grande diversidade de resduos que apresentam poder calorfico e de materiais inorgnicos que podem ter essa destinao. Uma oficina intitulada A co-incinerao de resduos em fornos de cimento: uma viso da Justia Ambiental sobre o chamado co-processamento foi realizada em 2006 no Rio de Janeiro, por meio da cooperao do CESTEH/ENSP/FIOCRUZ com o GT Qumicos, da Rede Brasileira de Justia Ambiental (RBJA) e do Frum Brasileiro de ONGs e movimentos sociais para o meio ambiente e o desenvolvimento (FBOMS). Os objetivos da oficina foram compartilhar informaes tcnicas, diagnsticos de problemas e experincias de interveno frente ao problema da incinerao e coincinerao no Brasil, norteados por princpios de justia ambiental. Nesse frum,

Endereo para correspondncia: Sonia Denise Ferreira Rocha Departamento de Engenharia de Minas Escola de Engenharia- Bloco II Avenida Antonio Carlos, 6.627 31270-010 Belo Horizonte (MG), Brasil Tel.: (31) 3409-1860 E-mail: [email protected] Recebido: 12/09/09 Aceito: 21/01/11 Reg. ABES: 055 09

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Reviso de Literatura1

Aspectos do coprocessamento de resduos em fornos de clnquer

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apresentaram-se argumentos e alguns estudos de caso a respeito dos efeitos da utilizao de resduos em fornos de clnquer para o meio ambiente e para a sade de trabalhadores e das populaes que vivem nas proximidades das indstrias cimenteiras. Durante a oficina, foi considerado como mais adequado para designar a prtica adotada na indstria o termo coincinerao em substituio ao termo coprocessamento. Quando o resduo utilizado como combustvel, o termo adequado coincinerao; quando o resduo utilizado como fonte de calor e matria-prima, podendo ser incorporado ao clnquer e melhorando a qualidade do produto, o termo mais apropriado coprocessamento. Neste trabalho, o termo coprocessamento ser usado quando o resduo utilizado apenas como combustvel alternativo ou tambm como matria-prima do processo, objetivando uma padronizao. Assim, o objetivo do presente trabalho foi realizar uma reviso sobre o coprocessamento de resduos na indstria de cimento no Brasil e no mundo.

especficas do processo, como alta temperatura, ambiente alcalino, atmosfera oxidante, tima mistura de gases e produtos, e tempo de residncia (> 2 segundos) geralmente suficiente para a destruio de resduos perigosos. Por outro lado, a utilizao desses combustveis alternativos no processo de produo de clnquer possui limitaes como as relacionadas ao volume de combustvel secundrio que alimenta o forno, e limitaes ligadas segurana ambiental.

Aspectos socioambientais do coprocessamentoDurante a combusto dos resduos, os materiais mais volteis seguem rotas de emisso prejudiciais tanto s propriedades do cimento, como sade ocupacional e sade ambiental. Muitos desses resduos, classificados como perigosos, contm metais pesados, compostos organoclorados com cadeias vinlicas ou aromticas, como as dioxinas e os furanos. De acordo com Milanez (2007), durante o coprocessamento desses resduos, os metais pesados so redistribudos, sendo os mais volteis (tais como Hg e Tl) emitidos juntamente com os gases pela chamin principal do forno, os semivolteis (Cd, Pb, Sb, e Se) e os no volteis (As, Cr, Cu, Ni) normalmente so incorporados ao clnquer. Devido, principalmente, a essas propriedades, os fornos de clnquer so considerados pela Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos uma das maiores fontes de poluentes atmosfricos perigosos. Os nveis e as caractersticas das emisses dos poluentes atmosfricos dependem das caractersticas tecnolgicas e operacionais do processo industrial, em especial, dos fornos rotativos de clnquer, da composio qumica e mineralgica dos insumos, e da composio qumica dos combustveis. Nesse sentido, a queima de resduos perigosos acarreta um passivo de emisses no desprezvel com custos ambientais e sociais. Frente a esses riscos em potencial e aos parmetros tcnicos, Milanez (2007) argumenta que o processo do coprocessamento no destri todos os poluentes presentes nos resduos. Adicionalmente, a prtica do coprocessamento pode aumentar significantemente a concentrao desses materiais no cimento ou no p do eletrofiltro, que normalmente tambm incorporado farinha crua. Para mensurar o impacto da inalao desses materiais ricos em poluentes sobre a sade das pessoas, Milanez (2007) cita os trabalhos de Winder e Carmody (2002) que estudaram as causas de dermatite em trabalhadores da construo civil, por contato com o carter alcalino do cimento e por exposio crnica ao irritante do cromo III e do cromo VI, comumente encontrados no cimento. Milanez (2007) cita ainda outros trabalhos que indicaram uma forte relao entre a exposio crnica a dioxinas e furanos e o aumento de incidncia de cncer, problemas reprodutivos, deficincia imunolgica e problemas do sistema endcrino. Nos seus estudos de sade ocupacional e ambiental na produo do cimento e no coprocessamento praticado em pases em desenvolvimento, o autor verificou que, nesses pases, os funcionrios trabalham sem equipamentos de proteo individual e

Aspectos do coprocessamento de resduos em fornos de clnquerO processo de fabricao de cimento , essencialmente, a calcinao e a fuso de um material constitudo aproximadamente de 94% de calcrio, 4% de argilas e 2% (p/p) de xidos de ferro e alumnio em um forno rotativo operando em temperaturas de 1.450C para os slidos, em que a temperatura de chama oscila em torno de 2.000C. Nesse forno produzido o clnquer. Devido, principalmente, s altas temperaturas no forno rotativo de clnquer, o complexo cimenteiro demanda o consumo de grandes volumes de combustveis. Dessa forma, as cimenteiras so confrontadas com os dilemas da sustentabilidade, que vo desde a garantia de suprimentos de matria-prima e de insumos energticos at o cumprimento de normas e padres. Os dilemas da sustentabilidade no setor cimenteiro so evidenciados principalmente pelo aspecto econmico, o custo do suprimento de combustvel. Assim, entre 1960 e 1970, essa indstria foi dependente do petrleo cru; depois migrou em parte para o carvo mineral e em parte para o carvo vegetal. Em 1990, introduziu-se o uso de resduos renovveis e o uso dos resduos industriais e sucatas no processo de produo de cimento. A utilizao de resduos industriais como combustvel complementar aos convencionais e aos resduos de origem vegetal colocou a indstria cimenteira em uma condio indita, pois em vez de pagar por seu suprimento de combustveis, ela passou a faturar com a recepo de resduos para coprocessamento. Alm dos aspectos econmicos, o coprocessamento contribui para compensar os problemas da alterao ambiental decorrente de toda a cadeia produtiva. A concepo tecnolgica do coprocessamento baseia-se na queima dos resduos no forno rotativo de clnquer em condies especiais. Os resduos so processados nos fornos rotativos devido s condies

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Coprocessamento de resduos

em ambientes inadequados. Em outros casos, apesar de os empregados receberem tais equipamentos, eles no so usados adequadamente. Dentro desse contexto, surgem situaes de grande exposio a fatores de risco, que se tornam problemas de sade. Em termos de sade ambiental, esse autor verificou que, assim como nos casos de sade dos trabalhadores, a fabricao do cimento e o coprocessamento geram impactos negativos sobre a qualidade do ar respirado pela populao no entorno da planta. Porto e Fernandes (2006) discutiram os riscos ambientais e ocupacionais associados queima de resduos em fornos de clnquer. Os autores sugerem a necessidade da integrao do conhecimento com a participao de autoridades e empregados das indstrias para a reduo das vulnerabilidades inerentes ao coprocessamento. Carpio (2005) apresenta um modelo de otimizao para o uso de resduos industriais como combustveis alternativos considerando-se restries de qualidade, consumo especfico de calor, emisso de poluentes, dentre outros fatores. Na modelagem, foram utilizadas duas tcnicas de otimizao: a determinstica, o mtodo de programao sequencial quadrtica, em combinao com o mtodo de Monte Carlo, e a heurstica, por meio do algoritmo gentico e evoluo diferencial. Foram calculados os nveis de substituio do combustvel primrio pelo alternativo derivado dos resduos industriais, levandose em conta os limites aceitveis de emisso de poluentes.

so usados como combustveis, nenhum dos resduos estudados possui caractersticas adequadas para a utilizao como combustvel. Apenas o p de poli (tereftalato de etileno), PET, possui poder calorfico inferior (PCI) superior ao mnimo permitido; porm, por conter baixo teor de slidos, sua utilizao no vivel. De acordo com os estudos de Santi e Sev Filho (1999), muitos dos principais tipos de resduos empregados no coprocessamento tm relao direta com os disponveis nas regies onde as fbricas esto instaladas, reduzindo, dessa forma, os gastos com frete. A legislao brasileira (Resoluo 264 Conselho Nacional de Meio Ambiente CONAMA, 1999) estabelece duas classes de resduos que podem ser coprocessados em processos industriais: os resduos que podem substituir, em parte, a matria-prima, caso tenham caractersticas similares a esta; e os resduos com alto poder energtico que podem ser usados como combustveis secundrios. Geralmente, ambos os tipos de resduos so tratados em fornos rotativos de clnquer, devido s caractersticas do processo, tais como o longo tempo de residncia e as altas temperaturas alcanadas que garantem a destruio dos resduos e permitem que alguns metais pesados se incorporem estrutura do clnquer. Ract, Espinoza e Tenorio (2003) estudaram a possibilidade de coprocessar lodos galvnicos, contendo os metais pesados Cu e Ni, em fornos de clnquer. Vale ressaltar que lodos galvnicos so classificados como resduos perigosos pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), desde 1987. Em suas anlises qumicas da matriaprima e do lodo galvnico, os pesquisadores verificaram que o teor de Cu e Ni aumentaram de 2 ppm e 58 ppm para 2,4 e 1,2% (p/p) respectivamente com a introduo dos lodos galvnicos em relao matria prima do clnquer. A partir desses resultados, Ract, Espinoza e Tenorio (2003) realizaram testes de queima da matria prima do clnquer e misturas contendo 0,25; 0,5; 1,0; 2,0; 3,0 e 5% (p/p) de lodos galvnicos. Os resultados dessa anlise indicaram que quanto maior a concentrao de lodos galvnicos, maior a tendncia de reduo de temperatura quando acontece a reao de C2S e a formao de lquido. Por outro lado, os autores observaram que concentraes de lodos galvnicos acima de 2% (p/p) no afetaram as reaes de clinquerizao. Ract, Espinoza e Tenorio (2003) observaram ainda que 100% (p/p) do Ni e 99% (p/p) do Cu incorporaram-se na matriz do clnquer durante o processo de queima. Mirolli (2005) prope utilizar a energia calorfica resultante do uso de resduos do processo de produo do cimento para gerar energia eltrica sem nenhum consumo adicional de combustveis. Para isso, o autor apresenta o denominado Ciclo Kalina, um processo de converso de energia que utiliza a mistura amnia e gua em um ciclo planejado para maximizar a produo de eletricidade de uma fonte de calor dos resduos, sem interferir no processo de produo de cimento. Alm de reduzir o custo da energia eltrica na produo de cimento, o coprocessamento pelo Ciclo Kalina oferece a oportunidade de adquirir benefcios adicionais, como crditos de carbono,

Aspectos tecnolgicos do coprocessamentoOs combustveis alternativos tradicionalmente usados na indstria cimenteira, tais como bagao de cana, casca de arroz, casca de coco, resduos de madeira, lenha, moinha de carvo vegetal, pneus, alcatro, coque de petrleo, moinha de coque, turfa, rejeitos carbonosos e gs proveniente do processo de pirlise so derivados de resduos slidos, lquidos, municipais e industriais. Alm desses, Mokrizycki e Uliasz-Bochenczyk (2003) identificaram ainda combustveis especiais, alternativos e hbridos, derivados de misturas de resduos, desenvolvidos na Europa Ocidental e na Polnia. Uma das matrias-primas utilizadas no coprocessamento a moinha de carvo adicionada na fase de preparo do resduo tambm conhecida como blendagem. A finalidade desse carreador retirar a umidade dos resduos e dar fluidez ao material quando adicionado ao forno de clnquer. A gerao dessa moinha e sua respectiva disponibilidade no mercado vm reduzindo-a drasticamente. Dentro desse contexto, Lins et al (2007) estudaram possveis materiais como o carvo, caulim, anfibolito, quartzo, raspa de pneu, fuligem de caldeira, p de poli (tereftalato de etileno), PET, escria moda, resduos de outros processos industriais, que, em conjunto ou isoladamente, pudessem substituir a moinha no processo de coprocessamento. Lins et al (2007) concluram que o anfibolito, o caulim, a fuligem de caldeira e o carvo so resduos que podem substituir a moinha. J nas unidades de produo de cimento onde os resduos coprocessados

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por meio de implementao de projetos de cogerao que diminuir as emisses de CO2 da queima de combustveis fsseis nos fornos de clnquer. Outro tema importante abordado na literatura o co-processamento de pesticidas (KARSTENSEN et al, 2006). O acmulo e a gerncia inadequada de pesticidas obsoletos e outros produtos qumicos perigosos constituem uma ameaa para a sade pblica e para o meio ambiente, e os fornos de clnquer apresentam-se em condies timas para tratamento desses resduos perigosos. Como j citado, o processo apresenta temperaturas elevadas (1.450-2.000C), longo tempo de residncia, excesso de oxignio durante e depois da combusto, boas condies de turbulncia e de mistura, inrcia trmica, incorporao de metais pesados ao clnquer; no h produo de compostos indesejados como a escria, os resduos lquidos e as cinzas so aproveitados como parte da matria-prima, e a energia recuperada para o sistema. Entretanto, o coprocessamento desses resduos requer um apurado sistema de monitoramento e controle de efluentes atmosfricos no processo de produo de cimento. Karstensen et al (2006) revelam que testes realizados em pases desenvolvidos tm demonstrado que no existe necessariamente uma correlao nas emisses ambientais ou na qualidade do produto com a utilizao de resduos como fonte substitutiva de combustveis e matrias primas no forno de cimento. A surpresa nos estudos do autor que as melhores tcnicas de coprocessamento so aplicadas quando novas plantas so construdas em mercados emergentes e em pases em desenvolvimento. Nesse sentido, Karstensen et al (2006) investigaram a forma como pesticidas obsoletos e poluentes orgnicos so destrudos em fornos de cimento de pases em desenvolvimento. Assim, os autores descreveram como diferentes processos foram realizados na Malsia, no Paquisto, na Tanznia, na Polnia, e em que condies foi realizado o projeto de queima de resduos no sul do Vietn. Os autores concluram que, embora nenhum dos projetos estudados tenha demonstrado eficincia plena na destruio dos resduos, esse tratamento tem conseguido importante aceitao dentre as apostas industriais para o destino dos resduos. O teste de queima de uma cimenteira no Vietn foi conduzido em uma planta que produz, aproximadamente, 4.400 ton/dia de clnquer. O solvente tinha como base uma mistura de dois inseticidas, 18,8% de Fenobucard (Cl2H17NO2) e 2,4% de Fipronil (Cl2H4Cl2F6N4OS). Tanto o Fenobucard como o Fipronil so inseticidas ativos e classificados como relativamente perigosos (Classe II) pela Organizao Mundial da Sade. Os resultados desses testes demonstraram uma eficincia de destruio 100 mil vezes melhor do que a requerida pela legislao dos Estados Unidos, exceto para as emisses de NOx. Segundo Karstensen et al (2006), todas as medies de poluentes orgnicos se mostraram abaixo dos limites de deteco das leis ambientais internacionais. Isso prova que a destruio foi completa e irreversvel e de acordo com a Conveno de Estocolmo para a poluio atmosfrica. Os autores enfatizaram que o forno de clnquer

pode se tornar uma alternativa vivel e sustentvel para tratar diversos produtos qumicos perigosos e combater a poluio atmosfrica, desde que procedimentos adequados de monitoramento e controle sejam adotados. Dentre as vrias indstrias, a siderrgica gera um nvel elevado de resduos perigosos ao meio ambiente e ao ecossistema, uma vez que esses resduos contm grande quantidade de metais pesados instveis. Com o objetivo de imobilizar esses metais, Malviya e Chaudhary (2006) desenvolveram um processo (mtodo S/S) capaz de converter os metais para uma forma menos instvel. Dessa forma, os autores identificaram o cimento Portland como um suporte ideal para viabilizar esse mtodo, por possuir pH alto o suficiente para imobilizar vrios metais txicos, por reao de precipitao, absoro e adsoro. Utilizando-se de testes de lixiviao, Malviya e Chaudhary (2006) avaliaram a efetividade da imobilizao. Com os limites da mobilidade e mecanismo de lixiviao baseados na Equao 1, Malviya e Chaudhary (2006) concluram que o cimento foi efetivo para imobilizar os metais pesados (Pb, Zn, Fe, Cu e Mn) presentes nos resduos do processo de produo de ao. Outra observao desses pesquisadores de que o pH e a solubilidade dos hidrxidos de metais controlam o processo quando se aumenta a dosagem de resduo na matriz. Destes princpios, os autores verificaram que a difuso no o mecanismo controlador da lixiviao para os metais analisados.

an A0

D V =2 e S

1/2

tn1/2

Equao 1

Onde: an: quantidade de contaminante liberada durante o perodo (mg); A0: quantidade inicial de contaminante na amostra (mg); V: volume da amostra (m3); S: a rea superficial da amostra (m2), tn: tempo (s); De: coeficiente de difuso efetiva (m2/s). Ainda na linha do coprocessamento de resduos da indstria siderrgica, est o trabalho de Caponero e Tenrio (1999) que utilizaram lama fosftica, resduo do tratamento superficial de metais, o qual contm basicamente gua, ferro e fosfato de zinco, alm de alguns outros elementos como Na, S, K, Pb, Cr e Cu, em menores quantidades. As condies presentes em fornos rotativos sugerem que esses elementos estaro presentes na forma de xidos, durante o processo de clinquerizao. Uma contribuio particular desses xidos na matria prima a de que o xido de zinco facilita a formao de vrias fases do clnquer. Como o clnquer bruto normalmente no apresenta quantidades significativas de ZnO, a proposta aumentar a quantidade dessa substncia para reduzir a temperatura de clinquerizao e diminuir o consumo de combustveis. Adies de 1-3% (p/p) de ZnO podem representar uma diminuio de 50100oC e cerca de 86-90% (p/p) do zinco introduzido incorporado matriz do clnquer.

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Coprocessamento de resduos

Os estudos de Genon e Brizio (2008) concentram ateno particular na destruio dos resduos derivados de combustveis em fornos de cimento. Em 2005, um grupo cimenteiro foi autorizado a usar 15 mil ton/ano de refuse derived fuel (RDF) e 60 mil ton/ano de refeio animal juntamente com 130 mil ton/ano de combustveis fsseis nas plantas de Lombardia, Itlia. A substituio dos combustveis convencionais por esses combustveis secundrios pde ser avaliada, sob o ponto de vista tecnolgico, comeando por considerar os balanos de massa e de energia dos substituintes. Assim, a utilizao dos RDF como combustvel substituinte, embora com menor poder calorfico, tanto pode conduzir a mesma condio trmica como manter o mesmo fator de diluio, diminuindo a taxa de emisso de NOx. Geralmente, encontram-se nos combustveis substituintes maiores concentraes de nitrognio, sulfeto e cloreto, em relao aos combustveis fsseis. O nitrognio responsvel pela formao de NOx, considerado um perigoso poluente atmosfrico. Ao contrrio destes, devido ao carter alcalino da matriz do clnquer, a presena de sulfetos e cloretos nos combustveis substituintes no causa nveis crticos de emisses gasosas. A incorporao de cloretos no clnquer danosa, uma vez que o cloreto destri a camada passiva das armaduras de ao em concreto armado e sua presena no cimento deve ser evitada. Contudo, os relatrios publicados pela Comisso Europeia em 2003, esclarecem a contribuio positiva da utilizao de RDF em fornos de clnquer em termos de reduo nas emisses de CO2 em relao a combustveis convencionais como o carvo. O impacto negativo dessa prtica reside na transferncia de metais pesados (Sb, Hg, Cd, As, Cu, Cr, Tl e Zn) para a atmosfera ou para o clnquer produzido. Genon e Brizio (2008) ressaltaram que o uso de combustveis alternativos pode piorar as emisses de metais pesados, apresentando-se perigosamente fora dos limites estabelecidos pelos rgos ambientais. Aps abordar as principais vantagens e desvantagens da prtica de coprocessamento de RDF em fornos de clnquer, Genon e Brizio (2008) ressaltaram o baixo custo do resduo no mercado italiano e a grande contribuio da indstria cimenteira para a reduo das emisses de dixido de carbono. Zabaniotou e Theofilou (2008) utilizaram uma mistura de lamas de esgoto provenientes do tratamento de gua e coque de petrleo como combustveis alternativos na queima do clnquer na produo de cimento Portland no Chipre. Os autores visaram diminuir a dependncia de combustveis no renovveis e reduzir a emisso de poluentes durante a queima. Os estudos mostraram que, ao se utilizar lamas de esgoto secas como combustvel alternativo necessita-se de cerca de 2% (p/p) menos ar de combusto do que quando se usa somente coque de petrleo como combustvel. Segundo os autores a vantagem de se usar lamas como combustvel alternativo que, ao se utilizar 7,5% (p/p) de lama em um forno que normalmente seria alimentado com 6,3 ton/hora de coque de petrleo, a economia de cerca de 8,00 euros/hora. Alm disso, a alta volatilidade das lamas provoca uma melhor queima do coque de petrleo e diminui a

produo de resduos em forma de cinza no produto final dos fornos de clnquer. As cinzas produzidas so similares quelas produzidas sem a presena de lamas de esgoto nos fornos. Adicionalmente, outra vantagem de se coprocessar lamas o rpido resfriamento desse combustvel proporcionando uma reduo na emisso de dioxinas e furanos. As emisses de dioxinas e furanos para a atmosfera ocorrem principalmente nos processos de combusto. Esses compostos so detectados em todas as matrizes ambientais: gua, ar, solo, sedimentos, gua, animais e vegetais. Dioxinas e furanos se acumulam nos tecidos gordurosos, especialmente nos alimentos de origem animal (ASSUNO E PESQUERO, 1999; DICKSON E KARASEK, 1987; MILLIGAN E ALTWICKER, 1993). No se sabe ao certo se dioxinas e furanos j esto presentes nos resduos, se so produzidas devido presena de precursores (como a bifenila policlorada e os benzenos clorados), ou se so formadas a partir de compostos no diretamente considerados perigosos como hidrocarbonetos clorados, ons de cloreto inorgnico ou plsticos (ASSUNO e PESQUERO, 1999). Embora as temperaturas dos fornos de cimento sejam suficientes para destruir as dioxinas e furanos, existe a possibilidade de esses compostos se formarem novamente no processo de resfriamento dos gases (SWEETMAN et al, 2004). Dessa forma, os fornos de cimento so considerados pela Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos uma das maiores fontes de poluentes atmosfricos perigosos, incluindo dioxinas e furanos (SIDHU et al, 2001). Tambm, por ser um combustvel de biomassa, a lama de esgoto propicia uma reduo da emisso de CO2 para a atmosfera. Foi observado que o ambiente alcalino do forno ajuda a remover traos de cidos como HCl e HF produzidos durante a queima e que a utilizao de lama como combustvel alternativo reduz a necessidade do uso de combustveis convencionais, no renovveis. Um problema avaliado foi a emisso de mercrio em gases combustveis, parmetro muito fiscalizado pela Unio Europeia. Normalmente, o mercrio proveniente do tratamento de metais, incinerao de resduos, queima de combustveis fsseis, entre outros. A presena de mercrio nas lamas estudadas por Zabaniotou e Theofilou (2008) foi proveniente do processo de uma planta de tratamento de esgotos. Na planta de cimento estudada por Zabaniotou e Theofilou (2008), as emisses de metais pesados representaram apenas 16% (p/p) em relao aos nveis aceitos, j as emisses de dioxinas e furanos apenas 6% em relao aos nveis aceitveis. Assim, esses autores concluram que o coprocessamento de lamas de esgoto como combustvel alternativo em fornos de cimento satisfatrio. A prtica ajuda a economizar energia durante a queima do combustvel, alm do apelo ambiental, possibilitando uma destinao correta a um resduo que poderia provocar danos ao meio ambiente se fosse descartado de forma irregular. Tosta et al (2007) realizaram um trabalho de reviso acerca da produo mundial de cimento, dos processos adotados, dos combustveis utilizados e de como a utilizao de resduos atua nessa

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produo. Observaram um grande destaque para o papel da China e da ndia na produo de cimento, que juntas representam cerca de 50% da produo mundial, valor justificado pelo crescimento dessas duas economias nos ltimos anos. Vale ainda ressaltar que o Brasil aparece entre os 15 maiores produtores mundiais de cimento. Segundo os autores, o coprocessamento de resduos cada vez mais utilizado, uma vez que essa prtica atende a dois aspectos bem atuais, que so o apelo energtico e o ambiental. Puertas et al (2008) avaliaram a reatividade e a queima do cimento Portland quando a matria prima foi parcialmente substituda por resduos cermicos. Trs combinaes de cermica branca e cermica vermelha foram testadas. O trabalho mostrou que a composio qumica e mineralgica de alguns tipos de cermicas utilizadas foi apropriada para serem misturadas s matrias-primas na produo de cimento. Os resduos estudados foram gerados em plantas de produo de telhas e tijolos de cermica. A reatividade da mistura depende de sua composio qumica, da natureza mineralgica do resduo cermico e do tamanho das partculas. Os autores observaram maior reatividade da mistura em comparao com a matria-prima convencional quando partculas menores que 90m foram utilizadas. J para partculas maiores do que 90m, a reatividade foi notoriamente menor. Alm disso, o clnquer obtido a partir dessas misturas apresentou maior quantidade de cal livre em todas as combinaes testadas. Misturas com resduos apresentando menor tamanho de partculas apresentaram maior capacidade de queima do que as misturas convencionais. Abordando a questo de sustentabilidade tecnolgica do coprocessamento, Winingham (1993) discutiu a segurana da utilizao de resduos industriais como combustveis alternativos em fornos de cimento. De acordo com as suas observaes, Winingham (1993) concluiu que a atividade de coprocessamento de resduos em fornos de cimento pode ser praticada, de forma segura, em condies em que se tenha adequada instrumentao para as medies necessrias de variveis de processo selecionadas visando a um monitoramento eficiente.

no contexto da produo de cimento (HUNTZINGER E EATMON, 2008; JOSA et al, 2007; NAVIA et al, 2006; LEE E PARK, 2004). Huntzinger e Eatmon (2008) utilizaram a ACV para avaliar os impactos ambientais de quatro diferentes configuraes de processo: (1) o processo convencional de produo de cimento; (2) cimento blendado (pozolanas naturais); (3) cimento em que 100% do p residual do forno foi reciclado e inserido novamente ao processo e (4) cimento Portland produzido quando o material particulado do forno foi usado para sequestrar uma poro do CO2 emitido. Navia et al (2006) avaliaram a utilizao de solo vulcnico previamente usado na remoo de metais de efluentes industriais no coprocessamento e compararam essa alternativa com o processo convencional, sem coprocessamento. O estudo de Josa et al (2007) apresenta uma anlise comparativa de diferentes estudos de ACV para diferentes inventrios na produo de cimento na Europa. Categorias de impactos consideraram o processo e impactos tais como efeito estufa, acidificao, eutrofizao e smog de vero e inverno. J o trabalho de Lee e Park (2004) objetivou quantificar o crdito ambiental advindo da utilizao de escria de alto forno granulada na produo de cimento. Os estudos e pesquisas empregando a ACV possibilitam uma anlise global do coprocessamento e a quantificao dos impactos associados ao processo, focando desde a utilizao de recursos naturais at o final da vida til dos produtos do cimento. Entretanto, os resultados no podem ser extrapolados de uma rea para outra, e cada resduo coprocessado deve ser objeto de estudo, uma vez que suas caractersticas fsicas e qumicas podem alterar os resultados. Esse um campo de estudo bastante amplo e de potencial importncia.

Coprocessamento de resduos em fornos de cimento no BrasilO coprocessamento surgiu como uma estratgia para melhorar o desempenho econmico (menor consumo energtico) da indstria cimenteira. Em resposta crise desencadeada pela recesso da economia brasileira nos finais da dcada de 1980, o setor cimenteiro implementou estratgias para conciliar o custo da automao e a reduo de pessoal. Nesse contexto, o coprocessamento de resduos iniciou-se no incio da dcada de 1990 nas cimenteiras de Cantagalo do Estado do Rio de Janeiro. Desde ento, essa tecnologia usada, mas sob a legislao de agncias de controle ambiental e autoridades da sade. No entanto, devido carncia de profissionais treinados nesse setor, em 1995, vrios jornais brasileiros j advertiam sobre o desconhecimento da relao de causa e efeito entre a exposio de operrios aos produtos qumicos e os danos em sua sade. Dessa forma, os jornais publicaram artigos denunciando suspeitas de intoxicao e alergias de pele em trabalhadores das indstrias cimenteiras de Cantagalo. Estudiosos correlacionaram esses problemas a vrias situaes de risco como exposio a

Anlise de ciclo de vida na produo de cimentoA anlise do ciclo de vida (ACV) uma metodologia utilizada para avaliar a carga poluidora e os impactos ambientais associados a um produto, processo, ou atividade, por meio dos fluxos de energia e materiais usados e das emisses para o meio ambiente. A avaliao inclui o ciclo de vida inteiro do produto, do processo ou da atividade, abrangendo a extrao e o processamento de matrias primas, o transporte, a distribuio, a utilizao, a manuteno, a reutilizao, a reciclagem e a disposio final (Hunkeler et al, 2008). A avaliao dos impactos do ciclo de vida (LCIA) uma das etapas bsicas da metodologia de ACV (SETAC, 1993). Recentemente, vrios estudos utilizando a metodologia ACV vm sendo desenvolvidos

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emisses de dioxinas e de metais pesados. H todo um sistema de rgos federais destinado a atribuir eficcia legislao ambiental. O Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) compreende o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, rgo normativo, consultivo e deliberativo), o Ministrio do Meio Ambiente (rgo central com atribuies de coordenao, superviso e controle da Poltica Nacional de Meio Ambiente), e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA, o rgo executivo). Completam o SISNAMA, ainda, outros rgos da administrao federal, fundaes pblicas voltadas proteo do meio ambiente, e entidades dos poderes executivos estaduais e municipais (Secretarias Estaduais e Municipais do Meio Ambiente; Agncias Ambientais CETESB/FEEMA/COPAM/IAP/CRA e outras), em suas respectivas jurisdies. Em termos legais, as principais normas federais para controle de emisses dos fornos de cimento so a Resoluo CONAMA 264/1999, que dispe sobre procedimentos e os critrios especficos da coincinerao, e a Resoluo CONAMA 316/2002, que trata dos procedimentos e dos critrios para o funcionamento de sistemas de tratamento de resduos. Nos Estados, existem normas rigorosas e especficas acerca da disposio de resduos. A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de So Paulo, por exemplo, publicou uma Norma Tcnica, em dezembro de 2003, intitulada Procedimento para utilizao de resduos em fornos de produo de clnquer. Existem, entretanto, falhas associadas ao texto da legislao, bem como sua fiscalizao e controle. Milanez (2007) descreve as fragilidades legais na regulao do coprocessamento e as falhas na fiscalizao e na concesso de licenas, devido a limitaes institucionais das agncias ambientais. Porto e Fernandes (2006) estudaram quais os pontos vulnerveis do controle e fiscalizao do processo e at que ponto a populao, no entorno das plantas cimenteiras, estaria vulnervel aos efeitos dessa prtica. O trabalho de Porto e Fernandes (2006) alerta para a possibilidade de contaminaes de cimentos nacionais ou importados, provenientes das rotas de fabricao, muitas vezes desconhecidas, onde os combustveis alternativos, como os pneus inservveis, podem ser fontes permanentes no declaradas de contaminaes ambientais e do prprio cimento produzido. O caso especfico de coprocessamento de pneus inservveis praticado no Brasil h mais de uma dcada. A alternativa de se queimar pneus advm do seu alto poder calorfico, representando uma grande economia de energia associada possibilidade de uma destinao para enormes volumes de passivo ambiental. Um dos grandes problemas do coprocessamento de pneus se deve presena do enxofre na estrutura da borracha. Quando o enxofre utilizado na vulcanizao da borracha proveniente de minrios sulfetados, pode ainda ocorrer a contaminao por arsnio, que se volatilizaria na temperatura do forno, causando srios problemas ambientais (SANTI, 2003; MOORE, 1995; MAINIER; ROCHA, 2003). O sulfeto arsenioso

(As2S3) associado ao minrio de zinco pode reagir, formando o arsnio e incorporando-se ao enxofre produzido. A contaminao aleatria, pois depende do teor de arsnio existente no minrio. Por outro lado, pouco provvel a contaminao com arsnio quando o enxofre obtido partir de depsitos geolgicos ou quando produzido a partir de sulfeto de hidrognio (H2S) existente no gs natural. Por motivos tcnicos, o enxofre contaminado com arsnio no pode ser empregado na fabricao de cido sulfrico, fertilizantes e outros compostos qumicos de indstria de base, entretanto, na vulcanizao de borracha para pneus no foi encontrada nenhuma restrio ao seu uso. Porm, quando se vislumbra o coprocessamento de pneus, a restrio quanto origem do enxofre deve ser praticada. Segundo Monteiro e Mainier (2008), a queima total de uma tonelada de pneus pode significar uma emisso terica de 2,56 ton de CO2 e 26 kg de SO2 para a atmosfera. Considerando ainda que o enxofre contido em uma tonelada de pneu tenha, respectivamente, 0,1, 0,5 e 1% de arsnio, a emisso para a atmosfera de xido arsenioso seria de 17, 85 e 170 g, respectivamente. Esses valores parecem desprezveis, porm tornam-se extremamente significativos uma vez acumulados no ambiente. Outro risco, no menos irrelevante, de se utilizar pneus como resduos a serem coprocessados desencadeado quando se eleva a importao de pneus usados como resduo ou para serem reformados, o que aumenta a quantidade de resduos no pas. Uma vez identificados os pontos de vulnerabilidade populacional e institucional, Porto e Fernandes (2006) apresentaram algumas estratgias para reduzir os riscos de gerenciamento e estabelecer normas para a queima de resduos em fornos de clnquer. Eles concluram que o trabalho integrado de instituies ambientais, agncias de sade e autoridades jurdicas seria a chave estratgica para promover a segurana e a sade dos trabalhadores da indstria de cimento. Segundo os estudos que Porto e Fernandes (2006) realizaram em cimenteiras instaladas no Brasil, as estratgias de integrao de metodologias para reduzir as vulnerabilidades sociais e promover a segurana do coprocessamento no Brasil podem e devem ser vlidas no somente para pases em industrializao na Amrica Latina, frica ou sia como tambm para pases mais ricos e desenvolvidos. Segundo o relatrio da oficina intitulada A coincinerao de resduos em fornos de cimento: uma viso da Justia Ambiental sobre o chamado coprocessamento, que foi realizada em 2006 no Rio de Janeiro, a prtica do coprocessamento no Brasil pode gerar riscos sade dos trabalhadores e ao meio ambiente devido formao e emisso de partculas poluentes, volatilizao de metais pesados, bem como sua concentrao e ainda o risco de acidentes durante o transporte dos resduos da fonte geradora indstria de cimento. Durante a Oficina, foram relatados casos com a finalidade de ilustrar a realidade do coprocessamento no Brasil. Associando as ocorrncias descritas, abordou-se a situao de risco dos trabalhadores da construo civil, que poderiam ser afetados

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pelas mudanas nas caractersticas do cimento produzido atravs do coprocessamento, uma vez que cimentos produzidos dessa maneira poderiam apresentar nveis mais altos de metais pesados.

Portugal, Repblica Checa, Turquia e China, este pas com apenas 2% das publicaes. Os pases menos cotados nessa classificao so a Estnia, a Frana, a Grcia, a Noruega, o Chile, a ndia e a Coreia do Sul. No Brasil, uma busca sobre os pesquisadores e grupos de pesquisa cadastrados no sistema Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) mostrou que a produo bibliogrfica sobre coprocessamento est diretamente relacionada com as regies onde existem maiores concentraes de plantas cimenteiras do pas. Os centros de pesquisa do Estado de So Paulo produziram 37% do total de trabalhos tcnico-cientficos sobre o coprocessamento no Brasil. Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paran figuram em segundo, terceiro e quarto lugar, respectivamente, produzindo 19, 15 e 13% dos trabalhos tcnico-cientficos nacionais sobre o coprocessamento. Do total da produo cientfica levantada sobre o tema coprocessamento no pas, 25% so teses e dissertaes, 19% so artigos publicados em anais de congressos nacionais, 10% so artigos publicados em congressos internacionais e 14% so artigos em peridicos. Observase que as publicaes cientficas brasileiras vm aumentando nos ltimos 20 anos, e de forma mais acentuada a partir de 1994. As publicaes de 1988 e 1989 surgem quando so feitos os primeiros estudos sobre o coprocessamento para viabilizar respostas do setor para a crise desencadeada pela recesso da economia brasileira, nos finais da dcada de 1980. No incio da dcada de 1990, quando se aplicou a tecnologia do coprocessamento em fornos de clnquer das cimenteiras de Cantagalo, foram publicados muitos trabalhos em resposta s denncias sobre o desconhecimento de causa-efeito do coprocessamento na sade dos operrios dessas fbricas. Essas adver-

Produo tcnico-cientfica sobre o coprocessamentoNos ltimos 20 anos, ocorreu um aumento da produo cientfica em peridicos acerca do tema coprocessamento, conforme apresenta a Figura 1A, crescimento este acelerado a partir de 2002. Foram publicados um maior nmero de artigos em peridicos do que em congressos, principalmente a partir de 2002, e o nmero de patentes se mostrou inferior ao nmero de artigos publicados (Figura 1B). O nmero de artigos em peridicos tem crescido mais nos ltimos seis anos e o nmero de trabalhos apresentados e publicados em anais de congressos tem se mostrado aproximadamente constante, com algumas flutuaes como uma reduo no perodo de 1996 a 2002. O nmero de patentes foi maior no perodo de 1994 e 2006. Os pases que mais publicam em peridicos acerca do tema de coprocessamento so os Estados Unidos da Amrica, o Reino Unido, o Brasil e o Canad, respectivamente. O terceiro lugar ocupado pelo Brasil, com 15% das publicaes, atrs apenas do Reino Unido (17%) e dos Estados Unidos (28%), coloca o pas a frente do Canad (7%) e de pases como a Austrlia, Blgica, Holanda, Iugoslvia, Polnia,

A20 15 10 5 0 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

tncias dos jornais brasileiros e das agncias de proteo ambiental surgiram em 1995-1996. A partir de 1998, houve um aumento das pesquisas sobre a segurana ambiental do coprocessamento e sobre novas tecnologias e novos materiais para o processo de coprocessamento. A perspectiva para os prximos anos de que as pesquisas objetivem a otimizao do processo e o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e seguras de coprocessamento de resduos em fornos de clnquer. Os temas abordados nas publicaes nacionais e internacionais foram os aspectos ambientais (MILANEZ, 2007) e sociais (WINDER; CARMODY, 2002; WININGHAM, 1993) da atividade de coprocessamento, o emprego da ACV no estudo do coprocessamento e na quanPatentes Congressos 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 Revistas 2004 2006 2008

B15 10 5 0

tificao dos impactos gerados por essa atividade (HUNTZINGER; EATMON, 2008; JOSA et al, 2007; NAVIA et al, 2006; LEE; PARK, 2004), e estudos do coprocessamento de resduos especficos. Foi avaliado o emprego dos seguintes resduos: combustveis alternativos e hbridos da Europa Ocidental e Polnia (MOKRIZYCKI, 2003), lodos galvnicos (RACT; ESPINOSA; TENORIO et al, 2003), pesticidas e poluentes orgnicos (KARSTENSEN, 2006), resduos da indstria siderrgica (MALVIYA; CHAUDHARY, 2006; CAPONERO; TENRIO, 1999), resduos derivados de combustveis (GENON;

Ano

Figura 1 - (A) Nmero de publicaes de artigos em peridicos sobre coprocessamento no perodo 1988-2008; (B) Nmero de patentes e artigos publicados em peridicos e em congressos.

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BRIZIO, 2008), lama de esgoto proveniente do tratamento de gua (ZABANIOTOU; THEOFILOU, 2008) resduos cermicos (PUERTAS et al, 2008), e pneus inservveis (MONTEIRO; MAINIER, 2008). Mirolli (2005) props um processo para produo de energia eltrica a partir do calor gerado pelos resduos. Os aspectos mais relevantes a serem investigados no futuro so aspectos relacionados eficincia energtica, aos impactos ambientais e associados a resduos especficos de maior interesse seja por questes de segurana, custo, ou quantidade do passivo ambiental. Cada resduo deve ser investigado individualmente nos vrios aspectos de seu coprocessamento: influncia na qualidade do produto final, no consumo energtico, nas emisses atmosfricas.

coprocessamento uma alternativa de eliminao de resduos que poderiam ter uma disposio de maior impacto ambiental. Os resduos so processados nos fornos rotativos devido s condies especficas do processo como alta temperatura, ambiente alcalino, atmosfera oxidante, tima mistura de gases e produtos, e tempo de residncia geralmente suficiente para a destruio de resduos perigosos. A adequabilidade do termo coprocessamento questionada, mas o mais utilizado na literatura, tanto no caso do uso de resduos apenas como combustveis, ou ainda como matria-prima alm de fonte de energia. A prtica do coprocessamento de resduos em fornos de cimento ainda demanda muitos estudos, visando-se elucidar os aspectos da real contribuio do coprocessamento de resduos e o estabelecimento dos limites e riscos a ele associados, em processos onde um rgido controle das condies operacionais e um monitoramento contnuo e eficaz do processo e das caractersticas fsicas e qumicas dos resduos no forem praticados.

ConclusoO coprocessamento de resduos vem sendo cada vez mais utilizado, por razes ambientais e energticas. Os resduos utilizados como combustveis alternativos reduzem o custo do processo, por substituir combustveis convencionais requeridos pelas elevadas temperaturas do forno de clnquer. Com relao ao aspecto ambiental, o

AgradecimentosOs autores agradecem ao Grupo Holcim pelo apoio ao trabalho.

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