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ASPECTOS FISCAIS-PREVIDENCIÁRIOS DO MARKETING DE INCENTIVO PARTE PRIMEIRA: INTRODUÇÃO Não se pode dizer que o chamado marketing de incentivo seja um instrumento recente a serviço de empresas que buscam incrementar vendas, motivar funcionários e equipes ou lançar novos produtos. De fato, o marketing de incentivo é praticado no Brasil há mais de quarenta anos, mas somente nos últimos anos é que parece ter efetivamente se tornado uma das principais práticas do marketing direto. Recentemente, a Secretaria da Receita Federal, alarmada pelo uso expressivo de “cartões de incentivo”, distribuídos normalmente no âmbito de campanhas de marketing de incentivo, e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, impulsionado por reclamatórias trabalhistas cujas decisões reconheceram a natureza salarial de prêmios de campanhas desse tipo de marketing, vêem realizando nos últimos meses a fiscalização de inúmeras empresas que tem se valido dessa modalidade de marketing. Isso porque, no entendimento da Secretaria da Receita Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pode estar havendo sonegação de créditos tributários, tendo em vista que, para tais órgãos, a utilização de cartões de incentivo pode caracterizar-se como pagamento indireto de salário de funcionários 1 , dependendo do caso. Com isso, o presente trabalho buscará discorrer sobre os aspectos fiscais e previdenciários relevantes ao marketing de incentivo, sobretudo no que tange às contribuições previdenciárias devidas pelo empregador ou equiparado e pelo trabalhador ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, bem como ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF devido à Secretaria da Receita Federal. 1 Em nota divulgada em explicação à chamada Operação Camaleão , de 27 de fevereiro de 2007, a Superintendência da Receita Federal em São Paulo consignou que “centenas de empresas que fizeram uso dos chamados cartões de incentivo foram identificadas a partir da permuta de informações entre o Ministério Público Federal, a Secretaria da Receita Federal (SRF) e a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) e estão sendo objeto de ações fiscais para a recuperação de créditos tributários provavelmente sonegados. Essa troca de informações entre a SRF e a SRP mostrou-se de suma importância para a identificação dos infratores dos fatos geradores e suas conseqüências. Este trabalho é um dos primeiros passos voltados para a atuação conjunta dos Fiscos Federal e Previdenciário e tem como escopo, inclusive, o desenvolvimento e a implementação de Projetos Pilotos com foco voltado para a fiscalização unificada. Esta operação fiscal, que irá atingir empresas e pessoas físicas, foi denominada CAMALEÃO, em alusão ao animal que dissimula para não ser notado, tendo em vista que a utilização de cartões de incentivo pode se caracterizar como pagamento indireto de salário. (...)”

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ASPECTOS FISCAIS-PREVIDENCIÁRIOS DO MARKETING DE INCENTIVO PARTE PRIMEIRA: INTRODUÇÃO Não se pode dizer que o chamado marketing de incentivo seja um instrumento recente a serviço de

empresas que buscam incrementar vendas, motivar funcionários e equipes ou lançar novos produtos. De

fato, o marketing de incentivo é praticado no Brasil há mais de quarenta anos, mas somente nos últimos

anos é que parece ter efetivamente se tornado uma das principais práticas do marketing direto.

Recentemente, a Secretaria da Receita Federal, alarmada pelo uso expressivo de “cartões de incentivo”,

distribuídos normalmente no âmbito de campanhas de marketing de incentivo, e o Instituto Nacional do

Seguro Social – INSS, impulsionado por reclamatórias trabalhistas cujas decisões reconheceram a

natureza salarial de prêmios de campanhas desse tipo de marketing, vêem realizando nos últimos meses

a fiscalização de inúmeras empresas que tem se valido dessa modalidade de marketing.

Isso porque, no entendimento da Secretaria da Receita Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social

– INSS, pode estar havendo sonegação de créditos tributários, tendo em vista que, para tais órgãos, a

utilização de cartões de incentivo pode caracterizar-se como pagamento indireto de salário de

funcionários1, dependendo do caso.

Com isso, o presente trabalho buscará discorrer sobre os aspectos fiscais e previdenciários relevantes ao

marketing de incentivo, sobretudo no que tange às contribuições previdenciárias devidas pelo

empregador ou equiparado e pelo trabalhador ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, bem

como ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF devido à Secretaria da Receita Federal.

1 Em nota divulgada em explicação à chamada Operação Camaleão, de 27 de fevereiro de 2007, a Superintendência da Receita Federal em São Paulo consignou que “centenas de empresas que fizeram uso dos chamados cartões de incentivo foram identificadas a partir da permuta de informações entre o Ministério Público Federal, a Secretaria da Receita Federal (SRF) e a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) e estão sendo objeto de ações fiscais para a recuperação de créditos tributários provavelmente sonegados. Essa troca de informações entre a SRF e a SRP mostrou-se de suma importância para a identificação dos infratores dos fatos geradores e suas conseqüências. Este trabalho é um dos primeiros passos voltados para a atuação conjunta dos Fiscos Federal e Previdenciário e tem como escopo, inclusive, o desenvolvimento e a implementação de Projetos Pilotos com foco voltado para a fiscalização unificada. Esta operação fiscal, que irá atingir empresas e pessoas físicas, foi denominada CAMALEÃO, em alusão ao animal que dissimula para não ser notado, tendo em vista que a utilização de cartões de incentivo pode se caracterizar como pagamento indireto de salário. (...)”

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I. O MARKETING DE INCENTIVO A) CONCEITO E CARACTERÍSTICAS Em matéria de marketing, incentivo nada mais é que uma técnica de motivação de pessoas para

atingirem um certo objetivo, como ponderado por JOÃO DE SIMONI SODERINI FERRACCIÙ. Assim,

entende-se por marketing de incentivo “as ferramentas utilizadas para estimular e/ou motivar equipes

internas, distribuidores e revendedores a atingirem objetivos e metas estabelecidas, oferecendo

premiação e reconhecimento para as melhores performances”, como apontado pelo Comitê de

Marketing de Incentivo da Associação de Marketing Promocional – AMPRO.

Dessas poucas linhas pode-se desde já delinear algumas importantes características do marketing de

incentivo: (i) motivação de funcionários ou equipes da própria empresa ou de pessoas com as quais não

se tem relação de trabalho (distribuidoras, revendedoras ou concessionárias, por exemplo); (ii) com o

fim de se alcançar metas e objetivos pré-estabelecidos; (iii) mediante o pagamento de um “prêmio” (iv)

aos participantes que obtiverem melhor desempenho.

Percebe-se, assim, que o marketing de incentivo pode referir-se a um plano de incentivo interno,

quando voltado ao pessoal da própria empresa instituidora da campanha (o chamado “endomarketing”),

ou, diversamente, envolver funcionários ou equipes vinculados a empresas que, de alguma forma,

relacionam-se às metas ou objetivos que se pretende alcançar, como, por exemplo, a rede de farmácias

que vende um determinado medicamento, as concessionárias de uma montadora de veículos, as lojas de

varejo que comercializam eletrodomésticos de uma marca.

Além disso, as campanhas de marketing de incentivo, como dito, buscam concretizar metas e objetivos

pré-estabelecidos (alínea ii acima). Essa é outra característica importante desse tema. Para que seja

eficiente, é mister que a campanha de marketing de incentivo defina, de forma prévia e precisa, que

metas deverão ser alcançadas: o aumento de vendas de uma linha de cartão de crédito, de um modelo de

veículo ou de um tipo de medicamento específico, a elevação do nível de faturamento, o aumento de

exportações da empresa, a divulgação de uma marca, entre outros.

Mais que isso, tais metas e objetivos devem ser amplamente divulgadas, para que chegue ao

conhecimento do maior número de pessoas que se enquadrem nos critérios de participação estipulados.

Daí porque metas e objetivos, como todas as demais condições da campanha de incentivo, serem

normalmente consolidadas em um regulamento, impresso e divulgado por meio de cartazes e folhetos

explicativos.

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O “prêmio” (alínea iii), por sua vez, pode ser em dinheiro, bens ou serviços. Assim, é comum premiar

o(s) participante(s) vencedor(es) de uma campanha de marketing de incentivo com o pagamento de uma

determinada soma em dinheiro, ou com a entrega de um dado bem (veículo, televisão, conjunto de

som), ou ainda com o oferecimento de um pacote de viagem, passagem aérea, diárias de hotéis, entradas

de cinema ou teatro, entre outros bens e serviços.

Para o pagamento em dinheiro, empresas e agências de marketing tem se valido, com freqüência, de

“cartões de incentivo”, em que o valor definido para o participante vencedor é creditado em um cartão

magnético, sem identificação de seu titular, que pode ser usado para saque ou débito de operações

realizadas na rede vinculada à operadora desse cartão.

Por fim, entre as características apontadas acima, dissemos que, no marketing de incentivo, premia-se o

desempenho alcançado pelo participante (alínea iv). Na realidade, em geral, premia-se o melhor ou

melhores desempenho(s) alcançado(s) pelo(s) participante(s) entre todos os envolvidos, segundo as

metas estipuladas. Em outras palavras, não se trata, de premiar distintamente todos os participantes,

segundo o desempenho que cada um teve. Em regra, somente os participantes de melhor desempenho

são premiados, o que financeiramente justifica, aliás, a utilização desse tipo de campanha de marketing

(custo da campanha x resultados obtidos). Daí por que campanhas de marketing de incentivo serem

muitas vezes chamadas de concurso, gincana ou promoção.

Vê-se, assim, que as campanhas de marketing de incentivo, ainda que tenham algumas características

comuns, podem distinguir sobretudo segundo o público-alvo almejado (endomarketing ou incentivo de

empregados ou trabalhadores de terceiros), o tipo de “prêmio” previsto (dinheiro, bens ou serviços) e os

critérios de premiação.

Essa distinção, por sua vez, pode influir significativamente no regime fiscal e previdenciário aplicado à

campanha de marketing de incentivo, conforme veremos no curso deste trabalho. Antes disso, porém,

sentimos a necessidade de aprofundarmos um pouco mais na análise da estrutura de uma campanha de

marketing de incentivo, considerando-se, como fator distintivo, sua destinação, ou seja, empregados e

trabalhadores da própria empresa instituidora da campanha, ou para terceiros com quem esta empresa

não possui qualquer vínculo de emprego, trabalho ou serviço.

B) CAMPANHAS DE MARKETING DE INCENTIVO PARA TERCEIROS A literatura do marketing de incentivo, sobretudo quando voltada ao Direito, refere-se muitas vezes a

esse tema como uma política de endomarketing apenas, ou seja, como uma estratégia de marketing

realizada por uma instituição e destinada ao seu público interno.

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O marketing de incentivo, porém, não trata apenas de campanhas destinadas ao público interno da

empresa. Na realidade, é muito comum a organização de campanhas de marketing por agências

especializadas, que têm por público-alvo pessoas que não possuem qualquer relação de trabalho ou de

serviço com a empresa que a instituiu.

Nessa esteira, podemos mencionar as campanhas para incrementar as vendas de um determinado

medicamento, organizadas pelo fabricante deste, mas destinadas aos atendentes de farmácias, do

modelo de um veículo, organizadas pela montadora, mas voltadas aos funcionários de concessionárias,

de uma linha de cartão de crédito, organizadas pela operadora para funcionários de uma instituição

financeira, por exemplo. É desse tipo de campanha que trataremos agora.

Nas campanhas de marketing de incentivo organizadas para terceiros, estipula-se uma promessa de

pagamento futuro de um prêmio à pessoa (ou pessoas, conforme o caso) que melhor desempenho tiver

em um dado período, segundo a meta ou objetivo estipulado. É necessário, nesses casos, estipular

critérios objetivos de apuração de desempenho, sendo comum a adoção de uma tabela de pontuação,

que estabelece previamente um número de pontos específico para cada produto vendido.

Além disso, deve-se notar desde que não se trata simplesmente de promessa de pagamento futuro a

determinada pessoa, pela concretização de uma meta ou objetivo, em um período específico. Em outras

palavras, não basta apenas ter um bom desempenho, mas sim o melhor (ou melhores, se a campanha

previr premiação para mais de um participante) desempenho entre todos os participantes, tendo em

conta os critérios definidos para apurar a classificação final de cada participante (em geral, considera-se

o número de pontos acumulados no período designado pela campanha).

Vale dizer, portanto, que o marketing de incentivo em questão envolve uma promessa firme de

pagamento futuro pela empresa instituidora da campanha, àquele que atingir a meta estabelecida (no

caso, somar mais pontos em um dado período), e uma remuneração incerta e eventual para o

participante, já que terá que concretizar um número de vendas tal que lhe garanta o melhor

posicionamento entre todos os participantes da campanha.

O pagamento ao final, aos participantes vencedores, é feito em dinheiro, em geral por meio dos

chamados “cartões de incentivo”, ou mediante bens ou serviços. Os “cartões de incentivo” nada mais

são que cartões de crédito ou débito disponibilizados por empresas especializadas, muitas vezes

vinculados à rede de uma operadora já existente. Desse modo, na hipótese de pagamento em dinheiro,

ao final da campanha os participantes vencedores receberão um “cartão de incentivo”, normalmente

sem identificação de seu titular, com um crédito correspondente ao valor estipulado para a classificação

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obtida. O crédito assim inserido no “cartão de incentivo” pode ser sacado pelo participante vencedor, ou

utilizado para pagamento de despesas realizadas em lojas vinculadas à rede operadora do cartão.

Com isso, no desenvolvimento da campanha de marketing de incentivo, a agência de marketing, ou a

própria empresa responsável pela campanha, conforme o caso, contrata essas empresas especializadas

de “cartão de incentivo”, devendo fazer a transferência do pagamento do montante da premiação e

demais tarifas a essas empresas.

Essas regras e todas as demais necessárias ao desenvolvimento da campanha de marketing de incentivo

são previamente consolidadas em um regulamento, amplamente divulgado aos participantes por

intermédio de cartazes, folhetos e prospectos explicativos.

C) CAMPANHAS DE MARKETING DE INCENTIVO PARA PÚBLICO INTERNO (ENDOMARKETING) Endomarketing, como ensina sinteticamente a Wikipédia, “é uma atividade do marketing, batizada em

1990 por Saul Bekin em seu livro ‘Fundamentos do Endomarketing’. Tal atividade funciona alinhada à

comunicação interna, destinada ao público interno (funcionários/colaboradores) de uma organização

que busca adaptar estratégias e elementos do marketing para atingir os seus objetivos. O endomarketing

busca satisfação do público interno e o seu comprometimento com os objetivos organizacionais.” 2

Assim, no que tange ao marketing de incentivo, são campanhas destinadas a motivar pessoas internas da

empresa instituidora da campanha, com as quais esta mantém contrato de trabalho (como empregado)

ou de prestação de serviços (como autônomos, representantes comerciais, entre outros).

Tais campanhas são também organizadas por uma agência de marketing especializada, ou pelo próprio

Departamento de Marketing e/ou Recursos Humanos da empresa interessada. Do mesmo modo, podem

possuir as mesmas características das campanhas analisadas na alínea “B” acima, no que se refere à

premiação (em dinheiro, bens ou serviços) e critérios de apuração (pontuação do desempenho).

As campanhas de marketing de incentivo dessa natureza, por voltar-se ao público interno, nem sempre

são tão formalizadas quanto aquelas organizadas para premiar pessoas com as quais a empresa

responsável não possui qualquer relação de trabalho (como empregado ou prestador de serviço).

Entretanto, por razões que veremos mais adiante, é recomendável que todas as suas regras sejam

consolidadas em um regulamento, ao qual se dê a mais ampla e geral publicidade.

2 “Endomarketing”, disponível na Wikipédia, a Enciclopédia Livre (http://pt.wikipedia.org).

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II. QUESTÕES FISCAIS CORRELATAS O pagamento de salários e demais remunerações do trabalho, a qualquer título, à pessoa física que

preste trabalho ou serviço ao empregador sujeitam-se à incidência da contribuição previdenciária de

20% (vinte por cento) devida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, acrescido das chamadas

contribuições de terceiros, nos termos do art. 195, inc. I, alínea “a”, da Constituição Federal, e art. 22 da

Lei nº 8.212/91.

Além disso, sob a ótica do trabalhador, o salário e algumas outras remunerações recebidas por trabalhos

prestados integram o chamado salário-de-contribuição, para fins de incidência e apuração da

contribuição previdenciária devida pelo empregado ou trabalhador, também ao Instituto Nacional do

Seguro Social - INSS, conforme dispõe o art. 195, inc. II, da Constituição Federal, bem como os arts. 20

e 28 da Lei nº 8.212/91. Tal contribuição previdenciária, ainda que devida pelo empregado ou

trabalhador, deve ser retida e recolhida pela fonte pagadora do salário e demais remunerações do

trabalho, que figura, na hipótese, como responsável tributária, por força do disposto no art. 30 da Lei nº

8.212/91.

Percebe-se, destarte, que a hipótese de incidência (fato gerador) dessas contribuições previdenciárias,

isto é, pagar salário e demais remunerações do trabalho ou serviço prestado (contribuição previdenciária

da empresa), ou receber salário ou remuneração por trabalho ou serviço (contribuição previdenciária do

empregado ou trabalhador), revela a estreita relação de dependência existente entre a definição da

natureza do pagamento realizado por uma empresa à pessoa física (empregado ou trabalhador) e o

regime fiscal (no caso previdenciário) que lhe é aplicável.

Em outras palavras, ainda que se esteja aqui no campo do Direito Tributário, a definição do regime

fiscal aplicável a pagamentos feitos por pessoa jurídica à pessoa física (empregado ou trabalhador)

poderá depender do entendimento que Doutrina e Jurisprudência do Direito do Trabalho tiverem acerca

do pagamento em questão. Daí a importância de, preliminarmente nesse trabalho, tentarmos definir a

natureza jurídica da promessa de pagamento futura feita em campanhas de marketing de incentivo.

Tem-se assim uma primeira questão fiscal relevante ao marketing de incentivo, pois, dependendo da

natureza jurídica do pagamento feito a esse título pela empresa responsável pela campanha, aos

participantes vencedores, ter-se-á a incidência das contribuições previdenciárias acima sucintamente

apontadas, cabendo a tal empresa seu recolhimento tanto como contribuinte (para a contribuição

previdenciária da empresa), quanto como responsável tributária (na retenção e recolhimento da

contribuição previdenciária do empregado ou trabalhador).

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Além disso, o salário e demais remunerações do trabalho compreende, ainda, parcela de renda auferida

pelo empregado, trabalhador ou prestador de serviço, sujeitando-se, conseqüentemente, ao Imposto de

Renda, à alíquota prevista de 15% (quinze por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento), conforme

o valor recebido, de acordo com o que preceitua o art. 153, inc. III, da Constituição Federal, art. 43 do

Código Tributário Nacional e arts. 43 e 111 do Regulamento do Imposto de Renda, veiculado pelo

Decreto nº 3.000/99.

Nesse caso, contribuinte do imposto é, tão-somente, o empregado, trabalhador ou prestador de serviço,

isto é, a pessoa física que aufere renda. Entretanto, por força do disposto nos arts. 624 e 628 do

Regulamento do Imposto de Renda, a fonte pagadora figura como responsável tributária pela retenção e

recolhimento do Imposto de Renda, com relação ao pagamento de remuneração a pessoa física, sempre

que o montante pago supere o limite de isenção do Imposto de Renda.

Não pode passar despercebido, ainda, que há remunerações não diretamente decorrentes de trabalho

realizado, que também se sujeitam à incidência do Imposto de Renda na Fonte. Trata-se do pagamento

de determinados tipos de prêmios que, dependendo de sua natureza ou da forma de distribuição (em

dinheiro ou em bens), prevêem a retenção do Imposto de Renda à alíquota de 30% (trinta por cento) ou

20% (vinte por cento), segundo determinam, respectivamente, os arts. 6763 e 6774 do Regulamento do

Imposto de Renda.

Além disso, há ainda a hipótese legal de retenção na fonte do Imposto de Renda, à alíquota de 35%

(trinta e cinco por cento), sobre “todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não

identificado”, segundo dicção do art. 61 da Lei nº 8.981/95.

Conseqüentemente, mesmo que, no mais das vezes, o beneficiário seja plenamente identificado (o

vencedor da campanha do marketing de incentivo), não podemos deixar de analisar, no momento

oportuno, se poderia haver risco de enquadramento, nesse dispositivo legal, do pagamento em dinheiro

efetivado no âmbito de uma campanha dessa natureza, quando utilizado o “cartão de incentivo”, já que

3 “Art. 676. Estão sujeitos à incidência do imposto, à alíquota de trinta por cento, exclusivamente na fonte: I - os lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, inclusive as instantâneas, mesmo as de finalidade assistencial, ainda que exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie, exclusive os de antecipação nos títulos de capitalização e os de amortização e resgate das ações das sociedades anônimas; II - os prêmios em concursos de prognósticos desportivos, seja qual for o valor do rateio atribuído a cada ganhador.” 4 “Art. 677. Os prêmios distribuídos sob a forma de bens e serviços, através de concursos e sorteios de qualquer espécie, estão sujeitos à incidência do imposto, à alíquota de vinte por cento, exclusivamente na fonte. (...) § 2º Compete à pessoa jurídica que proceder à distribuição de prêmios, efetuar o pagamento do imposto correspondente, não se aplicando o reajustamento da base de cálculo. § 3º O disposto neste artigo não se aplica aos prêmios em dinheiro de que trata o artigo anterior.”

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este, como é sabido, não contém qualquer identificação do participante vencedor a quem foi atribuído

um determinado crédito (o valor da premiação).

Tem-se com isso uma segunda questão fiscal, atinente, como visto, ao Imposto de Renda Retido na

Fonte – IRRF e sua incidência sobre os pagamentos feitos pela empresa instituidora da campanha de

marketing de incentivo, considerando-se três hipóteses normativas distintas: (i) a hipótese de retenção

sobre pagamentos de remuneração do trabalho ou assemelhado; (ii) a hipótese de retenção sobre

pagamentos de prêmios de alguns jogos e concursos, dependendo da natureza do jogo ou concurso, e da

forma de pagamento (em dinheiro ou em bens e serviços); e (iii) a hipótese de retenção sobre

pagamentos a beneficiários desconhecidos.

PARTE SEGUNDA: NATUREZA JURÍDICA DA PROMESSA DE PAGAMENTO FUTURA

IV. ANÁLISE PRELIMINAR DE ESPÉCIES DE REMUNERAÇÃO SEGUNDO A ÓTICA DO DIREITO DO

TRABALHO É importante desde logo ressaltar que no Direito do Trabalho e, portanto, com reflexos na seara

previdenciária, é comum nos depararmos, além do salário, com outras remunerações do trabalho,

designadas como “gratificações”, “comissões”, “gorjetas” e até “gueltas” [sic], sem que a utilização

deste ou daquele termo esteja especificamente vinculada à devida natureza do pagamento feito. Reside

aí um risco para a empresa, nesse caso aquela que se vale do marketing de incentivo, máxime tendo em

conta a dicção do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, segundo o qual:

“Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais,

além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do

serviço, as gorjetas que receber.

§ 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões,

percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo

empregador.

§ 2º - Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem

que não excedam de 50% (cinqüenta por cento) do salário percebido pelo empregado.

§ 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao

empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional

nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados.” (grifamos)

Inicialmente, dito dispositivo menciona o “salário”, termo largamente utilizado para referir-se, de forma

genérica, à remuneração do empregado. Para AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO, salário “é a

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totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de

pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos

computáveis na jornada de trabalho” 5.

Infere-se, com isso, a concepção bastante ampla do conceito de “salário”, de modo a abranger não

apenas a remuneração fixa e ajustada recebida pelo empregado no exercícios das obrigações estipuladas

no âmbito de um contrato de trabalho, mas também outros ganhos que se possa auferir em decorrência

desse vínculo empregatício, como as gorjetas, comissões, percentagens e gratificações ajustadas

mencionadas no referido art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Entretanto, há remunerações que, a despeito de receberem, pelo uso, designação distinta de um dos

termos elencados no art. 457, podem ser qualificadas como uma daquelas modalidades de pagamento,

ou seja, como espécie do gênero “gorjeta”, ou “comissão” ou “gratificação”, por exemplo. Nesses

casos, caberá ao aplicador do Direito (para citar, o juiz, o agente de fiscalização do Instituto Nacional

do Seguro Social – INSS, o advogado, o jurista, entre outros) realizar essa tarefa de qualificação, sendo

certo que a significação atribuída a essa dada remuneração pode nem sempre amoldar-se

adequadamente ao gênero para o qual foi classificada.

Um bom exemplo dessa circunstância, segundo nosso entendimento, refere-se ao vocábulo “guelta”,

encontrado em textos relacionados ao Direito do Trabalho e Previdenciário, inclusive em inúmeros

julgados proferidos pelos Tribunas Trabalhistas, mas não previsto nos maiores dicionários de nossa

Língua Portuguesa.

Ao que parece, “guelta” é o nome que se dá a uma prática nascida no mercado farmacêutico na década

1960, e deriva de uma “corruptela da palavra ‘geld’, que em alemão, precedida do prenome ‘wechsel’,

significa troco (‘wechselgeld’)”, tal como relatado por JULIANA BRACKS DUARTE6.

Com isso, “guelta” assumiria o conceito de “troco”, podendo-se equiparar à “gorjeta” que como visto, à

luz do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, integraria o salário do empregado ou trabalhador,

ainda que paga por terceiros estranhos à relação de trabalho existente entre empregador e empregado,

podendo sujeitar-se, conseqüentemente, à contribuição previdenciária devida ao Instituto Nacional do

Seguro Social – INSS, pela fonte pagadora ou pelo beneficiário.

Ora, ainda que não tenhamos conhecimento mais aprofundado do idioma alemão, parece indubitável

que “guelta” deriva diretamente de “geld”, que não é “troco”, mas “dinheiro”, ou seja, um termo que

5 “Curso de Direito do Trabalho”. Editora Saraiva: São Paulo. 18ª Edição, Revista e Atualizada, 2003. p. 717.

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não exprime a concepção de algo recebido como compensação adicional por um determinado trabalho

executado, como pode significar a gorjeta. Na realidade, na língua alemã, o que dá ao “dinheiro” a

concepção de “troco”, podendo aproximá-lo de “gorjeta”, não é “geld”, mas exatamente o prenome

“wechsel” que, semanticamente, nada tem a ver com “guelta”. Pode-se inferir, assim, que toda a

argumentação desenvolvida para atribuir natureza de “gorjeta” à chamada “guelta”, pelo menos do

ponto de vista lingüístico, parte de uma premissa falsa.

É verdade que, a despeito do aparente lapso lingüístico, poder-se-ia ainda assim atribuir a noção de

“gorjeta” à prática conhecida como “guelta”, levando-se em consideração menos a função sintática da

linguagem (voltada à relação entre os termos, ou signos), e mais sua função pragmática, isto é, a relação

entre o ato que se convencionou chamar de “gorjeta” e a prática desenvolvida sob a denominação de

“guelta”.

De qualquer forma, é certo que o uso indiscriminado de “guelta”, como idéia de “gorjeta”, pode ocultar

ou dificultar a verdadeira natureza e peculiaridade intrínseca existente no pagamento feito no decorrer

da relação que se estabelece entre o fabricante ou distribuidor de um produto, e o empregado de uma

loja, por exemplo.

Nessa senda, é importante ter em mente que, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,

“gorjeta” é “pequena gratificação em dinheiro a quem prestou algum serviço”. Exsurge, destarte, o

aspecto voluntário e incondicional da “gorjeta”, ao qual também se filia ARNALDO SÜSSEKIND, para

quem, no âmbito de um contrato de trabalho, “gorjeta é a retribuição voluntariamente paga por aqueles

que se utilizam dos serviços da empresa, aos empregados que os executam”7.

A prática da “guelta”, por sua vez, representa o pagamento de uma soma pecuniária por fabricante ou

distribuidor de um determinado produto, como retribuição direta pelas vendas realizadas por uma

pessoa física, empregada de um estabelecimento, ponto de venda desse produto (no caso do

medicamento, o funcionário da farmácia). Assim, esse caráter de retribuição condicional (de acordo

com as vendas feitas daquele produto) afasta, segundo entendemos, a natureza de gorjeta do pagamento

efetuado pelo fabricante ou distribuidor ao vendedor de um determinado produto.

Além disso, no ramo farmacêutico, como nos demais em que tal prática se disseminou, como citado por

JULIANA BRACKS DUARTE, o pagamento da “guelta” é comumente feito pelo fabricante ou distribuidor

ao vendedor de um dado produto, sem que entre eles (o fabricante ou distribuidor, de um lado, e o

vendedor, de outro) exista necessariamente uma relação de emprego ou contrato de trabalho.

6 “A prática das gueltas e sua repercussão no contrato de trabalho”, disponível no sítio da Prof. Dra. Adriana Calvo (www.calvo.pro.br).

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Com isso, somos da posição que a chamada “guelta” pode-se aproximar muito mais de uma “comissão”

que, como é cediço, constitui remuneração paga independentemente da existência de relação de

emprego entre a fonte pagadora (no caso o fabricante do produto ou distribuidor) e o beneficiário.

De fato, analisando-se a comissão como outra forma de remuneração catalogada no art. 457 da

Consolidação das Leis do Trabalho, tem-se que esta, de acordo com lição de ARNALDO SÜSSEKIND,

“constitui modalidade de retribuição condicionada ao serviço realizado pelo trabalhador; é, assim, ‘uma

feição especial de remuneração por unidade de obra’8, correspondendo, normalmente, a uma

percentagem ajustada sobre o valor do serviço ou negócio executado ou 9encaminhado pelo trabalhador.

Por meio de comissão pode ser remunerado o trabalho do empregado (contrato de emprego ou de

trabalho subordinado) ou do trabalhador autônomo (contrato de prestação de serviços).”

Exsurge, destarte, que o pagamento de comissões pressupõe ajuste prévio entre as partes, e prevê

critérios objetivos de apuração do montante que será pago ao beneficiário pela execução de determinada

atividade, em geral relacionada à venda de de produtos.

A “gratificação”, por sua vez, é comumente utilizada na seara trabalhista para designar “liberalidades

do empregador que pretende obsequiar o empregado por ocasião das festas de fim de ano”, como

ressaltado por AMAURI MASCARO NASCIMENTO10. É a chamada, nesse caso, “gratificação natalina”,

hoje já ajustada nos contratos de trabalho e integrantes do salário do trabalhador.

Entretanto, deve-se ter em conta que há pagamento de “gratificação” sem ajuste prévio, segundo

discricionariedade da empresa, para agraciar o trabalhador, pela conclusão de uma tarefa específica, em

geral não diretamente vinculada às obrigações decorrentes de seu contrato de trabalho. Pode ser, por

exemplo, o pagamento de uma determinada remuneração à recepcionista de uma concessionária pela

venda de um veículo, tendo em conta que, no exercício regular de suas funções de atender a recepção,

diretamente relacionadas ao seu contrato de trabalho, não está certamente a concretização de venda de

veículos. Trata-se de ato unilateral do empregador que, quando desprovido de habitualidade, não possui

natureza salarial.

Percebe-se, portanto, as dificuldades que se pode ter na devida qualificação de uma remuneração paga

por uma pessoa jurídica à pessoa física, com ou sem vínculo empregatício. Tal dificuldade revela-se

7 “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume 1. Editora LTR: São Paulo. 22ª Edição, 2005. p. 386. 8 Conforme Orlando Gomes, assim citado pelo Autor. 9 Op. citada, pp. 370-371. 10 “Curso de Direito do Trabalho”. Editora Saraiva: São Paulo. 18ª Edição, Revista e Atualizada, 2003. p. 769.

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ainda maior no caso da promessa de pagamento futuro existente nas campanhas de marketing de

incentivo, tarefa à qual nos ocuparemos a seguir.

V. A NATUREZA JURÍDICA DA PROMESSA DE PAGAMENTO FUTURO DAS CAMPANHAS DE

MARKETING DE INCENTIVO Vimos, na Parte Primeira deste trabalho, que as campanhas de marketing de incentivo organizadas

podem destinar-se aos próprios empregados ou trabalhadores da empresa instituidora da campanha ou,

diversamente, voltar-se para pessoas que não mantêm com ela relação de trabalho ou de prestação de

serviços.

Além disso, a premiação dessas campanhas normalmente não se vincula apenas à consecução de uma

meta pré-estabelecida (a concretização de um determinado volume de vendas ou faturamento, por

exemplo) pelos participantes. Trata-se, na verdade, de uma promessa de pagamento futura àquele que,

de acordo com seu desempenho, obtiver melhor colocação entre todos os participantes em um dado

período, de acordo com os critérios de classificação previamente estabelecidos.

Assim, os pagamentos em questão, antes de representar retribuição direta pelas metas alcançadas, são

de fato uma recompensa pelo implemento de duas condições conjuntas: (i) a classificação do

participante segundo os critérios de desempenho previstos; e (ii) sua colocação entre os primeiros de

todos os participantes da campanha.

Exemplificando, suponhamos uma campanha de marketing que vise a incrementar a venda de um

determinado produto, junto à rede de lojas revendedoras. O regulamento, por sua vez, prevê que a

comercialização desse produto pelos participantes dará direito a 10 (dez) pontos, em toda operação

realizada entre o dia 1º de janeiro e 31 de março de um dado ano. Assim, ao final desse período, sagrar-

se-á vencedor o participante que acumular mais pontos entre todos os participantes.

Com isso, parece-nos que a promessa de pagamento futura não pode ser tida por gorjeta, porquanto não

constitui uma mera liberalidade da fonte pagadora, responsável pela organização da campanha de

marketing de incentivo. É verdade que há discricionariedade da empresa, em implementar tal tipo de

campanha. Entretanto, uma vez lançada, tem a empresa o dever de cumprir a promessa de pagamento

ali feita.

Além disso, não se pode esquecer do caráter incondicional da gorjeta, já que o pagamento dessa

remuneração é feito em face da realização de um de um trabalho ou serviço, mas não da consecução de

uma meta ou objetivo pré-estabelecido. Na promessa de pagamento futuro das campanhas de marketing

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de incentivo, por sua vez, considera-se o desempenho do participante (em geral na área de vendas), e

sua classificação final perante os demais participantes da campanha.

Do mesmo modo, tais promessas de pagamento também não se enquadram perfeitamente no conceito

de comissão, pois inexiste retribuição automática do participante pelo desempenho que alcançou no

decorrer da campanha. O desempenho é sim fundamental, mas para classificá-lo em um ranking que

abrange todos os participantes, de acordo com os critérios de apuração estabelecidos, para que apenas

os primeiros colocados sejam elegíveis à premiação. Assim, na hipótese sob análise, seria comissão se

todos os participantes que tivessem tido algum desempenho de venda do produto incentivado, por

exemplo, recebessem um tipo de retribuição ao final da campanha, ainda que de forma escalonada,

segundo faixas distintas de vendas.

Na verdade, temos que a promessa de pagamento futuro de campanhas de marketing de incentivo

constitui verdadeiro prêmio pago pelo responsável da campanha aos participantes vencedores. Isso

porque prêmio, na acepção genérica trazida pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é a

“retribuição em dinheiro por um serviço prestado; recompensa; remuneração”. Com isso, o conceito de

prêmio amolda-se adequadamente às condições e peculiaridades da promessa de pagamento futura

estipulada nas campanhas de marketing de incentivo, sobretudo no que tange ao seu caráter

recompensatório (premia-se apenas os primeiros colocados da campanha), sem contudo trazer consigo

conotações próprias de remunerações pagas no âmbito de um contrato de trabalho, ainda que também

exista, como é cediço, o pagamento de prêmio na relação empregador-empregado.

Em outras palavras, o termo “prêmio”, em sua função pragmática, não se vincula necessariamente à

idéia de uma remuneração paga em decorrência de contrato de trabalho, mas a de recompensa

concedida a relações jurídicas existentes nos mais variados setores da vida social. Tem-se o prêmio

pago àquele que acerta na loteria ou que vence um concurso ou um jogo, ou, por que não, uma

campanha de marketing de incentivo.

E, evidentemente, há o prêmio decorrente de uma relação direta de trabalho ou de serviço, isto é, com

ou sem vínculo empregatício, que pode ter ou não natureza salarial, dependendo da habitualidade com

que for pago. A corroborar essa tese trazemos as lições de AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO, para

quem:

“Os prêmios não têm natureza salarial unicamente quando não habituais, assim

considerados os feitos a esse título, por exemplo, uma vez por ano ou em função de

campanhas de incentivo à produção eventualmente realizadas pela empresa,

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especialmente quando não pagos em dinheiro , mas em outras vantagens como uma

viagem ao exterior etc” 11. (grifamos)

Assim sendo, chegamos a um ponto importante do presente trabalho, definindo como prêmio a natureza

jurídica da promessa de pagamento futuro existente nas campanhas de marketing de incentivo. Esse

termo, como visto, ressalta as características intrínsecas do pagamento em questão e, por ser de uso

genérico, não se filia de antemão a concepções desnecessárias à definição do regime fiscal que lhe é

aplicável, como poderia sugerir sua classificação desarrazoada como “gorjeta”, “gratificação” ou

“comissão”.

PARTE TERCEIRA: ASPECTOS FISCAIS RELEVANTES AO MARKETING DE INCENTIVO VI. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

A seguridade social no Brasil, como visto sucintamente no Capítulo II deste trabalho, é custeada com o

pagamento, entre outras exações, de duas contribuições previdenciárias, expressamente previstas no art.

195 da Constituição Federal: uma devida pelo empregador, pela empresa e entidade a ela equiparada na

forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados,

a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (inciso I,

alínea “a”); outra devida pelo trabalhador e demais segurados da previdência social (inciso II).

Com isso, tal como já lançado, uma primeira questão fiscal que se coloca com relação ao marketing

de incentivo é definir se o prêmio pago pelo responsável da campanha aos participantes vencedores

pode configurar pagamento de remuneração sujeito à incidência da chamada contribuição

previdenciária do empregador ou equiparado, bem como à retenção que se deve fazer sobre a parcela

devida pelo beneficiário ─ o participante, no que tange à contribuição previdenciária do empregado ou

trabalhador.

Em outras palavras, importa apurar se o pagamento do prêmio de campanha de marketing de incentivo

subsume-se à hipótese normativa instituída segundo a matriz constitucional de incidência prevista no

referido art. 195, para ensejar o nascimento da obrigação tributária que tenha por objeto o pagamento da

contribuição previdenciária por parte da empresa responsável pela campanha, bem como seu dever de

reter o montante devido pelo beneficiário à previdência social. Para tanto, segundo a própria natureza

dessa hipótese normativa de incidência, é necessário que tal prêmio se qualifique como remuneração

11 Op. citada, p. 775.

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por trabalho ou serviço prestado (com ou sem vínculo empregatício, portanto), e integre o salário para

todos os efeitos legais.

A) CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR OU EQUIPARADO

No que tange a análise da contribuição previdenciária do empregador ou equiparado, há campanhas de

marketing de incentivo, como visto, destinadas a um público que não possui qualquer relação de

trabalho ou de serviço com a empresa que a instituiu.

Conseqüentemente, é evidente que não se trata de pagamento de remuneração do trabalho. Com isso,

desde que fique bem claro que o dispêndio é suportado por terceiro (a empresa responsável pela

campanha do marketing de incentivo) estranho ao contrato de trabalho existente entre o participante e a

empresa à qual este se encontra vinculado, há relevantes argumentos para afastar qualquer tentativa, por

parte do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, de exigir o pagamento da contribuição

previdenciária por parte da fonte pagadora, independentemente de se tratar de prêmio em dinheiro, bens

ou serviços.

Entretanto, é importante ressaltar que, independentemente da existência ou não de vínculo

empregatício, há entendimento que aponta para a possibilidade de exigência da contribuição

previdenciária sob foco, baseada sobretudo em decisões de Tribunais Trabalhistas, nos casos de

comprovada habitualidade do pagamento de prêmio a trabalhador, ainda que tal pagamento derive de

pessoa jurídica com a qual este não mantém contrato de trabalho.

As campanhas de marketing de incentivo desse tipo, porém, quando estruturada conforme as condições

discriminadas no Capítulo I deste trabalho, reforça a natureza meramente eventual do prêmio pago,

tendo em conta sobretudo os critérios de premiação estabelecidos, segundo os quais se premia apenas o

participante com melhor classificação, entre um universo relativamente grande de participantes. Tal

circunstância, segundo nosso entendimento, poderia afastar a contribuição previdenciária sob análise,

inclusive nas campanhas de marketing de incentivo voltadas ao público interno (endomarketing).

Não se pode perder de vista, porém, que o critério da habitualidade do pagamento de uma determinada

remuneração adicional há de ser analisado segundo o contexto em que se insere o beneficiário desse

pagamento, bem como as condições objetivas estipuladas que legitimariam o pagamento do prêmio.

Quer-se dizer, com isso, que a estipulação de uma meta meramente “simbólica”, se considerado o

histórico de operações realizadas pelo beneficiário do prêmio (trabalhador ou empregado) no passado,

como, por exemplo, o prêmio como meta para atingir um determinado faturamento de vendas, em valor

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pouco superior àquele já atualmente alcançado por ele, pode conduzir à habitualidade do pagamento,

suscitando, conseqüentemente, sua natureza salarial.

Poder-se-ia argumentar ainda, em favor da incidência da contribuição previdenciária do empregador ou

equiparado sobre o prêmio, que a natureza da relação jurídica que se estabelece entre a empresa

responsável pela campanha de marketing de incentivo e seus participantes de fato não se subsume à

hipótese referente à necessária existência de vínculo empregatício, mas sim àquela prevista na parte

final da alínea “a” do inc. I do art. 195 da Constituição Federal que, como visto, prevê dita contribuição

nos casos de remuneração de “pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.”

Ora, não se pode perder de vista que a parte final desse dispositivo, ao abranger situações de

remuneração por serviços prestados por pessoa física (ou seja, sem vínculo empregatício), pretendeu

incluir, na incidência dessa contribuição previdenciária, outras formas de contratação além daquelas

decorrentes de uma típica relação de emprego, sobretudo no que se refere à prestação de serviços por

autônomos.

Entretanto, como bem ressaltado por WAGNER BALERA, em artigo de lavra em conjunto com LUIS

RODRIGUES KERBAUY12, a relação que se estabelece entre o responsável pela campanha do marketing

de incentivo e seus participantes, independentemente de sua modalidade, não são próprias de uma

relação de trabalho, mas particularmente de um instituto civil, conhecido como promessa de

recompensa, assim definida pelo art. 854 do Código Civil:

“Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar,

a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de

cumprir o prometido.”

Vê-se, portanto, que a promessa de pagamento constitui uma obrigação unilateral de vontade, ou seja, a

natureza obrigacional decorre não da manifesta vontade de ambas as partes, como se dá nas relações de

trabalho, mas do interesse social no cumprimento do que foi prometido por quem organizou essa

espécie de concurso, desde que cumpridas as condições regulamentares previamente estabelecidas,

como acrescenta WAGNER BALERA e LUIS RODRIGUES KERBAUY.

A implementação da promessa de recompensa, é bom que se diga, deve atender a alguns preceitos,

conforme se deflui de sua própria natureza e definição contida no dispositivo legal acima reproduzido.

Nesse sentido, segundo NEWTON DE LUCCA, são pressupostos da promessa de recompensa, além

12 Publicado no jornal Valor Econômico de 9 de fevereiro de 2007.

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daqueles exigidos para quaisquer atos jurídicos (i) publicidade, (ii) a designação do objeto da promessa;

e (iii) a indicação da recompensa ou gratificação13.

Dessa forma, a promessa de pagamento, segundo nosso entendimento, amolda-se muito bem às

características peculiares das campanhas de marketing de incentivo, em especial no que se refere à

publicidade que se dá à campanha, o público a que se destina, o prazo da campanha, os prêmios e os

critérios de premiação estipulados.

WAGNER BALERA e LUIS RODRIGUES KERBAUY, no mesmo artigo, parecer seguir essa mesma linha de

raciocínio, ao consignarem que “inicialmente, deve-se observar rigorosamente o regulamento que

institua o plano de incentivo, que, ademais, será responsável por constituir objeto de um direito

subjetivo dos indivíduos defronte a empresa. O programa deve, ainda, obedecer à publicidade adequada

de todos os termos da campanha e do seu resultado para que a promoção torne-se conhecida, bem como

os critérios que a compõe.”. Em seguida, arrematam:

“Somente com a fixação de parâmetros claramente definidos e do mais amplo acesso de

todos os possíveis participantes às regras adrede estipuladas será possível a

caracterização da verdadeira natureza, desvinculada do conceito de remuneração. São,

portanto, elementos mínimos comuns às diversas campanhas: a) público-alvo; b)

condição; c) termo; e d) premiação. A seleção do grupo deve estar baseada

exclusivamente em critérios objetivos, relevantes para o funcionamento da campanha,

que prestigiem as finalidades pretendidas com a implantação do programa. A condição,

critério a ser nitidamente especificado na campanha, lhe confere caráter condicional,

somente aperfeiçoando-se o negócio jurídico quando preenchidos os parâmetros

específicos, divulgados previamente na campanha. Tem-se, ainda, que a proposta de

atuação encontra-se demarcada pela sua natureza excepcional, de sorte que o programa

de incentivo deve ter duração limitada e periodicidade eventual. Trata-se, deste modo,

de sazonal situação com fixação de prazos para que os interessados manifestem sua

intenção de participar da disputa bem como mediante estipulação do momento em que

será considerada implementada a condição.”

Vê-se, portanto, que o prêmio em questão não possui natureza de remuneração de que trata o art. 195,

inc. I, alínea “a, da Constituição Federal, o art. 22 ou qualquer outro da Lei nº 8.212/91 sob qualquer

aspecto que se analise, porque se tem, na verdade, uma promessa de recompensa, que não se enquadram

na hipótese de incidência prevista em tais dispositivos normativos.

13 “Comentários ao Novo Código Civil”, Volume XII. Editora Forense: Rio de Janeiro. 1ª Edição, 2003. pp. 10-12.

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Conseqüentemente, por força do Princípio da Legalidade aplicado à matéria tributária, de acordo com o

disposto no art. 150, inc. I, da Constituição Federal, entendemos estar afastada a incidência da

contribuição previdenciária sobre os prêmios pagos pela aos participantes vencedores de campanhas de

marketing de incentivo.

B) CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR

A par das ponderações feitas acima, cumpre-nos agora definir se o prêmio pago aos vencedores de

campanhas de marketing de incentivo poderá se submeter à contribuição previdenciária por parte do

beneficiário do prêmio prevista no art. 195, inc. II, da Constituição Federal, o que imporia à fonte

pagadora o dever de reter e recolher esse tributo por ocasião do pagamento do prêmio em questão.

Ora, por todos os argumentos até aqui expostos, parece-nos bastante defensável que o prêmio pago no

âmbito de campanha de marketing de incentivo não possui natureza salarial, assim entendido o salário

ou qualquer outra remuneração que a ele se integre, tal como já concluído acima.

Nem poderia ser diferente, pois a eventualidade (isto é, inexistência de habitualidade) do pagamento do

prêmio sob análise, como visto, retira a natureza salarial dos prêmios que, nesse caso, deixam de ser

apenas como mais uma espécie de remuneração de caráter retributivo pela prestação de serviços, para

assumir a natureza de recompensa pela colocação entre os melhores colocados na campanha.

Desse modo, a natureza dos prêmios percebidos pelos participantes vencedores da campanha, qual seja,

de recompensa, exclui o caráter remuneratório que constitui a essência das prestações que

costumeiramente, integram o salário.

Não é por acaso, aliás, que o art. 28 da Lei nº 8.212/91 afasta expressamente os “ganhos eventuais” do

salário-de-contribuição para fins previdenciários, precisamente no item 7 da alínea “e” de seu § 9º,

abaixo reproduzido:

“Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

(...)

§9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

(...)

e) as importâncias:

(...)

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7- recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do

salário”.

Assim, considerando-se que os prêmios de campanhas de marketing de incentivo, por sua natureza,

podem ser considerados “ganhos eventuais”, percebe-se que, mesmo à luz da legislação previdenciária,

há relevantes argumentos para afastar a incidência da contribuição devida pelo trabalhador ao Instituto

Nacional do Seguro Social – INSS.

C) AS CONSEQÜÊNCIAS DE POSSÍVEIS RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS

Inobstante os argumentos expendidos nas alíneas “A” e “B” acima, não poderíamos deixar de analisar a

questão da incidência das contribuições previdenciárias em questão, em caso de ajuizamento de

reclamatórias trabalhistas por parte de algum participante vencedor de uma campanha de marketing de

incentivo.

De fato, ainda que possa parecer improvável, existem possibilidades de participantes que receberem o

prêmio de uma determinada campanha venham a ajuizar ações trabalhistas, buscando a integração do

valor recebido aos seus salários para todos os efeitos legais, independentemente de se tratar de

marketing de incentivo implementado pela empresa ao qual o participante mantém relação de trabalho

ou não.

Em tal hipótese, com fulcro nas regras, critérios e condições estipuladas na campanha, sua natureza de

promessa de recompensa, no pagamento apenas eventual do prêmio respectivo e na própria disposição

contida no art. 28, § 9º, alínea “e, item 7, da Lei nº 8.212/91, entendemos relevantes os argumentos que

poderão ser utilizados para afastar demandas judiciais desse tipo.

Entretanto, deve-se ter em conta que, na eventualidade de condenação da empresa em ações trabalhistas

movidas por participantes de campanha de marketing de incentivo, relativamente aos prêmios

recebidos, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS pode vir a exigir o pagamento de contribuição

previdenciária sobre as parcelas dos prêmios que, por meio de sentença judicial, deveriam ter integrado

o salário do trabalhador, sobretudo se considerarmos que, por força do disposto nos arts. 832, §4º14, e

879, §3º15, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

14 “Art. 832. (...). (...) § 4º - O INSS será intimado, por via postal, das decisões homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória, sendo-lhe facultado interpor recurso relativo às contribuições que lhe forem devidas.” 15 “Art. 879. Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.

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deve ser intimado quer das decisões que homologuem acordos, quer das decisões que determinem o

pagamento de parcelas indenizatórias perante a Justiça do Trabalho, sendo lhe facultado promover em

separado a execução de sua parte.

VI. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE - IRRF

Como visto no Capítulo II deste Parecer, a segunda questão fiscal correlata às campanhas de

marketing de incentivo diz respeito ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF e sua incidência sobre

os prêmios pagos, considerando-se três hipóteses normativas distintas: (i) a hipótese de retenção sobre

pagamentos de remuneração do trabalho ou assemelhado (arts. 43 e 111 do Regulamento do Imposto de

Renda); (ii) a hipótese de retenção sobre pagamentos de prêmios de alguns jogos e concursos,

dependendo da natureza do jogo ou concurso, e da forma de pagamento, ou seja, em dinheiro ou em

bens (arts. 676 e 677 do Regulamento do Imposto de Renda); e (iii) a hipótese de retenção sobre

pagamentos a beneficiários desconhecidos (art. 61 da Lei nº8.981/95).

Ora, no tocante à primeira hipótese, de retenção do Imposto de Renda à tabela progressiva de 15%

(quinze por cento) e 27,5% (vinte e sete por meio por cento), pela fonte pagadora, não se pode perder de

vista que o pagamento feito deve ter natureza de remuneração da pessoa física referente a trabalho,

serviço ou assemelhado. Assim, tomando-se a natureza do prêmio de campanha de marketing de

incentivo, pago no âmbito de uma promessa de recompensa, como entendemos, pode-se afastar a

incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre tais pagamentos.

Todavia, considerando-se que o enquadramento da campanha de marketing de incentivo como

promessa de recompensa constitui, nesse momento ainda exíguo de discussões do tema, uma tentativa

de adequá-lo a um instituto que melhor represente suas características, há risco de que a Secretaria da

Receita Federal venha a exigir a retenção do Imposto de Renda sobre o pagamento de prêmios em

dinheiro feitos em valores superiores ao limite mensal de isenção do imposto. Conseqüentemente, para

que se afaste esse risco, basta estipular prêmios em valores inferiores à faixa de isenção.

Quanto à segunda hipótese, parece-nos que não há duvida de que a retenção do Imposto de Renda

prevista no art. 676 do Regulamento do Imposto de Renda, à alíquota de 30% (trinta por cento), refere-

se aos lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, concursos desportivos em geral,

compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie e os prêmios em concursos de prognósticos

(...) § 3º - Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão.”

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desportivos, ou seja, rendimentos que não guardam qualquer relação com os prêmios de campanha de

marketing de incentivo, pelas razões já extensamente expostas.

Deve-se ter em conta, porém, que, nos termos do art. 677 do Regulamento do Imposto de Renda, “os

prêmios distribuídos sob a forma de bens e serviços, através de concursos e sorteios de qualquer

espécie, estão sujeitos à incidência do imposto, à alíquota de vinte por cento, exclusivamente na fonte”.

Assim, por incluir concursos de qualquer espécie, pode a Secretaria da Receita Federal vir a entender

que o prêmio de campanha de marketing de incentivo, se pago não em dinheiro, mas sob a forma de

bens ou serviços (uma televisão ou carro ao primeiro colocado, ou estadia de uma semana em um

determinado hotel, por exemplo), sujeita-se ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, à alíquota

de 20% (vinte por cento).

Por fim, tendo em vista que os prêmios em dinheiro de campanhas de marketing de incentivo são

comumente pagos por meio de crédito alocado ao chamado “cartão de incentivo”, e este, por si só, não

possibilita a identificação do usuário, pois não possui o nome de seu titular, cabe analisar se essa

circunstância poderia ensejar a exigência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, à alíquota de

35% (trinta e cinco por cento), com base no entendimento de que se trata de pagamento a beneficiário

não identificado de que trata o art. 61 da Lei nº 8.981/95.

Ora, ainda que o “cartão de incentivo” em si não possibilite a imediata identificação do usuário,

beneficiário do prêmio da campanha do marketing de incentivo, é certo que, no âmbito dessa campanha,

os vencedores premiados são plenamente conhecidos, inclusive mediante ampla divulgação, como

forma até de prestigiar o sucesso da campanha e demonstrar o adimplemento da promessa de

recompensa ali assumida.

Assim sendo, parece-nos absurda qualquer tentativa que possa vir a ser feita pela Secretaria da Receita

Federal para exigir a retenção do Imposto de Renda sobre o pagamento de prêmios, com base no art. 61

da Lei nº 8.981/95.

PARTE QUARTA: CONCLUSÕES Ante todo o exposto, podemos concluir que:

(i) as campanhas de marketing de incentivo, segundo suas características, não ensejam

obrigações próprias de um contrato de trabalho ou de prestação de serviço, mas de uma

promessa de recompensa prevista no art. 854 do Código Civil, sobretudo se houver (i)

regulamento previamente estabelecido; (ii) publicidade; (iii) definição do público a que se

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destina; (iv) prazo de duração da campanha; (v) designação do prêmio (objeto da

promessa); e (vi) critérios de apuração do vencedor.

(ii) os prêmios pagos em tais campanhas possuem caráter eventual e de recompensa, o que

muito contribui para afastar sua natureza de salário e demais remunerações do trabalho ou

serviço;

(iii) conseqüentemente, há relevantes argumentos para determinar a não incidência da

contribuição previdenciária do empregador ou equiparado, devida à alíquota de 20% (vinte

por cento) ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, sobre o pagamento de prêmios

de campanhas de incentivo, quer sejam destinadas aos empregados e trabalhadores da

própria empresa que a instituiu, quer a pessoas físicas com as quais a empresa (instituidora

da campanha) não mantenha qualquer contrato de trabalho ou de prestação de serviço;

(iv) do mesmo modo e pelas mesmas razões, pode-se afastar a obrigação de reter e recolher a

contribuição previdenciária eventualmente devida pelo participante vencedor da campanha,

sobre o prêmio recebido. O próprio art. 28, § 9º, alínea “e”, item 7, da Lei nº 8.212/91

determina que não integra o salário-de-contribuição, para fins previdenciários, os “ganhos

eventuais”, como podem ser enquadrados os prêmios em questão;

(v) não se pode perder de vista, ainda, que a incidência tributária submete-se ao Princípio da

Legalidade previsto no art. 150, inc. I, da Constituição Federal, que deve coibir qualquer

tentativa de qualificar hipóteses não expressamente previstas na legislação fiscal, como

ocorre com os prêmios de campanhas de marketing de incentivo;

(vi) no tocante ao Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, entendemos que há o risco de

exigência por parte da Secretaria da Receita Federal, à alíquota progressiva de 15% (quinze

por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento) sobre os prêmios pagos em dinheiro aos

participantes vencedores, em valores superiores ao limite de isenção mensal do imposto;

(vii) o pagamento dos prêmios de campanhas de marketing de incentivo não se sujeitam à

incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF à alíquota de 30% (trinta por

cento), previsto no art. 676 do Regulamento do Imposto de Renda, por não tratar-se de

pagamento de lucros obtidos em loterias, concursos desportivos em geral, compreendidos

os de turfe e sorteios de qualquer espécie, e os prêmios em concursos de prognósticos

desportivos;

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(viii) entretanto, se o pagamento do prêmio não for em dinheiro, mas em bens ou serviços, pode-

se entender que incide, na hipótese, o Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF à alíquota

de 20% (vinte por cento), tal como determina o art. 677 do Regulamento do Imposto de

Renda;

(ix) por fim, entendemos que não se aplica ao pagamento do prêmio em dinheiro por meio de

“cartão de incentivo” a hipótese de retenção na fonte do Imposto de Renda prevista no art.

61 da Lei nº 8.981/95. Ainda que o “cartão de incentivo” não permita a imediata

identificação de seu usuário, beneficiário do prêmio, é certo que, ao final da campanha,

todos os vencedores são amplamente divulgados e conhecidos.

MAUCIR FREGONESI JÚNIOR