ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00664-2007-074-03-00-3 · devolução ou restituição dos valores...

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603 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.46, n.76, p.603-711, jul./dez.2007 ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00664-2007-074-03-00-3 Data: 06.08.2007 DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE PONTE NOVA - MG Juíza Substituta: Drª RENATA BATISTA PINTO COELHO Aos 06 dias do mês de agosto de 2007, às 16h15min, na sede da Vara do Trabalho de Ponte Nova, realizou-se a audiência para julgamento dos pedidos formulados na ação ordinária declaratória negativa de inexistência de relação jurídica tributária com pedido de antecip ação de tutela, ajuizada por Francisca Pacheco V iana Ribeiro em face de Universidade Federal de V içosa. Aberta a audiência, foram de ordem da MM. Juíza do T rabalho, Drª Renat a Batist a Pinto Coelho, apregoadas as partes. Ausentes. A seguir, foi proferida a seguinte SENTENÇA: I - RELATÓRIO Francisca Pacheco Viana Ribeiro, beneficiária de Francisco Pires Ribeiro, ajuizou ação ordinária declaratória negativa de inexistência de relação jurídica tributária com pedido de antecipação de tutela em desfavor da Universidade Federal de Viçosa, ambas devidamente qualificadas nos autos em epígrafe, pelos fatos e fundamentos jurídicos constantes na exordial, em síntese: 1) que a ação rescisória, transitada em julgado, a qual foi procedente, desconstituiu o acórdão rescindendo proferido nos autos do processo TRT-RO-1.585/90; 2) que a ação rescisória limitou-se a inverter os ônus sucumbenciais em relação às custas processuais trabalhistas, sem nele ditar que os demandados tivessem que devolver qualquer valor recebido na decisão rescindida; 3) que a parte ré interpôs ação executiva, a qual foi suspensa pelo juízo a quo, em face do entendimento de que a ação a ser proposta, se fosse o caso, deveria ser outra, o que foi objeto de recurso junto ao TRT/MG, o qual liminarmente confirmou a decisão de primeiro grau, dizendo que a ação a ser proposta deveria ser a de repetição de indébito; 4) que a parte ré, sem propor qualquer ação com vistas à reposição dos valores, notificou os demandados da ação rescisória, dentre eles a requerente, conferindo-lhe prazo para restituição dos valores ao erário público no importe de R$3.661,19 (três mil, seiscentos e sessenta e um reais e dezenove centavos), ou autorizar o seu desconto em parcelas nos percentuais permitidos em folha de pagamento, sob pena de inscrição na dívida ativa; 5) que, em razão da notificação expedida pela parte ré, a parte requerente, tempestivamente, interpôs recurso administrativo, o qual foi indeferido, voltando a Diretoria de Recursos Humanos novamente a notificar os demandados para pagar ou autorizar os descontos, sob pena de inscrição do nome na dívida ativa, para, se for o caso, propor a competente execução fiscal; 6) que a ameaça de inscrição na dívida ativa não gravita na esfera da legalidade sob fundamento de que a parte ré não terá como considerar a decisão rescindenda como título líquido, certo e exigível, pois o acórdão exeqüendo não permite, nem implicitamente, a devolução do mandamus executório, sendo inexistente a relação jurídica entre a decisão rescindenda e o prometido título executivo a ser constituído; 7) que é inequívoca a

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00664-2007-074-03-00-3Data: 06.08.2007DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE PONTE NOVA - MGJuíza Substituta: Drª RENATA BATISTA PINTO COELHO

Aos 06 dias do mês de agosto de 2007, às 16h15min, na sede da Vara doTrabalho de Ponte Nova, realizou-se a audiência para julgamento dos pedidosformulados na ação ordinária declaratória negativa de inexistência de relaçãojurídica tributária com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por FranciscaPacheco Viana Ribeiro em face de Universidade Federal de Viçosa.

Aberta a audiência, foram de ordem da MM. Juíza do Trabalho, Drª RenataBatista Pinto Coelho, apregoadas as partes. Ausentes.

A seguir, foi proferida a seguinte SENTENÇA:

I - RELATÓRIO

Francisca Pacheco VianaRibeiro, beneficiária de Francisco PiresRibeiro, ajuizou ação ordináriadeclaratória negativa de inexistência derelação jurídica tributária com pedido deantecipação de tutela em desfavor daUniversidade Federal de Viçosa, ambasdevidamente qualificadas nos autos emepígrafe, pelos fatos e fundamentosjurídicos constantes na exordial, emsíntese: 1) que a ação rescisória,transitada em julgado, a qual foiprocedente, desconstituiu o acórdãorescindendo proferido nos autos doprocesso TRT-RO-1.585/90; 2) que aação rescisória limitou-se a inverter osônus sucumbenciais em relação àscustas processuais trabalhistas, semnele ditar que os demandados tivessemque devolver qualquer valor recebido nadecisão rescindida; 3) que a parte réinterpôs ação executiva, a qual foisuspensa pelo juízo a quo, em face doentendimento de que a ação a serproposta, se fosse o caso, deveria seroutra, o que foi objeto de recurso juntoao TRT/MG, o qual l iminarmenteconfirmou a decisão de primeiro grau,dizendo que a ação a ser propostadeveria ser a de repetição de indébito;4) que a parte ré, sem propor qualquer

ação com vistas à reposição dosvalores, notificou os demandados daação rescisória, dentre eles arequerente, conferindo-lhe prazo pararestituição dos valores ao erário públicono importe de R$3.661,19 (três mil,seiscentos e sessenta e um reais edezenove centavos), ou autorizar o seudesconto em parcelas nos percentuaispermitidos em folha de pagamento, sobpena de inscrição na dívida ativa; 5) que,em razão da notificação expedida pelaparte ré, a parte requerente,tempestivamente, interpôs recursoadministrativo, o qual foi indeferido,voltando a Diretoria de RecursosHumanos novamente a notificar osdemandados para pagar ou autorizar osdescontos, sob pena de inscrição donome na dívida ativa, para, se for o caso,propor a competente execução fiscal; 6)que a ameaça de inscrição na dívidaativa não gravita na esfera da legalidadesob fundamento de que a parte ré nãoterá como considerar a decisãorescindenda como título líquido, certo eexigível, pois o acórdão exeqüendo nãopermite, nem implicitamente, adevolução do mandamus executório,sendo inexistente a relação jurídicaentre a decisão rescindenda e oprometido título executivo a serconstituído; 7) que é inequívoca a

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inexistência de relação jurídica entre adecisão rescindenda e uma eventualpretensão da parte ré de propositura dedevolução ou restituição dos valoresrecebidos pela requerente, comespeque na Lei n. 8.443/92, a qualprescreve que as contas só serãojulgadas irregulares quandocomprovadas dentro das situaçõeselencadas no inciso III do art. 16 damulticitada Lei, sendo certo que o valorreclamado não se ajusta em nenhumadas modalidades do referido artigo; 8)que, para se pretender a reposição doerário público, sob o rótulo derecebimento indevido, há de sedemonstrar a existência de nexo decausalidade entre a ação consciente edano ao patrimônio público, devendo-seter um mínimo, ainda que de boa-fé, decenso de previsibilidade consciente deque sua ação pode dar causa aoresultado ao patrimônio público, o quenão existiu no caso vertente, nãohavendo que se falar em suporte legalpara o desconto pretendido ou ainscrição na dívida ativa pela parte réou muito menos em devolução dosvalores percebidos por força de decisãojudicial transitada em julgado, sendoque somente após a procedência daação rescisória em 1990 que areclamação trabalhista foi julgadaimprocedente; 9) que o julgadorescisório apenas ditou a inversão doônus da sucumbência, o que foisuspenso por estarem os vencidos sobo pálio da justiça gratuita, não trazendoexpresso qualquer determinação dedevolução de valores recebidos aoerário público; 10) que há o instituto daprescrição, eis que a sentençarescindida não guarda qualquercorrespondência com a ação rescisóriaem que se pretende executar o alegadodébito fiscal, pois, no primeiro processo,o então reclamante, no segundo, ré,

recebeu o valor do precatório, o queocorreu no mês de fevereiro de 1996,sendo que qualquer ação que venha aser proposta pela parte ré parareposição do valor pago já estaráprescrita desde quando se completoucinco anos do trânsito em julgado dadecisão rescindida. Pede: concessão detutela antecipada a fim de inibir que aparte ré inscreva a requerente na dívidaativa do alegado débito fiscal nanotificação administrativa, inibindo aparte ré de ajuizar execução ou açãode repetição de indébito, para que aautora não sofra danos irreparáveis coma sua inscrição no cadastro dosinadimplentes; ao final, que seja julgadaprocedente a ação para declarar ainexistência de relação jurídica tributáriae/ou de crédito decorrente de valorrecebido, com vistas a bloquear apretensão administrativa da ré de lançare exigir o tributo sob o rótulo dadevolução ao erário público.

Dá à causa o valor deR$3.661,19 (três mil, seiscentos esessenta e um reais e dezenovecentavos).

Colaciona documentos (f. 13/290), procuração e declaração depobreza no sentido legal (f. 30).

Deferimento do pedido deantecipação de tutela à f. 31,determinando que a ré se abstenha deinscrever os requerentes na dívida ativado alegado débito fiscal, até ulteriordeliberação.

Cópia do agravo de instrumentocom pedido de efeito suspensivo contraa decisão concessiva de tutelaantecipada interposto junto ao TRT/MGàs f. 35/54.

Audiência inicial à f. 62, ocasiãoem que a conciliação foi recusada e aré apresentou defesa escrita, comdocumentos.

Defesa escrita às f. 63/85, com

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documentos, em síntese: 1) preliminarde incompetência absoluta da Justiçado Trabalho; 2) que, de acordo com aLei n. 4.320/64, toda despesaempenhada pela Administração Públicadeve ter embasamento na lei, contratoou decisão judicial, sob pena de serconsiderada indevida; 3) que no casodos autos o precatório decorreu decumprimento à decisão judicialtrabalhista; 4) que posteriormente ocomando judicial foi rescindido, sendoque a natureza jurídica da açãorescisória é de desconstituir títulosjudiciais e recuperar eventuais créditos,sob pena de se diminuir a extensão eamplitude desse instrumentoprocessual; 5) que, ao rescindir ocomando judicial, os pagamentos setornaram indevidos, havendo imposiçãolegal de sua restituição ao erário; 6) que,ainda que o acórdão não tenhaestabelecido a devolução dos valoresindevidos, esta é uma conclusão lógicados princípios norteadores daAdministração Pública e do princípiojurídico que veda o enriquecimentoilícito; 7) que a natureza jurídica dodébito é não-tributário, não se aplicandoa Lei Orgânica do Tribunal de Contasda União ao caso vertente; 8) que,apesar de o TRT/MG ter indicado apossibilidade de ajuizamento de açãode repetição de indébito, nada impedeque a ré, no exercício de seu ato degestão, valha-se da via administrativa,dentro da análise dos requisitos deoportunidade e conveniênciapertinentes ao ato administrativodiscricionário, considerando osparâmetros da lit igiosidade,notadamente porquanto a ação derepetição de indébito demandariadedicação exclusiva dos procuradoresfederais, comprometendo a atividadejurisdicional, notadamente em razão daredução dos quadros de procuradores

federais, sem se olvidar de que existem,aproximadamente, 3.000 (três mil)ações em trâmite em desfavor da ré,espalhadas em diversos órgãos doJudiciário; 9) que, ao optar pelacobrança administrativa, a ré cumpririaà exaustão os princípios constitucionaisdo contraditório, da ampla defesa e dodevido processo legal; 10) que não háque se falar em prescrição, tendo emvista que o trânsito em julgado dadecisão do agravo de petição somenteocorreu em 2002, ocasião em que oprazo prescricional começou a fluir,sendo que, ainda que se considerasseo prazo prescricional, a cobrançaadministrativa começou a fluir em 2003;11) que não se aplica a prescriçãoqüinqüenal às dívidas ativas, incidindonesse particular a prescrição decenáriaprevista no Código Civil de 2002; 12)que não prospera a tese deinaplicabilidade de correção monetária,juros e da inexistência de direito líquido,certo e exigível ao mandamentodevolutório; 13) que não há que se falarque a reposição é inviável pelo fato dea decisão judicial não ter assimdeterminado sob fundamento de que adevolução ao erário público é possíveldesde que precedida de procedimentoadministrativo em que se respeite ocontraditório e o amplo direito de defesa,o que vem sendo feito na viaadministrativa e porque a decisão daAdministração Pública de reposiçãoadvém de lei, in casu, do art. 46, capute § 3º do Estatuto do Servidor PúblicoFederal; 14) que a boa-fé na searaadministrativa não ocorre quando oservidor postula o reconhecimento dodireito junto a prestação jurisdicional,como ocorreu no presente feito e, ainda,porque a vinculação dos autores à rédecorre da adesão ao regime jurídicoda União, sendo que a cobrançaefetivada decorre do princípio da

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legalidade; 15) que o procedimentoadministrativo é o conjunto deprocedimentos de cobrança quenecessariamente deve anteceder aefetiva inscrição do crédito na dívidaativa, sendo este processo fundamentalao processo de apuração de certeza eliquidez do crédito e serão examinadosem momento próprio pelo órgão paraefetivar a inscrição, sendo que o que sepretende nesta ocasião é constituir ocrédito para, posteriormente, controlara sua legalidade e inscrição, sendo que,superada essa etapa, a ré proporá aexecução fiscal e a inscrição junto aoCADIN; 16) que o ato administrativogoza, no caso, de presunção delegitimidade, veracidade,imperatividade, auto-executoriedade etipicidade, atributos amplamentecontemplados na decisãoadministrativa; 17) impugna o pedido deconcessão dos efeitos da tutela e pugnapela improcedência da ação.

Alegações finais da requerenteàs f. 110/114.

Audiência de instrução à f. 115.Instrução processual encerrada.

Sem produção de outras provas.Razões finais orais prejudicadas.Frustradas ambas as tentativas

conciliatórias.É O RELATÓRIO.

II - FUNDAMENTOS

- Da preliminar de incompetênciaabsoluta da Justiça do Trabalho

A reclamada eriça preliminar deincompetência absoluta da Justiça doTrabalho para dirimir o presente feitosob fundamento de que a parterequerente é servidor público federalsubmetido, desde dezembro de 1990,ao regime jurídico único, instituído pelaLei n. 8.112/90. Sem razão. No caso

vertente a pretensão da parte autora nãose assenta em uma relação jurídica deíndole estatutária, o que extrapolaria,por óbvio, a competência desta JustiçaEspecializada, mas sim em um litígioque tem por fundamento o cumprimentode uma decisão judicial prolatada pelaJustiça do Trabalho, em que sedeferiram à parte postulante diferençassalariais oriundas de planoseconômicos, posteriormente objeto deação rescisória no TST, em períodoanterior à transposição do demandanteao regime jurídico único, decorrente,outrossim, de relação jurídica regidapela CLT.

Dessa forma, é inequívoca acompetência material desta JustiçaEspecializada, sob pena de afronta aoprincípio constitucional do juiz natural,uma vez que, se compete à Justiça doTrabalho dirimir as controvérsiasdecorrentes de diferenças salariaisoriundas de planos econômicosoriundas do contrato individual detrabalho da parte demandante emperíodo anterior à transposição aoregime jurídico único, bem comorescindir a sua decisão, é patente acompetência desta Especializada parajulgar o pleito de declaração de eventualinexistência de relação jurídica de valorauferido por força de decisão judicial,prolatada por esta Especializada, combase no princípio do juiz natural, aindaque exsurgente, posteriormente, atransposição a regime jurídico único daparte postulante. Rejeito a prefacial.

- Do mérito

Trata-se de ação ordinária denatureza declaratória em que sepretende o reconhecimento jurisdicionalde inexistência de relação jurídicatributária e/ou crédito decorrente devalores recebidos pelos requerentes,

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com vistas a impedir a pretensão daAdministração Pública de constituiçãode crédito e exigência de devolução aoerário público de valores recebidos emdecorrência de planos econômicos, porforça de decisão judicial, a qual foiposteriormente desconstituída por açãorescisória.

É incontroverso nos autos emepígrafe que o cônjuge da autora, doqual a mesma é beneficiária, recebeuvalores por precatório em fevereiro de1996, oriundos de planos econômicos,dentre os quais se insere a URP defevereiro de 1989, em decorrência deação judicial trabalhista transitada emjulgado, autos de n. TRT-RO-1.585/90,o qual foi objeto de ação rescisória,julgada procedente e transitada emjulgado em 07.08.2000 (f. 20/21),desconstituindo o acórdão rescindendoproferido nos Autos do processo TRT-RO-1585/90 e, em juízo rescisório,proferindo novo julgamento, julgandoimprocedente a reclamação trabalhista,invertendo-se o ônus da sucumbênciaem relação às custas na ação trabalhistae na dos autos da ação rescisória,dispensados do recolhimento pelobenefício da justiça gratuita, nos termosda certidão coligida aos autos à f. 20.

Com base na ação rescisóriaprocedente, o juízo a quo trabalhistainiciou a execução do julgado nospróprios autos principais, o queposteriormente foi objeto dereconsideração, tendo em vista que aexecução não poderia ser realizada nospróprios autos, sendo extinta aexecução, o que foi objeto deinsurgência por parte da ré, que interpôsagravo de petição, o qual foi julgadoimprocedente e transitado em julgadoem agosto de 2002.

Diz a parte reclamante que a rénotificou os demandados da açãorescisória, dentre os quais a postulante,

para devolver ao erário público a quantiarecebida, ou autorizar o seu descontoem parcelas e percentuais permitidosem folha de pagamento, sob pena deter seu nome inscrito na dívida ativa.Alega que inexiste no comandorescisório comando judicial queestabeleça a obrigação de restituição,sendo a conduta da ré patentedesrespeito aos princípios da ampladefesa, do contraditório e do devidoprocesso legal, porquanto inexiste títulolíquido, certo e exeqüível a amparar asua pretensão. Aduz que, à luz da LeiOrgânica do Tribunal de Contas daUnião, para que se pretenda a reposiçãoao erário público sob o rótulo derecebimento indevido, mister se faz acomprovação do nexo de causalidadeentre a ação consciente e dano aopatrimônio público, devendo ter ummínimo, ainda que de boa-fé, de censode previsibilidade consciente de que suaação pode dar causa ao resultado danopúblico, o que inocorreu no casovertente, sendo ilegal o descontopretendido ou inscrição na dívidapública pela parte ré, não havendo quese falar em reposição dos valoresrecebidos por força de decisão judicial.

Contrapondo-se, a ré sustentaque a natureza da ação rescisória édesconstituir os títulos judiciais erecuperar eventuais créditos. Alega que,ainda que o acórdão rescindendo nãotenha estabelecido a devolução dosvalores recebidos, esta é uma conclusãológica dos princípios da AdministraçãoPública e de toda estrutura normativaque veda o enriquecimento ilícito. Dizque, quando do julgamento do agravode petição, o TRT/MG não afastou apossibilidade de reposição dos valoresao erário público, desde que por meiode procedimento em que se respeitasseo contraditório e a ampla defesa, o quevem sendo feito no processo

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administrativo instaurado pela ré.Assevera que a reposição dos valoresao erário público advém da lei, no caso,do art. 46 do Estatuto do ServidorPúblico da União. Informa que oprocedimento administrativo instauradopela Administração Pública visaconstituir o crédito, tornando-o certo,líquido e exigível, devendo o mesmoanteceder a efetiva inscrição do créditona dívida ativa, sendo que,posteriormente, superadas essas fases,a ré proporá a competente execuçãofiscal e a inscrição no CADIN.

Consoante sabido, as açõespredominantemente declaratórias sãoaquelas que visam a tornar certa aexistência ou a inexistência dedeterminada relação jurídica, sobre aqual litigam as partes (ou sobre aautenticidade ou falsidade dedocumento, conforme art. 4º do CPC),sem que a sentença de procedêncianelas proferida promova, por si mesma,uma alteração no status jurídico daspartes (atributo das sentençasconstitutivas) ou proclame a existênciade uma obrigação do réu de prestaralguma coisa ou alguma atividade emfavor do autor (atributo das sentençascondenatórias).

O insuperável Chiovenda hámuito já prelecionava que as ações denatureza puramente declaratóriavisavam tão-somente umpronunciamento sobre os contornos edefinições de determinado estado defato ou de direito, interrompendo aincerteza jurídica. Destarte, a açãodeclaratória apresenta, em seu âmago,a potencialidade de dúvida e o objetodo processo judicial almeja dirimirdeterminado conflito intersubjetivo deinteresses, cingindo-se a uma medidade conteúdo meramente declaratório,mediante tutela jurisdicionaldeclaratória.

Assim, a res in iudicium deducta daação declaratória limita-se à declaraçãoda existência, ou não, de determinadarelação jurídica posta ao órgão que seencarregou do ius dicere, com vistas aoaclaramento de determinada relaçãodúbia, a fim de se exterminar a incertezadas relações jurídicas.

Destarte, por meio das ações denatureza declaratória, busca-se acerteza onde há incerteza. Almeja-se adeclaração de inexistência da relaçãojurídica. O exercício desse tipo de açãopressupõe a incerteza a ser resolvidapela sentença. E essa incerteza dimanado próprio conflito intersubjetivo deinteresses.

Assim, no caso vertente, a viaeleita é a adequada tendo em vista quea parte autora pretende a declaração deinexistência de uma relação jurídica,possuindo interesse em dissipar asituação dúbia, qual seja, de existênciaou não de um crédito decorrente devalor recebido indevidamente, sendo aprovidência jurisdicional necessáriapara a condução do obtenimento dobem jurídico vindicado, com vistas abloquear a pretensão administrativa deexigir a devolução da parcela auferidasob o rótulo reposição ao erário público.

Registro, por oportuno, que, emque pese a pretensão não se fundar emum crédito de natureza tributária, certo éque nomenclatura iuris da demanda nãoatrela os limites objetivos da causapetendi, mormente em razão dasimplicidade do procedimentojustrabalhista, sendo certo que do pleitoexordial se depreende que a parte autorapugna pela declaração por parte do PoderJudiciário de inexistência de uma relaçãojurídica de restituição ao erário público devalores auferidos por força de umadecisão judicial, a qual foi posteriormentedesconstituída em decorrência daprocedência da ação rescisória.

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A res dubia cinge-se, outrossim,se os valores auferidos por força de umadecisão judicial que deferiu reajustesalarial por força de planos econômicostransitada em julgado e posteriormentedesconstituída por ação rescisóriainsere-se na categoria do pagamentoindevido, hábil a ensejar a pretensãoadministrativa de devolução ao erário ede inscrição de dívida ativa de umsuposto débito fiscal. Assim, a via eleitapela parte autora é adequada, tendo emvista que o que se almeja é a declaraçãode inexistência de uma relação jurídica,com vistas a resolução de incerteza deuma situação jurídica, buscando apacificação social e a cessação doestado de eternização da insegurançajurídica, sendo, outrossim, necessárioo pronunciamento jurisdicional do pleitoem voga.

A intangibilidade da coisa julgadaencontra guarida na ConstituiçãoFederal de 1988, precipuamente, no seuart. 5º, inciso XXXVI, o qual prescreveque a lei não prejudicará o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e acoisa julgada. O valor da segurança dasrelações jurídicas é a principal razão deser da coisa julgada, a fim de que sejaevitada a perpetuação das relaçõeslitigiosas levadas à apreciação do PoderJudiciário, sendo uma exigência daordem pública, qual seja, a estabilidadedos direitos, o que inexistiria se nãohouvesse um termo além do qual asentença não se tornasse imutável.

Neste contexto, a coisa julgadamaterial emerge como o fenômeno daimutabilidade que açambarca umasentença definitiva, ou seja, oprovimento jurisdicional que compõedeterminada res in iudicium deducta,examinando-lhe o mérito, devido àocorrência da preclusão máxima,tornando-se, conseqüentemente, via deregra, imodificáveis os seus efeitos.

Via de regra, porquanto, nãoobstante a autoridade de coisa julgadamaterial, admite-se como remédioprocessual de caráter extraordinário,desde que não alcançado o biênio dotrânsito em julgado da decisão, a açãorescisória, ainda que não tenham sidoesgotados todos os recursos cabíveis,como ação autônoma de impugnação,de natureza constitutiva negativa, nahipótese de procedência, possuindonatureza declaratória negativa nahipótese de improcedência, por meio daqual se pretende a desconstituição dojulgado transitado em julgado, comeventual rejulgamento, a seguir damatéria já apreciada. Ataca-se, assim,a sentença imutável e indiscutível, nãomais sujeita a recurso ordinário ouextraordinário (art. 467 do CPC).

Consoante sabido, em regra, adecisão de mérito que julga procedentea ação rescisória tem efeitos ex nunc,porquanto a sentença rescindendainclui-se, mutatis mutandis, na órbita dosatos anuláveis, produzindo efeitos atéque seja rescindida. Isso porque asentença rescindenda não pode ser tidapor absolutamente nula, já que se“convalida” após o biênio decadencialpara a propositura da ação rescisória.É, pois, relativamente nula, dependendode ação da parte interessada para queseja declarada ineficaz. É o caso de seaplicar, analogicamente, o art. 177 doCódigo Civil atual, o qual dispõe que asnulidades relativas não têm efeito antesde julgadas por sentença, nem sepronunciam de ofício. Ou seja, o atorelativamente nulo produz efeito até queseja declarado por sentença.

Assim, a sentença rescindívelproduziria todos os efeitos até que fossedeclarado tal por sentença, o que seinfere, aliás, do art. 489 do CPC nosentido de que a ação rescisória nãoobsta a execução da decisão que se

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pretende rescindir ou, como temadmitido a jurisprudência, até quehouvesse a suspensão de sua execuçãopor meio de uma medida liminardeferida em sede de tutela cautelar.

Desta forma, como consectáriodo princípio da segurança jurídica, nãopode o credor do título executivo judicialser compelido a devolver asimportâncias recebidas por força deexecução definitiva, auferidas medianteprecatório requisitório, por não haversupedâneo jurídico para essadevolução, pois o pagamento oriundo desentença transitada em julgado não seinsere, consoante alegado na tesedefensiva, na órbita dos pagamentos“indevidos”. A regra é excepcionadaapenas nas hipóteses em que o títuloexecutivo foi obtido mediante dolo,corrupção, colusão entre as partes, a fimde fraudar a lei, nos termos do inciso IIIdo art. 485 do CPC, quando não maisse pode falar em pagamento justo, poisa ninguém é dado beneficiar-se de suaprópria torpeza (princípio geral dedireito), hipótese em que deve haver arestituição da quantia recebidailicitamente, ainda que decorrente deuma sentença judicial transitada emjulgado, o que não se configura nahipótese dos autos. Ora, somente semanda devolver o que se recebeuinjustamente. Por isso a legislaçãocivilista é peremptória, no art. 876, inverbis: “Todo aquele que recebeu o quelhe não era devido fica obrigado arestituir; obrigação que incumbe àqueleque recebe dívida condicional antes decumprida a condição.” Só que opagamento decorrente de execução desentença passada em julgado não podeser considerado indevido, ainda queesta venha a ser rescindida, salvo se omotivo que deu causa à rescisão for doloou colusão com fins fraudulentos. Se aobjurgada sentença rescindida apenas

deu razoável interpretação à lei,adotando posicionamentoposteriormente superado, não háilicitude do pagamento efetuado emdecorrência da decisão transitada emjulgado posteriormente rescindida,mormente porquanto, à época daexecução definitiva, ou seja, quando doprecatório requisitório, poderia ademandada ter se insurgido comrelação ao pagamento, requerendo umatutela cautelar incidental suspensiva dojulgado e não o fez, sendo certo que opagamento auferido pelos requerentesadveio de justo título.

A rescisória julgada procedentemotivada por mudança de entendimentojurisprudencial, o que ocorreu nahipótese ventilada nos autos, em quehouve alteração interpretativa por partedos Tribunais acerca das diferençassalariais decorrentes de planoseconômicos sucessivamente editadospor força do Governo Federal, não tornaindevido o produto da execuçãodefinitiva auferido pelo cônjuge daautora, do qual a mesma é beneficiária,mediante precatório requisitório,desautorizando por completo adevolução dos valores auferidos, osquais se assentavam em uma decisãojudicial transitada em julgado, repise-se,sendo certo que as decisões judiciaisexistem para serem cumpridas, o queefetivamente ocorreu quando daliberação dos valores por precatóriojudicial em 1996.

E nem se diga comopretensamente alega a ré que écorolário lógico da decisão que julgaprocedente o acórdão rescindendo areposição dos valores auferidos, aindaque não esteja consignado na decisãoda rescisória, sob fundamento de que arescisória julgada procedente possuieficácia desconstitutiva. Ora, consoantenarrado alhures, a eficácia

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desconstitutiva da ação rescisóriaprocedente se opera ex nunc, ou seja,somente a partir do momento em que ocomando emergente da sobredita açãoautônoma de impugnação transita emjulgado, sendo certo que a sentençarescindenda inclui-se na órbita dos atosanuláveis, produzindo efeitos até queseja rescindida, uma vez que oajuizamento da ação rescisória nãoobsta a execução da decisão que sepretende rescindir (art. 489 do CPC).

Ademais, alvissareiro pontificarque a ação rescisória, ao contrário dosprocedimentos especiais reverberados,por exemplo, na ação consignatória ena ação de depósito, não possuinatureza jurídica dúplice, ou seja, a açãorescisória julgada procedente nãoimplica a devolução dos valoresauferidos com base no título executivojudicial rescindido, sendo imprescindívela existência de ação própria neste jaez,sob pena de vilipêndio ao princípioconstitucional do devido processo legalem sua vertente substancial no sentidode que ninguém será privado e excutidode seus bens sem a existência de umprocesso judicial prévio em que seassegure ao litigante o contraditório e aampla defesa.

A certidão da rescisória transcritaà f. 16 em momento algum determinoua restituição ao erário público dosvalores recebidos pelos autores, apenasjulgou “improcedente a reclamaçãotrabalhista, invertendo-se os ônus dasucumbência em relação às custas naação trabalhista e na dos autos,dispensados do recolhimento, pelobenefício da justiça gratuita.”

E nem poderia tê-lo feito, pois aação rescisória ostenta naturezanegativa e tem por finalidade,precipuamente, a desconstituição desentença passada em julgado, o queafasta por completo a possibilidade de

se determinar, no próprio acórdãorescindente, a devolução dos valoreseventualmente recebidos por força dadecisão rescindenda.

Aliás, reitero, novamente, nestaocasião, que a decisão que se pretendedesconstituir é passível de execução,justamente porque assentada em umtítulo judicial líquido, certo, exigível,porquanto fundado em decisãotransitada em julgado, sendo que aexecução não é obstada pelapropositura da ação rescisória.

Nesse compasso, urge ressaltarque a jurisprudência pacífica admitia atutela cautelar para suspender os efeitosda decisão objeto de rescisória no casode diferenças salariais oriundas deplanos econômicos, pois presentes ospressupostos do “fumus boni iuris” e do“periculum in mora”, uma vez que existiaentendimento no sentido de que oempregado não possui direito adquiridoàs sobreditas diferenças salariais.Impende notar que na hipótese dosautos a ré, integrante da AdministraçãoPública, quedou-se inerte, nãopostulando a tutela cautelar incidentala fim de suspender os efeitos da decisãotransitada em julgado, objeto de açãorescisória.

Dessa forma, foram liberados aocônjuge da autora, mediante precatóriorequisitório em sede de execuçãodefinitiva, os valores oriundos dadecisão judicial em 1996, não tendo aré postulado a referida tutela cautelarnaquela ocasião.

Ademais, o juízo rescisório doTST que desconstituiu o provimentooriginário e, em novo julgamento,excluiu da condenação as diferençassalariais e reflexos oriundos dos planoseconômicos não atraiu a incidência doart. 46 da Lei n. 8.112/90, seja porqueinexiste um título judicial hábil a amparara pretensão, seja porque os efeitos

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proferidos na ação rescisória somentepossuem eficácia ex nunc, nãoautorizando a devolução dos valoresauferidos pelos autores ao eráriopúblico, sob pena de se vilipendiar odevido processo legal constitucional emsua versão substancial, o contraditório,a ampla defesa e o ato jurídico perfeito.

Nesse diapasão, com vistas aevitar a omissão deste julgado, registroque o parágrafo único do art. 836 daCLT, ao prever que a execução dadecisão proferida em ação rescisóriafar-se-á nos próprios autos da açãoprincipal que lhe deu origem, somenteincide, por óbvio, quando existe umprovimento jurisdicional que autorize econstitua o título executivodeterminando a restituição dos valoresauferidos, hábil a legitimar acontinuidade executiva, sob pena deexcesso de execução por ausência detítulo executivo, porquanto o sobreditocomando legal exige que a execução dadecisão fundada na ação rescisória sejainstruída com o acórdão da açãorescisória, daí a necessidade dedeterminação jurisdicional autorizandoa execução dos valores auferidos, umavez que a lei não possui expressõesinúteis, bem como a respectiva certidãode trânsito em julgado. A falta de títulojudicial, bem como a ausência decontraditório e da ampla defesa, ématéria de ordem pública e enseja,inclusive, a extinção da execução, deofício pelo magistrado. Ora, se naprópria ação rescisória não se podepleitear a repetição dos valoresauferidos pelos reclamantes, consoantejurisprudência iterativa do TST(Orientação Jurisprudencial n. 28 daSDI-II do Colendo TST), este pedidotambém é impossível na ação principal,sob pena de se inverter a boa ordemprocessual e de se promover umaexecução forçada contra antigos

credores, em grave violação ao princípiodo devido processo legal em suavertente substancial, do contraditório eda ampla defesa.

Assim, pelas mesmas razõesexpendidas, não prospera a tese dadefesa no sentido de que oprocedimento administrativo adotadopela demandada cumpre os princípiosconstitucionais, sob fundamento de setratar de ato discricionário e, portanto,passível de análise dos requisitos deconveniência e oportunidade, pois, aocontrário do alegado pela ré, não setrata, na hipótese vertente, de ato daAdministração Pública, mas sim de umadecisão judicial que foi posteriormentedesconstituída por uma ação rescisória,razão pela qual não há que se falar emato de gestão da Administração Pública,sob pena de afronta ao princípio dainafastabilidade do controle jurisdicional.Registro, ainda, que os parecerescoligidos aos autos pela demandada, daAGU, não vinculam o Poder Judiciário.

Urge ressaltar que, ao contráriodo alegado pela parte requerente, nãoincide, no presente feito, o instituto daprescrição da pretensão de cobrançados valores auferidos por força dedecisão judicial. Isso porque, com baseno critério da actio nata, os prazosprescricionais começam a fluir com onascimento da pretensão, entendidacomo tal o poder de exigir de outremuma prestação positiva ou negativa,relativamente a qual o direito é um priusou da ação (quando pode ser intentadaou podem ser praticados os atosnecessários a tanto), o que somenteocorreu, no caso vertente, a partir dotrânsito em julgado do agravo de petiçãointerposto pela Universidade Federal deViçosa, o que ocorreu em 25.09.2002,ocasião em que passou a fluir o prazoprescricional qüinqüenal da demandadade cobrança dos valores auferidos pela

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parte autora, com espeque no art. 174do CTN.

Outro aspecto a ser consideradoé a boa-fé da parte requerente. Em setratando de servidor público, já estápacificado no âmbito dos TribunaisSuperiores o entendimento de que osvalores recebidos a maior, em virtudede erro da Administração, nãonecessitam ser restituídos, em respeitoao princípio da boa-fé. É o que sedepreende do seguinte aresto:

RECURSO ESPECIALADMINISTRATIVO. SERVIDORESPÚBLICOS. PISO SALARIAL DEENGENHEIROS. ERRÔNEAINTERPRETAÇÃO LEGAL PORPARTE DA ADMINISTRAÇÃO.DEVOLUÇÃO. VALORESRECEBIDOS INDEVIDAMENTE.ART. 46 DA LEI N. 8.112/90. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. Firmou-seo entendimento, a partir dojulgamento do REsp 488.905/RS poresta e. Quinta Turma, no sentido dainviabilidade de restituição dosvalores pagos erroneamente pelaAdministração em virtude dedesacerto na interpretação ou máaplicação da lei, quando verificada aboa-fé dos servidores beneficiados.Recurso desprovido.(REsp 598.395/SC. STJ, rel. Min.Felix Fischer, j. 21.10.2004, DJU29.11.2004)

Nessa esteira de entendimento,perfeitamente aplicável ao caso emvoga a Súmula n. 106 do Tribunal deContas da União, tendo em vista que apretensão da ré à restituição somenteocorreu após o trânsito em julgado daação rescisória por ela proposta, aevidenciar a inocorrência do alegadopagamento indevido por parte dademandada.

Prevê a Súmula n. 106 do TCU:

O julgamento, pela ilegalidade, dasconcessões de reforma,aposentadoria e pensão, não implicapor si só a obrigatoriedade dareposição das importâncias járecebidas de boa-fé, até a data doconhecimento da decisão pelo órgãocompetente.

Nesse diapasão, transcrevo osseguintes arestos abaixo colacionados,aplicáveis à hipótese vertente:

DIREITO DO TRABALHO.RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO.INAPLICABILIDADE. O Direito doTrabalho, enquanto direito social, é osistema legal de proteção doseconomicamente fracos. Daí arelevância do princípio in dubio prooperario, que exige do intérpreteharmonia com o legislador, pois, seeste se propôs a estabelecer umsistema de proteção ao trabalhador,aquele deve seguir esta orientação,buscando cumprir o mesmo propósito.Isto atende aos direitos humanos e aointeresse social. Necessariamente àluz do princípio protetivo devem seranalisados os pleitos de restituição deindébito, instituto civilista de carátereminentemente patrimonial. Anatureza alimentar dos salários,instrumento indispensável ao sustentodo trabalhador e de seus dependentes,exige enfoque diferenciado quanto àaplicabilidade do instituto no direitolaboral. O próprio Direito Civil temregras distintas quando háenvolvimento de direitos de naturezaalimentar, pois não admite devoluçãode verbas pagas a título de alimentosprovisórios e tampouco qualquercompensação que envolva parcelasalimentares (CC, art. 373, III).

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PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.RESTITUIÇÃO. INEXIGIBILIDADE.Aplica-se à repetição de indébito aregra do artigo 1217 do Código Civil, oqual estabelece que o possuidor deboa-fé não responde pela perda oudeterioração da coisa, a que não dercausa. Recebendo o trabalhadorverbas salariais por força de decisãojudicial transitada em julgado, éevidente e cristalina a boa-fé do credor.Isto descaracteriza a possibilidade derestituição de indébito, pois ausentesdois de seus requisitos: o pagamentodecorrente de erro de fato ou de direitode quem pagou e a ausência de causajurídica justificativa do pagamento. Alei protege contra o solvens aquele quereceber de boa-fé pagamento dedébito verdadeiro (CC, art. 880), nãoo responsabilizando pelo que perdeuou dissipou, enquanto esteve convictode que estava no livre uso, gozo efruição daquilo que considerava seu.Assim, quer em face dos princípios dodireito laboral, quer pela ausência dosrequisitos capazes de justificar arestituição do indébito, não há que sefalar, no Direito do Trabalho, emdevolução de valores de naturezaalimentar.(TRT/RO 1034-2004-015-10-00-8,Juiz Relator: Alexandre Nery deOliveira, DJ. 03.06.2005)

REPETIÇÃO DE INDÉBITO.DIFERENÇAS SALARIAISDECORRENTES DO PLANOCOLLOR. LIMITAÇÃO À MUDANÇADO REGIME JURÍDICO. DECISÃOPOSTERIOR AOS PAGAMENTOSEFETUADOS. OBSERVÂNCIA ÀCOISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADEDE RESTITUIÇÃO. A hipótese trazidaaos autos revela uma decisãotransitada em julgado que reconheceuo direito dos ora recorridos ao

pagamento das diferenças salariaisdecorrentes do chamado Plano Collor,referentes à incidência do IPC de marçode 1990 sobre os seus salários, e osreflexos dali decorrentes. A execuçãodefinitiva iniciada após o trânsito emjulgado daquela decisão terminou porcontemplar os recorridos com orecebimento das parcelas referentes aoperíodo abril de 1990 a julho de 1993,e o pagamento ocorreu, via precatóriojudicial, em três oportunidades -fevereiro de 1997, maio de 1999 edezembro de 2001. Apenas algumtempo depois de aperfeiçoada aquitação do débito, questionou o INCRAa exclusão do período posterior àtransposição de regime jurídicoexperimentada pelos exeqüentes. Anatureza jurídica das parcelasrecebidas pelos recorridos, aliada aofato de que o recebimento operou-sede extrema boa-fé, num momento emque nenhuma dúvida persistia quantoà exigibilidade daquelas parcelas,impede a restituição dos valoreslevantados, não se evidenciandonenhum erro que estivesse a maculara quitação do débito judicial. RecursoOrdinário desprovido (TRT 10ª Região;RO-01066-2003-007-10-00-8; Ac. 3ªTURMA; Relatora Juíza MARIA DEASSIS CALSING, in 26.11.2004).(TRT-RO 1034-2004-005-10-00-0,Juiz Relator: Douglas AlencarRodrigues, DJ. 15.07.2005)

REPETIÇÃO DE INDÉBITO.PLANOS ECONÔMICOS.LIMITAÇÃO À DATA DA LEI 8.112/90 APÓS O PAGAMENTO DOPRECATÓRIO. DEVOLUÇÃOINDEVIDA. A ação de repetição deindébito baseia-se no princípiocivilista de que “Todo aquele querecebeu o que lhe não era devido ficaobrigado a restituir” (art. 876 do novo

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Código Civil). Contudo, não sevislumbra a existência de pagamentoindevido à reclamada. A obreirarecebeu valores reconhecidos pordecisão judicial transitada emjulgado, por meio de três precatóriosdiferentes, sem qualquer insurgênciapor parte da executada. À ocasiãodo pagamento era incontestável odireito ao recebimento do crédito, ouseja, o pagamento não se deu semcausa, tampouco ocorreu por erro, eainda inexistente à época qualquerlimitação à data da transposição doregime jurídico, razão pela qual nãohá de se falar em “pagamentoindevido”. Recurso a que se negaprovimento.(TRT-RO 1239-2004-002-10-00-7,Juíza Relatora: Maria Piedade BuenoTeixeira, DJ. 02.09.2005)

Pelos brilhantes fundamentos,peço vênia para transcrever o arestojurisprudencial do STJ, REsp 644164-CE (2004/0027221-0) publicado em08.08.2006, da lavra do Ministro PauloGallotti, em que se firmou oentendimento no sentido de que éincabível a devolução de valoresrecebidos de boa-fé, em decorrência dedecisão judicial que deferiu a servidorespúblicos diferenças salariaisprovenientes de planos econômicos,transitada em julgado, posteriormenterescindida, in verbis:

Processo REsp 644164Relator Ministro PAULO GALLOTTIData da Publicação DJ 08.08.2006DecisãoRECURSO ESPECIAL N. 644.164 -CE (2004/0027221-0RELATOR : MINISTRO PAULOGALLOTTIRECORRENTE : INSTITUTONACIONAL DE COLONIZAÇÃO E

REFORMA AGRÁRIA - INCRAPROCURADOR : FLÁVIA MACIELMALHEIROS E ROCHA E OUTROSRECORRIDO: MARIA EDNELSALOPES PINTO PESSOA E OUTROSADVOGADO: ANTÔNIO CÉZARALVES FERREIRA E OUTROSDECISÃOADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO. AUMENTO DE 26,05%(URP DE FEVEREIRO DE 1989).SENTENÇA JUDICIAL RESCINDIDA.DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.1. A jurisprudência desta Corte firmouentendimento de que não é devida arestituição de valores recebidos deboa-fé em decorrência de decisãojudicial transitada em julgado.2. Recurso especial a que se negaseguimento.Cuida-se de recurso especial,calcado na alínea “a” do permissivoconstitucional, interposto contraacórdão do Tribunal Federal da 5ªRegião assim ementado:”ADMINISTRATIVO E PROCESSUALCIVIL. SERVIDOR PÚBLICO.AUMENTO DE 26,05% (URP DEFEVEREIRO DE 1989). SENTENÇAJUDICIAL RESCINDIDA.DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.- Com base em sentença judicialtransitada em julgado, os agravantesperceberam, por mais de cinco anos,o aumento de 26,05% decorrente daaplicação da URP de fevereiro de1989.- A posterior rescisão da sentença,sem qualquer indício de dolo porparte dos recorrentes, não autorizao desconto na folha de pagamentodos servidores dos valores recebidosao abrigo de sentença judicialamparada pelo manto da coisajulgada.- Interpretação do art. 46, § 3º, daLei n. 8.112/90 à luz do princípio da

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segurança jurídica e da boa-fé doslitigantes.- Agravo de instrumento provido.Agravo regimental improvido.” (f. 97)Aponta o recorrente violação dosartigos 46 da Lei n. 8.112/90 e 876do Código Civil, sustentando que asentença transitada em julgado queconcedeu o índice de 26,05% aosrecorridos foi desconstituída por forçade ação rescisória, tornando osvalores recebidos ilegítimos, sendonecessária a sua restituição ao erário.A irresignação não mereceacolhimento.A jurisprudência desta Corteorientava-se no sentido de que oservidor público deveria restituirquantias pagas indevidamente pelaAdministração, ainda que as tivesserecebido de boa-fé, conforme se vêdos seguintes precedentes:A - “RECURSO EM MANDADO DESEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.SERVIDORA PÚBLICA ESTADUALAPOSENTADA. REVISÃO DOATO. VERBA RECEBIDAINDEVIDAMENTE. DEVOLUÇÃO.DESCONTO. POSSIBILIDADE.Ainda que a servidora tenha recebidoa respectiva verba de boa-fé, ou seja,não tenha dado causa ao erro nopagamento da vantagem, aAdministração tem o poder-dever derevisar seus atos e anulá-los quandoeivados de vícios.Legalidade do desconto.Precedentes análogos.Recurso desprovido.”(RMS n. 14.373/SC, Relator MinistroJOSÉ ARNALDO DA FONSECA,DJU de 04.11.2002)B - “RECURSO ESPECIAL.ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃOERRONEAMENTE CONCEDIDAPELA ADMINISTRAÇÃO. DESCONTODOS VALORES PERCEBIDOS A

MAIOR. POSSIBILIDADE. ART. 46 DALEI N. 8.112/90.I - A Administração Pública, apósconstatar que vinha procedendo aocálculo da gratificação prevista noart. 1º do Decreto-lei n. 2.438/88 deforma equivocada, pode proceder àcorreção do ato administrativo, deforma a aplicar escorreitamente oestatuído naquele dispositivo, bemcomo proceder ao desconto dasdiferenças recebidas indevidamentepelo servidor. Precedente: RMS n.12.935/PR.II - Nos termos do art. 46 da Lei n.8.112/90, quaisquer reposições ouindenizações ao erário devem serdescontadas em parcelas mensais,não excedentes a 1/10 (um décimo)do vencimento ou provento doservidor. Precedente: REsp n.151.558/CE.III - Recurso especial conhecido eprovido.”(REsp n. 386.619/SC, RelatorMinistro GILSON DIPP, DJU de18.03.2002)Entretanto, a Quinta Turma, a partirdo julgamento do Recurso Especialn. 488.905/RS, Relator Ministro JoséArnaldo da Fonseca, DJU de13.09.2004, passou a entender nãoser devida a restituição de valoresrecebidos indevidamente em razãode interpretação equivocada ou máaplicação da lei, quando verificada aboa-fé dos servidores beneficiados.Nesse sentido, confira-se a atualorientação de ambas as turmas queintegram a Terceira Seção destaCorte:A - “AGRAVO REGIMENTAL.RECURSO ESPECIAL.ADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO. GRATIFICAÇÃO.DEVOLUÇÃO. VALORESRECEBIDOS INDEVIDAMENTE.

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ART. 46 DA LEI N. 8.112/90. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.Firmou-se o entendimento, a partirdo julgamento do REsp n. 488.905/RS por esta e. Quinta Turma, nosentido da inviabilidade de restituiçãodos valores pagos erroneamentepela Administração em virtude dedesacerto na interpretação ou máaplicação da lei, quando verificada aboa-fé dos servidores beneficiados.Recurso desprovido.”(AgRg no REsp n. 711.995/RS,Relator Ministro FELIX FISCHER,DJU de 12.12.2005)B - “RECURSO ESPECIAL.ADMINISTRATIVO. REPOSIÇÃOAO ERÁRIO. INCABIMENTO. BOA-FÉ DO SERVIDOR. REEXAME DEPROVA. IMPOSSIBILIDADE.1. Revendo entendimento anterior, aQuinta Turma deste Superior Tribunalde Justiça passou a afirmar oincabimento da reposição dos valorespagos indevidamente pelaAdministração Pública em virtude deinadequadas interpretação e aplicaçãoda lei, em face da presunção da boa-fé dos servidores no recebimento dosvalores, a cujo posicionamento aderi.2. As considerações relativas aoequívoco da Administração Pública eà boa-fé dos servidores impõem, parao deslinde da questão federal, oreexame do universo fático-probatóriodos autos, o que é vedado pela letrado enunciado n. 7 da Súmula desteSuperior Tribunal de Justiça.3. Recurso especial improvido.”(REsp n. 554.469/RS, RelatorMinistro HAMILTON CARVALHIDO,DJU de 19.12.2005)Esse entendimento vem sendoaplicado por analogia aos casos derescisão de sentença judicial, nãosendo possível pretender arestituição de valores recebidos de

boa-fé em decorrência de decisãojudicial transitada em julgado.A propósito, anotem-se as seguintesdecisões: REsp n. 819.817/RN,Relator Ministro Hamilton Carvalhido,DJU de 21.03.2006; REsp n. 712.935/RN, Relator Ministro José Arnaldo daFonseca, DJU de 04.11.2005 e REspn. 751.589/RN, Relator MinistroGilson Dipp, DJU de 10.06.2005.Ante o exposto, nego seguimento aorecurso especial.Publique-se.Brasília, 26 de abril de 2006.MINISTRO PAULO GALLOTTI, Relator

Dessa feita, pelas razõesexpendidas, formado o título executivojudicial condenatório, o empregadoostenta a qualidade de legítimo credor deboa-fé, constituído por meio de decisãojudicial regularmente gerada por relaçãoprocessual desenvolvida em observânciaaos ditames do devido processo legal -due process of law - não podendo, pois,ser compelido à devolução dos valores jáexecutados definitivamente.

Assim, à vista do exposto, defiroo pleito da parte autora, julgandoprocedente o pedido de declaração deinexistência de relação jurídica decrédito decorrente de valor recebido,com vistas a bloquear a pretensão dademandada de exigir a devolução daparcela percebida por força de decisãojudicial, sob o rótulo da devolução aoerário público.

- Da antecipação de tutela

Consoante artigo 273 do CPC,poderá o juízo, a requerimento da parte,antecipar, total ou parcialmente, osefeitos da tutela pretendida no pedidoinicial, desde que, havendo fundadoreceio de dano irreparável, ou abuso nodireito de defesa do réu, existindo, ainda,

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prova inequívoca hábil a convencê-lo daverossimilhança da alegação. Dessaforma, ante a declaração de inexistênciada relação jurídica de crédito decorrentede valor auferido por força de decisãojudicial e ante a existência de títulojudicial executivo, mantenho a decisãoconstante dos autos que concedeu aantecipação da tutela, com vistas adeterminar à requerida que se abstenhade inscrever os requerentes na dívidaativa do alegado débito fiscal.

- Da gratuidade da prestaçãojurisdicional

Defiro o requerimento degratuidade de justiça à parte autora,uma vez preenchidos os requisitos do§ 3º do art. 790 da CLT, sendo certo queo Colendo TST já pacificou não havernecessidade de declaração de própriopunho da parte quanto ao estado demiserabilidade e nem mesmo aconcessão de poderes especiais aprocurador nesse sentido, bastando asimples declaração do reclamante denão ter condições de arcar com asdespesas processuais sem o sacrifíciode seu próprio sustento e de sua família,nos termos da OJ n. 331 da SDI-I.

- Da correção monetária/ dosjuros/ dos recolhimentosprevidenciários e fiscais

Não há que se falar em correçãomonetária, juros, recolhimentosprevidenciários e fiscais, tendo em vistaa natureza declaratória da presente ação.

III - CONCLUSÃO

Do exposto, rejeito a preliminar deincompetência absoluta em razão damatéria e, no mérito, julgo

PROCEDENTES os pedidos formuladosna AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIANEGATIVA DE INEXISTÊNCIA DERELAÇÃO JURÍDICATRIBUTÁRIA COMPEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA,proposta por FRANCISCA PACHECOVIANA RIBEIRO em face daUNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA,observando-se os limites do pedido e oprazo legal, para:

01 - declarar a inexistência derelação jurídica de crédito decorrente devalor recebido, com vistas a bloquear apretensão da demandada de exigir adevolução da parcela percebida porforça de decisão judicial, sob o rótuloda devolução ao erário público.

Mantenho a decisão deconcessão da antecipação da tutela, comvistas a determinar à requerida que seabstenha de inscrever os requerentes nadívida ativa do alegado débito fiscal.

Defiro à parte reclamante obenefício da gratuidade da prestaçãojurisdicional.

Não há que se falar em correçãomonetária, juros, recolhimentosprevidenciários e fiscais, tendo em vistaa natureza declaratória da presente ação.

Arbitro as custas da reclamaçãotrabalhista em R$73,22 (setenta e trêsreais e vinte e dois centavos), calculadassobre o valor da condenaçãoprovisoriamente arbitrado em R$3.661,19(três mil, seiscentos e sessenta e um reaise dezenove centavos), a seremsuportadas pela reclamada, isenta, a teordo inciso I do art. 790-A da CLT.

Nos termos dos §§ 2º e 3º do art.475 do CPC e da Súmula n. 303 do TST,o presente feito não está sujeito aoreexame necessário.

INTIMEM-SE AS PARTES DADECISÃO.

Cumpra-se.Encerrou-se.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01576-2006-077-03-00-7Data: 26.07.2007DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE TEÓFILO OTONI - MGJuiz Substituto: Dr. JOSÉ BARBOSA NETO FONSECA SUETT

Aos 26 (vinte e seis) dias do mês de julho, do ano de 2007, às 16h35min, nasala de audiências da VARA DO TRABALHO DE TEÓFILO OTONI, aberta a sessãode julgamento pelo MM. Juiz do Trabalho Substituto Dr. JOSÉ BARBOSA NETOFONSECA SUETT, foram apregoados os litigantes: VILMAR ARAÚJO ALECRIM,reclamante; e RIOMAR EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS LTDA.,reclamada. Ausentes as partes, prejudicada a conciliação, passou-se ao julgamentoe foi proferida a seguinte

SENTENÇA

1 RELATÓRIO

VILMAR ARAÚJO ALECRIMajuizou a presente ação trabalhistacontra RIOMAR EMPREENDIMENTOSAGROPECUÁRIOS LTDA., em06.11.2006 (f. 02), todos qualificadosnos autos, expondo, em síntese, que:foi contratado pela reclamada em03.03.2005, nas funções de trabalhadorrural e executava serviços de fazercerca, capinar, roçar, fazer mudas decafé, colheita de café, aplicação dedefensivos agrícolas na lavoura de maisde 400.000 (quatrocentos mil) pés decafé, na qual trabalhavam mais de 60(sessenta) outros empregados; em faceda aplicação de defensivos agrícolas nocafezal quinzenalmente, utilizandobomba com capacidade volumétricapara 20 (vinte) litros, laborava expostoa agentes insalutíferos, que molhavamsuas costas, braços, pernas,respingavam o rosto, pela não utilizaçãode EPI, e a reclamada não efetuou opagamento do respectivo adicional; em08.05.2006, às 16h20min, foi vítima deacidente do trabalho quando seaproximou e encostou no pneu do tratorque estava ligado para recarregar abomba nas suas costas e teve sua pernaesquerda puxada pelo eixo da referida

máquina e amputada na hora; emdecorrência do acidente ficou inválidopara suas funções por culpa exclusivada reclamada que não proporcionouambiente seguro para o trabalho, tendosofrido danos materiais pela precoceinterrupção de progressão profissionalcom apenas 29 anos de idade, além dedanos físicos e morais; há nexo decausalidade entre a conduta dareclamada e os danos sofridos; laboravaem regime de sobrejornada e não forampagas as horas extras; saía de casa porvolta das 06h e era conduzido pelareclamada até o local do trabalho, sendoque eram gastos 30 minutos na ida e30 minutos no retorno e não forampagas as horas in itinere; a reclamadanão está efetuando depósitos mensaisregulares do FGTS após o acidenteocorrido; a reclamada deverá cumprir aexigência legal quanto à apresentaçãoda RAIS dos anos de 2005 e 2006 paranão sofrer prejuízo no abono do PIS; sãodevidos os 8 (oito) dias trabalhados eos primeiros 15 (quinze) dias deafastamento no mês de maio/2006;entende ser devida a multa do art. 467da CLT. Postulou pagamento das verbasde: indenização por danos materiais,morais, físicos e estéticos; horas initinere; depósitos do FGTS enquantoperdurar o pagamento de benefícioprevidenciário; emissão e entrega da

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RAIS de 2005, sob pena de multa;salário de abril/2006 e 23 dias de maio/2006, adicional de insalubridade ereflexos; multa do art. 467 da CLT;correção monetária e juros de mora.Requereu, ainda, a concessão dosbenefícios da justiça gratuita. Atribuiu àcausa o valor de R$100.000,00. Juntoudocumentos (f. 16/38), procuração (f.41), substabelecimento (f. 39) edeclaração de insuficiência econômica(f. 40).

Excluída da lide a 2ª reclamadapor ter sido adquirida pela 1ª reclamadacom a concordância das partes (ata, f.46).

Na audiência inicial (ata, f. 46/47), frustrada a conciliação, a reclamadaapresentou defesa escrita (f. 48/59)refutando as alegações autorais e apretensão consubstanciada no pedidoinicial, aduzindo, em resumo, que:inexiste a 2ª reclamada que foiincorporada pela empresa Sul AméricaSanta Cruz Participações S/A, de quema defendente adquiriu a Fazenda SulAmérica e que o autor prestou serviçosapenas para a 1ª reclamada; aresponsabilização civil do empregadordepende da demonstração peloofendido do ato ilícito, do prejuízo oudano sofrido e do nexo causal entre odano e o ilícito alegado e, no presentecaso, em nada concorreu para oacontecido tendo o acidente ocorridopor culpa do autor na sua imprudênciae negligência pela falta de atenção aoexecutar sua tarefa de recarregar abomba com defensivos agrícolas;quanto à indenização por danosmateriais, impugna por cautela osreferidos pleitos, uma vez que nãohouve prova de pagamento dedespesas com tratamento efetuado peloautor, a pensão não poderia ser superiorao próprio salário auferido na época, olimite de idade seria até 65 anos para

fins de pensão mensal, e, recebendo oautor benefício previdenciário deaposentadoria do INSS decorrente doacidente, não poderia ser deferida apensão mensal postulada, sob pena decontemplação do bis in idem; no quetoca à necessidade de órtese e prótese,formulou, por solidariedade cristã aoreclamante, pedido junto à SecretariaMunicipal de Saúde do Município deNovo Cruzeiro, pelo que improcede opedido; os alegados danos físicos eestéticos já estão compreendidos nosdanos morais; opõe-se aos valoresvindicados para os danos morais,estéticos e físicos, porque devem serarbitrados pelo julgador com prudênciapara evitar-se o enriquecimento ilícito;o autor se servia do transporte fornecidopela empresa por mera comodidadeporque no local há estrada municipal poronde circula transporte público coletivo,sendo indevidas as horas in itinerepleiteadas, e, que o tempo de percursopara ida e volta era no máximo de 30minutos; o FGTS foi corretamentedepositado inclusive no período em queficou afastado do trabalho recebendobenefício de auxílio-doença acidentárioconforme documentos que junta;apresentou regularmente a RAIS de2005 cujo documento junta e que a RAISde 2006 será apresentada no prazolegal, em abril/2007; o salário de abril/2006 foi pago ao irmão do autor, GirleyAraújo Alecrim, devido porque estavaacidentado e impossibil itado decomparecer na fazenda e os 23 dias demaio/06 foram pagos ao autor na suaresidência; o autor recebia os EPIsnecessários quando fazia aplicação dedefensivos agrícolas, que ocorria 03vezes por ano, durante 10 a 15 dias e,quando o autor se ativou, o adicional foipago em grau máximo, inclusivereflexos, conforme recibos salariais;indevida a multa do art. 467 da CLT por

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não ter havido dispensa do reclamante,estando o autor aposentado porinvalidez, além do que as verbaspostuladas são controvertidas.Contestou os pedidos, pugnou pelaimprocedência, e requereucompensação dos valores pagos a títulode adicional de insalubridade. Juntoudocumentos (f. 60/159, 181/185), atosconstitutivos (f. 160/181), preposição (f.186), procuração (f. 187).

Determinada a realização deperícia para apuração da alegadainsalubridade, nomeado perito eassinado prazo às partes para indicaçãode assistentes técnicos e apresentaçãode quesitos (ata, f. 46).

Manifestação do autor sobredefesa e documentos (f. 189/190).

Laudo pericial de apuração deinsalubridade juntado às f. 211/225,sobre o qual se manifestou a reclamada(f. 226).

Em face da reiteração do pedidopelo reclamante (f. 190), foi determinadaa realização de perícia médica, sendonomeado o perito oficial e oportunizadoprazo às partes para indicação deassistentes técnicos e apresentação dequesitos (despacho, f. 227).

Quesitos pela reclamada às f.228/229 e pelo reclamante às f. 231/232.

Juntada à f. 235, pelo perito, daproposta de honorários periciaismédicos e pedido de depósito prévio (f.235) sobre a qual se manifestou areclamada (f. 238).

Laudo pericial médico juntado àsf. 239/246, sobre o qual se manifestoua reclamada às f. 248/250 em cujapetição reiterou o pedido de f. 228 pararealização de perícia no local doacidente e junto ao trator agrícola e aoimplemento de pulverização.

Indeferido o pedido pararealização de perícia no local doacidente e determinada a inclusão do

feito em pauta nos termos do despachode f. 251 do qual foram intimadas aspartes (certidão, f. 251 v.).

Na audiência de instruçãorealizada em 16.07.2007 (ata, f. 264/267) foram colhidos os depoimentospessoais das partes; o reclamantedeclarou não possuir testemunhas; foiouvida uma testemunha trazida a juízopela reclamada; após as partesdeclararem que não tinham outrasprovas a produzir pelo que foi encerradaa instrução processual a seu pedido; aspartes apresentaram razões finais oraisremissivas; renovada a proposta deconciliação, e, restando infrutífera, foidesignado este julgamento, do qualficaram cientes nos termos da Súmulan. 197 do Tribunal Superior do Trabalho.

Esse o relatório. Fundamento edecido a seguir.

2 FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Preliminarmente

2.1.1 Exclusão da 2ª reclamadada lide - Efeitos

Em audiência, o reclamanteconcordou com a exclusão da 2ªreclamada da lide em razão de ter sidoadquirida pela 1ª reclamada (ata, f. 46).A meu ver, essa concordância importouna desistência de ação em relação à 2ªreclamada. Assim, homologo adesistência e extingo o processo, semresolução de mérito, em relação à 2ªreclamada, nos termos do inciso VIII doart. 267 do CPC, ora aplicadosubsidiariamente, como autoriza o art.769 da CLT.

2.2 Mérito

No presente caso, estãopresentes todos os pressupostos

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objetivos e subjetivos para aconstituição e desenvolvimento válidose eficazes da relação processual(competência do juízo e insuspeição;citação válida, regularidade da petiçãoinicial; inexistência de perempçãoprovisória, coisa julgada elit ispendência; a capacidade adprocessum e ad causam dos litigantes)e as demais condições da ação(possibilidade jurídica dos pedidos, alegitimidade das partes e o interesseprocessual) para a admissibilidade doexame do mérito. Assim, passo à análiseda pretensão do reclamante,consubstanciada nos pedidosformulados na petição inicial, bem comodos pedidos formulados na defesa,conforme segue.

2.2.1 Do acidente do trabalho -Nexo causal - Danos decorrentes -Culpa na efetivação do acidente -Reparação dos danos

a) Das alegações das partes

Na inicial, alegou o reclamanteque: em 08.05.2006, às 16h20min, foivítima de acidente do trabalho enquantorecarregava a bomba pulverizadora dedefensivos agrícolas; o acidente ocorreuquando, seguindo procedimentocostumeiro adotado pela reclamada,aproximou-se do trator recarregador,com a bomba nas costas, encostoupróximo ao pneu do trator que ficavaligado para recarregar a bombapulverizadora com defensivos e teve suaperna esquerda puxada pelo eixo dareferida máquina a qual foi amputadana hora pelo eixo da máquina.Asseverou que em decorrência doacidente ficou inválido para suasatividades laborativas e estão presentestodos os pressupostos para odeferimento dos pedidos de indenização

por danos morais, materiais, físicos eestéticos, porque o evento-acidenteocorreu por culpa única e exclusiva dareclamada que não forneceu ambientede trabalho seguro para evitar amutilação do autor. Diz ainda que sofreudanos materiais pela precoceinterrupção de progressão profissionalcom apenas 29 anos de idade, além dedanos físicos, estéticos e morais. Aludeque há nexo de causalidade entre aconduta da reclamada e os danossofridos pelo acidente pela perda de ummembro inferior, fortes dores, baixa daestima, sentimento e complexo deinferioridade que se instalaram em seuespírito.

Defendeu-se a reclamadaredargüindo que: o acidente ocorreu porculpa do autor na sua imprudência enegligência ao recarregar a bomba comdefensivos agrícolas ao apoiar o pésobre o chassi do pulverizador acopladoao trator agrícola para descansar,momento em que a barra de sua calçaficou presa no pino da tomada do eixodo cardã que o arremessou comviolência para o lado contrário onde seencontrava, torcendo e arrancando suaperna esquerda; o autor não executousua função com a atenção necessáriae normal ao carregar ou recarregar abomba com defensivos agrícolas,porque não era necessário apoiar edescansar o pé sobre o chassi dopulverizador; na fazenda sempre se fezobservar as normas de segurança e desaúde dos funcionários, com a adoçãode medidas coletivas e individuais deproteção, com informaçõespormenorizadas sobre os riscos dasoperações a serem executadas eprodutos a manipular, mantendoserviços especializados em segurançae medicina do trabalho, constituída aCIPA e contratado técnico em segurançado trabalho, com orientações diárias e

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semanais, reuniões e palestras paraevitar acidentes. Assevera que, poressas razões, não pode serresponsabilizada pelo acidente quevitimou o reclamante e não estáobrigada a reparar os danos materiais,morais, físicos e estéticos pleiteados.

b) Definição e conceito deacidente do trabalho

A Lei n. 8.213/1991, em vigor,traz no seu artigo 19 a definição deacidente do trabalho-tipo

[...] é o que ocorre pelo exercício dotrabalho a serviço da empresa oupelo exercício do trabalho dossegurados referidos no inciso VII doart. 11 desta Lei, provocando lesãocorporal ou perturbação funcionalque cause a morte ou a perda ouredução, permanente ou temporária,da capacidade para o trabalho.

Comentando a legislaçãoexistente à época, o inolvidáveljuslaboralista OCTÁVIO BUENOMAGANO ( in Lineamentos deinfortunística, 1976, p. 33)1 já sugeria adefinição legal, verbis:

Acidente do trabalho é o eventoverificado no exercício do trabalho deque resulte lesão corporal,perturbação funcional ou doença quecausa a morte ou a perda deredução, permanente ou temporária,da capacidade para o trabalho.

Na dicção do art. 19 da Lei n.8.213/1991, para a caracterização do

acidente do trabalho, ensinaSEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA2

que exige a lei que

[...] o evento decorra do exercício dotrabalho a serviço da empresa […] énecessário que entre a atividade doempregado e o acidente haja umarelação de causa e efeito, tambémchamada de nexo etiológico ou nexocausal […] É da essência do conceitode acidente do trabalho que hajalesão corporal ou perturbaçãofuncional […] é necessário, paracompletar o conceito de acidente dotrabalho, que o evento acarrete amorte, ou a perda ou a redução,permanente ou temporária, dacapacidade para o trabalho.

Observa SEBASTIÃO GERALDODE OLIVEIRA, com sua precisa síntese,que, para a caracterização do acidentedo trabalho, há uma seqüência lógica, asaber:

[...] trabalho de um empregado,durante o qual ocorre acidente, queprovoca lesão ou perturbaçãofuncional, que acarreta a morte ou aincapacidade para o trabalho,podendo esta ser total, parcial outemporária. (Trabalho ==> acidente==> morte, lesão ou perturbaçãofuncional ==> incapacidade).3

Assim, o chamado acidente dotrabalho-tipo caracteriza-se pelo evento-danoso, que acarreta perturbaçãofuncional - física ou mental - ou lesãocorporal, ou ainda, resulta em morte ouincapacidade laborativa - temporária oupermanente, total ou parcial.

1 Apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de,in Indenizações por acidente do trabalhoou doença ocupacional, São Paulo: LTr,2005, p. 40.

2 Op. cit., p. 40/41.3 Op. cit., p. 41.

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c) Dos danos que podemdecorrer do acidente do trabalho

A doutrina4 aponta, em síntese,que do acidente do trabalho podemocorrer, v.g.: a) danos patrimoniais:despesas com tratamento médico,redução da capacidade laboral, comprejuízos ao valor do seu trabalho e àpossibilidade de recolocação no mercadode trabalho, e perda da capacidade parao trabalho, afetando o crescimentoprofissional e social do trabalhador; b)danos morais: dor e sofrimento interior,angústia, baixa auto-estima, sentimentode improdutividade e inutilidade nasrelações sociais e familiares, em especialquando ocorre incapacidade laborativapara as funções antes exercidas, perdasubstancial da capacidade de trabalharem outras funções, as dificuldadesinerentes ao processo de readaptaçãoprofissional e de ingresso em nova funçãono mercado de trabalho, ou ainda, quandose verifica precoce aposentadoria porinvalidez, entre outros; c) danos físicos:perda de um membro do corpo ou sualaceração; e) danos estéticos: aleijões,deformidades, deformações e marcas(cicatrizes), dentre outras.

d) Da responsabilização civil doempregador pelos danos decorrentesdo acidente do trabalho

O dano que decorre de um atoilícito provoca contra quem o praticou aobrigação de repará-lo, fundando-se oprincípio geral da responsabilidade civil,no direito brasileiro, nos arts. 186 e 927do atual Código Civil, segundo o qualaquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ou imprudência,

violar direito, ou causar prejuízo aoutrem, fica obrigado a reparar o dano,material ou moral, encontrando-se esteúltimo previsto no inciso X do art. 5º daCF/1988 e no art. 12 do Código Civil.

Ainda: nos termos do inciso III doart. 932 do CCb, o empregador éresponsável pela reparação civil no casode danos causados por seusempregados e prepostos, no exercício dotrabalho que lhes competir, ou em razãodele; na dicção do inciso XXVIII do art.7º da CF/1988, mesmo participando oempregador, compulsoriamente, com oseguro de acidentes de trabalho (SAT),não se exime da indenização a que estáobrigado, quando incorrer em dolo ouculpa na efetivação do acidente dotrabalho ou doença ocupacional ouprofissional a este equiparada ex vi legis.

A responsabilidade civil doempregador, no caso de acidente dotrabalho, não escapa dos pressupostos/requisitos inerentes à responsabilidadesubjetiva (salvo as exceções legais), asaber: (i) o dano, (ii) a ação ou omissãodolosa ou culposa, (iii) o nexo decausalidade entre o dano e a condutado ofensor e (iv) a inexistência de causaexcludente da responsabilidade. Dessaforma, ausente um dos requisitos oupressupostos legais não há se falar emreparação. Exemplificativamente: senão houver dano ou ato ilícito ou abusode direito, nada há para ser indenizado;se houver dano, mas não decorrer deato ilícito ou abuso de direito, seráindevida indenização; se houver dano,ato ilícito ou abuso de direito, mas nãorestar caracterizado o nexo causal(relação de causa e efeito entre o danoe a conduta do agente), não há comoresponsabilizar o causador do dano. Aorevés, comprovado nos autos o dano, odolo ou a culpa do ofensor e o nexo dasua conduta antijurídica e o dano,impõe-se a reparação.

4 ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Responsabilidadecivil do empregador e acidente do trabalho,Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

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A responsabilização civil doempregador para a reparação por danosmateriais e morais decorrentes doacidente do trabalho pressupõe um atoilícito ou erro de conduta do empregador,o prejuízo suportado pelo trabalhador eo nexo de causalidade entre a condutainjurídica daquele e o danoexperimentado por este último, regendo-se, portanto, pela responsabilidadeaquiliana inserta no rol de obrigaçõescontratuais do empregador pelo incisoXXVIII do artigo 7º da Constituição daRepública, tendo sido consagrada ateoria da culpa subjetiva, a teor dodisposto nos arts. 186 e 927 do CCb.

Destarte, quando violado o deverjurídico e cometido ato ilícito e causadodano a outrem, exsurge dessa situaçãoum novo dever jurídico, qual seja, o dereparar o dano perpetrado. E, aresponsabilidade civil consisteexatamente nessa obrigação deindenizar o prejuízo causado emdecorrência da prática de ato ilícito. Apropósito, preleciona o e. jurista,professor e Desembargador do EgrégioTJRJ, Dr. SÉRGIO CAVALIERI FILHO5:

Em seu sentido etimológico,responsabilidade exprime a idéia deobrigação, encargo, contraprestação.Em seu sentido jurídico, o vocábulonão foge dessa idéia. Designa o deverque alguém tem de reparar o prejuízodecorrente da violação de um outrodever jurídico. Em apertada síntese,responsabilidade civil é um deverjurídico sucessivo que surge pararecompor o dano decorrente daviolação de um dever jurídicooriginário.

Visa, portanto, aresponsabilidade civil à recomposiçãoda situação verificada no momentoanterior à lesão, por via de umressarcimento pecuniáriocorrespondente ao prejuízo verificado(restitutio in integro), ou de umaindenização capaz de compensar odano sofrido, quando presentes os trêselementos: (1) a ofensa a uma normapreexistente ou erro de conduta; (2) umdano; (3) e o nexo de causalidade entreuma e outro, estando, ainda, assente nadoutrina e jurisprudência que não bastaque o agente tenha cometido um errode conduta. Não basta que a vítima sofraum dano, que é o elemento objetivo dodever de indenizar, pois, se não houverum prejuízo, a conduta antijurídica, porsi só, não gera a obrigação de indenizar,sendo imprescindível que haja umarelação de causalidade entre ainjuridicidade da ação e o mal causado.

Portanto, para que se possacogitar em reparação por dano moral oumaterial, deverão estar presentes osrequisitos/pressupostos legais dessaforma de obrigação, previstos noordenamento jurídico brasileiro, quaissejam: o erro de conduta do agente,revelado por um comportamento contrárioao direito, a ofensa a um bem jurídicoespecífico do prejudicado e, por fim, arelação de causalidade entre a condutaantijurídica e o dano ou lesão causada.Sem esses elementos essenciais, ousem a demonstração de qualquer umdeles, não há que se falar em obrigaçãocorrespondente à pretendida reparaçãode dano moral ou material (CCb, arts.186 e 927; 12; CF/1988, art. 7º, X eXXVIII), ressalvadas as exceções legaisàs quais a responsabilidade doempregador é objetiva.

No caso dos autos não reinamdúvidas quanto ao fato de que oreclamante foi vítima de acidente do

5 In Programa de responsabilidade civil, 2.ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,1999, p. 20.

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trabalho-tipo legalmente definido (Lei n.8.213/1991, art. 19), do qual resultou,lamentavelmente, a amputaçãotraumática de sua perna esquerda naaltura de um terço da coxa (cf.fotografias de f. 37/38; laudo da períciamédica, f. 244, itens 13, 14.1), aincapacidade laborativa nas funçõesque exercia e a perda funcionalestimada pelo perito no patamar de 65%(laudo da perícia médica, f. 246). Resta,assim, examinar a existência do nexode causalidade entre o acidente e assuas conseqüências danosas(seqüelas) no acidentado (reclamante)à luz dos imperativos legais e doselementos de prova dos autos, apurara culpa na efetivação do evento-acidente e decidir sobre os pleitos deindenização formulados na inicial.

e) A dinâmica do acidente dotrabalho ocorrido com o autor

Antes, porém, impende deixarevidenciada a dinâmica do acidente dotrabalho do qual foi vítima o reclamante.Vejamos.

Pela Comunicação de Acidentedo Trabalho (CAT, f. 61/62), o acidenteocorreu no dia 08.05.2006, às 16h, após8 (oito) horas de trabalho, na área D404 da lavoura de café da reclamada,tendo sido atingida a perna e o péesquerdo do autor, que resultou naamputação traumática do pé e da pernaesquerda do reclamante.

Verifico que a “descrição dasituação geradora do acidente” e o“agente causador” não ficaram bemexplicitados na “CAT”. No entanto, anarrativa da petição inicial e da defesa,o exame das fotografias dosequipamentos (f. 66/70) e a descriçãodo evento-danoso constante nodocumento de f. 65 mais a descriçãocolhida na prova judiciário-oral

(especialmente o procedimento derecarga da bomba de pulverizaçãodelineado pela testemunha ouvida arogo da reclamada) são suficientes paraesclarecer como se deu o lamentávelinfortúnio, sendo desnecessária períciapara apuração da dinâmica do acidentedo trabalho noticiado nos autos.

Assim, tomando-se em linha deconta todos esses elementos, ficaevidenciado o contexto em que se deuo acidente, a situação geradora doacidente do trabalho e a dinâmica desua ocorrência, a saber:

1. a reclamada possui um tratoragrícola no qual é engatada umapequena carreta (trole ou engate -fotografia f. 69) que possui acoplado umtanque (pipa) cheio de defensivoagrícola líquido para a recarga dabomba (costal) de pulverização manualda lavoura de café da reclamada;

2. a aplicação de defensivosagrícolas era realizada manualmentepor um grupo de empregados, dentreeles o reclamante, com uma bomba depulverização colocada nas costas (porisso chamada de “bomba costal”, cf.fotos de f. 221) com capacidadevolumétrica de 20 litros (fatoincontroverso);

3. o defensivo agrícola colocadona bomba costal era suficiente para 20a 30 minutos de aplicação na lavoura,e, no dia do acidente, o reclamante fezpor volta de 7 recargas na bomba costalque util izava na pulverização (cf.declarações da única testemunhaouvida);

4. a recarga da bomba costal,conforme declarou o preposto, era feitapelo tratorista que operava o tratoragrícola e a bomba de sucção instaladacom o tanque na carreta que eraengatada no trator (cf. ata, f. 265 efotografias de f. 66/70);

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5. o tratorista (testemunha ouvidaa pedido da reclamada que operava otrator e a referida bomba de sucção nodia do acidente) declarou que na recargada bomba de pulverização adotava oseguinte procedimento: (1) ficava sentadono pára-lama sobre o pneu traseiro dotrator (vide f. 70), (2) o reclamante combomba de pulverização nas costas seaproximava do pneu traseiro do trator, decostas, ficando de frente para a pipa, e,então, o referido tratorista pegava amangueira da bomba de sucção etransferia o defensivo agrícola da pipa(tanque) para a bomba de pulverizaçãonas costas do reclamante; (3) recarregadaa bomba, liberava o reclamante parafazer a pulverização manual da lavoura;(4) a recarga da bomba costal só erapossível de ser realizada com o motordo trator funcionando para girar o eixoda bomba de sucção e fazer atransferência do produto da pipa para abomba de pulverização manual nascostas do reclamante;

6. o acidente do trabalho ocorreuno momento em que estava sendorecarregada a bomba de pulverizaçãonas costas do reclamante, com defensivoagrícola para aplicação na lavoura decafé da reclamada, quando o reclamantecolocou seu pé no chassi do engate (videsimulação nas fotografias de f. 66/67) eteve sua calça puxada pelo eixo dabomba causando a grave e violentalesão que acarretou a amputaçãotraumática do seu pé e perna esquerda.

f) Nexo de causalidade: entre oacidente, a lesão e a incapacidadelaborativa do reclamante

Induvidoso e inquestionável onexo de causalidade direto entre a gravelesão sofrida pelo autor (amputaçãotraumática do pé e perna esquerda comcoto no nível do terço da coxa) e o evento-

acidente do trabalho, porque,incontroversamente, ocorreu no momentoem que o reclamante exercia suasfunções em prol da reclamada. Apropósito, o diagnóstico médico na “CAT”(f. 62) e a conclusão pericial (laudo, f. 246)deixam a toda evidência o nexo causalentre a lesão sofrida pelo reclamante esuas atividades na reclamada, sendodespiciendos outros comentários.

No que toca, especificamente, àincapacidade laborativa decorrente dalesão sofrida pelo autor, o médico eperito do juízo, no seu laudo, não deixounenhuma margem de dúvida,estabelecendo que: 1) o reclamanteencontra-se incapacitado para asfunções que exercia na reclamada antesdo acidente; 2) houve perda dacapacidade laborativa no percentual de65%; 3) o autor não está incapacitadopara qualquer função e tem aptidão paraser readaptado ao trabalho em outrafunção compatível, apesar da baixademanda no mercado e as dificuldadespessoais do próprio autor devido a suabaixa escolaridade e outras dificuldadesinerentes à sua posição na base dapirâmide social.

Adite-se ainda que a redução dacapacidade laborativa restou patente einclusive reconhecida pelo InstitutoNacional do Seguro Social ao concederao reclamante o benefício de AUXÍLIO-ACIDENTE que é deferido exatamenteao trabalhador vítima de um acidente dotrabalho e que fica com seqüelas queimpliquem redução da capacidade parao trabalho que habitualmente exercia(carta de concessão, f. 30).

g) Dos danos físicos e estéticosdecorrentes do acidente

Quanto às conseqüênciasdanosas físicas e estéticas do acidentede que foi vítima o reclamante, o

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diagnóstico do médico que fez oatendimento conforme consta da CAT(f. 62), as fotografias do autor após alesão (f. 37/38 - amputação traumáticada perna esquerda à altura do terço dacoxa) e o laudo pericial médico (f. 240/246) deixam evidentes e incontestáveisos danos físicos e estéticos decorrentesda lesão sofrida pelo autor no acidente.

O laudo pericial deixa evidenciadaa dimensão e extensão da lesão sofridapelo autor, na medida em que estabeleceo nexo causal entre o acidente e os danosconsubstanciados tanto na perda de ummembro do corpo como na perda dacapacidade laborativa para o trabalho querealizava na reclamada e perda de 65%da capacidade funcional para outrostrabalhos compatíveis com a situaçãoatual do reclamante, sem perder de vistaas dificuldades de ingresso no mercadode trabalho já acenadas no tópico anterior.

h) Dos danos morais

Para ROBERTO BREBBIA6, odano moral é “aquela espécie de agravoconstituída pela violação de algum dosdireitos inerentes à personalidade”.Logo, o conceito não está aprisionadona locução conceitual como “danoextrapatrimonial”, mas refere-se, latosensu, à agressão ou ofensa aopatrimônio ideal das pessoas, comodepreende, também, do magistério deSILVIO RODRIGUES7, citando WilsonMelo da Silva, que o dano moralconsubstancia

[...] lesões sofridas pelo sujeito físicoou pessoa natural de direito em seupatrimônio ideal, entendendo-se porpatrimônio ideal, em contraposiçãoa patrimônio material, o conjunto detudo aquilo que não seja suscetívelde valor econômico.

Do exposto infere-se queconfigura o dano moral a alteraçãoocorrida no bem-estar psicofísico doindivíduo, na normalidade da sua vida,resultando numa alteração desfavorávele causando conseqüente alteração noseu estado de espírito, no seu ânimopessoal, dor, medo, angústia, inquietaçãodecorrente da agressão perpetrada.

Com certeza, o maior patrimônioda pessoa natural é o cúmulo de seusvalores espirituais, os quais predicam otecido moral, aquilo que dá sentido à suavida e à convivência humana, v.g.: aintimidade, a vida privada, a honra e aimagem, o nome, a dignidade, osvalores morais acumulados, atranqüilidade de espírito, etc. (CF/1988,art. 5º, X; CCb, arts. 11/21).

Significa que é o tecido moral,assim considerado como acervo devalores espirituais e morais, que dásentido e significância à existênciahumana-no-mundo. Ou seja: valemos(para nós mesmos e para a sociedade),verdadeiramente, pelo que somos, peloser humano que somos na sua inefávele indivisível integralidade de corpo eespírito.

Daí a proteção da intimidade, davida privada e da dignidade da pessoahumana e seus valores espirituais queimporta no dever de reparação do danomoral quando perpetradas agressõesao trabalhador gerando atribulações,mágoas e sofrimentos íntimos queocasionam intensa dor pessoal. Nemmesmo há dissenso na doutrina nem najurisprudência no sentido de que a dor

6 In El daño moral. Buenos Aires: Ed.Bibliográfica Argentina, 1950, p. 91, apudMinistro do E. TST, JOÃO ORESTEDALAZEN, in “Aspectos do dano moraltrabalhista” artigo publicado no JurisSíntese n. 24 - JUL./AGO. de 2000.

7 In Direito civil, 18. ed., 2ª tiragem, SãoPaulo: Saraiva, 2000, vol. 4, p. 190.

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moral produz a mais intensarepercussão psique humana, na medidaem que a personalidade, aquilo que émais caro ao ser humano, estáembasada em valores morais eespirituais. E, por isso, quando ocorreo dano moral, as marcas são profundase, em alguns casos, “para sempre”. Poróbvio, então, que o sofrimento físico oumoral, que configuram o dano moral,atingem a pessoa na sua inteireza,trazendo transtornos e intranqüilidadena sua vida, seu modo de ser, comrepercussões que só aquele que assofre poderia tentar exprimir. Disso tudoresulta a certeza da obrigatoriedade dareparação do dano moral.

E nesse substrato é que o direitopositivo prevê, expressamente, apossibilidade de indenização por danomoral: (i) na Constituição Federal de1988 (inciso X do art. 5º) e (ii) no novoCódigo Civil (arts. 12, 186 e 927),rezando os precitados dispositivos,respectivamente, serem “invioláveis aintimidade, a vida privada, a honra e aimagem das pessoas, assegurado odireito a indenização pelo dano materialou moral decorrente de sua violação”, eque “Pode-se exigir que cesse aameaça, ou a lesão, a direito dapersonalidade, e reclamar perdas edanos, sem prejuízo de outras sançõesprevistas em lei”, e, “Aquele que, poração ou omissão voluntária, negligênciaou imprudência, violar direito e causardano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete atoilícito” (art. 186) e que “Aquele que, porato ilícito (arts. 186 e 187), causar danoa outrem, fica obrigado a repará-lo”.

A despeito de ser o dano moraltambém passível de reparação (CF/1988,art. 5º, X e XXVIII; CCb, arts. 12, 186 e927), todavia, para se amparar o pedidorespectivo de indenização, exigem-se osmesmos pressupostos legais para a

indenização dos danos morais, quaissejam, a necessária coexistência de trêsrequisitos da responsabilidade civil,considerados essenciais na doutrina dateoria da responsabilidade subjetivaaplicável ao presente caso: a ofensa auma norma preexistente ou erro deconduta, o dano (in casu decorrente doacidente do trabalho-tipo) e o nexo decausalidade do evento com o trabalho.

Esses requisitos pressupõem umcomportamento do agente que,

desrespeitando a ordem jurídica,cause prejuízo a outrem, pela ofensaa bem ou direito deste. Essecomportamento deve ser imputávelà consciência do agente por dolo(intenção) ou por culpa (negligência,imprudência ou imperícia),contrariando seja um dever geral doordenamento jurídico (delito civil),seja uma obrigação em concreto(inexecução da obrigação ou decontrato).8

Nesse diapasão, comprovado odesrespeito pelo empregador da ordemjurídica imperativa no que toca aos seusdeveres quanto à segurança, higiene esaúde do trabalhador, ocorrendo prejuízopela ofensa a bem ou direito do obreiro,acarreta a responsabilidade civil, peloque será devida reparação do dano moralcausado, desde que atendidos aosdemais requisitos/pressupostos para aresponsabilização (nexo causal dasatividades profissionais do obreiro-vítimacom o acidente; o erro de conduta doempregador ou de preposto seu) para arecomposição do patrimônio moral dolesado, ressarcindo-lhe os prejuízos quesofreu.

8 STOCO, Rui. Responsabilidade civil, 2.ed., São Paulo: Editora Revista dosTribunais.

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Na hipótese vertida dos autos,em que do acidente do trabalho resultouna amputação traumática da pernaesquerda do autor na altura de um terçoda coxa, gerando a incapacidade paraas funções que exercia e ainda aredução de 65% de suas condições detrabalho para outras funções que poderáexercer após necessário processo dereadaptação, não tenho dúvidas de queos danos morais experimentados peloautor - e que certamente deixarãomarcas no mais recôndito de seu ser,podendo apenas ocorrer a amenizaçãodo sofrimento, da dor interior e daangústia por outras formas deexperiências compensadoras,psicoterapia ou mesmo mecanismo dedefesa inerente ao ser humano hábil pornatureza nas sublimações ecompensações interiores;experimentação de outras situaçõesprazerosas ou mesmo por uma vida,doravante, assentada na ascese cristã,por exemplo - estão intimamente ligadoscom a dor física, a angústia, o medo, aredução da qualidade de vida e dacapacidade laborativa (ainda que possaser readaptado para outra função), bemcomo com as dificuldades cotidianasque advirão por ter se tornado umportador de deficiência física decorrentede acidente do trabalho.

A meu ver, esses sentimentos eo fato concreto do acidente certamentenão se apagam com o tempo, mesmoque o reclamante retorne a qualqueroutra atividade laborativa compatívelcom a sua condição física.

Assim, manifesto o nexo decausalidade entre o trabalho exercidoe o evento danoso durante o pactolaboral e, presentes os demaisrequisitos para a responsabilização civildo empregador, impõe-se acondenação na obrigação de indenizaros danos morais.

i) Da culpa - Nexo causal entre odano e a conduta do agente

Na inicial, alegou o reclamanteque o acidente do trabalho de que foivítima resultando na amputação de suaperna esquerda, sofrendo, por isso, pordanos morais, materiais, físicos eestéticos, ocorreu por culpa únicaexclusiva da reclamada que nãoforneceu ambiente de trabalho seguropara evitar o infortúnio.

A reclamada, por sua vez,redargüiu, aduzindo que o acidenteocorreu por culpa exclusiva do autor nasua imprudência e negligência aorecarregar a bomba com defensivosagrícolas ao apoiar o pé sobre o chassido pulverizador acoplado ao tratoragrícola para descansar, momento emque a barra de sua calça ficou presa nopino da tomada do eixo do cardã que oarremessou com violência para o ladocontrário onde se encontrava, torcendoe arrancando sua perna esquerda; e queo autor não executou sua função com aatenção necessária e normal aocarregar ou recarregar a bomba comdefensivos agrícolas porque não eranecessário apoiar e descansar o pésobre o chassi do pulverizador; nafazenda sempre se fez observar asnormas de segurança e de saúde dosfuncionários, com a adoção de medidascoletivas e individuais de proteção, cominformações pormenorizadas sobre osriscos das operações a seremexecutadas e produtos a manipular,mantendo serviços especializados emsegurança e medicina do trabalho,constituída a CIPA e contratado técnicoem segurança do trabalho, comorientações diárias e semanais,reuniões e palestras para evitaracidentes. Assevera a reclamada que,por essas razões, não pode serresponsabilizada pelo acidente que

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vitimou o reclamante e não estáobrigada a reparar os danos materiais,morais, físicos e estéticos pleiteados.

Entendendo já superadas asquestões quanto (i) a ocorrência doacidente do trabalho-tipo que vitimou oreclamante; (ii) a existência dos danosfísicos e estéticos que se podeapreender de simples exame visual dasfotografias de f. 37/38; (iii) a existênciados danos materiais pela perda decapacidade laborativa para as mesmasfunções e perda da capacidade laboralno percentual de 65% para outrasfunções; (iv) a existência de danosmorais inerentes à própria lesão(amputação traumática da pernaesquerda na altura de um terço dacoxa), por se tratar de dano moral puro;(v) ao nexo de causalidade com otrabalho, resta, pois, apurar e aquilatarsomente a existência da culpa dareclamada (nexo entre a conduta da rée o dano), ou a culpa exclusiva doreclamante na efetivação do evento-acidente como alegado na defesa, o quefaço a seguir.

A reclamada aduziu, em suapeça contestatória, ser improcedente apretensão vazada no pedido inicial pornão ter se conduzido com dolo nemculpa na efetivação do acidente dotrabalho, asseverando ter ocorrido porculpa exclusiva do reclamante na suaimprudência e negligência ao recarregara bomba com defensivos agrícolas aoapoiar o pé sobre o chassi dopulverizador acoplado ao trator agrícolapara descansar, momento em que abarra de sua calça ficou presa no pinoda tomada do eixo do cardã que oarremessou com violência para o ladocontrário onde se encontrava, torcendoe arrancando sua perna esquerda; e,que o autor não executou sua funçãocom a atenção necessária e normal aocarregar ou recarregar a bomba com

defensivos agrícolas porque não eranecessário apoiar e descansar o pésobre o chassi do pulverizador.

A culpa exclusiva da vítima écircunstância tida na ordem jurídica, nadoutrina e na jurisprudência comoexcludente da responsabilidade civil doempregador de indenização de dano(material ou moral) decorrente doacidente do trabalho. Isto porque, aculpa exclusiva da vítima impede o nexocausal entre o dano e o seu causador.Por isso, é assente na doutrina e najurisprudência que é indevidaindenização por dano material e/oumoral pelo empregador se ficardemonstrado que o fato ocorreu duranteo labor por culpa exclusiva da vítima(obreiro).

Nesse sentido os seguintesjulgados:

ACIDENTE DO TRABALHO -INDENIZAÇÃO POR DANOSMATERIAIS E MORAIS -NEGLIGÊNCIA DO EMPREGADOR.A responsabil idade civil doempregador pelo acidente dotrabalho está prevista no art. 7º,XXVIII, da Constituição daRepública, que assegura aoempregado o direito ao seguro contraacidente do trabalho, a cargo doempregador, sem excluir aindenização a que este estáobrigado, quando incorrer em dolo ouculpa. De onde se extrai que o deverde indenizar decorre daresponsabil idade subjetiva doagente, seja por dolo, seja porimprudência, negligência ouimperícia. Ressalte-se que odispositivo constitucional acimareferido não distingue grau deculpabilidade do empregador, sendodevida a indenização comum poracidente do trabalho, ainda que

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levíssima a culpa do patrão. Apenasnas hipóteses de o acidente ocorrerpor culpa exclusiva da vítima, porcaso fortuito ou força maior, não cabereparação civil por parte doempregador.(TRT 3ª R. - RO00636.2003.031.03.00.4 - 1ª T. - Rel.Juiz Mauricio Godinho Delgado -DJMG 26.11.2004 - p. 07)

RECURSO ORDINÁRIO -ACIDENTE DE TRABALHO - DANOMORAL - NÃO COMPROVAÇÃO DECULPA DA VÍTIMA - INDENIZAÇÃODEVIDA. Em caso de dano moral,devemos considerar a proteção àdignidade humana estabelecida pelaConstituição de 1988, art. 1º, III e art.5º, V, X, bem como aquelas dosartigos 186 e 927 do Código Civilbrasileiro. Comprovada a relaçãoempregatícia e demonstrado que ofato ocorreu durante o labor, aempresa é responsável pelos danosprovenientes de acidente dotrabalho, salvo comprovada culpaexclusiva da vítima. [...].(TRT 14ª R. - RO-RA00906.2005.091.14.00-2 - Rel. JuizMário Sérgio Lapunka - DOJT08.12.2005)

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL -INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO -CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA -INDENIZAÇÃO INDEVIDA -SENTENÇA MONOCRÁTICARATIFICADA - RECURSOIMPROVIDO. Tendo sidodemonstrada claramente a culpaexclusiva da vítima em acidente, nãohá como lhe conferir qualquerindenização tendo como sustentaçãoo sinistro por ela mesma provocado.(TJMT - AC 44514/2002 - 1ª C.Cív. -Rel. Des. Munir Feguri - J. 26.05.2003)

Está assente, pois, que, ocorridoo acidente do trabalho por culpaexclusiva da vítima (empregado), não háse falar em pagamento de indenizaçãopor dano material e/ou moral, na medidaem que a culpa exclusiva da vítimaimpede o nexo causal entre o dano e oseu causador. Assim, para eximir-se daresponsabilidade de indenizar, cumpreao empregador demonstrar, de maneirainequívoca, a alegada culpa exclusivada vítima na efetivação do eventodanoso, por se tratar de fato extintivodo direito à indenização por dano moral,material, físico ou estético objeto dapretensão (CPC, art. 333, II). Cabia,pois, à reclamada demonstrar o fato quepudesse obstar a pretensão do autor.Contudo, analisando e sopesando todosos elementos de provas dos autos,verifico que a reclamada não sedesincumbiu de demonstrar a existênciada alegada culpa exclusiva do autor(vítima), causa excludente do nexocausal ou da culpa patronal.

Com efeito, a testemunhaMIGUEL APARECIDA PEREIRA DOSSANTOS (f. 266), trazida a juízo pelareclamada, declarou que: “a empresanão adotava o procedimento de fazer arecarga da bomba de pulverização foradas costas do reclamante porque eramais complicado e ficava mais pesadopara levantar do chão e colocar nascostas” novamente; “que era mais fácilpara recarregar a bomba depulverização nas costas do trabalhadorpara facilitar o acesso à mangueira derecarga”.

Registro que do final dasdeclarações da referida testemunhapode-se inferir que, no momento darecarga da bomba de pulverização, aose aproximar do pneu traseiro do trator,o reclamante ficava próximo do citadoeixo da engrenagem da bomba desucção que era girada pelo motor do

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trator para a transferência do defensivoagrícola do tanque-pipa para a bombacostal. E, foi nessas circunstâncias queocorreu o acidente com o reclamante.

Diversamente do que alega areclamada, o fato de o obreiro tercolocado o pé no chassi do engate (comosimulado nas fotografias de f. 66/67) nãoé suficiente para a caracterização de queo acidente tenha ocorrido por culpa dele.Ora, o risco do empreendimento é doempregador e se a reclamada, como tal,não cuidou de providenciar qualquerespécie de proteção com o fim de evitarqualquer contato acidental com o eixo-engrenagem da bomba de sucçãoconectado ao motor do trator agrícola,assumiu o risco e o resultado da suanegligência.

Pelas simples regras daexperiência (CPC, art. 335) de mais deduas décadas militando na áreaadministrativa, consultoria jurídica e nasrelações de trabalho, entendo que umasimples proteção feita em tela grossade malha menor (como as utilizadas emalambrados) sobre o chassi, ou mesmoum simples anteparo de madeira de1,00m a 1,30m de altura, móvel (tipobiombo), para colocar ao lado do chassida carreta engatada no trator (comopode ser visualizado pelas fotografiasde f. 66, 68, 69 e 70) seria o bastantepara evitar qualquer contato acidentaldo obreiro com o eixo-engrenagem dabomba de sucção no momento em quese aproximava da roda traseira do tratorpara que o tratorista fizesse a recargada bomba de pulverização nas costasdo trabalhador.

E mais: poderia ainda areclamada, para evitar o acidenteocorrido, ter determinado ao seuempregado tratorista (Sr. Miguel -testemunha ouvida) que observasse oprocedimento de exigir que a bomba depulverização fosse colocada no chão ou

sobre outro objeto que entendesseadequado (uma pequena mesa deplástico ou de ferro do tipo da que émuito utilizada por bares nas calçadas,por exemplo) para ser recarregada como defensivo agrícola. Se na suacondição de detentora do poder diretivo,não se importou em estabelecer umprocedimento diferente do que eraadotado pelo seu empregado (otratorista responsável em fazer arecarga da bomba de pulverização),colocando em risco a integridade físicado reclamante e demais obreiros,assumiu o risco e o resultado do seudescaso com a obrigação legal deproporcionar segurança no ambiente dotrabalho.

Ressalte-se, ainda, que,analisando a fotografia de f. 69 e oprocedimento para recarga da bombade pulverização, pode-se concluir queinclusive o tratorista, que operava osequipamentos da bomba de sucçãosentado no pára-lama do trator, tambémcorria sério risco de acidentar-se nomesmo objeto causador do acidente doreclamante. A(s) mangueira(s) dabomba de sucção deveria(m) ter umcomprimento que possibil itasse arecarga da bomba costal fora do riscode contato acidental com o eixo-engrenagem da bomba de sucção queficava girando em alta velocidade noprocesso de transferência do defensivoagrícola do tanque-pipa para a bombade pulverização manual.

De outra parte, a reclamada nãocomprovou que o reclamante recebeutreinamento para a função, ministraçãode instruções específicas para a tarefa,nem que o autor tenha recebidotreinamento em caráter preventivo deacidentes do trabalho, notadamente nomomento da recarga da bomba depulverização, como relatado nodocumento de f. 63.

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In vero, negligente mesmo foi areclamada que, para “facilitar” a recargada bomba, não exigia que fosserealizada com a bomba de pulverizaçãono chão, fora das costas do obreiro demodo a evitar contato com o referidoeixo-engrenagem da bomba de sucçãoque ficava em movimento acionado pelomotor do trator agrícola. Assim sendo,a reclamada assumiu, a meu sentir, osriscos e resultados do procedimentoinformado pela sua testemunha e pelopreposto, adotado na recarga dasbombas de pulverização.

Repiso, enfim, que o fato de oreclamante ter colocado o pé no chassido engate (como simulado nasfotografias de f. 66/70), no momento emque estava sendo recarregada a bombade pulverização nas suas costas, não ésuficiente para que seja considerado oculpado na efetivação do evento. Istoporque, se a reclamada tivesse tomadoo cuidado de providenciar um simplesanteparo móvel, de madeira, com alturade 1,00m (que deve custar em torno deR$150,00) para a proteção dos obreiros,poderia ter evitado o contato acidentalcom o eixo-engrenagem da bomba desucção, no qual ocorreu triste e graveacidente com o reclamante, que tevesua perna esquerda amputada,causando-lhe a incapacidade para asfunções que exercia e a perda de 65%da sua capacidade laborativa (videlaudo, f. 246) para outra função à qualdeverá ainda passar por processo dereadaptação profissional, além doinegável e profundo sofrimento com oinfortúnio. Se a reclamada tivesseprovidenciado proteção para o eixo-engrenagem da bomba de sucção, nãoteria, com certeza, ocorrido o trágicoacidente com o reclamante, que teveamputação traumática de sua pernaesquerda na altura de um terço da coxa.

A inarredável conclusão que se

extrai da prova documental e da provajudiciário-oral coligida nos autos é a deque, se houvesse uma proteção do eixo-engrenagem da bomba de sucçãoacoplada na carreta tanque-pipa,obrigação que cabia à reclamada, nãoteria o autor sido vítima do grave eviolento acidente que causou aamputação da sua perna esquerda. E,em se tratando de descumprimento deobrigação que competia à reclamadapara evitar o acidente, não se podeatribuir ao autor a culpa pela suaefetivação pelo fato de ter colocado opé no chassi da carreta-tanque “pipa”no momento em que se aproximou, coma bomba de pulverização nas costas, dopneu traseiro do trator, para serrecarregada com defensivo agrícolapelo tratorista.

Como preleciona o ilustradoDesembargador do Tribunal Regional doTrabalho desta Terceira Região,SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA9,

O núcleo conceitual da culpa, porconseguinte, está apoiado na falta deobservância do dever geral decautela ou de agir de modo que nãolese ninguém.

E continua o mesmo autor:

Savatier assevera que a culpa é ainexecução de um dever que oagente podia conhecer e observar.[...].

Para Aguiar Dias,

a culpa é a falta de diligência naobservância da norma de conduta,isto é, o desprezo, por parte do

9 In Indenizações por acidente do trabalhoou doença ocupacional, São Paulo: LTr,2005, p. 157-159.

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agente, do esforço necessário paraobservá-la, com resultado, nãoobjetivado, mas previsível, desdeque o agente se detivesse naconsideração das conseqüênciaseventuais da sua atitude.

Por tudo que até aqui foi expostoe com base nos já mencionadoselementos de prova dos autos, concluoque houve culpa, sim, da reclamada; enão culpa exclusiva da vítima(reclamante), veementemente alegada nadefesa. E essa conclusão não configuraa hipótese de exigir que a reclamadaagisse como se fosse uma pessoacautelosíssima ou supercautelosa. Aprevisibilidade de ocorrência de acidentedo trabalho com o eixo-engrenagem dabomba de sucção da carreta-tanque“pipa”, quando em movimento pelomotor do trator agrícola, sem a devidaproteção, está dentro da previsão denormalidade do homo medius. E fazerum singelo anteparo de madeira nãodemandaria custo que não pudessesuportar, ou, se tivesse simplesmentedeterminado que a recarga da bombade pulverização fosse realizada no chãoou sobre uma mesa, por exemplo, comojá dito, e não do modo declarado pelopreposto e pela testemunha, poderia tersido evitado o violento e trágico acidenteocorrido com o autor.

Na verdade o descaso dareclamada foi patente, pois, mesmotendo pessoa acompanhando apulverização, não cuidou deproporcionar segurança ao seutrabalhador. Para o capital, o cafezal,certamente, era mais importante do queo obreiro!

Não se pode colocar no limbo doesquecimento que: “A empresa éresponsável pela adoção e uso dasmedidas coletivas e individuais deproteção e segurança da saúde do

trabalhador” e é “dever da empresaprestar informações pormenorizadassobre os riscos da operação a executar”(§§ 1º e 3º do art. 19 da Lei n. 8.213/91);o empregador tem a obrigação legal decumprir e fazer cumprir as normas desegurança e medicina do trabalho e,também, instruir os empregados,através de ordens de serviço, quanto àsprecauções a tomar no sentido de evitaracidentes do trabalho (CLT, art. 157, I e II).

Deveria a reclamada ter buscadoa eliminação dos riscos para que fosseprotegida a integridade física doreclamante, inclusive cumprindo aobrigação de fiscalizar o corretodesempenho das funções exercidas porseus empregados. E pelo que sedepreende do contexto dos autos otécnico agrícola presente no local detrabalho estava muito mais“preocupado” com a lavoura de café doque com os trabalhadores. Tanto é que,pelo exame das fotos (f. 66/70) e daprova oral, verifica-se que o local ondeestava o trator agrícola e a carreta comtanque-pipa onde o acidente ocorreunão tem nenhuma proteção,funcionando o eixo-engrenagem dabomba de sucção totalmente livre, o quevem fortalecer a conclusão de que otrabalho foi exercido sem a observânciade nenhuma norma de proteção aotrabalho ou da legislação trabalhista.

A inobservância patronal anormas que estabelecem os deveres doempregador quanto à segurança,higiene e saúde do trabalhador leva àpresunção de sua culpa, por ser obastante para confirmar a suanegligência, caracterizando a culpa inomittendo. É que cabe ao empregadora obrigação de zelar pela segurança dosseus empregados e inclusive fiscalizare coibir eventuais condutas imprudentesno exercício das funções, consoante odisposto no art. 157 da CLT.

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Nesse sentido, a lição de MARIAHELENA DINIZ10:

No caso do acidente do trabalho,haverá culpa do empregador quandonão forem observadas as normaslegais, convencionais, contratuais eou técnicas de segurança, higiene esaúde do trabalho. É obrigação legalda empresa cumprir e fazer cumprirtais normas, instruindo osempregados quanto às precauçõesa tomar, no sentido de evitar acidentedo trabalho ou doençasocupacionais, prestandoinformações pormenorizadas sobreos riscos da operação a executar edo produto a manipular.

Nessas condições, ao tempo emque reputo que não restou comprovadapela reclamada a alegada culpaexclusiva do reclamante na efetivaçãodo acidente, mas sim que ela,reclamada, foi quem se houve comculpa grave pela ocorrência do acidentedo trabalho que vitimou o autor, e,estando presentes os demais requisitos/pressupostos legais (o dano e o nexocausal) que ensejam o dever deindenizar pelos danos (prejuízos)causados ao seu obreiro, mister seja oreclamante reparado pelos danossofridos.

j) Do pedido de indenização pordanos materiais/físicos: pensão mensale prótese

Postulou o reclamantepagamento de pensão mensal no valorequivalente a um salário mínimo e meioa partir de junho/2006 até que complete

70 anos de idade, ao argumento de queteve sua capacidade de trabalhoreduzida e em conseqüência progressoprofissional, bem como porque estárecebendo apenas meio salário mínimopor mês da Previdência Social. E alémda pensão mensal, postulou ainda sejaa reclamada condenada a arcar com aaquisição de prótese para que possaandar sem a utilização de muletas comoo vem fazendo.

Após contestar o pedido, areclamada, pelo princípio daeventualidade, que no caso dedeferimento do pleito em tela deve serlimitado à idade de 65 anos e ainda quepelo fato de o autor receber “pensãomensal previdenciária” implicaria bis ineadem (sic, f. 54, da defesa). E no quese refere à prótese vindicada, aduziuque, por dever de solidariedade cristã,deu entrada ao pedido junto à SecretariaMunicipal de Saúde de Novo Cruzeiro/MG, estando o nome do autor emsegundo lugar na ordem de espera deatendimento.

Esclareça-se, inicialmente, que oautor não está aposentado por invalidezacidentária e o valor mensal que recebedo INSS refere-se ao benefícioAUXÍLIO-ACIDENTE no valor(R$175,00 - doc. f. 30) correspondentea 50% do salário que percebia na épocado acidente (salário mínimo legal). E oreferido benefício foi concedidoexatamente porque o reclamante nãoestá incapacitado para qualquertrabalho, porquanto teve apenasredução decorrente da seqüela doacidente de que foi vítima.

Aliás, essa questão está bemdelineada no laudo pericial médico,assim resumida: incapacidade para asfunções que exercia; redução dacapacidade laboral na ordem de 65%,podendo, porém, trabalhar em outraatividade compatível com a sua

10 In Curso de direito civil brasileiro, SãoPaulo: Ed. Saraiva, 1994, v. 7, p. 10.

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condição física, após, evidentemente, areadaptação profissional, nos termos doart. 86 da Lei n. 8.213/91, segundo oqual

O auxílio-acidente será concedido,como indenização, ao seguradoquando, após a consolidação daslesões decorrentes de acidente dequalquer natureza, resultaremseqüelas que impliquem redução dacapacidade para o trabalho quehabitualmente exercia.

O deferimento do benefícioAUXÍLIO-ACIDENTE pelo INSS (doc. f.30) importou, por conseqüência, noreconhecimento de que o reclamanteteve redução da capacidade para otrabalho que habitualmente exercia, ouseja, para as funções que exercia nareclamada, incapacidade esta quetambém restou confirmada pelo médicoperito do juízo (laudo, f. 239/246 - cujaconclusão endosso) segundo o qual (i)há incapacidade para as funçõesexercidas anteriormente pelo autor nareclamada, (i i) há redução dacapacidade laborativa na ordem de 65%para outras funções mediante anecessária readaptação profissional.

O dano material decorrente daredução da capacidade laborativaenseja reparação que corresponda aoslucros cessantes, sendo aquilo que avítima perdeu e o que deixou de ganharem decorrência do dano, visando àrecomposição do patrimônio doacidentado ao mesmo patamar existenteantes do acidente. Essa a mens legisque exsurge do art. 950 do Código Civil.

Com efeito, dispõe o precitadodispositivo que:

Art. 950. Se da ofensa resultardefeito pelo qual o ofendido nãopossa exercer o seu ofício ou

profissão, ou se lhe diminua acapacidade de trabalho, aindenização, além das despesas dotratamento e lucros cessantes até aofim da convalescença, incluirápensão correspondente àimportância do trabalho para que seinabilitou, ou da depreciação que elesofreu. (destaquei)

Ao que interessa para o presentecaso, extrai-se do precitado dispositivolegal que ficou assegurada ao ofendidoa garantia do direito à indenização porincapacidade permanente quando omesmo não puder mais exercer seuofício ou profissão, consistente empensão correspondente à importânciado trabalho para que se inabilitou.Significa que a pensão deve ser no valorcorrespondente à importância: 1) dotrabalho para o qual se inabilitou avítima; ou 2) da depreciação que sofreu,quando a ofensa impossibil itar oexercício da profissão ou diminuir o valordo trabalho. E no caso o acidente dotrabalho típico de que foi vítima o autorlevou-o à incapacidade laborativa paraas funções que exercia na reclamada eà perda funcional na ordem de 65% paraoutras funções como constatado pelomédico perito do juízo (laudo, f. 246).

Segundo consta da carta deconcessão emitida pelo INSS (f. 30) aoautor, foi deferido, em razão dasseqüelas do acidente que resultaram naperda da capacidade para trabalhar nasfunções que exercia (Lei n. 8.213/91, art.86), o benefício de AUXÍLIO-ACIDENTEpelo INSS no valor de R$175,00 valoreste correspondente a 50% do saláriomínimo que era o seu salário mensalna reclamada (ficha de registro à f. 60)no mês de maio/2006.

Assim, tendo havido seqüelasque implicaram redução da capacidadepara o trabalho que o reclamante

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habitualmente exercia na reclamada,decorrentes do acidente do trabalho porculpa da reclamada, impõe-se odeferimento de pensão mensal, noimporte correspondente a 50%(cinqüenta por cento) do valor do saláriomínimo mensal, desde a data de24.05.2006 (16º dia contado do evento-acidente em 08.05.2006) para que sejacomplementada a renda proveniente dobenefício de modo a assegurar aoreclamante aquilo que perceberia se naativa estivesse na reclamada, até quecomplete 70 anos de idade (expectativade vida divulgada pelo IBGE). E essaforma de indenização (a título de pensãomensal) tem natureza reparatória, umavez que, a teor do disposto no art. 950do CCb, tem por escopo proporcionar arecomposição do patrimônio doacidentado ao mesmo patamar existenteantes do acidente do trabalho de quefoi vítima, pela óbvia lógica daequivalência matemática.

Fica, ainda, mais evidenciada anecessidade de indenização na formade pensão mensal, máximeconsiderando as dificuldades domercado de trabalho, sobretudo para odeficiente físico.

Diversamente do entendimentoda reclamada ventilado na defesa, obenefício de AUXÍLIO-ACIDENTE sónão pode ser acumulado com obenefício de APOSENTADORIA. Assim,não há vedação legal de cumulação daindenização por danos materiais(pensão mensal) ora deferida ao autorcom benefício previdenciário deAUXÍLIO-ACIDENTE, concedido peloINSS, forte no disposto no § 3º do art.86 da Lei n. 8.213/91 e no entendimentosufragado na Súmula n. 229 doSupremo Tribunal Federal. Emconseqüência, não há se falar emcontemplação do bis in idem com odeferimento da pensão mensal ao autor.

De outro tanto, ainda que setratasse de benefício de aposentadoriapor invalidez, perfilho do entendimentono sentido de que é possível acumulação da indenização por danomaterial (pensão mensal), que éinerente à responsabilidade civil (CF/1988, art. 7º, inciso XXVIII; CCb, arts.186, 927 e 950), com o respectivobenefício previdenciário que o autorestivesse recebendo em decorrência doacidente do trabalho que acarretou nasua incapacidade laborativa para oofício (função) que exercia. Isto porquese trata de situações distintas deindenização, totalmente autônomas.

De um lado, a prestaçãoprevidenciária (benefício previdenciário)advém do seguro social compulsório(seguro de acidente do trabalho, nopercentual de 1%, 2% ou 3% incidentesobre o valor da remuneração bruta dafolha de pagamento, pago pelosempregadores, de acordo com o tipo egrau de risco da atividade conformeprevisto em lei) e da contribuiçãoprevidenciária (cota-parte do empregadore do empregado) e tem substrato na teoriada responsabilidade objetiva onde não sediscute a culpa pelo dano.

E, de outra banda, a indenizaçãopor dano material (na forma de pensãomensal) decorrente do acidente dotrabalho está assentada naresponsabilidade civil, na teoria daresponsabilidade subjetiva, segundo aqual, como já dito, não só o dano deveser demonstrado, mas também a culpae o nexo causal entre a conduta comdolo ou culpa do empregador e o dano.

Diante da conclusão do expert (f.246) e considerando a atividade detrabalhador braçal na zona rural, não há,a meu sentir, pressuposto fático-jurídicopara o deferimento de pensão mensalno valor equivalente a 1,5 saláriomínimo legal como postulado na inicial.

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Não há elementos de prova - nemindiciária - de que o autor pudessechegar a ser um encarregado dafazenda. Aliás, pelos contratos detrabalho anotados na sua CTPS (f. 20/24), sempre executou serviços detrabalhador braçal na zona rural.

Na avaliação de todo oprocessado nos autos, como já explicitadoalhures, ficou evidenciado que areclamada se houve com culpa naefetivação do evento-acidente que causoua amputação da perna esquerda do autor.Assim sendo, deve responder pelaindenização por dano material,consubstanciada em pensão mensal, combase no art. 950 do Código Civil (aplicávelao caso, CLT, art. 8º e seu parágrafoúnico). Assim, condeno a reclamada apagar ao reclamante pensão mensal novalor correspondente a 50% do saláriomínimo, a partir de 24.05.2006 atécompletar 70 anos de idade levando-seem linha de conta a expectativa de vidade 70 anos, para o homem, divulgada peloIBGE, parcelas vencidas e vincendas.

Para apuração do montante dasparcelas vencidas da pensão mensal, apartir de 24.05.2006, deverão serobservados os seguintes critérios: a)valor original equivalente a 50% dosalário mínimo vigente no respectivomês; b) atualização monetária na formado art. 39 da Lei n. 8.177/91; c) juros demora, na base de 1% ao mês, contadosde forma simples, a partir do ajuizamentoda ação, na forma do art. 883 da CLT e §1º do art. 39 da Lei n. 8.177/91.

Para que não pairem dúvidas, ovalor das parcelas vincendas da pensãomensal sempre será equivalente a 50%(cinqüenta por cento) do salário mínimolegal.

No que toca ao pedido para acondenação da reclamada na aquisiçãode prótese para o reclamante, impõe-se o deferimento. O fato de a reclamada

ter enviado ofício à Secretaria Municipalde Saúde do Município de NovoCruzeiro solicitando prótese para oreclamante não a exime da obrigaçãodecorrente da sua responsabilidade civilcomo empregadora. Assim, com basenos mesmos fundamentos supra-expendidos, e, em decorrência do danofísico com a amputação traumática dasua perna esquerda na altura de umterço da coxa no acidente do trabalho,condeno a reclamada a adquirir para oreclamante prótese indicada por médicoortopedista, no prazo de 10 (dez) diasdo trânsito em julgado, sob pena demulta de R$500,00 (quinhentos reais)por dia de atraso, até o limite deR$20.000,00 (vinte mil reais).

Responderá ainda a reclamadapela aquisição de nova prótese sempreque se fizer necessária a substituiçãopelo seu desgaste de uso ou porexigência de substituição pordeterminação de médico ortopedista.

E para que não pairem dúvidas,a substituição da prótese, em qualquercaso, sempre será mediante prescriçãode médico ortopedista.

Improcede a pretensão quantoao pagamento do valor correspondentea 100 (cem) salários mínimos a títulode reparação de “danos físicos”,individualmente, porquanto aindenização por sentimento de dor pelalesão física sofrida será compreendidana indenização por danos morais e aparte de natureza material já foi atendidacom a condenação da reclamada naaquisição de prótese para substituiçãodas muletas que vêm sendo utilizadaspelo reclamante.

l) Do pedido de indenização pordano moral e danos estéticos

Postulou o reclamante opagamento de indenização por dano

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moral no valor correspondente a 100(cem) salários mínimos pela dor íntima,angústia decorrente de ser consideradoincapaz para a função que exercia e dodoloroso acidente de que fora vítima porculpa da reclamada e ainda indenizaçãopelos danos estéticos, no mesmo valor,decorrentes da lesão física com perdade um membro do seu corpo(amputação traumática da pernaesquerda na altura de um terço da coxa)no mencionado acidente do trabalhonoticiado na inicial.

A reclamada, depois de alegar aculpa exclusiva do reclamante naefetivação do acidente, aduziu que osdanos estéticos estão compreendidosno conceito de danos morais e, por isso,não tem cabimento a pretensão obreirade indenização separadamente de ume outro.

Pela sua certeza e evidênciatornou-se indiscutível nos autos que oreclamante sofreu acidente do trabalho,no momento em que estava sendorecarregada, nas suas costas, comdefensivo agrícola, a bomba depulverização, quando, ao colocar o seupé no chassi da “carreta-pipa” engatadano trator (vide fotos de f. 66/68), teve abarra de sua calça enrolada pelo eixo-engrenagem da bomba de sucçãoinstalada na “carreta-pipa”, sua perna foiviolentamente puxada e resultou naamputação traumática da pernaesquerda, sofrendo, assim, lesãopermanente. Assim, em face das gravesconseqüências do acidente, não tenhodúvida de que o autor sofreu e aindasofre danos morais caracterizados -como já dito - pela lesão ao chamadopatrimônio ideal ou imaterial doindivíduo que é composto pelo conjuntode valores morais e espirituais queasseguram a sua integridade psíquica.

Como leciona o DesembargadorJúlio Bernardo do Carmo

o que configura o dano moral éaquela alteração no bem-estarpsicofísico do indivíduo, nanormalidade da vida, resultandoalteração desfavorável e causandoalteração no estado de ânimo dapessoa, dor, medo, angústia.

Nesse diapasão, esse malsofrido pelo reclamante em suasubjetividade, em sua intimidadepsíquica, decorrente das conseqüênciasdo trágico acidente do trabalho de quefoi vítima, frise-se, por culpa dareclamada, pelos fundamentos jáexpendidos em tópico próprio, merecea devida reparação.

A ementa do v. acórdão da lavrado Desembargador Sebastião Geraldode Oliveira traduz em palavras, demodo singular, o sofrimento decorrentepela lesão ao patrimônio imaterial,verbis:

ACIDENTE DO TRABALHO - DANOMORAL - INDENIZAÇÃO. No quetange à indenização por dano moral,em razão de acidente do trabalho,pouco importa que posteriormente oempregado passe a levar uma vidapraticamente normal, até mesmocom o retorno a alguma atividadelaborativa: a reparação é devida.“Dir-se-á, no caso em apreço, que oreclamante tem uma vida quasenormal e que o fato de ter retornadoao trabalho culminou por reparar odano; contudo, a dor que dilacerou-lhe a alma, pelos danos estéticosdetectados pela perícia e por sentir-se um inútil e incapaz, semperspectivas normais de emprego,notadamente na de vaqueiro, quesempre exerceu, dada aincapacidade laborativa parcialdetectada pela perícia,evidentemente ainda invade o seu

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íntimo, até porque jamais executará,com a mesma perfeição, as tarefasque outrora executava. O sofrimento,neste caso, deriva muito mais daangústia de saber que jamais seráum homem fisicamente perfeito e desaber que tudo foi sofrido poromissão e negligência injustificáveisdo reclamado”. (Juiz Hudson TeixeiraPinto - Sentença recorrida).(TRT 3ª R. - RO 01252-2003-099-03-00-3 - 6ª T. - Rel. Juiz SebastiãoGeraldo de Oliveira - DJMG03.02.2005)

Não há necessidade deexacerbar o dano moral e os danosestéticos como, subliminarmente, querfazer crer a reclamada em sua teseempresária, na medida em que asfotografias do reclamante acostadas àsf. 37 e 38 falam por si. Como dizem oschineses, “uma imagem vale mais doque mil palavras”. Não há, no presentecaso, diante das seqüelas originárias doacidente do trabalho ocorrido com oautor, por culpa da reclamada,necessidade de tecer mais comentáriosquanto a indizível dor física e moralsofrida pelo reclamante na época doacidente e da inegável dor que vemexperimentando (e por certoexperimentará enquanto viver) após aconsolidação das lesões e a definitivaconclusão de incapacidade laborativade realizar os mesmos trabalhos queexercia antes do acidente.

E, quanto aos danos estéticosdecorrentes da lesão permanente comamputação traumática de sua pernaesquerda, não há dúvida de que, apesarde se situar a dor pela perda do membrodo corpo na esfera da subjetividade,pode ter avaliação distinta,considerando que os danos estéticos,como leciona o DesembargadorSebastião Geraldo de Oliveira,

Enquadra-se no conceito de danoestético qualquer alteraçãomorfológica do acidentado como, porexemplo, a perda de algum membroou mesmo um dedo, uma cicatriz ouqualquer mudança corporal quecause repulsa, afeiamento ouapenas desperte a atenção por serdiferente.(Processo n. 01364-2006-078-03-00-6 RO - DJMG de 25.05.2007)

Sem embargo a entendimentosem contrário, perfilho do entendimentode que, conquanto estejam os danosestéticos compreendidos no gênerodano moral, não há óbice à fixação devalor de indenização distinta, para ume outro, na medida em que o dispostono artigo 949 do Código Civil agasalhaessa possibilidade. Nesse sentido osseguintes julgados:

DANO ESTÉTICO - INDENIZAÇÃO.Mesmo estando os danos estéticoscompreendidos no gênero danomoral, a doutrina e a jurisprudênciaevoluíram para deferir indenizaçõesdistintas quando esses danos forempassíveis de apuração em separado,com causas inconfundíveis. Osdanos estéticos estão vinculados aosofrimento pela deformação quedeixe seqüelas permanentes,facilmente percebidas, enquanto odano moral está ligado ao sofrimentoe todas as demais conseqüênciasnefastas provocadas pelo eventodanoso. Enquadra-se no conceito dedano estético qualquer alteraçãomorfológica do acidentado como, porexemplo, a perda de algum membroou função, até mesmo um dedo, umacicatriz ou qualquer mudançacorporal que cause repulsa,afeiamento ou apenas desperte aatenção quanto ao que se torna

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“diferente”. Como há previsãonormativa específica para o danoestético (art. 949 do Código Civil),arbitra-se uma indenização paraesse fim e outra a título de danosmorais para os demais danosextrapatrimoniais causados à pessoado acidentado.(TRT da 3ª R - RO 01364-2006-078-03-00-6 - 2ª T. - Des. SebastiãoGeraldo de Oliveira - DJMG de25.05.2007)

DANO MORAL X DANOSESTÉTICOS - CUMULATIVIDADE. Odano moral caracteriza-se pela lesãoocasionada ao patrimônio imaterial doindíviduo, entendido este como oconjunto dos valores garantidores desua integridade psíquica, que, umavez lesionados, são capazes decausar-lhe grandes dores de ordempsicológica, traduzidas em sofrimentoemocional. Já o dano estético refere-se às lesões ocasionadas naharmonia física da vítima, capazes decausar-lhe grande constrangimentoem virtude da exposição do indivíduolesionado apresentandodeformações em sua compleiçãofísica, tais como perda de membros,cicatrizes ou movimentos corporais.Malgrado o dano estético situe-se noâmbito das lesões de ordem moral,com ele não se confunde, poisrepresenta um sofrimento adicionalàs dores da vítima que já se encontraabalada em sua esfera psico-emocional decorrente do infortúnio.Dessa forma, inexiste qualquer óbicepara a condenação cumulada dedano moral e estético decorrente deum mesmo fato.(TRT 10ª R. - RO 01079-2005-016-10-00-0 - 1ª T. - Rel. Juíza ElaineMachado Vasconcelos - J.12.07.2006)

Constitui obrigação legal doempregador velar pela integridade físicado empregado no seu ambiente detrabalho. Como no presente casorestaram evidenciados os pressupostosda responsabilidade civil, caracterizadaa culpa da reclamada pelo nexo decausalidade entre a inobservância dasnormas mínimas de segurança dotrabalho e o acidente sofrido peloreclamante, de que resultou: (i) aamputação traumática da pernaesquerda na altura do um terço da coxa,(ii) a incapacidade para trabalhar nasmesmas funções que exercia antes doacidente, (iii) a redução da capacidadelaborativa para outra função mediantereadaptação profissional, (iv) o danoestético e (v) limitação das atividadescotidianas, configurada está a obrigaçãode reparação do dano moral e estéticoao reclamante.

A dor sentida na alma peloreclamante ao ser colocado,precocemente, à margem do mercadode trabalho, sendo considerado peloINSS como incapacitado para trabalharnas mesmas funções que exercia nareclamada pela concessão do auxílio-acidente previsto no art. 86 da Lei n.8.213/91, mais a conclusão médica(laudo, f. 246) de redução permanenteda capacidade para o trabalho na ordemde 65%; a angústia, a sensação dedecadência e de inutilidade, a dor naalma experimentada pelo autor pelaamputação traumática de sua pernaesquerda, decorrente de acidente dotrabalho por culpa da reclamada, nãopodem ser estimados em pecúnia,porque a dor não tem preço!

Por ser o dano moral de valorinestimável, a reparação legal (apesar deser fixada em valor pecuniário) impostaao ofensor (a reclamada), deferindo umaimportância à vítima (a reclamante),arbitrada pelo julgador, tem por escopo

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compensar por esse conjunto desentimentos negativos que passou aafligir a sua alma, e sancionar o ofensorculpado pelo evento-acidente queacarretou a incapacidade para a funçãoque exercia (auxiliar de enfermagem),como medida didático-pedagógica parainibir o incorrer em novo ato ilícito.Portanto, de um lado visa compensar osofrimento experimentado pela vítimadeferindo-lhe uma certa soma para quepossa ter condições financeiras deprocurar um tratamento psicológico parareconquistar sua auto-estima e eventualdepressão causada pela sensação deinutil idade, desenvolver novasatividades intelectual ou moral, artística,entretenimento, etc. para superação dossentimentos negativos e a da “dor quedeveras sente”; e, de outro, punir oinfrator pela ofensa a um bem jurídicoda vítima (direito da personalidade) paraque não reincida no ilícito.

Nesse sentido, calha colacionarjudicioso aresto:

A indenização, em caso de danosmorais, não visa reparar, no sentidoliteral, a dor, a alegria, a honra, atristeza ou a humilhação; são valoresinestimáveis, mas isso não impedeque seja precisado um valorcompensatório, que amenize orespectivo dano, com base emalguns elementos como a gravidadeobjetiva do dano, a personalidade davítima, sua situação familiar e social,a gravidade da falta, ou mesmo acondição econômica das partes.(STJ, 5ª Turma, RESp. n. 239.973/RN, Rel.: Min. Edson Vidigal, j.16.05.2000 - pub. no DJU de12.06.2000, p. 129)

Nas sábias palavras de LUIZ DACUNHA GONÇALVES, a indenização, areparação do dano moral pela

condenação do ofensor em pagar umasoma à vítima “não é remédio, queproduza a cura do mal, mas sim umcalmante. Não se trata de suprimir opassado, mas sim de melhorar ofuturo”11 e, digo mais, seria maiseficiente se se pudesse melhorar opresente!

No que toca à prova do danomoral, notadamente no presente casoé dispensável a prova das repercussõescausadas pelo acidente do trabalho(até porque estão a olho nu), bastando,tão-somente, a culpa da reclamada naefetivação do evento-acidente, jádemonstrada nos autos. Comprovado oevento-acidente, o dano, e a culpa dareclamada, decorre a presunção dosfeitos negativos na pessoa doacidentado. Como ensina CARLOSALBERTO BITTAR12,

não se cogita, em verdade, pelamelhor técnica, em prova de dor, oude aflição, ou de constrangimento,porque são fenômenos ínsitos naalma humana como reações naturaisa agressões do meio social.Dispensam, pois, comprovação,bastando, no caso concreto, ademonstração do resultado lesivo ea conexão com o fato causador, pararesponsabilização do agente.

Quando se trata de dano moraldecorrente de acidente do trabalho, nãoserá necessário provar o resultadoofensivo, pois o próprio fato justifica aocorrência do dano. Portanto,desnecessária a demonstração de que

11 In Tratado de direito civil, 1957, vol. 12,Tomo II, p. 543, apud SEBASTIÃOGERALDO DE OLIVEIRA, op, cit., p. 118.

12 In Reparação civil por danos morais, 3. ed.,2ª tiragem, São Paulo: Editora RT, 1999,p. 136.

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o autor (vítima) tenha passado porperíodo de sofrimento, dor, humilhação,depressão, baixa auto-estima, etc., porse tratar de sentimentos próprios danatureza humana, bastando acomprovação do fato-evento lesivo e doato ilícito do ofensor (reclamada), jácabalmente evidenciado, uma vez quea reclamada não comprovou que oacidente do trabalho ocorreu por culpaexclusiva do reclamante (vítima) comoalegado na defesa.

O eminente professor eDesembargador SEBASTIÃOGERALDO DE OLIVEIRA, em suafestejada obra Indenizações poracidente do trabalho ou doençaocupacional, São Paulo: LTr, 2005, p.120), preleciona:

Entendemos incorreta a postura dealguns magistrados que colocamcomo pressuposto da indenização aprova de que o lesado passou porum período de sofrimento, dor,humilhação, depressão, etc. Ora, édesnecessário demonstrar o queordinariamente acontece e quedecorre da própria natureza humana.Nesse sentido também a posiçãodoutrinária de Sérgio Cavalieri Filho:

“O dano moral está ínsito na própriaofensa, decorre da gravidade doilícito em si. Se a ofensa é grave ede repercussão, por si só justifica aconcessão de uma satisfação deordem pecuniária ao lesado. Emoutras palavras, o dano moral existein re ipsa; deriva inexoravelmente dopróprio fato ofensivo, de tal modoque, provada a ofensa, ipso factoestá demonstrado o dano moral àguisa de uma presunção natural,uma presunção hominis ou facti, quedecorre das regras da experiênciacomum.”

No tocante ao arbitramento dovalor da indenização por dano moral -uma vez que não há parâmetros - estápacífico o entendimento no sentido deque a fixação do quantum indenizatóriofica a critério do prudente arbítrio dojulgador à luz dos princípios darazoabilidade e da proporcionalidade demodo que a reparação possaproporcionar à vítima certa satisfaçãopara superar a dor moral sofrida eproduza impacto ao ofensor para inibi-loda prática de novo ato lesivo, cuidando-se,ainda, para que a indenização não sejamotivo de ruína do empregador.

Importante registrar que o danomoral é de difícil aferição aritmética, nãohavendo como tarifar a humilhação, abaixa auto-estima, a angústia, a dor, osofrimento interiores. O valor fixado nãotem o significado de precificar o danomoral, porque o que se pretende repararé a dignidade da pessoa humana. Nessepasso, muito mais importante do que ovalor pecuniário que se vai receber é osentimento interior de reconhecimentode realização da justiça, a certeza deque o empregador que magoou e feriurecebeu a punição prevista em lei.

Vale a pena, nesse diapasão,evocar a lapidar lição do inolvidávelmestre civilista CAIO MÁRIO13, para oqual a vítima

[…] deve receber uma soma que lhecompense a dor ou o sofrimento, aser arbitrado pelo juiz, atendendo àscircunstâncias de cada caso, e tendoem vista as posses do ofensor esituação pessoal do ofendido. Nemtão grande que se converta em fontede enriquecimento, nem tão pequenaque se torne inexpressiva.

13 In Responsabilidade civil, 9. ed., 8ª tiragem,Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 60.

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Inclusive para que a imposiçãoda indenização não perca sua finalidadede sanção e de medida didático-pedagógica inibidora da reincidência naprática de ato ilícito.

Oportuna ainda é a lição docitado autor (in Instituições de direitocivil, vol. II, 8. ed., p. 235):

Na acepção tradicional, comotécnica de afastar ou abolir oprejuízo, o que há de preponderar éum jogo duplo de noções:a) De um lado, a idéia de punição aoinfrator, que não pode ofender emvão a esfera jurídica alheia; não setrata de imiscuir na reparação umaexpressão meramente simbólica, e,por esta razão, a sua condenaçãonão pode deixar de considerar ascondições econômicas e sociaisdele, bem como a gravidade da faltacometida, segundo um critério deaferição subjetivo; mas não vai aquiuma confusão entreresponsabilidade penal e civil, quebem se diversificam; a punição doofensor envolve uma sanção denatureza econômica, em benefícioda vítima, à qual se sujeita o quecausou dano moral a outrem por umerro de conduta.b) De outro lado, proporcionar àvítima uma compensação pelo danosuportado, pondo-lhe o ofensor nasmãos uma soma que não é o pretiumdoloris, porém uma ensancha dereparação da afronta; mas repararpode traduzir, num sentido maisamplo, a substituição por umequivalente, e este, que a quantia emdinheiro proporciona, representa-sepela possibilidade de obtenção desatisfações de toda espécie, comodizem MAZEAUD et MAZEAUD,tanto materiais quanto intelectuais,e mesmo morais.

A ilustre Profª Maria HelenaDiniz, citada por Clayton Reis, in Danomoral, Forense, 4. ed., 1995, p. 87,preconiza que:

[...] o dinheiro não repara a dor, amágoa, o sofrimento ou a angústia,mas apenas aqueles danos queresultarem da privação de um bemsobre o qual o lesado teria interessereconhecido juridicamente. O lesadopode pleitear uma indenizaçãopecuniária em razão de dano moral,sem pedir um preço para sua dor,mas um lenitivo que atenue, emparte, as conseqüências do prejuízosofrido, melhorando seu futuro,superando o deficit acarretado pelodano.

Outrossim, o mesmo pensarCAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, nasua obra Responsabilidade civil,Forense, 3. ed., 1992, p. 338, verbis:

[...] o dinheiro serve para oferecer (aoofendido) a oportunidade deconseguir uma satisfação dequalquer espécie, seja de ordemintelectual ou moral, seja mesmo decunho material, o que pode serobtido no fato de saber que estasoma em dinheiro pode amenizar aamargura da ofensa e de qualquermaneira o desejo de vingança.

Não destoa a jurisprudência:

Em matéria de dano moral, o valorda indenização há de ser suficientetanto para facilitar a que o ofendidoobtenha lenitivos para sua dor, nãopela quantif icação em termosmateriais, como, também, porque,mercê da indenização respectiva,poderá cercar-se de condições desobrevivência mais compatíveis com

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sua dignidade de pessoa humana,tornando-a mais apta aoenfrentamento diuturno de suadeficiência. Além disso, talcondenação tem o efeitopedagógico, no sentido de tornar asociedade efetivamente maishumana, colocando-a sob a égidedos princípios éticos impedientes edissuasivos de condutas quais a queteve a ré.(TAMG, 1ª Câm. Civil, Apel. Cível213.381-9 - Rel. Juiz Paris Pena, j.11.jun.1996, DJMG)

DANO MORAL - INDENIZAÇÃO.Para se fixar o valor da indenizaçãopor danos morais, de acordo com oprudente arbítrio do juiz, deve-selevar em conta o caráter punitivo emrelação ao empregador ecompensatório ou reparatório emrelação ao empregado, evitando-seque a importância fixada propicie oenriquecimento ilícito do trabalhador,mas também que seja inexpressivaa ponto de nada representar para aempresa, considerando sua situaçãoeconômico-financeira.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-20523/00, Rel. Juiz Mauricio GodinhoDelgado, pub. no Minas Gerais de20.03.2001)

Em suma, na fixação do valor daindenização por dano moral (de acordocom o princípio do boni arbitrium),deve-se levar em conta o caráterpedagógico, em relação ao empregador,e reparatório, em relação aoempregado, evitando-se que o valorfixado propicie o enriquecimento ilícitodo obreiro, e que seja inexpressivo, aponto de nada representar para aempresa. Logo, a satisfação pecuniárianão pode produzir enriquecimento àcausa do empobrecimento alheio.

Por todo o expendido einexistindo parâmetro objetivo nalegislação brasileira, impõe oarbitramento do valor da reparação pelojuízo de eqüidade, levando-se em linhade conta os seguintes critérios: 1) o graude culpa da reclamada e a gravidadedos efeitos do acidente no reclamante;2) a posição socioeconômica do ofensore a condição social do reclamante; 3) ovalor não pode servir paraenriquecimento da vítima nem pararuína do ofensor; 4) o valor deve serfixado para compensar o dano moral eestético e servir de sanção paradissuadir a reclamada a não incorrer emnovo ato ilícito.

Nessas condições econsiderando: 1) a culpa grave dareclamada na efetivação do evento-acidente; 2) os graves efeitos doacidente na vida do autor econsiderando que dinheiro algum pagaa dor, o sofrimento, a angústia por tersido o reclamante precocementecolocado à margem do mercado normalde trabalho, como deficiente físicodecorrente do acidente do trabalho(servindo a indenização apenas paraproporcionar certa compensação naalma por proporcionar a mitigação dosofrimento); 3) que o reclamante exerciaas funções de trabalhador braçal nafazenda da reclamada e terá, comcerteza, grande dificuldade derecolocação no mercado de trabalho,dada a sua deficiência física e baixaescolaridade; 4) que a indenização deveter função didático-pedagógica paraservir de punição e motivo deobservância das normas de segurançado trabalho; 5) a capacidadeeconômico-financeira da reclamada; 6)a condenação da reclamada naaquisição de prótese para o reclamantenos termos da fundamentação no tópicoespecífico; 7) o princípio da eqüidade e

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do boni arbitrium; JULGOPROCEDENTES os pedidos em tela,para condenar a reclamada a pagar aoreclamante a importância deR$40.000,00 (quarenta mil reais) a títulode indenização por dano moral e aimportância de R$20.000,00 a título deindenização por danos estéticos, porentender esses valores justos ecompensatórios e que melhor atendemaos parâmetros da razoabilidade e daproporcionalidade, no contextoespecífico do presente caso.

Os valores das indenizaçõesdeverão ser corrigidos monetariamentea partir desta sentença nos termos doart. 39 da Lei n. 8.177/91 e acrescidosde juros de 1% ao mês, contado deforma simples, pro rata die, a partir doajuizamento da ação (§ 1º do art. 39 damesma Lei e art. 883 da CLT).

2.2.2 Adicional deinsalubridade e reflexos

Na ótica da reclamada oreclamante não trabalhavahabitualmente exposto a agente nocivoà sua saúde e nos meses que se ativoufoi efetuado o pagamento do adicionalde insalubridade.

Realizada a perícia paraapuração da insalubridade (laudo de f.211/225), restou caracterizada ainsalubridade em grau médio, porexposição a agente químico em caráterhabitual no trabalho de “capina química”na fazenda da reclamada e exposiçãoa defensivos agrícolas.

A avaliação ambiental feita pelareclamada (doc. f. 225) comprova aexposição a defensivos agrícolas emcaráter habitual, aplicados na lavoura decafé, o que sepulta a sua tese deexposição eventual a agenteinsalutífero.

A propósito, a testemunha da

reclamada declarou: que era aplicadodefensivo agrícola na lavoura de caféno decorrer do ano e “era batido remédiomuitas vezes porque a lavoura eragrande”; que na época das chuvas eraaplicado outro tipo de defensivo agrícolana preparação do solo.

E, enfim, a impugnação dareclamada ao laudo não trouxe qualquerelemento apto a infirmar a conclusão doperito nem restou comprovado que osEPIs listados às f. 222 e 225neutralizavam a insalubridade e aconclusão do perito de que a prestaçãode trabalho se dava em condições deinsalubridade e o seu enquadramentoem grau médio encontra-se emconsonância com a legislação em vigor(NR-15, Anexo 1 da Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho).

Desse modo, comprovadoatravés de perícia técnica e testemunhalque o autor laborou habitualmente emambiente insalubre em grau médio enão tendo a reclamada o pagamento daverba devida em todos os meses docontrato de trabalho até a data doafastamento em 05.05.2006, oreclamante faz jus à percepção doadicional de insalubridade, na base de20% (vinte por cento) sobre o saláriomínimo legal (CLT, art. 192; OJ n. 02 daSDI-I do Colendo TST), no período deagosto a dezembro de 2003.

Do expendido, endossando olaudo pericial, julgo PROCEDENTE opedido em tela para condenar areclamada a pagar ao reclamante oadicional de Insalubridade em graumédio, no valor correspondente a 20%sobre o salário mínimo conformeentendimento contido na OJ n. 02 daSDI-I, com os conseqüentes reflexos,nos 13º salários, férias com 1/3 e noFGTS, por se tratar de verba de carátersalarial que integra a remuneração (CLT,art. 457, § 1º).

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O FGTS incidente sobre oadicional de insalubridade deverá serdepositado na conta vinculada do autorna Caixa Econômica Federal, com osacréscimos previstos no art. 22 da Lein. 8.036/90, por se encontrar em vigoro seu contrato de trabalho.

Fica autorizada a dedução dosvalores pagos a idênticos títulosobservada a orientação contida naSúmula n. 187 do Colendo TribunalSuperior do Trabalho.

2.2.3 Jornada de trabalho -Horas in itinere - Reflexos

Dispõe o § 2º do art. 58 da CLT,acrescentado pela Lei n. 10.243, de19.06.2001, DOU 20.06.2001:

O tempo despendido peloempregado até o local de trabalho epara o seu retorno, por qualquer meiode transporte, não será computadona jornada de trabalho, salvoquando, tratando-se de local de difícilacesso ou não servido por transportepúblico, o empregador fornecer acondução.

Antes de ser acrescentado o §2º ao art. 58 da CLT, pela Lei n. 10.243(DOU de 20.06.2001), havia muitadiscussão sobre questões, tais como:transporte gratuito, local de difícilacesso, e quanto a estar ou não o trajetoservido por transporte público regular ea compatibilidade entre o horário dotransporte público com o início e términodo expediente, tendo o Colendo TribunalSuperior do Trabalho firmadoentendimento através da Súmula n. 90no sentido de reconhecer o direito dereceber as horas concernentes aotempo despendido pelo empregado, emcondução fornecida pelo empregador,até o local de trabalho de difícil acesso,

ou não servido por transporte públicoregular, e para o seu retorno, por sercomputável na jornada de trabalho.

Eis o entendimento do C. TSTcristalizado na Súmula n. 90, litteris:

I - O tempo despendido peloempregado, em condução fornecidapelo empregador, até o local detrabalho de difícil acesso, ou nãoservido por transporte públicoregular, e para o seu retorno écomputável na jornada de trabalho.(ex-Súmula n. 90 - RA 80/1978, DJ10.11.1978)

II - A incompatibilidade entre oshorários de início e término dajornada do empregado e os dotransporte público regular écircunstância que também gera odireito às horas in itinere. (ex-OJ n.50 - Inserida em 01.02.1995)

III - A mera insuficiência de transportepúblico não enseja o pagamento dehoras in itinere. (ex-Súmula n. 324 -RA 16/1993, DJ 21.12.1993)

IV - Se houver transporte públicoregular em parte do trajeto percorridoem condução da empresa, as horasin itinere remuneradas limitam-se aotrecho não alcançado pelo transportepúblico. (ex-Súmula n. 325 RA 17/1993, DJ 21.12.1993)

V - Considerando que as horas initinere são computáveis na jornadade trabalho, o tempo que extrapolaa jornada legal é considerado comoextraordinário e sobre ele deve incidiro adicional respectivo. (ex-OJ n. 236- Inserida em 20.06.2001).

Por evidente que o entendimentocontido na Súmula n. 90, I, estava, antes

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da referida Lei, assentado no art. 4º daCLT, considerando como tempo àdisposição do empregador. Isto porque,a comodidade com o fornecimento decondução pela empresa a beneficiatambém e não tão-somente oempregado, pois gera maiorprodutividade e, no final, mais lucro e, oempregado, por sua vez, tem comobenefício apenas o transporte gratuito.E, com a utilização do transporte peloempregador, isso faz com que ele,empregado, já esteja à disposição deseu empregador, uma vez que, casocontrário, não chegará o obreiro nohorário determinado para sua jornadana empresa. Logo, o empregado, decerta forma, já está cumprindo com suasobrigações, atendendo à determinaçãoda empresa de ficar à disposição parainiciar sua jornada no horário previstono contrato.

Com a edição da Lei n. 10.243/2001 (DOU 20.06.2001), queacrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 58 daCLT, ficou assegurado aos empregadosque usufruam de transporte fornecidopelo seu empregador o direito a receberas horas despendidas no percurso,quais sejam, as despendidas no trajetoaté o local de trabalho e no retorno aolocal de origem.

Assim, a lei tornou definitivo odireito às horas que abrangem o períododestinado ao transporte de funcionários,desde o local de origem até o local detrabalho, desde que atendidos aosseguintes requisitos: a) local de difícilacesso ou não servido por transportepúblico; b) o empregador fornecer acondução; e, ainda; c) incompatibilidadeentre os horários de início e término dajornada do empregado e os do transportepúblico regular é circunstância quetambém gera o direito às horas in itinere,conforme item II da Súmula n. 90 doTribunal Superior do Trabalho.

No caso dos autos, restoucomprovado que: (i) a reclamada forneciacondução ao reclamante e demaisempregados de ida e volta para o localde trabalho; (ii) não ficou comprovadopela reclamada que havia transportepúblico coletivo no horário compatívelcom o horário de início e término dajornada que era exigida; e (iii) o tempogasto no percurso era em média de 15minutos para ida e 15 minutos para volta(confessado pelo preposto). Julgoprocedente o pedido em tela e condenoa reclamada a pagar ao reclamante 30minutos por dia, a título de horas initinere, como horas extras, com oadicional legal de 50%, da data deadmissão até 08.05.2006, nos diasefetivamente trabalhados, como ficarapurado em liquidação de sentença, porcálculos, mais os conseqüentes reflexos,por habituais, nas verbas de fériasacrescidas de 1/3 (CLT, arts. 142, § 5º;146), nos 13º salários (Lei n. 4.090/62,arts. 1º e 3º) observando-se obalizamento dado pela Súmula n. 347do TST e períodos aquisitivos de cadauma das respectivas parcelas, na formaprevista em lei; e no FGTS (Lei n.8.036/90, arts. 15; 18, § 1º).

2.2.4 Salários de abril/2006 esalário de maio/2006 (23 dias) -Depósitos de FGTS após o acidentedo trabalho

O reclamante reconheceu, emseu depoimento pessoal, que recebeuo salário do mês de abril/2006 e o saláriointegral do mês de maio/2006, tendo seuirmão assinado o recibo porque nãotinha condições de comparecer nareclamada. Assim, improcede o pedidoda letra “h”, f. 14, da inicial.

No que toca ao FGTS, areclamada efetuou corretamente osdepósitos até o mês de competência

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anterior ao mês em que foi deferido obenefício de auxílio-acidente, quandoexpirou a licença de afastamento dotrabalho decorrente do acidente (doc. f.30). Nos termos do § 5º do art. 15 daLei n. 8.036/90, o depósito é obrigatóriono caso de afastamento por acidente dotrabalho.

Assim, expirada a licençaprevidenciária, a partir da concessão dobenefício auxílio-acidente, improcede opedido como formulado na letra “f” dainicial, à f. 14. In vero, com a concessãodo referido benefício, o reclamantedeveria ser encaminhado à reabilitaçãoprofissional ou à reclamada paratrabalhar em função compatível com asua condição física, conformedeterminar o médico do trabalho.Porém, essa questão não foi tratada napresente ação.

2.2.5 Emissão e entrega daRAIS-2005

A RAIS em referência foidevidamente entregue no órgãocompetente, conforme comprovado à f.127 dos autos. E no que toca à “ressalvaquanto à entrega da RAIS/2006”,improcede a pretensão por se tratar dedireito futuro, em tese.

2.2.6 Multa do art. 467 da CLT

Indevida a multa vindicadaporquanto não ocorreu rescisão docontrato de trabalho do reclamante.

2.2.7 Correção monetária e juros

O art. 39 da Lei n. 8.177/91estabelece que

Os débitos trabalhistas de qualquernatureza, quando não satisfeitos peloempregador nas épocas próprias

assim definidas em lei, acordo ouconvenção coletiva, sentençanormativa ou cláusula contratualsofrerão juros de mora equivalentesà TRD acumulada no períodocompreendido entre a data devencimento da obrigação e o seuefetivo pagamento.

As “épocas próprias assimdefinidas em lei” (art. 39 da Lei n.8.177/91) são, portanto, nada maisnada menos do que as exatas datasprevistas para pagamento de cadacrédito do empregado, fixadas em lei,ou, se mais favoráveis, as determinadasem convenções, acordos coletivos,sentenças normativas, contratoindividual ou regulamento de empresa.Épocas próprias são, pois, osvencimentos das obrigaçõestrabalhistas, tais como, salários e outrasverbas que compõem a remuneração,férias, gratificação natalina, verbasrescisórias, FGTS, dentre outras.

A expressão “sofrerão juros demora equivalentes à TRD acumulada noperíodo compreendido entre a data dovencimento da obrigação e o seu efetivopagamento” significa a atualizaçãomonetária que incidirá sobre o valororiginal do crédito do empregado da“época própria” até a data do efetivopagamento, sob pena de contemplaçãode enriquecimento sem causa, comsupedâneo no entendimento sufragadona Súmula n. 381 do C. TST e nas OJsn. 42 e 302 da SDI-I do C. TST.

Pelo exposto, incidirá sobre asparcelas deferidas correção monetária,nas épocas próprias de cada obrigação,nos termos do art. 39 da Lei n. 8.177/91,pelos índices do mês subseqüente aoda prestação de serviços, da Tabela deAtualização Monetária da E.Corregedoria Regional, segundo obalizamento dado pela Súmula n. 381

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do C. TST quanto às parcelas de tratosucessivo e, no que concerne às verbasrescisórias ou diferenças destas, a partirde quando seriam legalmente exigíveis(CLT, art. 477, § 6º, “a”, “b”), mais jurosde mora, na base de 1%, sobre o valorcorrigido (Súmulas n. 200, 211 e 307do C. TST), contados de forma simples,a partir do ajuizamento da ação, nostermos do § 1º do art. 39 da Lei n.8.177/91 e art. 883 da CLT, pro rata die.

No que toca à atualizaçãomonetária da parcela deferida a títulode indenização por dano moral, incidirácorreção monetária e juros de morasobre o valor corrigido a partir destasentença, observando-se a tabela acimareferida e o critério dado pela Súmulan. 381 do Colendo TST, pro ratatempore.

2.2.8 Contribuição previdenciária

Nos termos do art. 195 da CF/1988, arts. 10; 11, II, “a”, “b”, “c”, da Lein. 8.212/91; arts. 194; 195, II, e seuparágrafo único, I, II e III do Decreto n.3.048/99, empregado e empregadorarcam cada qual com a sua cota-parteno custeio de Previdência Social, no quetoca à contribuição previdenciária e aoseguro por acidente do trabalho (SAT),conforme as alíquotas fixadas na lei,tetos e limites legais da tabela desalário-de-contribuição mês a mês,incidentes sobre as verbas de carátersalarial, na dicção do art. 28, I, § 9º daLei n. 8.212/91 e arts. 198 e 214 doDecreto n. 3.048/99 e consoanteorientação contida na Súmula n. 368 doTribunal Superior do Trabalho.

Cabe ao empregador, portanto,proceder, na forma da lei, ao descontoda contribuição devida pelo empregadoe efetuar o recolhimento aos cofres daUnião. A propósito, está assente nasOJs n. 32 e 228 da SBDI-I do C. TST

(convertidas na Súmula n. 368) oentendimento de que as contribuiçõesprevidenciárias são suportadas peloempregado e pelo empregador,responsáveis, cada qual, com sua cota-parte, pelo custeio da PrevidênciaSocial, cabendo ao empregador, exlegis, proceder ao desconto nas verbasde caráter salarial deferidas, na formada lei, na liquidação da sentença, e, noprazo legal, efetuar o recolhimento emfavor da União (Lei n. 8.212/91, art. 43),em guia própria, mais a contribuiçãoprevidenciária cota-parte da empresa eseguro por acidente do trabalho (SAT).

Ante o exposto, as partesarcarão com a contribuiçãoprevidenciária (inclusive o SeguroAcidente do Trabalho - SAT), devida àUnião, incidente sobre as verbastributáveis deferidas, nos termos da Lein. 8.212/91 (art. 28, I, § 9º) com asalterações introduzidas pela Lei n.8.620/93, o disposto nos artigos 198,214 e 276 do Decreto n. 3.048/99 econsoante orientação contida naSúmula n. 368 do C. TST, cada qual comsua cota-parte prevista para o custeiode Previdência Social, observadas asalíquotas, tetos e limites legais databela de salário-de-contribuição mêsa mês, autorizada, desde já, a deduçãoda cota-parte do empregado emliquidação de sentença, sendo que acorreção monetária, juros e multa,devidos como previsto na legislaçãoprevidenciária (§ 4º do art. 879 da CLT),ficarão a cargo da reclamada.

Em cumprimento ao disposto no§ 3º do art. 832 da CLT, declaro verbasde natureza salarial: adicional deinsalubridade, horas in itinere e seusvalores reflexos nos 13º salários (Lei n.8.212/91, art. 28, I; Decreto n. 3.048/99,art. 214, § 9º, I a XXV). Declaro decaráter indenizatório e compensatórioas demais verbas deferidas.

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2.2.9 Imposto de renda

Incidirá sobre as parcelas decaráter salarial deferidas imposto derenda, nos termos e limites traçados nosarts. 6º e 7º da Lei n. 7.713/88 c/c art.46 e seu § 2º, da Lei n. 8.541/92; art.620 do Decreto n. 3.000/99, ficandoautorizada a retenção na forma da lei,Instrução Normativa da Secretaria daReceita Federal vigente na data daretenção, Consolidação de Provimentosda Corregedoria-Geral do Trabalho, arts.74/77 e entendimento contido naSúmula n. 368 do Colendo TribunalSuperior do Trabalho que adoto.

O imposto de renda incidirátambém sobre os juros de mora dasparcelas deferidas tributáveis comorendimentos do trabalho assalariado,por força do parágrafo único do art. 16da Lei n. 4.506, de 30.11.1964, aindaem vigor, e § 3º do art. 43 do Decreto n.3.000, de 26.03.1999. A meu ver, o incisoI do § 1º do art. 46 da Lei n. 8.541/92cuida, exclusivamente, dos “juros eindenizações por lucros cessantes” enão dos juros de mora pelo pagamentoem atraso de obrigações trabalhistas decaráter salarial.

Nos termos do art. 43 do CTN, oimposto sobre a renda e proventos dequalquer natureza tem como fatogerador a aquisição da disponibilidadeeconômica ou jurídica: I - de renda,assim entendido o produto do capital,do trabalho ou da combinação deambos; II - de proventos de qualquernatureza, assim entendidos osacréscimos patrimoniais nãocompreendidos no inciso anterior, o qualestá sujeito à retenção na fonte e orespectivo recolhimento na formaprevista na legislação ordinária (Lei n.7.713/88; Lei n. 8.851/92, art. 46, § 2º;Decreto n. 3.000/99, art. 620).

A indenização é forma de

reparação de lesão a direito material e,portanto, de mera recomposiçãopatrimonial material, bem como modode reparação ao patrimônio ideal(psicológico ou moral) com o escopo deproporcionar uma compensação aolesionado. Desse modo, a indenizaçãopor dano moral, estético e material nãose encaixa na moldura de acréscimopatrimonial de que trata a legislação doimposto renda para os fins de tributação.É reparação civil decorrente de ato ilícitovisando à simples recomposição dopatrimônio material e à compensaçãopor dano moral a direito depersonalidade lesionado.

No presente caso, em que foideferida indenização por dano moral,danos estéticos e danos materiaisprovenientes de lesão decorrente deacidente do trabalho, dispõe o inciso IVdo art. 6º da Lei n. 7.713/88 que ficaisento do imposto sobre a renda orendimento percebido por pessoa física“as indenizações por acidentes detrabalho”.

Evidentemente que o termo“indenizações” indica o gênero, do quala indenização por dano moral trata-sede mera espécie. Nesse sentido, jádecidiu o E. TRT da 3ª Região, que

Tendo em vista as indenizações(plural) relativas a acidente dotrabalho não sofrerem incidência doimposto de renda, consoantedisposição contida no artigo 6º, IV,da Lei n. 7.713/88 e, levando-se emconta que as doenças do trabalho,são equiparadas, para todos os fins,a acidente de trabalho, ascondenações proferidas pela Justiçado Trabalho por danos morais delasdecorrentes estão fora da incidênciado imposto de renda na fonte.(Agravo de petição - Processo n.00520-2003-003-03-00-6)

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Assim, por expressa previsãolegal, não haverá incidência de impostode renda sobre os valores deferidos atítulo de indenização por dano moral,danos estéticos e danos materiais aoreclamante.

2.2.10 Justiça gratuita

O reclamante declarou napetição inicial (f. 15) e no termo acostadoà f. 40 dos autos que não possuicondições de arcar com as despesasprocessuais sem prejuízo do própriosustento e de seus familiares, motivopelo qual postulou a concessão dosbenefícios da justiça gratuita. Atendidos,pois, aos requisitos legais (Lei n.1.060/50, arts. 2º e 4º; CLT, § 3º, art.790 e art. 790-A), porquanto a lei exigetão-somente a simples afirmação deinsuficiência econômica na própriainicial ou declaração firmada pelotrabalhador, ou por procurador, aindaque sem poderes especiais (OJ n. 331da SDI-I do TST), defiro os benefíciosda justiça gratuita ao reclamante parafins de isenção de custas e honoráriospericiais no caso de eventual inversãodos ônus da sucumbência.

2.2.11 Honorários periciais

Por determinação judicial foramrealizadas duas perícias, sendo umapara apuração da prestação de trabalhoem condições de insalubridade e outrapara a definição do nexo de causalidadeentre o acidente do trabalho ocorridocom o autor, o dano e a incapacidadelaborativa.

Em ambas as perícias areclamada foi sucumbente nosrespectivos objetos e, consoante odisposto no art. 790-B da CLT, “Aresponsabilidade pelo pagamento doshonorários periciais é da parte

sucumbente na pretensão objeto daperícia, salvo se beneficiária de justiçagratuita” (artigo acrescentado pela Lein. 10.537, de 27.08.2002, DOU28.08.2002).

Assim, arbitro os honorários doperito oficial, Dr. VALDEZ MELO DOSANJOS, pelos trabalhos de períciamédica em R$800,00 e em R$800,00os do perito Dr. YURI FRANCAAMANTES pela perícia de apuração deinsalubridade, que serão suportadospela reclamada, por sucumbente noobjeto da perícia (CLT, art. 790-B,acrescentado pela Lei n. 10.537, de27.08.2002, DOU 28.08.2002), corrigidomonetariamente, conforme previsto noart. 1º da Lei n. 6.899/81 (OJ n. 198 daSDI-I do C. TST).

2.2.12 Expedição de ofícios

A notificação à DRT, ao INSS, àDRF, à CEF, ao MPT ou MPF é ditadapor interesse público, constituindo-sepoder-dever da Justiça do Trabalho aexpedição de ofícios informando asirregularidades, descumprimento dalegislação ou cometimento de crime deacordo com os elementos de prova dosautos. Assim, o julgador, ao tomarconhecimento, por meio do processo,de irregularidades praticadas porqualquer das partes, tem o dever decomunicar esses fatos aos órgãoscompetentes para apurá-los, e o faz coma finalidade de proporcionar ocumprimento da lei.

As irregularidades constatadasconsistentes na ausência deobservância das normas de segurançado trabalho importam em contravençãoe autorizam a expedição de ofícios àDRT/MG e ao Ministério Público Federalpara aplicação das penalidadesadministrativas e outras medidascabíveis previstas em lei.

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Em face do exposto e porimperativo legal (CPP, art. 40),determino, após o trânsito em julgado,sejam expedidos ofícios à DRT/MG, aoMinistério Público do Trabalho e aoMinistério Público Federal, paraautuação e aplicação das penalidadesadministrativas e outras medidascabíveis.

2.2.13 Constituição de capitalpara solvabilidade da pensão mensal

Dispõe o art. 475-Q do CPC:

Quando a indenização por ato ilícitoincluir prestação de alimentos, o juiz,quanto a esta parte, poderá ordenarao devedor constituição de capital,cuja renda assegure o pagamento dovalor mensal da pensão. (Incluídopela Lei n. 11.232, de 2005).§ 1º Este capital, representado porimóveis, títulos da dívida pública ouaplicações financeiras em bancooficial, será inalienável eimpenhorável enquanto durar aobrigação do devedor. (Incluído pelaLei n. 11.232, de 2005)§ 2º O juiz poderá substituir aconstituição do capital pela inclusãodo beneficiário da prestação em folhade pagamento de entidade de direitopúblico ou de empresa de direitoprivado de notória capacidadeeconômica, ou, a requerimento dodevedor, por fiança bancária ougarantia real, em valor a ser arbitradode imediato pelo juiz. (Incluído pelaLei n. 11.232, de 2005).

Extrai-se da lei que adeterminação de constituição de capitalautorizada por lei está inserida na esferada discricionariedade do juízosentenciante, consoante a faculdadeque expressa no dispositivo legal

traduzida pelo verbo poder, na 3ªpessoa do futuro do subjuntivo(“poderá”). Somente no caso de se tratarde empresa de notória capacidadeeconômica é que se tornadesnecessária a obrigação de constituircapital, bastando a inclusão doreclamante na folha de pagamento dareclamada para pagamento da pensãomensal deferida (§ 2º).

A necessidade de constituição decapital, com vistas a assegurarpagamento das prestações futuras depensionamento, é uma exigência que seimpõe diante da instabilidade econômicahodierna e da ausência de previsibilidadeda futura solvência de uma sociedadeprivada. Aliás, esse entendimentoencontra guarida na lei e na Súmula n.313 do E. Superior Tribunal de Justiça,para a garantia de pagamento dapensão, independentemente da situaçãofinanceira do demandado.

Assim, não havendo nos autoselementos através dos quais se possachegar à conclusão de que ademandada se enquadre na moldura deempresa de notória capacidadeeconômico-financeira, determino àreclamada que, no prazo de 8 dias dotrânsito em julgado, proceda àconstituição de um capital, representadopor imóveis, títulos da dívida pública ouaplicações financeiras em banco oficial,que será inalienável e impenhorávelenquanto durar a obrigação, cuja rendaassegure o pagamento do valor mensalda pensão deferida, sob pena de multadiária no valor de R$1.000,00 por diade atraso, nos termos dos §§ 4º e 5º doart. 461 do CPC.

3 DISPOSITIVO

POSTO ISSO, extingo oprocesso, sem resolução de mérito, emrelação à 2ª reclamada, nos termos do

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inciso VIII do art. 267 do CPC, oraaplicado subsidiariamente, comoautor iza o art . 769 da CLT, e, nomais, JULGO PROCEDENTE, EMPARTE, a pretensão autoral , paraC O N D E N A R a r e c l a m a d aR I O M A R EMPREENDIMENTOSAGROPECUÁRIOS LTDA. a pagar aoreclamante VILMAR ARAÚJOALECRIM, no prazo de 8 (oito) dias dotrânsito em julgado, nos termos dafundamentação retroexpendida, queintegra este dispositivo para todos osefeitos de direito, conforme se apurarem liquidação de sentença, por cálculos:

a) pensão mensal no valorcorrespondente a 50% do saláriomínimo, a partir de 24.05.2006 atécompletar 70 anos de idade, vencidase vincendas;

b) indenização por dano moral novalor de R$40.000,00 (quarenta milreais);

c) indenização por danosestéticos no valor R$20.000,00 (vinte milreais);

d) adicional de insalubridade emgrau médio, no valor correspondente a20% sobre o salário mínimo, mais osconseqüentes reflexos nos 13º salários,férias com 1/3;

e) 30 minutos por dia, a título dehoras in itinere, como horas extras, como adicional legal de 50%, da data deadmissão até 08/05/2006, nos diasefetivamente trabalhados, como ficarapurado em liquidação de sentença,por cálculos, mais os conseqüentesreflexos, por habituais, nas verbas deférias acrescidas de 1/3 (CLT, art. 142,§ 5º; 146), nos 13º salários (Lei n.4.090/62, arts. 1º e 3º), observando-seo balizamento dado pela Súmula n. 347do TST e períodos aquisitivos de cadauma das respectivas parcelas, na formaprevista em lei.

Condeno a reclamada a efetuaros depósitos do FGTS incidentessobre o adicional de insalubridade eas horas in itinere inclusive sobre osreflexos nos 13º salários, na contavinculada do autor na CaixaEconômica Federal , com osacréscimos previstos no art. 22 da Lein. 8.036/90, por se encontrar em vigoro seu contrato de trabalho.

Condeno a rec lamada aadquirir para o reclamante próteseindicada por médico ortopedista, noprazo de 10 (dez) dias do trânsito emjulgado, sob pena de mul ta deR$500,00 (quinhentos reais) por diade atraso, até o limite de R$20.000,00(vinte mil reais). Responderá ainda areclamada pela aquisição de novaprótese sempre que se f izernecessária a substituição pelo seudesgaste de uso ou por exigência desubstituição por determinação demédico ortopedista. A substituição daprótese, em qualquer caso, sempreserá mediante prescrição de médicoortopedista.

Para apuração do montante dasparcelas vencidas da pensão mensal, apartir de 24.05.2006, deverão serobservados os seguintes critérios: a)valor original equivalente a 50% dosalário mínimo vigente no respectivomês; b) atualização monetária na formado art. 39 da Lei n. 8.177/91; c) juros demora, na base de 1% ao mês, contadosde forma simples, a partir doajuizamento da ação, na forma do art.883 da CLT e § 1º do art. 39 da Lei n.8.177/91.

Os valores das parcelasvincendas da pensão mensal sempreserão correspondentes a 50%(cinqüenta por cento) do salário mínimolegal.

Os valores das indenizações atítulo de dano moral e danos estéticos

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deverão ser corrigidos monetariamentea partir desta sentença nos termos doart. 39 da Lei n. 8.177/91 e acrescidosde juros de 1% ao mês, contados deforma simples, pro rata die, a partir doajuizamento da ação (§ 1º do art. 39 damesma Lei e art. 883 da CLT).

Fica autorizada a dedução dosvalores pagos a título de adicional deinsalubridade, observada a orientaçãocontida na Súmula n. 187 do ColendoTribunal Superior do Trabalho.

Determino à reclamada que, noprazo de 8 dias do trânsito em julgado,proceda à constituição de um capital,representado por imóveis, títulos dadívida pública ou aplicaçõesfinanceiras em banco oficial, que seráinalienável e impenhorável enquantodurar a obrigação, cuja renda assegureo pagamento do valor mensal dapensão deferida, sob pena de multadiária no valor de R$1.000,00 por diade atraso, nos termos dos §§ 4º e 5ºdo art. 461 do CPC, l imitado aR$60.000,00.

Deverá a reclamada, no prazo de8 dias do trânsito em julgado, efetuar opagamento dos honorários do perito, Dr.VALDEZ MELO DOS ANJOS, pelostrabalhos de perícia médica no valor deR$800,00 e também no valor deR$800,00 ao perito Dr. YURI FRANCAAMANTES pela perícia de apuração deinsalubridade, ambos corrigidosmonetariamente, na forma do art. 1º daLei n. 6.899/81 (OJ n. 198 da SDI-I doC. TST).

Na apuração dos valores dasparcelas deferidas, na fase deliquidação de sentença, por cálculos,deverão ser observados todos oscritérios, limitações e restrições nosexatos termos da fundamentação, parte

integrante deste dispositivo, inclusive noque concerne à correção monetária,juros de mora, contribuiçõesprevidenciárias, imposto de renda ecompensação.

Transitada em julgado asentença de liquidação, à reclamadacaberá diligenciar o recolhimento dascontribuições devidas ao INSS, partespatronal e do empregado, no prazolegal, nos termos da fundamentação,sob pena de execução, de ofício, nestesmesmos autos, nos termos do inciso VIIIdo art. 114 da CF/1988 e legislaçãoinfraconstitucional, notadamente osdispositivos da CLT acrescentados e/oualterados pela Lei n. 10.035/2000 e Lein. 11.457/2007.

Caberá, também, à reclamada,no prazo de 15 (quinze) dias contadosda retenção do imposto de renda, provaro seu respectivo recolhimento nosautos, em guia própria, sob pena deofício à Receita Federal.

Deferidos ao reclamante osbenefícios da justiça gratuita nos termosda fundamentação.

Custas, pela reclamada, noimporte de R$2.530,00, calculadassobre o valor de R$126.500,00, oraarbitrado à condenação (CLT, art. 789,inciso I, § 2º).

Juntar. Registrar.Partes intimadas na forma da

Súmula n. 197 do TST.Intimar a União, por seu

representante legal, com cópia dasentença, em face do disposto no § 5ºdo art. 832 da CLT.

Oficiar à DRT/MG, ao MinistérioPúblico Federal e ao Ministério Públicodo Trabalho, com cópia desta sentença,após o trânsito em julgado.

Cumpra-se. Nada mais.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01133-2007-058-03-00-9Data: 26.09.2007DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE FORMIGA - MGJuíza Titular: Drª GRAÇA MARIA BORGES DE FREITAS

Aos vinte e seis dias de setembro do ano de dois mil e sete, às 17h45min,estando aberta a audiência da Vara do Trabalho de Formiga, foram, por ordem daJuíza do Trabalho GRAÇA MARIA BORGES DE FREITAS, apregoados os litigantes:NELSON DE LIMA, reclamante, e WEDSON MARTINS DE AZARA e MONTELACALIMENTOS S.A., reclamados. Partes ausentes. Em seguida, foi proferida aseguinte decisão:

I - RELATÓRIO

NELSON DE LIMA, qualificadona inicial de f. 03/09, ajuizou reclamaçãocontra WEDSON MARTINS DE AZARA,MILÊNIO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DEALIMENTOS S.A. e MONTELACALIMENTOS S.A., dizendo ter sidoadmitido pela segunda reclamada em08.07.03, na função de auxiliaradministrativo, tendo recebido comomaior e último salário o valor deR$690,61; que cumpria jornada das 07hàs 18h, de segunda a quinta-feira, e das07h às 17h às sextas-feiras, comintervalo de duas horas e folgas aossábados e domingos; que laborava emsobrejornadas constantes, as quaiseram pagas pela ré; que tem um filhomenor de 14 anos, todavia, jamaisrecebeu a quota mensal de salário-família; que, no dia 16.11.04, seguindoviagem para a cidade de Itamonte, atrabalho, sofreu acidente de trânsitoprovocado pelo primeiro reclamado,motorista de táxi e preposto da segundareclamada; que o acidente ocasionou-lhe danos morais, estéticos,psicológicos e puros; que, após oafastamento por incapacidade laboraldecorrente do acidente, a reclamadarescindiu o seu contrato em janeiro/2006, por dispensa sem justa causa,tendo pago seus direitos rescisórios;que, durante o contrato, assinou

documentos em branco, sem conhecerseu real conteúdo, os quais devem serdesconsiderados em face do princípiodo contrato-realidade, nos termos do art.9º da CLT; que a terceira reclamada foiincluída na lide em face da confusão depersonalidade jurídica entre esta e asegunda ré, tratando-se de caso desucessão trabalhista ou grupoeconômico. Em relação ao acidente,alega que este ocorreu por volta das06h30min, no KM 686 da Rodovia BR381, por culpa do primeiro reclamadoque imprimia velocidade incompatívelcom o local, condições de tempo e pista;que teve forte lesão em sua cabeçaocasionando-lhe dano estético edistúrbios psíquicos, como pânico,ansiedade e depressão, tendo que usarmedicamentos controlados a partir deentão; que faz jus à indenizaçãodecorrente do acidente em face dodisposto no inciso XXVIII do art. 7º daConstituição, bem como nos arts. 927,932 e 933 do Código Civil. Requer:exibição de documentos relativos aocontrato de trabalho da paradigma LuziaNunes de Morais; condenação solidáriados réus ao pagamento de indenizaçãopor danos morais no valor deR$38.000,00, equivalentes a cemsalários mínimos; condenação dasegunda e terceira reclamadas aopagamento de uma cota mensal desalário-família; benefícios da justiça

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gratuita. Deu à causa o valor deR$38.000,00. Juntou documentos (f.10/46) e procuração (f. 47).

Regularmente notificados, osreclamados apresentaram suas defesasescritas em audiência (f. 51).

O primeiro reclamado, WedsonMartins de Azara, às f. 52/69,inicialmente, argüiu a sua ilegitimidadepassiva ao fundamento de que, agindona qualidade de preposto da segundareclamada, não pode figurar no pólopassivo da demanda, pois, comprovadaa culpa na ocorrência do acidente, aresponsabilidade da empresa é objetiva.Cita jurisprudência. No mérito, alega quetransitava pela BR 381 no dia 16.11.04,por volta das 06h30min, efetuandotransporte de funcionários da segundareclamada para a cidade de Itamonte;que chovia e, embora a via permitisse avelocidade de 110 Km, não ultrapassou80 Km/h; que, quando iniciava ocontorno da curva onde ocorreu oacidente, foi tomado de surpresa porgesto brusco do autor, que seencontrava no banco dianteiro dopassageiro e tomou a direção doveículo, girando-a para o lado; que essefato fez com que o contestante perdesseo controle do veículo, vindo a capotardiversas vezes; que, embora o boletimde ocorrência indique que o veículotransitava em velocidade incompatívelcom a via, não há nos autos prova dissoe sequer foi feita perícia para verificaçãoda veracidade desses fatos; que asinalização não indica a velocidadeadequada para trafegar com chuva; queo veículo estava em perfeito estado deconservação; que não restaramprovadas as alegações do efetivo danomoral suportado pelo reclamante; quefoi o reclamante quem deu causa aoevento danoso, não existindo culpa doréu, ou, no mínimo, tendo havido culpaconcorrente do autor; que tampouco foi

demonstrada a existência de nexo decausalidade entre o suposto ilícito e odano fantasiosamente experimentadopelo autor. Diz ser do autor o ônus deprovar suas alegações. Citajurisprudência e doutrina. Impugna ovalor do pedido e diz que deve ser fixadauma indenização condizente com opossível agravo, sob pena deenriquecimento sem causa. Pede aextinção do processo ou,alternativamente, a improcedência dospedidos ou sua procedência empatamares condizentes com o dano.Com a defesa vieram um documento (f.70) e procuração (f. 71).

A terceira reclamada, MontelacAlimentos S.A., apresentou, emaudiência, sua resposta escrita (f. 72/84)na qual, inicialmente, pede a adequaçãodo pólo passivo da demanda, pois acontestante é sucessora da empresaMilênio Indústria e Comércio deAlimentos S.A., devendo tal empresa serexcluída do pólo passivo da demanda;que o autor omitiu a existência do filhodurante o contrato, apesar de ter sidosolicitada a apresentação dosdocumentos necessários àregularização da contratação; que cabeao empregado prestar as informaçõessobre os filhos que possui à empresa,nos termos do art. 6º do Decreto n.53.153/63; que o autor induziu aempresa à omissão no pagamento daparcela, não podendo esta serresponsabilizada. No que tange aoacidente, afirma que a norma quegarante a indenização por acidente dotrabalho prestigia a teoria daresponsabilidade subjetiva; que oevento objeto da ação não contou comqualquer parcela de culpa da empresa,pois: a) o motorista é profissional,taxista, o que o isenta de culpa ineligendo; b) o acidente não ocorreu porfalha mecânica, afastando a existência

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de negligência quanto à escolha domeio de transporte; que, se há culpadopelo acidente, é o órgão público queexpediu a carteira de habilitação econcedeu a licença para o primeiroreclamado dirigir; que a culpa deverecair sobre a pessoa que provocou oacidente ou, se esta não possuicondições de dirigir, sobre o órgãoestatal que concedeu a licença. No quetange à responsabilidade, alega que oinciso III do art. 932 do Código Civil deveser interpretado à luz do art. 927,parágrafo único, e art. 931 da mesmalei; que o art. 932, inciso III, somente seaplica aos empregados domésticos e aresponsabilidade objetiva somenterecairia sobre a empresa na condiçãode transportadora; que a culpa daempresa seria configurada apenas serestasse provado que descumpriuregras de segurança em relação aosseus empregados. Em relação ao danomoral, alega que a cicatriz do autor nãopode ser considerada motivo paraindenização de dano estético, pois suaaparência não foi alterada a ponto decausar repugnância ou mal-estar; quea profissão do autor não exige suaaparência física, como no caso dosmodelos; que os demais envolvidos noacidente seguiram sua vida normal,tendo o acidente representado um sustoe não um trauma; que os examesclínicos não constataram nenhumaseqüela no autor. Impugna o valor daindenização e a alegada equiparaçãosalarial. Pede a improcedência dospedidos. Com a defesa vieramdocumentos (f. 85/189), carta depreposição e procuração (f. 190/191).

Na audiência de f. 51 foideterminada a exclusão do nome daempresa Milênio Indústria e Comércio deAlimentos S.A. da lide em face dealteração social juntada às f. 177/179. Namesma audiência, determinou-se a

realização de perícia médica paraapuração do nexo de causalidade entreo acidente e as lesões e sintomasalegados pelo empregado, bem comopara apurar a extensão do dano estéticoalegado. Facultou-se às partes aapresentação de quesitos e indicação deassistentes. Nomeado o perito à f. 192.

Quesitos da segunda reclamada(f. 194/195).

Manifestação do reclamantesobre defesa e documentos (f. 196/198)e apresentação de quesitos (f. 199/200).

Laudo pericial às f. 203/206 comvista às partes.

Manifestação do reclamanteconcordando com o teor do laudo (f. 228).

Não houve manifestação dosreclamados sobre o laudo pericial.

Na audiência em prosseguimentoforam inquiridas as partes e testemunhas(f. 229/233). Juntado substabelecimentopelo primeiro reclamado (f. 234).

Não havendo mais provas aproduzir, encerrou-se a instruçãoprocessual, tendo as partes aduzidorazões finais orais.

Rejeitadas as propostasconciliatórias oportunamente formuladas.

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Da inépcia da petição inicial

O autor pediu a exibição dedocumentos de uma suposta paradigma(Luzia Nunes de Morais), porém nãonarrou os fatos dos quais decorreu odissídio em relação à supostaequiparação, tampouco formulouqualquer pedido.

Assim, de ofício, declaro ainépcia da petição inicial quanto aopedido de exibição de documentos, poisnão preenchidos os requisitos do § 1ºdo art. 840 da CLT.

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Assim, extingo o processo, semresolução do mérito, no particular, nostermos do inciso I do art. 267 do CPC.

Da ilegitimidade passiva doprimeiro reclamado

O primeiro reclamado argúi a suailegitimidade para responder ao feito sobo fundamento de que, em caso decomprovação de culpa, o preposto daempresa é parte ilegítima para arcarcom a responsabilidade decorrente dodano, pois a responsabilidade daempresa é objetiva em relação aos atosdos seus prepostos. Cita jurisprudência.

Razão não assiste ao réu.A sua legitimidade para responder

ao feito decorre da simples alegação deque é devedor das parcelas postuladasna ação, pois, na relação jurídicaprocessual, a indicação do autor de queo réu é devedor, invocando o direitomaterial competente, é o bastante paralegitimá-lo a integrar a lide.

Por simples exame dos autos,constata-se que o primeiro reclamadoé titular dos interesses que se opõemàs pretensões do autor, estando, pois,legitimado para compor a lide.

A existência ou não deresponsabilidade pelo pagamento daindenização postulada é questãoconcernente ao mérito da demanda ecom ele será apreciada.

Rejeita-se a preliminar.

Do salário-família e daresponsabilidade pelo seu pagamento

Inicialmente, cabe salientar que,por se tratar de obrigação decorrente docontrato de trabalho, não háresponsabilidade do primeiro reclamadoquanto ao pagamento de tal salário-família, sendo o pedido improcedenteem relação a este réu.

Verificou-se, por outro lado, queo reclamante omitiu da suaempregadora a informação de que tinhafilho menor de 14 anos, conforme severifica do documento de f. 85, o qualnão indica a existência de nenhumdependente do autor.

Não haveria nenhum motivo paraa ré sonegar intencionalmente obenefício ao autor, mesmo porque aempresa paga o benefício a diversosempregados, conforme se vê dosdocumentos de f. 121/150.

Não tendo o autor cumprido como dever de apresentar a documentaçãoexigida no Decreto n. 53.153/63 pararecebimento do salário-família, nãocabe o pagamento de indenização daparcela.

Indefere-se o pedido.

Da responsabilidade dosreclamados na ocorrência do acidente

Para caracterização daresponsabilidade civil do empregadorem face de dano decorrente do contratode trabalho, é necessário que estejampresentes os requisitos do art. 186 c/cart. 927 do Código Civil, quais sejam:dano, ato ilícito e nexo de causalidadeentre o dano e o ilícito praticado, sendoadmitida a responsabilidade objetiva doempregador (parágrafo único do art.927) nos casos em que a atividadedesenvolvida cria riscos para terceiros.

O empregador é, ainda,responsável, independentemente deculpa sua (art. 933 do Código Civil),pelos atos de seus empregados eprepostos, nos termos do inciso III doart. 932 do Código Civil. Tais dispositivosse aplicam ao caso em exame em facede ter sido o primeiro réu contratadopela empresa para transportar osempregados desta, e, portanto, teratuado na condição de seu preposto.

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A responsabilidade objetiva doempregador pelos atos culposos dosseus prepostos já era amplamentereconhecida na jurisprudência mesmoantes da vigência do atual Código Civil,conforme termos da Súmula n. 341 doSTF.

Em relação à responsabilidadedo primeiro réu, embora este tenha sidocontratado pela empresa, suaresponsabilidade é objetiva, nos termosdo art. 734 do Código Civil.

Cabe salientar que o contrato detransporte é uma obrigação deresultado, ou seja, implicitamente,contém a obrigação de transportar ospassageiros e deixá-los incólumes, nolocal combinado e no tempo previsto.

Em sendo responsabilidadeobjetiva do transportador realizar oserviço nos termos pactuados, é seu oônus de provar as excludentes deculpabilidade, como, no caso presente,a alegada culpa do autor na ocorrênciado acidente, ônus do qual não sedesincumbiu, pois nenhumatestemunha confirmou a alegação doprimeiro réu de que o autor teria puxadoo volante do carro, causando o acidente.

Ao contrário do alegado pelosréus, a culpa do primeiro reclamado naocorrência do acidente foi demonstradana prova oral e no boletim de f. 15/18.

O primeiro réu confessou quetrafegava a uma velocidade de 90 Kmpor hora, tendo o acidente ocorrido numtrecho em curva e sob chuva, com pistaescorregadia.

Embora a sinalização da rodovianão indique o limite de velocidade paratrafegar com chuva, as normas detrânsito prevêem que, na situaçãodescrita nos autos (chuva, estrada emcurva, má visibil idade, pistaescorregadia), a velocidade deve serreduzida a níveis seguros, constituindoinfração grave de trânsito o

descumprimento dessa regra, conformeart. 220 do Código Nacional de Trânsito,incisos VI, VIII, IX e X:

Art. 220. Deixar de reduzir avelocidade do veículo de formacompatível com a segurança dotrânsito:[...]VI - nos trechos em curva depequeno raio;[...]VIII - sob chuva, neblina, cerraçãoou ventos fortes;IX - quando houver má visibilidade;X - quando o pavimento seapresentar escorregadio, defeituosoou avariado;[...]Infração - grave;

As testemunhas indicaram quehouve aquaplanagem, que a visibilidadenão era boa e que a chuva estava forte.Também foi provado que os pneus docarro estavam com meia-vida. Todosesses fatores de risco, aliados ao fatode que o acidente ocorreu numa curva,aconselhariam a um motorista quedirigisse de forma prudente reduzir avelocidade a níveis menores que ospraticados.

Isso não necessita de placaindicatória, nem a lei prevê a existênciade tal placa, pois faz parte do saberesperado de todo motorista perceber seo veículo está trafegando em situaçõesde segurança ou não e se há ou nãoaderência à pista nas condiçõesespecíficas de tempo e traçado daestrada.

Assim, agiu o primeiro reclamadocom culpa grave, por imprudência, paraque o acidente ocorresse.

Portanto, estão presentes, nocaso em exame, todos os requisitospara responsabilizar o empregador pelo

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dano causado ao reclamante, poishouve ato ilícito (acidente), que causoudanos (psíquico, estético e moral) aoautor, tendo havido nexo de causalidadeentre o dano e o comportamento doagente que cometeu o ato ilícito.

A responsabilidade doempregador é objetiva em face de atosculposos de seus prepostos e a dotransportador é objetiva em face do riscoda atividade.

Está caracterizada, portanto, aresponsabilidade de ambos os réus pararesponder pelos danos decorrentes doacidente, de modo que será solidária aobrigação de indenizar o autor pelosdanos sofridos, o que passa a serexaminado.

Da existência de dano moral esua extensão

A indenização pretendida peloautor encontra amparo nos incisos V e Xdo art. 5º da Constituição Federal,entendendo-se o dano moral comoaquele que atinge os direitos dapersonalidade do ofendido como a honra,a imagem, a intimidade, a vida privada,a liberdade, ou, ainda, que causesofrimento físico ou psíquico, violandobens não passíveis de mensuraçãoeconômica, mas tutelados por lei.

No caso em exame, o autornarrou a existência de dano psíquico,estético e moral e formulou um pedidoúnico de dano moral, pelo que seconsidera, em face da causa de pedir,que a reparação dos danos estético epsíquico foi embutida pelo autor nopedido de dano moral e, nesse sentido,será apreciado o pedido e arbitradovalor da indenização.

O autor não está incapacitadopara o trabalho em decorrência doacidente sofrido, cujas lesões físicasforam superficiais.

O perito verificou, todavia, semimpugnação das partes ao conteúdo dolaudo, que o autor é portador de fobia(síndrome do pânico) em razão doacidente sofrido, bem como sofreu danoestético (ver fotografias de f. 226) emrazão de cicatriz na face, em local visívele que está relacionado à imagem eidentidade da pessoa (rosto). Hápequena depressão cutânea no local eperda de pêlos (alopecia) na região emque houve o ferimento.

Além do dano estético e psíquicocomprovados no laudo, também deucausa ao dano moral a própria dorsofrida pelo autor em decorrência dosferimentos decorrentes do acidente, atésua recuperação, o que, inclusive,causou sua incapacidade temporáriapara o trabalho.

A fobia de que o autor é vítima épassível de recuperação comtratamento adequado, mas o danoestético é irreversível.

Provada a existência dos danos,o nexo de causalidade e aresponsabilidade dos reclamados,conforme elementos já analisadosanteriormente, cabe ao juízo fixar o valorda indenização pretendida, a qual nãoencontra parâmetros na lei, cumprindo aoprudente arbítrio do julgador fixar o seuvalor levando em conta alguns fatorescomo: a intensidade do sofrimento, agravidade da lesão, o grau de culpa dosofensores e a sua condição econômica.

A indenização fixada deve ser,ainda, suficiente para punir o agente ecoibir a reiteração do ilícito e, ao mesmotempo, minorar a dor do ofendido, semcausar-lhe enriquecimento sem causa.

Considerando os elementosacima e sem perder de vista a extensão(leve a moderada) dos danos moral,estético e psíquico sofridos pelo autor,aqui considerados como componentesdo dano moral, nos termos da causa de

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pedir descrita na inicial, arbitra o juízo aindenização postulada em R$15.000,00(quinze mil reais), cujo valor seráatualizado a partir da data do acidente(16.11.04), quando configurado o efetivoprejuízo, pelo índice de correçãomonetária dos créditos trabalhistas emgeral.

Juros e correção monetária

Devidos nos termos da Súmulan. 200 do TST, ressaltando-se que acorreção monetária será aplicada deacordo com o índice de atualização doscréditos trabalhistas em geral, nostermos da Súmula n. 381 do TST. Emrelação à indenização por danos morais,deverá ser observado o índice vigentena data do acidente (16.11.04), quandose deu o efetivo prejuízo, a teor daSúmula n. 43 do STJ.

Quanto ao marco final da correçãomonetária, deverá ser observado odisposto na Súmula n. 15 deste Tribunal.

Os juros incidirão a partir doajuizamento da ação perante a JustiçaComum, à razão de 1% ao mês pro ratadie.

Da justiça gratuita

Defere-se ao autor o benefício dajustiça gratuita, tendo em vista adeclaração de pobreza formulada nainicial, sem prova em contrário.

Ressalta-se, todavia, que não hácondenação do reclamante em custasem face do resultado da demanda.

Dos honorários periciais

Em face da sucumbência napretensão objeto da perícia, deverão osreclamados, solidariamente, arcar comos honorários periciais ora fixados emR$1.500,00 (mil e quinhentos reais),

atualizáveis até o efetivo pagamento,observando o disposto na OrientaçãoJurisprudencial n. 198 da SDI-I do TST.

Dos honorários advocatícios

Indefere-se o pedido dehonorários em face do jus postulandivigente nesta Justiça, nos termos dasSúmulas n. 219 e 329 do TST.

Do cumprimento da decisão -Art. 475-J do CPC

O Processo do Trabalho émovido por princípios decorrentes danatureza alimentar dos créditos com osquais lida, por isso lhe são caros, maisque aos outros ramos processuais, osprincípios da concentração, dainstrumentalidade das formas, daceleridade e da efetividade.

O Processo Civil, por outro lado, éfonte subsidiária do Processo do Trabalhoquando há omissão na CLT ecompatibilidade do dispositivo processualcom as normas celetistas, nos termos doart. 769 deste último Diploma Legal.

A reforma do Processo Civil trouxemudança significativa no sentido debuscar a efetivação das decisões judiciais,especialmente o art. 475-J do CPC, quefixa prazo para cumprimento espontâneoda decisão, sob pena de multa.

A CLT é omissa no particular e,nesse ponto, considero que o dispositivoé compatível com o Processo doTrabalho, pois permite a introdução deartigo que possibilita ao devedor ocumprimento espontâneo da decisãosem que o Estado precise atuar deforma coercitiva para promover ocumprimento da sentença.

Caso o devedor não cumpra aobrigação, entendo que o processo deexecução terá início, na forma previstana CLT, todavia, agravado pela multa

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decorrente do descumprimentoespontâneo da decisão, o que deveráser observado quando da expedição domandado previsto no art. 880 da CLT.

O dispositivo em comentocontribui para dar efetividade aocomando sentencial e à normaconstitucional que garante a celeridadeda tramitação dos processos e suaduração razoável como direitofundamental do cidadão (inciso LXXVIIIdo art. 5º da Constituição de 1988).

Assim, nos termos do § 1º do art.832 da CLT, determino que, liquidado ojulgado, a ré seja intimada para efetuaro pagamento no prazo de quinze diase, caso não efetue o pagamento noprazo determinado, seja expedidomandado de citação e penhora, naforma do disposto no art. 880 da CLT,todavia com acréscimo de dez por centoao montante da condenação, nostermos do art. 475-J do CPC.

III - CONCLUSÃO

À vista do exposto, suscito ainépcia da petição inicial quanto aopedido de exibição de documentos daparadigma Luzia Nunes de Morais,extinguindo o processo, sem resoluçãodo mérito, quanto a tal pleito, nos termosdo inciso I do art. 267 do CPC; rejeito apreliminar de ilegitimidade passiva doprimeiro reclamado e, no mérito, resolvojulgar PROCEDENTES EM PARTE ospedidos formulados na inicial paracondenar os reclamados WEDSONMARTINS DE AZARA e MONTELACALIMENTOS S.A., solidariamente, apagarem ao reclamante NELSON DELIMA no prazo de quinze dias, sob penade aplicação de multa de 10% (dez porcento) sobre o valor que se apurar emliquidação de sentença, nos termos doart. 475-J do CPC, aplicável

subsidiariamente ao Direito do Trabalho,sem prejuízo do disposto no art. 880 daCLT, a parcela de: indenização pordanos morais, fixada em R$15.000,00(quinze mil reais), cujo valor seráatualizado a partir da data do acidente(16.11.04), quando configurado o efetivoprejuízo, pelo índice de correçãomonetária dos créditos trabalhistas emgeral. Consideram-se implícita àindenização deferida as reparações pordanos estéticos, morais e psíquicosdecorrentes do acidente, tendo em vistaos limites do pedido, delineados pelacausa de pedir.

Em face da sucumbência napretensão objeto da perícia, deverão osreclamados, solidariamente, arcar comos honorários periciais ora fixados emR$1.500,00 (mil e quinhentos reais),atualizáveis até o efetivo pagamento,observando o disposto na OrientaçãoJurisprudencial n. 198 da SBD-I do TST,tudo conforme parâmetros estabelecidosna fundamentação supra, que integra odecisum. Na liquidação observar-se-á aincidência de juros e correção monetáriana forma determinada e os descontoslegais de contribuição previdenciária,sujeita a execução neste juízo, e impostode renda.

Nos termos do § 3º do art. 832da CLT, não há incidência decontribuição previdenciária nos autosem face da natureza indenizatória daparcela deferida. A parcela também nãoestá sujeita a imposto de renda, em faceda sua natureza indenizatória.

Custas, pelos reclamados, deR$320,00 calculadas sobreR$16.000,00, valor arbitrado. Prazo delei. Intimem-se as partes. Encerrou-sea audiência. E, para constar, foi lavradaa presente ata que vai devidamenteassinada pela juíza do trabalho esubscrita pelo diretor de secretaria.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00515-2007-037-03-00-4Data: 06.09.2007DECISÃO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA - MGJuíza Titular: Drª MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT

Aos 06 dias do mês de setembro do ano de 2007, às 14h30min, na sede da3ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA, tendo como titular a MM. Juíza doTrabalho, MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT, realizou-seo julgamento da reclamação ajuizada por JOÃO CARLOS LAMIN DE SOUZA emface de BANCO ABN AMRO REAL S/A relativa a diferença salarial, danos morais,assistência judiciária.

Aberta a audiência, foram, de ordem da MM. Juíza do Trabalho, apregoadasas partes, ausentes.

RELATÓRIO

JOÃO CARLOS LAMIN DESOUZA ajuizou esta reclamaçãotrabalhista em face de BANCO ABNAMRO REAL S/A, alegando que foicontratado em 09.02.1979 e dispensadoem 03.01.2007; exerceu a função degerente de produção, tendo sido alçadoa gerente principal em 07.07.1992; querecebeu como última remuneração ovalor de R$6.911,87; que exercia omesmo trabalho, com a mesmaqualidade e perfeição técnica que aempregada Rosângela AuxiliadoraMarques; que havia menos de 02 anosde diferença de tempo na função e querecebia valor inferior.

Alega ainda que sempre laborouem conduta exemplar, tendo sidodesignado para agências deficitáriascom o intuito de levantá-las, o querealmente ocorreu; que em março de2005 recebeu uma série de exigências,metas e cobranças para cumprimentoem curto espaço de tempo, sob ameaçavelada de demissão, passando atrabalhar sob pressão para atingirobjetivos intangíveis, que culminou comum quadro de hipertensão arterial eposterior demissão.

Aduz que a conduta foi umaviolência psicológica, que se efetuou

através de e-mail e pessoalmente nasreuniões onde estavam presentes todosos gerentes das agências cobertas pelaregional de Juiz de Fora, que lhe causouuma dor e um constrangimentoinaceitável.

Requer o pagamento dadiferença salarial, indenização pordanos morais e os benefícios da justiçagratuita.

À causa deu o valor deR$90.000,00.

Inicial e documentos de f. 03-46.Notificado, o reclamado

compareceu à audiência (termo à f. 54).Recusada a proposta

conciliatória, o reclamado apresentoudefesa, argüindo a prescrição econtestando os fatos e fundamentos dospedidos.

Alega que a paradigma exerciaa função de gerente geral III nos últimos05 anos e o reclamante, a função degerente geral II; que as funções tinhamresponsabilidades e atribuiçõesabsurdamente diferenciadas, pois aparadigma laborou em cidadeseconomicamente mais expressivas; queas atividades foram realizadas emmunicípios distintos e fora da mesmaregião metropolitana, em estadosdiversos, estando ausentes osrequisitos do artigo 461 da CLT.

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Aduz que o reclamante nãosofreu qualquer prejuízo ou lesão adireito, em sua integridade física epsíquica oriundos de atos ou omissãodo trabalhador.

Requer a improcedência e, porcautela, a compensação.

Defesa e documentos de f. 55-112.

Foram expedidas cartasprecatórias para as inquirições dastestemunhas arroladas.

Em prosseguimento (termo de f.185-186), foi tomado o depoimentopessoal do reclamado e inquirida umatestemunha do reclamante.

Com a declaração das partes denão terem outras provas a produzir, ainstrução foi encerrada.

Razões orais finais porreportação.

Sem êxito a renovação daproposta conciliatória.

É o relatório.

FUNDAMENTOS

Prescrição

Argúi o reclamado a prescriçãoparcial.

O reclamante foi dispensado em03.01.2007 e a RT ajuizada em22.05.2007, o que torna prescritoseventuais direitos perseguidosanteriores a 22.05.2002, nos termos doque dispõe o art. 11 da CLT c/c incisoXXIX do art. 7º da CF/88.

Diferença salarial

O reclamante alega que foialçado a gerente principal em07.07.1992; que exercia o mesmotrabalho, com a mesma qualidade eperfeição técnica que a empregadaRosângela Auxiliadora Marques; que

havia menos de 02 anos de diferençade tempo na função e que recebia valorinferior.

O reclamado contesta, alegandoque a paradigma exercia a função degerente geral III nos últimos 05 anos eo reclamante a função de gerente geralII; que as funções tinhamresponsabilidades e atribuiçõesabsurdamente diferenciadas, pois aparadigma laborou em cidadeseconomicamente mais expressivas; queas atividades foram realizadas emmunicípios distintos e fora da mesmaregião metropolitana, em estadosdiversos, estando ausentes osrequisitos do artigo 461 da CLT.

O reclamante laborou nosúltimos cinco anos nas agênciasbancárias de Leopoldina e SantosDumont, e a paradigma nas agênciasde Conselheiro Lafaiete e Juiz de Fora.Conforme depoimento pessoal dopreposto do reclamado (f. 185), ambasas agências envolvidas na questãoestão subordinadas à mesma gerênciaregional de Juiz de Fora. De início, aprópria organização empresarial, queelegeu Juiz de Fora como sede dasuperintendência regional, favorece atese do reclamante.

Por outro lado, é certo que aglobalização econômica atual temlevado à redução progressiva dasfronteiras geopolíticas entre as cidadese à diminuição das diferenças de custode vida em cidades situadas na mesmaregião geoeconômica, como é o casodas cidades eleitas pelo reclamadocomo subordinadas à sede dasuperintendência regional de Juiz deFora.

Assim, em interpretaçãoextensiva do item X da Súmula n. 06 doTST e inspirada nos termos daConvenção n. 111 da OIT, sobre adiscriminação em matéria de emprego e

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profissão, ratificada pelo Brasil1, reputopreenchido o requisito da mesmalocalidade do art. 461 da CLT. Nessesentido, a decisão proferida nos autosdo RO-12434/99, da lavra doDesembargador Marcus Moura Ferreira,publicada no DJMG de 05.02.2000, p. 25:

EMENTA: EQUIPARAÇÃOSALARIAL - MESMA LOCALIDADE.Para efeito de interpretação danorma insculpida no art. 461 doEstatuto Celetista, a locução mesmalocalidade deve ser entendida comomesma região geoeconômica. Logo,empregados da mesma empresa,exercentes de funções idênticas, nasáreas de Belo Horizonte e SeteLagoas, distanciadas a apenas 86km, fazem jus à percepção de igualsalário. Inexiste qualquer motivoplausível para que haja diferenciaçãosalarial entre eles, mormente porque,à evidência, o reclamante estavasubordinado à mesma Diretoria queos paradigmas, em Belo Horizonte,participando, inclusive, nesta cidade,de reuniões semanais.

No depoimento pessoal, opreposto do reclamado afirma que aparadigma se aposentou, tendotrabalhado desde 2005 em Conselheiro

Lafaiete; que as tarefas dos gerentesgerais são as mesmas, mas o númerode clientes e subordinados variam. Issocontraria, de certa forma, o teor dadefesa, segundo a qual as atribuiçõese responsabilidades eram diferentes.Também nos termos da contestação, aparadigma trabalhou antes comogerente em Juiz de Fora e foi promovidaem 01.07.2001 a gerente geral III.

Por sua vez, o depoimento datestemunha Patrícia Trindade deRezende Moreira (f. 182-183) esclareceque todo gerente geral de agência, emqualquer agência, desempenha asmesmas atribuições; que reclamante eparadigma, como gerente geral,contavam com as mesmas atribuições.

Essa informação foi tambémconfirmada pela testemunha Walkyriada Conceição Ruffo Campos Fernandes(f. 167-168), segundo a qual não haviadiferença entre o reclamante e aparadigma, e pela testemunha RômuloGonçalves Siqueira (f. 156-157), quedisse que reclamante e paradigmaexerciam idênticas tarefas.

Doutro tanto, a testemunhaGilberto de Castro Timotheo, inquiridana audiência (termo às f. 185-186) e quetambém trabalhou como gerente geraldurante 14 anos, disse que não existeuma classificação entre as agências demenor ou de maior porte e que foitransferido de Ouro Branco para aagência de Juiz de Fora, sem aumentosalarial.

Ressalto que não consta nosautos a redução da gratificação daparadigma quando foi transferida deJuiz de Fora para Conselheiro Lafaiete(o juízo não está, com isso, dizendo queela seria lícita...), já que se pressupõe,como alega o reclamado, diminuiçãonas responsabilidades e atribuições emrazão da expressão econômica dacidade... Por outro lado, o reclamante

1 O artigo 2º dessa Convenção dispõe sobrea observância de uma política nacionaldestinada a promover, por meiosadequados às condições e à práticanacionais, a igualdade de oportunidade ede tratamento em matéria de emprego eprofissão, objetivando a eliminação detoda discriminação nesse sentido. O artigo3º estabelece o compromisso de cadaEstado-Membro da OIT de revogarquaisquer disposições legais e modificarquaisquer normas ou práticasadministrativas incompatíveis com essapolítica.

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também laborou na agência em que aparadigma se aposentou antes de sertransferido para as diversas agênciasque compõem a regional de Juiz deFora, o que faz crer que inexiste adiferenciação apontada pelo reclamado.

Quanto ao tempo de serviço nafunção, o reclamado, em suacontestação, afirma que, quando aparadigma foi promovida a gerente deprodução principal SRII, o reclamantejá exercia o cargo de gerente principalem Leopoldina (f.56), inexistindo,portanto, a diferença de tempo nafunção (não no cargo).

Assim, tenho que as atividadesdo reclamante e da paradigma eramidênticas (ambos eram gerentesprincipais das respectivas agências,com as mesmas atribuições eresponsabilidades), razão pela qual édevida a diferença salarial pretendida,com reflexos nas férias + 1/3, 13ºsalários, aviso prévio, FGTS + 40%.

A diferença salarial não inclui oanuênio, por ser verba de naturezapessoal.

Indefiro os reflexos nos RSRs,pois o pagamento da diferença é mensal.

Procede, em parte.

Danos morais

O reclamante alega que semprelaborou em conduta exemplar, tendosido designado para agênciasdeficitárias com o intuito de levantá-las,o que realmente ocorreu; que, a partirde março de 2005, recebeu uma sériede exigências, metas e cobranças paracumprimento em curto espaço detempo, sob ameaça velada de dispensa,passando a trabalhar sob pressão paraatingir objetivos intangíveis, queculminou com um quadro dehipertensão arterial e posteriortransferência.

Aduz que a conduta foi umaviolência psicológica, que se efetuouatravés de e-mail e pessoalmente nasreuniões onde estavam presentes todosos gerentes das agências cobertas pelaregional de Juiz de Fora, o que lhecausou dor e constrangimentoinaceitável, razão pela qual requerindenização pelos danos moraissofridos.

Por sua vez, o reclamadocontesta, afirmando que o reclamantenão sofreu qualquer prejuízo ou lesão adireito em sua integridade física epsíquica oriundos de ato ou omissão.

São danos morais, assimentendidos como sendo a “lesão de bemintegrante da personalidade, tal como ahonra, a l iberdade, a saúde, aintegridade psicológica, causando dor,sofrimento, tristeza, vexame ehumilhação à vítima”, na definição deSÉRGIO CAVALIERI FILHO ( inPrograma de responsabilidade civil, 2.ed. Malheiros, 2000, p. 74).

Lembro que o dano moral nãoprecisa ser provado. A respeito disso,YUSSEF SAID CAHALI (in Dano moral,1998, São Paulo: Revista dos Tribunais,p. 489) ensina que

a concepção atual da teoria dareparação de danos moraisorienta-se no sentido de que aresponsabilidade do agente se operapor força do simples fato da violaçãodamnum in re ipsa, verificando oevento danoso, surge, ipso facto, anecessidade da reparação. Coroláriodessa orientação é o entendimentode que não há que se cogitar deprova do dano moral.

Nessa seara, entendo que oassédio moral é um abuso emocional nolocal de trabalho, de forma maliciosa, não-sexual e não-racial, com o fim de afastar

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o empregado das relações profissionais,através de boatos, intimidações,humilhações, descrédito e isolamento.

MÁRCIA NOVAES GUEDES (inTerror psicológico no trabalho, SãoPaulo: LTr, 2003) ensina que

Mobbing ou assédio moral significatodos aqueles atos ecomportamentos provindos do patrão,gerente ou superior hierárquico oudos colegas, que traduzem umaatitude de contínua e ostensivaperseguição que possa acarretardanos relevantes às condiçõesfísicas, psíquicas e morais da vítima.

O assédio descendente é, emverdade, um abuso do direito diretivo doempregador. Nessa hipótese, asmedidas empregadas têm por únicoobjetivo deteriorar, intencionalmente, ascondições em que o trabalhadordesenvolve seu trabalho, muitofreqüentemente com a finalidade delevá-lo a pedir demissão (o juízo nãoconsidera possível, em face do caráterdespersonalizado da relação de trabalhoentre as partes e do alto nível intelectualentre os interlocutores, que o assédiotenha decorrido de outros objetivos, taiscomo doenças patológicas ou distúrbiosemocionais descontrolados). Por isso, oassédio não pode ser, em tese,considerado ato único e pressupõe certacontinuidade no tempo, como seobservou na hipótese vertente.

Por outro lado, observo que, seteve por objetivo levar o autor a pedirdemissão, o assédio não constitui boaprática, nem significa boa economia, namedida em que se diminuiu a diferençaentre os valores recebidos por ocasiãoda dispensa sem justa causa e dopedido de demissão, reduzidaatualmente ao montante do aviso prévio(quando não trabalhado...) e à multa de

40% do FGTS. Considerando que aatmosfera psicológica em que sedesenvolve o trabalho contribuidecisivamente para o bom desempenhodas atividades, tenho convicção de quea economia que poderia resultar de umassédio moral (pedido de demissão) nãocompensa definitivamente a perda deprodutividade ou de interesse dosempregados envolvidos.

Antes de passar ao exame daprova oral, quero apenas enfatizar que,em sua brilhante dissertação demestrado apresentada à PontifíciaUniversidade Católica de Minas Gerais,neste ano de 2007, sobre o tema“Assédio Moral no Ambiente deTrabalho: uma violação silenciosa àdignidade humana no âmbito dasrelações de emprego”, e da qual estajuíza teve a honra de participar comoprofessora convidada da banca, ANACAROLINA GONÇALVES VIEIRAlembra que, apesar de o conflito (“guerraaberta”) não se confundir com o assédio(“guerra velada”), “percebe-se que assituações de conflito tendem a serdesestimuladas ou crit icadas. Talconduta (política organizacional) poderealmente significar um certo incentivopara o desenvolvimento do assédiomoral.” (p. 53).

Na hipótese dos autos, odepoimento da testemunha Gilberto deCastro Timotheo (f. 185-186) confirmouas alegações do reclamante, pois,quando inquirido, disse:

...que participou de reuniões mensaise notava que a Srª Vilma deixava oreclamante de lado, de tal forma quedava para notar; que notou que issoacontecia só com o reclamante; que,por exemplo, ela fazia perguntas paraos outros gerentes e quandochegava a vez do reclamante, opulava... (f.186)

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O depoimento do prepostoconfirma que as metas eram estipuladaspela Superintendência Regional e que

Mês/ano Doc. f. Objetivo orçado (meta) Objetivo realizado diferença

Dez./06 22 R$148.038,50 R$132.462,70 -R$15.575,80

Jan./07 23 R$58.517,06 R$83.887,84 R$25.370,78

Fev./07 24 R$88.275,46 R$132.773,84 R$44.498,38

os documentos de f. 22,23,24 retratamos objetivos da agência gerenciada peloreclamante, como a seguir transcritos:

Disse ainda o preposto que oreclamante estava com baixodesempenho e por isso foi dispensado;que os objetivos orçados alteraram, masacredita que não tenha havido reduçãode clientela na agência de SantosDumont.

Pela análise dos valores eperíodos de metas, verifico que no últimomês de trabalho do reclamante (dezembrode 2006) foi estipulada uma meta, nãoalcançada e que, posteriormente, após adispensa do reclamante (a partir dejaneiro/07), a meta foi reduzidasignificativamente, propiciando à agênciasuperar a meta no período.

É certo que metas fazem parteda atividade empresarial (e não sódela...), como também é certo quedevem ser util izadas comprofissionalismo, integridade e respeitono relacionamento, conforme valorescorporativos, atuando como estímulopara o desenvolvimento e desafio.

No caso, comprova-se aimposição de meta não alcançada eposterior redução após a dispensa doreclamante, como também a utilizaçãodo fato de o autor não alcançar as metascomo pretexto para excluí-lo daparticipação nas reuniões dos gerentes,em confronto com os próprios valorescorporativos do reclamado.

Assim, tenho que a conduta doreclamado atingiu moralmente oreclamante, causando-lheconstrangimento ilícito. De fato, oreclamante teve afetado um bemintegrante da personalidade, um direitofundamental, qual seja, a saúde e aintegridade psicológica, pois sofreu noambiente de trabalho isolamento,participação reduzida nas atividades eimposição de metas não alcançáveis.

Dentro dessas premissas,considerando ademais a capacidadeeconômica do ofensor, a Teoria doDesestímulo e o constrangimentocausado, decido arbitrar a indenizaçãopor danos morais no valor deR$10.000,00, atualizados até a presentedata, a ser paga de uma só vez.

Procede.

Compensação

As parcelas deferidas não forampagas, razão pela qual não hácompensação.

Assistência judiciária

Concedo ao reclamante osbenefícios da justiça gratuita, sendo obastante, para tanto, a simplesdeclaração de ser pobre no sentido da

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lei, firmada pela própria parte (f.15).Inteligência da lei (artigo 4º da Lei n.1.060/50, artigo 1º da Lei n. 7.115/83,artigo 38 do CPC e § 3º do artigo 790 daCLT), da jurisprudência (OJs n. 304 e 331ambas da SDI-I do TST) e dos princípiospertinentes (simplicidade, informalidade,além da garantia de amplo acesso aoJudiciário, principalmente para os quedetêm parcos recursos financeiros - CF/88, artigo 5º, incisos XXXV e LXXIV).

Critérios de cálculos

Sobre o principal devido incidiráatualização monetária, cujo índice seráaquele após o primeiro (1º) dia útil domês seguinte ao trabalhado, conformeentendimento consubstanciado naSúmula n. 381 do TST, observada aTabela Única para Atualização eConversão de Débitos Trabalhistas doConselho Superior da Justiça doTrabalho (Resolução n. 8/2005 doSSJT), inclusive sobre o FGTS + 40%(OJ n. 302 da SDI-I do TST).

Atualizados os valores, incidirãojuros de mora (Súmula n. 200 do TST)contados do ajuizamento da ação (art.883 da CLT), à taxa de 1% ao mês, prorata die (Lei n. 8.177/91), de formasimples, não capitalizados.

A atualização monetária e os jurossão devidos até o efetivo pagamento aocredor, não cessando com eventualdepósito em dinheiro para garantia daexecução (Súmula n. 15 do TRT).

Autorizo o desconto dascontribuições previdenciárias a cargo doreclamante, aplicando-se o disposto noProvimento n. 1/96 do TST devendo oreclamado comprovar os recolhimentosprevidenciários devidos, juntando cópiada respectiva GPS aos autos ou outrodocumento que venha a substituí-la, noprazo de 05 dias, a contar do término

do prazo definido pelo art. 276 doDecreto n. 3.048/99, sob pena deexecução destes por esta JustiçaEspecializada, nos termos do parágrafoúnico do artigo 876 da CLT.

Para os efeitos do § 3º do artigo832 da CLT, declaro que têm naturezasalarial a diferença salarial e seusreflexos em 13º salário e em fériasgozadas.

Autorizo o desconto do impostode renda a ser retido do crédito doreclamante, se for o caso, devendo orecolhimento ser comprovado nos autosno prazo de 15 dias após a retenção, naforma do artigo 28 da Lei n. 10.833/2003.

ISTO POSTO

julgo PROCEDENTES EMPARTE os pedidos do reclamante JOÃOCARLOS LAMIN DE SOUZA paracondenar o reclamado BANCO ABNAMRO REAL S/A, nos termos dafundamentação supra, parte integrantedeste dispositivo, para:

1 - pagar a diferença salarial comos reflexos no aviso prévio, férias +1/3,13º salários, FGTS + 40%;

2 - pagar a indenização por danosmorais arbitrada em R$10.000,00.

Estão prescritas as parcelasanteriores a 22.05.2002.

Defiro ao reclamante osbenefícios da assistência judiciária.

Pague o reclamado ascontribuições previdenciárias e fiscais,nos termos da fundamentação.

Custas no importe deR$1.400,00, calculadas sobreR$70.000,00, pelo reclamado.

Cientes as partes (Súmula n. 197do TST).

Nada mais.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01809-2007-092-03-00-5Data: 23.11.2007DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE PEDRO LEOPOLDO - MGJuiz Titular: Dr. PAULO CHAVES CORRÊA FILHO

Aos 23 dias do mês de novembro de 2007, às 16h10min, na sede da VARADO TRABALHO DE PEDRO LEOPOLDO, sob a presidência do Juiz do TrabalhoPAULO CHAVES CORRÊA FILHO, realizou-se a audiência da reclamaçãotrabalhista ajuizada por SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIASDA CONSTRUÇÃO PESADA DE MINAS GERAIS (SITICOP-MG) em face de J’ÁVILASERVIÇOS FERROVIÁRIOS LTDA., relativa a ação de cobrança de contribuiçãosindical, além de outros pedidos.

Dispensadas as partes, foi proferida a seguinte decisão:

RELATÓRIO

SINDICATO DOSTRABALHADORES NAS INDÚSTRIASDA CONSTRUÇÃO PESADA DE MINASGERAIS (SITICOP-MG), devidamentequalif icado na exordial, porprocuradores regularmenteconstituídos, ingressa com açãodeclaratória c/c ação de cobrança decontribuições sindicais e ação decumprimento de cobrança decontribuições especiais estipuladas emCCTs em desfavor de J’ÁVILASERVIÇOS FERROVIÁRIOS LTDA.

Requer a declaração dereconhecimento da legitimidade dosindicato-autor para figurar naangularidade ativa da demanda, e,como tal, atuar como legítimorepresentante sindical dostrabalhadores vinculados à empresademandada.

Pleiteia, também, a declaraçãojudicial de que a demandada é empresado segmento da construção pesada e,via de conseqüência, o reconhecimentoda legitimidade dela para atuar no pólopassivo da lide, haja vista que foi, noentender dele, regularmenterepresentada pelo Sindicato daIndústria da Construção Pesada noEstado de Minas Gerais (SICEPOT-

MG), em negociações coletivas com elefirmadas.

Entende ter jus ao recebimentode contribuições negocial confederativae sindical, além de outras especiaisestipuladas em CCTs e termos aditivos,bem como valores de multas em razãode cláusulas convencionais violadaspela ré.

Com outras considerações, juntadocumentos (f. 20/234), designação (f.235), procuração (f. 236), para, alfim,postular as parcelas elencadas às f. 17/18, atribuindo ao feito o valor deR$24.411,59.

Notificada, a demandada argúi aincompetência da 31ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte para a solução dolitígio, argumentando ser a empresasediada em Pedro Leopoldo, o que foiacolhido por aquele juízo, tendo sido osautos remetidos a esta Vara em1º.10.2007 (f. 281).

Na audiência emprosseguimento (f. 286), a reclamadaapresenta peça de resistência escrita (f.287/306), contrato social e alterações(f. 307/318), procuração (f. 319) edocumentos (f. 320/657).

O sindicato-autor manifestou-seàs f. 661/670 acerca da documentaçãoque acompanhou a defesa.

Na assentada de f. 671,

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permaneceram as partes desavindas,não obstante tenha sido renovada aproposta conciliatória a tempo e modo,quando, então, encerrou-se a instruçãoprocessual.

É a lide no essencial.

FUNDAMENTOS

Ações declaratórias -Contribuição sindical

A declaração positiva ounegativa de legitimidade de partes, naverdade, é quinhão do cerne do litígioque se confunde com o meritum daquestão atinente ao enquadramentosindical e com ele será examinada.

Assim, o que se pode declarar, aprincípio, é tão-só que o sindicatoexerceu o direito de ação garantido porlei e que a ré é a pessoa indicada pelosindicato demandante como devedorada relação jurídica material, havendopertinência subjetiva entre os sujeitosda alegada relação de direito material eaqueles integrantes desta demanda.

Pois bem. Passemos, então, àanálise mais profunda da questão.

O sindicato-autor afirma quequase todos os empregados daempresa desenvolvem atividade deconservação de via permanente(tri lhos), que está inserida no rolabrangido por ele, motivo pelo qualrequer a declaração de reconhecimentoda legitimidade dele para figurar naangularidade ativa da demanda, e,como tal, atuar como legítimorepresentante sindical dostrabalhadores vinculados à empresademandada.

Além disso, alega que aconstrução de rodovias e de ferrovias éo objeto social preponderante da ré, emrazão do código do Q-NAE, pelo querequer a declaração de ser a

demandada empresa do segmento daconstrução pesada e, via deconseqüência, o reconhecimentojudicial da legitimidade dela para atuarno pólo passivo da lide, haja vista quefoi, a seu entender, regularmenterepresentada pelo Sindicato da Indústriada Construção Pesada no Estado deMinas Gerais (SICEPOT-MG), emnegociações coletivas com ele firmadas.

A reclamada, a seu turno, refutaas alegações do sindicato demandante,asseverando que o objetivo social daempresa é a manutenção de ferrovias,lavagem de vagões, explicitando que aatividade econômica preponderante dareclamada não faz parte da competênciade fiscalização do sindicato-autor,porquanto nunca realizou obras ouserviços que pudessem serenquadrados na abrangência dele.

Advoga que possíveis trabalhosde infra-estrutura em ferrovias,executados eventualmente pelosempregados dela, consistem ematividade-meio e, por tal razão, nãoafetam o real enquadramento sindicaldela, e, conseqüentemente, dostrabalhadores.

Além disso, assevera que jamaishouve publicidade nos atos praticadospelo Sindicato da Indústria daConstrução Pesada no Estado de MinasGerais (SICEPOT-MG) em relação àdemandada, nunca tendo ela opinadoou anuído, tampouco tomado parte emnegociações daquela natureza.

Acrescenta que em tempo algumfoi convocada pelos aludidos Sindicatospara participar de assembléias e nemprocurada pelo requerente com o fito dereceber qualquer valor ao título orapleiteado.

Pois bem. Como se dessume dadocumentação adunada aos autos,verifica-se que a representação dosindicato-autor alcança:

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[...] empregados nas indústrias daconstrução e conservação deestradas, pontes, viadutos, portos,aeroportos e obras de terraplanagemem geral, obras de infra-estrutura,barragens e de saneamento básico,inclusive condutores de veículos forade estrada, [...] (por amostragem-documento de f. 71)

Constata-se, ainda, que:

o objetivo social da sociedade [...]passa, nesta data, a ser prestaçãode serviços de engenharia civil emestradas, ferrovias, manobras paraformação de composiçõesferroviárias e construções civis.(alteração contratual - f. 276)

Estabelecida a controvérsia,sobreleva ressaltar os ditamesestabelecidos pelos arts. 570 e 581 daCLT, segundo os quais oenquadramento sindical, via de regra,é determinado pela atividadepreponderante da empresa.

Nesse sentido, vale citar:

VINCULAÇÃO SINDICAL. [...] Avinculação sindical não pode seralvo de vontade ou escolha e, sim,decorrência de enquadramentoque é automático: a atividade daempresa/empregadora retrata suainserção numa dada categoriaeconômica e substanti f ica suavinculação à Entidade Sindicalque a representa ; no pr ismaobreiro, o empregado integra acategor ia p ro f iss iona lcorrespondente à atividade daempregadora.(TRT 3ª R. - Proc. 00480-2006-005-03-00-8 - 6ª T. - Rel. Emília Facchini- DJMG 05.10.2006 - p. 18)

Nesse particular, o requerenteafirma ser a requerida empresa quecompõe o segmento da construçãopesada, que tem como principaisatividades as de grande porte, quaissejam, terraplanagem, drenagem,derrocamentos, remoção de rochas,construção de plantas hidrelétricas,nucleares, termelétricas e telefônicas,obras viárias, rodovias, pavimentação,construção de gasodutos, pontes,viadutos, construções de portos,represas e outros.

A demandada, a seu turno,afirma que o objeto social dela consisteem atividades atinentes à construçãocivil, sendo a este sindicato filiada e parao qual contribui.

Com razão a demandada.A tese por ela defendida

encontra respaldo no contextoprobatório, porquanto dele sedepreende que a requerida é empresado ramo de manutenção ferroviária,empreendendo troca de dormentes elavagem de vagões, conforme sedimana, por exemplo, da análise dasnotas fiscais de f. 364/368 e 382/395.

Além disso, vale ressaltar que ocódigo do Q-NAE lançado pelademandada no cartão do CNPJ foiescolhido, quando da constituiçãoempresarial, por não haver umacompilação mais específica para aatividade empreendida por ela,conforme esclarece à f. 292, de sorteque não pode a requerente se valer deuma impropriedade da legislação querege o assunto para se beneficiar e,ainda, impelir o juízo a uma chancelanesse sentido.

Como corolário de todo oexposto, colhe-se que, como aatividade preponderante da empresacinge-se praticamente à lavagem devagões e manutenção de l inhasférreas, ela orienta a semelhança das

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condições de trabalho dos empregadose, portanto, o enquadramento sindicaldeles.

Nesse viés, é o que se constataao analisar a lista colacionada aosautos pelo próprio sindicatodemandante às f. 27/28, na qual amaioria dos trabalhadores da ré figuracomo conservador de via permanente(trilhos).

Nessa ordem de idéias,consoante o disposto no art. 581 da CLT,forçoso é declarar não ser o Sindicatodos Trabalhadores nas Indústrias daConstrução Pesada de Minas Gerais(SITICOP-MG) o legítimo destinatário dacontribuição sindical, por não ser olegítimo representante sindical dosempregados da demandada, o que,logicamente, conduz à ilação deimprocedência do pedidocorrespondente à contribuição sindicalpleiteada.

Nessa mesma l inha deraciocínio, declaro que a ré não éempresa do segmento de construçãopesada, porquanto a at iv idadeprincipal por ela empreendida é a deprestação de serviços de engenhariacivil em estradas, ferrovias, bem comomanobras para formação decomposições ferroviár ias econstruções civis (alteração contratual- f. 276).

Via de conseqüência, declaro,por fim, que o Sindicato da Indústria daConstrução Pesada no Estado de MinasGerais (SICEPOT-MG) não é partelegítima para representar a reclamada,já que ela não faz parte do ramo deempresas que exercem atividades naconstrução pesada.

Desse modo, esgoto a entregajurisdicional das reverberações autoraisdeclinadas nos itens 9, bem como 1, 2,3 e 4, sendo estes últimos de carátermeramente declaratório.

Vale ressaltar, por oportuno, queo juiz está adstrito aos limites da lide,não podendo extrapolar, tampoucojulgar aquém do pedido, sendo certoque deve ter cautela para não dar cunhocondenatório de título pré-executivo àação meramente declaratória deexistência ou inexistência de relaçãojurídica.

CONTRIBUIÇÃO NEGOCIALCONFEDERATIVA -CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIODO BANCO DE EMPREGO, DOTREINAMENTO TÉCNICO-PROFISSIONAL E DA CÂMARA DECONCILIAÇÃO PRÉVIA DEDISSÍDIOS INDIVIDUAIS -CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIODO BANCO DE EMPREGO DOTREINAMENTO E DA COMISSÃODE CONCILIAÇÃO PRÉVIA DACONSTRUÇÃO PESADA -CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIALPATRONAL - CONTRIBUIÇÃOEXTRAORDINÁRIA PARAAUXÍLIO AOS TRABALHADORESDESEMPREGADOS -CONTRIBUIÇÃO PARA AUXÍLIODO FORTALECIMENTO DOSITICOP-MG PARA OATENDIMENTO AOSTRABALHADORES DACONSTRUÇÃO PESADA -MULTAS ESTIPULADAS EMCCTS ADVINDAS DECLÁUSULAS CONVENCIONAISVIOLADAS

Por conseqüência lógica doexposto no tópico anterior e pelasmesmas razões, improcedentes sãotambém os pedidos correspondentesaos itens 5, 6, 7 e 8 da peçapreambular, uma vez que têm caráteracessório em relação à açãodeclaratória.

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Litigância de má-fé

Descabe falar em aplicação damulta por litigância de má-fé, porquantoo autor apenas exerceu o direito deação, protegido pela CF, não podendoser tachado de improbus litigator.REJEITO.

Justiça gratuita

Não preenchidas as condiçõesdo art. 14 da Lei n. 5.584/70 c/c a Lei n.1.060/50 e Súmula n. 219 do TST, umavez que o sindicato-autor estápostulando em nome próprio e nãocomo substituto processual, INDEFIRO.

Honorários advocatícios

Indevidos os honorários, já quenada foi reconhecido ao autor.

São esses os fundamentos dadecisão.

CONCLUSÃO

Ex positis, DECLARO que: 1) oSindicato dos Trabalhadores nasIndústrias da Construção Pesada deMinas Gerais (SITICOP-MG) não é olegítimo destinatário da contribuiçãosindical pleiteada; 2) o Sindicato dosTrabalhadores nas Indústrias daConstrução Pesada de Minas Gerais(SITICOP-MG) não é o legítimorepresentante sindical dos empregadosda demandada; 3) a ré - J’ÁVILASERVIÇOS FERROVIÁRIOS LTDA. -não é empresa do segmento deconstrução pesada e 4) o Sindicato da

Indústria da Construção Pesada noEstado de Minas Gerais (SICEPOT) nãoé parte legítima para representar areclamada em negociações coletivase, em razão disso, JULGOIMPROCEDENTES os pedidos iniciaisatinentes a: 1) contribuição sindical; 2)contribuição negocial confederativa; 3)contribuição para custeio do banco deemprego, do treinamento técnico-profissional e da câmara de conciliaçãoprévia de dissídios individuais; 4)contribuição para custeio do banco deemprego do treinamento e da comissãode conciliação prévia da construçãopesada; 5) contribuição assistencialpatronal; 6) contribuição extraordináriapara auxílio aos trabalhadoresdesempregados; 7) contribuição paraauxílio do fortalecimento do SITICOP-MG para o atendimento aostrabalhadores da construção pesada e8) multas estipuladas em CCTs advindasde cláusulas violadas, formulados porSINDICATO DOS TRABALHADORESNAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃOPESADA DE MINAS GERAIS (SITICOP-MG) em face de J’ÁVILA SERVIÇOSFERROVIÁRIOS LTDA., nos termos dafundamentação, parte integrante destedecisum.

Custas processuais, pelo autor,no importe de R$488,23, calculadassobre R$24.411,59, valor atribuído aofeito.

Honorários advocatíciosindevidos na espécie.

Cientes as partes - Súmula n.197 do TST.

NADA MAIS.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00592-2007-110-03-00-3Data: 20.08.2007DECISÃO DA 31ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuíza Substituta: Drª FLÁVIA CRISTINA SOUZA DOS SANTOS

Aos 20 dias do mês de agosto de 2007, às 17h58min, na sede da 31ª Varado Trabalho de Belo Horizonte, sob a presidência da Juíza do Trabalho SubstitutaFlávia Cristina Souza dos Santos, realizou-se a audiência para julgamento dospedidos formulados na ação trabalhista ajuizada por Neide Maria Campos Nogueiraem face de Pará Automóveis Ltda., Rodobens Administradora de Consórcios Ltda.,Rodobens Administração e Corretagem Previdência Privada Ltda. e PortobensAdministração de Consórcios Ltda.

Apregoadas as partes. Ausentes.A seguir, foi proferida a seguinte SENTENÇA:

I - RELATÓRIO

Neide Maria Campos Nogueiraajuizou reclamação trabalhista em facede Pará Automóveis Ltda., RodobensAdministradora de Consórcios Ltda.,Rodobens Administração e CorretagemPrevidência Privada Ltda. e PortobensAdministração de Consórcios Ltda.,todos qualificados na peça de ingresso,alegando, em síntese, que asreclamadas compõem um grupoeconômico, devendo ser declarada aresponsabilidade de todas peloscréditos pendentes de pagamento. Foiempregada da 1ª reclamada no períodode 02.04.2004 a 01.12.2004 e da 2ªreclamada de 02.12.2004 a 19.04.2006,devendo ser declarada a unicidadecontratual por todo o lapso temporal.Atendia clientes, participava de reuniõese assembléias após o término dajornada normal, trabalhando tambémem dois sábados e um domingo pormês, pretendendo receber pelas horasextras. Enquanto empregada da 1ªreclamada recebia salário fixo ecomissão de 0,8% sobre as vendasrealizadas, paga por RPA, além decomissão pela venda de seguroprestamista, paga pelas 2ª, 3ª e 4ªreclamadas por meio de RPA. Quando

da assinatura de sua carteira pela 2ªreclamada, houve redução do valor fixodo salário, além de supressão dacomissão do seguro prestamista. Fazjus às diferenças salariais, considerandoo valor fixo ajustado, e ao pagamentodas comissões suprimidas. Oadiantamento salarial realizado nãoatendia às exigências convencionais eo acerto rescisório foi realizado adestempo. Ao final, formulou os pedidosde f. 08/09, atribuindo à causa o valorde R$45.152,29.

Juntou documentos (f. 12/115),declaração de pobreza (f. 116) eprocuração (f. 117).

Frustrada a propostaconciliatória, as reclamadasapresentaram defesas em peçasdistintas, juntadas às f. 123/156, 211/244, 390/402 e 430/445.

A 1ª reclamada argüiu aprescrição total da pretensão relativa aocontrato com ela celebrado. Impugnoua CCT juntada pela reclamante, que foicelebrada pelo Sindicato Nacional dosAdministradores de Consórcios,atividade estranha à sua empregadora,que é concessionária e distribuidora deveículos. Contestou o pleito deresponsabilidade solidária de todas asreclamadas, por não existir grupo

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econômico. Após, afirmou que mesmointegrando o mesmo grupo não há falarem solidariedade, por não haver ocontrole de uma empresa sobre a outra.A dispensa da reclamante foiplenamente lícita, tendo ela recebidotodas as verbas devidas. Era a obreiravendedora externa, nunca tendorecebido comissões por venda. Emvirtude de convênio celebrado com a 2ªreclamada, permitia a 1ª reclamada avenda de automóveis por consórcio, ea comissão devida pela intermediaçãodeste era paga à reclamante pela 2ªreclamada, por meio de RPA, sendoesta, entretanto, questão alheia aocontrato de trabalho mantido. Na quotado consórcio já estava embutido oseguro de vida (prestamista), mas estenão era vendido pela reclamante,decorrendo o fato de uma negociaçãocomercial que a 1ª reclamada mantémcom uma empresa especializada emadministração e corretagem de segurosde vida. A reclamante desenvolvia suasatividades externamente, não sesujeitando a controle de horário, ficandoimpugnados aqueles declinados napeça de ingresso. O adiantamentosalarial se fazia nos moldes previstosna CCT juntada com a defesa, nãohavendo razão para pagamento dacláusula penal pactuada. As verbasrescisórias foram depositadas na contacorrente da reclamante no prazoprevisto na legislação. Enfim, impugnouos pedidos formulados.

Juntou procuração (f. 469/471 e475), carta de preposição (f. 459) edocumentos (f. 157/210).

A 2ª reclamada tambémcontestou o pleito de responsabilizaçãosolidária de todas as reclamadas, pornão ser a hipótese de grupo econômico.Suscitou sua ilegitimidade passiva comrelação ao período em que a reclamantefoi empregada da 1ª reclamada.

Defendeu a validade da contratação dareclamante. Confirmou a existência deum convênio com a 1ª reclamada, pormeio do qual eram colocadas à vendaquotas de consórcio desta, recebendoa reclamante a comissão referente àintermediação por ela eventualmenterealizada, por meio de RPA, por não serempregada da 2ª reclamada,responsável pelo pagamento. Osencargos trabalhistas daí advindos eramde responsabilidade da 1ª reclamada,conforme avençado entre as partes. Noperíodo em que foi empregada da 2ªreclamada, a reclamante se limitou avender quotas de consórcio, recebendosalário fixo mais comissões de 1%, nãotendo havido redução, já que antes nãorecebia comissão. Nunca pagoucomissão por venda de seguro, já queeste não era seu objeto social.Confirmou, também, a existência de umpacto comercial entre as 2ª e 3ªreclamadas, em razão do qual na quotado consórcio já estava embutido oseguro de vida oferecido pela 3ªreclamada, não sendo a reclamante,pois, vendedora de seguro. Suasfunções eram desempenhadasexternamente, não se sujeitando aobreira a qualquer controle. Oadiantamento salarial era feito nosmoldes da CCT, devendo ser levado emconta o valor do salário fixo, e não daremuneração integrada pelascomissões. As verbas rescisórias forampagas a tempo e modo. Enfim,contestou todos os pedidos.

Juntou procuração (f. 461/463 e472), carta de preposição (f. 477) edocumentos (f. 245/389).

A 3ª reclamada suscitou suailegitimidade passiva, sob o argumentode nunca ter sido empregadora dareclamante ou mesmo tomadora de seusserviços. Jamais comercializou areclamante qualquer produto oferecido

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pela 3ª reclamada. Impugnou a alegaçãoinicial de que pagava comissões àreclamante, por venda de seguroprestamista. Não há responsabilidadesolidária entre as reclamadas.Contestou, pois, os pedidos deduzidos.

Juntou procuração (f. 464/466 e473), carta de preposição (f. 460) edocumentos (f. 403/429).

Por fim, a 4ª reclamadaapresentou defesa também suscitandosua ilegitimidade passiva, por nunca terhavido relação de emprego entre aspartes, nem mesmo prestação deserviços da reclamante em seu favor.No mérito, contestou a afirmação deexistência de grupo econômico,aduzindo não haver solidariedade entreas demandadas. Confirmou a existênciade um contrato entre as 1ª e 4ªreclamadas, em virtude do qual a 1ªreclamada intermediava a colocação dequotas de consórcio da 4ª reclamada,que pagava as comissões devidas à 1ªreclamada ou a quem ela indicasse, pormeio de RPA. As vendas eram eventuaise as comissões recebidas pelareclamante não integravam suaremuneração. Impugnou também ospedidos deduzidos.

Juntou procuração (f. 467/468 e472), carta de preposição (f. 479) edocumentos (f. 446/245/389).

Impugnação da reclamantejuntada aos autos às f. 481/487.

Em audiência foi colhido odepoimento pessoal da reclamante e dosprepostos das três primeiras reclamadas.Inquiridas três testemunhas, sendo duasa rogo da reclamante.

Sem mais provas a seremproduzidas, encerrou-se a instruçãoprocessual (f. 495).

Razões finais orais pelareclamante, reduzidas a termo aquelasapresentadas pelas reclamadas.

Partes inconciliáveis.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Protestos

Não merece reconsideração adecisão que indeferiu a juntada de cópiado depoimento prestado pelasupervisora da reclamante.

Afinal, caberia à reclamada, casovislumbrasse nas informações da SrªMara Lúcia Teixeira Marques umrelevante meio de prova, requerer suaoitiva perante este juízo, fossearrolando-a no prazo concedido naaudiência do dia 12.06.2007 (f. 127), oua trazendo independentemente deintimação, como também facultadonaquela oportunidade. Se não oprovidenciou é porque não consideroua diligência relevante.

Ademais, não há previsão legalque obrigue o julgador a acatar provaemprestada colhida em outro feito,ficando a providência ao arbítrio daqueleque conduz a instrução processual, eque tem a autorização legal paraindeferir as diligências consideradasinúteis, conforme artigo 130 do Códigode Processo Civil e artigo 765 daConsolidação das Leis do Trabalho.

2. Juntada de documentos

Em audiência, requereu areclamada a juntada de manifestação naqual reproduziu cópia de depoimentoprestado perante a 2ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte, em audiênciarealizada no dia 16.07.2007.

Sobre a juntada se manifestou areclamante, que a considerou inoportuna,por estar a prova documental preclusa,requerendo o seu desentranhamento.

A análise da oportunidade ou nãoda manifestação da reclamada foidiferida para o momento da prolação dasentença.

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Primeiramente frise-se que areclamada sequer juntou cópia dodepoimento prestado, mas merareprodução de seus termos em meio à suamanifestação, não sendo possívelaveriguar a exatidão da transcrição.Ademais, como já aduzido, em que peseser o depoimento um fato novo, eis queprestado no dia 16.07.2007, não está estejuízo obrigado a acolher como provadepoimentos prestados perante outro juízo.

Dessa sorte, afasto amanifestação juntada como elemento deconvencimento deste juízo para ojulgamento que ora se realiza.

3. Ilegitimidade passiva

A questão afeta à legitimidade daspartes deve ser aferida no plano abstratodas alegações postas na exordial, e nãode forma atrelada aos fatos ou ao direitomaterial em discussão. Sendo assim,tendo a reclamante informado que asreclamadas integram grupo econômicoe que, por isso, devem respondersolidariamente pelos débitos existentes,são todas as demandadas legitimadas afigurar no pólo passivo da relaçãoprocessual, eis que titulares do direito edo interesse de oferecer resistência àpretensão inicial, independentemente deterem ou não recebido a prestação deserviços da reclamante e do período emque isso possa ter ocorrido.

Nos dizeres de Alexandre FreitasCâmara1, a legitimidade das partes podeser definida como

a pertinência subjetiva da ação. Emoutros termos, podemos afirmar quetêm legitimidade para a causa ostitulares da relação jurídica deduzidapelo demandante, no processo.

Sendo as reclamadas devedorasna relação jurídica deduzida pelareclamante, pois assim foram por elaindicadas, legitimadas estão a integraro pólo passivo do processo.

Friso que em momento nenhuma reclamante sustentou ter mantidocontrato de trabalho com as 3ª e 4ªreclamadas, não estando tal matéria emdiscussão no feito. Logo, no particular,as defesas extrapolam o limite da lide.

Ao contrário do que entendem asreclamadas, a matéria afeta à existênciaou não do grupo econômico, ou de suaresponsabilidade, em razão de tal fato, éprópria do mérito da demanda, e comotal será apreciada, no momento oportuno.

Alicerçada em tais razões, rejeitoa preliminar de ilegitimidade argüida portodas as reclamadas, reconhecendopresentes todas as condições da açãopara análise do mérito da demanda.

4. Grupo econômico

O § 2º do artigo 2º do DiplomaConsolidado prevê que

Sempre que uma ou mais empresas,tendo, embora, cada uma delas,personalidade jurídica própria,estiverem sob a direção, controle ouadministração de outra, constituindogrupo industrial, comercial ou dequalquer outra atividade econômica,serão, para os efeitos da relação deemprego, solidariamenteresponsáveis a empresa principal ecada uma das subordinadas.

Em sua clássica obra Curso dedireito do trabalho, o Desembargador doTrabalho Mauricio Godinho Delgado2

afirma que

1 Lições de direito processual civil, v. 1, Riode Janeiro: Lumem Juris, 2005, p. 125.

2 Curso de direito do trabalho. 4. ed., SãoPaulo: LTr, 2005, p. 400-401.

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No tocante a esse tema, percebe-se,entretanto, a existência de nítidadivergência jurisprudencial edoutrinária. Duas vertentesinterpretativas surgem: a primeira,que restringe a configuração dogrupo à ocorrência de nexo de efetivadireção hierárquica entre suasempresas componentes; a segunda,que reduz a uma relação de simplescoordenação entre as empresas dogrupo o nexo relacional exigido pelaordem jurídica.

E arremata afirmando que

A própria informalidade conferidapelo Direito do Trabalho à noção degrupo econômico seria incompatívelcom a idéia de se acatar a presençado grupo somente à luz de umarelação hierárquica e assimétricaentre os seus componentes.

Portanto, a jurisprudência cuidoude conferir ao referido dispositivoceletista uma interpretação menosformalista e mais abrangente,contentando-se com a meracoordenação entre os entes sociais parase ter a figura ali prevista, sem que sefaça necessária a existência de umahierarquia entre eles, com apreponderância de uma empresa sobreas demais.

No presente feito, a existência dogrupo econômico foi reconhecida peloprocurador único das reclamadas, emaudiência, conforme f. 127, além de tersido objeto de confissão nosdepoimentos pessoais prestados pelosprepostos das 1ª, 2ª e 3ª reclamadas,consoante f. 490.

Não bastasse, resta evidente queas reclamadas integram umconglomerado, tanto assim que há, entretodas elas, convênios de prestação de

serviços em razão dos quais osempregados formalmente contratadospor uma delas disponibilizam, nomercado, produtos comercializadospelas outras, fato esse incontroverso.Ademais, outorgam procuração emconjunto e/ou aos mesmosprocuradores, conforme instrumentos def. 461/475, demonstrando, assim,inegável comunhão de interesses ecoordenação empresarial.

Tanto assim que, durante todo operíodo em que se mantevejuridicamente ligada ao grupo, fosse suacarteira de trabalho assinada pela 1ªreclamada ou pela 2ª reclamada, areclamante disponibilizou no mercadoquotas de consórcio da 2ª e da 4ªreclamadas, junto às quais eraoferecido, também, o seguro de vidacomercializado pela 3ª reclamada.

Por outro lado, os empregadosde uma empresa trabalhavam nasdependências de outras, como ocorrido,a título de exemplo, com a testemunhaJosé Antônio Moura que, apesar de jáser empregado da 2ª reclamada,permaneceu trabalhando nasdependências da 1ª reclamada por 15dias, tendo ele confirmado que areclamante, mesmo após serdispensada pela 1ª reclamada econtratada pela 2ª reclamada,permaneceu “um bom tempo”trabalhando nas dependências daprimeira (itens 43 a 45, f. 494).

Lado outro, era comum adispensa de empregado por umaempresa e sua imediata contratação poroutra, como ocorrido com a reclamantee com as testemunhas EdileneFagundes Mendes e José AntônioMoura.

Demonstrado, pois, que todas asreclamadas encontravam-se dispostashorizontalmente, no mesmo plano,participando todas de um

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empreendimento único, em suas váriasfacetas, que englobavam a venda deveículos, a possibilidade de sua ofertapor meio de consórcios e o oferecimentodo seguro de vida, havendo nítidarelação de coordenação e de comunhãoentre as várias empresas, inclusiveconforme demonstrado por meio dosdocumentos de f. 403/429. E como visto,não mais se exige, para a noção degrupo, a existência de uma empresamãe a controlar as demais.

Reconheço, pois, a existência dogrupo econômico entre todas asreclamadas, bem como suasolidariedade pelo adimplemento dasobrigações trabalhistas advindas doscontratos mantidos com a reclamante,à luz do artigo 2º, § 2º, da Consolidaçãodas Leis do Trabalho, sendo a hipótese,pois, de empregador único, consoanteentendimento já consolidado por meioda Súmula n. 129 do Col. TST.

5. Unicidade contratual

A reclamante pretende sejareconhecida a nulidade da dispensarealizada pela 1ª reclamada, em1º.12.2004, bem como a unicidadecontratual no período de 02.04.2004 a19.04.2006, período em que mantevecontratos de trabalho com as 1ª e 2ªreclamadas.

Como já decidido, as reclamadascompõem um grupo econômico, sendoseus integrantes solidariamenteresponsáveis pelo contrato, o queconduz à existência de um contratoúnico com a reclamante, por todo operíodo em que esta colaborou para oempreendimento.

Em sendo assim, reconheço aunicidade contratual no período de02.04.2004 a 18.05.2006, jáconsiderada a projeção do aviso prévioindenizado recebido pela reclamante,

quando do rompimento do pacto (f. 35),em respeito ao § 1º do artigo 487 daCLT.

6. Prescrição

Reconhecida a unicidadecontratual, não há prescrição a serdeclarada, haja vista que a resilição docontrato se deu no dia 18.05.2006,considerada a projeção do aviso prévio,recebido pela reclamante de formaindenizada, conforme TRCT de f. 35, eque a propositura da presente se fez nodia 11.05.2007, dentro, portanto, dobiênio previsto no inciso XXIX do artigo7º da Constituição Federal.

Rejeito.

7. Enquadramento sindical -Instrumento normativo aplicável

Pretende a reclamante orecebimento de direitos previstos naconvenção coletiva de trabalhocelebrada entre o Sindicato dosEmpregados em Administradoras deConsórcios e Vendedores deConsórcios, Empregados e Vendedoresem Concessionárias de Veículos,Distribuidoras de Veículos e Congêneresno Estado de Minas Gerais e o SindicatoNacional dos Administradores deConsórcios, conforme instrumentosjuntados às f. 87/115.

A 1ª reclamada impugna oinstrumento coletivo juntado, porpertencer ela à categoria econômicadiversa daquela.

O preposto da 2ª reclamadaafirmou, em depoimento pessoal, que areclamante já era conhecida portrabalhar para a 1ª reclamada e que,como essa não mais ia prestar “aqueletipo de serviço”, a mesma acabou porser contratada pela 2ª reclamada (f. 490,item 4).

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Dessa sorte, concluo que areclamante, mesmo no tempo em queera empregada formal da 1ª reclamada,desempenhava única e exclusivamentea atividade-fim da 2ª reclamada, qualseja, a venda de quotas de consórcio.Tanto assim que, quando a 1ª reclamadadeixou de disponibilizar o serviço, foi seucontrato transferido para a 2ªreclamada, cujo objeto social é aadministração de consórcios.

Não bastasse, vê-se que ocontrato de trabalho firmado pelareclamante e a 1ª reclamada previaapenas o pagamento de salário fixo, nomontante de R$419,52 (f. 158), semqualquer comissionamento.

Ora, em sendo a 1ª reclamadaconcessionária de veículos da marcaToyota, conforme declarado em audiência(f. 127), não parece crível a este juízo quea reclamante tivesse sido contratada,realmente, para vender seus veículos tão-somente em troca de uma diminutaremuneração de R$419,52. Afinal, épúblico e notório que os vendedoresrecebem comissão sobre as vendasrealizadas, como forma de incentivo aotrabalho. Lado outro, a marca Toyotadisponibiliza veículos de luxo e de valoreselevados, em total confronto com asuposta e parca remuneração pactuadacom a reclamante.

E se a reclamante recebiacomissão pela venda de consórcio,sendo tal fato incontroverso, reputo quedesde o início foi ela contratada paravender quotas consorciais.

Nessa seara, saliento que atestemunha Edilene Fagundes Mendestrabalhou única e exclusivamente navenda de consórcios, embora tambémtivesse sido contratada pela 1ªreclamada, cujo objeto social é acomercialização e importação deveículos. Era prática, portanto, da 1ªreclamada contratar formalmente

empregados para a venda deconsórcios, atividade não inserida nasua finalidade comercial.

Destarte, apesar de serem asreclamadas um só empregador,reconheço, para fins de enquadramentosindical, que a reclamante desempenhavaa atividade-fim da 2ª reclamada, sendoaplicável à relação existente, porconseqüência, o instrumento normativojuntado com a inicial, qual seja, aconvenção coletiva de trabalho celebradaentre o Sindicato dos Empregados emAdministradoras de Consórcios eVendedores de Consórcios, Empregadose Vendedores em Concessionárias deVeículos, Distribuidoras de Veículos eCongêneres no Estado de Minas Geraise o Sindicato Nacional dosAdministradores de Consórcios.

8. Reflexos das comissõessobre venda de consórcio

É incontroverso, nos autos, quea 1ª reclamada celebrou com as 2ª e 4ªreclamadas contratos de prestação deserviços, em razão dos quais seusempregados eram autorizados aoferecer aos clientes quotas deconsórcio, recebendo comissões pelaintermediação realizada, que erampagas pelas 2ª e 4ª reclamadas, pormeio de RPA. Nesses termos foram asdefesas apresentadas e adocumentação juntada aos autos (f. 33/34, 245/256, 259/264 e 446/448).

Sendo todas as reclamadasigualmente empregadoras dareclamante, posto se tratar deempregador único, todas as verbasrecebidas como contraprestação dotrabalho realizado assumem feiçãosalarial, à luz do artigo 457 do DiplomaConsolidado. E com as comissões nãoé diferente, conforme § 1º do artigo 457da Consolidação.

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Tal entendimento, inclusive, já foisumulado pelo Col. TST, conformeverbete de n. 93, que, não obstante façamenção apenas ao segmento bancário,tem seu alcance estendido a qualquersituação em que o empregado trabalheem prol de várias empresas integrantesdo grupo, delas recebendo pelo serviçoprestado. Afinal, a situação fática éidêntica, o que autoriza sua aplicaçãopor analogia.

Desta sorte, os valores decomissão recebidos pela reclamante, noperíodo de 02.04.2004 a 1º.12.2004,tenham eles sido pagos pela 2ªreclamada ou pela 4ª reclamada,constituem nítido salário e, como tal,devem integrar sua remuneração paratodos os fins legais.

Devidos, pois, os reflexos damédia das comissões recebidas pormeio de RPA, naquele período, emrazão da venda de quotas de consórciosdas 2ª e 4ª reclamadas, nas fériasrelativas ao período 2004/2005acrescidas do terço constitucional, nagratificação natalina de 2004 e no FGTSdo período, acrescido da multa de 40%.

Não há falar em reflexo no avisoprévio, em face da unicidade contratualreconhecida, tendo o rompimentocontratual se dado no dia 18.05.2006,quando não mais recebia a obreira asreferidas comissões, considerando olimite do pedido ora em julgamento.

A comissão remunera apenas otrabalho realizado. Sendo garantido aoempregado o gozo de descansosemanal e, ainda que este sejaremunerado na mesma extensão do diaefetivamente trabalhado, conformeinciso XV do artigo 7º da ConstituiçãoFederal e alínea “c” do artigo 7º da Lein. 605/49, é devido o RSR sobre todasas comissões recebidas pelas vendasde quotas de consórcio, pagas por meiode RPA.

E integrando o valor dosrepousos a remuneração obreira, sãodevidos, também, seus reflexos nasférias relativas ao período 2004/2005acrescidas do terço constitucional, nagratificação natalina de 2004 e no FGTSdo período acrescido da multa de 40%.

Como já explicitado, não há falarem reflexo no aviso prévio, em face daunicidade contratual reconhecida.

Procedem, pois, parcialmente,os pedidos declinados nas alíneas “c” e“d” de f. 08.

A reclamante juntou os RPAs def. 33/34, que somam o valor deR$3.005,84.

A 2ª reclamada reconhece terpagado à reclamante, a título decomissões, a quantia de R$1.864,02 (f.224). Já a 4ª reclamada reconhece terpagado o montante de R$824,85 (f.439), totalizando o valor de R$2.688,87.

Assim sendo, a considerar quea prova documental produzida pelasreclamadas pode ter sido parcial, parafins de liquidação deverá ser adotado ovalor comprovado pela reclamante, ouseja, que entre 02.04.2004 e 1º.12.2004recebeu ela a quantia de R$3.005,84 atítulo de comissões, em 8 meses,perfazendo a média mensal deR$375,73.

9. Reflexos da comissão doseguro prestamista

A 3ª reclamada, que tem comoobjeto social a corretagem de planosprevidenciários e de seguros do ramovida, afirma nunca ter a reclamantevendido qualquer produto por eladisponibilizado ao mercado.

A despeito disso, é incontroversoque na quota do consórcio oferecidapela reclamante aos clientes já estavaincluído o seguro de vida, conformereconhecido às f. 143 (item 49) e 227

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(item 43). É o que comprovam, também,as propostas de admissão em consórciode f. 57/86.

Em depoimento pessoal, opreposto da 1ª reclamada, quandoquestionado se a reclamante recebiacomissão pela venda de seguroprestamista, afirmou que “se vendeu,recebeu” (item 15, f. 490).

Admitiu, pois, a possibilidade devenda do seguro prestamista pelareclamante, bem como o pagamento decomissões em razão do fato.

Ocorre que a própria reclamanteafirmou, na peça de ingresso, que ascomissões pelo seguro prestamistaeram pagas por meio de recibo depagamento a autônomo. A despeitodisso, não juntou um único documentocomprovando pagamento por parte da3ª reclamada, mas apenas da 2ª e da4ª reclamadas, e nenhum deles fazmenção específica a seguro.

A primeira testemunha ouvidaafirmou não recordar se haviapagamento de comissão em destacadopela venda do seguro de vida, sendoque recebia comissão pela venda doconsórcio (item 35, f. 491). A segundatestemunha, por sua vez, declarou quenão mantinha qualquer discussão como cliente acerca do seguro, eis que esteera atrelado ao consórcio.

Lado outro, a testemunha ouvidaa rogo dos reclamados, Sr. José AntônioMoura, que já foi empregado da 1ªreclamada e atualmente é contratado da2ª reclamada, declarou que “já recebeue recebe até o presente momento, da3ª reclamada, comissões pela venda deseguro de vida, sendo tais comissõesrecebidas por meio de RPA” (f. 494, item31).

O fato é que não se sabe se nacomissão recebida das 2ª e 4ªreclamadas, decorrente da venda daquota do consórcio, estava ou não

incluído o valor da comissão pelo seguroprestamista. E a informação prestadapelo preposto da 1ª reclamada não temo condão de provar que não estava,porquanto a oferta do seguro eraatrelada à venda do consórcio.

E levando-se em conta que areclamante não juntou RPA próprio eespecífico do pagamento de talcomissão, bem como que não erapossível a venda do seguro de vidaisoladamente, consoante depoimentopessoal da reclamante (f. 487, item 28),é razoável concluir que o valor recebidopela venda do consórcio já englobavaeventual comissão pela oferta doseguro.

Realço que caberia à reclamantecomprovar o recebimento da comissãodo seguro prestamista em apartado,conforme artigo 818 da CLT, ônus doqual não se desincumbiu, consideradasas circunstâncias peculiares dos autose os elementos neles constantes.

Afasto, pois, a alegação derecebimento de comissões outras, quenão aquelas pagas por meio de RPApelas 2ª e 4ª reclamadas.

Dessa sorte, já tendo sidodeferidos os reflexos das comissõesrecebidas pela venda do consórcio, nasquais já estava incluído o valoreventualmente devido pelo seguro,improcedem os reflexos da comissãodecorrente da venda do seguroprestamista, sob pena de bis in idem(alínea “f” de f. 09).

10. Redução salarial

O Direito do Trabalho tem entresuas bases axiológicas a irredutibilidadesalarial e a inalterabilidade contratuallesiva, conforme regras positivadas noinciso VI do artigo 7º da ConstituiçãoFederal e artigo 468 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho.

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Tendo-se em mira que areclamante manteve com asreclamadas contrato de trabalho único,como já decidido, qualquer alteraçãoprocedida quando de sua dispensaformal pela 1ª reclamada e contrataçãopela 2ª reclamada, que tenha implicadoredução salarial ou qualquer outroprejuízo, é nula, por atentar contra osreferidos princípios.

Mister, assim, analisar ascircunstâncias presentes quando daprática daqueles atos.

No período em que a reclamanteteve sua carteira registrada pela 1ªreclamada, ou seja, de 02.04.2004 a1º.12.2004, recebeu ela tambémcomissões sobre vendas, além dosalário fixo, como já reconhecido poreste juízo. E considerando osdocumentos juntados aos autos, épossível alcançar uma média deR$375,73 mensais, a título decomissões, naquele período(R$3.005,84 em 8 meses).

Já no segundo período do liamecontratual existente, em que foiformalmente registrada pela 2ªreclamada, os recibos demonstram que,a título de comissões, na maior parte dasvezes, recebeu a reclamante valoressuperiores à média alcançada noprimeiro período, antes da alteraçãocontratual. Com efeito, recebeu elamédia mensal de R$1.083,80, nos 16meses compreendidos entre dezembro/04 e março/06.

Somando-se o valor fixo e ascomissões recebidas (apenas elas, semo repouso correspondente), chega-seao montante de R$795,25 no períodoanterior à alteração e R$1.383,80 noperíodo posterior a esta.

Em que pese a redução dosalário fixo de R$419,52 (f. 23) paraR$300,00 (f. 265), reduzindo a margemde segurança financeira da reclamante,

tenho que não houve, propriamente,redução salarial. Afinal, as comissõestambém integram o salário obreiro, nosmoldes do § 1º do artigo 457 do DiplomaConsolidado, e, considerando-se aelevação do percentual de 0,8% para1%, obteve a reclamante, na realidade,ganho salarial, eis que não comprovadaqualquer outra alteração na base decálculo ou nas condições depagamento.

Dessa sorte, não vislumbroilicitude na redução do salário fixooperada em 1º.12.2004, já queacompanhada da elevação dopercentual de comissão e de efetivoganho salarial, tendo a reclamante,inclusive, em depoimento pessoal,confirmado a inexistência de prejuízofinanceiro (item 11, f. 488).

Reconheço, pois, aimprocedência do pedido declinado naalínea “e” de f. 08.

Em consonância ao que restoudecidido no item anterior, também nãovinga a alegação obreira de supressãoda comissão pela venda do seguroprestamista.

Isso porque não logrou areclamante demonstrar que opagamento daquela comissão era feitode forma apartada e em valores distintosdas comissões pela venda do consórcio.E por mera conseqüência, também nãoprovou sua supressão.

Improcede, assim, o pedidoconstante da alínea “g” da petição inicial.

11. Controle de jornada - Horasextras

A regra geral no Direito doTrabalho é a submissão do empregadoao controle de jornada, conforme § 2ºdo artigo 74 da Consolidação das Leisdo Trabalho, até porque só assim sepode aferir o respeito a um direito

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fundamental dos trabalhadores, qualseja, a limitação da jornada prevista noinciso XIII do artigo 7º da ConstituiçãoFederal, e, ainda, o escorreitopagamento do adicional previsto noinciso XVI do mesmo dispositivo.

Exceção, portanto, é a nãosubmissão a controle. E como exceçãoou situação extraordinária, requer, paraseu reconhecimento, robusta prova daimpossibilidade de sua realização, talcomo previsto no inciso I do artigo 62do Diploma Consolidado, posto não seinserir, a realização ou não dafiscalização, no âmbito de opção oucomodidade do empregador. E em setratando de fato impeditivo do direitopostulado pelo trabalhador, efundamento da defesa apresentada, emobservância ao artigo 818 daConsolidação das Leis do Trabalho einciso II do artigo 333 do Código deProcesso Civil, o ônus de sua provacabe ao empregador, no caso, àsreclamadas.

Necessário, então, analisar oselementos constantes dos autos, emface da controvérsia instaurada acercados fatos.

A reclamante foi contratadacomo “vendedora externa”, como fazprova o contrato de f. 158/159. À época,entretanto, restou ajustada a “obrigaçãodo EMPREGADO de cumprir o horárioque lhe for determinado, observando olimite legal” e que a reclamante seobrigava a “prestar serviço em horasextraordinárias, sempre que lhe fordeterminado pela EMPREGADORA, naforma prevista em lei”, ocasião em queseriam pagas as horas extraordináriascom acréscimo legal (itens 3 e 4 de f.158).

Se a reclamante poderia serchamada a prestar horasextraordinárias, é porque, seguramente,sua empregadora tinha plenas

condições de saber quando a obreira játeria terminado sua jornada contratual.E para tanto, só existindo controle sobrea mesma.

Mas o Direito do Trabalho éregido pela primazia da realidade. Logo,mister analisar as reais condições detrabalho da reclamante para averiguarse sua função era ou não incompatívelcom a fiscalização de sua jornada.

E tenho que a incompatibilidadenão ficou demonstrada.

Isso porque a testemunhaEdilene Fagundes Mendes, quetrabalhou também como vendedora deconsórcio, sendo subordinada àsupervisora Mara, afirmou que tinha queiniciar suas funções às 8h, e que sópoderia se dirigir a uma visitadiretamente, sem passar pela empresa,após comunicação com a supervisora.Ademais, caso a visita terminassedentro do horário comercial, eraobrigada a retornar à empresa, o quenão fazia apenas se finalizasse otrabalho externo por volta das 18h. Eapesar de os agendamentos seremrealizados pela depoente, ela osinformava à supervisora, incluindo ohorário em que se daria a reunião ou ocontato.

A referida testemunha trabalhoudesde novembro/2003, na mesmafunção da reclamante. E apesar de terse desligado do grupo no início de 2005,não se tem razão para imaginar que ascondições de trabalho dos vendedores,supervisionados pela mesma pessoa,tenham sofrido alteração a partirdaquela data.

No mesmo sentido foram asinformações prestadas pela testemunhaLuiz Gonzaga Azevedo, que integrou amesma equipe da reclamante, no anode 2005, também sendo supervisionadopela Srª Mara. Afirmou ele que

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tinha o horário controlado pelasupervisora; que o depoente entregavarelatório diário à supervisorainformando os contatos que haviarealizado, não sabendo informar se nelehavia horários; que poderia ir direto parauma visita no início da manhã casotivesse avisado a supervisora, e estaconcordasse; que poderia ir direto paracasa após o término de suas visitas,caso este se desse próximo das 18he se a supervisora autorizasse; que,ao chegar à empresa após arealização da visita, tinha que sejustificar perante a supervisora casohouvesse transcorrido tempo superiorao normalmente gasto em umavisita, sendo que em tal hipótese asupervisora também entrava emcontato com o cliente paraconfirmação da justif icativa dovendedor.

A testemunha José AntônioMoura declarou que no período em queele e a reclamante trabalharam nomesmo espaço físico, o que se deu dejaneiro a abril/2006, quando era elecoordenador de treinamento, mantinhacontato “praticamente diário” com areclamante. Logo, as funções desta nãoeram tão externas quanto afirmado pelareclamada, pois que mantinha contatodiário com empregado que trabalhavainternamente, fazendo-se presente,pois, com freqüência, nas dependênciasda empresa.

E como visto, curto foi o períodoem que trabalhou no mesmo local dareclamante, o que reduz o conhecimentode que poderia ter acerca do trabalhodesta.

Ademais, como coordenador detreinamento, não vivenciava o depoenteo dia-a-dia de uma equipe de vendas, nãopodendo conhecer de forma detalhada ascondições de trabalho desta.

Por fim, o depoente nunca foisupervisor da reclamante. E embora tenhadito que a supervisora da reclamante nãocontrolava o horário desta, a informaçãocarece de credibilidade, à vista dasdeclarações contundentes prestadaspelas testemunhas ouvidas a rogo dareclamante, e que já trabalhavam comovendedores de consórcios.

E apesar de não ser atestemunha legalmente suspeita, razãopela qual a contradita ofertada foirejeitada, não se pode ignorar queocupa ela cargo de gerência na 2ªreclamada e que se encontra, ainda, sobo poder diretivo de seu empregador.Portanto, suas informações devem seranalisadas com cautela e em constantecotejo com os demais elementosconstantes dos autos.

Dessa sorte, à vista doselementos de convencimento contidosnos autos, tenho que a reclamada nãohonrou com o ônus probatório que alegislação lhe impõe, por intermédio doartigo 818 da Consolidação das Leis doTrabalho, e rejeito a alegação de que areclamante desempenhava funçõesexternas, a ponto de não estar sujeita acontrole de jornada.

Submetendo-se o contrato detrabalho havido ao regramento legalexistente acerca dos limites da jornada,necessário, então, aferir a real extensãodo trabalho desenvolvido pela reclamante.

As duas testemunhas ouvidasafirmaram que o horário normal detrabalho, e que era objeto defiscalização, estendia-se das 8h às 18h,tendo a primeira delas confirmado quehavia apenas uma hora de intervalo.

Logo, haja vista desempenhar asmesmas funções das testemunhasouvidas, reconheço que a reclamantelaborava, regularmente, de segunda asexta-feira, também das 8h às 18h, comuma hora de intervalo.

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A par disso, a testemunhaEdilene Fagundes Mendes, quetrabalhava no máximo um sábado pormês, em plantão, das 8h às 13h, e emum ou dois domingos ao mês, afirmoujá ter visto a reclamante participando deassembléia e que também integrava elao revezamento dos plantões aossábados, que eram restritos à 1ªreclamada. Disse, ainda, não saber comque freqüência a reclamante trabalhavanos finais de semana, e nem se haviareunião após às 18 horas, recordandoapenas que algumas aconteciam às 8hda manhã, dentro, portanto, da jornadacontratada.

A testemunha Luiz GonzagaAzevedo, que trabalhou para a 2ªreclamada por 4 meses, por seu turno,afirmou ter visto a reclamante em duasou três assembléias, que duraram das19h às 22h. Quanto às reuniões, apesarde saber que elas ocorriam após às 18h,não soube precisar o seu horário exato.Disse ser esporádico o plantão aossábados, sem especificar quem deleparticipava, e se a reclamante algumavez o fez.

O ônus da prova compete àparte, conforme artigo 818 do DiplomaConsolidado, e não cabe ao juízopresumir fatos não informados pelastestemunhas, ou mesmo a freqüênciacom que os mesmos possam terocorrido.

Destarte, à vista dos elementosconstantes dos autos, a reclamante sedesincumbiu apenas parcialmente deseu ônus. Com efeito, não logroucomprovar que, por duas ou três vezesna semana, estendia sua jornada até as20h ou 21h, que participava de duasreuniões mensais até as 21h ou quetrabalhava em um domingo por mês,das 10h às 14h.

Friso que a primeira testemunhaouvida afirmou que o trabalho nos

sábados era restrito à 1ª reclamada, oque vai ao encontro da informaçãopassada pela segunda testemunha, quelaborou apenas para a 2ª reclamada, eque disse ser muito esporádico otrabalho em tais dias, ocorrendo apenasquando necessário para bater meta ouno final do mês, nada afirmando acercado trabalho da reclamante naquelasocasiões.

Portanto, tenho que a reclamantese desincumbiu de seu ônus apenas notocante à sua participação emassembléias, efetivamente comprovadapela testemunha Luiz GonzagaAzevedo, e que ora limito a três, queduraram das 19h às 22h.

Também se exonerou do ônus decomprovar o trabalho em um sábado pormês, no primeiro período do contrato detrabalho, ou seja, de 02.02.2004 a1º.12.2004, como afirmado pelatestemunha Edilene. E a levar em contaque a testemunha trabalhava das 8h às13h, fixo que esse também foi o horáriocumprido pela reclamante.

Logo, em resumo, fixo que areclamante laborava de segunda asexta-feira, das 8h às 18h, com umahora de intervalo, por todo o contrato.Ainda, no período de 02.02.2004 a1º.12.2004, laborava em um sábado pormês, das 8h às 13h.

Evidente, pois, a extrapolaçãodos limites fixados no inciso XIII doartigo 7º da Constituição Federal, o quereclama o pagamento correspondente,cuja prova não veio aos autos.

Excepcionalmente, trabalhou,também, ao comparecer em trêsassembléias, que duraram das 19h às22h, arbitrando o juízo que as mesmasocorreram nos meses de março a maiode 2005, com freqüência mensal.

A reclamante era comissionistamista, recebendo salário fixo ecomissão.

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Assim, as horas extras prestadas,consideradas aquelas que excederem olimite de 44 horas semanais, já seencontram remuneradas pelascomissões auferidas no período, fazendojus apenas ao adicional convencional de80% a elas referente.

Procede, pois, apenas em parteo pedido declinado na alínea “h” da peçade intróito, restando deferido àreclamante o adicional de horas extrasde 80% sobre as horas que excederemo limite de 44 semanais, considerada ajornada acima fixada, a ser calculadosobre as comissões recebidas no mês,adotando-se o divisor correspondente aonúmero de horas trabalhadas também nomês, conforme Súmula n. 340 do TST.

No tocante ao salário fixo, édevido o valor da hora normal acrescidodo adicional de hora extra de 80%,igualmente consideradas as excedentesàs 44 semanais, já que aquele era pagolevando em conta a jornada de 220horas, tão-somente, tendo tal limite sidoextrapolado, como comprovado. Nesseparticular adotar-se-á o divisor 220.

Em se tratando de parcelasnitidamente salariais, tanto as horasextras quanto o adicionalcorrespondente (§ 1º do artigo 457 daConsolidação das Leis do Trabalho),são devidos os reflexos de ambas noRSR, FGTS + 40%, férias acrescidas doterço constitucional, aviso prévio e nagratificação natalina.

12. Multas normativas

Ao longo de todo o contrato,recebia a reclamante adiantamento nomontante de 40% sobre o salário fixo,como fazem prova os recibos de f. E aCCT aplicável à espécie previa aobrigatoriedade de concessão deadiantamento no montante de 40% dosalário percebido no mês anterior.

Apesar de a reclamante recebertambém comissão, sendo esta umamodalidade de salário variável,considero que a CCT, ao fixar omontante do adiantamento, fê-lo tendoem conta apenas o valor do salário fixo.Se assim não fosse, assumiria oempregador o ônus de pagar 40% dovalor total do salário recebido no mêsanterior, considerando também ascomissões, e de não ser alcançado, nomês do adiantamento, valor suficientea cobrir o montante adiantado.

Afinal, é própria da remuneraçãoà base de comissão sua variabilidade.

Logo, no particular, não vislumbroirregularidade no procedimento seguidopelas reclamadas, que atendeu àexigência convencional.

Diversa, porém, é a situação noque toca à integração das parcelasvariáveis nas verbas rescisórias, que, defato, não foi promovida pelas reclamadas(f. 35), o mesmo se verificando comrelação às horas extras, tambémsonegadas pelas ex-empregadoras,conforme decidido alhures.

Por tais razões, é devida umamulta prevista em cada convençãocoletiva da categoria, em razão do nãopagamento das horas extras, e maisuma multa pela não integração dasparcelas variáveis para fins de rescisão,sendo cada uma delas no montante de3% sobre o valor do piso salarial fixadonaqueles instrumentos, observado oseu período de vigência.

13. Artigos 467 e 477 daConsolidação das Leis do Trabalho

As parcelas postuladas napresente reclamatória não constituemverbas rescisórias típicas, o que impedea aplicação do artigo 467 consolidado,sendo certo que eventuais diferençasnas verbas resilitórias, decorrentes de

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reflexos de outras parcelas principais,não dão azo à aplicação da penalidadeali prevista.

Improcede.No tocante à multa prevista no

§ 8º do artigo 477 da Consolidação dasLeis do Trabalho, procede a pretensão,haja vista que o documento de f. 296não é hábil a comprovar o pagamentotempestivo das verbas rescisórias, porser unilateral e não conter qualquerchancela da instituição financeira. Enão tendo a reclamada comprovadoque o pagamento se deu no dia28.04.2006, tal como alegado emdefesa, presume-se que o mesmo foicontemporâneo à homologação,efetivada em 16.05.2006, quando jáultrapassado o prazo previsto no § 6ºdo artigo 477 do Diploma Consolidado.

Devida, assim, a multa previstano § 8º daquele dispositivo, no valor doúltimo salário mensal percebido pelareclamante, considerando-se para tantoa soma do valor fixo, comissões ecorrespondente RSR.

14. Juros e correção monetária

As parcelas deferidas serãocorrigidas a partir do vencimento daobrigação, nos termos do parágrafoúnico do artigo 459 da Consolidação dasLeis do Trabalho, até a data do efetivopagamento, aplicando-se, para tanto, oíndice do primeiro dia do mêssubseqüente, conforme tabeladivulgada pelo Eg. TRT 3ª Região,inteligência da Súmula n. 381 do TST.Os valores relativos ao FGTS devem sercorrigidos pelos mesmos índicesutil izados por esta JustiçaEspecializada, posto se tratar,igualmente, de débitos trabalhistasreconhecidos judicialmente.

Sobre o montante devidamentecorrigido incidirão juros de mora, a partir

da data de ajuizamento da ação, naforma do artigo 883 da CLT e da Súmulan. 200 do TST, à razão de 1% ao mês,não capitalizados, pro rata die,consoante § 1º do artigo 39 da Lei n.8.177/91.

15. Contribuições previdenciáriase imposto de renda

A reclamada deverá providenciaros recolhimentos previdenciários efiscais eventualmente devidos, naforma da legislação pertinente e daSúmula n. 368 do TST, observando,ainda, os termos do Provimento n. 01/96 da Corregedoria-Geral da Justiça doTrabalho, trazendo aos autos a devidacomprovação, sob pena de execução.

Autorizo, desde já, a retençãodos valores devidos pela reclamante atais títulos.

Dentre as parcelas ora deferidas,e nos termos do artigo 28, I, e § 9º, daLei n. 8.212/91, constituem salário-de-contribuição, para fins de recolhimentosprevidenciários, todas as parcelasdeferidas, à exceção dos reflexos nasférias indenizadas + 1/3 e no FGTS +40%, bem como da multa do artigo 477da CLT e das multas convencionais.

Considerando o disposto noartigo 43 do Decreto n. 3.000/99, quediz serem tributáveis os rendimentosprovenientes do trabalho assalariado, asremunerações por trabalho prestado noexercício de empregos, cargos efunções, e quaisquer proventos ouvantagens percebidos, bem como noartigo 39 do mesmo Diploma, que arrolaas verbas não tributáveis, sofrerãotributação todas as parcelas deferidas,à exceção dos reflexos no FGTS + 40%,da multa do artigo 477 da CLT e dasmultas convencionais, observado oprevisto no parágrafo único do artigo 38do referido Decreto.

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Tornada líquida a conta, intime-se a União Federal, por intermédio daProcuradoria-Geral Federal, nos termosdo § 3º do artigo 879 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho e § 3º do artigo 16da Lei n. 11.457/07.

16. Justiça gratuita

À vista da declaração demiserabilidade constante de f. 116,concedo à reclamante o benefício dajustiça gratuita, na forma do § 3º do art.790 da CLT.

17. Ofícios

Considerando ter restadoprovada a infração a normas legais,especialmente em razão do pagamentode verbas salariais de formaextracontábil ou “por fora”, determino aexpedição de ofício ao Ministério doTrabalho, para que adote asprovidências que considerar cabíveis.

III - CONCLUSÃO

Vistos e examinados estes autosde reclamação trabalhista ajuizada porNeide Maria Campos Nogueira em facede Pará Automóveis Ltda., RodobensAdministradora de Consórcios Ltda.,Rodobens Administração e CorretagemPrevidência Privada Ltda. e PortobensAdministração de Consórcios Ltda.,pelas razões de fato e de direitoexpostas na fundamentação supra, eque aderem a este dispositivo, rejeitoas preliminares eriçadas e julgoPARCIALMENTE PROCEDENTES ospedidos formulados para reconhecerque as reclamadas integram um grupoeconômico, declarar a unicidadecontratual no período de 02.04.2004 a18.05.2006 e, ainda, para condenartodas as reclamadas, solidariamente, a

pagar à reclamante, no prazo legal econforme se apurar em regularliquidação de sentença, observados osestritos parâmetros fixados nafundamentação, as seguintes verbas:

a) reflexos da média dascomissões recebidas por meio de RPA,no período de 02.04.2004 a 1º.12.2004,em razão da venda de quotas deconsórcios das 2ª e 4ª reclamadas, nasférias relativas ao período 2004/2005acrescidas do terço constitucional, nagratificação natalina de 2004 e no FGTSdo período, acrescido da multa de 40%;

b) RSR sobre todas ascomissões recebidas pelas vendas dequotas de consórcio, pagas por meio deRPA no período de 02.04.2004 a1º.12.2004, e seus reflexos nas fériasrelativas ao período 2004/2005acrescidas do terço constitucional, nagratificação natalina de 2004 e no FGTSdo período, acrescido da multa de 40%;

c) adicional de horas extras de80% sobre as horas que excederem olimite de 44 semanais, considerada ajornada fixada na fundamentação, a sercalculado sobre as comissões recebidasno mês, adotando-se o divisorcorrespondente ao número de horastrabalhadas também no mês, conformeSúmula n. 340 do TST, com reflexos noRSR, FGTS + 40%, férias acrescidas doterço constitucional, aviso prévio e nagratificação natalina;

d) horas extras, assimconsideradas as excedentes às 44semanais, a serem acrescidas doadicional convencional de 80%,considerada a jornada fixada nafundamentação e adotando-se comobase de cálculo o valor fixo do salário eo divisor 220 horas, com reflexos noRSR, FGTS + 40%, férias acrescidas doterço constitucional, aviso prévio e nagratificação natalina;

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e) uma multa prevista em cadaconvenção coletiva da categoria, emrazão do não pagamento das horasextras, e mais uma multa pela nãointegração das parcelas variáveis parafins de rescisão, sendo cada uma delasno montante de 3% sobre o valor do pisosalarial fixado naqueles instrumentos,observado o seu período de vigência;

f) multa prevista no § 8º do artigo477 da Consolidação das Leis doTrabalho, no valor do último saláriomensal percebido pela reclamante,considerando-se para tanto a soma dovalor fixo, comissões e correspondenteRSR.

Os demais pedidos são julgadosimprocedentes.

Juros e correção monetáriaconforme fundamentação.

Recolhimentos previdenciários efiscais pelas reclamadas, comcomprovação nos autos, sob pena deexecução, autorizada a dedução dosvalores devidos pela reclamante.Constituem salário-de-contribuição,para fins de recolhimentosprevidenciários, todas as parcelasdeferidas, à exceção dos reflexos nasférias indenizadas + 1/3 e no FGTS +40%, bem como da multa do artigo 477

da CLT e das multas convencionais. Porsua vez, sofrerão tributação todas asparcelas deferidas, à exceção dosreflexos no FGTS + 40%, da multa doartigo 477 da CLT e das multasconvencionais, observado o previsto noparágrafo único do artigo 38 do Decreton. 3.000/99.

Deferida a justiça gratuita àreclamante.

Tornada líquida a conta, intime-se a União Federal, por intermédio daProcuradoria-Geral Federal, nos termosdo § 3º do artigo 879 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho e § 3º do artigo 16da Lei n. 11.457/07.

Custas, pelas reclamadas, noimporte de R$400,00, calculadas sobreR$20.000,00, valor arbitrado àcondenação.

Considerando ter restadoprovada a infração a normas legais,especialmente em razão do pagamentode verbas salariais de formaextracontábil ou “por fora”, determino aexpedição de ofício ao Ministério doTrabalho, para que adote asprovidências que considerar cabíveis.

Partes cientes da publicação dapresente decisão, nos termos daSúmula n. 197 do TST.

Encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00679-2007-145-03-00-4Data: 10.08.2007DECISÃO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE MONTES CLAROS - MGJuiz Titular: Dr. JOÃO LÚCIO DA SILVA

Aos 10 (dez) dias do mês de agosto do ano de 2007, na sede da 3ª Vara doTrabalho de Montes Claros - MG, às 16h49min, procedeu-se ao julgamento da açãoajuizada pelo SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE PRODUTOS PARADEFESA AGRÍCOLA - SINDAG em face do SINDICATO INTERMUNICIPAL DASINDÚSTRIAS QUÍMICAS E FARMACÊUTICAS DE MONTES CLAROS-QUIFARMO.

Aberta a audiência, foram apregoadas as partes, constatando-se a ausênciadas mesmas. Pelo MM. Juiz Titular, Dr. JOÃO LÚCIO DA SILVA, foi então proferidaa seguinte sentença:

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1 - RELATÓRIO

O SINDICATO NACIONAL DASINDÚSTRIAS DE PRODUTOS PARADEFESA AGRÍCOLA - SINDAG (antigoSindicato da Indústria de DefensivosAgrícolas do Estado de São Paulo),qualificado à f. 02, propõe a presenteAÇÃO DECLARATÓRIA (com pedido deantecipação de tutela) em face doSINDICATO INTERMUNICIPAL DASINDÚSTRIAS QUÍMICAS EFARMACÊUTICAS DE MONTESCLAROS-QUIFARMO, tambémidentificado na exordial, pelos fatos efundamentos que expõe.

Informa o autor que foioriginalmente criado como Sindicato daIndústria de Formicidas e Inseticidas noEstado de São Paulo (reconhecido em15.05.1941), teve sua denominaçãoalterada para Sindicato da Indústria deDefensivos Agrícolas do Estado de SãoPaulo, e em 1989 teve sua baseterritorial ampliada para todo o territórionacional, “sem qualquer oposição”.

Acrescenta que, com o adventodo novo Código Civil (Lei n. 10.406, de10.01.2002), “a entidade se viu obrigadaa adaptar seus estatutos aos novosditames legais”. Assim, “considerandoa evolução da indústria e,conseqüentemente, dos produtosdestinados à defesa vegetal”, procedeuà alteração da denominação (passandoa chamar-se Sindicato Nacional daIndústria de Produtos para a DefesaAgrícola - SINDAG) e da especificaçãoda base de representação (produtosdefensivos agrícolas fabricados pelasindústrias que compõem sua categoriaeconômica). Ressalta que, de todomodo, “não houve ampliação da basede representação, seja quanto à baseterritorial, que sempre foi nacional, sejaquanto à categoria econômicarepresentada.”

Prossegue pontuando que asalterações estatutárias decorreram dedecisão tomada em assembléia geralespecífica e que o novo estatuto foilevado a registro no cartório competente(Registro Civil das Pessoas Jurídicas -2º Ofício). Contudo, ao proceder aoregistro das alterações estatutárias noCadastro Nacional de EntidadesSindicais - CNES, do Ministério doTrabalho e Emprego, foi surpreendidocom a impugnação formulada pelosindicato requerido, “a qual, de formasingela e até leviana, se restringe aafirmar que o autor estaria a invadir suabase de representação”.

Pondera que o SINDAG é muitomais antigo que o réu, assinalando que“a categoria por ele representada é maisrestrita e específica”, eis quecompreende os fabricantes de insumosdestinados à defesa agrícola, ao passoque a representação deste último “éabsolutamente genérica, envolvendotoda a indústria química e farmacêutica”.Descarta suposta ofensa à unicidadesindical em função da base territorialmais restrita do réu.

Discorre longamente o conceitode CATEGORIA ECONÔMICA à luz daConstituição Federal e da legislaçãoinfraconstitucional, colacionandoescólios doutrinários acerca datemática. Lembra que “pelo princípio daespecificidade, a nossa legislaçãoafirma que quanto mais específicomelhor o sindicato” e arremata com aseguinte indagação: “qual a indústria dedefensivos agrícolas que o réurepresenta?”. E ele próprio adianta:“nenhuma”.

Ante o exposto, requer sejadeterminado ao MTE que reconheça alegitimidade e legalidade dapersonalidade jurídico-sindical dosindicato autor, nos termos dos estatutossociais atuais já levados a registro no

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cartório de registro civil e proceda àinclusão das modificações no CNES.Requer, ainda, seja autorizado ao autoro exercício de todas as prerrogativassindicais, inclusive participação emnegociações e dissídios, bem como oarquivamento de convenções coletivasjunto ao MTE. Pleiteia a antecipação dosefeitos da tutela.

Atribui à causa o valor deR$10.000,00 e anexa com a inicial aprocuração de f. 12 e os documentosde f. 13/97. Juntou, em audiência, arelação de empresas associadas (f. 140/145) e a preposição de f. 146.

Regularmente notificado (f. 100),o sindicato requerido compareceu àaudiência (f. 103); após rejeitar aproposta de conciliação, apresentoudefesa escrita, nos termos da peça def. 104/117.

Argúi, preliminarmente, a falta depersonalidade sindical do autor e aimpropriedade do procedimento adotado.No mérito, bate-se pela inadmissibilidadeda antecipação de tutela e pugna pelaimprocedência da ação.

Alega, em resumo, que: aodecidir o pedido de impugnação (emface das alterações estatutárias daentidade sindical requerente), o MTEacolheu o argumento de que “há conflitode representação”; o autor, de fato,“invadiu, com seu pedido de extensãode representatividade, a base territorialem que o réu exerce a sua”; houve, noatual estatuto do sindicato autor,“substancial acréscimo narepresentatividade”; o sindicato réu, pordecisão soberana da assembléia dacategoria e registro nos órgãoscompetentes, passou a representartodas as atividades econômicas do 10ºGrupo do quadro a que se refere o art.577 da CLT, “inclusive as indústrias dedefensivos agrícolas que também ointegram”; a agregação ou concentração

de categorias em sindicato genérico, emcontrapartida ao específico, estáprevista no art. 570 da CLT; aproximidade física entre as empresas eo seu sindicato favorece o exercício dadefesa dos interesses de seusassociados, sendo que, ao contrário,uma base de abrangência muito extensaenfraquece a atuação do sindicato. Osindicato réu foi fundado em 1990 e àépoca de seu registro no órgão próprionão houve qualquer impugnação.

Tece outras considerações erequer a extinção do processo semresolução do mérito, na forma daspreliminares suscitadas; caso sejamultrapassadas, pugna pelaimprocedência, com a condenação doautor nas cominações de estilo,inclusive honorários advocatícios.

A contestação veioacompanhada dos documentos de f.118/138 e da procuração de f. 139,sobre os quais manifestou-se o autor àsf. 147/155.

O pedido de antecipação detutela inaudita altera pars foi denegado,nos termos da decisão de f. 99.

Sem outras provas a seremproduzidas, encerrou-se a instruçãoprocessual, com a observância dasformalidades procedimentais (f. 158).

É, em síntese, o relatório.Tudo visto e examinado, decide-se.

2 - FUNDAMENTOS

2.1 - Falta de personalidadesindical

Argúi o defendente a “falta depersonalidade sindical do autor”,requerendo a extinção do processo semresolução do mérito. Alega que aDECLARAÇÃO expedida pelaSecretaria de Relações de Trabalho(doc. f. 14) encontra-se vencida e, sem

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o registro no órgão competente, osindicato autor não tem existência legal.

Registre-se que há diferençaentre a personalidade jurídica, obtidapor ocasião do registro dos estatutossociais no cartório de registro civil daspessoas jurídicas, e a personalidadejurídica sindical, que surge com odefinitivo registro de entidade no órgãoestatal. Assim, para estar em juízo, ativaou passivamente, na defesa dosinteresses da categoria profissional oueconômica que representa a entidadesindical deve comprovar o registro juntoao Cadastro Nacional de Entidades -CNES. Nesse sentido, a OJ n. 15 daSDC do TST. Todavia, esseentendimento deve ser acolhido com adevida cautela, sem perder de vista arazoabilidade.

Se o sindicato vem a juízoexatamente para insurgir-se contra umaimpugnação apresentada por entidadesindical (que entende violada pelo autordo pedido de registro), não seriarazoável obstar-lhe a prática de atosprocessuais ao fundamento de que nãoteria legitimidade ad processum. Atéporque, uma tal conduta restritivaimportaria em denegar o direito de ação,vulnerando a garantia constitucional doart. 5º, inciso XXXV.

Entende o juízo que, nesse caso,encontrando-se o sindicato autordevidamente registrado no Registro deTítulos e Documentos e Civil da PessoaJurídica da capital paulista (f. 33-verso),ostenta a necessária legitimação (adprocessum) para figurar no pólo ativoda demanda.

Rejeita-se a preliminar.

2.2 - Impropriedade doprocedimento adotado

Sob tal epígrafe, insurge-se orequerido não propriamente contra o

“procedimento adotado”, mas comrelação ao tipo de ação que o autorelegeu para veicular a sua pretensão(ação declaratória). Chega, inclusive, aindagar: “Que relação jurídica que ovincule ao réu o autor pretende verdeclarada?”.

Na verdade, o sindicato autornão almeja, no presente feito, uma tutelajurisdicional estritamente declaratória. Asentença declaratória, como se sabe,“pode dar ao autor apenas a vantagemde eliminação da situação de incertezaque pairava sobre determinada relaçãojurídica”, como ensina, com acostumeira proficiência, Luiz GuilhermeMarinoni. Essa sentença, esclarece oprocessualista, “jamais poderá obrigaralguém a fazer ou não-fazer”. Somentea sentença mandamental pode ensejara concessão de tutela inibitória. Asentença declaratória (assim como aconstitutiva) basta como sentença (porsi) para atender ao direito substancialafirmado. Um simples olhar para ostermos do pedido inicial é suficiente parase concluir que o autor não busca, nesteprocesso, uma tutela apenasdeclaratória.

Todavia, o eventual equívoco doautor na indicação do tipo acional (o quetambém ocorre com o réu em suacontestação, ao referir-se à “açãorescisória” - f. 106) não tem o condão,como pretende o defendente, de atraira extinção do feito sem resolução domérito. A propósito, cabe invocar aqui avetusta parêmia: jura novit curia.

Assim, a clara exposição dosfatos e a precisa formulação dospedidos, além de ter ensejado o amploexercício da defesa, configuram amoldura necessária para que o órgãojudicante profira sentença de naturezaadequada à obtenção do bem jurídicoalmejado na via processual.

Rejeita-se a preliminar.

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2.3 - Dualidade derepresentação econômica (?)

O SINDICATO NACIONAL DAINDÚSTRIA DE DEFENSIVOSAGRÍCOLAS - SINDAG, através da AGErealizada em 21.10.2003, promoveu arevisão geral dos estatutos, alterando adenominação social da entidade paraSINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIADE PRODUTOS PARA DEFESAAGRÍCOLA - SINDAG e buscandoadequá-los ao novo Código Civil e, decerto modo, adaptá-los às novasrealidades decorrentes da evolução daindústria de defensivos agrícolas (f. 16/33). Em seguida, cumprindo o quedetermina a Portaria n. 343/2000 doMTE, providenciou o registro dasalterações estatutárias junto aoCadastro Nacional de EntidadesSindicais - CNES (f. 79/80). No cursodo processo (pedido de registrosindical), interveio o SINDICATOINTERMUNICIPAL DAS INDÚSTRIASQUÍMICAS E FARMACÊUTICAS DEMONTES CLAROS - QUIFARMOopondo impugnação, na forma do art.5º da referida Portaria (f. 81/82).Consoante os termos da peçaimpugnativa apresentada peloQUIFARMO,

[...] a base territorial e a categoriaeconômica representada peloSINDICATO NACIONAL DAINDÚSTRIA DE PRODUTOS PARADEFESA AGRÍCOLA confrontam-secom a (sua), ferindo o princípio daunicidade sindical e acarretandodualidade de representaçãoeconômica. (f. 125)

Dispõe a norma de regência (art.7º da Portaria n. 343/2000) que, sendoconhecida a impugnação, o registro nãoserá concedido, cabendo às partes

envolvidas dirimir o conflito medianteacordo ou por intermédio do PoderJudiciário.

Alega o requerente que, comapoio nos argumentos expendidos naexordial, “procurou o sindicatorequerido, buscando o encerramento daimpugnação”, mas não obteve êxito;assim, não lhe restou outra alternativaque não a propositura da presente ação.

O deslinde da controvérsia (enão da mera incerteza, que requeira umprovimento puramente declaratório)passa pelo exame de diversos ângulosou aspectos da questão. Comecemospela análise do tema à luz do TextoConstitucional. Dispõe o inciso II do art.8º da Carta Política:

É livre a associação profissional ousindical, observado o seguinte:I - [...]II - é vedada a criação de mais deuma organização sindical, emqualquer grau, representativa decategoria profissional ou econômica,na mesma base territorial, que serádefinida pelos trabalhadores ouempregadores interessados, nãopodendo ser inferior à área de umMunicípio.

Logo, ao pretender fixar a baseterritorial de sua representação, acategoria deverá, obrigatoriamente,observar o princípio da unicidadesindical, segundo o qual em uma basesó pode haver uma entidade sindicalrepresentativa de determinada categoriaprofissional ou econômica. Pontue-se,entretanto, que o princípio da unicidadesindical não é tão rígido quanto umaprimeira leitura faz crer.

Sustenta o sindicato requeridoque “o autor, sem dúvida, invadiu, comseu pedido de extensão derepresentatividade, a base territorial em

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que (ele, QUIFARMO) exerce a sua”(defesa, f. 110). No contraponto, afirmao sindicato requerente que “não houveampliação da base de representação,seja quanto à base territorial, quesempre foi nacional, seja quanto àcategoria econômica representada”.Insiste em que apenas “procedeualteração de denominação do Sindicatoe da especificação da base derepresentação, simplesmentemodernizou a sua redação (redação dosestatutos), especificando os produtosdefensivos agrícolas fabricados pelasindústrias que compõem sua categoriaeconômica”.

O ponto nodal da questãodecidenda consiste, pois, em aferir sehouve mesmo “extensão darepresentatividade” do SINDAG (emdecorrência da alteração estatutária) demodo a caracterizar uma supostainvasão da “área em que o réu exerce asua representatividade” (ou seja, a baseterritorial do QUIFARMO).

Consabidamente, um sindicatopode representar uma ou maiscategorias similares em um ou emvários municípios, até mesmo em todoo território nacional. O mais comum,todavia, é que os sindicatos tenhambase territorial municipal ouintermunicipal, abrangendo cidadesvizinhas, para possibil itar a boarepresentação da categoria. O SINDAG,criado em 1941, representa a categoriaeconômica da indústria de defensivosagrícolas, em todo o território nacional(a partir de 1990, conforme declaraçãode f. 14). O QUIFARMO, fundado em1990, representa a categoria dasindústrias químicas e farmacêuticas noMunicípio de Montes Claros-MG e váriosoutros “integrantes da área mineira daSUDENE” (f. 126/138).

Pondera o sindicato réu que“agregação ou concentração de

categorias em sindicato genérico, emcontrapartida ao específico, estáprevista no parágrafo único do art. 570da CLT”. Ressalta, em seguida, que “aespecificidade prevista no caput desseartigo cedeu lugar à concentração a quealude o parágrafo único” (sindicalizaçãopelo critério das categorias similares ouconexas, assim entendidas, consoantea dicção legal, “as que se achamcompreendidas nos limites de cadagrupo constante do quadro de atividadesde profissões”). Sustenta que, a partirde sua fundação (em 1990), “passou arepresentar todas as atividadeseconômicas componentes domencionado grupo (10º Grupo doquadro de atividades e profissões a quese refere o art. 577 da CLT), inclusiveas indústrias de defensivos agrícolasque também o integram” (f. 113).

Releva assinalar, entretanto, quea CF de 88 revogou tacitamente osdispositivos que impunham requisitosde nascimento ou funcionamento àsassociações sindicais (art. 8º). Assim,

a qualificação da representação jánão se prende ao enquadramentoprévio das categorias, determinadopelo Ministério do Trabalho, mas àdefinição pelos trabalhadores ouempregadores interessados, comose infere da redação defeituosa doinciso II do art. 8º, visto que, sepodem definir a extensão territorial,podem também qualif icar arepresentação.

Por conseguinte, o quadro deatividades e profissões “só serve comomodelo, pois não é obrigatório”, comoadverte Valentim Carrion (invocandoSüssekind, Romita e a SDC do TST).Ou, assim, a observação sempre lúcidae abalizada da Professora AliceMonteiro de Barros

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poderá constituir um plano deconsulta para o enquadramentosindical, sem prejuízo da autonomiados órgãos que venham a ser criadospelo sistema confederativo paradispor sobre o assunto. (in Curso dedireito de trabalho, LTr)

Não há dúvida de que a categoriaeconômica (específica) da indústria dedefensivos agrícolas encontra-seregularmente representada desde17.07.2000 (f. 14) pelo SINDICATONACIONAL DA INDÚSTRIA DEDEFENSIVOS AGRÍCOLAS - SP (que,agora, pretende alterar suadenominação para “SINDICATONACIONAL DAS INDÚSTRIAS DEPRODUTOS PARA DEFESA AGRÍCOLA- SINDAG”). A representatividade dosindicato réu, na sua base territorial, égenérica, abrangendo as indústriasquímicas e farmacêuticas. Para quepossa estender sua representação àsindústrias de defensivos agrícolas (oude produtos para a defesa agrícola) énecessário que promova o seudesmembramento, pelo critério dascategorias similares ou conexas(embora o ordinário seja o desligamentode categorias específicas da entidadegenérica originária). A propósito,observa Henrique Macedo Hinz, com aclareza que lhe é peculiar:

De qualquer forma, para garantir queo efetivo interesse da categoria sejaatendido e respeitado, é de grandeimportância atentar para osprocedimentos de convocação dacategoria interessada. Se se tratarde desmembramento de baseterritorial, é mister convocar todos osrepresentados da categoria a serdesmembrada, incluídos os da novabase territorial, para quedemonstrem em assembléia o

interesse na criação da novaentidade. No caso dedesmembramento de categoria,todos os exercentes dela, incluindoos da nova a ser criada, deverão serconvocados para deliberação sobrea proposta. Qualquer vício nessasconvocações tornará nulo odesmembramento.(in Direito coletivo do trabalho, Ed.Saraiva, 2005)

Nesse mesmo sentido é omagistério de José Carlos Arouca:

O processo de desmembramentocorresponde ao de dissociação degrupos. Supõe necessariamenteuma deliberação coletiva tomada emassembléia. Logo, a convocaçãodeve partir dos mentores da medidacom ampla divulgação, de modo aatingir todos os interessados. Porconseguinte, se o propósito consisteem fundar um sindicato municipal,dissociado de outro, digamos,intermunicipal, a assembléia contarácom a participação apenas dostrabalhadores ou empregadores quese ativam no município. A partir dadeliberação tomada seguir-se-á oregistro da nova entidade.(in Curso básico de direito sindical)

Note-se que, para fundação doSINDICATO INTERMUNICIPAL DASINDÚSTRIAS QUÍMICAS EFARMACÊUTICAS DE MONTESCLAROS, reuniram-se em assembléiageral as empresas dos setores dasindústrias químicas e farmacêuticas,sem qualquer especificação (ata de f.121/123). Ao mencionar a categoriaeconômica representada, os estatutossociais da entidade sindical o fazem deforma ampla e genérica: indústriasquímicas e farmacêuticas (f. 126/138).

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Irrelevante, para a decisão da lide, quenão tenha impugnação quando de suainclusão no AESB, atual CNES (f. 124),visto que, como já assinalado, o “quadrode atividades e profissões” (CLT, art.577) não é mais obrigatório, só valendocomo fonte de consulta.

Equivoca-se, data venia, osindicato réu ao afirmar, em sua defesa,que a decisão do Ministério do Trabalhoe Emprego “reforça a convicção de quea extensão da representatividadepretendida pelo autor invade a área emque o réu exerce suarepresentatividade” (f.111). Na verdade,o exame de admissibil idade daimpugnação pela Secretaria deRelações do Trabalho restringe-se àtempestividade do pedido, àrepresentatividade do impugnante, àcomprovação de seu registro no MTE ede recolhimento da importânciadestinada ao custeio da publicação(Portaria n. 343/2000, art. 6º).Configurada a controvérsia, o Ministronão possui competência parasolucioná-la, medida que cabe aoPoder Judiciário mediante iniciativa dequalquer dos interessados, ou seja, opostulante do registro ou o impugnante.

De todo o exposto, ressai claroque, a princípio, a indústria dedefensivos agrícolas (caracterizadacomo tal nos §§1º e 2º do art. 1º doEstatuto do Sindicato Nacional daIndústria de Defensivos Agrícolas - f. 34)não se insere no âmbito derepresentatividade do SindicatoIntermunicipal das Indústrias Químicase Farmacêuticas de Montes Claros -QUIFARMO.

Mas, resta examinar um outroângulo da questão: ao proceder àalteração da denominação do sindicato(de Sindicato Nacional da Indústria deDefensivos Agrícolas para SINDICATONACIONAL DA INDÚSTRIA DE

PRODUTOS PARA DEFESAAGRÍCOLA) e especificar a base derepresentação (empresa que trate dafabricação e/ou formulação própria ouatravés de terceiros dos produtosdiscriminados no art. 1º, § 1º, agrupadossob a denominação de “insumosdestinados à defesa agrícola”), teria osindicato autor apenas modernizado aredação dos estatutos sociais? Ou, apretexto de fazê-lo, teria (como entendeo sindicato autor) modificado a sua basede representação mediante “extensãoda representatividade” e, com isso,invadido a área (base territorial) em queo réu exerce a sua representatividade?A resposta há de ser extraída doconfronto entre a redação dada àmatéria no estatuto anterior (f. 34) e noestatuto atual, com as modificaçõesintroduzidas (f. 17).

Dispõem os §§ 1º e 2º do art. 1ºdo estatuto anterior (Sindicato Nacionalda Indústria de Defensivos Agrícolas),verbis:

§ 1º - Entendem-se como defensivosagrícolas as substâncias ou misturasde substâncias de natureza químicaou biológica, e os organismos vivosdestinados a prevenir, controlar,destituir, atrair ou repelir qualquerforma de agente patogênico ou devida animal ou vegetal que sejanociva às plantas úteis e a seusprodutos.

§ 2º - Entende-se como categoria defabricantes de defensivos agrícolastoda empresa constituídalegalmente, que trate da fabricaçãoe ou formulação própria ou atravésde terceiros, sob contrato deprestação de serviços dos produtosdefinidos no parágrafo 1º desteartigo.

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Estatuem os §§ 1º e 2º do art. 1ºdo novo estatuto (Sindicato Nacional daIndústria de Produtos para DefesaAgrícola - SINDAG), verbis:

§ 1º - Entendem-se como insumosdestinados à defesa agrícola osprodutos e os agentes resultantes deprocessos físicos, químicos,biológicos e genéticos destinados aouso nos setores de produção, noarmazenamento e no beneficiamentode produtos agrícolas, naspastagens, na proteção de florestasnativas ou implantadas e de outrosecossistemas e também deambientes urbanos, hídricos eindustriais, cuja finalidade sejaalterar a composição da flora ou dafauna, a fim de preservá-las da açãodanosa de seres vivos consideradosnocivos; bem como as substânciase produtos empregados comodesfolhantes, dessecantes,estimuladores e inibidores decrescimento.

§ 2º - Entende-se como integranteda categoria econômica da Indústriade Produtos para a Defesa Agrícolatoda empresa constituídalegalmente, que trate da fabricaçãoe ou formulação própria ou atravésde terceiros, sob contrato deprestação de serviços, dos produtosdefinidos no parágrafo 1º desteartigo.

Uma leitura atenta do novodispositivo estatutário, especificamentedo § 1º do art. 1º (f. 17), conduz àinelutável conclusão de que o texto, defato, busca adaptar a sua redação aosnovos tempos, aos avanços da ciênciae da tecnologia; traduz, sem dúvida, umlouvável empenho da entidade sindicalem modernizar o seu estatuto, de modo

a acompanhar “a evolução da indústria(de defensivos agrícolas) e,conseqüentemente, dos produtosdestinados à defesa vegetal”. Até aí,tudo bem! Nota-se, entretanto, que, aofazê-lo, acabou extrapolando a meraadaptação e adequação do texto e,dessa forma, ampliou a sua base derepresentação. Com efeito, não sepode ter em conta de insumosdestinados à defesa agrícola produtosdestinados ao uso na proteção “deoutros ecossistemas e também deambientes urbanos, hídricos eindustriais”! Afigura-se, outrossim,estranha à indústria para defesaagrícola (categoria econômicarepresentada pelo SINDAG) afabricação e/ou formulação de produtos“cuja f inal idade seja alterar acomposição da flora ou da fauna, a fimde preservá-las da ação danosa deseres vivos considerados nocivos”!

Assim, em que pesem oempenho combativo e o brilhantismodos procuradores do sindicato autor,não se pode deixar de reconhecer que,com a nova redação dos dispositivosestatutários apontados, a representaçãosindical do autor modifica, sim, oestatuto atual do réu que pode,eventualmente, não mais representar,em sua base territorial, o universo dasempresas até então ligadas a ele.Forçoso, portanto, reconhecer que, aprevalecerem as alteraçõesestatutárias, na forma do documentoapresentado para registro sindical noCNES (f. 14/58), há conflito derepresentação, como sinalizado peloMTE no processo de impugnação (Proc.n. 46000.009522/2006-71).

Destarte, à luz das razões dedecidir aqui expendidas, impõe-serejeitar a pretensão do sindicato autor,para julgar improcedentes os pedidosformulados na inicial.

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2.4 - Honorários advocatícios

A presente ação versa sobrerepresentação sindical, matériasubmetida à apreciação destaEspecializada em virtude da novacompetência da Justiça do Trabalho (ECn. 45/2004).

Dispõe o artigo 5º da InstruçãoNormativa n. 27 do TST que, “Excetonas lides decorrentes da relação deemprego, os honorários advocatíciossão devidos pela mera sucumbência.”

Devidos, portanto, os honoráriosadvocatícios, em favor do sindicatorequerido, calculados à base de 15% doatribuído à causa, pelo requerente.

3 - CONCLUSÃO

Por esses fundamentos, queficam fazendo parte integrante destedispositivo, resolve o Juízo da 3ª Varado Trabalho de Montes Claros (MG)

julgar IMPROCEDENTES os pedidosformulados na presente ação peloSINDICATO NACIONAL DASINDÚSTRIAS DE PRODUTOS PARADEFESA AGRÍCOLA - SINDAG em facedo SINDICATO INTERMUNICIPAL DASINDÚSTRIAS QUÍMICAS EFARMACÊUTICAS DE MONTESCLAROS - QUIFARMO.

Por conseguinte, ficam rejeitadosos pedidos apresentados no item 1,alíneas “a” e “b”, do petitório inicial (f.10).

Honorários advocatícios pelosindicato requerente, à base de 15%sobre o valor atribuído à causa, em favordo sindicato requerido (item 2.4).

Custas processuais, no importede R$200,00, calculadas sobreR$10.000,00, valor atribuído à causa,pelo sindicato autor.

Intimem-se as partes.Encerrou-se a audiência.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 1.097/07Data: 17.12.2007DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE VARGINHA - MGJuíza Titular: Drª LAUDENICY MOREIRA DE ABREU

Aos 17 dias do mês de dezembro do ano de 2007, às 15h51min, na sala deaudiência desta 2ª Vara do Trabalho de Varginha-MG, na titularidade a Juíza doTrabalho Drª LAUDENICY MOREIRA DE ABREU, foram apregoados os litigantes:E.A.S.J., reclamante; e C.C.A.P. LTDA., reclamada.

Ausentes.Passa esta Vara do Trabalho a proferir a seguinte SENTENÇA.

I - RELATÓRIO

E.A.S.J. ajuizou reclamaçãotrabalhista em face de C.C.A.P. LTDA.,alegando, com base na fartafundamentação exposta na inicial, que:foi admitido em 13.03.06 e dispensadosem justa causa no dia 27.06.06; exerciaa função de vendedor externo; recebia

salário fixo equivalente a 01 mínimo legale comissão sobre vendas, no último valorde R$532,64; foi dispensado porque,questionado por seu superior, informouao mesmo que era portador do vírus VHCcausador da hepatite C; foi discriminadopela reclamada em razão da doença;restou lesado moral e materialmente emrazão da dispensa arbitrária e

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discriminatória; tem direito àsindenizações correspondentes.

Formulou as postulaçõesmencionadas no pedido.

Atribuiu à causa o valor deR$132.000,00.

Juntou documentos eprocuração (f. 106).

Regularmente notif icada, areclamada apresentou defesa escrita,na qual impugnou o valor da causa,contestou o mérito dos pedidos e pediua improcedência da ação.

Juntou documentos eprocuração (f. 139).

Manifestação do reclamante (f.155/157).

O reclamante juntou aos autosoutros documentos, com vista àreclamada, que se manifestou (f. 162/165).

Sem outras provas, encerrou-sea instrução processual.

Razões finais orais.Conciliação proposta e rejeitada.Para julgamento, designou-se o

dia 17.12.07 às 15h51min, cientes aspartes, na forma da Súmula n. 197 do TST.

II - FUNDAMENTOS

1 - Impugnação ao valor dacausa

A reclamada impugnou o valoratribuído à causa, alegando estar emdescompasso com o direito pleiteado ecom a realidade do processo.

Rejeita-se.O valor da causa restou fixado

com observância do critério previsto noinciso II do art. 259 do CPC. Emboraexorbitante, decorre do somatório doquantum estimado de cada pedido,inclusive honorários advocatícios. Aindenização por dano moral foipostulada no valor de R$100.000,00,existindo pedido de obrigações de fazer

e pagamento de salários vencidos evincendos, além de honoráriosadvocatícios no percentual de 20%. Issojustifica a fixação do valor da causa emR$132.000,00.

2 - Incompetência absoluta dojuízo

O reclamante pleiteou acondenação da reclamada norecolhimento das contribuiçõesprevidenciárias vencidas e vincendas(letra “f”).

Com efeito, verifica-se aincompetência absoluta do juízo paraconhecer e julgar a demanda nesseponto.

Nos termos do parágrafo únicodo art. 876 da CLT, a competência daJustiça do Trabalho em relação aoscréditos previdenciários limita-seàqueles

[...] devidos em decorrência dedecisão proferida pelos Juízes eTribunais do Trabalho, resultantes decondenação ou homologação deacordo.

Não abrange a contribuiçãoprevidenciária eventualmente sonegadapela empregadora no curso do contratode trabalho ou a que vier a se obrigarem razão de possível reintegração doempregado no emprego após aefetivação dessa medida.

Logo, declara-se, de ofício, aincompetência deste juízo quanto aopedido mencionado e, à míngua depressuposto de formação edesenvolvimento válido e regular darelação processual, extingue-se oprocesso, sem resolução do mérito,nesse ponto. Incidência do art. 267,inciso IV e § 3º; art. 301, inciso II e § 4º,ambos do CPC.

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3 - Nulidade da dispensa -Reintegração no emprego

O reclamante pleiteoureintegração no emprego, compagamento dos salários vencidos evincendos, recolhimento do FGTS eretif icação na CTPS, bem comoindenização por dano moral. Narrou quetrabalhou de 13.03.06 a 27.06.06,quando foi dispensado sem justa causa,após 13 dias do vencimento do contratode experiência; a dispensa foi arbitráriae discriminatória, dando-se porqueinformou ao seu superior, após ser porele questionado, que é portador do vírusVHC causador da hepatite C; não houvemudança na conjuntura econômica oudeficiência no seu rendimento parajustificar a dispensa, até porque tinhaacabado de passar pelo período deexperiência; não se submeteu ao examedemissional; sofreu danos moral ematerial.

A reclamada defendeu-se,alegando que: não houve qualquerdiscriminação e, ao contrário, oreclamante já era portador da doençaquando foi contratado e a empresa tinhaciência dessa condição; o INSS nãoreconhece a hepatite C como doençaocupacional para justificar o direito aoauxílio-doença; não há nexo entre adoença e o trabalho, de modo que nãose aplica ao caso a garantia de empregoprevista na Lei n. 8.213/91; a dispensase deu porque a empresa passou poruma reestruturação administrativa e nãomais necessitou manter um vendedorexterno, aliado ao fato de que oreclamante apresentava queda derendimento e não cumpria metas.

Analisada a lide e elementosprobatórios em vista do ordenamentojurídico aplicável na espécie, conclui-se,sem dúvida, que a dispensa deu-se deforma ilegítima.

Com efeito, o princípio daigualdade é direito e garantiafundamental do indivíduo, por força docaput do art. 5º da ConstituiçãoFederal, estando arrolado comoobjetivo fundamental da RepúblicaFederativa do Brasil, nos termos do art.3º, inciso IV, também da Constituição,cabendo a ela

promover o bem de todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formasde discriminação.

A discriminação é a negação daigualdade.

Discriminar significa distinguir,discernir, estabelecer diferenças,separar, apartar. A Convenção n. 111 daOIT, de 1958, sobre discriminação emmatéria de emprego e ocupação, no seuart. 1º, prescreve que o termodiscriminação compreende

[...] qualquer distinção, exclusão oupreferência fundada em raça, cor,sexo, religião, opinião política,ascendência nacional , or igemsocial ou outra distinção [...] quetenha por fim anular ou alterar aigualdade de oportunidades ou detratamento no emprego ouprofissão.

Na lição do Ministro do TSTMauricio Godinho Delgado,

Discriminação é a conduta pela qualnega-se à pessoa tratamentocompatível com o padrão jurídicoassentado para a situação concretapor ela vivenciada.(Discriminação, obra coordenadapelos Desembargadores MárcioTúlio Viana e Luiz Otávio LinharesRenault, LTr, p. 97)

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Extrai-se que o reclamante: foiadmitido pela reclamada no dia 13.03.06mediante contrato de experiência peloprazo de 45 dias, para exercer a funçãode vendedor externo, tendo assinadotermo de prorrogação desse contrato (f.126); foi dispensado sem justa causa,com pré-aviso no dia 27.06.06 (f. 129);é portador de hepatite C crônica,estando em tratamento médico desdeoutubro/05 (f. 142); não se submeteu aoexame demissional.

A hepatite C é causada pelo vírusVHC e, no estágio crônico, apresentacaráter evolutivo ou progressivo,podendo desenvolver cirrose e câncer.O tratamento é lento, penoso, demandaacompanhamentos médicos freqüentese, nos casos mais graves, como ocrônico, não resulta em melhorasignificativa.

Induvidoso o comportamentodiscriminatório da reclamada em relaçãoao reclamante pelo fato de ser portadordessa doença.

Não de forma subjetiva,praticada pelos representantes dareclamada, configurada no preconceito,na aversão à doença, na repulsa àpessoa do reclamante em razão dadoença de modo a segregá-lo ou afastá-lo do ambiente de trabalho.

A discriminação verificada éobjetiva. De um lado, porque a dispensasem justa causa exclui o reclamanteenfermo do exercício da atividadeprofissional, da digna fonte de renda esustento, das garantias previdenciáriase do próprio mercado de trabalho. Deoutro, porque a manutenção do seuemprego contraria a política financeira daempresa, pois a doença e sua evoluçãoensejariam queda na produtividade elicenças remuneradas, com conseqüenteelevação dos custos operacionais, semconsiderar o sentimento de que aimagem da empresa restaria

comprometida junto aos clientes emrazão da atuação do vendedor externodoente, abatido e debilitado.

A reclamada não se desincumbiudo ônus de provar o conhecimento dadoença em período anterior àcontratação ou no azo da contratação,como lhe cabia, a teor do inciso II doart. 333 do CPC. Não apresentouqualquer prova nesse sentido, sendocerto que o exame médico admissionalatesta aptidão para o trabalho e nãoressalva a doença (f. 131). Contudo,verifica-se que tomou ciência do fato,certamente em momento posterior àcontratação, ao afirmar, na defesa, que“[...] já tinha conhecimento dascondições físicas do reclamante,sabendo que o mesmo era portador dehepatite C [...]” (f. 119). Não obstante,promoveu a dispensa sem justa causa.

De todas as formas dediscriminação, a mais grave e com maiordificuldade de superação para osportadores de doenças crônicas eincuráveis, como a hepatite C e AIDS, éa perda do emprego. Sem emprego, nãohá salário; sem salário, não há como sesustentar e enfrentar com dignidade adoença; sem emprego, não há vínculocom a Previdência Social e conseqüenterecebimento dos benefícios por elapagos; impossível obter novo emprego,em especial diante de um mercado detrabalho competitivo e discriminador pornatureza.

A discriminação é mero corolárioda situação fática verificada. Nãodesafia prova. Diante dos fatos, épossível deduzir a respeito da presença,ou não, do tratamento desigual. E naespécie a discriminação está inserta nopróprio fato de a reclamada dispensaro reclamante sem justa causa, ciente deque é portador de doença crônica eincurável. Logo, cabia a ela, reclamada,o ônus de afastar essa presunção,

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mediante demonstração de fato capazde justificar o tratamento desigual, a teordo art. 818 da CLT c/c inciso II do art.333 do CPC.

Desse ônus não se desincumbiu.A enfermidade, por si só, não

constitui forma de descumprimento daobrigação contratual do empregado detrabalhar, sendo perfeitamente possíveldar continuidade ao labor e ao contratode emprego. Infere-se que o reclamante,no exame médico admissional, foiconsiderado apto para o trabalho (f.131). Nesse sentido, a dispensa semjusta causa é fator de diferenciação oudistinção da sua pessoa em relação aogrupo de trabalhadores, pois o excluiudo exercício da atividade profissional eda necessária manutenção da suarelação jurídica com a PrevidênciaSocial no momento em que mais precisado amparo previdenciário; anulou oualterou a igualdade de oportunidadesprofissionais, não só em relação àempresa-reclamada, como também aomercado de trabalho em face daimpossibilidade prática de colocaçãonoutro emprego diante das regrasdiscriminatórias por ele praticadas.

Nem mesmo a possibilidade deevolução da doença justifica a dispensa.Caso atinja estágio que comprometa oexercício da função de vendedorexterno, a legislação prevê oremanejamento ou readaptação paraoutra função compatível com suacondição. Se ensejar incapacidadelaborativa, estabelece o afastamento doserviço e seu encaminhamento àPrevidência Social, com conseqüentesuspensão do contrato de trabalho, naforma do art. 476 da CLT. Nunca adispensa sem justa causa. Ao contrário,a doença é causa impeditiva para oexercício do direito potestativo daempregadora de dispensar oempregado sem justa causa.

Não se pode olvidar de que areclamada, no exercício do seu poderdiretivo, tem direito de promoverreestruturação administrativa naempresa e dispensar empregados.Porém, o direito de dispensarempregados não é absoluto, estandolimitado, a exemplo, na doença e nashipóteses de garantia ou estabilidade noemprego. Logo, traduz-se em abuso dedireito o ato da reclamada de dispensaro reclamante ciente da suaenfermidade, seja porque édiscriminatório, seja porque estavaobstado pela causa interruptiva esuspensiva do contrato de trabalho.

A reclamada não provou aalegada queda no rendimento doreclamante. Ao contrário, extrai-se queisso não ocorreu. É que foi dispensado14 dias após ser aprovado no períodode experiência. Infere-se que foicontratado mediante experiência peloprazo de 45 dias, sendo certo que areclamada tinha em mãos o termo deprorrogação por si assinado, do queemerge o interesse na continuidade daexperiência por igual prazo(f. 126). E adispensa em seguida ao término doperíodo de experiência contraria aalegada queda de rendimento econfirma seu propósito discriminatório.

Ainda que se admitisse, porargumentar, eventual queda norendimento, a questão prende-se aosriscos do empreendimento e que devemser assumidos pela empregadora, a teordo caput do art. 2º da CLT. Por outro lado,se ocorreu, é conseqüência da debilidadefisiológica do reclamante em razão dadoença, não justificando a dispensa semjusta causa, e sim a readaptação ouencaminhamento ao INSS.

Firmado o caráter discriminatórioda dispensa, cumpre dirimir adivergência quanto ao direito àreintegração no emprego.

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Não se trata, é claro, de doençaocupacional ou decorrente do trabalho.É doença simples. Aliás, o pedido nãose baseia nos direitos assegurados aotrabalhador vítima de doençaocupacional ou acidente do trabalho,como a garantia de emprego prevista noart. 118 da Lei n. 8.213/91.

Não existe lei específicaregulando o acesso ao emprego e suamanutenção para empregadosportadores de doenças como a hepatiteC e AIDS. Porém, isso não respaldaatitude discriminatória ou significa quetais empregados assumam a condiçãode excluídos também em relação àlegislação para fins de tutela dos seusinteresses específicos e sejamdiscriminados pelo próprio Estado noexercício da jurisdição. O Direito é umsistema que deve ser aplicado nocaminho da justiça. Então, cabe aojulgador buscar uma solução equânimevalendo-se de normas e princípiosgerais do direito, analogia, costumes eda jurisprudência para solução doconflito, como autoriza o art. 8º da CLT,até porque é mandamentoconstitucional que “a lei punirá qualquerdiscriminação atentatória dos direitos eliberdades fundamentais”, a teor doinciso XLI do art. 5º da ConstituiçãoFederal.

Vislumbra-se respaldo noordenamento jurídico para se declararilegitimidade e nulidade da dispensa e,em conseqüência, o direito doreclamante de manter-se no empregoda reclamada.

Por força de normaconstitucional, a igualdade detratamento é garantia do indivíduo eobjetivo da República Federativa doBrasil, cuja conduta insere-se no deverde todos. Como exposto, a dispensa doreclamante violou esse princípio, sendocerto que também afronta a dignidade

da pessoa humana e os valores sociaisdo trabalho, fundamentos do EstadoDemocrático de Direito, nos termos dosincisos III e IV do art. 1º da ConstituiçãoFederal. E tais princípios sobrepõem àprópria inexistência de legislaçãoespecífica assecuratória de garantia ouestabilidade no emprego paraportadores de doenças crônicas eincuráveis, como o reclamante, dandorespaldo à punição da atitudediscriminatória e ao direito pleiteado.

A Constituição Federal, no seuart. 170, insere a valorização do trabalhohumano como princípio e fundamentoda ordem econômica. Também restouviolado em razão da dispensaimotivada.

Desse princípio, emerge afunção social da empresa. É que, naatual sociedade, passa da condição demera produtora de bens e serviços paraa de instituição detentora deresponsabilidades sociais. Dela provêmbens e serviços consumidos nomercado, muitas receitas fiscais doEstado e, principalmente, a subsistênciade inúmeras famílias de trabalhadores.Não se pode olvidar da sua necessidadede obter lucro, mas isso não significaque deva ser alcançado a qualquercusto. Daí, na sua relação com osempregados, o propósito lucrativo deveatuar em harmonia com uma posturahumana, alicerçando-se no respeito àdignidade, saúde e vida dosempregados, que necessitam dotrabalho honesto como forma desustento próprio e das famílias. Essapostura torna-se mais evidente em setratando de empregado doente, quenecessita do emprego inclusive paracusteio de medicamentos e amparoprevidenciário.

Ao estabelecer, em nívelconstitucional, os direitos sociais doindivíduo, a Constituição Federal, no art.

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7º, inciso I, insere dentre os direitos dostrabalhadores urbanos e rurais a

relação de emprego protegida contradespedida arbitrária ou sem justacausa, nos termos de leicomplementar, que preveráindenização compensatória, dentreoutros direitos.

Como se vê, a ConstituiçãoFederal manda punir atitudediscriminatória nos termos da leiordinária e protege a relação deemprego contra despedida arbitrária ousem justa causa conformeregulamentado em lei complementar.Em face da omissão do legislador, nãoé razoável admitir a legitimidade dedispensa arbitrária, discriminatória eque afronta a continuidade da relaçãode emprego como a promovida pelareclamada.

Daí, totalmente pertinente aincidência, por analogia, aos casos dedoenças graves e incuráveis, como aAIDS e hepatite C, das disposições daLei n. 9.029/95, que proíbe práticasdiscriminatórias para admissão oupermanência da relação jurídica detrabalho. Nos termos do seu art. 1º, “Ficaproibida a adoção de qualquer práticadiscriminatória e limitativa para efeito deacesso à relação de emprego, ou suamanutenção [...]”, extraindo-se do art. 4ºprevisão para a nulidade da dispensadiscriminatória e o direito do empregadoà reintegração no emprego ourecebimento dobrado da remuneraçãodo período de afastamento.

Evidente o propósito dolegislador em manter o emprego paraempregados portadores de doençasgraves e incuráveis. Tramita o Projetode Lei n. 145, de 2006, sobre restriçõesà despedida arbitrária ou sem justacausa do empregado portador da

Síndrome da ImunodeficiênciaAdquirida (AIDS), do vírus HCV (hepatiteC) e de doença grave e contagiosareconhecida pela Organização Mundialda Saúde, para lhe assegurar os direitosao salário e emprego, vedando adespedida arbitrária ou sem justa causa(f. 67/69).

A CLT também respalda anulidade da dispensa. Nos termos doart. 9º da CLT, “Serão nulos de plenodireito os atos praticados com o objetivode desvirtuar, impedir ou fraudar aaplicação dos preceitos contidos na [...]Consolidação”. Pelos motivos expostos,induvidoso que a dispensa objetivoudesvirtuar e impedir a incidência dospreceitos trabalhistas.

A ilegitimidade da dispensatambém está configurada no fato de areclamada ter dispensado o reclamantedoente. Como exposto, a doença doempregado é causa impeditiva de suadispensa, impondo a interrupçãocontratual nos primeiros 15 dias delicença médica e a suspensãocontratual no período subseqüente,enquanto perdurar a incapacidadelaborativa.

Nesse contexto, declara-se anulidade da dispensa, condenando areclamada a reintegrar o reclamante noemprego, mantidas as mesmascondições anteriores à dispensa ou, nãosendo possível, readaptando-o noutrafunção compatível com seu atualestado. Deverá retificar a CTPS, paraanular o registro da baixa. Deverá pagaros salários vencidos e vincendos, de28.07.06 até a efetiva reintegração, bemcomo recolher o FGTS respectivo composterior comprovação nos autos.

4 - Indenização por dano moral

O reclamante pleiteouindenização por dano moral, no valor de

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R$100.000,00, alegando que adispensa discriminatória feriu sua honra,dignidade, direitos e liberdadesfundamentais.

A reclamada, na defesa, negouocorrência de discriminação e, porcautela, impugnou o valor pleiteado aesse título por extremamente exorbitante.

Assiste razão ao reclamante.O pedido fundamenta-se na

responsabilidade civil subjetiva, nateoria da culpa, consubstanciada namaneira em que o comportamento doagente contribuiu para o dano ouprejuízo, no comportamento culposo doagente. Nesse sentido, o art. 186 doCódigo Civil de 2002 estabelecerequisitos necessários para a obrigaçãode reparar ou indenizar: o dano, a culpae o nexo causal entre o comportamentoculposo e o dano.

O dano é caracterizado napresença do prejuízo. Supõe-se que avítima seja atingida em “[...] umasituação de que ela se beneficiava,lesada em uma vantagem que possuía”(Caio Mário da Silva Pereira).

O dano moral consiste em “[...]todo sofrimento humano resultante delesão de direitos estranhos aopatrimônio [...]” (Arnoldo Medeiros),como os inerentes à personalidade dapessoa. O inciso X do art. 5º daConstituição Federal inseriu ainviolabilidade à intimidade, à vidaprivada, à honra e à imagem daspessoas dentre os direitos e garantiasfundamentais do indivíduo,assegurando o direito à indenizaçãopelo dano moral decorrente da violação.

No caso, é induvidosa apresença do dano moral.

Como decidido supra, areclamada praticou ato discriminatórioem relação à pessoa do reclamante, aodispensá-lo sem justa causa, ciente deque é portador de doença grave e

incurável, a hepatite C crônica.O reclamante foi excluído do

emprego, da fonte de sustento próprioe da família, do meio de enfrentar adoença com dignidade, do vínculo coma Previdência Social, enfim, do mercadode trabalho, mediante prática ilegítimada reclamada, nos termos dosfundamentos supra.

Logo, são presumíveis ossentimentos de frustração, doremocional e psíquica, angústia, mágoa,aflição, insegurança. Inegável a quebrado equilíbrio psicológico, bem-estar e danormalidade da vida.

Presente o nexo causal.Existe relação de causalidade

entre ato injurídico praticado pelareclamada e o dano moral, necessáriapara se caracterizar o dever dereparação.

A dispensa sem justa causa doempregado portador de doença gravee incurável, por si só, objetivamente,enseja discriminação, pois se trata demedida que o exclui e distingue emrelação aos demais trabalhadores.Afronta os direitos e garantias doindivíduo assegurados pela ConstituiçãoFederal, bem como a legislaçãotrabalhista.

Há culpa.Definida como

[...] um erro de conduta, cometidopelo agente que, procedendo contradireito, causa dano a outrem, sem aintenção de prejudicar, e sem aconsciência de que seucomportamento poderia causá-lo.(Caio Mário da Silva Pereira)

Então, age com culpa aquele quenão se conduz da maneira como deviaconduzir.

Extrai-se dos fundamentos supraque a reclamada agiu com culpa, ao

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negligenciar em relação aostratamentos humano e jurídico que oestado do reclamante desafiava naocasião da dispensa e ainda desafia.

O valor da indenização.O dano de natureza moral, de

regra, deixa marcas profundas eenormes prejuízos, inestimáveis empecúnia. Daí, a indenização visaconsolar ou compensar a vítima, demodo que a

[...] soma em dinheiro pode amenizara amargura da ofensa e de qualquermaneira o desejo de vingança [...] Aisso é de acrescer que na reparaçãopor dano moral insere-se asolidariedade social à vítima.(PEREIRA, Caio Mário da Silva.Responsabilidade civil.)

Também possui caráter punitivoe pedagógico, inclusive para que sejamefetivadas as medidas de controle eprevenção necessárias, evitando futurosacidentes e outras vítimas.

O valor postulado, deR$100.000,00, é exorbitante. Repita-se,a indenização não visa premiar o lesadocom vultosa quantia. Não pode

[...] ter o objetivo de provocar oenriquecimento ou proporcionarao ofendido um avantajamento,por mais forte razão deve sereqüitativa a reparação do danomoral para que se não convertao sofrimento em móvel decaptação de lucro.(PEREIRA, Caio Mário da Silva.Responsabilidade civil.)

A legislação não estabelececritério específico para fixação daindenização. O art. 1.553 do Código Civilde 1916 previa o critério do arbitramentopara os casos nele não contemplados.

O Código Civil de 2002 tambémcontempla o arbitramento, comeqüidade e razoabilidade, levando-seem conta a extensão do dano, nostermos do art. 944.

Com efeito, diante dascircunstâncias do caso e considerandoa extensão do dano, o acionamento doJudiciário em busca de sua reparaçãosomente 15 meses após suaconsumação, a condição do lesado e asituação econômica do lesando, érazoável fixar a indenização por danomoral no valor de R$15.000,00.

5 - Justiça gratuita

Indefere-se o pedido paraconcessão dos benefícios da justiçagratuita, porque a procedência parcialdos pedidos enseja condições de oreclamante arcar com eventual despesado processo, não se verificando, pois, oestado de miserabilidade com prejuízopróprio ou da família, nos termos da Lein. 1.060/50.

6 - Honorários advocatícios

O pagamento de honoráriosadvocatícios, na Justiça do Trabalho,nas demandas decorrentes da relaçãode emprego, como na espécie, temcabimento na única hipótese deassistência judiciária prestada pelosindicato profissional àquelesempregados que se encontrarem emestado de miserabilidade presumida,como previsto no art. 14 da Lei n. 5.584/70e Súmulas n. 219 e 329 do TST.

Não é essa a hipótese emexame, o pedido é improcedente.

7 - Atualização dos créditos

Nos termos do art. 39 da Lei n.8.177/91 e Súmula n. 381 do TST, os

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créditos serão corrigidosmonetariamente, com base na TRDacumulada no período entre a data dovencimento da obrigação até o efetivopagamento, com base no índice do mêssubseqüente ao trabalhado, a partir dodia 1º.

A indenização por dano moralserá corrigida a partir da data depublicação desta decisão.

Os juros de mora incidirão acontar da data do ajuizamento dareclamação, sobre o valor corrigido, naforma do art. 39 da Lei n. 8.177/91 eSúmula n. 200 do TST.

8 - Contribuições tributária eprevidenciária

Autoriza-se a retenção doimposto de renda e contribuiçãoprevidenciária do crédito deferido denatureza salarial (salários vencidos evincendos), eis que decorre deimposição legal, qual seja, o art. 46 daLei n. 8.541/92 e art. 43 da Lei n. 8.212/91, com alterações da Lei n. 8.620/93 eDecreto n. 3.048/99, sendoprocedimento automático a serobservado pela empregadora eSecretaria da Vara do Trabalho porocasião do depósito, a teor doProvimento n. 03/05 da CGJT.

A reclamada deverá, no prazolegal, proceder ao recolhimento dessascontribuições e da cota previdenciáriaque lhe cabe, com comprovação nos

autos do cumprimento dessasobrigações, sob pena de ofício à ReceitaFederal quanto à contribuição fiscal eexecução em relação às demais.

III - CONCLUSÃO

Pelo exposto, resolve a 2ª VARADO TRABALHO DE VARGINHA-MG, nareclamação trabalhista ajuizada porE.A.S.J., julgar PROCEDENTES, EMPARTE, os pedidos, para condenarC.C.A.P. LTDA., observados osparâmetros da fundamentação, a:reintegrá-lo no emprego; pagar-lhe, noprazo de 08 dias, a se apurar emliquidação, acrescidos de correçãomonetária e juros de mora, observadosos parâmetros da fundamentação, ossalários vencidos e vincendos de28.07.06 até a reintegração, bem comoindenização por dano moral; recolher oFGTS respectivo, com posteriorcomprovação nos autos.

Contribuições previdenciária etributária conforme fundamentação.

Oficie-se à DRT.Intime-se o INSS, na forma do

art. 879 da CLT.Custas, pela reclamada, no

importe de R$400,00, calculadas sobreR$20.000,00, valor arbitrado àcondenação.

Cientes as partes, nos termos daSúmula n. 197 do TST.

Encerrou-se.