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Breves notas de Governança Corporativa acerca do Conflito de Interesses na Sociedade Anônima Wilson Kozlowski Procurador Federal da Comissão de Valores Mobiliários – CVM Ex-Assessor Jurídico do Gabinete Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro Ex-Advogado Residente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ Graduando em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ I – Introdução; II – Visões contratual e institucional da companhia; III – Disciplina da LSA sobre o “conflito” (art. 115 §1º); III.1 – Diferença entre abuso e conflito; III.2 – Entre o formalismo e o substancialismo; III.2.1 – Perspectivas sobre o conflito; III.2.2 – A CVM e o “conflito”; IV – Exegese ofertada; V – Conclusões para um Direito Empresarial Constitucional I – Introdução Diante dos diversos choques de confiança que assolaram o mercado mobiliário nos últimos tempos, cresce a importância de estudos voltados para a definição de regras de conduta aplicáveis ao convívio social, buscando o melhor equilíbrio de forças e o resgate da credibilidade. Estas regras os juristas e os economistas passaram a chamar de Boa Governança Corporativa, na tradução do termo inglês corporate governance, denotando as raízes históricas do ideário. 1

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Breves notas de Governança Corporativa acerca do Conflito de Interesses na Sociedade Anônima

Wilson KozlowskiProcurador Federal da Comissão de Valores Mobiliários – CVM

Ex-Assessor Jurídico do Gabinete Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro

Ex-Advogado Residente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ

Graduando em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

I – Introdução; II – Visões contratual e institucional da companhia; III – Disciplina da LSA

sobre o “conflito” (art. 115 §1º); III.1 – Diferença entre abuso e conflito; III.2 – Entre o

formalismo e o substancialismo; III.2.1 – Perspectivas sobre o conflito; III.2.2 – A CVM e o

“conflito”; IV – Exegese ofertada; V – Conclusões para um Direito Empresarial Constitucional

I – Introdução

Diante dos diversos choques de confiança que assolaram o mercado

mobiliário nos últimos tempos, cresce a importância de estudos voltados para a

definição de regras de conduta aplicáveis ao convívio social, buscando o melhor

equilíbrio de forças e o resgate da credibilidade. Estas regras os juristas e os

economistas passaram a chamar de Boa Governança Corporativa, na tradução do

termo inglês corporate governance, denotando as raízes históricas do ideário.

É de se registrar que os objetivos acima traçados não esgotam o escopo

da Governança, vez que outros interesses, que não os meramente intra-societários

(relações sócio-sociedade), são abarcados. Dentre estes se destacam os dos

trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes, da comunidade e do Estado1.

Entretanto, para realidades societárias conturbadas e concentradas como

a brasileira, importa sobremaneira o reequilíbrio de forças e as soluções dos eternos

conflitos entre o controlador e os minoritários. Não por outro motivo a resolução dos

1 Neste sentido: LODI, João Bosco. Governança Corporativa: O Governo da Empresa e o Conselho

de Administração. apud RIBEIRO, Milton Nassau. Fundamentos e efeitos jurídicos da governança corporativa no Brasil in Revista de Direito Mercantil vol. 127. São Paulo: Editora Malheiros. julho-

setembro 2002. p. 168

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conflitos de interesse é citada em diversos instrumentos de orientação para uma

Boa Governança, tais como os Princípios de Governança Corporativa da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa)2, visto ser a área mais sensível do

confronto entre os sócios.

Ao propósito de apresentar um reforço à regra para a solução dos

conflitos estabelecida pelo parágrafo primeiro do artigo 115 da Lei de Sociedades

Anônimas, busca-se com o presente texto uma breve aproximação do Direito

Empresarial com o Constitucional, sem descurar dos princípios de Boa Governança

como a eqüidade e transparência (full disclosure) que não deixam de estar

albergados pela Carta Magna.

II. Visões contratual e institucional da companhia

A temática sobre a natureza das companhias representa para o Direito

Societário a sua verdadeira pedra de toque, vez que da definição depende um

número considerável de soluções na seara anonímia.

Polarizam-se neste combate intelectual duas alternativas, ambas

carregadas com pesada carga ideológica3, e representadas por expoentes da 2 6.03. Conflito de interesses – Existe um conflito de interesses quando alguém não é independente

em relação à matéria em pauta e a pessoa em questão pode influenciar ou tomar decisões

correspondentes. Algumas definições de independência têm sido dadas para conselheiros de

administração e para auditores independentes. Critérios similares valem para diretores ou qualquer

empregado ou representante da empresa.

Preferivelmente a pessoa em questão deve manifestar seu conflito de interesses. Se isso não acontecer, qualquer outra pessoa pode fazê-lo. 6.04. Afastamento das discussões e deliberações – Tão logo um conflito de interesses tenha sido identificado em relação a um tema

específico, a pessoa em questão deve afastar-se, inclusive fisicamente, das discussões e

deliberações. O afastamento temporário deve ser registrado em ata ou de outra forma.3 A ciência, sobretudo as de comportamento como a jurídica, não é infensa ao discurso político.

OLAVO DE CARVALHO denuncia essa relação quase promíscua: “É isso, precisamente, o que se

denomina uma ideologia: um discurso de ação política composto de conceitos científicos esvaziados

de seu conteúdo analítico e imantados de carga simbólica. Então é preciso novas e novas análises

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literatura jurídica, o que não afasta nem desmerece os diversos estudos

interdisciplinares, sobretudo na área econômica. Doravante, para fins de

identificação doutrinária, classificar-se-ão em “contratualistas” e “institucionalistas”.

Esta bipartição, conforme será visto, não encerra a questão, sendo certo que

existem novas vias.

A noção contratualista, originária dos trabalhos da doutrina e

jurisprudência italiana, conceitua o ato constitutivo da sociedade como sendo um

contrato plurilateral, na dicção de TULLIO ASCARELLI, o qual se caracteriza pela

existência de uma finalidade em comum entre as várias partes contratantes. Desta

concepção, estribada na autonomia da vontade e na separação estanque entre o

Direito Público e o Privado, extrai-se a definição do que vem a ser o interesse social, que evoluiu do clássico interesse dos sócios atuais, passando pela

potencialização dos lucros, até o atual shareholder value, ou seja, a maximização do

valor de venda das ações, muito em voga na prática societária norte-americana.

De outro lado, a teoria institucionalista, cunhada na Alemanha, forte no

papel público das sociedades anônimas, descreve o ato criador como sendo um ato-

regra, ou um ato-condição, noções oriundas das lições de DUGUIT, sobrepondo o

interesse público ao meramente privado dos acionistas.

Impende situar ambas as teorias no cenário histórico mundial. A teoria

contratualista encontra sintonia, no plano ideário, com a implementação do projeto

iluminista e, no plano econômico, com a Revolução Industrial. Deste momento

histórico decorre o poder quase incontrastável do controlador na definição do

interesse social, alicerçado no solipsismo capitalista4.

para neutralizar a mutação da ciência em ideologia.” Artigo publicado no jornal “O Globo” de 20 de

setembro de 2003.4 Veja a este respeito BULGARELLI “(...) a empresa não tem interesses, a não ser que se admita,

com parte equivocada da doutrina, sobretudo a francesa, que ela possui personalidade jurídica. Só as

pessoas têm interesses; só os sujeitos de direito os têm; a empresa, na sua acepção funcional,

corporativa, ou objetiva (para utilizar os chamados “perfis” de ASQUINI), não os tem. Quem os teria,

sim, seria o empresário, portanto, a empresa sob o perfil subjetivo. Mas, o empresário é antes de tudo

o acionista, e nas grandes sociedades, não qualquer acionista, ou a soma aritmética de todos, mas o

controlador, vale dizer, em geral, um pequeno grupo que controla a sociedade. Quem decide o que é

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O ideário individualista liberal, fonte dos direitos fundamentais de primeira

geração5, evidenciou-se incapaz de assegurar a real igualdade sonhada pelos

revolucionários face à realidade extremamente desigual, que prestigiava a

concentração de riquezas e a exploração mercantilista do ser humano6. Frente às

pressões sociais, o Estado de Direito foi chamado a intervir e se modernizar,

concedendo cidadania aos seus súditos través de um arsenal de direitos coletivos,

conhecidos como de “segunda geração”, dentre os quais se destacam os

trabalhistas e os previdenciários, sem contudo perturbar o stablishment capitalista,

servindo como antídoto (ou melhor placebo) para a escalada socialista/comunista.

Entretanto, o papel do Estado só foi realmente alterado em terras desenvolvidas

quando do crash de 1929 pela pena do New Deal, que patenteou a incompetência

da “mão invisível” e chamou o Poder Público a tomar parte na economia, surgindo o

“Estado de Bem-Estar Social”, projeto inscrito na Constituição da República de

Weimar que naufragou no caos econômico de um país arrasado pelo primeiro

conflito mundial e preparado psicologicamente para o domínio do terror.

Neste sentido, oportunas são as conclusões do Professor CALIXTO

SALOMÃO FILHO:

bom para a empresa é o controlador.” (sem grifos no original) BULGARELLI, Waldírio. Verbete

“Interesse da empresa” in Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Editora Saraiva. 1977. pp.

349/350.5 Para uma melhor compreensão da fascinante classificação dos direitos fundamentais ver

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. pp.

514/531.6 Sobre a temática da exploração do trabalho e sua reação no campo político, sobretudo na

Constituição do México de 1917, anota o insigne FÁBIO KONDER COMPARATO “(...) a Constituição

mexicana, em reação ao sistema capitalista, foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do

trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da

procura no mercado. Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre

trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos

empregadores por acidentes do trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do

moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do

trabalho, e portanto da pessoa humana, cuja justificativa se procurava fazer, abusivamente, sob a

invocação da liberdade de contratar.” (sem grifos no original) in A Afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 3ª edição. 2003. p. 177.

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“A crise de 1929 e os anos de chumbo que se seguiram

demonstraram várias coisas. Para o capitalismo, a insuficiência

do modelo individualista; para o direito societário, a

insuficiência do modelo contratualista.”7

Eis que, no contexto do Estado Social, face à importância dos meios de

produção, surge a teoria institucionalista, vislumbrada em terras tudescas como um

meio para o soerguimento nacional pelas grandes companhias. Como agente

econômico, o ente político não poderia se furtar a impor a supremacia do interesse

público na esfera da sociedade anônima, firme no propósito de equilibrar a relação

capital/trabalho. Desbordando do utopismo interventivo, expresso num sem número

de princípios, a legislação societária alemã sofreu alterações incorporando a

evolução do institucionalismo, na sua vertente integracionista ou organizativa em

oposição ao publicismo retórico de antes. Os reflexos e, ao mesmo tempo, as

causas desta mudança de rumos se encontram nas primeiras leis sobre participação

operária, visando a um interesse social “concebido como harmônico e comum aos

interesses dos vários tipos de sócios e dos trabalhadores e que se traduz no

interesse à preservação da empresa”8.

Rotula-se integracionista pois busca a internalização dos diversos

interesses relacionados com a companhia, sejam eles intra-societários (como dos

minoritários) ou extra-societários (como dos trabalhadores, dos consumidores e do

Estado), construindo uma organização eficiente e capaz de solucionar os diversos e

co-naturais conflitos decorrentes da vida societária9. Longe de alcançar a

7 Sociedade Anônima: interesse público e privado. in Revista de Direito Mercantil volume 127, São

Paulo: Editora Malheiros, julho/setembro 2002. p. 11. No mesmo sentido, já no crepúsculo da década

de 1970, ROMISER, Mônica G. C. El interés social en la sociedad anónima. Buenos Aires:

Depalma, 1979 pag. 60 “(...) el concepto de interés social enunciado por la escuela contractualista

resulta, en la actualidad, insuficiente.”8 SALOMÃO FILHO, Calixto. Interesse Social: a nova concepção. in O Novo Direito Societário. São

Paulo: Editora Malheiros, 2ª edição reformulada, 2002. p. 34 (sem grifos no original).9 “A teoria organicista não impõe a internalização de interesses. Ao erigir a sociedade como

instrumento de resolução de conflitos sugere que este ente seja capaz de tanto. Sugere que sua

organização seja erigida para tanto. É inegável, por outro lado, que existem interesses que não

podem ser resolvidos internamente. Em muitos casos é até positivo para estes interesses que a

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unanimidade, esta corrente sofre ataques nos quais são citados estudos,

pretensamente científicos – fincados nas lições da Escola de Chicago, contra a

participação dos trabalhadores nos conselhos das sociedades alemãs, rotulando

esta integração como responsável pela ineficiência e burocratização dos órgãos,

resultando em demoras nas tomadas de decisões em um ambiente altamente

competitivo. “Esse tipo de crítica, de forte viés neoclássico, claramente subestima o

valor da cooperação capital – trabalho na eficiência empresarial, e na criação de

uma estrutura administrativa profissional em uma realidade econômica concentrada

(onde o controlador tem poder incontrastável) como é o caso da realidade alemã e

brasileira.”10

É de bom alvitre que se alerte para o fato de que ambas as teorias

convivem no cenário mundial11, a depender do tipo de capitalismo perfilhado12 seja o

renano (institucionalista organizativo ou integracionista) ou o anglo-saxão

(contratualismo da maximização do shareholder value). No caso específico de

países em desenvolvimento como o Brasil, onde a democracia ainda patina ao sabor

das incertezas econômicas externas e o sectarismo partidário serve à manipulação

mediação entre eles e o interesse social se faça por regulamentação estatal.” Cf. SALOMÃO

FILHO, Calixto. Interesse Social: a nova concepção. in O Novo Direito Societário. São Paulo:

Editora Malheiros, 2ª edição reformulada, 2002. p. 44 (sem grifos no original).10 SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade Anônima: interesse público e privado in Revista de

Direito Mercantil volume 127, São Paulo: Editora Malheiros. julho/setembro 2002. p. 12. 11 Importa esclarecer que as palavras do mestre FRANCESCO GALGANO (Le Società per Azioni, Principi Generali, in Il Codice Civile, Comentario diretto da Piero Schlesinger, artt. 2325-2341,

Milano, Giuffrè, 1996, p. 186) para o qual “a concepção contratualista tornou-se incontrastada na

doutrina e na jurisprudência contemporâneas” somente valem para a realidade societária peninsular,

sendo, por óbvio, imprestáveis para outras experiências, tais como a brasileira.12 Novamente as lições do Professor CALIXTO SALOMÃO são pertinentes: “Fala-se nesse sentido em

um modelo de capitalismo “renano” (alemão) contraposto ao modelo “anglo-saxão”. O primeiro seria

caracterizado pelos investimentos a longo prazo, possibilitados pela existência daqueles meios de

defesa estruturais acima mencionados. Tal sistema permitiria mais investimentos em tecnologia e

infra-estrutura e justificaria muito do sucesso atual do sistema alemão. O modelo saxão, por outro

lado, seria caracterizado pela necessidade de investimentos a curto prazo, que proporcionam

resultados rápidos, permitindo manter alto o valor das ações e proporcionando uma defesa

econômica no livre mercado de escaladas.” SALOMÃO FILHO, Calixto. RICHTER JUNIOR, Mário

Stella. Interesse social e poderes dos administradores na alienação de controle in Revista de

Direito Mercantil n.º 89. São Paulo: Malheiros Editores. Janeiro-março de 1993. p. 75.

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de multifárias correntes de interesses antagônicos, a adoção de uma das teorias

passa a ser tormentosa, o que não afasta aquele que não se contenta com a

filodoxia.

A lei n.º 6.404 de 1976 reflete toda a ambigüidade que é própria das

nações com fraco desenvolvimento, que passaram de uma sociedade agrícola

escravagista para urbana, sem se beneficiar dos bônus sociais da Revolução

Industrial, na qual é exigida, corretamente, uma postura pós-moderna do Estado,

dando origem ao pluricentrismo político-social, às relações eqüiordinais e radiais e à

subsidiariedade neoliberal, sem contudo a grande massa ter experimentado as

benesses do Estado Social, nem muito menos o projeto da modernidade ter

começado. Neste espaço de contradições13 convivem princípios institucionalistas e

regras contratualistas, predominando as últimas nos comandos operativos como o

novo acordo de acionistas, enquanto que os primeiras sobressaem nos deveres do

acionista controlador (artigo 116, parágrafo único14) e na proteção dos acionistas

minoritários.

A despeito da confusão apontada, certo é que a melhor doutrina, daqui e

de alhures15, afirma a sobreposição do caráter institucional no modelo de sociedade

aberta adotado pelo Brasil, servindo como exemplo a seguinte passagem de

COMPARATO:

13 No mesmo sentido, SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade Anônima: interesse público e privado. in Revista de Direito Mercantil volume 127, São Paulo: Editora Malheiros. julho/setembro

2002. p. 14 “(...) a sociedade anônima brasileira vive entre o institucionalismo e o contratualismo – um

institucionalismo de princípios e um contratualismo de fato.”14 “Art. 116 Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a

companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em

que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”15 Comentando a lei societária brasileira, a autora portenha ROMISER não escapa das mesmas

conclusões aqui apresentadas: “De ella puede decirse que sin duda alguna está inspirada y

posiblemente constituya la más moderna versión normativa de la teoria institucionalista.” (sem

grifos no original) ROMISER, Mônica G. C. El interés social en la sociedad anónima. Buenos Aires:

Depalma, 1979 pag. 48.

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“... predomina o caráter institucional, marcado por

disposições de ordem pública, não derrogáveis por deliberação

dos acionistas, porque tendentes a proteger o interesse coletivo de investidores no mercado de capitais. No outro,

prevalece o aspecto contratual, conferindo-se ampla liberdade

de estipulação às partes para regular o funcionalismo do

mecanismo societário, de acordo com os seus interesses

particulares.”

(...)

“Compete ao intérprete, diante de um caso concreto, saber

adaptar a sua análise ao tipo de sociedade anônima em

questão, procurando sobretudo evitar a aplicação do modelo

institucional à companhia fechada, ou do esquema

convencional à sociedade que recorre ao mercado de

capitais.”16

Esta premissa é importante pois, apesar de não existir uma escolha

definida de modelo capitalista no Brasil, seja o renano ou anglo-saxão, o constituinte

sinalizou simpatia para com o primeiro, vez que previu a participação, malgrado a

adjetivação “excepcional”, dos trabalhadores na gestão da companhia (art. 7º, inc.

XI), concedeu igual importância ao trabalho humano e à livre iniciativa (arts. 1º, inc.

IV e 170 caput), nivelou os interesses estatais, capitalistas, concorrenciais,

consumeristas, ambientais e trabalhistas (incisos I, II, IV, V, VI e VIII do artigo 170)

e, sobretudo, criou um requisito de legitimação da propriedade – a sua função social

(arts. 5º, inc. XXIII e 170, inc. III)17. Vista por este prisma, a escolha política termina

16 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. A natureza da sociedade anônima e a questão da derrogabilidade das regras legais de quorum nas assembléias gerais e reuniões do conselho de administração in Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense,

1981. p. 119. No mesmo sentido: LOBO, Jorge. Proteção à minoria acionária in Revista de Direito

Mercantil n.º 105. São Paulo: Malheiros Editores. Ano XXXVI, Janeiro-março de 1997. E também a

EXPOSIÇÃO JUSTIFICADA do Anteprojeto de LSA: “(...) toda companhia que faz apelo – por mínimo

que seja – à poupança pública, cria, ao ingressar no mercado de capitais, relações que não existem

na companhia fechada, e que exigem disciplina própria para proteção da economia popular e no

interesse do funcionamento regular e do desenvolvimento do mercado de valores mobiliários.”17 As primeiras linhas (mal-traçadas, por evidente) da análise empresarial constitucional serão feitas

no item VIII deste texto.

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por impedir os avanços do individualismo solipsista neoliberal face aos objetivos do

nosso Estado Democrático de Direito inscritos no artigo 3º:

“I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais;”

III – Disciplina da LSA sobre o “conflito” (art. 115 §1º)

A lei 6.404/76, em nítida evolução frente ao texto do Decreto-Lei n.º

2.62718, de 1940, trata do tormentoso tema do conflito de interesses em seu artigo

115 §1º, nos seguintes termos:

§ 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da

assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com

que concorrer para a formação do capital social e à aprovação

de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

Apesar de não constar da Exposição de Motivos que acompanhou o

Anteprojeto que originou a LSA, a doutrina aponta dispositivos semelhantes em

outros ordenamentos, dos quais se destaca o artigo 2.373 do Código Civil Italiano:

“Art. 2373 (conflito de interesses) – O direito de voto não pode

ser exercido por sócio em deliberação em que tenha por conta

própria ou de terceiros um interesse em conflito com o da

sociedade.

Em caso de inobservância dessa disposição que possa

acarretar dano à sociedade, é impugnável, observado o art.

18 Este diploma regulava da seguinte forma a vedação do exercício de voto do acionista: “Art. 82. O

acionista não pode votar nas deliberações da assembléia geral relativas ao laudo de avaliação dos

bens com que concorrer para a formação do capital social, nem nas que venham a beneficiá-lo de

modo particular.”

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2377 se sem o voto do sócio que deveria abster-se da votação

não se teria formado a maioria necessária.

Os administradores não podem votar nas deliberações

referentes à sua responsabilidade”19

À toda evidência, o “parâmetro” peninsular não foi de todo acatado pelo

legislador nacional, vez que dispensou a ocorrência de dano à sociedade,

aproximando-se dos tipos de mera conduta e não dos de resultado, e, da mesma

forma, não consagrou a necessidade de que o voto, para ser considerado em

conflito, seja determinante na formação da maioria. Por outro lado, aproxima-se do

paradigma italiano quando trata o voto conflitante como anulável e não nulo (cf. §

4º).

A interpretação do dispositivo acima é controvertida, pendendo uma

parcela da doutrina para a negação da proibição do exercício do voto, pois a

segunda parte do artigo 2373 teria o condão de alterar em substância a primeira, eis

que somente seria proibido o voto do acionista que cause prejuízo e seja

determinante. Tal exegese não convence, ao passo que o melhor entendimento é

pelo caráter absoluto da proibição, sendo que a parte final da regra apenas limita o

ajuizamento da ação de impugnação20.

Outrossim, a disciplina do conflito de interesses e da conseqüente

suspensão do direito de voto do acionista não constitui exclusividade dos dois

ordenamentos, v.g. o disposto no artigo 251º do Código das Sociedades Comerciais

de Portugal (Decreto-Lei nº 262, de 2 de Setembro de 1986):

Artigo 251º

19 “Art. 2.373 Conflito d’interesi. II diritto di voto non puó essere eserciato dal socio nelle

deliberazioni in cui egli há, per conto próprio o di terzi, um interesse in conflito com quello della

società.

In caso d’inosservanza della dispozizione del comma precedente la deliberazione qualora possa

recare danno alla società, è impugnabile a norma dell’art. 2.377 se, senza il voto dei soci che

avrebbero dovuto astenersi dalla votazione, non si sarebbe raggiunta la necessaria maggioranza.”20 Neste sentido, com excelente panorama de direito comparado sobre a questão, ROMISER, Mônica

G. C. op. cit.. p. 85.

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(Impedimento de voto)

1. O sócio não pode votar nem por si, nem por representante,

nem em representação de outrem, quando, relativamente à

matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de

interesses com a sociedade. Entende-se que a referida

situação de conflito de interesses se verifica designadamente

quando se tratar de deliberação que recaia sobre:

a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do

sócio, quer nessa qualidade quer como gerente ou membro do

órgão de fiscalização;

b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste

contra aquela, em qualquer das qualidades referidas na alínea

anterior, tanto antes como depois do recurso a tribunal;

c) Perda pelo sócio de parte da sua quota, na hipótese prevista

no artigo 204.º , n.º 2;

d) Exclusão do sócio;

e) Consentimento previsto no artigo 254.º, n.º 1;

f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver

exercendo ou de membro do órgão de fiscalização;

g) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade.

2. O disposto nas alíneas do número anterior não pode ser

preterido no contrato de sociedade.

A enumeração dos casos em que se considera conflitante a relação sócio-

sociedade, nada obstante ser taxativa, apresenta na sua alínea “g” (em destaque)

uma cláusula de abertura do sistema, ao entender que qualquer relação entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade seja pechada como

conflitante.

Importa destacar que a insistência em identificar o regime brasileiro ao

italiano encontra ao menos dois propósitos evidentes, seja o de inserir as regras

inspiradas no liberalismo/individualismo exacerbado do contratualismo clássico

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vigente no sistema de gestão familiar peninsular, seja o de preparar para a adoção

do contratualismo anglo-saxão (shareholder value).

De outra ponta, no ambiente institucionalista alemão, mais adequado à

limitação do poder de maioritário no Brasil e adotado pelo legislador nacional,

convivem dois regimes próprios de controle do voto – o de suspensão (ruhen des

stimmrechts) e o de exclusão (stimmverbot), sendo que o último se aproxima mais

do figurino da Lei n.º 6.404, conforme anota BONFIM VIANA:

“A lei prescreveu a exclusão do direito de voto dos titulares de

interesses nas deliberações da assembléia geral sobre a

aprovação de atos de administração, exoneração de

obrigações e execução de créditos (§ 136, Abs. 1 AktG).

Irrelevante sejam as deliberações prejudiciais ou não aos

interesses sociais. Objetiva-se afastar a influência de

interesses estranhos à sociedade.”21

III.1 – Diferença entre abuso e conflito

A rubrica que encima o artigo 115 da LSA denota a existência de dois

institutos essencialmente diferentes – o abuso do direito de voto e o voto conflituoso.

Para distinguirmos ambos faz-se mister a delineação da categoria jurídica

“abuso de direito”. Grassa na doutrina uma divergência acerca da sua

caracterização como espécie de ato ilícito ou como uma segunda categoria de

antijuridicidade, ao lado do ilícito. Em que pese o acerto técnico da diferença entre

abuso e ilícito22, vez que no ato abusivo há uma violação dos valores que

fundamentam o sistema jurídico, enquanto que no ilícito há uma quebra do modelo

lógico-jurídico, certo é que o Código Civil de 2002 abraçou a corrente clássica,

21 Situação jurídica do acionista: direito alemão. Brasília: Brasília Jurídica. 2002. p. 65.22 Melhor explanado por CARPENA, Heloísa. Abuso do direito no Código de 2002. Relativização de direitos na ótica civil-constitucional in A parte Geral do Novo Código Civil – estudos na perspectiva

civil-constitucional, Coordenador Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. Em

especial as páginas 371/374.

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defendida por CLÓVIS BEVILÁQUA23 ao dispor da seguinte forma no seu artigo

18724:

“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao

exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu

fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Destarte, para se caracterizar como abusivo, o ato deve ser praticado e

confrontado com os valores que permeiam o ordenamento, propiciando-se um

controle a posteriori de conteúdo. Na esfera anonímia o caput do artigo 115 da LSA

não desborda deste entendimento, ao elencar os casos em que o ato societário será

abusivo:

“(...) considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,

para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que

resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para

outros acionistas.”

Com efeito, o elemento teleológico ou finalístico do ato termina por

caracterizá-lo como abusivo ou não, restando ao prejudicado comprovar a quebra da

boa-fé, repita-se, num controle ex post, face à presunção de lealdade que norteia as

relações sociais25.23 Cf. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, volume 1, Rio de Janeiro: Livraria Francisco

Alves, 10ª edição. p. 348.24 Inspirado no artigo 334 do Código Civil Português: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o

titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social

ou econômico desse direito.” De terras lusitanas colhe-se o seguinte ensinamento: “O abuso do

direito consiste no exercício do direito em termos reprovados por lei, ou seja, respeitando a estrutura

formal do direito, mas violando a sua afectação substancial, funcional ou teleológica.

Dominantemente, tem vindo a ser acolhidas duas concepções de abuso do direito: uma objetiva e

outra subjetiva.” ALMEIDA, L. P. Moitinho de. Anulação e suspensão de deliberações sociais.

Coimbra: Coimbra Editora. 3ª edição, 1996. p. 119. 25 Especificamente sobre o abuso nas assembléias, vale a transcrição do seguinte trecho: “O abuso

do direito existe nas deliberações sociais quando a deliberação não é imposta pelo interesse social e excede manifestamente os limites resultantes da boa-fé, dos bons costumes ou do fim

social e econômico do direito a uma razoável conciliação do interesse social e do interesse dos

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De molde a facilitar a proteção dos acionistas minoritários, a Comissão de

Valores Mobiliários, exercendo o seu poder normativo, próprio das modernas

agência reguladoras, apresentou um rol exemplificativo de condutas abusivas do

controlador através da Instrução n.º 323, de 19 de janeiro de 200026, tornando mais

simples a comprovação por meio da comparação dos atos com os standards

regulamentares.

Demonstrado o abuso, fácil fica identificar no “conflito” tratado pelo

parágrafo 1º uma vedação ao voto daquele acionista com interesse imediato na

deliberação, seja naquela em que esteja em votação a avaliação dos bens que

concorrerá para o capital social, seja no julgamento das suas contas como

administrador, seja em quaisquer outras em que possa agir como juiz em causa

própria. Vedação ou proibição cautelar que impede o exercício do voto,

desconsiderando, como visto, o elemento teleológico (próprio da disciplina do

abuso), o resultado danoso e a prevalência do voto na composição da maioria

deliberante. O controle do voto passa a ser anterior ao exercício do mesmo, numa

simples avaliação formal da posição do acionista, nada interessando a pesquisa de

fatores psicológicos ou altruístas, bem diferente do controle a posteriori do abuso.

III.2 – Entre o formalismo e o substancialismo

Desbordaria da boa-fé a afirmação pura e simples do entendimento acima

lançado. Neste ponto cabe identificar as duas principais correntes doutrinárias

acerca do tema do conflito, dado que o mesmo se encontra longe de estar

pacificado.

A constatação acima tem ressonância na ausência de formação de uma

jurisprudência sobre o assunto, seja em instâncias ordinárias ou superiores. A

sócios, tornando-se escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico. E

apura-se através das circunstâncias concretas do voto, demonstrativas de que a deliberação é

em proveito exclusivo dos sócios como agentes de uma função social.” Cf. ALMEIDA, L. P. Moitinho

de. Op. cit. p. 116.

26 Secundando o artigo 117 §1º da LSA.

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simples referência a casos isolados e sem repercussão não chega ao ponto de

formar uma linha de pensamento judicial. O único acórdão27 do Superior Tribunal de

Justiça colacionado no embate doutrinário é imprestável para qualquer análise mais

aprofundada, vez que se limitou a não conhecer do recurso face ao verbete número

0728 da Súmula da Jurisprudência Dominante do STJ, não avançando sobre o mérito29. Evidentemente, leading case não há, restando apenas um arremedo de

subsídio, o que reforça a importância de estudos nesta área. É alvissareira,

outrossim, a oxigenação constante das Cortes Superiores, e.g. com a mudança de

rumos do Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Segurança 194530, rompendo

com uma jurisprudência que já contava com mais de 30 (trinta) anos e que

contrariava a melhor doutrina processual, fato que valoriza o trabalho de criação.

III.2.1 – Perspectivas sobre o conflito

Disputam espaço no cenário do anonimato duas correntes de

interpretação do disposto no parágrafo 1º do artigo 115, cada uma delas patrocinada

pelos pensamentos institucionalista e contratualista.

Conflito substancial

A interpretação contratualista – chamada de análise substancial ou

material do conflito – encontra maior número de simpatizantes. A sua linha de

argumentação se desenvolve a partir da afirmação da importância do direito de voto

(artigo 110). O acionista, conforme preconizado pelo caput do artigo 115, deve

exercer o direito a voto no interesse da companhia31; desta forma, presume-se a sua

boa-fé, pois, mesmo em situação de conflito entre o seu interesse e o da companhia,

não se pode, de antemão, prever que o social será sacrificado pelo individual; afinal,

27 Recurso Especial 131.300.28 “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”29 Cita-se um trecho do voto do eminente Ministro ALDIR PASSARINHO, no qual é mencionada a

posição substancial, sem contanto apresentar o resultado do julgamento do Recurso Especial.30 Julgada em 19.12.2002, Acórdão publicado em 01.08.2003.31 No peculiar, afastou-se, portanto, do paradigma norte-americano a disciplina pátria do sufrágio

social, já que este “admite vote o acionista unicamente na busca da satisfação de seu interesse

pessoal” cf. LOBO, Jorge. Fraudes à Lei de S.A. in Revista de Direito Mercantil n.º 113, Malheiros, p.

111.

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a liberdade de voto, bem como as demais liberdades, constitui a regra. A lei, de

acordo com este entendimento, confere ao acionista um poder discricionário para se

afastar ou não da deliberação, avaliando a sua situação. Esta doutrina, de posse da

noção de interesse social limitado à maximização do shareholder value, entende que

o acionista, via de regra, não prejudicará a companhia em seu benefício.

Há, ainda, o elemento histórico, já que os comentadores do revogado

Decreto-Lei n.º 2.627 acatavam a idéia de um controle de fato, a ser apreciado

casuisticamente, afastando uma previsão legal abstrata de vedação ao voto.

Anotam que o “modelo” italiano32, ao lançar mão da dicotomia entre

divieto (proibição) e conflito, se encontra em sintonia com o parágrafo 1º do artigo

115 da LSA, vez que as hipóteses de proibição abstrata e anterior somente seriam

as relativas ao “laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do

capital social e à aprovação de suas contas como administrador”, enquanto que as

demais (benefício particular e conflito em sentido estrito) atendem à categoria

peninsular “conflito”, que não comporta o empeço ao voto, resolvendo-se em uma

questão de fato a ser apreciada a posteriori.

32 Com especial atenção para as lições de FRANCESCO GALGANO (La società per Azioni in

Trattato di Diritto Commerciale e di Diritto Pubblico dell´Economia vol. 7. Milani: CEDAM. 1984) e

GIAN FRANCO CAMPOBASSO (Diritto Commerciale 2, Diritto delle Società), sendo muito citado o

seguinte trecho: “L`esercizio del diritto di voto è in via di principio rimesso all`apprezzamento

discrezionale del socio, il quale deve però esecitarlo in modo da non arrecare un danno patrimoniale

alla società. Com I`osservanza dello stesso limite, il gruppo di comando può liberamente determinare

la volontà della società ed è perciò ogni sindacato dell`autorità giudiziaria sul merito delle deliberazioni

assembleari, cioè sulla convenienza e sull`opportunità delle decisioni della maggioranza. Infatti, le

deliberazioni assembleari regolarmente adotatte sono annullabili solo se la maggioranza si sia ispirata

esclusivamente ad interessi extrasociali, con danno (anche solo potenziale) per la società. Ne

consegue che I`interesse sociale funge solo da limite alla libertà di espressione del voto: la

maggioranza non è tenuta a conformare le sue decisioni ad un interesse sociale oggettivamente ed

astrattamente predeterminato. E ciò vuoi se si concepisce I`interesse sociale come interesse comune

dei social`esercizio di un`attività economica a scopo di lucro (teoria contrattuale), vuoi se lo si

concepisce come interesse dell`impresa sociale come tale, superiore e diverso dall`interesse dei soci

(teoria instituzionale)”

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Ainda com espeque no direito italiano, citam o renomado LUIGI

MENGONI, para quem: “(...) o divieto di voto, como sistema de tutela do interesse da

companhia, vem sendo restringido gradativamente a hipóteses excepcionais, em

face das necessidades do mundo econômico moderno, caracterizado pela

concentração empresarial.”33

Por fim, se o voto conflitante fosse proibido, o seu exercício resultaria num

ato nulo e não anulável, como prevê o direito italiano e a própria LSA. Demais disso,

a adoção de uma proibição formal e abstrata do voto redundaria num insuperável

instrumento para a realização de abusos pelos minoritários, invertendo a relação de

controle societário.

Conflito formal

Diametralmente, a corrente institucionalista, valorizando o texto legal,

aduz ser uma proibição abstrata, bastando para tanto a existência de uma relação

contraposta entre os interesses; afinal o parágrafo 1º é hialino: o acionista não poderá votar.

Importa, neste passo, contra-argumentar as posições contratualistas e

apontar ao final uma solução, obviamente precária e não definitiva, porém com um

mínimo de correção.

Em verdade, o direito de voto é essencialmente livre, sendo certo que a

presunção de boa-fé e correção das decisões dos acionistas é um dos pilares da

relação de fidúcia estabelecida em sociedade. Não menos certo é a constatação de

que sempre que o ser humano fala de “direitos” e “liberdades” a sua tendência

natural é não sublinhar os seus limites, postura contrária quando se pensa em

relação aos deveres. Entretanto, a vida em sociedade não tolera a existência de

direitos e liberdades absolutos, dado que estes in natura servem aos mais fortes

como instrumento de dominação. A plena liberdade, em espécie a de contratar, foi a

mola propulsora de eventos trágicos no mundo, como a exploração e

mercantilização do trabalho. De nada adianta “libertar” a pessoa do jugo do Estado-

33 Cf. Appunti per uma Revisione della Teoria sul Conflitto di Interessi nelle Deliberazioni di Assemblea della Società per Azioni in Rivista delle Società, 1956. pp. 434/464.

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Absoluto se o resultado é a sua prisão ao modelo solipsista, ou seja, a igualdade

meramente formal – todos são iguais perante a lei – não supre as necessidades e as

visíveis desigualdades materiais do homem, reclamando a igualdade substancial –

todos somos iguais dentro da lei. Deste modo, se até mesmo direitos que se

relacionam com a própria existência do ser humano podem ser limitados, tais como

o direito à vida, o que se dirá de direitos patrimoniais de interferência nos destinos

sociais.

Em que pesem os ideais Rousseaunianos que inspiram a presunção de

boa-fé do acionista, eis que o titular de interesse conflitante deveria julgar

discricionariamente e de maneira “imparcial” sua situação, o legislador preferiu uma

visão menos romântica e mais distante do “bom selvagem”, ao presumir justamente

o contrário. Ao vedar o exercício do voto, forte na máxima de experiência de que “a

ninguém é dado julgar em causa própria”, a Lei 6.404/76 criou uma verdadeira

moção de desconfiança para o acionista com interesse contraposto ao da

sociedade. Afastar as lições de Rousseau (para quem os homens nascem bons e a

sociedade é que os corrompe34) não constitui novidade, visto que até mesmo os

magistrados e os advogados – dos quais a sociedade espera a conduta mais ilibada

– encontram diversos impedimentos em seu mister (cf. artigo 134 do Código de

Processo Civil e artigo 30 do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei n.º

8.906/9435).

Sobre o elemento histórico aventado, devemos repudiar a chamada

interpretação retrospectiva e reacionária, “pela qual se procura interpretar o texto

novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto

possível com o antigo”36.

34 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Livro I. Capítulo I.35 Por qual razão um juiz que tenha oficiado num processo como membro do Parquet não pode julgar

a demanda? Por quê impedir um Procurador do Estado de acionar o erário que o remunera? Será

que todos os Magistrados e Procuradores agiriam de forma parcial? Para evitar questionamentos

prenhes de subjetivismo, o legislador entendeu por bem limitar, em nome do princípio da moralidade,

o exercício profissional destes sujeitos.36 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora

Saraiva. 4ª edição. p. 71. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, citado por BARROSO (op. loc. cit.)

resume as táticas da posição reacionária: “Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre

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A respeito do modelo italiano37, tão caro a alguns, bastaria dizer que, para

as sociedades abertas, conforme assentado, predomina o caráter institucional,

pouco servindo parâmetros de um sistema contratual e notabilizado pela gestão

familiar das companhias. Porém, a título de esforço histórico, cabe lembrar que o

festejado Código Italiano data de 16 de março de 1942, constituindo-se na obra

prima do regime fascista do Dulce. Não por essa mácula histórica o Codice deve

sofrer ojeriza, mas diversas de suas regras38 e princípios não se coadunam com os

objetivos de um Estado que possui objetivos tão augustos como os do artigo 3º da

Constituição da República e sonha com a realização, ainda que tardia, das

promessas trazidas pela modernidade.

as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de

contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação ... em que o olhar do

intérprete dirigi-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a

representação da realidade que uma sombra fantasmagórica.”37 Em que pese a identificação feita entre a disciplina italiana e a brasileira do conflito, reservando o

divieto para as duas primeiras hipóteses do parágrafo primeiro do artigo 115, BARROS LEÃES coloca

a questão em melhores termos: “Trata-se de hipóteses diversas, com pressupostos diferentes e

distintas conseqüências jurídicas. No caso de proibição de voto em assembléia, mais do que a

incompatibilidade entre o interesse do sócio e o da companhia, há um controle ex ante da legitimidade do voto com base em precisos indícios formais, já que ele, o sócio administrador,

não pode assumir a posição simultânea de parte e juiz de seus próprios atos. (...) Já no caso de

conflito de interesses, cabe uma indagação relativamente ao mérito da deliberação da assembléia, para a qual foi decisivo o voto do acionista, para se apurar se há ou não a

incompatibilidade entre os interesses do acionista e da companhia, manifestada no voto do acionista

(vale dizer, cabe apurar se há abuso no exercício do direito de voto). Nessa hipótese, o controle é ex post, de onde se deduz que deva se considerado caso a caso, para efeito de sua eventual

anulação. (...) haverá vedação de voto nas ‘deliberações da assembléia geral relativas ao laudo de

avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas

como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em

que tiver interesse conflitante com o da companhia’ (art. 115, §1º)”. BARROS LEÃES, Luiz Gastão

Paes de. Conflito de interesses e vedação de voto nas assembléias das sociedades anônimas .

in Revista de Direito Mercantil vol. 92. São Paulo: Revista dos Tribunais. out/dez 1993. pp. 109/110.

Sem grifos no original.38 O artigo 15 do Código Civil de 2002, copiando semelhante disposição do Codice, prevê, a contrario

sensu, a obrigatoriedade de tratamento médico em caso de risco de morte, pouco importando a

vontade do doente. Soluções simplistas e autoritárias para verdadeiros hard cases desbordam da

tarefa do codificador, ainda mais quando baseadas no corporativismo ditatorial italiano.

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Quanto à vinculação entre proibição e ato nulo carece a mesma de

juridicidade, vez que a conseqüência (nulo ou anulável) é imprestável para

caracterizar a causa. Basta para demonstrar o erro grave o disposto no artigo 171 do

Código Civil de 2002:

Art. 171 Além dos casos expressamente declarados na

lei, é anulável o negócio jurídico:

I – (omissis)

II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de

perigo, lesão ou fraude contra credores.

Será que o instituto da “fraude contra credores” não proíbe o devedor

insolvente de transmitir gratuitamente seus bens? À toda evidência, a resposta é

negativa, o que faz ruir as estruturas contratualistas.

Ao final, cabe uma nota sobre o argumento ad terrorem apresentado pela

corrente majoritária. Eventuais abusos praticados por minoritários serão controlados

e punidos conforme determina o caput do artigo 115, sendo de se observar que a

atitude de desconfiança para com estes acionistas impede o desenvolvimento de um

mercado de valores mobiliários forte. A relação de controle não é um dogma, posto

que, num ambiente pós-moderno, a existência de mecanismos contra-majoritários é

incentivada, sobretudo com a internalização dos interesses extra-societários.

III.2.2 – A CVM e o “conflito”

Roborando a divergência doutrinária acerca do conflito de interesses,

merecem destaque duas decisões que adotaram soluções diversas, e até mesmo

contraditórias, da Comissão de Valores Mobiliários, ente regulador do mercado de

capitais brasileiro.

Fato comum aos posicionamentos administrativos do gênero é a ausência

de unanimidade, restando sempre um voto divergente.

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A primeira decisão, proferida nos autos do Inquérito Administrativo RJ n.º

2001/4977, julgado em 19.12.2001, firmou entendimento em prol do conflito formal de interesses, conforme denuncia a sua ementa:

“O acionista controlador, por força do disposto no parágrafo 1º do artigo 115 da Lei nº 6.404/76, está impedido de votar em decisão assemblear em que tenha interesse, no caso o pagamento de royalties pelo uso de marca pertencente ao controlador indireto.”

Já com a composição do seu colegiado alterada, a mesma agência

entendeu, a respeito do inquérito administrativo TA-RJ2002/1153, julgado em

06.11.2002, que a averiguação da existência do conflito deve ser casuística,

apreciando as provas em contrário colacionadas pelos acionistas “acusadores”,

terminando por acatar a posição do conflito substancial ou material, vez que o

acionista pode emitir o seu voto (a despeito da dicção expressa do § 1º do artigo 115

– (...) NÃO PODE VOTAR (...)) e este será controlado a posteriori.

Do voto vencido prolatado pela Diretora NORMA PARENTE, resumindo a

posição formal, extraem-se os seguintes argumentos:

“... A lei proíbe o acionista de votar em quaisquer deliberações que puderem beneficiá-lo de modo particular ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

... o conflito de interesses entre o sócio e a sociedade ocorre quando o acionista tem duplo interesse em relação a uma deliberação a ser tomada.

... a lei brasileira é clara e proíbe liminarmente o voto ao

acionista que estiver em conflito de interesse. A lei sequer permite que se discuta a significância do conflito. Simplesmente, havendo conflito, proíbe o voto. A lei tampouco excepciona a regra para permitir o voto em conflito desde que exercido no interesse da companhia.

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... A lei é taxativa, seu teor não comporta exceções. A lei optou por liminarmente proibir o voto.

O conflito, na verdade, se estabelece na medida em que o

acionista não apenas tem interesse direto no negócio da

companhia, mas também interesse próprio no negócio que

independe de sua condição de acionista por figurar na

contraparte do negócio. Não precisa o interesse ser divergente ou oposto ou que haja vantagem para um e prejuízo para o outro. A lei emprega a palavra conflito em sentido lato abrangendo qualquer situação em que o acionista estiver negociando com a sociedade.

... E, justamente por isso, a lei, para prevenir tais situações

corriqueiras, estabeleceu o critério legal de conflito de

interesses acima ventilado. Há uma presunção legal de que, em colisão, prevaleceria para o acionista o seu objetivo.

Desta forma, sempre que possa ocorrer uma tal conjuntura em

que exista a potencialidade de contraposição de interesses

legítimos, afasta-se da decisão aquele que pode comprometer

o interesse social.

O conflito é examinado ‘a priori’ pelo próprio acionista que espontaneamente deve declarar-se impedido” (grifamos).”

Prevaleceu, no entanto, a posição do ilustre Diretor Luiz Antônio Sampaio,

que asseverou:

“Por isso já se disse que o acionista é quem deve julgar, a

princípio, se está ou não em conflito de interesse, no sentido de

que somente o acionista pode, de antemão, saber se irá

privilegiar algum interesse (i.e. o interesse que não é o da

sociedade). Não se pode nem mesmo afastar a hipótese de que um acionista detentor de interesse irreconciliável com o da companhia, ao cabo, opte pelo interesse social.” (grifamos)

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Descabe no momento uma análise aprofundada da gênese das decisões

da autarquia. É certo que a mudança de Governo pode trazer impactos para a

esfera do mercado de capitais, através da nova composição do colegiado da CVM e

da promessa de apresentação de regras mais claras e previsíveis clamadas pelos

investidores, ou seja, a edição de um marco regulatório39.

Outrossim, mesmo prevalecendo por ora a posição material, constata-se,

no âmbito dos órgãos de superintendência da CVM, uma tendência pelo formalismo,

compartilhada por uma boa parcela dos membros da Procuradoria Federal

Especializada que assessora a autarquia.

IV – Exegese ofertada

Seja para a dogmática tradicional ou para os pós-positivistas, o texto legal

sempre será tido como fator condicionante. Somente para as visões “alternativas” do

Direito é possível escapar da legalidade.

Ao conferir força normativa aos princípios, ao trazer a técnica da

ponderação de bens e valores, os pós-positivistas não estão negando a força

cogente da lei, apenas temperando-a, em alguns casos extremos (hard cases), com

a Ética.

É indubitável que o gramaticalismo é uma das enfermidades da

hermenêutica, conforme a lição sempre atual de JHERING40, bem como a já aludida

interpretação reacionária, retrógrada ou retrospectiva. Salta aos olhos também a

impropriedade, para não dizer pobreza, do brocardo in claris cessat interpretatio. O

39 O Foreign Direct Investment Confidence Index – FDI 2003, elaborado pela consultoria AT Kearney

(disponível em www.atkearney.com), apresenta o resultado de uma pesquisa elaborada junto aos

executivos das maiores companhias do mundo. Os entrevistados apontam como um dos maiores

fatores de risco no Brasil a incerteza sobre a regulação governamental. Neste sentido, consulte-se a

Coluna Panorama Econômico do Jornal “O Globo” de 17.09.2003.40 “O apego às palavras é um desses fenômenos que, no Direito como em tudo o mais, caracterizam a

falta de maturidade do desenvolvimento intelectual.” apud MAXILIMIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 19ª Edição, 2001. p. 99

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objetivo do presente texto não é adular a forma legal, mas sim argumentar em prol

de uma efetividade da escolha do legislador, sobretudo o constitucional.

O embate de elementos metajurídicos, como a verborragia comparatística

e a mitificação do controle, não conduzem a um resultado seguro. De um lado, a

utilização de modelos alienígenas serve, tão-somente, para indicar parâmetros

possíveis de interpretação, nunca como solução pronta, como querem aqueles que

se valem do Direito Italiano. De outro, o chamado princípio majoritário não pode

marginalizar os minoritários, excluindo-os materialmente das atividades de

administração dos negócios sociais.

O posicionamento formal aqui defendido, longe de estar segregado a

apenas um autor nacional41, conforme vem sendo afirmado, ainda consegue

arregimentar reforços para suas fileiras. Prova disso é colhida em ARNOLDO

WALD42 e CALIXTO SALOMÃO FILHO43.

Contratos entre o controlador e a controlada

41 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas Volume 1. São Paulo:

Editora Saraiva. 200342 A evolução do regime legal do conselho de administração, os acordos de acionistas e os impedimentos dos conselheiros decorrentes de conflitos de interesses in Revista de Direito

Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem vol. 11, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001

Em especial pp. 24 e 25. “(...) a violação da lei traz como conseqüência a nulidade do voto do

administrador e a anulabilidade da deliberação do colegiado, se o voto for determinante para a

formação da maioria. Nessa situação, o legislador brasileiro estabeleceu, à semelhança do que

ocorre no direito alemão e no italiano, um controle ex ante de legitimidade do voto, sendo de todo

dispensável perquirir acerca da ocorrência de prejuízo para a companhia ou para outros acionistas,

de vez que o perigo de dano, como acentua Galgano, acha-se in re ipsa, ou seja, no próprio fato.

Basta, para o impedimento, o conflito de interesses, conforme determinação expressa do legislador.

(...) O impedimento do conselheiro retira-lhe a possibilidade de votar as matérias nas quais há conflito de interesses, não se computando pois o seu voto, passando o mesmo a ser considerado

como se fosse voto em branco, por analogia do que dispõe, em relação à assembléia geral, o art.

129, caput.”43 Conflito de Interesses: A Oportunidade Perdida in O Novo Direito Societário. São Paulo:

Malheiros, 2ª edição, reformulada, 2002, p. 93.

24

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Questão extremamente sensível, objeto das decisões administrativas

citadas é a possibilidade de votação do acionista controlador em deliberação acerca

de contrato a ser celebrado entre ele e a sociedade.

Tratar de maneira rasteira a questão, simplesmente utilizando uma leitura

a contrario sensu do disposto na alínea “f”, do parágrafo primeiro, do artigo 11744 da

LSA, não racionaliza o tema; afinal, é quase tautológico afirmar que o controlador

pode contratar com a companhia desde que em condições eqüitativas. A liberdade

de contratar não está em cena, mas sim a possibilidade de um interessado poder

influenciar na celebração ou não do ajuste. A respeito, veja-se WALD:

“Na realidade, a lei exige que a contratação com acionista seja

em condições eqüitativas e é válido sustentar que os representantes do mencionado acionista não têm condições de imparcialidade para qualificar os contratos,

sendo certo que é considerado abuso de poder, pelo art. 117,

parágrafo 1º, f.”45

Mesmo para aqueles que tendem para a posição substancial, a hipótese

de contratação entre controlador e controlada, com a participação do primeiro na formação da decisão da sociedade causa espécie, conforme se manifesta FÁBIO

KONDER COMPARATO:

“São freqüentes, no entanto, os contratos entre a sociedade e o

seu controlador, ou uma outra sociedade igualmente controlada

por este, causando evidente prejuízo aos não-controladores e

mesmo aos terceiros credores, pela lesão do patrimônio social.

Só mesmo o respeito a uma concepção mítica da personalidade jurídica impedia o reconhecimento da existência, em tais hipóteses, de um contrato consigo

44 Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de

poder. § lº São modalidades de exercício abusivo de poder: (omissis) f) contratar com a companhia,

diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de

favorecimento ou não equitativas;45 Op. cit. p. 24. Sem grifos no original

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mesmo, que a mais antiga tradição jurídica sempre condenou.Tais ajustes ou acordos não podiam deixar de ser

considerados ineficazes, mesmo na ausência de proibição legal

expressa, pela aplicação da teoria do desvio de poder. (...) deveria, no entanto, ter exigido a prévia autorização da

assembléia geral, sem o voto do controlador.”46

De outra ponta, é corrente a alegação de que em um grupo de sociedades a subordinação de interesses entre a controlada e a controladora é algo

natural, donde se pode concluir que esta sociedade pode contratar e votar nas

deliberações daquela livremente. Peca esta proposição por olvidar uma distinção

comezinha à disciplina grupal, a diferença entre grupo de fato e de direito. Neste

último, com suporte na convenção de grupo – verdadeiro contrato de sociedade 47

não personificada, há sim a possibilidade da total subordinação dos interesses, sem

qualquer compensação à subordinada como preconiza o Direito Alemão, mas com a

possibilidade do exercício do recesso (em caráter potestativo) por parte dos

acionistas dissidentes (art. 137 c/c 136, V da LSA). Já no caso dos grupos de fato

não há a subordinação dos interesses, vez que ausentes a convenção e,

principalmente, o recesso. Portanto, incorre em grave erro a generalização da

disciplina específica do Capítulo XXI da LSA, não sendo outra a lição de JORGE

LOBO, monografista sobre o assunto:

“No “grupo de fato”, as sociedades controladoras e controladas

mantêm entre si relações societárias segundo o regime legal

de sociedades isoladas e não se organizam em conjunto, na

forma da “Lei de Anônimas” (art. 243).

No “grupo de direito”, sociedade controladora e suas

controladas celebram uma convenção, pela qual se obrigam a

combinar recursos ou esforços para a realização dos

46 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1977. p. 304. Grifou-se.47 Este contrato termina por alterar os fins sociais das companhias envolvidas, razão pela qual é

concedido o recesso. Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 309.

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respectivos objetos ou a participar de atividades ou

empreendimentos comuns (art. 265)”48

Dessarte, resta induvidoso que a interpretação mais consentânea com as

finalidades que a Lei de Sociedades Anônimas incorporou no parágrafo único do seu

artigo 116 é aquela patrocinada pela doutrina institucionalista, a qual confere ao

conflito de interesses uma feição moralizadora das relações societárias, afastando a

ocorrência das figuras abjetas do contrato consigo mesmo e do julgamento em

causa própria49. A simples existência de interesses contrapostos50 impede o

acionista de exercer o seu direito de voto, sendo truísmo apontar que aquele que

assim não procede poderá ser punido administrativamente pelo órgão regulador

(CVM) e ver a deliberação anulada em juízo. E, como dito, esta é uma solução

pensada com o texto legal e os princípios que o orientam em mão, não sendo por

óbvio o melhor caminho a ser trilhado pelo Direito Societário, conforme será visto no

capítulo seguinte.

V – Conclusões para um Direito Empresarial Constitucional

Os recentes escândalos contábeis vividos por importantes sociedades

norte-americanas descobriram o véu do solipsismo contratualista51. A busca 48 LOBO, Jorge J. Grupo de Sociedades. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 9349 O malabarismo feito para esvaziar a afirmação legal “O ACIONISTA NÃO PODERÁ VOTAR” é de

causar espanto, sendo reprovado, por óbvio, pela “Navalha” de OCKHAM.50 Parcela respeitável da doutrina pátria entende em contrário, sendo prudente pesquisar os textos

citados na bibliografia consultada. De nossa parte, reafirmamos a posição de que o exemplo clássico

de conflito de interesses é o da celebração de um contrato, seja de prestação de serviço ou de venda

e compra. É inconcebível que um acionista que irá vender algo para a sociedade possa votar nesta

deliberação. É evidente que quem vende algo quer o maior preço possível, enquanto que quem

compra quer o menor preço. Somente o “Bom Selvagem” de Rousseau abriria mão de seu direito (no

caso o acionista vendedor) em prol da coletividade (sociedade compradora). Minimizar o preço como

algo secundário ao contrato é cerrar os olhos para a realidade capitalista e individualista que nos

açoda.51 O documentário “Roger and Me” (1989) do cineasta estadunidense MICHAEL MOORE retrata com

exatidão, através da história da Cidade de Flint (Michigan), a cultura individualista do lucro pelo lucro,

na qual pouco importa a comunidade e os que trabalham para a companhia. Flint, próspero pólo

automobilístico, viu-se arrasada pela decisão de sua maior companhia em fechar a sua unidade, sem

considerar a vida de mais de 30 (trinta) mil trabalhadores.

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desenfreada pela maximização do valor das ações, cega aos princípios da boa

governança corporativa, culminou por incentivar a manipulação do mercado e de

dados contábeis, sendo válido colacionar a lição do sempre percuciente CALIXTO

SALOMÃO FILHO:

“Afirmar que o interesse social reduz-se ao interesse à

maximização do valor das ações implica justificar atuação de

administradores e acionistas que visem exclusivamente esse

objetivo, inclusive àqueles que impliquem manobras

especulativas. (...) O estímulo à criação artificial de valor decorre diretamente dessas características societárias e não de falhas na legislação de mercado de capitais.”52

Frente a este cenário assombrado por incertezas e desconfiança surge a

necessidade de uma atuação positiva e saneadora do Estado aliado a uma

interpretação jurídica da realidade empresarial informada pelos valores

constitucionais, com a releitura dos textos normativos à luz da Carta Magna através

de uma filtragem constitucional e com a aplicação da eficácia horizontal dos

direitos fundamentais (Drittwirkung53). Este ideal denomina-se, em caráter provisório,

Direito Empresarial Constitucional, sendo o objeto do presente tópico.

A ordem econômica, tratada pela Constituição da República em seu título

VII, é orientada para a consecução de objetivos solidários (arts. 3º e 170, caput),

respeitando a iniciativa individual sem olvidar da valorização do trabalho humano.

52 Cf. Sociedade Anônima: interesse público e privado in Revista de Direito Mercantil volume 127,

São Paulo: Editora Malheiros. julho/setembro 2002. p. 14. Do mesmo autor: Interesse Social: a nova concepção. in O Novo Direito Societário. São Paulo: Editora Malheiros, 2ª edição reformulada, 2002.

Em especial p. 30.53 Conhecida também como “efeito irradiante dos direitos, liberdades e garantias na ordem jurídica

privada" ou "efeito horizontal dos direitos fundamentais", conforme preleciona o Professor

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Provedor de Justiça e o efeito horizontal dos direitos, liberdades e garantias. Palestra proferida na sessão comemorativa dos 20 anos do Provedor de

Justiça. Disponível na internet http://www.provedor-jus.pt/publicacoes/sessao/gcanotilho.htm. Acesso

em 17 de junho de 2003.

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A par disso, a funcionalização da propriedade passa a exigir uma atuação

prática dos ideais institucionalistas do parágrafo único do artigo 116 da Lei de

Anônimas, vez que a propriedade constitucional desborda da civilística tradicional,

conforme preclara lição de COMPARATO:

“Segundo o consenso geral da melhor doutrina, incluem-se na

proteção constitucional da propriedade de bens patrimoniais

sobre os quais o titular não exerce nenhum direito real, no

preciso sentido técnico do termo, como as pensões devidas

pelo Estado, ou as contas bancárias de depósito. Em

conseqüência, também o poder de controle empresarial, o

qual não pode ser qualificada como um ius in re, há de ser incluído na abrangência do conceito constitucional de propriedade. Se assim é, parece irrecusável que também ao poder de controle empresarial se aplique a norma que impõe respeito à função social da propriedade.”54

Desta feita, a solução integracionista ou organizativa, mui bem defendida

por CALIXTO SALOMÃO55, ganha espaço e se apresenta como um dos meios56 para

realizar no plano prático a função social do controle e da própria sociedade, trazendo

para dentro do corpo social os diversos interesses que se comunicam com a

companhia.

Diversos meios de implementação desta teoria podem ser citados,

servindo ao ensejo a participação administrativa dos trabalhadores, o respeito à

54 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, empresa e função social in RT Vol.732, São Paulo: Ano 85

– Outubro de 1996. pp. 43/44. Sem grifos no original. CALIXTO SALOMÃO, apreciando a questão,

insere a temática dos direitos da personalidade das pessoas jurídicas, em que pese o caráter

extremamente discutível, na função social da propriedade: “É interessante notar que na teoria

constitucional a função social passa então a justificar a própria atribuição de direitos fundamentais às

pessoas jurídicas.” Sociedade Anônima: interesse público e privado in Revista de Direito

Mercantil, volume 127, São Paulo: Editora Malheiros, julho/setembro 2002. p. 19.55 SALOMÃO FILHO, Calixto. Interesse Social: a nova concepção. in O Novo Direito Societário. São

Paulo: Editora Malheiros, 2ª edição reformulada, 2002.56 Não pode ser omitida a tentativa de resolução contratual proposta pela Bolsa de Valores de São

Paulo com a criação do Novo Mercado.

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concorrência57 e aos consumidores58, a atuação preventiva na esfera ambiental59 e a valorização do papel dos acionistas minoritários.

Impende registrar que os problemas enfrentados e as medidas tópicas

acima propostas não são exclusividade do mercado nacional, conforme comprova a

constatação do Professor DIEZ-CAÑABATE: “há uma coisa evidente, que é a

degradação dos direitos do acionista frente aos administradores da sociedade.”60

Com este intento, a Lei n.º 10.303, de 31 de outubro de 2001,

acrescentou diversas alterações na LSA inspiradas, em sua maioria, pela

necessidade de equilibrar as relações sociais. É de se lastimar, entretanto, o veto

aposto à inclusão dos parágrafos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º ao artigo 115, que

dispunham:

§ 5o Poderá ser convocada assembléia-geral para deliberar

quanto à existência de conflito de interesses e à respectiva

solução, por acionistas que representem 10% (dez por cento),

no mínimo, do capital social, observado o disposto no

parágrafo único, alínea c, parte final, do art. 123.

§ 6o A assembléia a que se refere o § 5o também poderá ser

convocada por titulares de ações com direito a voto que

representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital

votante.

§ 7o No curso da assembléia-geral ordinária ou extraordinária,

os acionistas a que se refere o § 6o poderão requerer que se

57 Preconizado pela Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994.58 Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.59 Neste sentido consulte-se: SILVA, José Afonso da. Fundamentos Constitucionais da Proteção ao Meio Ambiente in Revista Interesse Público n.º 19. Porto Alegre: Notadez. Ano 5, maio-junho

2003. pp. 44/50.60 DIEZ-CAÑABATE, Joaquín Garrigues y. Problemas atuais das sociedades anônimas. Tradução,

prefácio e notas do Professor Norberto da Costa Caruso MacDonald. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 1982. p. 36. Sobre as modalidades de desrespeito aos minoritários ver LOBO, Jorge.

Proteção à minoria acionária in Revista de Direito Mercantil n.º 105. São Paulo: Malheiros Editores.

Ano XXXVI, Janeiro-março de 1997. pp. 35/36.

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delibere sobre a existência de conflito de interesses, não

obstante a matéria não constar da ordem do dia.

§ 8o Decairão do direito de convocar a assembléia de que trata

o § 5o os acionistas que não o fizerem no prazo de 30 (trinta)

dias, contado da data em que tiverem ciência inequívoca do

potencial conflito de interesses.

§ 9o Caso a assembléia-geral, por maioria de votos, delibere

haver conflito de interesses, deverá especificar as matérias

nas quais o acionista em situação de conflito ficará impedido

de votar.

§ 10. A assembléia especificada no § 9o poderá delegar, com a

concordância das partes, à arbitragem a solução do conflito."

A exposição de motivos contida na Mensagem de veto parcial Nº 1.213,

de 31 de outubro de 2001, encontrou espeque no mitológico princípio majoritário61,

sepultando até mesmo a via arbitral, eis que esta se encontra restrita aos casos de

previsão expressa no estatuto (art. 109, §3º). Descabe repetir a argumentação

acerca do valor excessivo atribuído à maioria, fazendo-se tábula rasa da moderna

sistemática de democracia participativa.

A opção legislativa, inobstante os mandamentos constitucionais que

orientam a disciplina empresarial, terminou por incentivar o afastamento dos

minoritários, dado que seu poder político míngua cada vez mais. Com isto, a

61 In verbis: "A necessidade de se vetar os parágrafos acima transcritos decorre de manifesto conflito

com o interesse público, em razão da constatação de que a assembléia para deliberação acerca da

existência de conflito de interesses de que tratam os citados dispositivos se afigura inócua em termos

de proteção ao acionista minoritário. Com efeito, não há como afastar o voto do acionista controlador

no conclave pretendido – sob pena de se atribuir aos minoritários o inédito poder de, indiretamente, vetar qualquer deliberação a partir da alegação de existência de conflito do controlador, e de se desconsiderar o próprio conflito de interesses do minoritário na assembléia

especial, o que demonstra a inexistência de efetividade na proposta apresentada. Em realidade, as

regras acima enfocadas trariam, na prática, apenas confusão, podendo, inclusive, servir para

supostamente confirmar a inexistência de um conflito cuja presença caberia ao Poder Judiciário

avaliar, ou mesmo para motivar um aumento de ações judiciais envolvendo o controvertido tema de

que se cuida." (grifamos)

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proposta de fortalecimento do mercado de capitais encontra uma barreira quase

intransponível que parte da própria LSA.

“Não é de espantar, portanto, que o perfil típico do minoritário

brasileiro seja o do especulador, que entra na sociedade já

com a perspectiva e expectativa da saída. Não apenas ao

minoritário não é dado qualquer direito a participar da

sociedade, como é forte o estímulo para que saia.”62

A estrutura cooperativa estabelecida em sociedades que estimam a

relação continuada e a ampla informação (full disclosure) atrai, de maneira inegável,

o público investidor. O que justifica a internalização dos interesses conflitantes, com

a adoção da arbitragem, e a aplicação rígida e formal da regra do conflito de

interesses insculpida no parágrafo primeiro do artigo 115 que terminariam por

impulsionar o mercado de capitais, conferindo-lhe mais confiabilidade, eis que a voz

descontente do minoritário seria escutada e não segregada, quiçá estimulada a se

afastar dos negócios sociais como vem acontecendo.

O papel que o Estado deve assumir neste “Direito Empresarial

Constitucional” refoge à intervenção clássica, nas modalidades supletivas e

substitutivas, e se aproxima da presença incentivadora com a instituição de sanções

premiais63, sobretudo na esfera administrativa (BACEN, CVM, SUSEP e CADE),

sendo que o fortalecimento das Agências Reguladoras, com a contrapartida de

controle social, e a edição de um marco regulatório seguro e transparente também

se inserem neste contexto.

Lista de obras consultadas

62 SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade Anônima: interesse público e privado in Revista de

Direito Mercantil volume 127, São Paulo: Editora Malheiros. julho/setembro 2002. p. 15.63 As lições de NORBERTO BOBBIO são indispensáveis: “La funzione di un ordenamento giuridico

non é solo quella di controllare i comportamenti degli individui, il che può essere ottenuto attraverso la

tecnica delle sanzioni negative, ma anche quella di digere i comportamenti verso certi obiettivi

prestabilitti.” La funzione promozionale del diritto, in Dalla struttura alla funzione. Milão: Edizione di

Comunitá, 1977.

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