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CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 12 (02): 33-40, 2014 33 ATRITO DE ESCORREGAMENTO E ATRITO DE ROLAMENTO: ANÁLISE DE SITUAÇÕES SIMPLES 1 SLIDING FRICTION AND ROLLING FRICTION: ANALYSIS OF SIMPLE CASES A. V. Andrade-Neto Departamento de F´ ısica Universidade Estadual de Feira de Santana Avenida Transnordestina, s/n, Novo Horizonte, Campus Universita ´rio 44036-900 Feira de Santana, BA, Brazil. E-mail: [email protected] No presente trabalho apresentamos uma discussa ˜o elementar, mas unificada dos conceitos de atrito de escorregamento e atrito de rolamento. S˜ ao exploradas algumas situa¸ oes simples, mas de grande riqueza conceitual e ausentes da maioria dos livros textos. Palavras-chave: atrito de escorregamento, rolamento, atrito de rolamento. We present an elementary but unified discussion of the concepts of sliding friction and rolling friction. Are explored some simple situations but of very conceptual wealth and absent from most textbooks. Keywords: sliding friction, rolling, rolling friction. INTRODU¸ AO Quando as superf´ ıcies de dois corpos s´olidos se tocam, esses corpos inter- agem atrav´es de for¸cas de contato. S˜ ao exemplos de for¸cas de contato a for¸ca normal e as for¸cas de atrito. Enquanto a normal (como o nome indica) ´e uma for¸ca perpendicular `a superf´ ıcie, as for¸ cas de atrito s˜ao tangenciais `a superficie de contato. O estudo dessas for¸cas tem enorme interesse pr´atico porque o seu controle permite aumentar a eficiˆ encia de m´aquinas e equipa- mentos, diminuindo o desgaste das partes m´oveis dessas m´aquinas como, por exemplo, o motor de um automo ´vel. Isso levou ao desenvolvimento de uma ciˆencia denominada tribologia, que se ocupa do estudo da interac ¸˜ao entre su- perf´ ıcies submetidas a cargas ou em movimentos relativos. De um ponto de vista fundamental, as for¸cas de atrito tem origem nas interac ¸o ˜es atˆomicas que ocorrem nas regio ˜es de contato entre as superf´ ıcies, o que torna o problema bastante complexo, j´a que a situa¸ c˜ao das superf´ ıcies influencia enormemente o fenˆomeno. Dentre os diversos fatores que influenciam o comportamento das for¸cas de atrito podemos citar a natureza dos materiais e o grau de polimento das superf´ ıcies em contato, a existˆencia ou n˜ao de umidade ou lubrificantes entre as superf´ ıcies e a velocidade relativa entre as superf´ ıcies. Devemos inicialmente definir o que se entende por ‘contato’ entre duas superf´ ıcies s´olidas. Do ponto de vista macrosco ´pico, o contato entre dois s´olidos (considerados como r´ ıgidos, i.e., indeforma ´veis) pode se dar de forma pontual (e.g., uma esfera sobre um plano horizontal), segundo uma linha (e.g., um cilindro sobre um plano horizontal, cujo contato acontece ao longo de uma geratriz do cilindro) ou segundo uma ´area (e.g., um cubo com uma das faces apoiadas em um plano horizontal). Obviamente os casos de contatos pontuais e lineares s˜ao idealizac ¸˜oes j´a que sempre existe uma deformac ¸˜ao por contato devido a n˜ao rigidez absoluta dos corpos reais. Do ponto de vista microsco ´pico, devido ` a rugosidade das superf´ ıcies na escala atˆomica, as regio ˜es de efetivo contato s˜ao uma pequena parte da ´area macrosco ´pica de contato. 1 Este trabalho ´ e uma versão ampliada de um minicurso ministrado na XVI Semana de Física da UEFS.

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CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 12 (02): 33-40, 2014

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ATRITO DE ESCORREGAMENTO E ATRITO DE ROLAMENTO: ANÁLISE DE SITUAÇÕES SIMPLES1

SLIDING FRICTION AND ROLLING FRICTION: ANALYSIS OF SIMPLE CASES

A. V. Andrade-Neto

Departamento de Fısica Universidade Estadual de Feira de Santana Avenida Transnordestina, s/n, Novo Horizonte,

Campus Universitario 44036-900 Feira de Santana, BA, Brazil. E-mail: [email protected]

No presente trabalho apresentamos uma discussao elementar, mas unificada dos conceitos de atrito de

escorregamento e atrito de rolamento. Sao exploradas algumas situacoes simples, mas de grande riqueza conceitual

e ausentes da maioria dos livros textos.

Palavras-chave: atrito de escorregamento, rolamento, atrito de rolamento.

We present an elementary but unified discussion of the concepts of sliding friction and rolling friction. Are explored

some simple situations but of very conceptual wealth and absent from most textbooks.

Keywords: sliding friction, rolling, rolling friction.

INTRODUCAO

Quando as superfıcies de dois corpos solidos se tocam, esses corpos inter- agem atraves de

forcas de contato. Sao exemplos de forcas de contato a forca normal e as forcas de atrito. Enquanto

a normal (como o nome indica) e uma forca perpendicular a superfıcie, as forcas de atrito sao

tangenciais a superficie de contato. O estudo dessas forcas tem enorme interesse pratico porque o

seu controle permite aumentar a eficiencia de maquinas e equipa- mentos, diminuindo o desgaste das

partes moveis dessas maquinas como, por exemplo, o motor de um automovel. Isso levou ao

desenvolvimento de uma ciencia denominada tribologia, que se ocupa do estudo da interacao entre su-

perfıcies submetidas a cargas ou em movimentos relativos. De um ponto de vista fundamental, as

forcas de atrito tem origem nas interacoes atomicas que ocorrem nas regioes de contato entre as

superfıcies, o que torna o problema bastante complexo, ja que a situacao das superfıcies influencia

enormemente o fenomeno. Dentre os diversos fatores que influenciam o comportamento das forcas de

atrito podemos citar a natureza dos materiais e o grau de polimento das superfıcies em contato, a

existencia ou nao de umidade ou lubrificantes entre as superfıcies e a velocidade relativa entre as

superfıcies.

Devemos inicialmente definir o que se entende por ‘contato’ entre duas superfıcies solidas.

Do ponto de vista macroscopico, o contato entre dois solidos (considerados como rıgidos, i.e.,

indeformaveis) pode se dar de forma pontual (e.g., uma esfera sobre um plano horizontal), segundo

uma linha (e.g., um cilindro sobre um plano horizontal, cujo contato acontece ao longo de uma

geratriz do cilindro) ou segundo uma area (e.g., um cubo com uma das faces apoiadas em um plano

horizontal). Obviamente os casos de contatos pontuais e lineares sao idealizacoes ja que sempre

existe uma deformacao por contato devido a nao rigidez absoluta dos corpos reais. Do ponto de

vista microscopico, devido a rugosidade das superfıcies na escala atomica, as regioes de efetivo contato

sao uma pequena parte da area macroscopica de contato.

1 Este trabalho e uma versão ampliada de um minicurso ministrado na XVI Semana de Física da UEFS.

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Quando duas superfıcies de corpos solidos estao em contato, ha uma forca de atracao entre

os corpos conhecida como adesao, a qual tem origem nas forcas atrativas interatomicas. O atrito e

consequencia da necessidade de vencer estas forcas atrativas. Quando nao ha movimento relativo

das superficıes de dois corpos em contato falamos em atrito estatico. Quando acontece movimento

relativo entre as superfıcies dizemos que ocorre atrito cinetico ou dinamico.

O movimento relativo entre duas superfıcies em contato pode ser um escorregamento puro,

um rolamento puro (tambem chamado de rolamento sem deslizamento) e, no caso mais geral,

rolamento com deslizamento. Obviamente, a forma geometrica do corpo e fundamental para o tipo de

movimento relativo. Um corpo so pode exibir rolamento puro se possuir uma secao circular (cilindro ou

esfera, por exemplo). Desse modo as forcas de atrito podem ser classificadas como atrito de

escorregamento e atrito de rolamento, as quais serao analisadas a seguir.

ATRITO DE ESCORREGAMENTO

O atrito e uma das experiencias mais familiares ao ser humano e possui uma longa historia. Um

dos primeiros a estudar de forma sistematica o atrito foi o italiano Leonardo da Vinci, que

analisou o movimento de um bloco retangular sobre uma superfıcie plana. Por volta de 1500 ele

estabeleceu duas leis. A primeira afirma que as areas em contato nao tem efeito sobre o atrito e a

segunda que se o peso do objeto e dobrado, o atrito tambem sera dobrado. Tambem foi observado

por da Vinci que o atrito e diferente para diferentes materiais.

As leis de da Vinci foram redescobertas no seculo XVII pelo fısico frances Guillaume

Amontons. Ele teorizou que o atrito era o resultado do trabalho realizado para levantar uma superfıcie

sobre a rugosidade da outra, bem como o trabalho para realizar a deformacao da superfıcie.

Novos estudos sobre esse assunto foram realizados por Charles Coulomb, estabelecendo

claramente que a forca de atrito e proporcional a forca compressiva (forca normal). Coulomb

tambem estabeleceu que a forca de atrito nao depende da velocidade, uma vez iniciado o movimento.

Quando ha movimento relativo entre as superfıcies em contato, dizemos que ha uma forca de atrito

cinetica. Em outras palavras, quando existe uma velocidade relativa nao nula entre o contato das

superfıcies.

As leis fenomenologicas de Amontons-Coulomb que descrevem o atrito de escorregamento

podem ser expressas como

(a) A forca de atrito e independente da area aparente de contato.

(b) O atrito e proporcional a carga normal.

(c) O atrito cinetico e aproximadamente independente da velocidade de deslizamento.

Pela segunda lei do atrito, o modulo da forca de atrito cinetico e proporcional ao modulo da

forca normal N. Matematicamente temos que:

Fc = µcN, (1)

onde µc e o coeficiente de atrito cinetico.

Mesmo quando nao ha movimento relativo entre as superfıcies, pode haver forcas de atrito. Essa

forca e denominada atrito estatico. Consideremos um bloco em repouso apoiado sobre uma

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superfıcie plana horizontal. Se aplicamos uma forca F� tambem horizontal, sabemos da experiencia

que o bloco so se move em relacao a superfıcie horizontal quando o modulo da forca F atinge um valor

crıtico que denominaremos (Fe)max. Esse valor maximo e proporcional a N, ou seja,

(Fe)max = µeN, (2)

onde µe e o coeficiente de atrito estatico.

Diferentemente da forca de atrito cinetico, que e aproximadamente constante, a forca de atrito

estatico pode variar entre o valor nulo (quando nao existe forca paralela a superficie) ate o valor

maximo (Fe)max. Assim,

0 ≤ Fe ≤ µeN. (3)

Os conteudos acima sao abordados em todos os livros de fısica de nivel superior e tambem em

livros de nıvel medio de ensino. Esses conteudos sao apresentados sempre apos as leis de Newton,

como uma aplicacao dessas leis e, o que e importante, em um contexto teorico no qual o corpo

sob analise e modelado como uma partıcula. Contudo, ha situacoes em que o modelo de partıcula e

claramente inadequado. Na referencia [1] e analisado o deslocamento lateral da forca normal sobre um

corpo (um bloco) em equilibrio estatico ou dinamico, apoiado sobre uma superfıcie plana sujeito a uma

forca de atrito. Ja na referencia [2] e discutido o equıvoco de se utilizar o modelo de partıcula para se

calcular o trabalho realizado pela forca de atrito cinetico que age sobre um corpo que escorrega. Outra

situacao que mostra o limite do modelo de partıcula e o de rolamento, conforme analisado na

referencia [3].

ROLAMENTO

Movimentos de corpos que rolam sao muitos comuns no dia a dia. Como exemplos obvios

podemos citar os movimentos das rodas de uma bicicleta ou de um automovel. Tambem e muito comum

o uso de esferas em experimentos em plano inclinado. O proprio Galileu realizou experiencias desse

tipo [4].

Figura 1: Distribuição de velocidade de um corpo rígido que rola sem deslizamento.

No caso de rolamento nao podemos tratar o corpo como uma partıcula. Um modelo adequado

para esse caso e o de corpo rıgido o qual, por definicao, e um sistema no qual a distancia entre duas

partıculas do corpo e inalteravel ou, em outras palavras, o corpo e indeformavel. Obviamente, nenhum

corpo real e perfeitamnete rıgido, mas em muitos casos essa e uma idealizacao conveniente.

Vamos iniciar nossa analise pelo caso ideal de rolamento sem deslizamento ou rolamento puro.

Rolamento puro. Cinematica

Quando um corpo com simetria axial (um cilindro, uma esfera, um anel) rola sobre uma

superfıcie plana e cada ponto da periferia da roda nao desliza sobre o plano, dizemos que acontece um

rolamento sem deslizamento ou rolamento puro. Para fixar ideia, consideremos um cilindro de raio

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R rolando sem deslizar sobre uma superfıcie horizontal. Quando ele gira de um angulo θ, o ponto de

contato do corpo com a superfıcie horizontal tera se deslocado de uma distancia s, tal que

s = Rθ. (4)

Essa e a distancia percorrida pelo centro de massa do corpo quando o mesmo gira de um

angulo θ. Derivando a equacao (4) em relacao ao tempo obtemos que

vcm = ωR, (5)

onde vcm = ds/dt e a velocidade de translacao do centro de massa e ω = dθ/dt e a velocidade angular de

rotacao do corpo em torno de um eixo que passa pelo seu centro de massa. A eq.(5) e a condicao

necessaria para que ocorra rolamento sem deslizamento.

Enquanto o centro de massa do corpo movimenta-se em uma trajetoria retilınea, um ponto na

borda do corpo descreve uma trajetoria denominada cicloide [Ver Apendice]. Essa trajetoria pode

ser visualizada colocando-se uma fonte luminosa na borda de um cilindro que rola sobre uma

superfıcie plana.

Vamos agora determinar a velocidade de um ponto qualquer do corpo. O movimento mais

geral de um corpo rıgido e uma combinacao de translacao e rotacao [5]. Desse modo, pode-se

decompor a velocidade de uma partıcula arbitraria de um corpo rıgido em dois termos: um que representa

a velocidade instantanea de translacao e outra que representa a velocidade instantanea de rotacao. Assim,

a velocidade de um ponto qualquer do cilindro sera

�v = �vcm + ω� × �r, (6)

onde, como ja definido �vcm e a velocidade de translacao do centro de massa e �r e o vetor posicao

relativo ao centro de massa. Considerando o eixo perpendicular ao plano do movimento como sendo

o eixo z, tal que ω� = −ωz e �r = �z + ρ�, onde �z = zz e ρ� e a componente de �r contida no plano de

movimento, entao ω� × �r = ω� × (�z + ρ�) = ω� × ρ�, ja que ω� × �z = 0. Assim, a eq.(6) fica

�v = �vcm + ω� × ρ�. (7)

A Figura 1 e uma representacao grafica da eq.(7). Varias conclusoes podem ser tiradas da Figura

1:

(a) O ponto de contato da roda com o plano horizontal tem velocidade resultante nula, o

que significa que nao ocorre deslizamento. O contato do cilindro com o plano acontece ao longo de

uma geratriz, cuja velocidade no instante de contato e nula.

(b) A velocidade de qualquer ponto da roda possui direcao perpendicular a linha que liga esse

ponto ao ponto de contato.

(c) O centro do corpo desloca-se com uma velocidade �vcm, enquanto o ponto superior da

roda desloca-se com o dobro dessa velocidade (2�vcm).

A conclusao (a) acima nos permite realizar a seguinte discussao. Como a velocidade relativa de

escorregamento entre as superfıcies e nula, isso significa que, no caso de rolamento puro, nao pode

haver atrito cinetico entre as superfıcies. Em outras palavras, no caso de rolamento puro de um

corpo rıgido, se existe atrito ele e necessariamente estatico ja que a velocidade relativa de

escorregamento e nula. Deve ser observado que ha um movimento relativo entre o centro de massa do

corpo e a superfıcie sobre a qual o corpo rola. O que nao ha e um movimento relativo das

superfıcies em contato e essa e a razao pela qual, nesse caso, nao ha atrito cinetico.

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Figura 2: Forças que atuam sobre um corpo rígido de seção circular de raio R submetido a uma força F. Só

uma análise posterior pode determinar se o sentido de Fat está correto.

Se a Eq. (5) não é obedecida teremos um rolamento com deslizamento. Se vcm > ωR teremos

um rolamento com deslizamento de translacao. Isso acontece quando, por exemplo, um carro e

freiado bruscamente, provocando derrapagem. Por outro lado, quando vcm < ωR ha um

rolamento com deslizamento de rotacao. Um exemplo desse caso se da quando um carro desliza

sobre uma pista de lama e os pneus giram com velocidade angular tal que vcm < ωR. Essa descricao

cinematica do rolamento e realizada pelos principais livros textos universitarios utilizados nos cursos

de fısica basica. Supreendentemente, a analise dinamica desse caso e quase completamente

ignorada.

DINAMICA DO ROLAMENTO DE UM CORPO RIGIDO SOBRE UM PLANO HORIZONTAL

Vamos agora analisar a dinamica do rolamento em um plano horizontal. Vamos considerar

ambos os corpos (o corpo que rola e o plano horizontal) ideais, i.e., corpos rıgidos perfeitos.

Vamos considerar o corpo se movendo sobre um plano horizontal submetido a uma forca

motriz horizontal F� aplicada a uma certa altura h do plano (Figura 2) e a uma forca de atrito F�at a

qual, provisoriamente esta orientada para a esquerda. Apenas uma analise posterior pode determinar

se esse sentido e correto ou nao. As equacoes de movimento para o solido sao:

F − Fat = Macm (8)

F (h − R) + FatR = Iα = Mk2α, (9)

onde M e a massa do corpo, I e o momento de inercia do corpo calculado em relacao a um eixo

passando pelo seu centro de massa, α e a aceleracao angular do corpo em torno desse eixo e k e o

raio de giracao (para uma esfera k2

= 2R2/5, para um cilindro k

2 = R

2/2 e para um anel k

2 =

R2). Das expressoes acima e utilizando que acm = αR obtemos

(10)

Para a esfera, o cilindro e o anel temos explicitamente

Vemos da equacao acima que a depender do intervalo de h, a forca de atrito pode ter sentido

oposto ou nao ao movimento do centro de massa do corpo e, inclusive, ser nula.

Para a esfera, por exemplo, vemos que no intervalo 0 ≤ h < 7R/5, a forca de atrito e positiva (Fat

> 0), o que significa que seu sentido coincide com aquele mostrado na Figura 2. Para h = 7R/5

temos que Fat = 0, enquanto que no intervalo 7R/5 ≤ h ≤ 2R a forca de atrito e negativa (Fat < 0),

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logo o seu sentido e contrario ao indicado na Figura 2. Uma analise semelhante se aplica ao cilindro

e ao anel. O ilustra a situacao para uma esfera de raio R = 20 cm submetida a uma forca F = 5 N .

Podemos discutir varios aspectos interessantes a partir dos resultados acima. Em primeiro

lugar vemos que existe um valor crıtico de h para o qual a forca de atrito se anula, independente do

valor de F. Isso mostra que pode haver rolamento de um corpo sobre uma superfıcie plana mesmo

na ausencia de atrito. Isso e importante porque, como os livros textos tratam quase exclusivamente

de rolamento sobre um plano inclinado, sem tratar da dinamica de rolamento sobre uma superfıcie

horizontal, isso induz os estudantes a imaginar que a forca de atrito e sempre uma condicao

necessaria para a existencia do rolamento.

Vemos tambem que se a forca F esta aplicada a uma altura maior que esse valor crıtico, a

forca de atrito tem o mesmo sentido do movimento do centro de massa do corpo, i.e., a forca de

atrito contribui para aumentar a aceleracao do corpo. Esse resultado so e estranho quando

analisado no contexto do modelo de partıcula. No contexto do modelo de corpo rıgido, no qual

deve-se levar em conta outras grandezas dinamicas na analise do movimento, como o torque, esse

resultado e perfeitamente compreensıvel.

Outra consequencia interessante das Eqs. (10) ou (11) e que se a forca F for nula, i.e., se nao

existe forca motriz, a forca de atrito se anula. Nesse caso ideal (solidos e superfıcies inderformaveis),

desprezando a resistencia do ar, As unicas forcas que atuam no corpo que rola sem deslizar sobre

uma superfıcie horizontal, sao a forca peso e a normal, ambas aplicadas no centro de massa do corpo.

Mas, por que razao a forca de atrito e nula no rolamento puro em um plano horizontal? o

motivo e que, nesse caso ideal, se houvesse uma forca de atrito nao nula retardando o movimento,

o torque produzido por essa forca aumentaria a velocidade angular do corpo mas, ao mesmo tempo,

essa forca de atrito diminuiria a velocidade do centro de massa do corpo, o que e absurdo. Entao, a

forca de atrito deve ter o mesmo sentido do movimento de translacao do corpo? Nesse caso, o torque

produzido por Fat provocaria a diminuicao da velocidade angular do corpo enquanto a velocidade do

centro de massa aumentaria com o tempo. As duas situacoes sao absurdas, o que significa que em

um plano horizontal a forca de atrito (entre o plano e o corpo que rola) e nula e, portanto, vcm = ωR =

constante. Uma analise detalhada dessa situacao e feita na Referencia [3].

Gráfico 1: Fat em função de h para uma esfera de raio R = 20cm submetida a uma força F = 5N.

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Figura 3: Forças que atuam sobre um corpo deformável. Deve ser notado que a força N está deslocada em

relação à posição de um corpo perfeitamente rígido.

ATRITO DE ROLAMENTO

Por que e muito mais facil deslocar um corpo que possui rodas (um movel de escritorio, por

exemplo) do que o mesmo corpo sem rodas? A resposta a essa questao nos remete ao conceito de

atrito de rolamento.

Sabemos da experiencia que um corpo solido que rola em um plano hor- izontal perde

velocidade e para apos certo tempo. Entao por que o corpo para? alem da resistencia do ar (arrasto

aerodinamico) ha o atrito de rolamento que surge devido ao fato de que nem o corpo nem o

plano sao perfeitamente rıgidos e, assim, no movimento de rolamento, ambos sofrem deformacoes,

o que da origem ao atrito de rolamento. Considermos, para fixar ideia, um cilindro que rola em um

plano horizontal. Vamos considerar que as deformacoes ocorrem exclusivamente no corpo que rola.

Um exemplo dessa situacao seria um pneu de automovel trafegando sobre uma pista hor- izontal de

concreto ou asfalto. A Figura 3 mostra as forcas que atuam sobre o corpo onde mais uma vez

desprezaremos a resistencia do ar. Devido ao achatamento do corpo, o ponto de aplicacao de N� sera

deslocado para frente por uma distancia x em relacao ao ponto em que N� atua no caso do corpo

indeformavel. F�at e a forca de atrito que se opoe ao movimento. As equacoes dinamicas ficam agora:

F − Fat = −Macm (12)

FatR − Nx = −Iα (13)

onde I e o momento de inercia do corpo e α a aceleracao angular em relacao ao centro de massa. Na

referencia [3] e desenvolvida a teoria que mostra por que o corpo para.

Se o corpo se desloca com velocidade do centro de massa constante, as equacoes de

movimento ficam

F = Fat , (14)

FatR = Nx. (15)

Da Eq. (15) podemos definir uma grandeza adimensional µr tal que

µ r =x/R=Fat/N (16)

onde µr e denominado coeficiente de atrito de rolamento ou coeficiente de resistencia ao

rolamento. Deve ser observado que se o corpo e perfeitamente rıgido x = 0 e, desse modo, µr = 0.

Isso explica porque no rolamneto puro de um corpo rıgido a forca de atrito e nula. Valores tıpicos de

µr para pneus de carro sobre asfalto sao da ordem de 0, 01 enquanto o coeficiente de atrito estatico

(µe) e da ordem de 0, 9, ou seja, µr e cerca de 90 vezes menor que µe. Esses valores explicam

porque e tao mais facil deslocar um movel que possui rodas em comparacao com o mesmo movel

sem rodas.

CONCLUSÕES

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Neste trabalho consideramos a dinamica do rolamento sobre uma superfıcie horizontal plana,

assunto ignorado pela maioria dos livros textos universitarios de fısica basica, que, em geral,

considera a cinematica de rolamento e a dinamica de rolamento em um plano inclinado.

Consideramos duas situacoes, a saber, o movimento de rolamento sem e com forca motriz. A

matematica envolvida na analise desse movimento e bastante simples e e acessıvel inclusive para

estudantes do ensino medio. Apesar de sua simplicidade matematica, essas situacoes fornecem as

condicoes otimas para a introducao e aprofundamento de importantes conceitos como o de corpo rıgido,

a conservacao da energia, conservacao do momento angular, forcas de atrito, dentre outros.

APENDICE

Cicloide e a curva gerada por um ponto P sobre uma circunferencia que rola sem deslizar

sobre uma superfıcie horizontal. Consideremos um cırculo de raio R que se move ao longo do eixo

x, com o ponto P inicialmente na origem. As equacoes parametricas da curva descrita pelo ponto P (a

cicloide) sao dadas por

onde θ e o angulo de rotacao do cırculo a medida que o corpo gira.

A cicloide e de grande importancia na historia da ciencia porque e a solucao de dois

problemas famosos. O primeiro e o problema da braquistocrona (menor tempo), o qual consiste na

determinacao da curva (trajetoria) ao longo da qual um corpo deslizando sem atrito gastara o menor

tempo possıvel para ir de um ponto A a um ponto B, sob acao da gravidade. E admitido que os

pontos A e B nao estao na mesma vertical, cuja solucao, neste caso, seria uma reta.

O segundo e o denominado problema da tautocrona (tempos iguais), que consiste em

determinar a forma da curva que faz com que um corpo atinja o ponto mais baixo da curva em

intervalos de tempos iguais, independente- mente da altura em que o corpo e solto.

A solucao de ambos problemas e uma cicloide invertida.

REFERENCIAS

[1] Eden V. Costa e C. A. Faria Leite. Revista Brasileira de Ensino de Fısica v. 32, n.4, 4301 (2010).

[2] Osman Rosa e Ronilson Carneiro Filho Leite. Revista Brasileira de Ensino de Fısica v. 33, n.2, 2308

(2011).

[3] A. V. Andrade-Neto, J. A. Cruz, M. S. R. Miltao e C. S. Ferreira. Revista Brasileira de Ensino de Fısica v.

35, n.3, 3704 (2013).

[4] Michael Segre. Caderno de Fısica da UEFS, 06, 87 (2008).

[5] H. Moyses Nussenzveig. Curso de Fısica Basica 1: Mecânica. Editora Edgar Blucher, (1997).