Aula 04 - Antecedentes Históricos Do Pós-Impressionismo e Do Expressionismo

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7/23/2019 Aula 04 - Antecedentes Históricos Do Pós-Impressionismo e Do Expressionismo http://slidepdf.com/reader/full/aula-04-antecedentes-historicos-do-pos-impressionismo-e-do-expressionismo 1/3  1/1 Antecedentes históricos do Pós-Impressionismo e do Expressionismo Períodos de crise parecem ter produzido artistas que canalizaram as ansiedades de seu tempo para as suas obras. No Renascimento admitiu-se a personalidade do artista como fator determinante do caráter de uma obra de arte. Desde então a arte passou a funcionar como um modo de autorrevelação. No contexto do individualismo moderno, exarcebado com o desenvolvimento do capitalismo industrial, tal postura foi levada a extremos, com o surgimento do conceito de Expressionismo no início do século XX. Mas a única inovação verdadeira que o Expressionismo moderno apresentou foi a descoberta de que composições abstratas eram tão efetivas quanto quadros temáticos e figurativos. Percebeu-se que o tema, tendo servido como veículo para gestos expressivos, podia ser inteiramente abandonado. Compreendeu-se que o poder expressivo de cores e formas, de pinceladas e textura, de tamanho e escala, era mais do que suficiente para representar a manifestação artística. Este último desdobramento foi estimulado pela consciência crescente dos artistas, desde o começo do século XIX, de que a música possuía um caráter direto de impacto. Esse argumento foi usado por Kandinsky quando apresentou seus primeiros trabalhos abstratos por volta de 1910. Surgiu então na arte uma forma de criação que comunicava sem o auxílio da narrativa ou da descrição, sem mesmo qualquer recurso a reflexos associativos. O Romantismo havia permitido uma crescente consciência, muitas vezes impelida pelo nacionalismo, da liberdade desfrutada por artistas extra- acadêmicos de séculos anteriores. Alguns deles puderam ser considerados heroicos precursores, oferecendo tradições alternativas às das academias. Na Alemanha, a arte de Dürer e Bosch é marcada por qualidades expressionistas e, sobretudo, por uma ansiedade apocalíptica que ainda seduz fortemente em nosso século. Grünewald, contemporâneo desses artistas e autor do famoso Retábulo de Isenheim (cerca de 1515), inspirou admiração e imitação direta no século XX. Um livro publicado em Munique, em 1918, e intitulado Miniaturas Expressionistas da Idade Média Alemã, recuou ainda mais no tempo, oferecendo iluminuras alemãs dos séculos VIII ao XV, como exemplos para os modernos expressionistas e seu público. O público alemão podia dispor, no começo do século passado, de um volume crescente de literatura sobre arte popular, arte não-europeia, muitos exemplos de arte primitiva, arte infantil e arte de loucos, tudo isso familiarizando os leitores com alternativas ao idealismo clássico. Identificando o romântico (e consequentemente o Expressionismo descendente dele) com a vocação alemã. Mas até mesmo as tradições da arte ocidental, centradas no classicismo e alimentadas pela Itália e França, continham elementos que influenciaram o Expressionismo. Na Itália, a tradição veneziana de iluminação espetacular, cores opulentas e pinceladas individuais era, em certa medida, uma tradição expressionista. Dela derivaram pintores como El Greco, cuja fama extrema data do início do século

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Antecedentes históricos do Pós-Impressionismo e do Expressionismo

Períodos de crise parecem ter produzido artistas que canalizaram as ansiedadesde seu tempo para as suas obras. No Renascimento admitiu-se a personalidade

do artista como fator determinante do caráter de uma obra de arte. Desde entãoa arte passou a funcionar como um modo de autorrevelação. No contexto doindividualismo moderno, exarcebado com o desenvolvimento do capitalismoindustrial, tal postura foi levada a extremos, com o surgimento do conceito deExpressionismo no início do século XX. Mas a única inovação verdadeira que oExpressionismo moderno apresentou foi a descoberta de que composiçõesabstratas eram tão efetivas quanto quadros temáticos e figurativos. Percebeu-seque o tema, tendo servido como veículo para gestos expressivos, podia serinteiramente abandonado.

Compreendeu-se que o poder expressivo de cores e formas, de pinceladas etextura, de tamanho e escala, era mais do que suficiente para representar amanifestação artística. Este último desdobramento foi estimulado pelaconsciência crescente dos artistas, desde o começo do século XIX, de que amúsica possuía um caráter direto de impacto. Esse argumento foi usado porKandinsky quando apresentou seus primeiros trabalhos abstratos por volta de1910. Surgiu então na arte uma forma de criação que comunicava sem o auxílioda narrativa ou da descrição, sem mesmo qualquer recurso a reflexosassociativos.

O Romantismo havia permitido uma crescente consciência, muitas vezesimpelida pelo nacionalismo, da liberdade desfrutada por artistas extra-acadêmicos de séculos anteriores. Alguns deles puderam ser consideradosheroicos precursores, oferecendo tradições alternativas às das academias.

Na Alemanha, a arte de Dürer e Bosch é marcada por qualidades expressionistase, sobretudo, por uma ansiedade apocalíptica que ainda seduz fortemente emnosso século. Grünewald, contemporâneo desses artistas e autor do famosoRetábulo de Isenheim (cerca de 1515), inspirou admiração e imitação direta noséculo XX. Um livro publicado em Munique, em 1918, e intitulado MiniaturasExpressionistas da Idade Média Alemã, recuou ainda mais no tempo, oferecendoiluminuras alemãs dos séculos VIII ao XV, como exemplos para os modernosexpressionistas e seu público. O público alemão podia dispor, no começo doséculo passado, de um volume crescente de literatura sobre arte popular, artenão-europeia, muitos exemplos de arte primitiva, arte infantil e arte de loucos,tudo isso familiarizando os leitores com alternativas ao idealismo clássico.Identificando o romântico (e consequentemente o Expressionismo descendentedele) com a vocação alemã.

Mas até mesmo as tradições da arte ocidental, centradas no classicismo ealimentadas pela Itália e França, continham elementos que influenciaram oExpressionismo.

Na Itália, a tradição veneziana de iluminação espetacular, cores opulentas epinceladas individuais era, em certa medida, uma tradição expressionista. Dela

derivaram pintores como El Greco, cuja fama extrema data do início do século

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XX (foi reabilitado, com a valorização do Expressionismo. No período depredomínio do estilo neoclássico ele tinha sido “esquecido”. É um exemplo derevisão da História da Arte), bem como Rembrandt. Mesmo na Itália central,onde a teoria clássica havia sido fundada e de onde se propagou no sistema de

academias de arte (como visto na aula 2), o ímpeto pessoal que tinha levadoMichelangelo à veemência e à distorção foi imitado por gerações artísticasposteriores. Ambos os exemplos, dos meios pictóricos sobrecarregados e dadistorção figurativa e de composição, foram fundamentais para o Expressionismomoderno.

O barroco estava interessado na reação do público. Na medida em que, a serviçoda Igreja ou da Coroa, a arte pretendia reafirmar a fé e a lealdade, métodosexpressionistas foram usados para fins impessoais. A eficácia especial da obra dearte compósita (por exemplo, nas Igrejas em que estátuas são colocadas emnichos específicos para receber a luz, e cercadas de complexas decorações), naqual muitas artes colaboravam para um só fim, foi explorada pelo barroco sobformas plásticas que puderam ser transmitidas aos séculos subsequentes. Mastambém foi uma era de grandes artistas individuais (como Velásquez eRembrandt). As qualidades francamente emocionais da arte de Rubens fizeramdele um modelo ideal que se opôs aos cânones visuais do classicismo,convertendo-o em um modelo de pintor modernista.Em contrapartida, ao romper com o catolicismo durante o predomínio desseestilo, a escola holandesa (que se tornou protestante como a Inglaterra)desenvolveu novos tipos de pintura sem o auxílio do prestígio acadêmico. Seuinteresse em uma temática de “baixo conteúdo” — como a paisagem e anatureza-morta — representou um importante fator na exploração que o séculoXIX fez da expressão. O uso que Rembrandt fez da cor, do chiaroscuro (claro/escuro) e do pincel, da linha e do contraste, em seus desenhos e águas-fortes, foi subjetivo em um grau sem precedentes. Já em torno de 1800, quandosua fama aumentou, ele passou a ser identificado como um grande paladinomoderno.O Iluminismo do século XVIII valorizava a ordem acima do indivíduo, mas talfato foi invertido com o advento do Romantismo. Goya, Blake e Delacroixparecem ter colaborado em uma campanha de introspecção e de questionamentosocial, que redefiniu todos os campos da arte. Em Turner, tal introspecçãocombinou-se com um amor às energias da natureza e às energias da tinta natela. O conceito moderno de criação artística estava, então, enraizado em forçaspessoais e suprapessoais inconscientes, surgindo daí uma convenção paradoxal

de que o individualismo irrestrito podia produzir verdades universais. O próprioclassicismo foi transformado e restabelecido de forma intencional por David,tornando-se cada vez mais abstrato. Foi no classicismo de Ingres e não noromantismo barroco de Delacroix que o primitivismo fez sua primeiracontribuição estilística importante.

O Romantismo do final do século XIX transformou-se na base imediata doExpressionismo moderno. A rejeição da civilização europeia por Paul Gauguin e

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sua celebração de uma existência alternativa em forma e cor emocionais; o usode imagens alucinatórias por Edvard Munch, através das quais o artistaemprestava forma pública às suas angústias pessoais; a controlada, porémapaixonada, deformação da natureza por Vincent van Gogh, e a intensificação da

cor natural, a fim de criar uma “arte comunicativa”, foram os modelos imediatospara os pintores do século XX, que buscavam meios expressivos. O exemplo deAuguste Rodin, que pôde transmitir a pura emoção através das superfícies eposes forçadas das figuras, revelou uma fonte de inspiração semelhante para aescultura moderna.

A máquina fotográfica havia feito do naturalismo puro e simples um lugar-comum. A art nouveau, na virada do século, tomou notáveis liberdades com asaparências normais, a fim de explorar as possibilidades tanto expressivas quantodecorativas do traço, da cor e da forma, enquanto os psicólogos tentavamexplicar como os estados mentais humanos reagiam a tais elementos. Novasinspirações derivaram, finalmente, do universo poético e filosófico dos livros deDostoiévski, das peças de Ibsen e Strindberg, da visão de Nietzsche sobre ummundo sem Deus e dos movimentos místicos dos últimos cem anos, em especial,da teosofia de Rudolf Steiner.