Aula 3- Uso de Relações Semânticas Na Análise Gramatical

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O USO DE RELAÇÕES SEMÂNTICAS NA ANÁLISE GRAMATICAL Introdução CARLOS FRANCHI, ESMERALDA VAILAT I NEGRÃO & ANA LÚCIA MÜLLER A teoria gramatical visa a estabelecer a relação en- tre a forma das expressões e a sua significação; em ou- tros termos, a construção de uma teoria gramatical deve _ _! ntre a estrutura sintática e a es- semântica. 1 Nesse sentido, mesmo os pesquisado- res que limitam o seu trabalho aos aspectos sintáticos das línguas naturais e que procuram servir-se exclusivamen- te de critérios de análise e argumentos sintáticos, não podem deixar de ter no horizonte os aspectos semânti- cos envolvidos nos fatos gramaticais que descrevem. De fato, manipulando certas propriedades sintá- ticas (a ordem dos constituintes, construções envolven- do deslocamento de constituintes co mo, por exemplo, a passiva, ou condições de substituição de um sintagma nominal por um pronome), pode'-se justificar, por exem- plo, a distinção entre um adjuntÓ adnominal e um predicativo do objeto direto na análise tradicional da sentença em (1). Es sa sentença é ambígua em pelo me- nos duas interpretaçõ es que correspondem a diferentes -- - O USO DE RELAÇÕES SEMÂNTICAS NA ANÁLISE GRAMATICAL 1 03 funções sintáticas de fácil: na primeira. interpretação, fácil é um adjunto adnominal de caminho e, na segunda interpretação, fácil é um predicativo do objeto direto o caminho. Como mostrado no próximo texto\ para- ex- plicar a ambigüidade encontrada na sentença (1), pro- pusemos que a ela correspondem duas estruturas dife- rentes, uma em que o adjetivo fácil é parte do sintagma nominal e outra em que ele é um constituinte indepen- dente. O Quadro I apresenta essas estruturas e, de ma- neira resumida, construções sintáticas que servem ·como evidência à análise proposta, uma vez que, ao modifica- =com os demais constituintes da sentença, altera-se também sua função sintática. (1) Os alunos de Tom acharam o caminho fácil. QUADRO 1: FUNÇÃO . ADJUNTO ADNOMINAL PREDICATIVO DO OBJETO estrutura si ntática Os alunos acharam Os alunos acharam [o caminho fácil) [o caminho) [fácil) mudança de ordem Os alunos acharam Os alunos acharam o cil caminho fácil o caminho passiva O caminho fácil O caminho foi adiado foi achado pelos fácil pelos alunos pronominalização Os alunos Os alunos acha- acharam-no/ ele ram-no/ ele fácil 1;-Vrrp. No entanto, é sempre necessário fazer refen- cia à interpretação das orações em jogo. Isto é, indire- 1. Ver, a propósito, o capítulo seguinte deste livro para uma análise detalhada dessa ambigüidade e para uma discussão de· eomo construir a argumentação em favor de uma ou outra proposta de análise em sintaxe.

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Aula 3- Uso de Relações Semânticas Na Análise Gramatical

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  • O USO DE RELAES SEMNTICAS

    NA ANLISE GRAMATICAL

    Introduo

    CARLOS FRANCHI, ESMERALDA VAILAT I NEGRO

    & ANA LCIA MLLER

    A teoria gramatical visa a estabelecer a relao en-tre a forma das expresses e a sua significao; em ou-tros termos, a construo de uma teoria gramatical deve ~~e,-~ _ _!ntre a estrutura sinttica e a es-tru~ra semntica.

    1Nesse sentido, mesmo os pesquisado-

    res que limitam o seu trabalho aos aspectos sintticos das lnguas naturais e que procuram servir-se exclusivamen-te de critrios de anlise e argumentos sintticos, no podem deixar de ter no horizonte os aspectos semnti-cos envolvidos nos fatos gramaticais que descrevem.

    De fato, manipulando certas propriedades sint-ticas (a ordem dos constituintes, construes envolven-do deslocamento de constituintes como, por exemplo, a passiva, ou condies de substituio de um sintagma nominal por um pronome), pode'-se justificar, por exem-plo, a distino entre um adjunt adnominal e um predicativo do objeto direto na anlise tradicional da sentena em (1). Essa sentena ambgua em pelo me-nos duas interpretaes que correspondem a diferentes ---

    O USO DE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 1 03

    funes sintticas de fcil: na primeira. interpretao, fcil um adjunto adnominal de caminho e, na segunda interpretao, fcil um predicativo do objeto direto o caminho. Como mostrado no prximo texto\ para-ex-plicar a ambigidade encontrada na sentena (1), pro-pusemos que a ela correspondem duas estruturas dife-rentes, uma em que o adjetivo fcil parte do sintagma nominal e outra em que ele um constituinte indepen-dente. O Quadro I apresenta essas estruturas e, de ma-neira resumida, construes sintticas que servem como evidncia anlise proposta, uma vez que, ao modifica-

    ~;.;;.:s-=e=as~r:...:elFa==;:e:.:s::...;d~e:..:;J~...:.ci~Z =com os demais constituintes da sentena, altera-se tambm sua funo sinttica.

    (1) Os alunos de Tom acharam o caminho fcil.

    QUADRO 1:

    FUNO . ADJUNTO ADNOMINAL PREDICATIVO DO OBJETO

    estrutura sinttica Os alunos acharam Os alunos acharam [o caminho fcil) [o caminho) [fcil)

    mudana de ordem Os alunos acharam Os alunos acharam o fcil caminho fcil o caminho

    passiva O caminho fcil O caminho foi adiado foi achado pelos fcil pelos alunos

    pronominalizao Os alunos Os alunos acha-acharam-no/ ele ram-no/ele fcil

    1;-Vrrp. No entanto, sempre necessrio fazer refeln-

    cia interpretao das oraes em jogo. Isto , indire-

    1. Ver, a propsito, o captulo seguinte deste livro para uma anlise detalhada dessa ambigidade e para uma discusso de eomo construir a argumentao em favor de uma ou outra proposta de anlise em sintaxe.

  • ---------------------- - -- --- --------- - - ---

    104 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    tamente, estamos fazendo referncia a propriedades e relaes semnticas dos enunciados. Vamos, ento, tornar essa referncia mais explcita: veremos como alguns critrios semnticos podem auxiliar a argumen-tao sobre as hipteses descritivas que fazemos em sintaxe, mostrando que a descrio sint.tica proposta possui relevncia gramatical. Ou seja:

    - se a anlise e descrio sint.ticas apresentam duas estruturas como diferentes e no corre-lacionadas, como o caso da anlise da sen-tena (1), deve haver diferenas de significa-o, mesmo que superficialmente as oraes descritas paream a mesma orao;

    - se a anlise e descrio sint.ticas apresentam duas estruturas como derivveis uma da ou-tra ou de algum modo correlacionadas, como o caso das sentenas nas diferentes colunas do Quadro I, deve haver correlao de senti-do entre as expresses que instanciam ou manifestam essas estruturas.

    Antes de iniciar o trabalho, vale a pena deixar um pouco mais clara a resposta a esta questo: o que estamos chamando de "significao" e de "semntica"?

    1. Uma noo de semntica e de suas relaes com a sint~e

    No vamos resolver essa questo, bastante contro-vertida. Para nossa finalidade aqui, basta uma aproxi-mao provisria. Por enquanto podemos afirmar que "significar" quer dizer estabelecer uma relao entre, de um lado, as expresses d~ lnguas naturais e, de outro,

    . I

    O USO OE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 105

    certas situaes ou acontecimentos que poderiam ocor-rer no mundo real ou nos mundos de nossa imaginao.

    Nessas situaes esto envolvidos: - indivduos (pessoas, objetos, coisas, lugares

    etc.), caracterizados por propriedades espec-ficas, como "o Tom", "o caminho";

    - conjuntos de indivduos - igualmente carac-terizados como "os alunos"

    ' ' - processos, estados ou aes - como "procu-

    rar" e "achar" '

    - ou mesmo sentimentos, percepes, conheci-mentos - que expressamos por achar no sen-tido de considerar, avaliar, julgar;

    - ou qualidades - como aquela a que nos refe-rimos quando usamos fcil .

    De outro lado, do lado das expresses lingsti-cas, esto envolvidos os itens lexicais, como Tom, alu-nos, achar, fcil, o, de, que se organizam sintaticamente, segundo certos princpios e regras, como quando dize-mos a sentena (1), de modo a permitir que relacione-mos essa orao a uma situao, um acontecimento, um fato, como esse fato de que os alunos de Tom acha-ram fcil o caminho (do stio onde faziam o churras-co, por exemplo).

    Essa maneira imprecisa de dizer o que significa-o tem muitos riscos de mal-entendido. Vamos evitar, pelo menos, dois deles. Um primeiro que, pelo exem-plo utilizado, pode-se ficar com a idia de que, quando falamos em situaes ou fatos, nos referimos aos que de fato ocorrem. Mas, e a significao das expresses que se mostrarem falsas? Por isso, para descrever a sig-nificao de uma expresso, basta estabelecer com pre-

  • 106 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    ciso como os fatos a que a expresso se refere deve-riam ser, em determinadas circunstncias, para que pos-samo~ avaliar se a expresso verdadeira ou falsa. ___!lfu tr nsco sen o"deenten er que basta co e-

    i cer a signi~cao de cada item l~xi~ que se encadeia na expressao, para conhecer a._t nifica o da expres-

    [ so como um todo.f claro que cada item lexic cOn-tribui para a i~te~retao. [Pense, por exemplo, em trocar em (1) Tom por Joo, alunos por amigos, os por alguns, e assim por diante.) E tambm claro que qui-semos dizer que a significao de uma expresso com-plexa resulta da comppsio da significao de suas

    ~----- --- -~--__.:_:_:_:_::._ P?~~~s-=- 1 Mas composio aqui no significa somente "juntar essas partes", som-las. Envolve, tambm, o modo particular pelo qual essas partes se relacionam estruturalmente.

    Para entender melhor isto, tomemos trs sintagmas como o caador, a ona pintada, matou. Com eles pode-mos formar, pelo menos, duas oraes, analisveis em duas diferentes descries sintticas; em cada uma de-las, esses constituintes contratam entre si relaes es-pecficas, recebendo diferentes funes gramaticais (su-jeito/ objeto direto), que se manifestam claramente na ordenao dos sintagmas constituintes:

    (2) a- O caador matou1a ona pintada,

    h - A ona pintada matou o caador.

    Estas oraes so formadas com os mesmos ele-t . I men os, que se orgamzam, entretanto, em duas estru-

    turas. Recebem, obviamente, cada uma delas, diferen-tes interpretaes, referindo-se a diferentes aconteci-mentos no mundo: significaes que resultam do modo

    O USO DE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 107

    por que foram construdas sintaticamente. Nosso exemplo (1) ainda mais interessante. Essa

    orao recebe pelo menos duas interpretaes, corres-pondentes a (3a e .b):

    (3) a- Os alunos (de Tom)' encontraram o caminho fcil, h- Os alunos (de Tom) consideraram o caminho fcil.

    Para levar a essa.S duas interpretaes, utilizamos em (1) a mesma expresso com os mesmos elementos constituintes, na mesm.a ordem e at, eventualmente, com a mesma pronncia e entoao. que os falantes do portugus sabem que esses constituintes foram com-postos por processos distintos, correspondendo a dois esquemas de .relaes ou duas estruturas sintticas.

    Assim, a significao de uma expresso complexa depende ( funo) da significao de suas partes e do modo pelo qual essas partes se compem ou se estrutu-ram. Esta observao importante, porque nos permite ver que as consideraes semnticas, em que estamos interessados na construo de uma teoria gramatical, exigem, como pressuposto, um trabalho cuidadoso de descrio das estruturas sintticas envolvidas.

    Como dissemos acima, este um primeiro passo no estabelecimento das correlaes entre a sintax~ e a

    semntica (e, talvez, um dos objetivos fundamentais da teoria gramatical): ser cap~ de descrever as rela-es sintticas das expresses de modo a m.ostrar como os constituintes se estruturam nas oraes. Desse mo-do, podem-se entender as diferenas de interpretao que podem no decorrer de elementos isolado~, mas do modo pelo qual esses elementos se compem -:e se estruturam na orao.

  • 108 y MAS O QUE ~ MESMO "GRAMTICA" ? ~construo de cenrios

    Podemos, agora, chegar ao que nos interessa: como utilizar, na justificao de hipteses descritivas de nosso estudo gramatical das oraes do portugus, as intui-es que temos sobre o que elas significam?

    .Se quisssemos comprovar que, apesar da apa-rncia superficial, a or~o (1) corresponde a duas descries estruturais sintticas distintas, poderamos nos servir de vrias estratgias que pem em evidn-cia os correlatas semnticos dessa distino.

    A primeira estratgia utilizada a de construir dois "cenrios" que, contextualizando essa orao le-

    , ' vam a escolha entre uma ou outra interpretao. Nes-se caso, estamos utilizando um fato conhecido da lin-guagem: embora as expresses das lnguas naturais sejam muitas vezes ambguas e vagas, sabemos que, em uma situao especfica de discurso, em um con-texto apropriado, conseguimos interpret-las de modo bastante preciso. Assim, construindo um cenrio apro-priado, podemos fazer aparecer um ou outro sentido que desejamos discutir.

    Utilizar diferentes cenrios no passa de um pro-cedimento, de uma tcnica para conseguir esclarecer no somente diferentes situaes de uso das expresses mas, sobretudo, diferentes situaes que as expresses des-~evem. Muitas vezes, no caso de expresses ambguas, mterpretamo-las em um sentido e dificilmente nos da-mos conta de uma outra interpretao possvel. Preci-samos, por isso, colocar as expresses que estudamos sob diferentes focos ou sobre diferentes fundos.

    Examinem um outro exemplo:

    (4) O garoto tirou os botes dos bolsos traseiros da cala.

    o USO OE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL I 0 9

    Imaginem-na enunciada nestes diferentes cenrios:

    CENA I: Marinho da-p-virada! No h roupa que no suje ou arreben-te. Ansia, sua ~e, aprontou-lhe o terno novo para o casamen-to da irm. Ele no parou de mexer em cada prega e em cada bolso, de desabotoar e abotoar cada pea. O garoto no descan-sou enquanto no tirou os botes dos bolsos traseiros da cala, deixando pendurados os restos de fio de linha ...

    CENA II: Marinho observava os colegas jogando futebol de boto na mesa da sala. Era muito tmido para se oferecer a jogar. t ' ; j ~ - Vamos deixar o Marinho jogar agora. r .. L

    ./ - No. S joga quem tiver time. E Marinho:

    I ' j \ o ' o ., . ' ' ... - ,_. '

  • 110 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    (5) a- Voc vai sair, no? b -Voc no vai sair, vai?

    Aparentemente, (Sa) e (Sb) so perguntas equi-valentes que podem ter como resposta "sim, vou sair" ou "no, no vou sair". Entretanto, um exame mais cuidadoso indica que ambas cabem melhor em cen-rios diferentes:

    CENAill: ] amil marcara um encontro com seu colegajuvenal para, enfim, conclurem um trabalho que deveria ser entregue no dia seguinte. De tarde, no horrio marcado, vai casa de}uvenal e o encontra na porta de casa em roupa de domingo. Preocupado pergunta: ... ?

    CENAN: }amil e Joaninha resolvem reunir-se para de uma vez resolverem os seus problemas de namoro. Esto na sala do apartamento de solteiros que}amil partilha com]uvenal. Este nem desconfia e se fica por l contando casos da escola. Logo que se v a ss com Juvenal, na cozinha,Jamil pergunta: ... ?

    Esses pequenos cenrios funcionam como mode-los reduzidos da realidade, como recortes das circuns-tncias possveis em que, estando envolvidos um pe-queno nmero de indivduos e processos, se facilita a compreenso das relaes de significao envolvidas entre as expresses e as situaes.

    3. Relaes de parfrase

    Uma segunda estratgia a de construir diferentes parfrases para cada uma das interpretaes que deseja-

    -------- -- ---- - -.

    J

    O USO DE RELAOES SEMANTICAS NA ANLISE GRAMATICAL III

    mos distinguir. Observe no Quadro I algumas oraes que comparamos, para fazer aparecerem as proprieda-des sintticas da sentena (1) que nos interessam.

    As oraes que :correspondem ao predicativo do sujeito, embora apropriadas em diferentes condies de discurso, possuem uma coisa em comum: referem-se mesma situao objetiva, correspondendo a uma das in-terpretaes de (1), expressam a opinio dos alunos de Tom a respeito da facilidade do caminho. Do outro lado, as oraes que correspondem ao adjunto adnominal, to-das correspondem outra interpretao de (1): que os alunos de Tom encontraram o caminho que era fcil

    Por isso as chamamos de "parfrases": so diferen-tes expresses, com elementos lexicais e particularida-des sintticas prprias, que se referem a uma mesma situao e, nesse sentido restrito, possuem a mesma sig-nificao, em determinados contextos de uso.

    Embora visando a colocar em evidncia certas propriedades sintticas, podemos nos servir indireta-mente da relao semntica da parfrase, ou sinonmia das construes. o procedimento baseia-se em uma hiptese auxiliar:

    - uma expresso pode esconder, na seqncia idntica de constituintes, dois diferentes es-quemas relacionais, tendo como conseqncia diferentes interpretaes;

    - o comportamento sinttico dessa expresso, em relao a determinadas transformaes (por exemplo, na ordem dos constituintes, na formao da voz passiva)' sensvel a essa diferena estrutural, variando conforine-a in-terpretao correspondente;

  • .. < ..

    112 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    - operando sobre a expresso, conseguimos ob-ter dois conjuntos distintos de oraes, um deles associado a uma das interpretaes, ou-tro associado outra;

    - podemos nos servir dessa bifurcao dos con-juntos de parfrases como argumento a fa-vor de nossa hiptese relativa a uma ambi-gidade estrutural

    Podemos reprisar esse procedimento para o estu-do de outras oraes, comeando por um exemplo bem simples Retomem nosso exemplo anterior (4):

    - 4) O garoto tirou os botes dos bolsos traseiros da cala.

    As duas interpretaes dessa orao tm, como correlato sinttico, duas diferentes anlises, como j apontamos. Numa delas, dos bolsos traseiros da cala corresponde a um adjunto adnominal de bolsos, espe-cificando de que bolsos se fala. Nesse caso, como vi-mos no item anterior a propsito de outro exemplo, esse adjunto forma com o nome botes um nico cons-tituinte. Algumas parfrases que mostram isso:

    (7) a- [Os botes dos bolsos traseiros da cala] foram tirados pelo garoto (passiva).

    b- [Os botes dos bolsos traseiros da cala], o garoto os tirou ( topicalizao).

    c- Foram [os botes do bolso traseiro da cala] que o garoto tirou (clivagem).

    d- [O que] o garoto tirou? Ora, [os botes do bolso trasei-ro da cala] (interrogao de constituinte).

    Na outra anlise, dos bolsos traseiros da cala est relacionado ao verbo, como adjunto adverbial (de onde o garoto tirou os botes). Nesse caso, dos bolsos trasei-

    O USO DE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 1 13

    ros da cala forma um constituinte independente de bolsos, o que se pode verificar nas parfrases:

    (8) a- [os boteSjroram tirados pelo garoto~os bolsos trasei-ros da cal~ (passiva).

    b - Os botes, o garoto os tirou dos bolsos traseiros da cala ( topicalizao).

    c- Dos bolsos traseiros da cala, o garoto tirou os botes ( topicalizao).

    d- Foram os botes que o garoto tirou dos bolsos traseiros da cala (clivagem).

    e - Foi dos bolsos traseiros da cala que o garoto tirou os botes (clivagem).

    f- O que o garoto tirou dos bolsos traseiros da cala?-Os botes (interrogao de constituinte).

    g - De onde o garoto tirou os botes? - Ora, dos bolsos traseiros da cala (interrogao de constituinte). ,

    /

    Um outro exemplo. Considere a orao:

    (9) Os japoneses [que so inteligentes e dedicados I domina rama tecnologia dos computadores.

    Nela, a orao subordinada adjetiva pode ter duas leituras: uma interpretao restritiva e uma interpre-tao explicativa. Vamos utilizar algumas parfrases para colocar em evidncia essa diferena. Algumas boas parfrases, para a interpretao restritiva, seriam:

    ( 1 O) a - Somente os japoneses que so inteligentes e dedicados (e no os outros japoneses) dominaram a tecnologia dos computadores.

    b - Dentre os japoneses, os que so inteligentes e dedica-dos dominaram a tecnologia dos computadores.

    E nesse caso, isto , quando as expresses de (lO) so parfrases apropriadas de (9) em um certo contex-

  • 114 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA" ?

    to de uso, o predicado "dominaram a tecnologia dos computadores" se aplica a um subconjunto do con-junto dos japoneses.

    Na outra interpretao, ou seja, quando se usam os adjetivos "inteligentes e dedicados" com valor expli-cativo, as parfrases adequadas seriam:

    (11) a Os inteligentes e dedicados japoneses dominaram a tecnologia dos computadores.

    b Os japoneses, inteligentes e dedicados que so, domi-naram a tecnologia dos computadores.

    Se estas so, em um certo contexto de uso, par-frases de (9), observa-se que os adjetivos "inteligentes e dedicados" no restringem a extenso de "japone-ses": o predicado "dominaram a tecnologia dos com-putadores" aplica-se aos japoneses em geral.

    *** O uso de parfrases pode ser, portanto, um ins-

    trumento til para mostrar diferenas semnticas de que a descrio gramatical deve dar conta. Em todos os exemplos de que nos servimos, um contraste na significao correspondeu a uma diferente anlise e a uma diferente classificao das expresses.

    4. , O uso de outras relaes semnticas na J

    argumentao gramatical

    Examinemos, agora, outras estratgias de argu-mentao que se servem de relaes semnticas. A an-lise tradicional formulou adequadamente, em seus ter-mos, uma distino importante: a diferena sinttica entre adjuntos adnominais do objeto direto e predi-

    - . -- --------- ----- ---- - - -

    O USO DE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 115

    cativos do objeto direto, exemplificado em (1). Entre-tanto, esta anlise fica limitada a oraes construdas com determinados verbos: os verbos judicativos (achar, considerai-, julgar ... ) . como se a construo com o predicativo do objeto dir~to fosse conseqncia somen-te das propriedades lexicais desses verbos.

    Vamos trazer *ovos dados para avaliar essa hi-ptese descritiva. Considerem a orao abaixo:

    (12) Agora, o meuneto est bebendo o leite quente,

    e sobre ela faamos duas questes para responder em seguida:

    ln questo: Ser que (12) tambm ambgua? 2n questo: E, se for ambgua, essa orao apre-

    senta, para cada interpretao, diferentes proprieda-des sintticas?

    *** Para usar um recurso conhecido, construamos

    um cenrio como contexto de uso dessa orao:

    CENA V: O Andrezinho recusa sempre a mamadeira fria. Por isso, ele se recusava a mamar. Ento, a empregada esquentou o leite no fomo de microondas. O av que observa o nen fala (12): Agora, o meu neto est bebendo o leite quente.

    A partir da interpre~o de (12) nesse cenrio, podemos dar um passo, um pouco mais exigente, ape-lando mais fortemente intuio: examinar algumas pressuposies de fato que suportam a interpretao da orao. Por exemplo, quem enuncia (12) d de-barato uma poro de coisas, que ficam pressupostas:

  • 116 MAS O OUE MESMO "GRAMTICA"?

    (13) a- que ele tem pelo menos um neto, b - que esse neto existe, c - que existe tambm leite disponvel.

    E se o que esse algum disse uma verdade, isto , que o neto dele est, de fato, bebendo um leite quente, ento pode-se concluir que tambm ser verdadeiro:

    (14) a- que o seu neto agia de um certo modo, no momento em que o av enuncia (12),

    b - que o leite estava sendo bebido, c - que o leite estava quente.

    Isto , dizer: ((Agora, meu neto est bebendo o leite quente" recorta determinados aspectos de uma situao no mundo real que envolve outros aspectos ou outraS situaes. Ou ento, (12) tem como pressu-postos (13) e como conseqncias (14). (Esses termos, "pressupostos" e ((conseqncias" so termos tcni-cos que mereceriam maiores explicaes. Mas pensa-mos que os exemplos j bastam a nossos propsitos.) Em que isso poderia ajudar-nos?

    Vamos construir um segundo cenrio para a mes-ma orao (12):

    CENA VI A empregada est preparando a mamadeira do nen. O av experimenta leite e percebe que ele est frio. Ento, o av adverte a empregada, dizendo (12): "Agora, meu neto est bebendo o leite quente".

    O que o av est dizendo nesta cena (para usar uma parfrase) qualquer coisa como:

    (15) . Agora (desde uns tempos para c), o meu neto est be-bendo o leite s se (ou quando) o leite est quente.

    i

    O USO OE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL I 17

    Ento, examine de novo os pressupostos e as con-seqncias que se podem tirar de dizer (12) nessa nova situao. So as mesmas de (13) e (14)? Em parte sim em parte no. Por exemplo, continuam valendo, par~ a interpretao de (14), neste novo cenrio:

    (16) a- que ele, o av que fala, tem pelo menos um neto, b -que esse neto existe,

    mas no que deva existir tambm leite disporvel. Ob-serve que so outras oraes includas no cenrio que pressupem a disponibilidade do leite na situao ("O av experimenta o leite e percebe que ele est frio") e no (12). De fato, o av poderia estar contando na rua a uma vizinha que agora o beb est bebendo o leite quente, sem que isso pressuponha a presena de leite por ali.

    Alm disso, nesta interpretao, (12) j no tem como conseqncia nenhum dos enunciados referidos em (14). Na verdade, no podemos tirar de (12) a conseqncia de que o neto do enunciador estava, no momento da enunciao, agindo de um determinado modo, nem que estava bebendo o leite e, menos ainda, que o leite estava quente.

    A idia que est por trs desta comparao entre as pressuposies e conseqncias de dizer (12), ou com a interpretao da cena V, ou com a interpreta-o da cena VI a seguinte:

    - se duas expresses (ou duas ocorrncias da mes-ma expresso do ponto de vista de sua manifes-tao sonora) pressupem as mesmas condies de fato e tm exatamente as mesmas conse-qncias, ento possuem a mesma significao;

    - caso contrrio, possuem diferentes significaes.

  • 118 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    No nosso exemplo, parece sobretudo notvel que a primeira das interpretaes tem como conseqncia que

    (17) O leite est quente.

    Ao contrrio, na interpretao da Cena VI, j no se pode concluir que o leite esteja quente. Seria at mais apropriado (embora no necessrio) concluir que:

    (18) O leite no est quente,

    o que justifica a advertncia do av empregada. Isto , embora estejamos analisando uma mesma

    orao, no que se refere ao encadeamento superficial dos constituintes, a afirmao de que o leite est quente parte de seu sentido na primeira interpretao, mas no parte do seu sentido na segunda interpretao.

    O estudo de uma outra relao semntica, que se pode estabelecer entre oraes j consideradas, parece muito til para a argumentao. Ela a relao de contradio.

    Observem, primeiro, que se um enunciado B conseqncia de outro enunciado A, ento no pode-mos afirmar A e a negao de B sem cair em contradi-o. Vejam, em seguida, que na interpretao exiliida na cena V, da afirmao de A:

    A (12) Agora, meu neto est bebendo o leite quente,

    se tira a conseqncia B:

    B (17) O leite est quente.

    E por isso, no possvel dizer sem contradio:

    (19) O meu neto est bebendo o leite quente (o leite que est quente) e o leite no est quente. '(-

    /

    I I I

    I I I I I i ~)

    ./!---- I /. I _,

    / I I t I

    O USO DE RELAOES SEMNTICAS NA ANLI SE GRAMATICAL 11 9

    J na interpretao da cena VI, (18) pode ser usa-da com muita convenincia:

    (20) Olha, Maria Agora o meu neto est bebendo o leite quente e o leite no est quente. Por que voc no esquenta ele?

    Isto comprova, mais uma vez, que tiramos dife-rentes co~eqnciaS de (12), conforme a interprete-mos em dois contextos distintos de uso. (12) , pois, ambgua, tanto quanto (1) . Como as relaes entre as oraes de que nos servimos c de parfrase, de conse-qncia, de contradio) esto diretamente vincula-das a sua significao, podemos concluir que, de fato , (12) possui duas diferentes significaes. .

    Isso responde somente primeira das questes que levantamos logo ao propor esse exemplo. Resta, porm, responder segunda questo: se a dupla inter-pretao correspond~ a diferentes propriedades estru-turais e sintticas.

    * ** Para responder segunda questo, devemos lem-

    brar, antes de qualquer coisa, que a ambigidade gera-dora das interpretaes de (12) est ligada, como em (1) , a diferentes relaes entre o adjetivo e o nome objeto direto. Nesta, entre fcil e o caminho; naquela, entre quente e o leite.

    No caso de (l), correspondendo, respectivamen-te, a uma anlise do adjetivo com~ "predicativo" e como

    l"adjunto adnominal~, podemos obser:var qu[ a rela-o entre o adjetivo e o nome pode se expressar em dois diferentes tipos de orao (uma "adjetiva relati-va'' e outra "substantiva" ou "completiva").

  • 120 MAS O OUE ~ MESMO "GRAMTICA"?

    No caso da orao (12), na primeira interpreta-o (cena V), devemos expressar a relao entre quen-te e o leite por uma orao adjetiva relativa:

    (21) Agora, meu neto est bebendo o leite que est quente

    e, na segunda interpretao (cena VI), s podemos faz-la por uma orao adverbial:

    (22) Agora, meu neto est bebendo o leite, quando/se ele est quente.

    Alm disso, podemos observar que as proprieda-des sintticas, relativas ordem dos constituintes e ao movimento do objeto direto, so conseqncias da distino entre "adjunto" e "predicativo".

    Assim, uma orao como:

    (23) Agora, meu neto est bebendo@ ~!ei~e,

    em que "quente" se coloca antes do artigo que inicia o sintagma nominal, no se pode interpretar seno como "agora, meu neto est bebendo o leite, quando/ se est quente".

    Podemos observar um comportamento semelhan-te de (1) e de (12), em relao construo passiva, topicalizao e ao deslocamento de constituinte inter-rogado. Vocs mesmos podem verificar que, a cada in-terpretao, corresponde um modo distinto de cons-truo, nos pares abaixo:

    (24) Passiva: Interpretao I: Agora, ,o leite quente est sendo bebido pelo

    \ _, meu neto. Interpretao II: Agora, o leite est sendo bebido quente pelo

    ~ ~-- 1 meu neto.

    ~ t .t ~~-'i

    ''I i

    O USO OE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 12 1

    (23) Topicalizao: Interpretao I:. O leite quente, meu neto est bebendo agora.

    1----- ' Interpretao ll:p leite, meu neto est bebendo_ quente, agora.

    i - l r- t

    (24) Interrogao: Interpretao I: Que leite quente meu neto est bebendo agora? Interpretao II: Que leite meu neto est bebendo quente agora?

    Finalmente, vemos que um pronome substitui todo o sintagma "o leite quente" na interpretao I:

    (25) A empregada preparou a mamadeira com o leite quente. Meu net~t bebendo agora,

    enquanto, na interpretao II, o pronome substitui somente "o leite":

    (26) O leite est frio. E meu neto, agor~st bebendo _quente.

    Esse paralelismo no comportamento sinttico das duas oraes, (1) e (12), nos permite avaliar hipte-ses que tentam explicar sua ambigidade. Se pensar-mos que a funo sinttica e gramatical de "predicativo do objeto direto" se define na dependnciaa -proprie-aade lexicar de alguns verbos judicativos, como "achar", "considerar", "julgar" e outros, temos que o verbo ''beber" no se enquadra nessa classe de verbos. O que percebemos, portanto, operando sobre um con-junto de dados, que uma distino sinttica como a que a gramtica tradicional faz entre "adjuntos adno-minais" e "predicativos do objeto Jtireto" deve esten-der-se a outros verbos transitivo~sto , essa anlise no depende somente das propriedades lexicais de al-guns verbos, mas tambm de determinadas condies estruturais: de diferentes modos de relacionar o adje-tivo e o substantivo e de compor com eles um nico

  • 122 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA" ?

    constituinte ou relacion-los como dois constituintes autnomos na sintaxe.

    *** Vale a pena colocar pelo menos um outro exem-

    plo de como se pode utilizar a relao de conseqncia e de contradio entre oraes para fazer surgirem diferentes anlises e interpretaes que nos interes-sam na elaborao de uma teoria gramatical.

    Recorde-se, antes, o que dissemos. no item 3 a respeito da distino entre adjetivos explicativos e res-tritivos. Ento, observemos a orao:

    )\ (27) O meu filho bem preparado pela universidade teve suces-

    so profissional.

    Se interpretamos essa orao em uma leitura em que bem preparado pela universidade um adjunto restritivo, podemos tirar as seguintes conseqncias:

    ----(28) a- Ele [o pai que enuncia (27)] tem mais de um filho, b - O(s) outro(s) filho(s) no foi( foram) bem preparado(s)

    pela universidade. Ou seja, bem preparado pela universidade, como

    adjunto restritivo, contrape o conjunto dos filhos bem preparados pela universidade (no caso um conjunto unitrio) aos que no so bem preparados.

    Se, de outro modo, interpretamos (27) com uma leitura "explicativa", nenhuma dessas conseqncias se justifica. perfeitamente compatvel com (27) que ele (o pai que a enuncia) esteja falando de seu nico filho.

    Com uma interpretao restritiva de "bem pre-parado pela universidade", no se poderia dizer, sem contradio:

    O USO DE RELA0ES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 123

    ---~ (29) O meu filho bem preparado pela universidade teve suces-so profissional, porque meu nico filho.

    De fato, (29) s admite uma leitura explicativa do adjunto em questo.

    Concluses

    No foi bem para discutir as funes de adjunto e predtivo(u a distino entre adjetivo restritivo e ~~~~vo)gueii~!n

  • 124 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    Usamos noes da gramtica tradicional e, em cada passo, tiramos concluses que pa-recem bvias para quem fala o portugus. Mas justal:nente sobre essas obviedades, que no exigem muito mais do que nossa intuio de falantes do portugus, que po-demos tomar decises a respeito da estru-tura sinttica e semntica das expresses que estivermos analisando e estabelecer, con-seqentemente, distines sintticas. impor-tantes que as diferenas semnticas indiciam.

    ll - Esse um estilo diferente de construir e avaliar as hipteses descritivas que deseja-mos estimular no estudo e na elaborao da gramtica do portugus. No precisamos nos preocupar tanto com definies e clas-sificaes, mas sim em examinar as defini-es e classificaes que propomos luz dos fatos do portugus. A lingstica uma ci-ncia emprica: as categorias, relaes, fun-es ou os conceitos, noes e operaes de que nos servimos ~ ~laborao de uma te-oria grainatical somente fazem sentido se constiturem um sistema de referncia com que possamos des~ever e ~~licar os fatos da lngua que estiVermos considerando.

    m- Os procedimentos utilizados devem ser ana-lticos e crticos. Trata-se de estar sempre em condies de confirmar ou rejeitar (den-tro dos limit~ epistemolgicos possveis de "confirmao") as hipteses descritivas que

    ~ l .!

    i ! i } I j ! , I i ! i

    o USO OE RELAES SEMNTICAS NA ANLISE GRAMATICAL 125

    so formuladas em determinados domni-os da gramtica. Para isso, antes de domi-nar uma teoria, precisamos aprender a "ar-gumentar" com fatos lingsticos.

    IV -No precisamos, logo de incio, abandonar tudo o que aprendemos a respeito da gra-mtica. No trabalho de avaliao da chama-da "gramtica tradicional" algumas coisas parecero resultantes de uma excelente in-tuio sobre o sistema da lngua e a estrutu-

    --rasiD:ttica de muitas expresses. Outras, tero de ser corrigidas, estendidas, ou me-lhor delimitadas.

    FONTE DO TEXTO "O uso de relaes semnticas na anlise gramatical". Linha d'A!JUtl, 14: 55-72, 1999.

  • UM EXEMPLO DE ANLISE E DE

    ARGUMENTAO EM SINTAXE

    Introduo

    CARLOS FRANCHI, ESMERALDA VAILATI NEGRO & ANA LCIA MLLER

    De um modo geral, no cotidiano escolar, o olhar para a lngua, de modo a refletir sobre sua estrutura-o, transformou-se em uma tarefa meramente classifi-catria. Dadas umas tantas categorias (como nome, verbo, artigo, orao, orao subordinada adjetiva ... ) e umas tantas funes (sujeito, objeto direto, predicativo, orao principal), definidas de um modo ou de outro, as questes propostas aos alunos procuram quase sem-pre lev-los a etiquetar, com essas noes, algumas expresses e fragmentos de texto. No pretendemos dizer que todo esse sistema nocional da anlise tradi-cional deva ser apagado. Ao contrrio, ele reflete in-tuies interessantes e subsistentes em quase todos os modelos lingsticos contemporneos, sobre a estru-tura da lngua. Mas o esvaziamento do trabalho de anlise, como um exerccio de mero reconhecimento, acabou por desenvolver no professor e no aluno a cren-a em categorias e funes sintticas j estabelecidas,

    l l

    I i

    UM EXEMPLO DE ANLISE E . DE ARGUMENTAO EM SINTAXE I Z7

    em relao s quais as anlises individuais estaro certas ou erradas, na. medida em que delas se aproxi-mam ou se distanciam.

    Assim, perdeu-se o sentido de que, cada vez que atribumos uma unidade lingilistica a uma categoria ou a associamos a uma determinada funo sinttica, estamos construindo uma hiptese a respeito da estrutura relacional da expresso inteira. Essa hipte-se deve basear -se em fatos da lngua considerada, dire-tamente observveis na expresso analisada ou em ou-tras expresses correlacionadas. E so esses fatos (e no a digresso sobre "definies") que devem funcio-nar como argumentos de suporte hiptese levantada.

    Este texto pretende recuperar o processo de anlise dos fatos lingilisticos e, de certo modo, recuperar as in-tuies subjacentes anlise tradicional Vamos limitar-nos a uma orao bem simples do portugus e a uma anlise bem-conhecida, como exemplo desse processo.

    1. Estudo de um caso

    Considere, de inicio, a orao:

    (I) Os alunos acharam o caminho fcil.

    Podemos dizer que essa orao ambgua: duas interpretaes diferentes podeni ser a ela atribudas. Perceberam? Se no, experimentem coloc-la em duas cenas distintas:

    CENA I Interpretao I : No fim de um curso, os alunos orgaxrizarain um churrasco no stio do professor Tom Distribuiu-seummapaconten-

  • 128 MAS O QUE t MESMO "GRAMTICA"?

    ---do instrues de como chegar ao local, por um ziguezague de estradinhas secundrias. .A&mt mesmo, apesar de o caminho ser dificil, seguindo o mapa, os alunos acharam o eaminho fcil

    CENA II Interpretao ll: No parque municipal, h dois diferentes trajetos para os que praticam caminhadas e corridas. Um de-les, com trs quilmetros, muito fcil de percorrer: plano, sem curvas e sombreado: o outro, ao contrrio, com seis aci-dentados quilmetros, difcil e destinado aos que tm mais flego e boas pernas. O primeiro marcado com faixas amare-las em troncos e pedras; o segundo, com marcas vermelhas. Logo que chegaram, procurando pela cor das faixas, os alu-nos acharam o eaminbo fcil que deviam percorrer: aquele que era marcado pelas faixas amarelas.

    Na cena I, "fcil" entendido como a opinio ou avaliao do caminho pelos alunos e (1) corresponde a qualquer coisa como:

    (2) a Os alunos consideraram o caminho fcil. b-A opinio dos alunos sobre o caminho foi que ele era fcil.

    Na cena ll, "fcil" espe~ca o caminho que foi encontrado pelos alunos, em oposio ao caminho di-fcil e ( 1) pode se~ parafraseada por:

    (3) Os alunos encontraram o caminho fcil.

    O leitor atento logo_ perceber que, mesmo inseridas nesses cenrios, resta ainda uma outra am-bigidade. De fato, a gente poderia estar querendo di-zer que foi fcil, para os alunos, encontrar o caminho:

    Interpretao m: (4) a- Os alunos acharam facilmente o caminho.

    b- Os alunos encontraram facilmente o caminho.

    UM EXEMPLO DE ANLISE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 129

    A questo que se coloca : por que uma orao que parece exatamente a mesma possibilita essas trs interpretaes? Duas respostas bem simples j devem estar na ponta da lngua:

    A- a gente usou a orao ( 1) em "contextos" diferentes (os dois "cenrios" acima) e o contexto que leva a interpretar essa orao de um modo ou de outro.

    B- Na verdade, temos dois verbos "achar" que so homfonos ou homnimos: o primeiro "achar" sinnimo de "considerar"; o segun-do sinnimo de "encontrar"; do mesmo mo-do, h dois itens lexicais diferentes na palavra "fcil": f~- adjetivo, e f~- advrbio.

    Em outros termos, a tripla ambigidade de ( 1) no teria nada a ver com os aspectos sintticos, estru-turais, da orao, mas se resolveria exclusivamente em termos discursivas ou pragmticos ou com recur-so a uma diferena lexical, dicionarizvel.

    Essas duas respostas tm algo de verdadeiro, mas so respostas parciais. A resposta A parcial porque cada contexto nico e diferente dos muitos contex-tos possveis para o emprego de uma expresso. E cada ocorrncia de uma expresso, no seu contexto, tam-bm um acontecimento singular. A especificidade de cada contexto lingstico e extralingstico de uma ex-presso em uso e os efeitos de cada ocorrncia d~~sa expresso so extremamente relevantes para a anlise do discurso, que envolve as condies de uso e de pro-duo. Mas, uma teoria gramatical visa a descrever os aspectos generalizveis, e no individuais, da constru-o das expresses: a estabelecer princpios e regras que

  • 130 MAS O QUE MESMO "'GRAMTICA"? f

    valham para todas as ocorrncias de uma orao (para uma orao-tipo) e n~ para sua interpretao em um evento discursivo partJ;cular. Ora, como 'que uma!teo-ria gramatical separari~, para a formulao desses Prin-cpios gerais, no estud,o de (1), as infinitas situaes possveis, de um lado I "os contextos da interpretao I", de outro lado, "os Contextos da interpretao II" e, finalmente "os da inte!Pretao ill"?

    Assim, embora o lreeurso a contextos particulares d d -l ,. d e uso e uma oraa9 e a cenanos constru os para contextualiz-la artificialmente nos ajude a perceber a ambigidade de uma o~ao em situaes especficas e singulares, no temos .~como nos referir aos inumer-veis contextos possvei~ (ou a classes de contextos) para

    l . estabelecer generalizaes descritivas e Princpios gra-maticais sobre a estrut1tra e a forma das oraes.

    No caso da resposta B, tudo parece.reduzido a uma questo de diferehas no lxico. Mas verifidt-se

    j .

    facilmente que o mesmo tipo de ambigidade aparece em oraes com verb~s de que. no poderamos falar com propriedade em 'jdois diferentes itens lexicais'~ O que dizer, por exemplo, da orao:

    (5) O juiz julgou o seujamigo inocente?

    Uma ~rimeira in~5rpretao bvia. Suponha que (5) tenha stdo enunet~da em uma situao como:

    CENAm Interpretao 1: No ,iuizado da colnarca, depois de ouvir meu amigo e todas as teste#lunhas arroladas, bem como as derhais provas constantes doslautos do processo, o juiz proferiu :sua sentena. Afinal, meu amigo foi absolvido ou no? Delum

    I -

    UM EXEMPLO DE ANLISE E 1 DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 131

    reprter, que saa da sala, ouvi, satisfeito que o juiz julgou seu amigo inocente.

    Nesse caso, sua: significao muito semelhante que est em (2), para o verbo "achar":

    (6) a- O juiz considerou que o ru era inocente. b -A opinio do juiz, sobfe o ru, foi que ele era inocente.

    Mas a orao (5) poderiatambm significar ou-tra coisa e isso pode ser visto em um cenrio mais complicado:

    CEI;VAW Interpretao n: Como jornalista, eu acompanhava um caso de homicdio: eu mesmo encontrei tantas provas favorveis ao suspeito, um homem simples, que me convenci de sua inocn-cia e at me tornei seu amigo. No dia do julgamento infelizmen-te, por problemas no trnsito de So Paulo, cheguei atrasado ao Frum, onde um outro indivduo estav diante do juiz. O meirinho, que me conhecia e conhecia a amizade por aquele ru, j me foi adiaitando: "Chegou tarde. O juiz G) julgou seu ainigo inocente. E o pior que o julgou culpado!"

    Nesse cenrio, j no podemos dizer que (5) ma-nifesta a opinio do juiz (para quem o ru era culpa-do). "Inocente", em "seu alnigo inocente", somente especifica ou. caracteriza o .ru,- em. relao a outros, como no caso de "f~cil" em (3).

    No ~o de (!),:podamos atribuir a ambigidade geradora das diferentes interpretaes aos dois signi-ficados da palavra "achar" (encontrar; considerar). J no caso de (5), no temos essa sada: no h razes para dizer que "julgar", nos dois cenrios propostos, corresponde a dois diferentes itens lexicais.

  • ~ .. -"--- --------------------~---~.----------------

    132 MAS O QUE ~-MESMO "GRAMTICA"?

    E la - .,... tar ".C.'ciJ" ~-- m re ao a ua 1a como correspondendo a dois itens lexicais (fcil: adjetivo e fcil: advrbio), como poderamos decidir entre essa hiptese (para cada emprego um diferente item lexical) e a de que se trata do mesmo item com dois diferentes usos gramaticais, neutralizando-se a distino entre adjetivo e advrbio, como muitos sugerem?

    Em qualquer caso, o gramtico tem sempre que exa-minar se, como conseqncia da diferena lexical ou in-dependentemente de a de no est associa-da a tintas ~~tur~-~tticas ou seja, aos modos de cronar os elementos entre st e de construir com eles as unjdades complexas que compem a orao.

    Assim, est na hora de examjnar essa alternativa para explicar a ambigidade da orao (1) de um modo mais geral A hiptese que vamos fazer a de que, por detrs dessa orao superficialmente nica - "os alunos acharam o camjnho fcil"-, existem trs modos de cons-truo, cada qual derivado de distintas relaes entre os ~.constituintes. Em outros termos, devemos investigar Sjt]ssa orao reflete diferentes estruturas sint-~ um modo"mais especfico, podemos supor que a relao estabelecid, no predicado, entre os elementos "achar", "o camjnho" e ''fcil" uma quando leva inter-pretao I, outra, quando leva intexpxetao. n e outra ainda quando leva interpretao m. "

    2. A anlise tradicional desse caso

    Como vocs sabem, a gramtica tradicional faz a descrio da estrutura sinttica das oraes por meio de um conjunto de categorias morfolgicas (nome, ver-

    ii :j I I

    1

    I

    UM EXEMPLO OE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 133

    bo, adjetivo etc.), que recebem, nas oraes, diferentes funes sintticas (sujeito, objeto direto, predicativo, adjunto adnominal, adjunto adverbial etc.) que se as-sociam a cada termo ou sintagma da orao.

    Ora, a orao (1)- "os alunos acharam o cami-nho fcil"- seria associada a trs anlises diferentes, conforme a interpretao que fazemos delas. Na inter-pretao II, a gramtica tradicional analisa o adjetivo "fcil" na funo sinttica de adjunto adnominal de "caminho", formando com ele o objeto direto nomi-nal: "0 caminho fcil"; na interpretao I, o adjetivo "fcil,, seria analisado na funo sinttica de predicativo do objeto direto, sem formar com este um nico constituinte. Na interpretao fi, "fcil" per-tenceria classe dos advrbios e se analisaria como adjunto adverbial de modo, modificando "achar".

    Vamos recordar o que a gramtica tradicional quer significar com essas categorias e funes.

    2.1. Comecemos pelas distines entre adjeti-vo e advrbio e, correspondentemente, entre adjun-to adnominal e adjunto adverbial. De um modo ge-ral, a gramtica tradicional utiliza critrios morfolgi-cos e relacionais ou funcionais para distinguir adje-tivo de advrbio.

    O adjetivo uma palavra varivel em gnero e nmero (critrio morfolgico), que se relaciona a no-mes substantivos ou modifica os nomes substantivos com que concorda (critrio relacional). Um dos pa-pis do adjetivo formar um substantivo complexo, na funo de adjunto adnom.inal. Um adjunto adno-minal uma palavra, locuo ou mesmo orao (as

  • 134 MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    i

    oraes adjetivas) qu~ "especifica ou delimita o signi-ficado de um nome substantivo, qualquer que seja a funo deste", formando com ele um outro nome, ou um sintagma nominal complexo. .

    Para exemplific~, tomemos uma orao forma-da por dois constitumtes simples (separados por col-chetes para tomar ~ coisas mais claras): um nome, como sujeito e um ve~bo, como predicado:

    (7) [Mesa] [quebra]. i

    A gente pode "~" o nome-sujeito "mesa, acrescentando-lhe diferentes especificaes e formando nomes cada vez mais omplexos, na posio de sujeito:

    (8) a- [Mesa] [quebra] b- [A mesa] [queJ,raJ c- [A [mesa vemelha]) [quebra]

    I d- [A (mesa vermrlha [da sala de reunies)]] (quebra]

    i

    e assim por diante. Nessa anlise, o ~djunto adnoniinal no possui

    uma funo independ~nte, fora do sintagma nominal. Desse modo, dizer qu~ "fcil" em (1), na interpreta-o II, um adjunto a~ominal significa dizer que ,"f-cil" modifica "cam~o" e forma com ele um nico constituinte - o nom~-objeto-direto:

    ;

    (9) a- [Os alunos] [ac~ [o qu)]? b - [Os alunos] [ac~ [o [caminho fcil]]] c - [Os alunos] [acparam [o [caminho( que era fcil]]]] d - [Foi [o cami4'o feil) [[que os alunos acharam)

    No caso .da interpretao ill, porm, a anlise tradicional diz que "fbil" um advrbio na funa'-o

    I ' pois, de adjunto adver~ial. um advrbio, porque

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 135

    uma palavra invarivel (critrio morfo~gico) que modifica um verbo com que se relaciona (critrio relacional). Nesse sentido, "fcil" ~o depende mais de "caminho" nem forma com ei um constituinte nominal; depende do verbo "achar" ou do sintagma verbal "achar o ca.,;,inho" e com este se compe. Em vez das parfrases de (9), teramos ~ de:

    (lO) a- [Os aluns) [[acharam [o caminbollcomo)? b- [Os aluns] [[acharam o caminho) fcillfam1mente] c- [Os alunos] [[acharam fciVfacilmente [o caminho]) d- [Foi fcil): [[os alunos I acharem o caminho) e- [Foi fci1/facilmente] [que os alrinos acbanim o caminho]

    O contraste entre essas duas interpretaes (II e m acima) fica mais visvel se usarmos o critrio morfolgico das definies tradicionais de adjetivo e advrbio. Isto , selem vez de "o caminho" usarmos a forina plural "os caminhos", veremos que na inter-pretao n, o adjetivo-adjunto adnominal "fcil" va-ria e concorda com o substantivo modificado:

    (11) Os alunos acharam [os caminhos fceis] ' :

    ao contrrio, na interpretao. m, em que "fcil'' se analisa como advrbio-adjunto adverbial, este fica invarivel, po~ n~ depende do substantivo e no con-corda oom ele:

    (12) a- Os alunos [[acharam fcil] os caminhos], b-Osalunos [[acharam os Caminhos) fcll(mente)]

    2.2. Vejamos agora a noo tradicional de predicativo do objeto direto, com que se._~alisa ( 1) na interpretao I ("os alunos acharam/ conside-

    . h .C.'cil") raram o cam1n o J.&

  • . ~ l T ........ -- ------------------

    136 MAS O QUE t MESMO "GRAMTICA"?

    .. gramtica tradicional distingue um pequeno conjunto de verbos, entre eles os chamados "verbos judicativos" (como "julgar", "achar", "considerar" etc.) que formariam um edicado verbo-nominal ou seja, um predicado misto que possw OIS nuc eos significa-tivos: um verbo e um predicativo, este expressando uma avaliao ou opinio do sujeito do verbo a respei-to do objeto direto.

    Atrs dessas palavras esto algumas idias sim-ples sobre a estrutura da orao com predicativo do objeto direto. Ela diz que, em oraes com esses ver-bos, como (1) e (5):

    Os alunos acharam o caminho fcil. O juiz julgou o seu amigo inocente,

    "fcil" e "inocente", na interpretao I, no formaJA_ um sintagma nominal complexo com, respectivamen-

    . ,_ " ' "f'cil" cc te, "o cam1nho" e "o seu ann&o ; ISto e, a e tno-ente" expressam, no predicado, a opinio do sujeito da orao ("os alunos" e "o juiz") sobre o objeto dire-to, como se dissessem:

    (13) Na opinio dos alunos/do juiz (no forosamente na opi-nio de ~emfa1a), o caminho fciJJ~seu amigo inocente;

    ou ento:

    O 4) a- Os alunos acharam [que o caminho era fcil] b- O juiz julgo [que o seu amigo era inocente]

    Nessa interpretao I, "fcil" certamente um adjetivo (e no um advrbio), tanto que a concordn-cia obrigatria, ao contrrio de (12):

    (15) a- Os alunos acharam os caminhos fceis. b- Os alunos acharam fceis os caminhos.

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE

    (16) a- O juiz julgou os seus amigos inocentes . b- O juiz julgou inocentes os seus amigos.

    137

    Do ponto de vista categori~.J!..Ortanto, _no h~ di-ferena na anliSeae "fcil" como adjetivo nas inter-

    - pretaes I e ll:ti"to os adjetiv~~:adjuntos adnominais, quanto os adJetivos-predicativos, se relacionam de al-gum modo aos nomes Sbstantivos-objetos diretos. M~ a gramatica traalcinB.lreconhece que essa relao diferente nos dois casos, tanto que determinam c!!!~:. ... rentes funes gramaticais para o adjetivo.:ili!!~JQ_e_ para o adjetivo-pred~!ivo.

    Um modo intuitivo de descrev~~~.~ djf~~n_a ~-* o de dizer qu~, l!Q ~~~~yo-p~~~i~a,~y

  • 138 :MAS O QUE ~ MESMO "GRAMTICA"? I .

    (18) [Os alunos][acharam [[o CJJminbo] :{fcil]]].

    2.3 Comparemos a8 trs anlises estruturais pro-postas: !

    I

    A- na interpretao I, "fcil" um predicativo do objeto "o 9minho", ambos como consti-tuintes autn:bmos, formando uma orao red~.~~~; estai que o objeto direto do v~r-

    -oo "achar". ; B - Na interpretAo n, "fcil" um adjunto

    adnominal d~ "caminho", dependente des-se nome que O adjetivo modifica e forman-do com ele un1 novo nome substantivo que o objeto dire~o de "achar"'.

    C - na interpretao III, "fcil" um adjunto ad-verbial, depen~ente do vetbo {ou do sintagma verbal) que o ~dvrbio modifica, sem qualquer relao com oj substantivo "o cam]nho".

    De um modo esqu~mtico e usando os colchetes para indicar os constitupttes construdos por essas re-laes, teramos:

    (19) Os alunos a~haram o caminho fcil

    O~v~:-~~'. ~ ~,o ,.....__:_J.~ o ' ~ T.,._ ~1 ~-f Ct_C.. . y-..,-- o 1 -- -'1

    Interpretao I In~erpretao U Interpretao lU ~ . lachnraml (lo caminho) lfcilJI ... lacbarb[olcaminho fcil)]) . llacbaram o caminho) fcil)

    [. )(. J : r.. J (. Ji ] Desse modo, as tr~ interpretaes apontam para

    trs estruturas sinttic~ - determinadas pelas rela-es diferentes e pelas diferentes unidades complexas que elas compem, que ~a gramtica expressava em ter-mos funcionais: "fcil" ~eria ~s distintas ~~es ~in-

    ---- - :

    UM EXEMPLO DE ANUSE E ~DE ARGUMENTAO EM SINTAXE

    3. Buscando argumentos sintticos em favor dessa anlise

    139

    Diferenas estrl;lturais, . como essas, devem estar correlacionadas a outra$ propriedades sintticas. Por exemplo, j vimos qu~ a anlise de "fcil" como adje~ tivo {nas interpretaes I e ll) est correlacionada a

    @ fatos de concordncia, ao contrrio da ~e de "f-cil" como advrbio (na interpretao in). Vimos, ain-

    /,;\ da, que cada uma dessas interpretaes leva a conjun-~ tos distintos de parfrases ..

    Vamos tentar mostrar, daqui para a frente, que a anlise tradicional est intuitivamente correta, fazen- -.J do api:ererem essas outr~~otffiedades. Concentrar-: nos-emos somente sobre as interpreta=; l e II e so-bre as funes sintticas de predicativo e de adjunto

    .... --- ---- --.. - - -- ... ---..........,._..---..J

    adnomina1, .R9~ -~~. d breyidadc Um dos aspectos que distinguem essas funes

    o de que, em uma orao com(bjeto dirfe predictrVeS8e6ieT (na anlise tradCoti.lf,estes'

    dis constituintes so relativamente autnomos. Por isso, preferimos trat-los como formando uma esp-cie de orao reduzida, que expressa a opinio do su-

    .. Jeito-~i"respiid'elemento analisado comQ objeto pela tradio gramatical:

    -~

    (20) Os alunos acharam [[o caminho] fcil] I que o caminho era fcil).

  • .,! , .. __ !il:l __ _

    140 MAS O OUE it MESMO "GRAMATICA"?

    A orao reduzida "o caminho fcil", bem como a conjuncional "que o caminbo era fcil" expressam aquilo que os alunos pensam ou acham do caminho e aparecem como subordinadas completivas - comple-mento de "achar" - ou subordina sUbstantiva ob-jetiva direta desse verbo.

    Ao contrrio, o adjunto corresponde a uma clas-se adjetiva de expresses (palavras, locues, ora-es) que formam um nome complexo pela modifica-o de um outro nome. Assim, se expressarmos a re-lao entre o objeto direto e seu adjunto em uma ora-o plena, em vez de uma orao subordinada comple-tiva, vai aparecer uma subordinada adjuntiva ou su-bordinada acljetiva (relativa):

    (21) Os alunos acharam [o (caminho fcil]) (o [caminho [que era fcil]]].

    Facilmente vocs verificaro que (20) pode so-mente receber a interpretao I e (21), somente a in-terpretao ll:

    (22) Os alunos acharam o caminho fcil

    -----------~-----------( ... "'\ m~em~ol m~em~on

    Os alunos acharam [o caminho QJ Os alunos acharam (o lcamillho[ Gt Os alunos acharam [que o camiuho era fcil} Os ~. ~ lo camiDho (que era"'iSiJI Os alunos consideraram& caminho Os alnos encontraram o caminho fcil

    *** Com base nesse exemplo, observe que argumentar

    em favor da hiptese estrutural que atribui a (1) e a to-das as oraes semelhantes como (5), para cada interpre-tao uma diferente anlise sinttica, ou seja, dois mo--

    UM EXEMPLO DE ANAUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 141

    dos de organizao dos segmentos que compem a ora-o, significa fatos lingiisticos que, por sua especificida-de,(iWelem a natureza~ re~oes entre os_~~~~;

    A estratgia de argumentao simples: procu-ramos encontrar fatos lingsticos que permitam con-trapor as duas estruturas, na medida em que somente se correlacionam com uma delas e no com a outra. Com isso as propriedades sintticas distintivas das estruturas consideradas vo aparecendo.

    Uma tcnica, entre outras, consiste em operar sobre as oraes que supomos exemplificar a estrutu-ra considerada, alterando-a em alguns aspectos mni-mos. Comecemos por alteraes na ordem dos consti-tuintes das oraes (1) e (5). Por exemplo:

    (23) a- Os alunos acharam fcil o caminho,{~~ l b- O juiz julgou inocente o seu amigo. 't ~k

    Imediatamente percebemos que as duas oraes de (23) j no so ambguas. A elas corresponde so-mente a interpretao I, ou seja, aquela que supe uma anlise de "fcil" e "inocente" como predicativo, ex-pressando, respectivamente, a opinio dos alunos e do juiz sobre o caminho e seu amigo. Examinemos, agora, uma outra ordenao:

    (24) a- Os alunos acharam o fcil caminho, b - O juiz julgou o seu inocente amigo.

    Ocorre exata.mente o inverso. As oraes de (24) tambm no so mais ambguas, mas a elas correspon-de somente a interpretao II que decorre de uma an-lise dos adjetivos reordenados como adjuntos, inter-nos ao prprio sintagma nominal. Como explicar o

  • 142 iMAS O QUE MESMO "GRAMTICA''?

    L : I

    desaparecimento de um das interpretaes pela sim-ples alterao na ordelD! dos elementos?

    No portugus, os~ adjetivos que integram um sintagma nominal, CODJjO adjuntos, normalmente se-guem o substantivo-nq.eo desse sintagma, como em:

    (25) a- Os alunos procJmvam. [o [caminho fcil]), b- Os alunos.proctiravam. [aquele [caminho fcil)).

    I . . ! Escolhemos para esse exemplo o verbo "procu-

    rar" porque, com ele, ffcil" s pode ser analisado como adjunto adnomin~l, interno ao sintagma nomi-nal formado pela adjunro. Nesse caso, quando o ad-jetivo antecede o substfntivo ncleo, como em (26), ele fica dentro das fron~as desse sintagma nominal que, esquerda, mar~da pelos determinantes como o artigo "o" e o demo~tivo "aquele":

    (26) a- Os alunos procUravam (o [fcil caminho]], I

    b- Os alunos procyravam [aquele [fcil caminho]).

    Por isso, as ora~ em (27), no sentido relevan-te, no so oraes graniaticais do portugus (e as mar-camos com um "*" p~a indicar esse fato):

    (27) a- * Os alunos prqcmavam fcil [o (cminbo)), b- * Os alunos prcuravam fcil (aquele (caminho]].~

    I I

    - Essa posio do adjetivo, relativamente indep~n-dente e fora do sinta~ nominal, somente possvel quando tambm pos~vel interpretar esse adjetivo como um predicativo. ~to : a realizao de "fcil" e "inocente" esquerda 4o determinante, como em (23) e (27), obriga analise desses adjetivos como um cons-tituinte independente do sintagma nominal, caracte-, ' ristica dos predicativos~ Por isso, em (23), a mudana

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAAO EM SINTAXE 143

    na ordem eliminou~ possibilidade dainterpretao n [e tomou to estranhas as oraes de (27)].

    . Ao contrrio, se construmos o sintagma nomi-nal de modo a "prender" os adjetivos no interior de suas fronteiras (en~e o determinante e o substantivo ncleo), somos levados a analisar esses adjetivos como adjuntos, integrantes do sintagma nominal, eliminan-do a possibilidade da interpretao t

    ~odemos, ~~im, dizer que a interpretao I se assocta a uma arilise em que "fcil" e "o carninbo" ("inocente" e "o seu amigo") so dois constituintes independentes (o adjetivo, como pi-edicativo ). E que a interpretao n depende de uma anlise desses adjeti-vos como integrando um nico constituinte com os substantivos que modificam:

    (28) Osalunosacharamocaminhofcil

    -----~A r ---------~ Interpretao I Os alunos adJaram ([fcil J1 o c:amiDho)) Os ah.aws c:onsidcrwaw o c:amblho fcil

    Interpretao n OS alunos acbaram [o [fcil caminho)]

    Osalunoseuwutxwaw o camiJJho fcil

    Vejam que a gente pod~ria crir uma "fronteira" direita do sintagma nominal. Suponha, por exem-ploq" h" difi , ue o cam1n o estivesse mo . cado por um outro: adjunto, um sintapla prei>osicionado "do par-que municipal que fica na reserva florestal". Vocs mes-mos podero vetn:icar que no cas'o de:

    (29) Os alunos acharam. [o [[caminho fcil] [do~~-pai que fica na reserva florestal]]),.

    somente se pode analisar "fcil" como adjunto, W..tegran-do o sintagma nominal. "Acharam" significa somente "encontrar'~ A anlise e interpietao outra em:

    . '-~~~------....r..------------------E:Oolliiii:

  • ;,

    !

    144 MAS O QUE it MESMO ''GRAMTICA"?

    (30) .a- Os alunos acharam o caminho do parque municipal que fica na reserva florestal fcil. .

    . b- Os alunos acharam fcil o caminho do parque munici-pal que fica na reserva florestal.

    Nessas oraes, "fcil" se desloca para uma po-sio externa s fronteiras do sintagma nominal ( esquerda, o detenninante; direita, o longo adjunto preposicionado), forando a interpretao do adjetivo como independente do substantivo-ncleo, ou seja, como predicativo:

    (31) Os alunos acharam que o camjnbo do parque municipal . que fica na reserva florestal era fcil

    4. Explorando uma idia da argumentao precedente

    A alterao na ordem dos constituintes de (1) e (5) funcionou como uma estratgia para evidenciar dois diferentes modos de hierarquizao desses constituin-tes. A hiptese auxiliar de que nos servimos foi:

    - a de que nome + adjunto adnominal forma um nico constituinte nominal numa das interpreta-es da ora() (1); nesse caso, oadjetivo no pode ocupar posies fora do sintagma nominal;

    - a de que nome + predicativo forma uma ora-o.reduzida, com 4o!s:constituintes (nome e adjetivo) relativamente autnomos, autonomia que se mostra em uma maior liberdade de movimento do adjetivo, levando a outra in-terpretao da orao (1).

    ..

    4.1. Uma outra estratgia permitir reforar nos-sa argumentao. Sabemos que, muitas vezes, em cer-

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 145

    tas transformaes que podemos fazer de uma ora-o, mantendo basicamente a mesma significao, um constituinte inteiro movido de uma posio para outra. Isso permite testar com maior preciso quais so os limites de um constituinte, baseando-nos no fato de que, quando se desloca um constituinte de uma po-sio para outra, todos os elementos de que formado devem mover-se juntos.

    Comecem por observar essa generalizao em um exemplo mais simples, em que se passa um adjunto adverbial de tempo de sua posio no fim da orao para a posio inicial:

    (32) a- As coisas estavam confusas naquela reunio dos condminos.

    b - Naquela reunio dos condminos, as coisas es-tavam confusas.

    c- * Naquela reunio, as coisas estavam confusas dos condminos.

    d -* Reunio dos condminos, as coisas estavam con-fusas naquela.

    Como se observa pela agramaticalidade (*) de (32c, d), no se pode cindir o adjunto adverbial movi-do, deixando parte para trs sem completa alterao do sentido.

    Agora, examinemos o caso das construes na voz passiva em que o sintagma nominal, ocupando a posio de objeto direto, na voz ativa, passa a ocupar a posio de sujeito da orao. Que todo constituinte deve ser movido fica evidente se observarem a gramaticalidade de ( 33b) e a agramaticalidade das ora-es (33c, d) se lhe quisermos dar a mesma interpre-tao referencial de (33a):

  • 146 , MAS O QUE MESMO "GRAMTICA"?

    (33) a- Joo construiu r!uma casa de campo branca). b - Uma casa de ~po branca foi construda por jo~o. c- *Uma casa de~ foi constnda 1mmca por J~o. d- *Uma casa~ foi constnda de campo por Joo.

    Ento, se nossa an~e de (1) e (5) est correta, espera-se que elas possam ser correlacionadas a duas construes passivas, wi.ta delas correspondendo pri-meira interpretao e o*tra, segunda interpreta~o. Vamos justificar isto. 1

    -Se "fcil" (ou "ptocente") um constituinte autnomo, independent~ do objeto direto, quando se analisa como predicativo, somente o sintagma nomnial "o caminho" (ou "o seu !amigo") .ocupar a posio de sujeito na passiva correspondente. De fato, teremos:

    (34) a- O caminho foi acltado fcil pelos alunos. b- o seu amigo foifgado inocente pelo nnz.

    - Se "fcil" (ou "inocente") integra o objeto di-reto, como adjunto, todb o sintagma nominal, inclu-do o adjetivo, deve mover-se para a posio de sujeito. Basta testar, para ver qJe isso, de fato, ocorre.

    I . (35) a- O caminho fcil foi achado pelos alunos,

    1 b- O seu amigo in~nte foi julgado pelo juiz.

    Mas preciso obserVar que s construes de (34) possuem somente a int~rpretao I, em que "fcil": e -"inocente" correspondein avaliao que "os-alunos" ou "o juiz" fazem do objeto direto. E que as passivas de (35) somente recebe~ a interpretao fi.

    Desse modo, as coQStrues passivas reforam a hiptese de que a ambigidade geradora das duas in-

    1

    terpretaes das oraes~;(!) e (5} de natureza estru-tural: "caminho"/"o seu, amigo" e "fcil"/''inocente"

    I

    I I I

    I I ! j,

    (

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 14 7

    se relacionam de dois diferentes modos e constituem dois diferentes tipos de conStituintes, embora realiza-dos na mesma seqncia so~ora.

    Com as passivS, conseguimos um novo par dis-tintivo de construes q~e corroboram nossa anlise:

    (36) Os alunos acharam o Caminho fcil ---------~~: ________ _

    r ' Inteii:etao I. lne!Pretao ll .

    O caminho foi achado fcil pelos alunos O caminho fcil foi achado pelos alunos Os alunos consideraram fcil o caminho Os alunos encontraram o caminho fcil

    4.2. Alm da passiva, outros deslocamentos de constituintes podem ser examinados. Consideraremos dois deles.

    O primeiro, conpecido como "toJri.calizao", con-siste em mover todo um constituinte para o incio da sentena para destac-19 entre os demais como "aqui-lo de que se fala" (como "tpico"). Vamos estudar me-lhor essas construes mais adiante,. bastando agora alguns exemplos:

    (37) a- Eu no vou ler n1;1nca esse Hvro de crtiea. b -Esse Hvro de c#ti~ eu Di~ vou ler nunca.

    (38) a- A gente nunca imaginaria encontrar, aqui, uma coi-sa to estapafrdia e de mau gosto.

    b -Uma coisa to estapafrdia e de mau gosto, a gente nun~ imaginaria encontrar aqui.

    Tambm podem desloear-:se para a posio ini-cial os eleinentos que esto sob o foco-de uma interro-gao, isto , quando se questiona no sobre se uma orao verdadeir ou falsa, mas se questiona- um dos constituintes ou parte da orao. Por exemplo:

  • 148 MAS O OUE t MESMO "GRAMTICA"?

    (39) a- Voc devolveu para a biblioteca que livros de Jin-- gstica, adquiridos Do ano passado? b- Que livros de Jingisdea, adquiridos Do ano

    passado, voc devolveu para a biblioteca?

    Outra vez, como no caso da passiva, os processos de topicalizao e de deslocamento dos constituintes interrogados para o incio da o-ao somente sero gra-maticais quando o constituinte todo for movido. Vocs podem obServar como ficam ruins as oraes em que o processo incide somente sobre parte do constituinte:

    (40) a- * Esse Hvro, eu no vou ler nunca de crtica, b- * Um coisa to estapafrdia, a gente nunca

    imaginaria encontrar aqui e de mau gosto; (41) * Que livros voc devolveu para a biblioteCa de fin.

    gstiea, adquiridos Do ano passado?

    Podemos, agora, usar o mesmo raciocnio que fi-zemos no caso da passiva. A anlise a favor da qual estamos argumentando supe que, nas oraes (1) e (5), na interpretao I, o adjetivo ("fcil" ou "inocen-te"), na funo de predicativo, um constituinte inde-pendente do substantivo ("caminho" ou "o seu ami-go"), no se desloque esquerda quando o sintagma nominal for topicalizado ou interrogado na posio inicial. De fato, obserirem as-oraes:

    (42) a- Os -alunos acharam o caminho do stio fcil b - O caminho do stio, os alunos acharam fcil c - * O caminho do stio ficil os alunos acharam (no sen-

    tido de "consideraram").

    O prprio adjetivo pode topicalizar-se indepen-dentemente:

    (43) Bem fcil, os alunos acharam o caminho do sitio, bem?

    i

    , ..

    L

    '

    ' I

    UM EXEMPLO DE ANUSE E DE ARGUMENTAO EM SINTAXE 149

    Agora, observem as oraes em ~ue se desl~ca um constituinte interrogado, no caso da mterpretaao I:

    (44) a- Os alunos acharam que caminho f~~~ b _Que caminho os alunos acharam facil. c. o qu que os alunos acharam do caminho?

    Essas oraes somente podem ser interpretadas "d " ""ulgar" Se com "achar" no sentido de "const erar ' . J ..

    quisermos construir oraes com o obJeto d~reto topicalizado ou interrogado na interpretaao II ("achar" no sentido de "encontrar"), a~uela em que o adjetivo ("fcil") est na funo ~e adJunto, fazendo parte integrante do sintagma no~al e f?rman~o u~ nico constituinte com o substantivo nucleo ( ~ nho"), ento todo o constituinte se desloca para o tnt-cio da orao. Em vez de ( 43), teremos:

    ( 45) a_ o caminho fcil, os alunos (o) acharam. b _ o caminho fcil do stio, os alunos (o) acharam,

    e em vez de (44):

    (46) Que caminho fcil os alunos acharam?

    (a que se poderia responder que eles encontraram o caminho fcil marcado por faixas vermelhas nas pe-dra8 e nos troncos). ,

    Um resumo dos achados nestes ltimos paragrafas:

    (4 7) Os alunos acharam o caminho fcil

    ~-------~---------, r Interpretao I Interpretao 11

    fi cil O caminho fcil, os alunos (o) acharam O caminho, os alunos (o) acharam ~? Que caminho fcil os alunos acharam? Que caminho, os alunos ac~ram f~l. Os alunos encontraram o caminho fcil Os alunos consideraram fctl o cammbo

  • 150 MAS O OUE t MESMO .. GRAMATICA''? \

    4.3. Aos fatos lingsticos que acumulamos em favor. da hiptese que explica a ambigidade das ora-es (1) e (5) como ~ependente de sua estrutura sint: tica, vale a pena acr~centar mais um que, embora no envolva deslocamen~os, baseia-se no mesmo esquema argumentativo. Trata-se de fenmeno envolvendo a pronominalizao. ~to porque os itens lexicais a que chamamos pronom~ tm a propriedade de recuperar (do CQntexto lingstico) todo o sintagma nominal, e no somente o subs~tivo nele contido. :

    Observem o qu ocorre nos exemplos:

    (48) As crianas\ barulhentas desta classe ouviram, com muita ateno, a histria de mistrio que eu contava. 1 a- Elas pareciam estar em outro mundo, enquanto a o~ t 1

    b- * ~ bmtaJhentas desta ~ pareciam estar em outro D;lundo enquanto a de mistrio que eu contava ouviam.

    1 '

    A orao (48a), ~m que os pronomes "elas" e "a" substituem todo o siri.tagma nominal (respectivamen-

    1

    te, "as crianas barull;lentas desta classe" e "a histria de mistrio que eu contava") uma orao comum do

    I

    portugus. Ao contrp.o, parece muito mais que estra-nha, na verdade agral;natical, a orao ( 48b) em que o pronome substitui s9mente os substantivos-ncleo ("crianas" e ''hist~"). Por isso que a pronominali-zao tambm pode e~denciar os limites entre os cons-tituintes de uma orao. .

    Suponham, entao, que, na cena proposta como I

    contexto para a interpre~o I, o anfitrio, professor Tom, diss~e a um colega:

    y

    UM EXEMPLO DE ANAUSE E DE ARGUMENTAAO EM SINTAXE G (49) Os alunos no custaram para encontrar o caminho. Eles o

    acharam fcil,

    ou que ele tenha dito simplesmente {SOa) e um colega tenha concordado ~ndo (SOb):

    (50) a- Os alunos acharam o cami~o fc. b -, de fato. Pelo visto, eles o acmuam fcil

    Nesses dois casos, sabemos que, .na orao: "eles o acharam fcil"' "o caminho n um constituinte inde-_pendente de "fcil", j que o pronome substitui so-mente "o caminho" [sem absorver tambm "fcil" e tallto (49), quanto (SOb)] so oraes perfeitas. Mais ainda, em (49) e em (SOb), a ambigidade da orao "os alunos acharam o caminho fcil" desapareceu, sendo possvel somente a interpretao I, com o adje-tivo analisado como predicativo do objeto direto.

    As coisas andam em outra diteo na cena II. Se os fizssemos. dizerem:

    (51) -Os rapazes tm que encontrar o caminho mais fcil -Fica tranqilo que os rapazes j o acharam.

    O pronome "o" substitui, agora, todo o sintagma "o caminho mais fcil", o que mostra que; nessa inter-pretao n, quando "achar" significa ~encontrar", "o caminho" e "fcil", analisado como adjunto adnomi-nal, formam um nico constituinte.

    FONTE DO TEXTO

    "Um exemplo de anlise e de argumentao ~ sintaxe". 'Revista da ANPOLL, 5: 37-63, julJdez. 1998.

    ..