Aula1 o Texto Narrativo Parte1

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NOSSO SITE: www.portalimpacto.com.br LU 09/03/10 PROT: 3094 O TEXTO NARRATIVO – CARACTERÍSTICAS – PARTE I PROF: EQUIPE CONTEÚDO - 2011 01 1 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO IMPACTO: A Certeza de Vencer!!! O universo das histórias Narrativa de ficção O texto que segue foi escrito por Moacyr Scliar Pausa "Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavouse. Vestiuse rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando: — Vais sair de novo, Samuel? Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura. — Todos os domingos tu sais cedo — observou a mulher com azedume na voz. — Temos muito trabalho no escritório — disse o marido, secamente. Ela olhou os sanduíches: — Por que não vens almoçar? — Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche. A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu: — Volto de noite. As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas. Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Detevese ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôsse de pé. — Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente... — Estou com pressa, seu Raul! — atalhou Samuel. — Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. — Estendeu a chave. Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharamno com curiosidade: — Aqui, meu bem! — uma gritou, e riu: um cacarejo curto. Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guardaroupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d'água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocouo na mesinha de cabeceira. Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitouse e fechou os olhos. Dormir. Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a moverse: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos. Um raio de sol filtrouse pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido. Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexiase e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentouse na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassálo com a lança. Esvaindose em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio. Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavouse. Vestiuse rapidamente e saiu. Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista. — Já vai, seu Isidoro? — Já — disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio. — Até domingo que vem, seu Isidoro — disse o gerente. — Não sei se virei — respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía. — O senhor diz isto, mas volta sempre — observou o homem, rindo. Samuel saiu. Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa." SCLIAR, Moacyr. In: BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cutrix, 1997 Dizem que nenhum de nós resiste a uma história. É só alguém começar a contar um caso qualquer e nós já ligamos nossas antenas, curiosos para saber o que aconteceu. E, claro, somos também contadores de histórias. Observe quantas vezes ao dia você começa uma conversa, contando algo que aconteceu com você ou que você viu acontecer. E por aí vai o fio das nossas conversas. Temos todos um bom estoque de histórias vividas e ouvidas, mas também daquelas que inventamos ( porque, afinal, nossa imaginação é muito fértil) e que poderiam ter acontecido. Bem, se é assim na fala, não é diferente na escrita. Boa parte do que os escritores põe no papel não é nada mais do que histórias que aconteceram com eles; ou que foram contadas a eles; ou que poderiam ter acontecido; ou uma mistura de tudo isso. É desse oceano infinito de histórias que nascem as crônicas, os contos, os romances. Mas também poemas e letras de música. E mais: os filmes , as histórias em quadrinhos, as peças de teatro, as novelas da televisão.

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LU 09/03/10 PROT: 3094

O TEXTO NARRATIVO – CARACTERÍSTICAS –PARTE I

PROF: EQUIPE

CONT

EÚDO

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01

1CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

IMPACTO: A Certeza de Vencer!!!

O universo das histórias

Narrativa de ficção

O texto que segue foi escrito por Moacyr Scliar

Pausa

"Às  sete  horas  o  despertador  tocou.  Samuel  saltou  da  cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavouse. Vestiu­se rapidamente e  sem  ruído.  Estava  na  cozinha,  preparando  sanduíches,  quando  a mulher apareceu, bocejando: 

— Vais sair de novo, Samuel? Fez  que  sim  com  a  cabeça. Embora  jovem,  tinha  a  fronte 

calva; mas as  sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém­feita, deixava ainda no  rosto uma  sombra azulada. O  conjunto  era uma máscara escura. 

— Todos  os  domingos  tu  sais  cedo —  observou  a mulher com azedume na voz. 

— Temos muito  trabalho no  escritório — disse o marido, secamente. 

Ela olhou os sanduíches: — Por que não vens almoçar? —  Já  te  disse:  muito  trabalho.  Não  há  tempo.  Levo  um 

lanche. A  mulher  coçava  a  axila  esquerda.  Antes  que  voltasse  à 

carga, Samuel pegou o chapéu: — Volto de noite. As  ruas  ainda  estavam  úmidas  de  cerração.  Samuel  tirou  o 

carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas. 

Estacionou  o  carro  numa  travessa  quieta.  Com  o  pacote  de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve­se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os  lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um  homenzinho  que  dormia  sentado  numa  poltrona  rasgada.  Era  o gerente. Esfregando os olhos, pôs­se de pé. 

— Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente... 

— Estou com pressa, seu Raul! — atalhou Samuel.  

— Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. — Estendeu a chave. 

Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante.  Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre 

floreado, olharam­no com curiosidade:  

— Aqui, meu bem! — uma gritou, e riu: um cacarejo curto. Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. 

Era  um  aposento  pequeno:  uma  cama  de  casal,  um  guarda­roupa  de pinho;  a  um  canto,  uma  bacia  cheia  d'água,  sobre  um  tripé.  Samuel correu  as  cortinas  esfarrapadas,  tirou  do  bolso  um  despertador  de viagem, deu corda e colocou­o na mesinha de cabeceira. 

Puxou a colcha e examinou os  lençóis com o cenho  franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na  cama,  comeu  vorazmente  quatro  sanduíches.  Limpou  os  dedos  no papel de embrulho, deitou­se e fechou os olhos. 

Dormir. Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a mover­se: 

os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos. Um  raio  de  sol  filtrou­se  pela  cortina,  estampou  um  círculo 

luminoso no chão carcomido. Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, 

perseguido por  índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No  planalto  da  testa,  nas  colinas  do  ventre,  no  vale  entre  as pernas, corriam. 

Samuel mexia­se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma  dor  lancinante  nas  costas.  Sentou­se  na  cama,  os  olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá­lo com a lança. Esvaindo­se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio. 

Às  sete  horas  o  despertador  tocou.  Samuel  saltou  da  cama, correu para a bacia, lavou­se. Vestiu­se rapidamente e saiu. 

Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista. — Já vai, seu Isidoro? —  Já — disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o 

troco em silêncio. — Até domingo que vem, seu Isidoro — disse o gerente. — Não sei se virei — respondeu Samuel, olhando pela porta; a 

noite caía. — O senhor diz isto, mas volta sempre — observou o homem, 

rindo. Samuel saiu. Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou 

olhando  os  guindastes  recortados  contra  o  céu  avermelhado.  Depois, seguiu. Para casa." 

 SCLIAR, Moacyr. In: BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. 

São Paulo: Cutrix, 1997  

Dizem que nenhum de nós resiste a uma história. É só alguém começar a contar um caso qualquer e nós já ligamos nossas antenas, curiosos para saber o que aconteceu. E, claro, somos também contadores de histórias. Observe quantas vezes ao dia você começa uma conversa, contando algo que aconteceu com você ou que você viu acontecer. E por aí vai o fio das nossas conversas. Temos todos um bom estoque de histórias vividas e ouvidas, mas também daquelas que inventamos ( porque, afinal, nossa imaginação é muito fértil) e que poderiam ter acontecido. Bem, se é assim na fala, não é diferente na escrita. Boa parte do que os escritores põe no papel não é nada mais do que histórias que aconteceram com eles; ou que foram contadas a eles; ou que poderiam ter acontecido; ou uma mistura de tudo isso. É desse oceano infinito de histórias que nascem as crônicas, os contos, os romances. Mas também poemas e letras de música. E mais: os filmes , as histórias em quadrinhos, as peças de teatro, as novelas da televisão.

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REVISÃO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!!

    

ELEMENTOS DA NARRATIVA

ENREDO (COMO?): Trata-se aqui da ação da narrativa, da sucessão dos fatos, das vivências, das situações. E também conhecido como

fabulação, intriga, trama. E onde as personagens se põem em movimento, relacionando-se entre si, como na vida, em relações que podem ser de colaboração, de afinidade, de oposição, de competição, que envolvem sentimentos e emoções. PERSONAGEM (QUEM?): Entre as personagens, há aquelas que se destacam porque agem mais: são as protagonistas, também chamadas de heróis ou personagens principais. As que se relacionam a elas por oposição são as antagonistas, que geralmente também estão no primeiro plano dos fatos. Em volta dessas, há sempre um conjunto de personagens secundárias, que ajudam a sustentar a trama.

TEMPO (QUANDO?): As personagens agem num dado espaço, durante um tempo dado. Esse tempo pode ser cronológico, o tempo da natureza, aquele marcado pelo relógio, com o passar das horas e dos minutos. Ela é fundamental, por exemplo, para as narrativas históricas. Mas existe o tempo psicológico, o tempo da duração interior dos fatos, variável de indivíduo para indivíduo, composto de momentos imprecisos que se fundem ou se aproximam. Nele podem misturar-se passado, presente e futuro, ao sabor dos sentimentos e das lembranças.

O ESPAÇO (ONDE?): A ambientação, o conjunto de elementos que compõem, por exemplo, o quarto, a sala, a rua, o bar, a montanha, a floresta, a escola, a cidade, o sertão, etc., constitui o espaço narrativo. Ou seja, é o lugar onde se movem as personagens. Em alguns casos, como na ficção regionalista, a caracterização do espaço físico é fundamental. Mas pode-se dizer que existe também um espaço psicológico, o nosso espaço interior, o universo da nossa vivência subjetiva, pessoal, cheio de sonhos, desejos, sentimentos e emoções, que predomina nas narrativas intimistas.

O Narrador como produtor da História

Narrador -> 1a pessoa: Como este narrador é uma das personagens da história, ele tem acesso apenas aos acontecimentos que presencia ou às noticias que recebe sobre eles. Assim, nada pode dizer com certeza acerca dos personagens e sentimentos das outras personagens. Narrador -> 3ª Pessoa: Ao contrario do anterior, este narrador tem total acesso a todas as cenas, espaços e consciência das personagens.

PROPOSTA DE REDAÇÃO Continue o seguinte trecho narrativo:

"Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavouse. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:

— Vais sair de novo, Samuel? Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora

recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura. — Todos os domingos tu sais cedo — observou a mulher com azedume na voz. — Temos muito trabalho no escritório — disse o marido, secamente. Ela olhou os sanduíches: — Por que não vens almoçar? — Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.

O que  torna o  texto  verdadeiro para quem o  lê  é a  verossimilhança, ou  seja, a  coerência  lógica  interna do  texto. Em outras 

palavras,  o  texto  deve  ser  semelhante  à  verdade  [vero  =  verdadeiro;  símil  =  semelhante). Os  fatos  de  uma  história  não  precisam  ser verdadeiros, no sentido de corresponderem exatamente a  fatos ocorridos no universo exterior ao texto, mas devem ser verossímeis;  isto quer dizer que, mesmo sendo inventados, o leitor deve acreditar no que lê. Esta credibilidade advém da organização lógica dos fatos dentro do enredo. Cada fato da história tem uma motivação [causa], nunca é gratuito e sua ocorrência desencadeia inevitavelmente novos fatos [consequência].  A  verossimilhança  é  verificável  na  relação  causal  do  enredo,  isto  é,  cada  fato  tem  uma  causa  e  desencadeia  uma consequência. 

(Cândida V. Gancho. Como analisar narrativas. São Paulo: Áuca, 1995. p. 10.) 

Diante de uma proposta de narração, é sempre interessante que você faça inicialmente um projeto de texto. Fique atento ao foco narrativo, isto é, tenha claro o grau de conhecimento que o narrador  terá  dos  fatos,  das  personagens,  da  ambientação.  Pense  cuidadosamente  em  cada personagem,  considerando  seus  aspectos  físicos  e  psicológicos.  Lembre‐se  de  que  os  nomes próprios também são carregados de sentido. Monte o cenário de maneira a torná‐lo significativo para o que quer contar. Defina o tempo em que as ações devem acontecer.      Projeto  definido  redija  sua  história,  agora  mais  preocupado  com  a  linguagem.  É  ela  o instrumento que vai dar vida ao seu enredo Verbos, nomes, pontuação... Tudo a serviço de uma boa trama — policial, metafísica, romântica... — que satisfaça a você e a seu leitor. 

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REVISÃO IMPACTO - A CERTEZA DE VENCER!!!

A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu: