Aula10
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O sujeito da democracia: o governo do povo
Barzotto esclarece que parece simples responder pergunta "Quem governa?"e neste caso
a resposta seria "o povo". Porm, o conceito de povo pode ser interpretado de vrios
modos.
- Concepo holista: O homem um ser social, produto da sociedade e existe em funo
dela. O povo dotado de vontade prpria e deve se adequar ao todo social. O Estado o
rgo do todo e no se diferencia do povo.
- Concepo individualista: Esta concepo foi difundida com o jusnaturalismo moderno. O
homem concebido como um ser pr-social e como um ser de carncias, sua ao
compreendida na perspectiva da satisfao de suas necessidades. O melhor modelo de
interao entre os indivduos que melhor representa este tipo de sociedade o mercado por
meio do qual os indivduos podem buscar a maximizao do seu bem-estar.
- Concepo comunitarista: A identidade do ser humano depende da sua adeso a um bem
ou a um complexo de bens. Cada ser humano tem sua identidade dependente dos bens que
orientam a sua ao. Fora da busca destes bens, no h existncia humana. A escolha desses
bens acaba por constituir as comunidades das quais ele participa. No caso da comunidade
poltica, sua existncia depende do consenso em torno do bem de todos, do bem comum.
A partir de Freud, conforme exposto, Kelsen, entendendo haver necessidade
ontolgica da chamada vida social a qual tensionada s pulses de morte e prazer
(FREUD, 1974: 141-142), conclui haver necessidade de um poder que regule as relaes
humanas, a liberdade natural deve sofrer uma modificao, assim: A liberdade natural
transforma-se em liberdade social ou poltica . (KELSEN, 1993: 28). possvel tambm
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enxergar heranas de Burke1 e Tocqueville2, sendo que o primeiro tambm influenciou
Freud, conforme anteriormente explicitado. No que concerne liberdade Burke critica
negativamente a ideia de liberdade emergida da Revoluo Francesa, pois no passaria
de desordem e inverso dos papeis sociais.
Essa liberdade social h de ser entendida como autodeterminao, i. e. , dispe
da liberdade aquele que obedece s leis as quais esto em conformidade com sua
vontade. Como impossvel conciliar todas as vontades individuais com a ordem social:
(. . . ) a existncia da sociedade ou do Estado pressupem que possa haver discordncia
entre a ordem social e a vontade individual . (KELSEN, 1993: 30
Em Kelsen o valor da igualdade est ligado ao valor da liberdade, mas
entendido como secundrio diferentemente de pensadores mais afeitos ao Liberalismo
clssico. o valor de liberdade e no de igualdade que determina, em primeiro lugar,
a ideia de democracia (KELSEN, 1993: 99). O valor igualdade na democracia
procedimental uma ideia formal, ou seja, a igualdade dos direitos polticos: (. . . )
uma vez que todos devem ser livres na maior medida possvel, todos devem participar
da formao da vontade do Estado e, consequentemente, em idntico grau (KELSEN,
1993: 99).
Kelsen, em sua argumentao acerca da democracia, prope uma analogia entre
teoria poltica e disciplinas da filosofia, quais sejam, a epistemologia e a teoria dos
valores. Na teoria de Kelsen, em ltima anlise, com fito meramente argumentativo e
didtico, h duas formas de Estado antagnicas: a democracia e a autocracia. E na
filosofia, tanto na epistemologia como na teoria dos valores, existe o antagonismo entre
absolutismo filosfico e relativismo filosfico.
(. . . ) no existe apenas um paralelismo externo, mas uma relao
interna entre o antagonismo autocracia/democracia, por um lado,
e absolutismo filosfico/relativismo filosfico, por outro; que a
1 No que concerne liberdade Burke critica negativamente a ideia de liberdade emergida da Revoluo
Francesa, pois no passaria de desordem e inverso dos papeis sociais. Je crois que la libert des autres
nations nest pas plus pour moi que pour eux un objet de jalousie; mais je ne peux me mettre en avant,
ni distribuer la louange ni le blme rien de ce qui a rapport aux actions humaines et aux intrts
publics sur le simple aperu dun objet dnu de tous ces rapports, dans toute la nudit et dans tout
lisolment dune abstraction mtaphysique (BURKE, 1823: 29)
2 Ser estudada ainda no presente captulo a herana intelectual de Tocqueville para este esforo terico
acerca da democracia.
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autocracia como absolutismo poltico est coordenada com o
absolutismo filosfico, enquanto a democracia, como relativismo
poltico, est coordenada com o relativismo filosfico (KELSEN,
1993: 161).
O exame da base filosfica da democracia, segundo Kelsen, no deve objetivar
nem constituir-se em uma justificao absoluta da democracia, o que incidiria no
paradoxo do ceticismo do pensamento de Sexto Emprico (KOLAKOWSKI, 2009: 88). Isto
porque, uma reflexo filosfica quando eivada de pensamentos absolutos, tpicos da
metafsica e da religio, incapaz de reconhecer um valor social qualquer incluso do
outro.
Assim, a nica justificao da democracia que se pode permitir uma filosofia
relativista, baseada na cincia, com algumas ressalvas fenomenolgicas (HUSSERL, 1976:
302, 331, 371), uma justificao funcional. Tal justificao deixa a deciso sobre o
valor social a ser posto em prtica a cargo dos indivduos atuantes na realidade poltica.
Nesse passo, a democracia encontra seu fundamento, funcional, apenas na hiptese de
os indivduos atuantes na realidade poltica entenderem serem a liberdade e a igualdade
os valores que devem ser postos em prtica, e neste ponto jaz a principal diferena
entre Kelsen e Schumpeter, Mises e Hayek. A democracia justifica-se, portanto, por ser
a forma de governo mais funcionalmente ajustada a realizar os valores liberdade e
igualdade.
Visto que Kelsen, com esteio em Aristteles e negao aos liberais clssicos,
ainda que defenda a Democracia como forma, se preocupa com a materialidade desta.
Portanto, para tal, problematiza a legitimidade e a possibilidade de uma ditadura da
maioria (KELSEN, 1993: 178, 179), o que nos permite inferir que o austraco compartilha
da exposio de Tocqueville, no que concerne s minorias em meio aos entreveros de
uma massa revolucionria (ou golpista, dependendo do ponto de vista). Em consonncia
com o pensamento de Tocqueville, depreende-se que, embora a vontade da maioria
constitua um Estado democrtico, necessrio evitar que o arbtrio majoritrio se
transforme numa ditadura na maioria Para Tocqueville a defesa a tal situao resta na
politizao da Sociedade Civil (TOCQUEVILLE, 2005: 293), que em Kelsen se
procedimentaliza pela observncia do sistema normativo escalonado a partir de Norma
Fundamental hipottica, garantindo tanto a regra da maioria como a tolerncia e o
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espao dialgico da minoria (KELSEN, 1993: 178-182).
Tocqueville assevera que a total e incondicional prtica da vontade da maioria,
sem observao os limites superiores legislao, tende a erodir a igual liberdade
exigida pelo regime de governo democrtico (TOCQUEVILLE, 2005: 294). Essa
possibilidade identificada por Tocqueville como uma tirania da maioria, identificada
quando os elementos da democracia no so alcanveis ou garantidos para todos.
EPISTEMOLOGIAS DA DEMOCRACIA
Empiria: Robert Dahl (2001) e Arend Lipjhart (2008), lugar-comum de base emprica do que
ocidente entende por democracia, Assim, entende-se ser democrtico o pas no qual o
sistema poltico proporciona cumulativamente oportunidades para (DAHL, 2001: 50): a)
Participao efetiva na poltica; b) igualdade de voto entre adultos; c) aquisio de
entendimento esclarecido acerca das instituies e candidatos polticos; d) exercer o
controle do planejamento estatal por accountability. No que concerne s instituies
polticas, em sociedades pluralizantes e abertas (portanto fora do chamado modelo
Westminster tpico Commonwealth de Naes Britnicas), sero gradativamente mais
democrticos os pases que cumulativamente adotarem as seguintes mecanismos polticos
(LIJPHART, 2008: 22): a) Partilha do Poder Executivo por meio de gabinetes de ampla
coalizo; b) Equilbrio de poder entre o Executivo e o Legislativo; c) Sistema multipartidrio;
d) Representao proporcional; e) Corporativismo dos grupos de interesse:; f) Governo
Federal e descentralizado; g) Forte Bicameralismo; h) Rigidez constitucional e Reviso
judicial; i) Independncia do Banco Central.
Democracia Formal: para Schumpeter (h concordncia com Mises e Hayek), a democracia
se caracteriza muito mais pela concorrncia organizada pelo voto do que pela soberania do
povo, ou o sufrgio universal, como afirma a teoria clssica. Entende Schumpeter, portanto
que a democracia um mtodo poltico, ou seja, um certo tipo de arranjo institucional para
se alcanarem decises polticas - legislativas e administrativas -, e portanto no pode ser
um fim em si mesma, no importando as decises que produza sob condies histricas
dadas (SCHUMPETER, 1984, 304). Ademais, as decises polticas em que os indivduos
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adquirem o poder de deciso se d atravs de acordos institucionais e atravs de uma luta
competitiva pelos votos da populao (SCHUMPETER, 1984, 336) e o governo, decidido na
competio mencionada, deve ter aquiescncia popular povo (SCHUMPETER, 1984, 308).
Democracia Material: a democracia deliberativa idealizada por Aristteles, pelo que se
depreende de A Poltica e de tica a Nicmaco, nasce da exposio de opinies
coletivas, opinies que divergem e convergem, tendendo a formar um intenso dilogo, que
almeja o alcance da verdade prtica, a qual orienta toda ao poltica. Assim, em Aristteles,
o fundamento da democracia a razo prtica, entendida como prudncia, que, por sua vez,
busca uma verdade prtica. O homem da poltica jaz na prudncia, est imerso nessa
cosmologia, a saber, a phrnesis (sabedoria prtica), da ao social, ou seja, tensionado
entre contingncia e oportunidade, moral idealizada e tica mundana