AULAS DE LEITURA: UMA PRÁTICA...

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AULAS DE LEITURA: UMA PRÁTICA DESMOTIVADORA? Gisele de Sales SILVA; Cinthia da Costa MOTA; Daise Fernanda NUNES/graduandas Letras/UFMS 1 Introdução

Objetivamos apontar e questionar a prática exercida nas aulas de leitura em escolas da rede pública de ensino, tendo como ponto de referência a experiência adquirida na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa I e o fato de que as competências exigidas na prática profissional refletem-se na aplicação dos conhecimentos adquiridos ao longo do processo acadêmico, que estão relacionados também à reflexão, à análise e à avaliação das diferentes atuações do profissional no contexto educacional e social. As aulas foram observadas em duas escolas da rede pública de ensino no estado de São Paulo: uma de ensino fundamental (3º e 4º ciclos) e outra do ensino médio, no período de 05 de agosto de 2006 a 09 de novembro de 2006. Para que esse processo de observação nas salas de aula obtivesse êxito, foram seguidas algumas etapas, como aulas teóricas, leitura analítica dos PCNs de Ensino Fundamental e Médio nas áreas de Língua Portuguesa. Além das observações, foi entregue, a cada professor, um questionário composto de 22 (vinte e duas) questões, cujas respostas são alvo de análise. O eixo da discussão no ensino fundamental centra-se, particularmente, no domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar. Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades lingüísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita. (BRASIL, 1998) No ensino médio, deve-se pressupor uma visão sobre o que é linguagem verbal, uma vez que essa caracteriza-se como construção humana e histórica de um sistema lingüístico e comunicativo em determinados contextos. Assim, na gênese da linguagem verbal estão presentes o homem, seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo sócio-cultural. Assim, esse processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral, sendo a leitura a determinação histórica dos processos de significação, pois quem lê produz sentidos a partir de determinadas condições histórico-sociais. 2 Discussão Teórica

De acordo com as respostas ao questionário entregue aos professores de Língua Portuguesa, observamos que é comum alguns sugerirem que “os PCNs não preparam o professor, não retratam e não atendem às necessidades reais da escola

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como um todo”. Outrossim, para justificar algumas “falhas” nas aulas, há professores que se queixam de não conseguirem ensinar mais que setenta ou oitenta por cento dos conteúdos constantes nos planos anuais de ensino, alegando que quase não é possível trabalhar os pressupostos por causa da dificuldade em algumas turmas ou das diferenças de desempenho de alguns alunos, que acabam por “prejudicar” os colegas.

O acesso aos planos anuais de ensino das escolas foi permitido pelos coordenadores pedagógicos responsáveis pelo período. Segundo os professores, todos têm uma cópia desses planos e procuram seguir e programar a aula de acordo com as necessidades e possibilidades que as turmas oferecem. No que respeita às aulas de leitura, o objetivo específico para o ensino fundamental é de que o aluno torne-se um leitor capaz de reconhecer diferentes tipos de textos e seus portadores; leia por prazer; leia para informar-se e que seja capaz de seguir instruções escritas, perceba a intencionalidade dos diferentes tipos de textos: poético, de enredamento, de convencimento, argumentativos, entre outros. Quanto às atividades de leitura compartilhada (seguindo o roteiro do professor), antes da leitura havia a ativação de conhecimentos prévios; durante a leitura, era feito um levantamento de hipóteses por meio de perguntas literais e inferenciais, quer para confirmação, quer para refutação das hipóteses levantadas; depois da leitura, havia geralmente uma série de perguntas valorativas.

Por exemplo, nas quintas e sextas séries, durante o período de observação, foram “estudados”, com seus devidos questionários e argumentações, contos como: Chapeuzinho Vermelho, O cão dos Baskerville, Lâmpada Mágica. Feita a leitura e respondidos os questionários, o professor dava por encerrada aquela atividade, ou, por vezes, sugeria aos alunos um outro texto baseado no que eles acabaram de ver (o texto enquanto pretexto). Por outro lado, as aulas de Leitura e Produção observadas têm um cantinho especial na escola, fora da sala de aula (que ainda não é a biblioteca): uma sala com almofadas, diversos livros, recortes de revistas e jornais pendurados pelo teto. Constatou-se, porém, que alguns educadores não se valem do ambiente que a escola pode oferecer e, ao invés de despertar o espírito crítico do aluno no incentivo pela formação do gosto pela leitura, são limitados na formação desse leitor.

No ensino médio, o aluno deverá ser capaz de: identificar e interpretar informações implícitas e explícitas no texto, reconhecer a idéia central, estabelecer distinções no que se refere à tipologia textual (organização, ponto de vista, elementos estruturais, recursos lingüísticos). Dado um texto, o aluno deverá identificar seu autor; comentar suas características, comparar o texto a outros estilos de época e/ou autores estudados, separar fatos (enredo), personagens, ambiente, tempo, narrador (1ª e 3ª pessoa); tipos de discurso (direto, indireto e indireto livre). No terceiro ano, a preocupação maior é a de oferecer oportunidade aos alunos de lerem e analisarem obras da Literatura Brasileira e Portuguesa, relacionadas aos assuntos estudados e/ou solicitados nos exames vestibulares, bem como redigir dissertações.

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A aula de redação, por exemplo, dentro da escola tem uma função fundamental, não só por seu papel na disciplina Língua Portuguesa, cuja principal finalidade é ensinar a ler e escrever, mas por ser usada em todas as disciplinas, uma vez que a escrita constitui o principal modo pelo qual o aluno é avaliado e por meio do qual pode expressar o conhecimento que adquiriu. Levando-se em conta os planos anuais de ensino dessas escolas (ensino fundamental e médio), em algumas turmas trabalha-se a análise dos recursos da escrita empregados pelos autores dos textos; mostra-se que esses recursos servem pra criar efeitos, permitindo aos alunos que reconheçam a idéia central da obra e depois montem as próprias narrativas, fazendo escolhas lingüísticas intencionais. Dependendo dos textos, é possível usá-los também nas aulas de estudo da “gramática tradicional”. Dessa forma, na prática escolar parece não haver lugar para o conflito, a heterogeneidade e a subjetividade. Ainda que o aluno faça opções quanto ao que vai escrever ou ler, elas são quase sempre determinadas pela imagem que o aluno faz das expectativas do professor, seu único leitor e avaliador, e não determinadas por seu próprio desejo, pois, na prática escolar, os alunos não escrevem textos, produzem redações; não se lêem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos (GERALDI, 2004). A aula de leitura, neste caso, torna-se desmotivadora tanto para o educando como para o educador, além de gerar um conformismo educacional e cultural, discrepante em relação aos objetivos explicitados de despertar o espírito crítico do aluno, transformar a sociedade. Para que haja um evento interpretativo, é preciso que o sujeito se represente no lugar de autor, ou seja, que ele se inscreva do interdiscurso: que o seu dito seja dizível.

O ato de ler, compreendido em seu sentido de construção de significados, incluindo a diversidade de textos e a utilização de conhecimentos prévios, fixa-se como processo insubstituível para formação de leitores críticos, mesmo considerando os diversos meios de comunicação da atualidade. Para driblar a “ameaça” da tecnologia, o professor deve, desde muito cedo, contando com o apoio da instituição escolar, iniciar e incentivar uma prática de leitura significativa e consistente para que, desde os primeiros passos da alfabetização e da vida escolar, os alunos percebam a importância da leitura em todos os aspectos de sua vida, inclusive quanto ao uso dos meios modernos e tecnológicos. É comum ouvir os pais (e os professores...) afirmarem que a geração atual não gosta de ler e, por isso, é com muito esforço que conseguem que seus alunos leiam ao menos os clássicos da literatura. Por que isso acontece? O que faz que uma geração leia e outra fuja dos livros? Se há uma resposta concreta para o assunto, desconhecemos, no entanto acreditamos que atualmente a pessoas, em geral, recebem as informações já “mastigadas” pela televisão, Internet e acabam por ter preguiça de ler, um ato que, segundo alguns, exige muito esforço e reflexão. Os canais pelos quais a juventude de hoje se informa são múltiplos; o livro é apenas um deles e o mais trabalhoso. É preciso tempo para se dedicar à leitura e, na “atribulada vida moderna”, esse tempo simplesmente não existe. Diante de tanta tecnologia, torna-se muito difícil o gosto pela leitura competir e ganhar espaço na vida dos jovens adolescentes.

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Quando se trata da prática da leitura na sala de aula, importa saber quando esta deve se iniciar e qual a importância que lhe deve ser atribuída. Um bom escritor/leitor, por exemplo, é aquele que, desde muito cedo, tem contato com a leitura e por ela toma gosto, passando a fazê-la incessantemente, uma vez que é praticando que o indivíduo se aperfeiçoa. Assim, consideramos a princípio a proposta de Antonio Cândido (1972): a literatura deve ser vista como força humanizadora, como algo que exprime o homem e depois atua na sua própria formação, e não como sistema de obras. Conforme afirma Magnani (1989), a formação do gosto não se baseia em exercícios escolares de interpretação, mas sim diz respeito à vida, à formação de uma visão de mundo além de ser, por meio da leitura, que se conhecem e aprendem conteúdos de ensino.

Geraldi (2004), por exemplo, sugere que é possível formar leitores que gostem de ler e sintam prazer nisso, desde que a escola não adote como critério de escolha para a leitura bons ou maus livros, mas sim que reconstrua conceitos por meio de uma práxis compartilhada e transformadora. Deve-se considerar que a seleção, pelo professor, das obras de literatura infanto-juvenil, por exemplo, vem da psicologia, na forma de critérios de adequabilidade, interesse e motivação para a leitura. É comum ouvir que tal texto é muito pesado, impróprio ou simplesmente difícil, para essa ou aquela série, mas adequado para a faixa etária da série seguinte, pelo assunto de que trata, pelos recursos que utiliza ou ainda pelo interesse que pode despertar.

Assim, cuidando da adequação, educadores acreditam poder seriar e graduar os problemas, as realidades, as fantasias e a leitura dos alunos – tudo do mais simples para o mais complexo. Acreditam que, pela observância desses critérios, conseguem assegurar de antemão o sucesso do livro e a motivação para a leitura, ignorando o fato de que os passos de leitura são idiossincráticos. Marisa Lajolo (apud GERALDI, 2004, p. 91), por exemplo, afirma que:

Ler é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.

Na leitura, o diálogo do aluno é com o texto. O professor, mera testemunha desse diálogo, é também leitor, e sua leitura é uma das leituras possíveis. Se considerarmos algumas posturas ante a leitura de um texto, talvez a sua prática na escola cumpra a verdadeira interlocução com seus possíveis leitores e contribua para um “incentivo à leitura” (GERALDI, 2004). Por exemplo, a busca de informações (extrair do texto uma informação – responder a questões estabelecidas ou verificar que informações ele dá); a leitura – estudo do texto (verificar pontos de vista defendidos por personagens e contrapostos por outros, coerência entre tese e argumentos, etc); a leitura enquanto pretexto (pretexto para a produção de um outro texto, ilustrar uma história, dramatizar, ou seja, a própria interlocução que se estabelece entre leitor/texto/autor); e, por último, mas não menos importante é a

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leitura – fruição do texto, o prazer, ler por ler, o “desinteresse” pelo controle do resultado; a leitura feita pelo cidadão comum (não-aluno, não-professor). Assim, o texto literário propõe uma ação na esfera imaginativa, criando uma nova relação entre situações reais e situações de pensamento, ampliando o campo de significados e auxiliando na formação dos planos da vida real. Lida com necessidades de imaginação e fantasia, onde se criam e se seguem regras voluntárias para satisfação do desejo, é um meio de se atingir prazer máximo, fornecendo estruturas básicas para a mudança de necessidades e consciência, que propiciem avanços nos níveis de desenvolvimento. Magnani (1989), por exemplo, destaca que a literatura deve ser vista como algo vivo, dinâmico e em constante transformação, não podendo ser concebida como servidora da ideologia dominante e, portanto, considerada apenas como produto – a visão reducionista da literatura –, e propõe que se entenda a literatura como um fenômeno historicamente analisável. No ensino público, percebe-se que a tarefa fica muito a cargo da escola; a família pouco participa do processo e a escola acaba sobrecarregada com a missão. Costuma-se ler para aprender, e só. Ao professor caberia reformular conceitos e práticas para formar leitores de verdade; entretanto o que se percebe é um certo conformismo e desgosto pela leitura presente na comunidade escolar, tornando-a, assim, uma prática desmotivadora tanto para o educador quanto para o educando. É preciso saber que o processo de ensinar é muito difícil, e o docente como profissional da prática necessita, sobretudo, dominar o conjunto de saberes específicos fundamentalmente didáticos. Para que essa prática se torne interessante ao outro, ela deve ser introduzida de maneira agradável e estimulante e não de maneira autoritária e em forma de obrigação. Nessa situação, professores sentem-se de mãos atadas, já que é muito difícil resolver,em um ano letivo, o problema que se arrastou por toda a trajetória escolar do aluno.

3 Considerações Finais

O processo de estágio foi uma gratificante experiência, pois, além de

contribuir para adquirirmos uma vasta bagagem em relação ao sistema de ensino, às suas dificuldades e necessidades, permitiu-nos observar que há professores capacitados que apenas precisam de apoio, tempo e espaço para desenvolverem suas idéias, que acabam por serem limitadas em alguns casos. O que não podemos nunca, como fazem alguns “profissionais”, é tratar os alunos como vítimas de um ensino público falido; nada seria mais equivocado. Devemos, sim, aproveitar ao máximo o que a instituição escolar pode oferecer e mostrar que eles podem aprender sempre mais e um dia serem reconhecidos por isso, provando sua capacidade de evoluir e crescer. Não nos podemos omitir. Não podemos abdicar do papel histórico que nos cabe, como sujeitos/professores, de nos formarmos como leitores para (e enquanto) interferirmos criticamente na formação de outros leitores. As perspectivas para a formação do leitor que queremos não passam somente pela boa vontade ou atualização das técnicas do professor. O incentivo e a participação ativa da família

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nesse processo também se torna fundamental, se levarmos em conta que, nos últimos anos, em decorrência da grande agitação e necessidade de trabalhar incessantemente para conseguir o sustento da família, muitos pais, mesmo que inconscientemente, vêm negligenciando o seu papel na educação dos filhos. A prática de leitura deve sim ser iniciada dentro das salas de aula, mas se em casa os alunos não obtiverem apoio, exemplos e incentivos para prosseguirem, se tornará muito difícil que essa prática se torne habitual.

Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 1998a. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Média. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 1998b. CANDIDO, Antônio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura (São Paulo), v. 24, n. 9, p. 806-9, set. 1972. GERALDI, João W. (org). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2004. KAUFMAN, Ana Maria. A Leitura, a Escrita e a Escola: uma experiência construtivista. Porto Alegre: Arte Médicas, 1994. MAGNANI, Maria do Rosário M. Leitura, literatura e escola: a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes, 1989.