Ausência Lei Municipal Função Gratificada

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Informa a apelante que é servidora pública municipal do quadro efetivo, lotada na Secretaria Municipal de Saúde de Cerejeiras, exercente do cargo de enfermeira desde 18.5.1998, sob o regime estatutário, sendo regulado pela Lei Municipal n. 166 /1989. Percebe, além do seu salário, uma gratificação de nível superior no valor de R$ 1.300,00, na qual incide contribuição previdenciária (fl. 9) e que, por tal incidência, pleiteia a incorporação da gratificação em sua remuneração. Aduz que faz jus à referida incorporação, pois na justiça especializada (trabalhista) vigora o entendimento da possibilidade de incorporação quando da ocorrência do exercício ininterrupto por mais de 10 (dez) anos. O município de Cerejeiras, em sede de contestação, informa a ausência de previsão legal da buscada incorporação ou qualquer lei prevendo a abolição da referida gratificação. Aproveita ainda o ensejo para alegar a prescrição quinquenal de eventuais valores retroativos que venham a surgir desta demanda. A r. decisão de 1º grau, com fulcro no art. 330 , I , do CPC , julgou antecipadamente a lide entendendo improcedente a ação declaratória, pois ausente dispositivo legal que preveja a incorporação da gratificação de nível superior. A decisão teve por lastro o Princípio da Legalidade, o qual ordena que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Bem decidiu o juízo do 1º grau ao julgar improcedente o pedido inicial, pois não existe previsão legal para a referida incorporação e o princípio da legalidade, maior norteador da administração pública, exige do administrador total observância às regras legais, impedindo-o de agir quando ocorre o silêncio da lei sobre tema de relevância (incorporação de gratificação), principalmente nos pontos nevrálgicos relativos ao aumento de despesa, qualquer que seja. A referida servidora é estatutária e diante da inexistência de requisito legal para o amparo de seu pleito não há falar em aplicação de direitos trabalhistas previstos na CLT ou jurisprudência trabalhista. Se o legislador não previu é por que não tinha nenhuma intenção de conceder futura incorporação de qualquer gratificação e na ausência de previsão legal não pode o gestor público conceder direitos ao seu alvedrio.

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Informa a apelante que é servidora pública municipal do quadro efetivo, lotada na Secretaria Municipal de Saúde de Cerejeiras, exercente do cargo de enfermeira desde 18.5.1998, sob o regime estatutário, sendo regulado pela Lei Municipal n. 166/1989. Percebe, além do seu salário, uma gratificação de nível superior no valor de R$ 1.300,00, na qual incide contribuição previdenciária (fl. 9) e que, por tal incidência, pleiteia a incorporação da gratificação em sua remuneração. 

Aduz que faz jus à referida incorporação, pois na justiça especializada (trabalhista) vigora o entendimento da possibilidade de incorporação quando da ocorrência do exercício ininterrupto por mais de 10 (dez) anos. 

O município de Cerejeiras, em sede de contestação, informa a ausência de previsão legal da buscada incorporação ou qualquer lei prevendo a abolição da referida gratificação. Aproveita ainda o ensejo para alegar a prescrição quinquenal de eventuais valores retroativos que venham a surgir desta demanda. 

A r. decisão de 1º grau, com fulcro no art. 330, I, do CPC, julgou antecipadamente a lide entendendo improcedente a ação declaratória, pois ausente dispositivo legal que preveja a incorporação da gratificação de nível superior. A decisão teve por lastro o Princípio da Legalidade, o qual ordena que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. 

Bem decidiu o juízo do 1º grau ao julgar improcedente o pedido inicial, pois não existe previsão legal para a referida incorporação e o princípio da legalidade, maior norteador da administração pública, exige do administrador total observância às regras legais, impedindo-o de agir quando ocorre o silêncio da lei sobre tema de relevância (incorporação de gratificação), principalmente nos pontos nevrálgicos relativos ao aumento de despesa, qualquer que seja. 

A referida servidora é estatutária e diante da inexistência de requisito legal para o amparo de seu pleito não há falar em aplicação de direitos trabalhistas previstos naCLT ou jurisprudência trabalhista. 

Se o legislador não previu é por que não tinha nenhuma intenção de conceder futura incorporação de qualquer gratificação e na ausência de previsão legal não pode o gestor público conceder direitos ao seu alvedrio. 

ADMINISTRATIVO. DECLARATÓRIA. INCORPORAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA. Na ausência ou no silêncio da lei não pode a administração pública autorizar a incorporação de gratificações aos seus servidores, pois tais vantagens são de cunho transitório como a função gratificada e os cargos em comissão, os quais passíveis de incorporação tão somente na hipótese de expressa previsão legal, por liberalidade do legislador, sendo tal concessão sempre dependente do preenchimento dos requisitos legais. (Apelação Cível 00009243720108220013, Tribunal de Justiça de Rondônia, 1ª Câmara Especial, Relator: Francisco Prestello de Vasconcelos, Julgado em: 12/07/2012).

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2ª Conforme já consignado na decisão que apreciou o pedido liminar, é consabido que as

funções gratificadas, tais quais os cargos em comissão, são destinados ao exercício de atribuição de direção, chefia ou assessoramento, pressupondo, por isso mesmo, uma relação de confiança entre o servidor designado e o superior hierárquico.

Consoante leciona José dos Santos Carvalho Filho 1 , "em geral, emprega-se a expressão função gratificada, que, na verdade, indica uma gratificação de função, ou seja, uma função especial, fora da rotina administrativa e normalmente de caráter técnico ou de direção, cujo exercício depende da confiança da autoridade superior".

Além disse, ao contrário de que alega a impetrante, não há dispositivo legal que garanta direito à permanência de servidores no exercício de funções gratificadas ou cargos em comissão. Por isso mesmo, Hely Lopes Meirelles 2 ensina que "os servidores podem estabilizar-se nos cargos, mas não nas funções".

Dessa forma, em razão da natureza precária e temporária que as caracteriza, tanto a designação para o exercício de funções gratificadas quanto a respectiva dispensa constituem-se em atos discricionários da Administração Pública, com a possibilidade de destituição ad nutum, sem a necessidade de instauração de processo administrativo prévio.

Igualmente, razão não assiste à impetrante quanto ao pedido subsidiário de incorporação do valor da gratificação percebida em razão do exercício da referida função.

Isso porque o art. 82, inciso II, da Lei nº 1.762/86, que previa a incorporação do valor da função gratificada, na forma de quintos, aos servidores que contassem seis anos completos, consecutivos ou não, de exercي cio em cargo ou funçمo de confiança foirevogado pela Lei nº 2.531, de 16.04.1999 – após a designação da servidora para o exercício da função gratificada de secretária da Escola Estadual Presidente Costa e Silva, no município de Anori/AM, levada a efeito através da Portaria GS 821 de 24.09.1999.Em outras palavras, quando a servidora impetrante foi designada para o exercício da função em questão, o adicional pelo exercício de cargo ou função de confiança, também denominado "quintos", já havia sido expressamente extinto pela Lei nº2.531/99, nos seguintes termos:

Logo, a despeito dos argumentos apresentados pela impetrante, o requerimento de incorporação do valor da gratificação de função anteriormente exercida não encontra nenhum embasamento legal que o legitime.

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MANDADO DE SEGURANÇA – DISPENSA DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO GRATIFICADA – ATO DISCRICIONÁRIO – PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DESNECESSIDADE – INCORPORAÇÃO DO VALOR DA GRATIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – ESTABILIDADE FINANCEIRA – INAPLICABILIDADE – SEGURANÇA DENEGADA. 2. Por força da natureza precária e temporária que as caracteriza, não há dispositivo legal que garanta direito à permanência de servidores no exercício de funções gratificadas, de modo que tanto a designação quanto a dispensa do exercício de funções gratificadas, constituem-se em atos discricionários da Administração Pública, e prescindem, por isso mesmo, de qualquer formalidade prévia, inclusive de procedimento administrativo disciplinar. [...] 4. O pedido subsidiário de incorporação do valor da gratificação percebida em razão do exercício da referida função não encontra embasamento legal, uma vez que o art. 82, inciso II, da Lei nº 1.762/86, que previa a incorporação do valor da função gratificada, na forma de quintos, foi revogado pela Lei nº 2.531, de 16.04.1999 – após a designação da servidora para o exercício da função de secretária da Escola Estadual Presidente Costa e Silva, no município de Anori/AM, levada a efeito através da Portaria GS 821 de 24.09.1999.[...] 6. Segurança denegada. (Mandado de Segurança n° 4003333-79.2015.8.04.0000, Tribunal de Justiça do Amazonas, Relator: João Mauro Bessa; Julgado em 10/12/2015)

3ª –

Na seara da Administração Pública, diversamente, a Constituição da República prevê que os servidores públicos quando assim deliberado pelo respectivo ente político sejam regidos pelo jurídico estatutário, cujo timbre primordial é o da supremacia do interesse público. A relação entre o servidor e o Poder Público, portanto, é de índole jurídicoadministrativa, sendo os direitos e deveres previstos em lei específica, a saber, o estatuto.

Dessa forma, ao ser investido no cargo, o servidor público já ingressa numa situação previamente delineada, não podendo modificá-la, sequer com a anuência da Administração, vez que o estatuto é Lei e, portanto, norma de ordem pública e cogente, inderrogável pelas partes.

Os substituídos, na condição de servidores públicos estaduais, estão submetidos a regime jurídico estatutário. Sendo assim, inaplicável ao caso os princípios do Direito do Trabalho, à medida que as normas e princípios que regulamentam a relação entre eles e a Administração Pública decorrem de diploma normativo específico.

Ausente em âmbito estadual norma que garanta a incorporação de valores outrora percebidos em razão do exercício de função comissionada, a título de Vantagem Pessoal Nominada, falece a possibilidade de seu reconhecimento e concessão, ainda que se leve em conta o lapso temporal de efetivo exercício, especialmente em face do principio da legalidade a que está vinculada a Administração Pública, bem como da ausência de direito adquirido a regime jurídico por servidores públicos.

Diante do exposto, por qualquer ângulo que se analise a questão, a pretensão veiculada nestes autos não merece prosperar, razão pela qual julgoIMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial em desfavor do Estado do Acre .

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Ademais, a incorporação, como vantagem pessoal, da remuneração do cargo em comissão pelo servidor que nele tenha permanecido por certo tempo atenta contra o próprio perfil constitucional do cargo em comissão, por ofensa ao princípio da isonomia, pois imprime tratamento discricionário definitivo e permanente entre os servidores de carreira, fazendo depender a incorporação exclusivamente de decisões pessoais e subjetivas, de nomear ou manter alguém em um cargo de provimento em comissão, com salário mais expressivo do que aquele investido por concurso público desprovido de tal benesse, e que, por isso mesmo, jamais alcançaria o teto remuneratório daqueloutros.

Quanto aos arestos colacionados, friso que eles não servem de paradigma, visto que aplicáveis no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, com aplicação das regras previstas no diploma celetista .

Em que pese os princípios jurídicos sejam normas basilares e que, portanto, compõem o sistema normativo pátrio como um todo, no plano teórico, o Direito é divido em vários ramos, cada um deles responsável por regular, por meio de suas normas e princípios específicos, as relações interpessoais dos diversos campos da vida em sociedade. Nessa tessitura, o Direito do Trabalho é orientado porprincípios gerais e próprios da relação trabalhista, sendo aqueles aplicados também a outros ramos do Direito, enquanto estes se referem a princípios peculiares à relação trabalhista .

Em sede doutrinária, Alice Monteiro de Barros explica que os princípios de direito do Trabalho são 'linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamentação das relações de trabalhoconforme critérios distintos dos que podem encontrar-se em outros ramos do Direito'.

Dentre os princípios norteadores do direito trabalhista, certo é que vigora o princípio da estabilidade financeira, o qual garante que o empregado seja mantido no mesmo padrão econômico padrão econômico produzido em sua esfera patrimonial após longo período laboral em função comissionada. É o teor da Súmula n.º 372 do TST, veja-se:

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES. I Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o principio da estabilidade econômica. II- Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação.Na seara da Administração Pública, diversamente, a Constituição da República prevê que os servidores públicos quando assim deliberado pelo respectivo ente político sejam regidos pelo regime jurídico estatutário, cujo timbre primordial é o da supremacia do interesse público. A relação entre o servidor e o Poder Público, por tanto, é de índole jurídico-administrativa, sendo os direitos e deveres previstos em lei específica, a saber, o estatuto .

Dessa forma, ao ser investido no cargo, o servidor público já ingressa numa situação previamente delineada, não podendo modificá-la, sequer com a anuência da Administração, vez que o estatuto é Lei e, portanto, norma de ordem pública e cogente, inderrogável pelas partes.

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Os substituídos, na condição de servidores públicos estaduais, estão submetidos a regime jurídico estatutário. Sendo assim, inaplicável ao caso os princípios do Direito do Trabalho, à medida que as normas e princípios que regulamentam a relação entre eles e a Administração Pública decorrem de diploma normativo específico ” (destacou-se)

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO POR MAIS DE DEZ ANOS. INCORPORAÇÃO DA DIFERENÇA ENTRE O VENCIMENTO DO CARGO EFETIVO E O DO CARGO COMISSIONADO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI ESPECÍFICA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA ESTABILIDADE ECONÔMICA E DO DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Sendo de caráter transitório tanto o cargo comissionado como a função gratificada/comissionada, só será devida a contraprestação pecuniária correspondente quando o servidor estiver atuando no (a) cargo/função retro (ex facto officii). 2. Somente quando a lei dispuser expressamente, o servidor público poderá incorporar/agregar, aos vencimentos do cargo efetivo, a diferença entre o valor destes e o do percebido no cargo em comissão ou, ainda, outras verbas em razão da peculiaridade das atribuições acometidas ao referido agente público. 3. Recurso de apelação improvido. (Apelação Cível n° 07044164620128010001, Tribunal de Justiça do Acre, Segunda Câmara Cível, Relator: Júnior Alberto, Julgamento em 04/09/2015).