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A AUTO-IMAGEM DO ADOLESCENTE AMPUTADO POR CÂNCER Sandra Rodrigues de Oliveira 1 Faculdade de Psicologia - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / São Paulo INTRODUÇÃO A adolescência é uma das fases mais importantes no processo de construção e formação da identidade dos indivíduos, e é neste momento que grande parte das mudanças corporais acontecem, as quais, em seu curso normal, podem gerar intensa ansiedade naqueles que as vivenciam. As transformações corporais fazem parte da vida de todos os seres humanos, mas nesta etapa em especial, qualquer alteração no curso deste processo se coloca como um possível obstáculo ao desenvolvimento saudável da imagem corporal, auto-estima e, conseqüentemente, da auto-imagem. Sob esta perspectiva, qual o impacto de um diagnóstico de câncer na adolescência? E se, além do tratamento medicamentoso, houver a indicação terapêutica de amputar parte deste corpo já em transformação? CÂNCER E ADOLESCÊNCIA O câncer é a terceira maior causa de morte no Brasil e a segunda doença mais incidente em nossa população. A expectativa é de que, neste século, o câncer passe a ser a principal causa de morte no mundo em decorrência do aumento da expectativa de vida e da alta exposição a fatores de risco. Na adolescência, os tumores ósseos malignos são os mais freqüentes – correspondem a 5% das neoplasias que incidem na faixa etária de 12 a 21 anos. Os 1 [email protected]

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A AUTO-IMAGEM DO ADOLESCENTE AMPUTADO POR CÂNCER

Sandra Rodrigues de Oliveira1

Faculdade de Psicologia - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / São Paulo

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma das fases mais importantes no processo de construção e formação da identidade dos indivíduos, e é neste momento que grande parte das mudanças corporais acontecem, as quais, em seu curso normal, podem gerar intensa ansiedade naqueles que as vivenciam. As transformações corporais fazem parte da vida de todos os seres humanos, mas nesta etapa em especial, qualquer alteração no curso deste processo se coloca como um possível obstáculo ao desenvolvimento saudável da imagem corporal, auto-estima e, conseqüentemente, da auto-imagem. Sob esta perspectiva, qual o impacto de um diagnóstico de câncer na adolescência? E se, além do tratamento medicamentoso, houver a indicação terapêutica de amputar parte deste corpo já em transformação?

CÂNCER E ADOLESCÊNCIA

O câncer é a terceira maior causa de morte no Brasil e a segunda doença mais incidente em nossa população. A expectativa é de que, neste século, o câncer passe a ser a principal causa de morte no mundo em decorrência do aumento da expectativa de vida e da alta exposição a fatores de risco.

Na adolescência, os tumores ósseos malignos são os mais freqüentes – correspondem a 5% das neoplasias que incidem na faixa etária de 12 a 21 anos. Os

                                                            

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tipos mais comuns são o Osteossarcoma e o Sarcoma de Ewing. Em 30% dos casos, não é possível a conservação do membro afetado devido principalmente à demora no diagnóstico (PETRILLI e CARAN, 2003). Desta forma, muitos adolescentes acometidos pela doença terão como indicação terapêutica a amputação de um (ou ambos) membro (s) inferior (es).

Na adolescência, as transformações corporais são intensas e têm importância significativa na formação de identidade dos jovens. Segundo Souza (2001), as mudanças físicas visíveis são aquelas que mais comprometem o desenvolvimento de uma auto-imagem e auto-estima positivas, interferindo também, direta ou indiretamente, nas relações familiares e sociais. A amputação, portanto, é um procedimento não só mutilador, mas também extremamente perceptível, marcando no corpo destes adolescentes uma das muitas perdas do processo de adoecimento.

OBJETIVO

Este trabalho teve como objetivo compreender o impacto da amputação de membro inferior em adolescentes com câncer e as possíveis conseqüências deste procedimento no processo de construção da auto-imagem dos mesmos.

COLETA DE DADOS

* Participantes: 3 adolescentes / 3 acompanhantes (pai ou mãe).

* Procedimentos: Entrevista semi-dirigida / Aplicação do teste projetivo HTP (House – Tree – Person) - apenas nos adolescentes.

* Categorias de análise: vivência da amputação e imagem corporal, relacionamento familiar, relacionamento com outros adolescentes, impacto diagnóstico e processo de adoecimento e perspectivas para o futuro.

RESULTADOS

1) Impacto Diagnóstico e Processo de Adoecimento

Todos os participantes, ao receberem o diagnóstico de câncer, sentiram-no como uma sentença de morte. Após o impacto diagnóstico, adolescentes e acompanhantes relatam serem os efeitos colaterais do tratamento (como queda de cabelo, náuseas e vômitos) os principais obstáculos durante o processo de enfrentamento da doença.

2) Vivência de amputação e Imagem corporal

Constatamos que, para todos os participantes da pesquisa, a amputação foi um evento desestruturador. Todos os adolescentes referiram-se à amputação como uma experiência mutiladora; os medos de não poder andar e de se tornar dependente dos

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pais foram comuns em todas as entrevistas. Percebem que a perda sofrida inscreve no corpo as muitas perdas vivenciadas no processo de adoecimento; porém, alegam que seus pais tomaram a decisão correta, o que “justifica” o procedimento de amputação e não deve ser motivo de tristeza e descontentamento. Além da amputação, as demais mudanças físicas decorrentes dos tratamentos, tais como queda de cabelo, emagrecimento e manchas avermelhadas no corpo deixaram marcas profundas na imagem que têm de seu corpo, seja em relação à aparência física, seja em relação a sua funcionalidade. Nas entrevistas e nos desenhos, os adolescentes se depreciam, apontando um rebaixamento da auto-estima frente a estas transformações corporais.

Em relação à aparência física, pudemos constatar que ser atraente fisicamente parece impossível após a amputação para os adolescentes e isto suscita medos, como não conseguir estabelecer novos relacionamentos. Os adolescentes do sexo masculino afirmam que a aparência física é fundamental no momento da conquista, de forma que não ser atraente impossibilita o início de um namoro. A adolescente do sexo feminino afirmou ser a amputação um obstáculo intransponível na realização de seu sonho de casar, pois nenhum rapaz irá se interessar por uma pessoa amputada.

3) Relacionamento familiar

Os adolescentes queixam-se de terem ficado dependentes dos pais e sentem como um retrocesso no processo de conquista de autonomia e diferenciação dos genitores. A perda da capacidade e independência é uma semelhança entre os entrevistados. Tornar-se um fardo, um incapaz, depender da família são frases comuns e geram forte ansiedade. Isto se confirma no discurso dos pais, que afirmam que seus filhos não serão capazes como antes.

4) Relacionamento com outros adolescentes

Outra conseqüência importante da amputação é a acentuação da diferença do grupo de iguais. Os três adolescentes referem sentir-se à parte dos demais adolescentes de sua geração, pois além de estarem doentes, não possuem mais um dos membros inferiores. Queixam-se da falta que sentem dos amigos de escola, mas também se entristecem ao dizer que muitos passaram a olhá-los com pena após a amputação. Também falam sobre a dificuldade de fazer novas amizades, tendo medo de se vincular a novas pessoas sem ter certeza do prognóstico.

5) Perspectivas para o futuro

Para todos os entrevistados, a amputação gera muitas incertezas futuras. Podemos pensar que, por ser uma perda não-reconhecida socialmente (já que a amputação tem como objetivo a cura do câncer), o processo de luto e elaboração desta perda fica prejudicado. As expressões de pesar são suprimidas, dando lugar às expectativas de um prognóstico positivo.

CONCLUSÃO

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A amputação traz conseqüências não só à auto-imagem e à imagem corporal do adolescente, mas também às suas relações interpessoais e expectativas futuras, podendo comprometer significativamente o desenvolvimento de sua identidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PETRILLI, A.S; CARAN, E.M. (2003) Câncer. In: COATES, V.; BEZNOS, G.W.; FRANÇOSO, L. Medicina do adolescente. 2.ed. São Paulo: Sarvier. p.267-73.

SOUZA, M.S. A ferida exposta: um estudo sobre a auto-imagem de crianças com lesões corporais (2001). Dissertação (Faculdade de Psicologia). PUC-SP. São Paulo. 107 p.