AUTONOMIA FEDERATIVA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS NA REGULAÇÃO ...
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PUC DEPARTAMENTO DE DIREITO
AUTONOMIA FEDERATIVA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS NA REGULAÇÃO DA
SUCESSÃO DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO
por
Vinicius Cozzolino Abrahão
ORIENTADORA: Regina Coeli Lisbôa Soares
2013.2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900
RIO DE JANEIRO - BRASIL
AUTONOMIA FEDERATIVA DOS
ESTADOS E MUNICÍPIOS NA
REGULAÇÃO DA SUCESSÃO DO
CHEFE DO PODER EXECUTIVO
por
VINICIUS COZZOLINO ABRAHÃO
Monografia apresentada ao
Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Regina Coeli Lisbôa Soares
2013.2
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, por ter me dado a vida, e por dar vida aos meus dias.
Quando penso no amor que sinto por você, tenho certeza de que a
eternidade existe. Obrigado!
Ao meu pai, por sempre valorizar e incentivar os meus estudos. Por
mostrar o caminho certo, e ter me ensinado coisas como caráter e
humanidade. Meu muito obrigado por tudo.
À minha irmã, de longe a pessoa que mais me perturba, e aos meus
primos-irmãos. Até aqui, nós dividimos as nossas histórias, e tenho certeza
que construiremos juntos os nossos futuros. Vocês dão alegria aos meus
dias. Muito, muito, muito obrigado por serem meus companheiros.
Aos meus tão queridos tios, que me têm como filho. Vocês fazem
toda a diferença na minha vida. Obrigado a cada um de vocês por sempre
me incentivar. Vocês são muito especiais. Aos meus avós, obrigado pelo
amor e pelo carinho.
Aos meus amigos, por poder contar com vocês. Quanto aos da PUC,
saibam que esses foram os anos mais especiais da minha vida, sem dúvida.
As emoções foram tremendas, e a amizade que construímos é uma das
coisas mais valiosas da minha vida. Conviver com vocês é um privilégio!!
À minha professora orientadora, pelo carinho com o qual sempre me
atendeu. Também a todos os professores que de alguma maneira
contribuíram para a minha formação. Felizmente, ao longo de minha vida
estudantil, pude ter exemplos do que efetivamente ser quando crescer.
À Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que sempre
terá um lugar especial no meu coração. Obrigado por me receber de forma
grandiosa e fazer com que eu me sinta em casa.
RESUMO
O modelo federativo brasileiro tem histórico centralista, com a
concentração das competências constitucionais em torno do governo
central. Após anos de ditadura militar, a Constituição de 1988 foi
promulgada com o compromisso de restabelecer a democracia no país. Para
isso, precisou desenhar o Estado federal e concedeu aos entes parciais
maior autonomia. Ao lado dos Estados e da União, introduziu os
Municípios como o mais novo ente federativo.
Como é característico em toda federação, a autonomia concedida às
unidades parciais permite-lhes formular suas próprias Constituições
estaduais e Leis Orgânicas, o que é denominado capacidade de auto-
organização. No entanto, também devem guardar com o modelo central
semelhanças que resguardem os princípios mais essenciais do Estado de
Direito instituído.
A vacância nas chefias do Poder Executivo nos Estados e Municípios
tem levantado questão sobre a possibilidade de, a partir da capacidade de
auto-organização, esses entes regularem o processo de sucessão. No caso da
presidência da República, a matéria é disciplinada pela CRFB, art. 81, §1º.
O objetivo deste trabalho é discutir se, respeitados os preceitos
constitucionais que informam a organização dos entes federados, o modelo
de sucessão do Presidente da República deve ser observado na sucessão dos
Governadores e Prefeitos ou se podem os entes federados tratar a matéria de
forma diversa.
Palavras-chave: Autonomia Federativa; Capacidade de auto-organização;
Dupla Vacância na chefia do Poder Executivo; Art. 81 da Constituição da
República.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 5
CAPÍTULO I - RESUMO HISTÓRICO: CAMINHO AO
FEDERALISMO BRASILEIRO ................................................................ 8
CAPÍTULO II - ATUAL PANORAMA DO FEDERALISMO
BRASILEIRO ............................................................................................. 21
CAPÍTULO III - NORMAS DE SIMETRIA VS. AUTONOMIA
FEDERATIVA ............................................................................................ 29
CAPÍTULO IV - CRFB, ART. 81, §1º: NORMA DE
REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA? ......................................................... 38
CAPÍTULO V - REGULAMENTAÇÃO DAS ELEIÇÕES
INDIRETAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS ..................................... 49
5.1 Participação dos Partidos Políticos ................................................. 50
5.2 Voto aberto ou secreto .................................................................... 53
CONCLUSÃO ............................................................................................. 56
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 61
INTRODUÇÃO
Na metade da década de 1980, o país entrou num processo de
redemocratização, que desembocou na promulgação da atual Constituição da
República em 1988. A íntima ligação entre federalismo e democracia fez com
que os Estados-membros resgatassem certa autonomia federativa, que chegou
com novas feições. Ainda dentro do compromisso democratizante, a Carta
Política rompe com a tradição dual do federalismo brasileiro e coloca os
Municípios como a terceira esfera de autonomia, ao lado da União, dos Estados e
da figura híbrida do Distrito Federal. Como não poderia deixar de ser, dentro de
um sistema no qual os entes parciais possuem autonomia, organizam-se os
Estados e Municípios por suas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas,
respectivamente, conforme dispõe a CRFB, arts. 25 e 29.
No entanto, essa capacidade de auto-organização atinente ao Estado
federal sofre limitações, já que deve seguir um determinado padrão, o que é
chamado de simetria. No caso brasileiro, o texto constitucional prevê a necessária
observância pelos entes federados do sistema presidencialista, estipulando que
Governadores e Prefeitos serão eleitos, a cada quatro anos, pelo voto popular
direto. Dentro da normalidade esperada, os governantes cumprem todo o período
previsto para o mandato, podendo, nos casos de impossibilidade de exercício, ser
sucedidos pelos vices. E quando também há a inviabilidade de o Vice-
Governador ou Vice-Prefeito dar continuidade ao restante do mandato, qual o
procedimento a ser seguido?
A Lei Fundamental trata, em seu artigo 81, o caso da dupla vacância do
cargo de Presidente da República. A matéria, todavia, não é tratada de forma
expressa em relação aos entes parciais, que, por conta disso, entenderam ser o
assunto atinente à capacidade de auto-organização que dispõem. Dessa forma, o
fenômeno sucessório ganhou regulação própria nas Constituições estaduais e
Leis Orgânicas.
6
A inconstitucionalidade dessas normas regionais e locais tem sido
arguida, sob a alegação de que o texto constitucional já previu um
regramento em relação ao Presidente da República. Ou seja, a
jurisprudência tem sido instigada a manifestar-se sobre a possibilidade dos
Estados e Municípios, a partir do exercício da autonomia federativa,
regularem a sucessão do Chefe do Poder Executivo: se por eleições diretas
ou indiretas. Este trabalho pretende ponderar, de um lado, a simetria
organizacional imposta pela Carta Política brasileira ao Poder Constituinte
Decorrente dos Estados e dos Municípios1, e, de outro, a autonomia desses
entes políticos.
Para tanto, o capítulo I destrincha a formação do federalismo no
Brasil. Desde a colonização, o território brasileiro, por conta de sua
extensão, necessitou de divisões administrativas. Já no período imperial,
foram sendo destacadas as diferenças culturais por todas as partes do país, o
que destoava da forte concentração do poder político na figura do monarca
e na Corte, situada no Rio de Janeiro. Enfim, a Carta Republicana de 1891
inaugura, no Brasil, a forma de Estado federativa, que, todavia, não se
manteve intacta por todo o período republicano. O percurso histórico pode
demonstrar as dificuldades enfrentadas pelo modelo federal, e a que ponto
possui real legitimidade. Ao desembocar na ordem constitucional
estabelecida em 1988, ficará clara a proximidade entre democracia e
federalismo.
Continuando a partir da atual conjuntura do federalismo no Brasil, o
capítulo II pretende mostrar que, em muitos países, a opção pelo
federalismo pode ser uma necessidade, além das vantagens aferidas de sua
implementação. Especificamente em relação à atual Constituição brasileira,
é feita uma análise crítica tanto à demasiada interferência na organização
dos entes federados, o que gera um modelo demasiadamente simétrico, e
quanto à divisão de competências legislativas e administrativas. Por outro
1 É controverso na doutrina se os Municípios exercem parcela de Poder Constituinte. Nesse trabalho,
adotamos o posicionamento de Gilmar Ferreira Mendes, segundo o qual tais entes possuem poder constituinte
decorrente. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
7
lado, é destacado o seu ineditismo quanto à elevação dos Municípios como
entidade político-administrativa membro da federação, o que impede uma
ingerência dos Estados-membros em sua autonomia.
Explicitada a autonomia dos entes parciais, ponto fulcral é conseguir
mensurar os seus limites, e é isso que se pretende fazer no Capítulo III. As
regras e princípios de simetria inseridos na Constituição da República
abrem ou não a possibilidade para que o Estado-membro ou o Município
delibere acerca de sua organização. Para que haja a possibilidade de
regularem a sucessão do Chefe do Poder Executivo, é imprescindível que
tal matéria não esteja vinculada a nenhum preceito constitucional, pois aí
estarão invariavelmente sujeitos ao modelo federal.
Dando continuidade, o Capítulo IV dedica-se, especificamente, a
saber se a reprodução do art. 81 da CF é obrigatória nas Constituições
estaduais e Leis Orgânicas. Para isso, é feita uma busca por princípios
constitucionais que poderiam tornar o modelo de sucessão federal afeto às
unidades parciais. Nesse ponto, é possível adentrar a jurisprudência pátria e
separar os argumentos a favor e contra a regulação desvinculada. Além
disso, é preciso demonstrar a divergência em torno da natureza que possui a
escolha do sucessor do Chefe do Poder Executivo: matéria de direito
eleitoral, cuja competência legislativa privativa é da União, ou uma decisão
de poder?
Por fim, o Capítulo V, pressupondo a possibilidade dos Estados e
Municípios determinarem que o processo de sucessão seja feito por eleições
indiretas, discute sua regulamentação, especificamente quanto à
participação dos partidos políticos e quanto à forma de escrutínio, se
fechada ou ostensiva.
Em suma, partindo da construção do federalismo no Brasil e
chegando no atual modelo, pretende-se analisar se o art. 81 da Constituição
da República é de observância obrigatória aos Estados e Municípios e, caso
não o seja, se podem esses entes dispor acerca da regulamentação de
eleições indiretas.
CAPÍTULO I
RESUMO HISTÓRICO: CAMINHO AO FEDERALISMO
BRASILEIRO
A primeira divisão administrativa de nosso território é feita entre
1534 e 1536. Com a necessidade de dar início à exploração colonial e
proteger suas terras de contrabandistas estrangeiros, a coroa portuguesa
dividiu seu território em 15 faixas a serem administradas por donatários,
sistema que ficou conhecido como “Capitanias hereditárias”. Mesmo não
possuindo as mesmas dimensões territoriais e demais complexidades atuais,
a medida tinha como clara motivação a imensidade territorial do país.
Muito embora tal divisão tenha ocorrido, sua imediata finalidade era
unicamente atender aos interesses gerenciais da coroa naquele período,
ficando as especificidades regionais e suas consequências econômicas a
demonstrarem importância ao longo do tempo. O que havia, de fato, era
uma desconcentração da Administração Pública, mas não uma
descentralização do poder político. Esse panorama centralista predominou
na história brasileira até o esfacelamento do Império.
Com a proclamação da Independência em 1822, surge a necessidade
de estabelecer uma ordem jurídica nacional. A primeira Constituição
brasileira, outorgada em 25 de março de 1824 pelo Imperador Dom Pedro I,
dividiu o país em províncias, cujos presidentes eram nomeados pelo próprio
monarca. A estrutura básica da Carta Política era centralizadora, prevendo,
inclusive, a existência do poder moderador, cuja função era regular os
demais poderes.
Apesar de terem sido enviadas cópias dos textos aos Municípios para
darem sugestões que a ela seriam acrescentadas, a Constituição não perdera
seu caráter autoritário. Naquele momento, apesar da ainda maior vastidão
9
territorial e de, ao longo do período colonial, as regiões do país terem
passado por diferentes processos de ocupação que, nas palavras de João
Camillo de Oliveira Torres, criavam “um colorido mosaico de condições
econômicas variando ao infinito”2, o Brasil assumiu a forma de um Estado
unitário. De fato, o país ainda não possuía uma unidade nacional, e uma
descentralização política poderia ensejar uma fragmentação de seu
território3.
A primeira Constituição do país refletia a genuína vocação
centralizadora do Brasil, herdada do período colonial. A verdade é que
nosso federalismo foi gradativamente sendo forjado ao lado do
desenvolvimento econômico4, e os consequentes anseios das elites regionais
em instituírem as suas próprias parcelas de poder político frente ao governo
central.
Com a abdicação do Imperador, o Brasil entrou no período regencial,
compreendido entre 1831 e 1840. As manifestações decorrentes da
abdicação, juntamente às pressões por mudanças fizeram com que as
disputas entre os grupos políticos, possuidores de diferentes interesses,
fossem acirradas. Em 1834 foi elaborado o Ato Adicional à Constituição de
1824, que visava conciliar as tendências políticas centralizadoras dos
moderados com as descentralizadoras. Esse instituto significou a primeira
ruptura com o modelo de Estado unitário até então vigente, pois, entre
outras medidas, criou as Assembleias Legislativas provinciais com amplos
2 TORRES, José Camilo de Oliveira. A formação do Federalismo no Brasil. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1961, p. 184. 3 Como ensina José Murilo de Carvalho, “o Império, não se distanciando do arcabouço instaurado
no período de pré-independência, logrou, ao menos durante os anos de sua existência mais pujante,
manter coesa a elite, o que significou a redução dos conflitos internos entre os grupos dominantes
e a neutralização da possibilidade de eclosão de revoltas mais amplas na sociedade”.
CARVALHO, José Murilo de. A Constituição da Ordem: a elite política imperial. Teatro das
sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.40 apud OLIVEIRA,
Ricardo Victalino de. Federalismo assimétrico brasileiro. Belo Horizonte: Arraes Editora, 2012,
p. 148. 4 Uma ressalva é necessária, já que nem todas as regiões do país que receberam autonomia política
passaram por desenvolvimento gradativamente semelhante aos de outras. A economia brasileira é
geograficamente heterogênea, o que causa dúvidas, inclusive, acerca da viabilidade da existência
de algumas unidades federativas, seja quanto ao sustento de sua necessária máquina
administrativa, seja quanto à capacidade que possuem para a implementação de políticas públicas
atinentes às suas competências materiais.
10
poderes, medida claramente descentralizadora, uma vez que cada província
poderia, a partir de então, criar leis próprias, além de conferir-lhes relativa
autonomia administrativa. Os governantes das províncias, no entanto, ainda
eram nomeados pelo governo central, assim como todo o aparato
administrativo do recém-criado Distrito Federal.
O instituto demonstrou-se uma transição entre a Carta outorgada em
1824 e o início da federação brasileira5. Algumas intentadas por
descentralização, como a Guerra Farroupilha, entre 1835 e 1845,
demonstravam a pouca efetividade do ato editado em meados dos anos 30.
Esse dispositivo, na verdade, traçava uma cooptação entre os interesses
conservadores e liberais, vez que impedia o chamado substitutivo Miranda
Ribeiro, de 1831, que pretendia transformar o Estado numa federação sob a
égide de uma monarquia constitucional. Com o fim do período regencial, a
experiência das assembleias provinciais salvaguardou às províncias um
grau menos restrito de autonomia, traduzindo-se o Ato adicional de 1834
numa concessão pragmática.
Hely Lopes de Meirelles adverte que, quanto aos Municípios, o Ato
adicional de 34 “enveredou pela descentralização, mas incorreu em igual
erro ao subordinar as municipalidades às Assembleias Legislativas
provinciais em questões de exclusivo interesse local”6. Mostra o autor que
fora um retrocesso, pois colocava as municipalidades em patamar inferior
aquele no qual se situava no curso dos séculos ao longo do período colonial.
O período regencial foi marcado por uma intensa instabilidade
política. Passadas suas rebeliões, os defensores da descentralização política
no início do Império converteram-se em adeptos da centralização, o que
deve ser atribuído a uma mudança na perspectiva econômica e política na
5 “Não se pode olvidar o precedente do ato de 1834 como genuíno prenúncio da sistematização
federativa do Estado brasileiro. Sua tênue e tímida eficácia prática não lhe retira a concretude
normativa nem o caráter de vitoriosa oposição ao sistema centralista emoldurado na Constituição
Política do Império do Brasil”. – FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Federalismo
Constitucional e Reforma Federativa: Poder Local e Cidade-Estado. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2012, p. 8. 6 MEIRELLES, Hely Lopes. “Direito Municipal Brasileiro”. 15ª Edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006. p. 48.
11
classe dos latifundiários. No aspecto econômico, embora o território
nacional fosse de grandes dimensões, e o Nordeste passasse por período de
crise econômica, seus latifundiários conseguiram, aos poucos, chegar ao
controle do aparelho estatal. Do ponto de vista político, à medida que a elite
burocrática de origem portuguesa foi sendo substituída pela brasileira, a
aristocracia foi deixando de temer que a independência pudesse estar
ameaçada. Essa conjuntura propiciou um retrocesso em relação à autonomia
das províncias, cuja expressão jurídica foi a Lei nº 105 de 1840 (Lei
Interpretativa do Ato Adicional de 1834), editada ao tempo da regência da
Araújo Lima.
Em meio ao retrocesso centralizador, também não sobreviveu o
governo regencial, pois liberais temiam a demasiada retomada de poder
político ao governo central. Foi formado o “Clube da Maioridade”, que
associava defensores da imediata condução do Imperador Dom Pedro II ao
trono, com vistas a estancar as medidas centralizadoras.
Com a coroação do jovem monarca, pode-se dizer que houve uma
vitória dos liberais, embora durante todo o Segundo Reinado a forma de
Estado assumida fosse a unitária, sem descentralização do poder político. A
partir da década de 1870, os movimentos republicanos começam a ganhar
mais forma, e em 1873 é criado o Partido Republicano Paulista. A verdade
é o que o centro do republicanismo já não se encontrava no Rio de Janeiro,
pois tinha migrado para São Paulo, mais especificadamente para o interior
do Estado, onde os cafeicultores possuíam a maior parte da riqueza, como
destacam Claudio Vicentino e GianpaoloDorigo:
“o poder econômico dos cafeicultores paulistas não encontrava contrapartida na
política, uma vez que o Império era excessivamente centralizado no Rio de Janeiro.
A elite burocrática imperial era proveniente de outras áreas do país (Nordeste,
Baixada Fluminense), portanto desvinculada dos interesses ligados à moderna
cafeicultura do Oeste paulista. Assim, surgia um descompasso entre a
modernização e o imobilismo burocrático do governo imperial”.7
7 DORIGO, Gianpaolo; VICENTINO, Cláudio. História do Brasil. São Paulo: Editora Scipione,
2004, p. 261.
12
No mesmo sentido, Ricardo Victalino de Oliveira:
“O unitarismo manteve-se vigoroso enquanto houve identificação entre economia e
participação política. Entretanto, como consequência do deslocamento do centro
dinâmico da economia do país, nos anos posteriores a 1850, observou-se a
instauração do desequilíbrio entre o poder econômico e o poder político. Esse fator
foi decisivo para que surgissem árduos conflitos entre as elites dirigentes e para o
fortalecimento da aspiração federalista no seio dos atores responsáveis pela
manipulação do poder ideológico”8.
A forma de governo monárquica há tempos já vinha se desgastando.
Fatores somados, como os custos da Guerra do Paraguai, o fim da
escravidão, sendo esse tipo de mão-de-obra predominantemente utilizada
pelos cafeicultores fluminenses, os mais ligados à Corte, e a crescente ânsia
das elites locais pela descentralização política colocaram em xeque o
modelo do centralismo. Houve uma mudança no pensamento que
sustentava o Império brasileiro como o garantidor da coesão nacional para
“a ideia de que a integridade nacional dependeria em demasia do êxito a
ser alcançado no processo de fragmentação do poder”9.
Em 1889 eclodiu a República e, com ela, a necessidade de uma nova
ordem jurídica, que refletisse a então configuração social e os anseios
daqueles que defendiam a troca de regime. Em 1891 foi promulgada uma
nova Constituição, que transformou o Brasil numa república federativa,
com um governo central e 20 Estados membros. Cada Estado teria grande
dose de autonomia10
, podendo até mesmo manter Forças Armadas próprias.
Essa autonomia era inclusive fiscal, pois os Estados estavam autorizados a
instituir impostos (Art. 9º). Não somente o nome do país, que se passou a
chamar Estados Unidos do Brasil, mas também sua forma de Estado foi
uma inspiração norte-americana, já queo modelo deEstado federal é
inaugurado na Constituição norte-americana de 1787. De acordo com
Manuel García Pelayo, tal Estado respondeu às necessidades práticas, haja
8 OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. cit., p. 148.
9 Ibid. p 148.
10 A capacidade de auto-organização dos Estados-membros conferida pela primeira Carta
Republicana jamais lhes foi concedida por regimes constitucionais posteriores. Para se ter ideia,
poderiam, inclusive, adotar Legislativo bicameral, abrindo a possibilidade para a existência de
Senados estaduais, assim como ocorre nos Estados Unidos da América.
13
vista que "se tratava de buscar uma fórmula que fizesse compatíveis a
existência dos Estados individuais com a de um poder dotado de faculdades
para bastar-se por si mesmo, no concernente à esfera de suas funções"11
.
No que pese a devida diferenciação entre o federalismo vivenciado
nos Estados Unidos da América e o brasileiro, fato comum é que tal forma
de Estado teve e tem como razão de ser a capacidade de dirimir conflitos
entre agentes políticos heterogêneos, principalmente em Estados que
possuem territórios tão grandes a ponto de possibilitar diferenciações
regionais gritantes, e a necessidade comum que esses diferentes grupos
possuem de manter uma coesão. Os dois países possuem contexto histórico
profundamente distinto, e seus federalismos partem de pontos divergentes.
Enquanto nos EUA as treze colônias soberanas constituíam uma
confederação e caminharam a constituir um Estado federal, ou seja, um
movimento centrípeto, no Brasil diversos fatores, sobretudo a preocupação
pós-independência em evitar esfacelamento do território nacional, levaram
a uma centralização do poder político, de forma que a criação de entes
federados representa claramente um movimento centrífugo, também
chamado de federalismo por desagregação.
Reside na histórica tendência centralista e no referido processo de
desagregação a dificuldade em conceder aos entes federados competências
legislativas e materiais que até hoje emperra o desenvolvimento do
federalismo no Brasil. A primeira Constituição republicana, no entanto, foi
bem longe, e deu aos Estados as mais amplas competências, chegando a
delegar-lhes poder legislativo acerca do direito processual civil. A opção
feita era claramente por um federalismo dual, fixando competências
estaduais e federais que não se confundiam.
O resultado teórico demonstrou-se uma cópia fiel12
do modelo norte-
americano13
, tanto por sua dualidade, como pela simetria, tanto na
11
GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado,.3º Edição. Madrid: Revista
de Occidente, 1953, p. 215 apud OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. cit., p. 23. 12
Diz-se cópia quanto à estrutura da Carta brasileira, pois a União concentrou mais competências
legislativas e administrativas se comparada à Constituição norte-americana.
14
representação do Senado14
, quanto na igualdade de competências
concedidas, independentemente de qual fosse a unidade federativa. A
verdade foi que o brado por descentralização oriundo de Estados mais fortes
ecoou com seus efeitos Brasil adentro, esquecendo-se que “a fixação de
competências constitucionais é, sem dúvida, ponto de reconhecida
significância de todo o regime federativo, entretanto, o federalismo, como
fenômeno político-jurídico, abarca dimensões muito maiores”15
.
O que ocorreu durante a República Velha tem como lógica as
inovações jurídicas de caráter dogmático16
que nela surgiram. O direito
estava a serviço de oligarquias regionais que sustentavam o governo central,
em troca de uma carta branca na utilização do poder político em seus
territórios. Tal mecanismo era a chamada “Política dos governadores”, e
demonstrava claramente a ausência de essência democrática no federalismo
brasileiro em sua primeira formação, bem como a impossibilidade que
alguns Estados possuíam no exercício de sua autonomia. Vale destacar os
consoantes ensinamentos de Ricardo Victalino de Oliveira e Gustavo
Sampaio Telles Ferreira, respectivamente:
13
“Assim como a transformação da Monarquia em República foi o produto da convergência de
interesses que, essencialmente, eram diversos e muitas vezes contraditórios entre si, a questão do
federalismo também é controvertida, havendo quem afirme que a forma federativa foi adotada
porque, nas circunstâncias, era a opção natural e óbvia, enquanto outros sustentam seu caráter
artificial, desligado da realidade, dizendo que a sua adoção no Brasil não passou de cópia servil do
modelo estadunidense”. DALLARI, Dalmo de Abreu. República e Federação no Brasil. 20 anos
da constituição cidadã: Cadernos Adenauer IX (2008), nº1. Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer. página 45. 14
Manuel Gonçalves Ferreira Filho esclarece que, “sem dúvida, foi a Federação americana o
modelo seguido. Era este certamente o que mais próximo estava de nossas condições. Esta
inspiração claramente se manifesta pela consagração da igualdade absoluta entre Estados-
membros, de que resulta a simetria na representação do Senado, nas competências, na repartição
de fontes tributárias, bem como pela rigorosa separação das esferas, da União, de um lado, dos
Estados, de outro, como é típico do federalismo dualista então consagrado na América do Norte”.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São
Paulo: Saraiva, 2003, p.174. 15
OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. cit., p. 198. 16
Vale aqui relembrar os ensinamentos de Ferdinand Lassalle sobre os fatores reais de poder e os
limites impostos ao Direito por essa realidade: “os problemas constitucionais não são problemas
de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores
reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem
são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade
social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar”. LASSALLE, Ferdinand.
Que é uma Constituição?. Porto Alegre: Villa Martha, 1980, p. 73.
15
A autonomia política era mera declaração constitucional, inexistindo, em termos
práticos, quase que para todos os Estados-membros, os quais dependiam do
frequente auxílio do Tesouro Federal. Ademais, recorrer à ajuda da União, durante
a vigência da República Velha, significava acatar automaticamente os interesses
manifestados por aqueles dois Estados que exerciam domínio na política do país,
num sistema que ficou conhecido como “o bloco do café com leite”17
“Se, por um lado, achava-se na descentralização vertical a fonte inspiradora do
paradigma constitucional republicano brasileiro, dando-se às unidades da
Federação autonomia jamais experimentada, tinha-se, em outra face, inconteste
predomínio das elites agrárias do Sudeste no Poder Executivo Federal, com
revalidação dos vícios do unitarismo do Século XIX. A chamada política do café
com leite traía as próprias bases teóricas do movimento de 15 de novembro de
1889, repristinava por ele veementemente combatidas e que prevaleceram durante o
regime monárquico também por ele derrubado”18
.
Quanto aos Municípios, a Constituição de 1891 não reservava
tratamento especial. Apenas preconizava em seu artigo 68: “Os Estados
organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos
Municípios, em tudo quanto respeite ao seu particular interesse”. Dessa
forma, foi bastante variável a forma pela qual os Estados dispensaram
tratamento aos Municípios. Pretendia-se manter a essência do federalismo
dual, cabendo ao Estado-membro a regulação acerca da autonomia
municipal.
No fim da República Velha, ficou demonstrado que, apesar dos
ideários federalistas terem sido uma grande bandeira contra o governo
monárquico, a sua instalação no período republicano não serviu
efetivamente a um propósito democrático. O que houve foi um grande
fortalecimento de oligarquias regionais. O desgaste do modelo levou à
Reforma Constitucional de 1926, que por sua vez retornou a um
centralismo, vez que reconduziu à União competências até então da alçada
estadual.
Esgotado o modelo de sustentação da República Velha, a chegada de
Vargas ao poder, em 1930, é apoiada por oligarquias dissidentes que não se
sentiam prestigiadas pelo governo central. O golpe foi visto com bons olhos
em Estados nos quais os serviços de competência regional não eram bem
prestados por seus governantes. Foi editada a Lei de Organização do
17
OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 153. 18
FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Op. Cit., p. 19.
16
Governo Provisório, datada de 11 de novembro de 1930, que permitia ao
presidente nomear interventores aos governos estaduais. Esse foi um dos
motivos para que eclodisse em São Paulo a Revolta Constitucionalista de
1932.
Em 1934 é promulgada uma nova constituição. Embora houvesse na
constituinte um consenso pelo federalismo, a autonomia dos Estados foi
reduzida, ampliando as tarefas legislativas da União. Além disso, o
unicameralismo funcional foi introduzido ao Legislativo Federal, colocando
o Senado como órgão auxiliar da Câmara dos Deputados19
.
Outra mudança de grande relevância foi na combinação de divisão
de competências. A entrada em cena da segunda fase do constitucionalismo,
com os direitos sociais, levou ao aparecimento, no cenário nacional, do
federalismo cooperativo, em que os entes federados passaram a partilhar
competências comuns com vistas a melhorar os serviços públicos prestados.
Da mesma forma, a nova Carta também conseguiu, através da prestação
positiva de auxílios aos Estados que necessitassem, diminuir a
intransigência com que o modelo federativo fora tratado em sua fundação,
respeitando as diferenças regionais. No que concerne aos Municípios,
limitava a autoridade estadual e ampliava a municipal. Instituiu tributos
para a formação do orçamento municipal capaz de atender aos interesses e
demandas locais.
A Carta promulgada em 1934 dura pouco tempo. Com a
decretação do Estado Novo, em 1937 é outorgada a chamada “Constituição
Polaca”, por ter inspiração na Constituição da Polônia, de 23 de abril de
1935, e nas ideias nazifascistas de Hitler e Mussolini. Previa poderes
altamente concentrados no executivo federal.
No tocante às relações federativas, textualmente dava aos Estados-
membros autonomia para instituir suas próprias constituições e as leis pelas
19
Artigo 88 da Carta de 1934: “Ao Senado Federal, nos termos dos artigos 90, 91 e 92, incumbe
promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar
pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos de sua competência”.
Artigo 92, I: compete ao Senado Federal:, I, colaborar com a Câmara dos Deputados na elaboração
de leis sobre:...”
17
quais seriam regidos. No entanto, o fato era que o Estado-Novo dispunha de
instrumentos ditatoriais que iam muito além da permissão jurídica para tal,
e isso favorecia uma restrição muito forte à autonomia federativa. O
Decreto-Lei nº 1.20220
, datado de 8 de abril e 1939, estabeleceu regência
aos Estados e Municípios até que fossem aprovadas as suas Constituições,
sem prazo para que tais trabalhos tivessem fim, além de regular os regimes
de servidores públicos dos demais entes. O grande problema estava no
Parágrafo Único do art. 1º da Constituição polaca, que previa que as
Constituições estaduais só seriam outorgadas após o plebiscito sobre o texto
da Carta Federal. Como o decreto presidencial a convocar tal plebiscito
nunca foi editado, todas as Constituições estaduais não puderam ter vida.
Além da nomeação de interventores nos Estados, apesar de terem
os Municípios competência legislativa para instituir o imposto municipal
(art. 26), os governadores estavam autorizados a nomear os prefeitos. Ou
seja, estava completamente suprimida, na prática, a capacidade de
autogoverno dos entes federados, vez que o presidente da república
nomeava os interventores e, por esses, eram nomeados os prefeitos dos
Municípios. Ou seja, a forma de Estado federal era meramente nominativa,
não existindo, na realidade, qualquer autonomia federativa.
Findo o Estado Novo, a Constituição de 1946 restabeleceu a
federação, com uma melhor distribuição de competências entre os entes
políticos, que, no entanto, não chegaram a recuperar o grau de autonomia
que possuíam antes do golpe de 1930. A quarta Carta Política republicana
ensaiou uma ruptura com o federalismo dual, como ensina Gustavo
Sampaio Telles Ferreira:
“Embora o parágrafo primeiro do art. 1º se restringisse a definir a União como ente
integrado pelos Estados e pelo Distrito Federal, foram as municipalidades, por não
poucas passagens, mencionadas em posição de proeminência mostra do prestígio
alcançado pelo poder local na organização estatal brasileira”.(...) “De fato, a
fixação da autonomia municipal como cláusula limitadora dos Estados-membros no
estabelecimento de suas Constituições aliou-se aos desígnios do interesse local e
20
A vigência do decreto 1.202 protraiu-se até 1943, quando foi introduzido o decreto 5.511, com
alterações sobre autonomia dos Estados e Municípios, discriminando melhor suas competências.
18
serviu de impedimento a possíveis e pretensos ensaios centralistas de nível
estadual”21
.
No mesmo sentido, Walter Costa Porto, comentando texto do
Professor Miguel Reale:
“Em texto de 1960, o professor Miguel Reale afirma que a Constituição de 1946
havia introduzido uma novidade na vida federativa brasileira ao outorgar um
quadro de competência originária aos Municípios, que deixavam, desse modo, de
ter sua autonomia inteiramente regulada pelos Estados. A federação passava, assim,
de ‘dualista’ a ‘tridimensional’, pelo acréscimo dos Municípios aos Estados e à
União, antes considerados os dois únicos elementos constitutivos da federação”22
.
Ainda sobre tal tendência municipalista, Pontes de Miranda afirma
que “a Constituição de 1946, sem ir até onde deveria ter ido, restaurou a
autonomia municipal e deu nova oportunidade à intensa política
municipalista”23
.
O país retornou, no ano de 1964, a um período não democrático,
fruto de um golpe militar. Em novembro do mesmo ano, com a EC nº 10, a
autoridade legislativa da União foi alargada, com o acréscimo do direito
agrário às suas competências privativas. A Emenda 12 inovou com regras
sobre hipóteses de nomeação de prefeitos por governadores de Territórios e
de Estados-membros, enquanto a Emenda 13 tratava da eleição dos chefes
executivos estaduais e locais.
Com a edição de sucessivos atos institucionais pelo governo militar,
a Constituição de 1946 já não mais se sustentava. Antes de fechado o
Congresso Nacional, foi proclamada a Constituição semântica de 1967, que
apesar de manter a forma federativa em seu texto, centralizou todo o poder
político nas mãos do Presidente da República, possuidor de iniciativa de
legislativa sobre qualquer matéria. A competência estadual era estritamente
residual, podendo exercer todos os poderes pela Constituição não vedados,
21
Ibid. p. 39.
22PORTO, Walter Costa.O Federalismo no Brasil. Arquivos do Ministério da Justiça, Ano 46, n.
181. Brasília: Ministério da Justiça, 1993 – Janeiro/Junho 1993, página 12 apud FERREIRA,
Gustavo Sampaio Telles. Op. Cit., p. 39.
23 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. 3ª
Edição (revista e aumentada) – Tomo II – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1960, página 256.apud
FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Op. Cit., p. 39.
19
e reservava aos governadores a nomeação de prefeitos de capitais e
Municípios estratégicos, ou seja, uma clara exterminação da capacidade de
autogoverno de tais Municípios. Nesse sentido:
“A nova Lei Fundamental fazia revalidar a concentração de poderes em torno da
esfera governamental da União, restringida sensivelmente a autonomia dos Estados
e Municípios. Muito embora seu artigo primeiro dispusesse pela opção federativa”
(...) “Mesmo que assente a tradição centralizadora consolidada no transcurso da
história brasileira, a leitura integral do texto então elaborado deixava inequívoca a
acentuação desta tendência”24
A Lei Fundamental do período ditatorial também trouxe em seu
artigo 13, III, regra segundo a qual os Estados e Municípios deveriam
adotar as mesmas regras de processo legislativo nela contidas – regra da
simetria. Tal regra não foi repetida na Constituição de 1988, mas a
jurisprudência parece decidir em estado de inércia, aplicando decisões
referentes ao atual processo legislativo sem que haja um dispositivo
constitucional que legitime tamanha interferência na autonomia dos
membros da federação.
Os anos de chumbo foram endurecendo e, em 1969, é editada
a EC nº 1 à Constituição de 1967, considerada por muitos autores como
uma nova Constituição, e que enxugou ainda mais a autonomia federativa.
Dispôs que seriam realizadas eleições indiretas para governadores em 1970.
A experiência constitucional brasileira demonstrou, como dito
anteriormente, uma forte tendência ao centralismo. Em certos períodos, isso
ficou evidente, com a real supressão da autonomia federativa no território
nacional, e, não por coincidência, em períodos nos quais a máquina estatal
não era movida por ideais democráticos. O próximo passo na jornada
constitucional, a atual Constituição, promulgada em 1988, modifica ainda
mais as feições do federalismo brasileiro.
Muito influenciada pelo contexto em que foi formulada, com as
grandes preocupações e pressões sociais em direcionar o país rumo a uma
via democrática, a Carta Política de 1988 reelabora a composição de nossa
24
FERREIRA, Gustavo Sampaio Telles. Op. Cit., p. 60.
20
federação, incluindo nela os Municípios, e refaz a divisão de competências
administrativas e legislativas. Como abre espaço à descentralização do
poder político, consegue chegar um pouco mais perto daquilo que é, ao
mesmo tempo, fundamento e objetivo dos modelos de federação: formação
de governos democráticos.
CAPÍTULO II
ATUAL PANORAMA DO FEDERALISMO BRASILEIRO
O objetivo neste capítulo é estudar os contornos do sistema
federativo brasileiro traçados pela atual Carta Política. Para isso, é essencial
entender a lógica da forma de Estado federativa, especificamente no Brasil,
mas não apenas nele. É fundamental entender o porquê da escolha pela
descentralização política, suas consequências – e aí se incluem os
benefícios aferidos -, e as eventuais dificuldades oriundas de uma má
elaboração desse sistema.
Primeiramente, é mister elucidar que não é o propósito de uma
federação criar qualquer tipo de desagregação ou distanciamento entre seus
membros. Muito pelo contrário. A escolha federativa é aquela que
justamente tenta conciliar a convivência de diferenças e semelhanças, de
forma que o custo-benefício para as entidades autônomas seja positivo. Nas
palavras de Pablo A. Ramella, “o princípio fundamental do federalismo é
que esse regime não aspira nem a fundir, nem a separar, mas a articular, a
guiar”25
.
As experiências estrangeiras têm demonstrado como o Estado federal
pode ser um instrumento a evitar a secessão em alguns Estados. Um
exemplo é o Canadá, que adota o modelo de federalismo assimétrico tendo
em vista as demandas por autonomia de Quebec. Essa província tem
estatuto jurídico diferenciado das demais regiões de seu país. Esse
mecanismo é de cunho isonômico, pois permite que possa dialogar melhor
com as variantes que a tornam tão diferente.
25
RAMELLA, Pablo A. Replanteo del Federalismo. Buenos Aires: Depalma, 1971, p.27 apud
OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 23.
22
O federalismo assume diferentes feições em cada Estado no qual é
adotado, não possuindo uma fórmula única, e “deve ser compreendido
como princípio fundamental político, consubstanciado na liberdade de
formação unificadora de totalidades políticas e diferentes”26
. Nas palavras
de Ricardo Victalino de Oliveira, é o objetivo de uma federação:
“que as partes se complementem (...), de forma que a soma dos valores
comungados pelos componentes do conjunto traduza-se em comandos
informadores das expectativas que motivaram a criação da organização estatal. (...)
A ordem federal institucionalizada deve ter como missão primeira fazer com que a
hegemonia do poder central possa coexistir com diversidade advinda das unidades
federadas”27
.
No Brasil, o caminho ao modelo foi feito em direção contrária à
maioria dos exemplos atuais de federação. Como já explanado na parte
histórica, o Império brasileiro, sob a forma unitária, logrou êxito em manter
o território em sua integralidade, evitando seu esfacelamento. O federalismo
brasileiro formou-se por desagregação, a partir da ânsia das elites regionais
em participarem do poder político ou receberem parcela dele para que
pudessem desenvolver seus interesses, sobretudo os econômicos, sem
interferência do governo central naquilo que tangia à esfera local.
Obviamente, a dimensão continental do território brasileiro é o grande fator
que deu azo a tal acontecimento.
O processo de descentralização do poder político no Brasil não tem
suas raízes fincadas em diferenças culturais, étnicas e religiosas, como é o
caso do Canadá. Logo, há de ser feita uma pergunta: se o federalismo
brasileiro, a priori, não possui suas bases em diferenças étnicas, culturais ou
religiosas, e deixando de lado os motores que a ele deram impulso, como a
necessidade de certas oligarquias em participarem da política nacional, qual
é a sua real necessidade? No que pode o pacto federativo, ainda nas
26
HESSE, Konrad. El Estado Federal Unitario: Revista de Derecho Constitucinal. Barueri:
Manole, 2005 apud OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 33. 27
OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 29.
23
palavras de Pablo A. Ramella, guiar a execução de tarefas esperadas pelos
cidadãos de seus entes?
A afirmação histórica feita há pouco fazia muito sentido no cenário
brasileiro pós-proclamação da República. As diferentes regiões do país
passaram por transformações, sobretudo econômicas, e encontramos
variações culturais que não são pequenas. Além da questão territorial, os
efeitos do tempo ajudam a clarear o acerto na opção federalista para o
Brasil28
, pois destaca as diferentes necessidades que as diferentes regiões
passaram a ter29
. Apesar de o federalismo não ter sido necessário para
sustentar línguas e crenças diferentes dentro das fronteiras do Estado
brasileiro, o desenvolvimento se deu e continua a existir de forma diversa
em cada lugar, as diferenças culturais criam pensamentos coletivos
diversos, e é primordial que cada população possa optar por qual tipo de
governo formará, como será organizado o seu poder político, etc.
A nova Carta Política, proclamada em 1988, por conta do período
que a precedeu e dos novos anseios e desafios que se faziam (e ainda se
fazem) presente na sociedade brasileira, e nesses termos chamada de
Constituição-Resposta por Paulo Gustavo Gonet Branco, assume extensão
analítica e caráter programático, incorporando como dever do Estado vários
direitos sociais, além dos direitos negativos de cunho liberal. A partir de um
compromisso com a democracia, a atual Constituição enxergou a promessa
democratizante do modelo federalista, mais necessário ainda num território
de tamanha extensão.
Para tanto, "a fixação de competências constitucionais é, sem
dúvida, ponto de reconhecida significância de todo o regime federativo”30
.
28
O federalismo de 1891 pode ser considerado muito mais um produto do fisiologismo do que o
juridicamente instituído e faticamente vivenciado da atualidade. No entanto, o modelo simétrico
por ele assumido, incluindo nesse ponto a paridade representativa dos Estados-membros no
Senado Federal, somado à remanescência de algumas oligarquias regionais ainda colaboram para
que seja utilizado, em alguns casos, como um instrumento a práticas não republicanas.
29 Comentando o direcionamento que o poder central provoca frente aos entes federados, Ricardo
Victalino de Oliveira observa que “o que se sabe é que o absoluto descuido das próprias
disparidades territoriais não é o caminho para que um Estado federalizado alcance a solidificação e
o aperfeiçoamento de seu pacto federativo”. OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 22.
30 Ricardo Victalino de Oliveira, página 198.
24
Quanto a isso, cabe fazer uma crítica a interferências (ou pobres
concessões) que a Constituição Federal faz na autonomia dos Estados e
Municípios. Mesmo em períodos nos quais é possível falar-se na existência
de entes federados, a concessão de autonomia, na experiência brasileira, foi
tratada de forma muito semelhante a uma mera desconcentração vertical da
Administração Pública.31
Basta uma rápida análise dos dispositivos
constitucionais disciplinadores da divisão de competências federativas,
ponto de extrema significância no regime federativo, para percebermos a
clara residualidade guardada (ou não) aos Estados-membros, em específico
o Art. 25, §1º, que trata de suas competências materiais, e o art.24, §§1º a
4º, que trata de sua competência legislativa residual.
A negativa de transferir aos Estados e Municípios a responsabilidade
por tarefas que tendem a ser por eles melhor executadas traduz um
problema no arranjo federativo, e também propicia o desencontro à
proposta democratizante da Constituição de 1988, já que o direito deve
servir como instrumento às metas políticas do Estado. Nesse sentido está o
comentário de Carl Schmitt ao art. 127 da Constituição de Weimar:
“Pertence ao espírito da garantia institucional da administração autônoma do
Município, que certos traços típicos – feitos no desenvolvimento histórico
característicos essenciais – devem ser protegidos, por este modo e garantia, contra
uma remoção levada a cabo pelo legislador ordinário. Em consequência, não tem o
legislador mão livre no que se refere à organização e ao círculo material de eficácia
dos Municípios nem tampouco tocante à organização da fiscalização do Estado, se
é que a garantia ainda tem, a final de contas, conteúdo”.32
31 O professor Paulo Bonavides, ao comentar os modelos autonomistas municipais, chega a negar
legitimidade às Constituições que não concedem aos Municípios a competência para exercerem
em nome próprio as funções que historicamente lhes pertence. Quando a divisão de competências
constitucionais mostra-se deficitária, não concedendo aos Estados e Municípios atuação naquelas
esferas para as quais possuem vocações, por via transversa, há uma negativa do constituinte em
reconhecer a importância autonômica desses entes. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 28ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores. 2013, p. 364.
32 “Es liegt im Sinne der institutionellen Garantie der Selbstverwaltung, dass gewissetypische
Merkmale, wie sie sich in der geschichtlichen Entwicklung als charakteristich und wesentlich
herausgebildet haben, durch diese Art und Garantie vor einer Beisentigung durch den einfachen
Gesetzgeber geschutzt werden sollen. Infolgedessenhat der Gesetzgeber weder hinsichtlich der
Organisation noch hinsichtlich des gegenstandlichen Wirkungskreise der Gemeinden noch endlich
hinsichtlich der Gestaltung uberhaupt noch einen Inhalt haben soll“. SCHMITT, Carl.
Freiheitsrechte und instutionelle Garantien der Reichsverfassung‘‘ (1931), in
Verfassungrechtliche Aufsatze, p. 140, apud BONAVIDES, Paulo, Op. Cit., p. 367.
25
Também peca o texto constitucional ao diminuir em muito a
capacidade de auto-organização dos entes federados. Como os governos
não centrais possuem o dever de executar tarefas, é essencial que estejam
inseridos dentro de uma organização que possa se autodeterminar. Além de
preconizar a forma de organização, como o legislativo unicameral,
existência de Tribunais de Contas, entre outros, alcança até mesmo o
número de membros dos parlamentos estaduais e municipais (arts. 27 e 29,
IV)33
. Tais características apresentam contradição com o texto
constitucional, porque, ao mesmo tempo que ele tenta conferir aos Estados-
membros e Municípios maior grau de autonomia, , não são poucas as
restrições quanto à auto-organização desses entes.
A grande inovação democrática talvez tenha sido colocar os
Municípios como entes federados, ao lado dos Estados e da União, como
preconizam os artigos 1º e 18 de nossa Lei Fundamental, o que lhe rendeu o
apelido de “Constituição municipalista”. Essa terceira esfera de autonomia
faz com que a federação brasileira assuma condição diferenciada de todas
as demais federações do mundo, rompendo até mesmo com sua histórica
tradição dual34
. Quanto à autonomia municipal, ensina o professor Paulo
Bonavides:
“(...) no Brasil, com a explicitação feita na Carta de 1988, a autonomia municipal
alcança uma dignidade federativa jamais lograda no direito positivo das
Constituições antecedentes Traz o art. 29, por sua vez, um considerável acréscimo
de institucionalização, em apoio à concretude do novo modelo federativo
33 Quanto aos Municípios, a EC 58/2009 permitiu que determinassem um número exato de
vereadores a comporem suas Câmaras Municipais, desde que dentro dos balizares fornecidos,
conforme o contingente populacional. O que o constituinte fez foi conceder um “monitorado”
poder de auto-organização aos Municípios, de forma que não fixassem de forma excessiva o
número de vereadores, o que poderia causar um impacto orçamentário muito forte, já que cada
membro do parlamento municipal precisa do mínimo de estrutura para exercer seu mandato, ou um
número tão mínimo a ponto de nulificar a representatividade parlamentar, principalmente a de
minorias. É bom notar que o mesmo não é feito em relação aos Estados-membros, cujos números
de assentos nas Assembleias Legislativas é unicamente adstrito a um critério populacional, de
acordo com o número de deputados federais.
34 Hely Lopes de Meirelles comenta que, até a Lei Fundamental de 1946, o Município tinha
apenas autonomia nominal, não possuindo poder de auto-organização. O administrativista ainda
atesta que coube à atual Constituição, embora em alguns períodos os Municípios já tivessem tido
determinadas experiências autonômicas, promover a integração do Município à estrutura da
Federação, assegurando-lhe, inclusive, competência privativas, além do aumento da competência
para instituir tributos. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit., p. 30 - 47.
26
estabelecido pelo art. 18, visto que determina seja o Município regido por lei
orgânica, votada por quorum qualificado, de dois terços dos membros da Câmara
Municipal – requisito formal que faz daquele estatuto um diploma dotado de grau
de rigidez análogo ao que possuem as cartas constitucionais”35
.
Na mesma esteira, Ricardo Victalino de Oliveira comenta a escolha
do constituinte pela autonomia municipal em detrimento ao centralismo:
“A atual Carta Constitucional foi a que inaugurou o Município como ente federal,
superando as conhecidas posições refratárias à autonomia municipal, garantindo-se
aos entes locais liberdade política para atender suas exigências e interesses
próprios"36
A concessão de autonomia aos Municípios torna clara a proposta
democratizante. “Liberdade e democracia exercem inigualável influxo
sobre a maior ou menor amplitude da autonomia municipal”,37
. Como o
Município é o ente político mais próximo dos cidadãos, inevitavelmente, é a
primeira porta de acesso ao poder político instituído. Consoante sublinha
José Alfredo de Oliveira Baracho:
“o municipalismo fortemente prestigiado na ordem constitucional em vigor,
permitiu o estreitamente dos laços entre Estado e comunidade, facilitando, por
consequência, o planejamento e a operacionalização de políticas sociais ao
propiciar maior interação entre o poder central e os poderes periféricos”.
É imprescindível dizer que os entes, na Federação brasileira, são
autônomos, e a cada um foi atribuído um leque de competências, sejam elas
privativas ou comuns. Dessa forma, não há espaço para falar-se em
sobreposição de um ente sobre o outro. Ou seja, ao conferir autonomia aos
Municípios, a Constituição da República automaticamente impede a
indevida interferência de normas estatais seja sobre a auto-organização ou
qualquer outro aspecto inerente à autonomia municipal.
No julgamento da ADIN 3549/GO, a Min. Carmen Lúcia destacou
em seu voto que a Constituição da República, do mesmo modo que
assegura autonomia aos Estados-membros impõe-lhes limitações,
35 BONAVIDES, Paulo. Op., Cit., p. 357.
36 OLIVEIRA, Ricardo Victalino de. Op. Cit., p. 173.
37 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 358.
27
destacando “a esfera mínima de ingerência na organização dos Municípios,
já que a esses também foi reservada autonomia política, o que é ditado pela
garantia de competência própria”. Tratava-se de julgamento em que norma
da Constituição do Estado de Goiás mitigava a auto-organização dos
Municípios integrantes de tal Estado-membro. Na doutrina, expõe o
professor Paulo Bonavides, claro defensor do municipalismo:
“ (...) a invasão do Estado-membro na área de competência do Município
representa no caso a cassação da autonomia, que não é mera descentralização
nem dádiva de um poder unitário, mas espécie de self government, com toda a
força em que se possa ele fundar escorado na mais tradicional das garantias
institucionais produzidas constitucionalmente pelos sistemas federativos em
proveito das comunidades: a autonomia municipal”38
Quanto às competências legislativas dos Municípios, que são as de
interesse do presente trabalho, estão enumeradas no artigo 30: “legislar
sobre assuntos de interesse local” (inciso I), “suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber” (inciso II) e “instituir e arrecadar
tributos de sua competência (...)” (inciso III). Apesar das competências
legislativas municipais terem tomado forma no texto da atual Constituição,
com o consequente aumento de importância do trabalho realizado nas
Câmaras de Vereadores, ainda continuam um tanto quanto restritas39
. A
União ainda concentra, em detrimento também dos Estados-membros, a
maior (e mais importante) parte das matérias legislativas.
Essas competências municipais foram traçadas de forma a
possibilitar que todos os Municípios as apliquem, dentro da lógica de um
federalismo normativamente simétrico, e talvez por isso tenham vindo de
38 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 365.
39 Comentando tais competências legislativas municipais, Gustavo Sampaio Telles Ferreira faz
uma comparação às competências estaduais e observa a ausência de ineditismo: “Muito embora a
disposição no inciso primeiro já tenha relativa procedência nos modelos constitucionais anteriores,
(...) a sua correlação com o tratamento residual das competências dos Estados-membros (parágrafo
primeiro do artigo 25) reforça a autoridade do poder local no quadro federativo. (...) No inciso
segundo do artigo 30, a competência para suplementação do ordenamento federal e estadual no
que couber alcançou vida prática mais abrangente do que se supunha. Consoante averbado no item
pertinente às competências concorrentes, a natureza essencialmente local de certas matérias
inclusas no artigo 24 leva ao Município muito do que seria feito pelo legislador federal”.
FERREIRA. Gustavo Sampaio Telles. Op. Cit., p. 106.
28
forma tão restrita. Paulo Bonavides, em crítica à humilde delegação feita
pelo constituinte federal, defende a existência de um poder pré-estatal das
comunidades (populações municipais), que podem exercê-lo contra o
Estado nacional. Assim, as constituições devem assegurar aos Municípios
“aqueles funções que possuem ou exercem em caráter próprio, e se referem
a interesses exclusivamente comunitários”40
.
Ainda quanto à simetria jurídica de nosso federalismo,
representa um grande óbice para o efetivo gozo de autonomia41
por muitos
Municípios – e até mesmo Estados-membros –, principalmente no que
concerne à capacidade de execução de competências materiais. É
extremamente delicado (e talvez uma má opção política) dar mesma
roupagem jurídica a Municípios que apresentam diferenças tão gritantes.
Segundo observou Aires Barreto, “deveríamos ao menos classificá-los,
separá-los, segundo suas grandes vocações. (...) Essas peculiaridades,
especificidades, não permitem um tratamento idêntico, genérico, sem
resvalar injustiças”42
.
40
BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 361. 41
Ricardo Victalino de Oliveira defende que “o pensamento teórico da assimetria venha a ser
desenvolvido e concretamente empregado como garante da autonomia municipal, mesmo diante da
situação de extrema carência vivenciada por muitos Municípios no Brasil”. OLIVEIRA, Ricardo
Victalino de. Op. Cit., p. 179.
42
BARRETO, Aires. Os Municípios na nova Constituição Brasileira. In MARTINS, Ives Granda
(Org.). A Constituição Brasileira de 1988: Interpretações. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1988, p. 81. Nesse sentido, José Afonso da Silva: “"O Sistema municipal brasileiro carece de
profunda reformulação, com organização diferente à vista de fatores, inclusive com a reintegração,
em outros, de Municípios claramente inviáveis. Talvez seja aconselhável criar tipos diversos de
organização municipal, tendo em vista, por exemplo, suas características de rurais, industriais e de
capitais, com tratamento constitucional diferenciado, inclusive do ponto de vista tributário".
Constituinte: Caminhando para uma nova ordem constitucional, in Estudos Legislativos, ano 3, nº
especial, 2009. p.32 apud OLIVEIRA, Ricardo Victalino de, Op. Cit., p. 176.
CAPÍTULO III
NORMAS DE SIMETRIA VS. AUTONOMIA FEDERATIVA
Também é importante, no presente trabalho, analisar de que forma é
instituído o poder de auto-organização dos Estados-membros e dos
Municípios, de forma a compreender seus limites. A instituição dessa
funcionalidade da autonomia federativa passa pelo que a doutrina chama de
Poder Constituinte Decorrente, que dá origem às Constituições Estaduais e
às Leis Orgânicas Municipais. Em que se fundamenta esse poder dos entes
descentralizados no Estado federal?
O conceito de Poder Constituinte Originário surgiu na Revolução
Francesa, que, em suma, tinha como justificativa substituir o Antigo
Regime por um novo, entregando o poder à nação. Esse poder constituinte
do povo, como está previsto no Art. 1º, Parágrafo Único, da CF, é um
corolário da ideia lógica de democracia popular, e não é criado por qualquer
norma jurídica. Ou seja, não é criado pelo Direito, pois é ele quem cria o
Direito, dando origem à Constituição.
Por ser o fundador da ordem jurídica, o poder constituinte é
ilimitado, podendo definir suas diretrizes sem necessidade de respeito a
quaisquer parâmetros43
. No caso brasileiro, e no que diz respeito
especificamente ao tema deste trabalho, a Constituição institui o Estado
43
Há uma divergência interessante entre jusnaturalistas e positivistas. O ponto de concórdia é que
a nova Constituição pode revogar qualquer norma do direito positivo anterior, inclusive as
constitucionais. A divergência está na existência ou não de um direito suprapositivo, porque os
jusnaturalistas acreditam nesse direito, o direito natural (conjunto de princípios de justiça não
escrito que estaria acima de todo o direito positivo, inclusive das constituições). Para essa corrente,
o direito natural é um referencial de validade para o direito positivo, ou seja, é inválida a norma de
direito positivo que viole as normas de direito natural. Por isso, o poder constituinte originário é
limitado para os jusnaturalistas. Já os positivistas consideram que não há limite de qualquer
natureza, seja ele positivo ou suprapositivo, o que faz com que seja um poder realmente ilimitado.
Para os jusnaturalistas, é um poder de direito; para os positivistas, um poder puramente de fato, ou
político.
30
federal, como anteriormente já explanado. Em seu artigo 2544
, diz que
osEstados-membros serão regidos pela Constituições Estaduais, e, da
mesma forma, em seu artigo 29, prevê que os Municípios serão regidos por
Leis Orgânicas. Tais previsões constitucionais instrumentalizam o disposto
em seu artigo 18, que é a autonomia desses entes. A capacidade de auto-
organização é uma funcionalidade da autonomia federativa, sem a qual o
seu exercício torna-se impossível. Nesse sentido, ensina o professor Paulo
Gustavo Gonet Branco:
“A autonomia política dos Estados-membros ganha mais notado relevo por abranger
também a capacidade de autoconstituição. Cada Estado-membro tem o poder de dotar-se de
uma Constituição, por ele mesmo concebida, sujeitada embora a certas diretrizes impostas
pela Constituição Federal, já que o Estado-membro não é soberano. É característico do
Estado Federal que essa atribuição dos Estados-membros de legislar não se resuma a uma
mera concessão da União, traduzindo, antes, um direito que a União não pode, a seu talante,
subtrair das entidades federadas; deve corresponder a um direito previsto na Constituição
Federal”45
.
Assim, alguns pontos devem ser destacados. O fundamento de
validade da autonomia dos entes parciais do Estado é a própria Constituição
Federal, e podem eles se autodeterminarem, respeitadas as competências
que a eles foram incumbidas. Dessa forma, podem esses entes, através de
seu poder de auto-organização, criar órgãos político-administrativos, desde
que obedecidos os limites impostos pelo Constituinte originário. E que
limites são esses? De que forma são aferidos?
Primeiramente, é essencial esclarecer que, em toda federação, os
entes autônomos guardam algum nível de semelhança com o modelo
federal. Como observa Fábio Macedo Soares Condeixa, “em toda
federação, as unidades constituintes devem guardar alguma similitude com
o poder central, do contrário, estaria ela fadada à desagregação ou à
inoperância”46
. Ou seja, a Constituição do país, ao mesmo tempo em que
44
O artigo 11 do ADCT dispõe sobre o prazo de edição das Constituições Estaduais e das Leis
Orgânicas. 45
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 930. 46
CONDEIXA, Fábio de Macedo Soares Pires. Princípio da Simetria na Federação Brasileira:
Supremo Tribunal Federal VS. Legislativos Estaduais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 75.
31
concede autonomia às entidades políticas descentralizadas, determina-lhes
que, em certas matérias, suas próprias disposições sejam transportadas aos
textos regionais. Assim sendo, de acordo com o maior ou menor intensidade
de similitude que as Constituições do Estado venham a guardar com a
Constituição Federal, diz-se que o federalismo é muito ou pouco simétrico.
Aqui, vale advertir que o significado dessa simetria não é o mesmo daquele
abordado nos capítulos anteriores, quando o termo denotava diferenciação
entre os regimes jurídicos dados a entes federados dentro do mesmo
“patamar”, sustentado na concessão de competências administrativas e
legislativas diversas para cada um deles47
.
O sentido de simetria que agora passa a ser abordado refere-se à
necessidade de espelhar nos textos constitucionais dos entes parciais certas
disposições contidas na Carta Magna federal. Esse mecanismo
inevitavelmente levará a uma padronização dos textos de todos os entes que
estejam dentro de um mesmo patamar. O federalismo dos Estados Unidos
da América, por exemplo, é considerado pouco simétrico, pois, naquele
país, o texto constitucional impõe aos Estados-membros o respeito a um
restrito rol de regras e princípios, como separação de poderes e regime
democrático. Os Estados norte-americanos podem, até mesmo, optar entre
possuir um legislativo unicameral ou bicameral. No Brasil, o nível de
simetria é muito mais intenso. A Constituição Federal prevê a criação dos
tribunais de contas e ministérios públicos estaduais, além de determinar que
os legislativos estaduais sejam unicamerais.
47
Distanciando-se da diferença terminológica citada, também pode o federalismo ser
desmembrado em duas dimensões: plano material e plano formal, embora sejam indissociáveis,
por ser o plano material o que indubitavelmente irá formar o plano formal. Por plano material,
entendem-se as diferenciações regionais, culturais e econômicas que podem ser encontradas
quando comparada a realidade dos diferentes entes federados. Dessa forma, o federalismo
brasileiro pode ser classificado como materialmente assimétrico. Por plano formal, entende-se a
estrutura jurídico-normativa que regula a organização de tais entes, ou seja, se as competências
constitucionais destinadas aos Estados-membros são iguais para todos eles, e se as regras
previamente definidas e que limitam a organização desses entes são intensas ou brandas. Nesse
sentido, o federalismo brasileiro é formalmente simétrico.
32
Constata-se, portanto, que a intensidade de simetria está ligada, de
maneira inversamente proporcional, ao nível de autonomia federativa48
.
Nas palavras de Cristiano Franco, a simetria “consiste na obrigatoriedade
de as unidades parciais do Estado federal observarem um determinado
modelo, um determinado padrão na sua organização e no exercício de seu
poder local”49
. Essa obrigatoriedade, entretanto, não é algo absoluto.
Entender que a utilização excessiva do princípio da simetria tende a
degenerar o modelo federativo talvez seja o grande cerne do presente
trabalho. No Estado federal, os entes são autônomos, e a simetria é o limite
dessa autonomia. Ou seja, para tudo aquilo que a Constituição não prever o
emprego de simetria, prevalece a autonomia dos entes. Nesse sentido,
Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa, ao comentar o artigo 25 da
Constituição, diz tratar-se de uma cláusula de autonomia inerente ao pacto
federativo, para a qual o limite seria justamente a simetria.
No entanto, em que plano a simetria se apresenta? É empregada
através de regras ou de princípios? Primeiramente, é essencial fazer uma
diferenciação entre as duas espécies de normas. As regras fazem parte do
plano descritivo, e são aplicadas no sistema de subsunção, ou tudo ou nada,
o que leva a uma menor margem de atividade interpretativa (no caso,
também a legiferante do constituinte decorrente). Já os princípios, situam-se
no plano normativo, utilizam linguagem mais aberta e seus conflitos
normativos resolvem-se por meio de ponderação, exigindo ação integradora
48
Vale transcrever comentário de Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa sobre o tema: “se o
grau de simetria for muito elevado – se tomadas as unidades constituintes como um todo -,
certamente seremos levados a crer que não houve autonomia dos entes para se organizar, o que
obviamente redundaria na não-eficácia do princípio federativo em si. A simetria, por si só, não
compromete o princípio federativo, todavia, quando a simetria é excessivamente imposta às
unidades constituintes – como acontece no federalismo brasileiro -, compromete-se a sua
autonomia organizacional, que é a pedra de toque do federalismo, mesmo que essa imposição
advenha do afã de impedir a desagregação ou a inoperância por incompatibilidade. Portanto, ao
aplicar o princípio da simetria para impor que um ente parcial se organize ou se abstenha de se
organizar de tal ou qual forma, deve-se ter cautela, sob pena de jogar o bebê fora junto com a água
do banho”. In “Princípio da Simetria na Federação Brasileira: Supremo Tribunal Federal VS.
Legislativos Estaduais”. CONDEIXA, Fábio de Macedo Soares Pires. Op. Cit., p. 76. 49
FRANCO, Cristiano. Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades
na Constituição Brasileira de 1988. 2003. p 120.
33
do intérprete. As normas de simetria apresentam-se através das duas
espécies.
Quando a Constituição determina que os Estados-membros sigam o
sistema presidencialista (art. 28), ou fixa o número de deputados estaduais
nas assembleias legislativas (art. 27), aplicando-lhes, remissivamente, as
regras referentes aos deputados federais acerca de algumas matérias (art.
27, §1º), e até mesmo quando limita o teto do funcionalismo público
estadual (art. 37, XI), entre outros exemplos, lança mão de regras
previamente definidas e que necessariamente deverão ser observadas.
Nesses casos, não está aberta à opção do Poder Constituinte Decorrente
uma deliberalidade, ou seja, a limitação que é feita na capacidade de
autoconstituição está previamente delimitada50
. No mesmo diapasão, o art.
19 da Constituição expõe vedações expressas aos Estados e Municípios.
Quanto ao fenômeno da sucessão do Chefe do Poder Executivo,
regulamentado no âmbito federal pelo artigo 81, §1º, não consta, no texto
da Lei Fundamental brasileira, nenhuma regra que determine aos Estados-
membros ou aos Municípios qualquer procedimento a ser seguido ou que
seja vedado. Por esse motivo, não são as regras de simetria uma dificuldade
maior a este trabalho.
Em seguida, faz-se necessária a análise dos princípios
constitucionais de necessária reprodução. Vimos que Fábio Candeixa
entende ser o art. 25 da Constituição a fundamentação legal para algo que
denomina “cláusula de autonomia federativa”. Na redação do dispositivo,
está ressalvado, na segunda parte, que tal autonomia deve observar os
princípios da Constituição. Logo, é automática a pergunta: que princípios
são esses?
Em se tratando de princípios que regem as relações federativas, e
que se impõem aos Estados e Municípios como normas de simetria, têm sua
50
A doutrina costuma denominar essas regras de princípios constitucionais estabelecidos, por
estabelecerem, previamente, as disposições que estarão contidas nos diplomas dos entes parciais.
Tal classificação não está sendo utilizada, pois, como exposto logo acima, não possuem tal
dispositivos constitucionais a natureza de princípios.
34
razão de ser na manutenção da coesão dentro do sistema federativo. Dessa
forma, caso sejam desrespeitados, o sistema jurídico necessariamente prevê
um mecanismo de sanar, ou, ao menos, fazer cessar a conduta dos Estados e
Municípios que seja incompatível com a ordem jurídica. O instituto jurídico
que se presta a esse papel é a intervenção federal, regulada no art. 34 da
Carta Política brasileira. Indo adiante, o inciso VII do referido dispositivo
elenca alguns princípios constitucionais que, se desrespeitados, dão azo à
intervenção federal, sendo eles: forma republicana, sistema representativo e
regime democrático, direitos da pessoa humana, autonomia municipal,
prestação de contas da administração pública e aplicação do mínimo
exigido da receita estadual nos serviços de saúde e educação. Lançando
mão de uma interpretação sistemática, podemos perceber que são esses os
princípios mencionados pelo constituinte no art. 25, os limitadores da
autonomia federativa, tanto que, se desrespeitados, fica o ente parcial
passível de sofrer intervenção51
. A doutrina convencionou chamá-los de
princípios constitucionais sensíveis. A partir de agora, neste trabalho, o
estudo desses princípios assume grande importância, pois cabe a investigar
se o artigo 81, §1º, CF, encontra-se resguardado por um desses princípios
sensíveis, devendo, portanto, ser observado por Estados e Municípios nas
suas organizações.
Antes, no entanto, é importante esclarecer o efeito prático que
possuem esses princípios. Na prática, limitam a autonomia federativa por
justamente forçarem os entes parciais a copiarem em suas Constituições
certos dispositivos que estão na Carta federal52
. Não se trata de uma
51
Vale mencionar que, de acordo com o caput dos artigos 34 e 35, a União não pode intervir
diretamente em Município localizado na circunscrição de um estado-membro. Apenas pode fazê-lo
em relação aos próprios Estados-membros e aos Municípios localizados em territórios federais.
Ainda de acordo com o artigo 35, cabe aos Estados-membros intervir em Municípios constituintes
de seus territórios. 52
As regras de simetria, ou, como a doutrina as denomina, princípios constitucionais
estabelecidos, determinam descritivamente quais as regra a serem incorporadas, podendo ou não
guardar semelhança com o modelo federal. Um exemplo é quanto aos Tribunais de Contas dos
Estados, quando o art. 75, PU, prevê que sejam compostos por sete conselheiros. No caso do TCU
da União, há nove ministros. Embora os Tribunais de Contas dos Estados sejam regidos pelos
mesmos princípios que o da União, e todos exerçam funções análogas, há uma clara diferença de
escolha feita pelo constituinte. Outro exemplo, talvez ainda mais robusto, é quanto à possibilidade
35
deliberalidade feita pelos Estados-membros, como em alguns casos em que
podem assim proceder. No caso das normas resguardadas pelos princípios
constitucionais sensíveis, há de se falar em observação compulsória, e são
chamadas de normas de reprodução obrigatória. O Ministro Sepúlveda
Pertence, no julgamento da reclamação nº 37053
, distinguiu as normas
constitucionais estaduais reproduzidas entre as normas de imitação e
normas de absorção compulsória. Assim discorre sobre as primeiras:
Essas normas de imitação – na consagrada terminologia de Raul Machado Horta (A
Autonomia do Estado-membro, 1964 – p. 193) = , que, no dizer do notável escritor,
apenas “exprimem a cópia de técnicas ou institutos, por influência ou sugestão exercida
pelo modelo superior” - , são frutos da autonomia do Estado-membro, da qual deriva a sua
validade e, por isso, para todos os efeitos, são normas constitucionais estaduais (negritos no
original).
Já quanto às normas que ele denomina de absorção compulsória,
também conhecidas como de reprodução obrigatória, aduz o seguinte:
Essas normas de reprodução (...) – e que talvez fosse melhor chamar de normas federais de
absorção compulsória –, não são, sob o prima jurídico, preceitos estaduais e,
consequentemente, a violação delas não apenas pelo constituinte local, mas também por
todas as instancias locais de criação ou execução normativas, traduz ofensa à Constituição
Federal – da qual, e unicamente da qual, deriva a vinculação direta e imediata do seu
conteúdo de todos os órgãos do ordenamento estadual.
Como grande exemplo a ser citado, estão algumas normas do
processo legislativo, em específico aquelas que garantem ao Chefe do
Executivo a iniciativa privativa para determinados assuntos, nos moldes da
CRFB. O STF tem entendimento pacífico no sentido de que, resguardar ao
Chefe do Poder Executivo determinadas iniciativas legislativas é resguardar
das Constituições dos Estados preverem sabatina para os chefes dos Ministérios Públicos
estaduais. A Constituição federal prevê que o Procurador-Geral da República seja sabatinado pelo
Senado Federal. Seguindo tal modelo, e apesar de não haver previsão no texto federal, alguns
Estados-membros inseriram em suas Constituições previsões análogas quanto ao Procurador-Geral
de Justiça. A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal através das ADIs 1.962/RO,
1.506/SE, 452/MT, 1.228-MC/AP e 2.319/PR. Apesar do silêncio da Lei Fundamental, o STF
entendeu que a regulação da matéria já estaria por ela esgotada, não cabendo nenhuma inovação
por parte dos Estados. Ou seja, entendeu que era uma regra de simetria diferente daquela referente
ao âmbito federal. 53
STF, Rcl 370/MT, Rel. Min. Octávio Gallotti, Brasília, Julgamento 08/04/1992.
36
ao poder Executivo a sua independência e a possibilidade de exercício de
suas atribuições54
.
Também há casos em que a jurisprudência criou verdadeiras
“simetrias jurisprudenciais”, lançando mão de interpretação restritiva da
autonomia dos entes federados. Algumas Constituições estaduais e até
mesmo Leis Orgânicas passaram a estipular prazos para que os
governadores e prefeitos, respectivamente, pudessem se ausentar do país. A
Constituição Federal dispõe que o Presidente da República necessita de
autorização do Congresso Nacional para permanecer fora do país por mais
de quinze dias. O STF entendeu que uma ausência de prazo mínimo, nesses
casos, seria inconstitucional por uma questão de simetria, já que a
Constituição da República estabelece um termo mínimo, e o contrário
infringiria a separação de poderes. Cabe aqui uma crítica ao julgado do
STF, muito mais por sua fundamentação do que por seu dispositivo. Poderia
o Tribunal ter-se valido do princípio da proporcionalidade, pela
desnecessidade em submeter o Chefe do Executivo local ao crivo do
respectivo parlamento para qualquer viagem internacional, o que atenta até
mesmo contra o a liberdade de locomoção. No entanto, o Tribunal preferiu
utilizar um argumento que restringe a autonomia dos entes federados, mas
54
Um dos precedentes nesse sentido foi o julgamento da ADIN 1.060-MC/RS, DJ de 23/09/1994::
“Constitucional. Estado-membro. Processo Legislativo. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e no sentido da observância compulsória pelos Estados-membros das regras básicas do
processo legislativo federal, como, por exemplo, daquelas que dizem respeito a iniciativa
reservada (C.F., art. 61, par. 1.) e com os limites do poder de emenda parlamentar (C.F., art. 63).
Processo legislativo: modelo federal. Iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, em termos, ao
poder constituinte dos Estados-membros. 1. As regras básicas do processo legislativo federal são
de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito - como ocorre
às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada - ao princípio fundamental de
independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República. 2. Essa
orientação - malgrado circunscrita em princípio ao regime dos poderes constituídos do Estado-
membro - é de aplicar- se em termos ao poder constituinte local, quando seu trato na Constituição
estadual traduza fraude ou obstrução antecipada ao jogo, na legislação ordinária, das regras básicas
do processo legislativo, a partir da área de iniciativa reservada do executivo ou do judiciário: é o
que se dá quando se eleva ao nível constitucional do Estado-membro assuntos miúdos do regime
jurídico dos servidores públicos, sem correspondência no modelo constitucional federal, a exemplo
do que sucede na espécie com a disciplina de licença especial e particularmente do direito á sua
conversão em dinheiro”.
37
que não encontra lastros sólidos na separação de poderes. Quanto à simetria
criada pela exegese jurisprudencial, comenta muito bem Fábio Condeixa:
“essa simetria por construção judicial é resultado de uma petitioprincipiiem que incorre a
Suprema Corte. A Corte decide causas sobre a organização dos Estados federados impondo
a simetria sob o argumento de que a federação brasileira é do tipo simétrico, ao mesmo
tempo em que muito do caráter simétrico desta se deve às decisões do STF em favor da
simetria”55
.
E quanto à regulação da sucessão do Chefe do Poder Executivo nos
Estados e Municípios? Está afeta a algum princípio constitucional sensível,
devendo observar a CRFB, art. 81, §1º, ou possuem os entes federados
autonomia para regular a matéria? Trata-se o mencionado dispositivo de
regra de reprodução obrigatória na organização dos entes parciais? É o que
será analisado a seguir.
55
CONDEIXA, Fábio de Macedo Soares. Op. Cit., p. 80.
CAPÍTULO IV
CRFB, ART. 81, §1º: NORMA DE REPRODUÇÃO
OBRIGATÓRIA?
Vistos os limites da autonomia federativa impostos pela simetria,
passemos à análise da possibilidade dos entes parciais regularem a sucessão
de seus respectivos governadores e prefeitos. De antemão, há de ser feita
uma diferenciação entre substituição e sucessão do cargo. Quando a
Constituição, nos artigos 78 e 79, regula a substituição do cargo de
Presidente da República, o faz em caráter temporário, e em razão de algum
impedimento daquele que, pela ordem estabelecida, deveria ocupar o cargo,
seja por questões de saúde ou viagem, por exemplo. No caso da sucessão, o
que ocorre é uma impossibilidade no cumprimento do mandato, uma saída
sem retorno. Ou seja, a sucessão é uma substituição permanente. Somente o
Vice-Presidente da República pode suceder o Presidente da República,
conforme redação do art. 79. Todas as demais autoridades que venham a
assumir a Presidência da República, o fazem em caráter temporário.
Portanto, quando se fala em sucessão do Chefe do Poder Executivo, estar-se
a tratar da impossibilidade permanente do Vice-Presidente e do Presidente
da República em darem continuidade aos seus mandatos eletivos, dizendo-
se, então, que há a vacância do cargo.
Seguindo com as aclarações, vale a pena fazer um adendo sobre as
hipóteses em que a vacância pode vir a ocorrer. Podemos citar a renúncia, o
impeachment – que é a cassação política feita em sede parlamentar –, as
cassações feitas pela justiça eleitoral, que atingem os dois membros da
chapa, casos de falecimento, entre outros. Todos esses casos têm levado
tanto o Tribunal Superior Eleitoral como o Supremo Tribunal Federal, em
julgamentos envolvendo a realização de eleições suplementares
extemporâneas, a decidir sobre a possibilidade de regulação diversa ao
39
modelo federal. Como efeito prático da decisão está a realização de eleições
diretas ou indiretas para completarem mandatos já em curso.
Feitos tais esclarecimentos, passemos à análise da questão. Os que
sustentam a impossibilidade da matéria ser regulada por Estados e
Municípios argumentam que a participação popular é um preceito
constitucional sensível, e que a Constituição, no seu artigo 14, previu que a
soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto.
Dessa forma, somente o Poder Constituinte Originário pode inserir
exceções à cláusula do voto direto (esculpida no artigo 14, e que também é
arrolada como cláusula pétrea – art. 60, §4º, II), e essa exceção foi
exclusivamente prevista no art. art. 81, §1º56
. Para os casos de vacância nos
poderes executivos dos entes parciais, sendo a participação popular um
princípio constitucional sensível, e tendo o Poder Constituinte Originário a
exclusividade na previsão de eleições que não sejam diretas, devem os
Estados e Municípios, em suas Constituições, reproduzirem o disposto no
art. 81, §1º, inclusive no que tange ao tempo de mandato em que se darão as
eleições indiretas. Ou seja, a norma da Constituição Federal, por simetria, é
de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas
Municipais.
Um dos casos mais recentes julgados pelo Tribunal Superior
Eleitoral, ainda sobre as eleições de 2008, e que tem a capacidade de
demonstrar a divergência de posicionamento entre os então membros
56
Quando da promulgação da Constituição em 1988, o mandato presidencial era originariamente
de cinco anos. No entanto, em 1997, adveio a EC nº 16, que alterou o art. 82, diminuindo o prazo
para quatro anos, mas abrindo a possibilidade de uma reeleição subsequente. Essa emenda veio a
romper com toda a história constitucional republicana brasileira, pois, pela primeira vez, foi
possível no país a reeleição subsequente do Chefe do Poder Executivo. A redação do art. 81, §1º,
por sua vez, não foi por ela alterada. Ou seja, se antes o dispositivo regulava a hipótese de eleições
indiretas nos 2/5 finais do mandato, passou a fazê-lo sobre sua metade. Por isso, aqui vale uma
observação. No mesmo sentido da crítica feita pelos que defendem a impossibilidade de regulação
diversa ao art. 81, §1º, da CF. Como só o Poder Constituinte Originário teria a possibilidade de
instituir exceções à cláusula do voto direto, o que essa emenda fez, indiretamente, foi alargar o
período hipotético em que seriam possíveis eleições indiretas para o cargo de Presidente da
República. Dessa forma, cabe, talvez, indagar sobre a inconstitucionalidade de tal medida, pois a
norma constante do §1ºdo art. 81 deveria abranger os últimos 2/5 do mandato, e não sua metade.
No entanto, não é esse o objeto desse trabalho, e por essa questão não será esse assunto estudado
com profundidade.
40
daquela Corte é o MS nº 539-74.2011.6.00.000/PB57
. No caso, questionava-
se uma resolução do TRE-PB, determinando a realização de eleição direta
no Município, vez que a vacância teria ocorrido antes da metade do
mandato58
. Sem comentar o dispositivo do julgado, o voto do relator,
Ministro Marco Aurélio Mello, demonstra os principais argumentos e vai de
encontro à posição que defende ser a norma emanada do art. 81, § 1º, um
preceito constitucional:
“(...) quando o preceito da Constituição Federal, artigo 81, § 1º - alude a eleição
indireta, alcança situação na qual a escolha dos novos representantes se faça
quando já em curso o segundo período do mandato. Tendo em vista que o espaço
de tempo de ação dos novos mandatários é inferior a dois anos, a máquina eleitoral
não deve ser acionada, optando-se pela feitura das eleições indiretas. (...)
Reconheço a simetria, o que, para mim, bastaria ante a disciplina similar quanto à
Presidência e à Vice-Presidência da República. Entendo que a regra do artigo 81 da
Constituição Federal é sensível, a ser adotada também pelos demais entes da
Federação. Como o Direito Eleitoral é uno no território brasileiro, não posso
imaginar que a espécie de escolha, de escrutínio, varie a depender da unidade
federada. Existe, ainda, outra motivação: viabilizar, inclusive, o implemento do
governo, sem a necessidade de conquistar a maioria na Casa Legislativa. Tendo em
conta que a eleição indireta é realizada pelo Legislativo, isso praticamente implica
o apoio nesse final de administração”.
O ilustre ministro, em seu voto, destaca alguns motivos para que a
matéria siga o modelo federal: (i) ser a norma do art. 81, § 1º, um preceito
constitucional de observação obrigatória pelos Estados e Municípios,
mencionando, ainda uma questão de proporcionalidade no lapso temporal
escolhido pelo legislador constituinte; (ii) a matéria regula a escolha de
quem irá ocupar cargos eletivos, o que regularmente ocorreria em eleições
ordinárias, e por isso é questão de matéria eleitoral, competência legislativa
da União (CRFB, art. 22, I); (iii) faz alusão ao sistema presidencialista, que
não precisa da Casa Legislativa para formar um governo, e deve ser
57
TSE, MS 539-74.2011.6.00.0000, DJ 9/06/2011, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão
Min. Nancy Andrighi, Brasília, 9 de junho de 2011. I. O art. 81, §1º, da CF/88 não é de reprodução
obrigatória pelos entes municipais. Assim, compete à Lei Orgânica Municipal dispor acerca da
modalidade de eleição no caso de dupla vacância no Poder Executivo Municipal. 58
A jurisprudência ainda não tem entendimento pacificado se o momento em que ocorre a
vacância, nos casos de cassação dos mandatos eletivos pela justiça eleitoral, é o do
pronunciamento judicial, ou o de realização das eleições. O tema ainda será abordado neste estudo.
41
observado na federação. Passaremos a comentar os pontos levantados no
voto relator.
Quanto à obrigatoriedade de reprodução do dispositivo, repousa no
fato de ser resguardado, por quem assim entende, sob a égide de preceitos
constitucionais sensíveis, mais especificamente os elencados no artigo 34,
VI, a, quais sejam, a forma republicana e o regime democrático. O que uma
interpretação sistemática do dispositivo com as regras de sucessão leva a
crer é a impossibilidade da ausência de qualquer processo de escolha, ou
seja, não podem, por exemplo, os Estados estabelecerem que, na ausência
do Vice-Governador, o Presidente da Assembleia Legislativa
automaticamente sucederia o cargo de Governador. Essa impossibilidade de
sucessão automática dos vice-governadores e dos vice-prefeitos tem
realmente o seu lastro no princípio republicano (CRFB, art. 1º, caput), do
qual a eletividade59
é um dos basilares. No caso do vice-governador,
quando eleito para tal cargo, tem como suas atribuições pré-estabelecidas a
sucessão do governador; isso, no entanto, não ocorre com o deputado
estadual que preside a Assembleia Legislativa, já que foi eleito para a
função parlamentar. O professor José Afonso da Silva ensina:
“Há que estabelecer (...) a situação que decorrer da inexistência concomitante de
Governador e Vice-Governador. Sabe-se que, em tal caso, o Presidente da
Assembleia ou, no impedimento deste, o Presidente do Tribunal de Justiça, será
chamado ao exercício do cargo, mas por quanto tempo? Pois, esses substitutos
eventuais não se transformam em Governador. São Presidentes no exercício da
governança. As Constituições estaduais sempre deram solução diversificada a essa
situação, umas prevendo nova eleição direta se a última vaga ocorresse nos
primeiros três anos de mandato governamental e eleição pela Assembleia de novo
Governador e Vice, completando o eleito, em qualquer caso, o mandato em curso;
outras estatuíam que haveria eleição popular para Governador e Vice, se a vaga se
desse nos três primeiros anos e, se no último ano, o substituto completaria o
período. A primeira hipótese estará mais de acordo com o atual modelo federal, que
não é obrigatório.”60
59
Inocêncio Mártires Coelho, ao comentar o princípio republicano, o decompõe em elementos
específicos, entre eles, a legitimação do poder político. Explica que, numa República, esse
processe, quanto aos cargos, empregos ou funções públicas passam, necessariamente, pela
observação de quatro características: eletividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op.
Cit., p. 212. 60
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª Edição. São Paulo,
Malheiros, 2009. p. 627
42
Na jurisprudência, o julgamento da ADI 2709/SE61
, Rel. Min.
Gilmar Mendes, demonstrou a necessidade de um processo eleitoral para a
escolha do sucessor de um Vice-Governador. A EC 28/2002 alterou a
Constituição do Estado de Sergipe, transformando o presidente da
Assembleia Legislativa e o presidente do Tribunal de Justiça em
automáticos sucessores do cargo de governador do Estado. No caso, o STF
entendeu pela possibilidade do Estado-membro regular o processo de
sucessão, mas reconheceu a inconstitucionalidade da norma por ferir o
princípio republicano
Porém, apesar da necessidade de um processo de escolha, não há
como concordar que, de alguma forma, o preceito constitucional obrigue os
entes federados a reproduzirem a norma do art. 81, §1º. Já foi demonstrado
que, apesar da necessária simetria presente em todos os sistemas federais,
sua aplicação demasiada tende a degenerar o modelo de federação, sob pena
de limitar além da conta a capacidade de auto-organização dos entes
federados. Dessa forma, a cláusula de autonomia federativa – esculpida na
CRFB, art. 25 – deve ser interpretada de forma ampliativa, somente
cobrando dos Estados e Municípios as limitações que a Constituição
Federal realmente lhes impõe. Nesse ponto, o que a Carta Magna brasileira
coloca como preceito constitucional é a temporariedade dos mandatos de
governadores e prefeitos, que deverão ser renovados a cada quatro anos,
conforme seus artigos 28 e 29, I. Ou seja, a norma de simetria a qual os
entes parciais estão adstritos refere-se à necessidade de, em intervalos de
quatro anos, renovarem, através de eleições diretas, as chefias dos Poderes
Executivos.
61
STF, ADI 2709/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, Brasília, 01/08/2006: “I. Emenda Constitucional
n° 28, que alterou o § 2º do art. 79 da Constituição do Estado de Sergipe, estabelecendo que, no
caso de vacância dos cargos de Governador e Vice-Governador do Estado, no último ano do
período governamental, serão sucessivamente chamados o Presidente da Assembleia Legislativa e
o Presidente do Tribunal de Justiça, para exercer o cargo de Governador. II. A norma impugnada
suprimiu a eleição indireta para Governador e Vice-Governador do Estado, realizada pela
Assembleia Legislativa em caso de dupla vacância desses cargos no último biênio do período de
governo. III. Afronta aos parâmetros constitucionais que determinam o preenchimento desses
cargos mediante eleição. IV. Ação julgada procedente”.
43
Nesse ponto, é importante retornar à noção de legitimação do poder
político local, pois, já que no povo reside a soberania, mister é dar a ele
condições de implementar efetivamente o seu próprio autogoverno. Sem
sentido restaria essa funcionalidade autonômica se tais entes não pudessem
estabelecer as diretrizes de seus próprios governos, que são instituídos por
suas Constituições e Leis Orgânicas. Em momento algum a Lei
Fundamental estabelece que a norma do art. 81, §1º, é de observação
obrigatória; apenas limita a si mesma. A sucessão do Chefe do Poder
Executivo dentro do intervalo do mandato eletivo ordinário é matéria de
interesse local, e uma disposição diferente do art. 81, §1º, da CRFB feita
por algum ente federal nada mais é que um ato de poder político local. O
Ministro Celso de Mello, em brilhante voto no julgamento da ADI 1057-
MC/BA, expõe a questão com excelência62
:
“O processo de escolha do Governador e do Vice-Governador de Estado, para
mandato quadrienal, foi definido, em norma expressa, pela própria Constituição da
República. Esta, ao instituir modelo jurídico subordinante e limitador da esfera de
autonomia institucional dos Estados-membros, prescreveu – no que concerne à
eletividade, por sufrágio universal e por voto popular do Chefe do Poder Executivo
estadual – regra de observância compulsória por essas unidades regionais do Estado
federal brasileiro. (...) Na realidade, os Estados-membros acham-se vinculados, em
função de expressa determinação constitucional inscrita no art. 28, caput, in fine,
da Carta da República, ao modelo subordinante estabelecido pelo art. 77 da
Constituição Federal, que se aplica, no entanto, por força dessa cláusula de
extensão, apenas às eleições ordinárias e populares realizadas para a seleção de
Governador e de Vice-Governador de Estado, inexistindo no que concerne à
hipótese de escolha suplementar pelo próprio Legislativo, no caso excepcional da
dupla vacância, qualquer regramento constitucional que, limitando a autonomia
estadual, imponha a essa unidade da federação e sua integral submissão aos padrões
normativos federais. (...) o Estado da Bahia, embora podendo dispensar tratamento
normativo diferenciado ao tema, optou por seguir, em função de uma autônoma
deliberação, as diretrizes aplicáveis, à eleição congressual do Presidente e do Vice-
Presidente da República, no caso de ocorrência da dupla vacância desses altos
cargos na estrutura do Poder Executivo da União. (...) A escolha do Governador e
do Vice-Governador do Estado, quando ocorrida a dupla vacância na segunda
metade do período governamental, traduz uma iniludível prerrogativa da
Assembleia Legislativa outorgada pela Carta estadual com fundamento na
capacidade de autogoverno de que dispõe, com apoio na autonomia política que lhe
é conatural, essa unidade regional da federação. Essa prerrogativa jurídico-
institucional da Assembleia Legislativa, refletindo projeção da autonomia
assegurada aos Estados-membros pelo ordenamento constitucional, não se reduz,
em seu alcance e conteúdo, à dimensão conceitual de matéria eleitoral,
62
STF, ADI 1057-MC/BA, Rel. Min. Celso de Mello, Brasília, 20/04/1994.
44
circunstância esta que, por revestir-se de relevo jurídico, pré-exclui, a meu juízo,
qualquer possibilidade de intervenção normativa da União federal na definição da
disciplina ritual desse processo escolha eminentemente política dos sucessores, por
um período administrativo meramente residual do Governador e do Vice-
governador de Estado. Na realidade, a escolha parlamentar dos novos mandatários
(...) veicula e exterioriza uma típica decisão de poder, cuja prática, superando o
campo do mero processo eleitoral, projeta-se na dimensão mais ampla do exercício,
pelo Estado-membro, da irredutível autonomia política de que dispõe em matéria de
organização dos poderes locais” (negritos no original).
Na apreciação da Medida Cautelar da ADIN 4.298/TO63
, (cujo
mérito ainda aguarda julgamento), o STF também entendeu pela
possibilidade dos Estados-membros regularem a sucessão do Chefe do
Poder Executivo, reconhecendo a não obrigatoriedade de reprodução do art.
81, §1º. Em seu voto, o Relator, Ministro Cezar Peluzo, tratou de, como já
vem sendo feito ao longo deste trabalho, advertir sobre a desnaturação do
modelo federalista quando da aplicação de excessiva e desnecessária das
normas de simetria, além de corroborar ao entendimento segundo o qual o
modelo federal não é compulsório:
“(...) Não é lícito, senão contrário à concepção federativa, jungir os Estados-
membros, sob o título vinculante da regra da simetria, a normas ou princípios da
Constituição da República cuja inaplicabilidade ou inobservância local não
implique contradições teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do
ordenamento jurídico, com severos inconvenientes políticos ou graves dificuldades
práticas de qualquer ordem, nem com outra causa capaz de perturbar o equilíbrio
dos poderes ou a unidade nacional. A invocação da regra da simetria não pode, em
síntese, ser produto de uma decisão imotivada do intérprete”. “A reserva de lei
constante do art. 81, §1º, da Constituição Federal, que é nítida e especialíssima
exceção ao cânone do exercício direto do sufrágio, diz respeito tão só ao regime de
dupla vacância dos cargos de Presidente e do Vice-Presidente da República, e,
como tal, é da óbvia competência da União. E, considerados o desenho federativo e
a inaplicabilidade do princípio da simetria ao caso, compete aos Estados-membros
definir e regulamentar as normas de substituição do Governador e Vice-
Governador. De modo que, quando, como na espécie, tenha o constituinte estadual
reproduzido o preceito constitucional federal, a reserva de lei não pode deixar de se
referir à competência do próprio ente federado”.
O Ministro Marco Aurélio Mello, no mesmo julgado, e em seu voto,
já apresentou seu entendimento que viria a ser mantido no julgamento pelo
TSE do MS 539-74.2011.6.00.000/PB. Alega o magistrado que “o
63
STF, ADIN 4298-MC/TO, Rel. Min. Cezar Peluzo, Brasília, 07/10/2009. O plenário decidiu, por
maioria, indeferir o pedido de medida cautelar, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que a deferia
em parte, em relação ao dispositivo da lei que previa votação nominal aberta.
45
afastamento da vontade popular se dá mediante preceito sensível – de
observação obrigatória nas duas outras esferas: estadual e municipal”. O
argumento do Ministro perde razão se pensarmos que, da mesma forma que
o ente federado pode optar pelo escrutínio indireto, também pode fazê-lo
pelo direto durante todo o período do mandato – o que não é feito nem
mesmo no modelo federal. Caso opte pelo escrutínio indireto, devemos
lembrar que o colégio eleitoral formado será por representantes que pelo
povo foram eleitos. Somado a isso, e utilizando uma interpretação
gramatical, a Constituição preceitua o sistema representativo e o regime
democrático. Dessa forma, o que é o sistema representativo senão aquele no
qual o exercício do poder é feito pelos mandatários do povo? É nesse
sentido que será feita a escolha pelos parlamentares: uma escolha política
dentro de um sistema representativo. Portanto, cabe ao ente federativo, no
exercício da sua capacidade de autoconstituição, fazer um juízo de
proporcionalidade entre um tipo ou outro de escrutínio.
Ainda é importante ressaltar que o sistema de eleição dos deputados
estaduais e vereadores é o proporcional, e por isso garante a representação
de minorias nas Casas Legislativas, abrindo possibilidade de atendimento
aos mais variados tipos de seguimentos sociais. Esse argumento também
pode ser utilizado para derrubar um dos motivos enumerados pelo Ministro
Marco Aurélio Mello, ainda no julgamento do MS 539-
74.2011.6.00.000/PB, para reconhecer a norma do art. 81, §1º, da
Constituição da República como de simetria. Argumenta o Ministro que a
eleição indireta tem como consequência a necessidade de maioria
legislativa para que haja a viabilidade do governo eleito, em clara alusão ao
princípio da separação de poderes típico do sistema presidencialista.
Primeiramente, a composição das Casas Legislativas tende a refletir os
posicionamentos político-ideológicos da sociedade, o que é propiciado
justamente pelo sistema representativo. Podem ter assento os defensores
dos animais, dos servidores públicos, dos policiais militares, dos direitos
dos homossexuais, dos direitos dos deficientes físicos, entre outros, e
46
certamente essa heterocomposição legitima a forma indireta do escrutínio.
Além disso, especificamente em relação ao sistema presidencialista, que é
preceito sensível, não é de forma alguma atingido, vez que o Poder
Executivo continuará dispondo das mesmas prerrogativas se eleito
diretamente tivesse sido. Não há como fazer diferenciação entre a
independência de um governo eleito direta ou indiretamente. O que ocorre é
uma reunião em colégio eleitoral, cujo resultado, a priori – e pensar o
contrário seria uma incoerência – é o de eleger um governo que espelhe as
pretensões populares expressadas anteriormente nas eleições legislativas.
Passado isso, tal governo terá as mesmas dificuldades ou facilidades que
todos os governos possuem em formar sua base de sustentação parlamentar.
Já em relação à inconstitucionalidade formal, por ser o direito
eleitoral matéria de competência legislativa privativa da União (CRFB, art.
22, I), não parece gerar grandes conflitos. Claro que só o Congresso
Nacional pode legislar sobre direito eleitoral, e sobre esse assunto não
pairam dúvidas, por expressa e clara disposição do texto constitucional. No
entanto, a regulação da sucessão do Chefe do Poder Executivo pelos entes
federados, no exercício do seu poder de autoconstituição, não é
absolutamente exercer competência legislativa sobre direito eleitoral; é, na
verdade, exercício do poder que é intrínseco aos entes federados.
Claro que a matéria possui conotação político-eleitoral, mas não
versa sobre o direito eleitoral. A competência legislativa da União sobre
direito eleitoral já é abrangente, e refere-se às inelegibilidades, inscrição em
partidos políticos, e toda a sistemática que regule as eleições ordinárias. O
tema é consolidado na jurisprudência pátria, conforme precedente do STF já
mencionado, o julgamento da ADI 1057-MC/BA, relatado pelo Ministro
Celso de Mello, de cujo voto condutor consta:
“É irrecusável, de um lado, que a disciplina normativa pertinente a questões de
direito eleitoral insere-se na competência legislativa da União Federal. Essa
competência normativa, definida ratione materiae, decorre da regra inscrita no art.
22, inc. I, da Constituição da República, que atribui ao poder central competência
para legislar privativamente sobre direito eleitoral. Ocorre que, salvo melhor
47
juízo, a escolha do Governador e do Vice-Governador de Estado, para efeito de
exercício residual do mandato político, na hipótese de dupla vacância esses cargos
executivos, subsume-se à noção de matéria político-administrativa que se acha
essencialmente sujeita, no que concerne à sua positivação formal, ao domínio
institucional reservado à atuação normativa do Estado-membro” (negritos no
original).
No mesmo julgamento, e nesse sentido, está o voto do Min. Carlos
Velloso:
“A questão a saber, primeiro que tudo, é se a lei referida é federal ou estadual. (...) estou à
vontade para afirmar que a lei, no caso, é estadual. É que, em tal caso, não se tem uma
lei materialmente eleitoral, vale dizer, uma lei de natureza eleitoral, dado que ela vai,
simplesmente, regular a sucessão do Chefe do Executivo, sucessão que chamaríamos de
extravagante. A lei, no caso, o Estado a edita com base na sua autonomia, que é a maior
das características da Federação. Classicamente, são traços característicos de uma
Federação, a repartição constitucional de competências entre as entidades políticas que
compõem a Federação e a participação da vontade parcial na vontade federal” (grifos no
original).
O mesmo posicionamento também foi adotado pelo Min. Paulo
Brossard: “Trata-se de um ato eleitoral, mas não se trata de direito
eleitoral;trata-se de eleição, mas não se trata de matéria eleitoral, n
sentido em que é versada pela Constituição Federal e pela lei ordinária, o
Código Eleitoral”. Na ADI 2709/SE, também já mencionada neste capítulo,
votou a Min. Carmen Lúcia: “estou inteiramente de acordo com o fato de
não se tratar de matéria eleitoral para os fins de competência da União”.
Embora não possuam natureza de direito eleitoral, o procedimento
de escolha dos sucessores dos Chefes do Poder Executivo, mesmo que
regulado pelos entes parciais, devem seguir, no entanto, as normas
Constitucionais referentes às chamadas condições de elegibilidades gerais,
constantes no art. 14, §§ 3º e 4º. Os direitos políticos são regulados pela
Constituição da República, e o seu mecanismo deverá automaticamente ser
seguido em eventuais de eleições indiretas feitas por Estados ou
Municípios. Também no julgamento da ADI nº 1057-MC, o STF formou
seu posicionamento sobre o assunto, conforme demonstrado no voto do
Min. Rel. Celso de Mello:
48
“A circunstância de a lei estadual não haver feito menção expressa às demais
condições de elegibilidade, tais como a posse da cidadania (exercício pleno dos
direitos políticos), o alistamento como eleitor, a existência de domicílio eleitoral e a
filiação partidária dos candidatos, não significa que o ato legislativo tenha
exonerado esses mesmos candidatos dos requisitos em causa que incidem,
necessariamente, em função de expresso comando constitucional, sobre aqueles
que disputam qualquer mandato eletivo, não importando, sob esse aspecto, a
forma de provimento dos cargos em disputa” (grifos no original).
Ainda é válido discutir se os §§ 6º e 7º do art. 14 se aplicariam às
eleições indiretas. Isso porque, utilizando a interpretação teleológica, a
razão de tais dispositivos é impedir que aqueles que estejam no exercício do
poder utilizem a máquina administrativa comandada para influenciarem, de
alguma forma, o pleito eleitoral. No caso, por exemplo, de um prefeito que
queira participar de eleições indiretas à governança do Estado, parece não
ser aplicado o §6º, já que sua permanência no cargo não implicaria em
grandes transtornos como se estivesse disputando uma eleição direta, além
de ser menos provável a utilização da máquina administrativa para exercer
influência sobre o pleito, dado o caráter de imprevisibilidade na vacância do
cargo disputado.No tocante ao art. 16 da CRFB, que preconiza o princípio
da anterioridade eleitoral, não é aplicável às disposições feitas pelas
Constituições estaduais e Leis Orgânicas municipais. Esse princípio rege as
normas estritamente eleitorais.
Explanada a possibilidade de escolha do tipo de eleição que
resolverá a questão sucessória, o próximo capítulo tratará da certos limites
impostos à regulação das eleições indiretas em sede parlamentar.
CAPÍTULO V
REGULAMENTAÇÃO DAS ELEIÇÕES INDIRETAS POR
ESTADOS E MUNICÍPIOS
Como visto no capítulo anterior, o Supremo Tribunal Federal, em
sede de controle abstrato de constitucionalidade, tem firmado
posicionamento no sentido de permitir aos Estados-membros e aos
Municípios que escolham o processo pelo qual ocorrerá a sucessão das
respectivas chefias do Poder Executivo, ou seja, se por eleições diretas ou
indiretas. Se indiretas, cabe ao ente parcial editar lei regulamentando o
processo de escolha.
Atualmente, no âmbito federal, a eleição indireta para os cargos de
Presidente e Vice-Presidente da República é regulada pela Lei Ordinária nº
4.321, de 7 de abril de 1964 (publicada no DOU no dia subsequente). Ainda
que, em seu art. 1º, caput, o referido diploma normativo coadune-se ao
disposto no art. 81, §1º, da CRFB, quanto ao acontecimento das eleições
indiretas quando a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato
presidencial, sua edição deu-se em momento histórico completamente
distinto do que o país vivencia hoje, e, por esse motivo, a regulação da
matéria carece de reformulação.
Somente após quase vinte e cinco anos da promulgação da atual
Carta Política, fora apresentada, pela Comissão Mista especial destinada a
consolidar a legislação federal e regulamentar dispositivos da Constituição
Federal (CMCLF)64
, o Projeto de Lei n° 5821/2013, originalmente de
autoria do Senador Pedro Taques (PDT/MT). Além de prever a revogação
expressa da Lei nº 4.321/64, transforma o tipo de voto em ostensivo e
aberto, e ainda preenche muitas lacunas não resolvidas pela lei em vigor,
64
A criação da CMCLP se deu através do Ato Conjunto dos Presidentes do Senado e da Câmara
nº2/2013, apresentado via protocolado em 21/03/2013. A reunião de instalação da Comissão se
deu em 02/04/2013.
50
como, por exemplo, a convivência das eleições indiretas com as novas
regras sobre partidos políticos, desincompatibilização de cargos públicos,
condições de elegibilidade e registro de candidaturas.
Embora a competência para edição dessas leis regulamentadoras seja
dos próprios entes parciais nos casos das sucessões regionais e locais, a
forma de abordagem dessas matérias há pouco mencionadas deve passar
por uma padronização. E qual o porquê disso? O motivo é a limitação da
autonomia dos entes federados, por questão de simetria. Quanto à
aplicabilidade das condições de elegibilidades e hipóteses de elegibilidade,
já ficou demonstrado no capítulo anterior que o STF, no julgamento do
pedido de medida cautelar na ADI 1.057/BA, DJ 06/04/2001, Rel. Min.
Celso de Mello, entendeu pela plena observação nos procedimentos
regionais e locais. Também foi comentado o tema da desincompatibilização
de cargos públicos65
. Merecem, neste capítulo, serem discutidos dois pontos
que poderão fazer parte das leis regulamentadoras: a participação dos
partidos políticos e o tipo de escrutínio, se aberto ou secreto.
5.1 Participação dos Partidos Políticos
Para adentrar a necessidade ou não de participação dos partidos
políticos no processo de eleições indiretas, é necessário, antes de qualquer
coisa, relembrar que, apesar de não ter a lei regulamentadora caráter
eleitoral, sua conotação é política e, tem como conseqüência (,) indicar
aquele que irá ocupar um cargo eletivo, mesmo que por um ato de poder do
ente local.
Numa primeira impressão, poder-se-ia pensar que, como a eleição
indireta dos Governadores e Prefeitos traduz-se em expressão da autonomia
federativa, somente as regras expressamente constantes da Constituição da
República, especificamente o art. 14, §3º, V – que também se refere a uma
65
O PL 5821/2013 prevê expressamente, em seu art. 5º, §4º, a não aplicação das exigências de
desincompatibilização de cargos públicos, em razão da excepcionalidade de tais eleições.
51
condição geral de elegibilidade –, deveriam ser necessariamente observadas
na regulamentação sucessória. Partindo desse pressuposto, o tratamento
infraconstitucional quanto ao registro de candidaturas, convenções
partidárias e coligações eleitorais estaria atrelado à competência da União
em legislar sobre o direito eleitoral, sendo aplicável, dessa forma, somente
às eleições diretas.
A participação dos partidos políticos, no entanto, é tratada pela
Constituição Federal com maior profundidade. A democracia representativa
brasileira tem o sistema partidário como sua base, e no caso das
Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, a eleição de seus
membros através do sistema proporcional prenuncia ainda maior relevância
a tais agremiações. Esses membros, eleitos pelas coligações partidárias, nas
eleições indiretas, serão os votantes no colégio eleitoral formado.
Não que possam os partidos substituírem o povo no protagonismo
democrático; a soberania popular é a fonte de legitimidade do poder político
instituído, conforme o célebre enunciado constitucional esculpido no art. 1º,
Parágrafo Único. Ao sistema de democracia representativa, todavia, é
imprescindível a busca de instrumentos que viabilizem a organização da
vontade popular em governos, passando, logicamente, pelo processo
eleitoral. É nesse ponto que os partidos políticos assumem importância,
mesmo embora tal entendimento não tenha, atualmente, a afinidade
necessária com a realidade popular66
.
Quando o constituinte exigiu como condição de elegibilidade a
inscrição em partido político, o fez com o propósito de racionalizar o
posicionamento de grupos políticos e correntes ideológicas no pleito. Em
compensação a tal exigência, e seguindo os princípios redomocratizantes
que inspiraram a elaboração da atual Lei Fundamental, instituiu, no art. 17,
66
Nos Julgamentos do MS 26602, DJ 17/10/2008, Rel. Min. Eros Grau, do MS 26603, DJ
19/12/2008, Rel. Min. Celso de Mello, e do MS 26604, DJ 03/10/2008, Rel. Min. Cármen Lúcia, o
STF entendeu que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políticos, que podem, inclusive,
requerer judicialmente a vaga do titular que deixe a agremiação sem que haja motivo justificante.
Entre outros fundamentos, o Tribunal alegou a importância que os partidos políticos exercem na
formação da opinião política nacional.
52
o pluripartidarismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que exige do candidato a
junção de seu nome ao de uma agremiação partidária, abriu a liberdade para
que elas existam em grande quantidade, tantas quantas forem as correntes
político-ideológicas que pretendam participar do processo eleitoral.
Sendo os partidos políticos basilares do sistema político-
representativo, a previsão de participação imediata dessas associações nas
eleições indiretas é obrigatória, vez que preceito constitucional sensível (art.
34, VII, a). Além disso, embora a eleição indireta seja um ato de poder
inerente ao Legislativo estadual ou municipal, não lhes cabe frustrar as
normas gerais sobre direito eleitoral. Por exemplo, o art. 2º da Lei n°
2.143/2009, do Estado do Tocantins, revogad(a)o pela Lei n° 2.154/2009,
previa que cada deputado estadual pode inscrever uma chapa para concorrer
no pleito indireto, afastando completamente a participação dos partidos.
Cabe uma crítica: se o Legislativo pode escolher entre a modalidade direta
ou indireta, não pode o próprio colégio eleitoral escolher os candidatos, por
se tratar de medida claramente desproporcional em ponderação ao princípio
da supremacia popular. No julgamento da ADI 4298-MC/TO, o Ministro
Cezar Peluzo, em seu brilhante voto relator, comenta o assunto em relação
ao disposto na lei revogada, que originariamente era o ato normativo que se
pretendia impugnar:
“(...) lei revogada, a qual atribuía aos deputados o poder de inscrição de chapas e
candidatos, coisa que já não prevê a lei atual, mas o estipula a resolução
regulamentar, está prejudicado o argumento de indispensabilidade da participação
partidária na eleição, calcado nas recentes decisões da Corte que, proclamando a
supremacia da fidelidade, assentou pertencerem os mandatos aos partidos, não aos
representantes eleitos. E, se o não estivesse, à míngua de previsão específica,
incidiria, na lacuna, o indisputável princípio constitucional que, haurido à
conjugação do disposto nos arts. 14, §3º, inc. V, e 17 da Constituição da República,
consagra a intermediação necessária dos partidos políticos no processo de escolha
popular, como simetria, tantas vezes reafirmado, que repele candidaturas avulsas
ou autônomas”.
O PL n° 5821/2013 prevê a ostensiva participação dos partidos
políticos na nova regulação que dá ao §1º do art. 81, medida que
necessariamente deve ser seguida pelos Estados-membros e Municípios
quando tratarem da matéria. A única ressalva, no entanto, é quanto ao prazo
53
mínimo de um ano de filiação ao respectivo partido, conforme Lei n°
9.096/95, art. 18. Da mesma forma que as questões de
desincompatibilização de cargos públicos, os pretendentes a candidatos não
podem ser pegos de surpresa por uma eleição atípica, de modo que soa
incoerente exigir-lhes o tal prazo mínimo de filiação como condição de
elegibilidade.
5.2 Voto aberto ou secreto
Embora possam regulamentar as eleições indiretas, é defeso aos
Estados e aos Municípios que instituam a votação secreta. Essa vedação
encontra o seu fundamento no princípio republicano (CRFB, art. 1º, caput),
que exige, por parte daqueles que exercem mandatos eletivos, compromisso
com a vontade popular. Para que haja o controle social dos atos de poder, é
imprescindível que sobre eles haja publicidade. Assim, quando os
parlamentares deliberam, seja sobre uma proposição legislativa ou até
mesmo para eleger o Governador ou o Prefeito, estão exercendo atos de
poder que, em regra, devem ser públicos.
Porém, em algumas matérias, a Constituição da República
expressamente prevê o escrutínio secreto, como, por exemplo, nas hipóteses
do art. 52, III (competências privativas do Senado Federal em aprovar
nomeações para cargos estratégicos), nos casos de deliberação da Casa
Legislativa sobre a cassação de parlamentar (art. 55, §2º) e nas votações dos
vetos presidenciais (art. 66, §4º). Se analisados, todos esses casos têm em
comum a tutela do parlamentar frente ao Poder Executivo, até mesmo nos
casos em que deliberam sobre a perda de mandato parlamentar67
. São casos
67
As cassações arbitrárias de direitos políticos e mandatos eletivos era uma prática comumente
utilizada pelo regime militar contra os seus opositores. Dessa forma, a nova ordem constitucional
teve a preocupação de resguardar as garantias dos membros do Poder Legislativo. Quanto à
correlação disso com as pressões sofridas pelo Poder Executivo, é bom lembrar que a base
governista é, na quase totalidade dos casos, bem ampla, e, numa democracia imatura como a que o
Brasil experimentou no final dos anos 80 e no início dos anos 90, não era de se estranhar que
algum governo utilizasse da cassação parlamentar para afastar algum adversário do Congresso
Nacional ou de qualquer Casa Legislativa do país.
54
verdadeiramente excepcionais, para os quais o constituinte sopesou o a
publicidade do republicanismo com a necessária garantia institucional da
separação de poderes – ambos preceitos constitucionais sensíveis –, e
resolveu, nessas hipóteses, privilegiar a independência do Poder
Legislativo. Essas previsões são taxativas, e não cabe ao constituinte
reformador ou aos regimentos internos das Casas de Leis alargarem a
abrangência do escrutínio secreto.
Quanto à cláusula do voto direto e secreto, insculpida no art. 14, é
destinada aos cidadãos em eleições comuns. Serve como uma proteção ao
poder-dever de votar e participar da vida política nacional. Portanto,
estando os entes federados, por simetria, sujeitos a respeitarem as normas
constitucionais que preveem no processo legislativo o escrutínio aberto
como regra – e também aquelas que preveem o secreto, como é o caso da
combinação do art. 27, §1º, com o art. 55, §2º, e de alguns outros
decorrentes da necessária separação de poderes68
-, o escrutínio nas eleições
indiretas é, invariavelmente, o aberto. Para finalizar, os ensinamentos no
voto relator do Min. Celso de Mello no precedente já tantas vezes
mencionado, a ADI 1057-MC/BA:
“Cumpre analisar, agora, uma outra objeção deduzida pelos autores, para quem a
lei ora impugnada, ao expressamente determinar que o preenchimento dos cargos
executivos vagos far-se-á “pelo sufrágio dos deputados integrantes da
Assembleia Legislativa, em sessão pública e através de votação nominal e
aberta” (art. 1º), vulnerou o “o princípio geral do voto secreto”, contemplado no
art. 14 da Constituição Federal e que, pela fundamentalidade de que se reveste,
“não pode ser abolido por qualquer outra instância legislativa, ainda que o
Congresso Nacional, no exercício do poder constituinte derivado” (fls. 8). Tenho
pra mim, Sr. Presidente, que a norma do parâmetro invocada pelos autores – art.
14, da Constituição Federal – não pode atuar como fator de contraste jurídico da
lei ora questionada nesta sede processual, eis que esse preceito de nossa Lei
Fundamental proclamou o sigilo do voto como instrumento de proteção ao
cidadão comum enquanto partícipe de processos eleitorais regidos pelo princípio
do sufrágio universal. O voto secreto – que constitui o instrumento da atuação
concreta do direito público subjetivo de sufrágio assegurado à universalidade dos
68
No julgamento do pedido de medida cautelar na ADI 1949/RS, DJ 25/11/2005, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, decidiu-se, liminarmente, por constitucionalidade de norma da Constituição
do Estado do Rio Grande do Sul que previa a aprovação, pela Assembleia Legislativa, das
nomeações feitas pelo Governador do Estado para os cargos de diretores da Agência Estadual de
Serviços Públicos Delegados (AGERGS). No entanto, o Tribunal ressalvou a suspendeu a eficácia
de dispositivo que previa a possibilidade de a Assembleia Legislativa destituir os conselheiros da
agência antes do término do mandato, por incompatibilidade com o princípio da separação de
poderes.
55
cidadãos – reflete, na dualidade funcional que o caracteriza, tanto o momento
expressivo de afirmação da soberania popular quanto o meio destinado a proteger
o eleitor comum no exercício da sua liberdade política. (...) Constata-se, pois, que
é o eleitor comum no exercício da sua cidadania, enquanto detentor da
capacidade eleitoral ativa que qualifica a participar do processo de escolha direta
dos seus próprios governantes, o destinatário da cláusula tutelar inscrita no art.
14, caput, da Constituição Federal, pois, no âmbito das Casas legislativas, é
diversa, no ponto, a disciplina constitucional de regência do processo do exercício
do poder político. É de registrar que as votações parlamentares submetem-se,
ordinariamente, ao processo de votação ostensiva, sendo de exegese estrita as
normas, de índole necessariamente constitucional, que fazem prevalecer, em
hipóteses taxativas, os casos de deliberação sigilosa. (...) Não tendo a
Constituição Federal fixado, desse modo, para a escolha parlamentar dos
mandatários do Poder Executivo, na hipótese de dupla vacância ocorrida nos
últimos dois anos do período governamental, a forma secreta de votação, parece
tornar-se evidente que, nessa situação, deve prevalecer a regra geral peculiar às
decisões tomadas no âmbito do Poder Legislativo, vale dizer, deve prevalecer o
princípio do voto nominal e aberto. Cumpre acentuar, neste ponto, que o caráter
aberto na escolha parlamentar desses mandatários executivos estaduais impõe-se
como um meio necessário de controle social da opinião pública sobre as
deliberações emanadas dos representantes do Povo.” (negritos no original)
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CONCLUSÃO
No Brasil, o processo de formação e transformação da federação foi
bastante peculiar se comparado a outros exemplos de Estados federais.
Inicialmente, o sistema de “Capitanias Hereditárias” formulado pela Coroa
portuguesa refletia uma proposta de gerenciamento, uma vez que, já
naquela época, o território colonial possuía grande dimensão. Após quase
três séculos de colonização, a nacionalidade brasileira já plantara sua
semente, e crescia nas ruas o clamor por um país livre. A chegada da
família real em 1808 acabou impulsionando o processo de Independência,
proclamada em 1822. No entanto, o medo de esfacelamento do território
nacional transportou o centralismo colonial para a figura do monarca. Na
verdade, até então não havia uma grande razão que justificasse qualquer
concessão de autonomia às parcelas territoriais. Esse cenário começou a
mudar quando o principal eixo econômico se distanciou do centro do poder
político. Ou seja, a proposta de federalismo no Brasil não ganhou força
como um ideal de preservação das diversidades, mas sim como uma
alternativa pragmática à centralização do poder político.
A República chegou em 1889 e, junto com ela, o federalismo. A
Constituição de 1891, de inspiração norte-americana, premiou os Estados
com grande dose de autonomia. Sua divisão de competências entre os entes
federados seguia o modelo dual, o que gerava distorções, à medida que
alguns Estados não conseguiam cumprir com as tarefas pelas quais eram
responsáveis. Essa autonomia meramente nominal favoreceu a prática que
ficou conhecida como “Política dos Governadores”, resultando na
concentração do poder político de fato em torno dos Estados de maior
pujança. A má formação do federalismo brasileiro em sua primeira edição
demonstra que, já naquele momento, a técnica do federalismo assimétrico
poderia contribuir com a distribuição geográfica do poder político.
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A partir de 1930, aparecem os sinais de uma contradição: apesar dos
entes terem a autonomia reduzida, a necessidade do federalismo caminhava
para se tornar evidente. As diferenças regionais, sobretudo quanto à divisão
espacial das atividades econômicas, conseguiam justificar a existência de
diferentes formas de governar. Não que sua instituição em 1891 tenha sido
um erro, mas seu propósito estava atrelado aos interesses oligárquicos e não
ao respeito pelas diferenças regionais. O WalfareState, ao consagrar os
direitos fundamentais de segunda geração, introduziu o federalismo
cooperativo, o que acabou por diminuir ainda mais as competências
destinadas aos Estados. A partir desse momento, o centralismo preponderou
na distribuição do poder político, atingindo seu auge no período da ditadura
militar.
Tal conjuntura só mudou com a promulgação da atual Constituição
Federal. Embora o processo de redemocratização tenha dado nova chance
ao federalismo, a histórica centralização teve como consequência a
concentração das competências constitucionais, sobretudo as legislativas, na
figura da União. Embora tenha inovado na concessão de autonomia aos
Municípios, resguardando-os da ingerência dos Estados-membros, a
federação brasileira ainda precisa ser repensada. A transformação passa
pela redistribuição das competências constitucionais entre os entes
federados, e também pela diminuição do excessivo grau de simetria imposto
pela Constituição.
Além de haver no texto constitucional inúmeras limitações à
capacidade de auto-organização estadual e municipal, a exegese
jurisprudencial acaba por restringir mais ainda a autonomia dos entes
descentralizados. Como já mencionado neste trabalho, essa restrição,
quando muito intensa, tem como consequência a degeneração da forma
federativa de Estado. A cláusula de autonomia dos entes federados só pode
ser excetuada quando a Constituição nesse sentido dispuser, e então deverão
ser respeitados os princípios constitucionais sensíveis e as regras de
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simetria, que não são poucas. No contrário, salvaguardar a diversidade entre
os entes federados é o caminho mais correto.
Felizmente, como demonstrado, em relação à participação dos
Estados e dos Municípios na regulação da sucessão do Chefe do Poder
Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem formado sua jurisprudência
prestigiando a capacidade de auto-organização desses entes. O modelo de
sucessão previsto pela Constituição em seu artigo 81 refere-se
exclusivamente ao Presidente da República. Em relação ao preenchimento
dos cargos eletivos nos Estados e Municípios, dispõe sobre as eleições
ordinárias e diretas, que deverão ocorrer a cada quatro anos. O texto
constitucional não possui regramento expresso quanto à dupla vacância das
governadorias estaduais e prefeituras municipais.
Outra possibilidade de limitação seria pela via principiológica, mas
tampouco há algum princípio constitucional sensível que afete a
possibilidade de auto-organização dos entes federados nessa matéria. Em
casos de eleições indiretas, os poderes continuarão sendo independentes,
pois após a votação parlamentar, o eleito precisará formar a sua base para
conseguir governar. Quanto ao regime democrático, as eleições indiretas
têm como colégio eleitoral os representantes do povo, que são eleitos pelo
sistema proporcional. Ainda assim, podem os entes determinar que o
modelo de eleições diretas tenha aplicabilidade mais alargada do que o
previsto pela Constituição em relação à sucessão do Presidente da
República, ou seja, abarcar período superior aos dois últimos anos do
mandato. E, quanto ao regime republicano, no tocante à legitimação do
governante, a necessidade, como até mesmo se pronunciou o STF, é que
haja um processo de escolha, ou seja, não pode haver um sucessor natural
do Vice-Governador ou do Vice-Prefeito.
O voto proferido pelo Min. Marco Aurélio Mello, no julgamento
pelo TSE do MS n. 539-74.2011.6.00.000/PB, remete à unicidade do direito
eleitoral no território brasileiro. Por essa lógica, a escolha de quem ocupa
um cargo eletivo possui natureza eminentemente eleitoral. Não se nega à
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União a competência privativa de legislar sobre direito eleitoral. Porém,
apesar da conotação eleitoral, a matéria não possui propriamente essa
natureza. Havendo eleição direta, as normas federais eleitorais são
plenamente aplicáveis a ela. No entanto, como não há nenhuma norma de
simetria que disponha sobre a sucessão dos Governadores e Prefeitos no
caso de dupla vacância desses cargos, é ato de poder inerente à capacidade
de auto-organização do ente federado decidir se o processo de escolha será
feito por eleições diretas ou indiretas.
Embora não tenha a matéria natureza eleitoral, inegável também é
que versa acerca do preenchimento de cargos eletivos, cuja essência é
eminentemente política. Dessa forma, é salutar que os eleitos, mesmo que
por eleições indiretas, apresentem as condições gerais de elegibilidades e
não estejam impedidos por nenhuma causa de inelegibilidade. Entender
dessa forma é homenagear a coesão do ordenamento jurídico, vez que são
requisitos para o exercício da função pública, e não meramente para a
inscrição da candidatura. Da mesma forma, a participação dos partidos
políticos no processo deve ser resguardada, pois, como bem anota o Min.
Cezar Peluzo no julgamento da ADI 4298-MC/TO, nosso sistema político-
eleitoral “repele candidaturas avulsas ou autônomas”. Em relação ao tipo
de escrutínio nas eleições indiretas, deve ser aberto, por uma clara
necessidade de controle popular do exercício de poder, o que é mais do que
elementar numa democracia representativa.
Entender pela possibilidade dos Estados e Municípios regularem a
sucessão das suas respectivas chefias executivas é não limitar a capacidade
de auto-organização dos entes federados além do que a Constituição já o
faz. É certo que o federalismo brasileiro precisa de profunda reformulação,
rumo à concessão da autonomia que os entes federados realmente precisam
e, necessidade essa que as alterações socioeconômicas experimentadas ao
longo dos anos trataram de acentuar. Enquanto isso, o Estado de Direito
instituído deve, ao menos, assegurar o pouco de autonomia que restou aos
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entes federados, por estarem eles mais próximos da população e serem os
responsáveis pela solução dos problemas mais imediatos.
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