Avaliação e mensuração da dor crônica advinda do câncer

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO ELIS ÂNGELA ALVES DA COSTA LIPPI Avaliação e Mensuração da Dor Crônica Advinda do Câncer Ribeirão Preto 2011

Transcript of Avaliação e mensuração da dor crônica advinda do câncer

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRO PRETO

    ELIS NGELA ALVES DA COSTA LIPPI

    Avaliao e Mensurao da Dor Crnica Advinda do Cncer

    Ribeiro Preto 2011

  • ELIS NGELA ALVES DA COSTA LIPPI

    Avaliao e Mensurao da Dor Crnica Advinda do Cncer

    Dissertao apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias, Programa Enfermagem Fundamental Linha de Pesquisa: Cincia e Tecnologia em Sade Orientador: Profa. Dra. Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa

    Ribeiro Preto 2011

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a

    fonte.

    Catalogao na publicao Servio de Documentao de Enfermagem

    Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo

    Lippi, Elis ngela Alves da Costa Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer, Ribeiro Preto, 2011. Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. 108 f. ill rea de Concentrao: Enfermagem Fundamental Orientadora: Faleiros Sousa, Ftima Aparecida Emm 1. Cncer 2. Dor 3. Medio da Dor 4. Psicofsica

  • FOLHA DE APROVAO Nome: LIPPI, Elis ngela Alves da Costa Ttulo: Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer

    Dissertao apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias, Programa Enfermagem Fundamental Linha de Pesquisa: Cincia e Tecnologia em Sade Orientador: Profa. Dra. Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa

    Aprovado em: _____/_____/______

    Banca Examinadora Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________

    Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________

  • Ao Meu Pai Celeste,

    que me concedeu o dom da vida e guia continuamente

    os meus passos.

    Ao Yuri,

    meu amigo, meu companheiro e meu amor para sempre.

    Victria, Eduarda, Brbara e ao Yuri C.,

    que so parte de mim e

    minha inspirao para a busca de conhecimento e sabedoria.

  • Agradecimentos

    Ser feliz ter um corao agradecido (Autor Desconhecido)

    Mestra Ftima Faleiros: mais que uma orientadora, um exemplo de

    vida, de tica, de busca pelos ideais. Sou imensamente grata pelo

    incentivo constante, pela compreenso nos momentos de adversidade,

    pelas advertncias e por quanto eu cresci com elas...

    Aos amigos do Laboratrio de Psicofsica Clnica Talita, Carla, Simone,

    Dbora, Mrcia Flix, Mrcia Garbi, Rodrigo, Lucas e Ndia: obrigada pelo

    carinho, amizade e parceria. Andresa e Hilze, que comigo iniciaram esta

    trajetria e foram mais que amigas; foram irms.

    s Enfermeiras e amigas: Eliana, Tatiana e Terezinha obrigada por me

    ajudarem a sobrepujar os obstculos dirios.

    Aos amigos da Clnica para o Tratamento da Dor: obrigada pelo

    entusiasmo, bondade e competncia no dia a dia de convivncia com o

    sofrimento alheio.

    Aos amigos do Centro de Endoscopia: obrigada pelas oportunidades de

    aprendizado, pacincia e busca pela excelncia.

    Aos participantes da Pesquisa pela sincera colaborao neste estudo.

    Aos meus queridos sogros Maria e Valdomiro, que com tanto amor e

    disposio cuidaram dos meus anjos, tornando possvel esta realizao.

    A todos os meus amigos e familiares pelo incentivo e compreenso nos

    momentos de ausncia.

  • No me deixe rezar por proteo contra os

    perigos, mas pelo destemor em enfrent-los.

    No me deixe implorar pelo alvio da dor,

    mas pela coragem de venc-la.

    No me deixe procurar aliados na batalha da

    vida, mas a minha prpria fora.

    No me deixe suplicar com temor aflito para

    ser salvo, mas esperar pacincia para

    merecer a liberdade.

    No me permita ser covarde, sentindo sua

    clemncia apenas no meu xito, mas me deixe

    sentir a fora de sua mo quando eu cair.

    Rabindranath Tagore

  • RESUMO

    LIPPI, E.A.A.C. Avaliao e Mensurao da dor advinda do cncer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.

    O objetivo geral deste estudo foi avaliar a dor crnica advinda de diferentes tipos de

    cnceres. Os objetivos especficos foram descrever as caractersticas sociais dos

    participantes, caracterizar a dor percebida por meio de indicadores especficos e

    identificar os 10 descritores de dor crnica de maior e menor atribuio conforme a

    percepo da amostra. Participaram do estudo 45 mulheres com cncer de mama,

    45 homens com cncer de prstata e 60 indivduos de ambos os sexos com cncer

    de sistema digestivo. Para a mensurao da dor foram utilizados os 50 descritores

    de dor crnica que compem a Escala Multidimensional de Avaliao de Dor

    (EMADOR), utilizando-se o mtodo psicofsico de estimao de categorias. Os

    resultados da caracterizao social das 3 amostras foram: a mdia de idade foi de

    60 anos, 54% eram do gnero masculino, 58,7% casados, 65,3% pertencentes

    religio catlica e 50,6% tinham ensino fundamental completo. Na caracterizao da

    dor foi evidenciado que, referente ao stio primrio do tumor, 30% estavam

    localizados na mama, 30% na prstata e 14,7% no estmago. O incio da queixa

    dolorosa ocorreu em 40,7% dos participantes antes do diagnstico da doena,

    52,7% relataram somente 1 stio de dor e 55,4% relataram que a mesma era

    intermitente. A intensidade da dor atribuda nas 3 amostras, considerando a mdia

    aritmtica, demonstrou que os participantes com tumores de sistema digestivo

    reportaram os maiores escores (7,58 2,59) e 26,6% desta amostra relataram

    escores acima de 8 para todos os descritores apresentados. Na avaliao dos

    descritores 10 descritores de maior atribuio foi observado que, 5 estavam

    presentes nas 3 amostras: dolorosa, desconfortvel, chata, desagradvel e o

    descritor incmoda, o qual foi o mais atribudo tanto pelos participantes com cncer

    de sistema digestivo quanto pelos participantes com cncer de prstata,

    demonstrando a similaridade da linguagem da dor nos diferentes grupos. Sobre a

    dimenso dos descritores de maior atribuio nas 3 amostras houve predomnio de

    descritores de dor crnica que caracterizaram a dimenso afetiva (50%), seguido

    pelos de dimenso cognitiva (26,6%) e pelos de dimenso sensitiva (23,3%).

    Conclumos que, mesmo sendo a dor oncolgica um fenmeno considerado

    individual, multidimensional com comprometimento em diversos domnios da vida, a

    sua linguagem apresenta semelhana independente do stio do tumor e do gnero e

    a dimenso afetiva da dor deve ser melhor explorada nas avaliaes clnicas.

    Palavras-chave: 1. Cncer 2. Dor 3. Medio da Dor 4. Psicofsica.

  • ABSTRACT

    LIPPI, E.A.A.C. Evaluation and Measurement of chronic pain from cancer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011. The aim general of this study was to evaluate chronic pain arising from different

    types of cancers. The specific objectives were to describe the social characteristics of

    the participants, to characterize the pain perceived by specific indicators and

    descriptors to identify the 10 major and minor award chronic cancer pain as

    perceived in the sample. The study included 45 women with breast cancer, 45 men

    with prostate cancer and 60 individuals of both sexes with cancers of the digestive

    system. For the measurement of pain were used 50 descriptors of chronic pain

    comprising the Multidimensional Pain Evaluation Scale (EMADOR), using the

    psychophysical method of category estimation. The results of the social

    characterization of the 3 samples were mean age was 60 years, 54% were male,

    58.7% married, 65.3% belonging to the Catholic area and 50.6% had completed

    elementary education as schooling. The characterization of pain was evident that, for

    the primary tumor site 30% were located in the breast, prostate 30% and 14.7% in

    the stomach. The onset of pain complaint occurred in 40.7% of the participants

    before the diagnosis of disease, 52.7% reported only one site of pain and 55.4%

    reported that it was intermittent. Pain intensity given in three samples, considering

    the arithmetic mean, showed that participants with tumors of the digestive system

    report higher scores (7.58 2.59) and 26.6% of this sample reported scores above

    average in 8 arithmetic mean of all the descriptors presented. In the evaluation of the

    descriptors was seen observed that among the 10 descriptors with higher scores, five

    were present in three samples: "painful," "uncomfortable", "boring," "unpleasant," and

    the descriptor "incommode that was the longer assigned by both the participants

    with cancer of the digestive system and by the participants with prostate cancer,

    demonstrating the similarity of the language of pain in different groups. The

    dimension of descriptors with higher scores in three groups, there was a

    predominance of chronic pain descriptors that characterize the affective dimension

    (50%), followed by the cognitive dimension (26.6%) and size sensitive (23.3%). We

    conclude that even though cancer pain phenomenon considered an individual,

    multidimensional impairment in several areas of life, their language has similarities

    regardless of tumor site and gender, and affective dimension of pain should be

    further explored in the clinical ratings.

    Keywords: 1. Cancer 2. Pain 3. Pain Measurement 4. Psychophysics.

  • RESUMEN

    LIPPI, E.A.A.C. Evaluacin y medicin del dolor crnico por cncer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011. El objetivo de este estudio fue evaluar el dolor crnico que se presenta a partir de

    diferentes tipos de cncer. Los objetivos especficos fueron describir las

    caractersticas sociales de los participantes, caracterizar el dolor percibido por los

    indicadores especficos y identificar los 10 descriptores de mayor a menor atribucin

    dolor crnico oncolgico conforme la percepcin de la muestra. Participarn del

    estudio 45 mujeres con cncer de mama, 45 hombres con cncer de prstata y 60

    individuos de ambos sexos con cncer en el sistema digestivo. Para la medicin del

    dolor se utilizaron 50 descriptores de dolor crnico que comprende la Escala

    Multidimensional de Evaluacin del Dolor (EMEDOR), utilizando el mtodo

    psicofsico de estimacin de categoras. Los resultados de la caracterizacin social

    de las 3 muestras fueron: la edad media fue de 60 aos, 54% eran varones, el

    58,7% casados, 65,3% pertenecen a la religin catlica y el 50,6% haba completado

    la educacin primaria. En la caracterizacin del dolor era evidente que, referente al

    sitio del tumor primario 30% se localizaron en la mama, 30% en la prostata y 14,7%

    en el estmago. El inicio de la queja del dolor se produjo en el 40,7% de los

    participantes antes del diagnstico de la enfermedad, el 52,7% inform de un solo

    sitio del dolor y el 55,4% inform que la misma era intermitente. La intensidad del

    dolor atribuida en tres muestras, teniendo en cuenta la media aritmtica, mostraron

    que los participantes con los tumores del sistema digestivo reportaron los mayores

    escores (7,58 2,59) y el 26,6% de esta muestra reportaron escores mayores que 8

    en el promedio aritmtico de todos los descriptores presentados. En la evaluacin de

    los 10 descriptores de mayor atribuicin se observ que, 5 estaban presentes en los

    3 grupos: "dolorosa", "desconfortable", "aburrido", "desagradable", y el descriptor

    "incmodo" que fue el mas atribuido por participantes con cncer del sistema

    digestivo como tambin por los participantes con cncer de prstata, lo que

    demuestra la similitud en el lenguaje del dolor en diferentes grupos. La dimensin de

    los descriptores de mayor atribuicin en los 3 grupos, hubo un predominio de los

    descriptores de dolor crnico que caracterizan la dimensin afectiva (50%), seguido

    por la dimensin cognitiva (26,6%) y por los de dimensin sensitiva (23,3%).

    Llegamos a la conclusin de que, aunque el dolor oncologico sea considerado un

    fenmeno individual, multidimensional con comprometimiento en los diversos

    dominios de la vida, su lenguaje presenta semejanza independiente de la

    localizacin del tumor y de gnero, y la dimensin afectiva del dolor debe ser objeto

    de un mejor estudio en las evaluaciones clinicas.

    Palabras clave: 1. Cancer 2. Dolor 3. Dimensin del Dolor 4. Psicofisica.

  • Lista de Ilustraes

    Grfico 1 Incidncia Mundial de Cncer em ambos os sexos (2008).............. 19

    Figura 1 As dimenses da Dor Total................................................................ 26

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1 Resumo das estatsticas de morte e casos de cncer em nvel

    mundial ocorridos em 2008...............................................................

    20

    Tabela 2 Caractersticas sociais da amostra composta por clientes com

    cncer de sistema digestivo e dor crnica (N=60).............................

    54

    Tabela 3 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por clientes

    com cncer de sistema digestivo (N=60)..........................................

    56

    Tabela 4 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da

    dor crnica de clientes com cncer de sistema digestivo (N=60)...

    57

    Tabela 5 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao

    da dor crnica de clientes com cncer de sistema digestivo

    (N=60)................................................................................................

    58

    Tabela 6 Caractersticas sociais da amostra composta por mulheres com

    cncer de mama e dor crnica (N=45)..............................................

    60

    Tabela 7 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por mulheres

    com cncer de mama (N=45)............................................................

    62

    Tabela 8 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da

    dor por mulheres com cncer de mama (N=45)................................

    62

    Tabela 9 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao

    da dor por mulheres com cncer de mama (N=45)..........................

    63

    Tabela 10 Caractersticas sociais da amostra composta por homens com

    cncer de prstata e dor crnica (N=45)..........................................

    65

    Tabela 11 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por homens

    com cncer de prstata (N=45)........................................................

    66

    Tabela 12 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da

    dor por homens com cncer de prstata (N=45)...............................

    67

    Tabela 13 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao

    da dor por homens com cncer de prstata (N=45)..........................

    68

  • Lista de Abreviaturas

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    BPI Brief Pain Inventory

    CACON Centro de Alta Complexidade em Oncologia

    DDS Descriptor Diferencial Scale

    DP Desvio Padro

    EMADOR Escala Multidimensional de Avaliao de Dor

    IARC International Agency for Research on Cancer

    IASP International Association for the Study of Pain

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INCA Instituto Nacional do Cncer

    IPAI Initial Pain Assessment Inventory

    JCAHO Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations

    KCPAT Korean Cancer Pain Assessment Tool

    MA Mdia Aritmtica

    MPAC Memorial Pain Assessment Card

    MPI Multidimensional Pain Inventory

    MPQ McGill Pain Questionnarie

    NPTA Numerical Pain Treatment Algoritm

    NRS Numeric Rating Scale

    OMS Organizao Mundial da Sade

    OP Ordenao de Posio

    PD Pain Drawing

    PMI Pain Management Index

    PPP Pain Perception Profile

    SAS/MS Secretaria de Ateno Sade/Ministrio da Sade

    SBED Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor

    SDPM Sndrome Dolorosa Ps-Mastectomia

    SF 36 Medical Outcomes Study - 36

    VAS Visual Analogue Scale

    VRS Verbal- Visual Rating Scale

    WHO World Health Organization

  • SUMRIO

    1. INTRODUO................................................................................................ 15

    1.1. Problema e Justificativa............................................................................. 16

    1.2. O Cncer e a Dor....................................................................................... 18

    1.3. A Dor Total................................................................................................. 25

    1.4. A dor no indivduo com cncer de sistema digestivo............................... 28

    1.5. A dor na mulher com cncer de mama...................................................... 30

    1.6. A dor no homem com cncer de prstata.................................................. 32

    1.7. Avaliao da Dor do Cncer...................................................................... 33

    1.8. A Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR).................. 37

    2. REVISO DA LITERATURA.......................................................................... 40

    3. OBJETIVOS.................................................................................................... 47

    3.1. Objetivo Geral............................................................................................ 48

    3.2. Objetivos Especficos................................................................................ 48

    4. PERCURSO METODOLGICO..................................................................... 49

    4.1. Local de Estudo......................................................................................... 50

    4.2. Amostra..................................................................................................... 50

    4.3. Critrios de Incluso.................................................................................. 50

    4.4. Critrios de Excluso................................................................................. 51

    4.5. Perodo...................................................................................................... 51

    4.6. Aspectos ticos......................................................................................... 51

    4.7. Material...................................................................................................... 51

    4.8. Procedimento............................................................................................. 51

    4.9. Anlise dos Dados..................................................................................... 52

    5. RESULTADOS E DISCUSSO...................................................................... 53

    5.1. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de sistema

    digestivo.........................................................................................................

    54

    5.2. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de mama..... 59

    5.3. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de prstata.. 64

    5.4. Discusso dos dados entre as diferentes amostras.................................. 69

    6. CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 74

    REFERNCIAS............................................................................................... 77

    APNDICES.................................................................................................... 92

    Apndice A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...................... 93

    Apndice B Instrumento de Coleta de Dados.......................................... 95

    ANEXOS......................................................................................................... 96

    Anexo A- Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR)......... 97

    Anexo B- Cpia da Autorizao junto ao Comit de tica em Pesquisa.... 107

  • 1. Introduo

  • Introduo 16

    1.1. Problema e Justificativa

    O cncer configura-se como uma das principais causas de morte em todo o

    mundo. Os benficos avanos na tecnologia para o diagnstico e nos tratamentos

    farmacolgicos e no farmacolgicos, tm aumentado significativamente a

    expectativa de vida das pessoas, porm grande parte destas sofrer com a dor

    advinda do cncer, seja obtendo a cura da doena ou mesmo durante a evoluo

    para a morte.

    Na dcada de 70, a dor oncolgica foi considerada o maior problema de

    sade nos Estados Unidos da Amrica (BONICA, 1978) e na dcada de 80,

    considerada como emergncia mdica mundial pela Organizao Mundial da Sade

    OMS (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).

    O sofrimento e as repercusses na qualidade de vida dos clientes,

    cuidadores, familiares e amigos so significativos para quem os vivencia. Dessa

    forma, a dor do cncer traz consequncias em diversos domnios da vida: fsico,

    psicolgico, espiritual e social, sendo a mesma considerada como dor total

    (SAUNDERS, 1976). No obstante, quando inevitavelmente os tratamentos para o

    cncer falham e a sade deteriora, h necessidade de mudanas no foco do cuidado

    prestado pelas equipes de sade, ou seja, ao invs da busca pela cura da doena, a

    busca pela qualidade de vida por meio dos cuidados paliativos no qual o manejo da

    dor um dos principais objetivos (CARACENI, 2005; PITORAK, 2005).

    Segundo a OMS, todo governo deve incluir o controle da dor e cuidados

    paliativos em seu sistema de sade, pois tais estratgias so eficazes para aliviar a

    dor e outros sintomas e proporcionar uma melhor qualidade de vida para clientes

    com cncer e doena avanada (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).

    Contudo, tais objetivos s sero alcanados se houver uma adequada e necessria

    educao na formao dos profissionais de sade para empregarem de forma

    efetiva tais estratgias.

    Desde o ano 2002, atuando como enfermeira em uma Clnica Especializada

    no Manejo da Dor Crnica de um Hospital Pblico, convivemos cotidianamente com

    o sofrimento de pessoas portadoras de dor oncolgica. Semelhante a diversos

    servios de assistncia a este tipo de clientes, uma avaliao e caracterizao

  • Introduo 17

    sistematizada e fidedigna da dor no realizada, resultando em subestimao e

    dificuldade no manejo da dor.

    Abundante literatura sobre a dor do cncer h disponvel em nosso meio

    (APOLONE et al., 2009; BASTOS et al., 2009; BORNEMAN et al., 2010; BOUREAU

    et al., 2001; BRUNELLI et al., 2010; CAPONERO, 2008; CARACENI, 2001, 2005;

    CHIH-YI SUN et al., 2007; COLVIN; FALLON, 2008; COUCEIRO; MENEZES;

    VALENA, 2009; HADI et al., 2008; DUGGLEBY, 2002; EDRINGTON et al., 2007;

    FERREL; MICHAEL; PAICE, 2008; FOLEY, 1999; HALPERT; ERDEK, 2008;

    JACOBSEN et al., 2009; JENSEN, 2003; KATZ et al., 2005; KLEPSTAD et al., 2002;

    MACDONALD et al., 2005; MANTYH et al., 2002; MARINEO, 2003; MIASKOWSKI et

    al., 2007; MICELLI, 2002; MYSTAKIDOU et al., 2007; PERRON; SCHONWETTER,

    2001; PIMENTA et al., 2006; PITORAK, 2005; POLESHUCK et al., 2006;

    PORTENOY, 1999; RIPPAMONTI; LONGO, 2004; STENSETH et al., 2007; VAN

    DEN BEUKEN VAN EVERDIGEN et al., 2007; VILA et al., 2005; VILHOLM et al.,

    2008; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990) e, apesar de todas as pesquisas e

    diversos artigos publicados na rea, faz-se necessria a implementao de

    melhorias nos sistemas de sade do mundo para promover uma melhor qualidade

    de vida aos que, de forma crescente, vivenciam a dor oncolgica. Esta deve ser a

    meta dos profissionais de sade, atuando de forma inter e transdisciplinar nos

    contextos clnicos.

    Ferreira (2005) descreve a dor como uma experincia subjetiva e

    multidimensional que envolve aspectos sensitivos, hednicos e culturais e que evoca

    reaes fsicas e emocionais que podem ser atenuadas, acentuadas ou perpetuadas

    por variveis scio-culturais, orgnicas e psquicas dos clientes e por condies

    ambientais em que se apresenta (informao verbal)1. Por conter tantas variveis e

    devido sua multidimensionalidade, avaliar e mensurar este fenmeno torna-se um

    notrio desafio.

    Muitos autores consideram que avaliar a queixa lgica e suas implicaes

    contribui significativamente para a escolha das melhores alternativas teraputicas a

    serem empregadas (BOUREAU, 2001; FALEIROS SOUSA, 2004; JENSEN, 2003;

    TEIXEIRA, 2004). Para tal, diversos mtodos de avaliao tm sido empregados,

    mas no h em nosso meio um modelo especfico de instrumento para avaliar a dor

    1 Informao fornecida por Srgio Henrique Ferreira, em Ribeiro Preto em 2004.

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Apolone%20G%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Brunelli%20C%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Edrington%20J%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Jacobsen%20PB%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Jensen%20MP%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Marineo%20G%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Miaskowski%20C%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Pitorak%20EF%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Vila%20H%20Jr%22%5BAuthor%5D

  • Introduo 18

    no cncer (CARACENI, 2001, 2005; FALEIROS SOUSA, 2009; JENSEN, 2003;

    VILA, 2005).

    Dentre os tipos de cnceres mais incidentes que produzem dor de forma

    crnica, ou seja, que ultrapassam 3 meses de durao, esto os tumores de mama

    nas mulheres, de prstata entre os homens e de sistema digestivo em ambos os

    sexos.

    Tendo a finalidade de melhor compreender a dor crnica advinda de

    diferentes tipos de cncer, consideramos que a identificao dos descritores mais

    atribudos pelos clientes possibilitar a adequada avaliao e mensurao da dor

    percebida e contribuir para conhecimento da linguagem da dor oncolgica, alm de

    trazer subsdios para um melhor manejo deste fenmeno.

    1.2. O Cncer e a Dor

    Anualmente, milhes de pessoas em todo o mundo perdem a vida devido ao

    cncer, em todas as fases do ciclo vital. Ele no uma nica doena, mas uma

    coleo de transtornos que constituem, pelo menos, 300 diferentes tipos histolgicos

    (BRASIL, 2011a). Os tumores so o resultado de uma cascata de reaes celulares

    genticas e epigenticas anormais de perda de regulao do crescimento celular,

    caracterizada pela proliferao anormal, mudanas estruturais no interior das clulas

    motivadas por fatores genticos e ambientais (qumicos, fsicos ou biolgicos), com

    efeitos aditivos ou multiplicativos. As clulas tumorais podem cair na corrente

    sangunea e se instalarem em outro rgo distante, formando as metstases

    (ALBERTS et al., 2010; CAPONERO, 2008; BRASIL, 2011a).

    A incidncia, distribuio geogrfica e o comportamento de tipos especficos

    de cnceres esto relacionados a mltiplos fatores, incluindo sexo, idade, raa,

    predisposio gentica e exposio a carcingenos ambientais, como o tabaco, os

    azocorantes, as aflatoxinas, o benzeno, cido desoxirribonuclico do grupo herpes e

    papiloma, bem como vrus de cido ribonuclico do tipo C (BRASIL, 2008).

    O cncer est profundamente associado a situao social e econmica dos

    clientes e os fatores de risco so mais elevados nos grupos com nvel mnimo de

    educao. Alm disso, os clientes das classes sociais mais baixas tm taxas de

  • Introduo 19

    sobrevivncia inferiores aos das classes sociais mais elevadas (WORLD HEALTH

    ORGANIZATION, 2002).

    O crescimento e o envelhecimento populacional afetaro, de forma

    significativa, o impacto do cncer no mundo, principalmente sobre os pases de

    mdio e baixo desenvolvimento. No Brasil, o cncer constitui a segunda causa de

    morte na populao brasileira desde 2003 (BRASIL, 2011a). Em nvel mundial, a

    Agncia Internacional para Pesquisa sobre o Cncer/Organizao Mundial da Sade

    (Internacional Agency for Research Cancer IARC, World Health Organization -

    WHO) estimou que em 2008 ocorreriam 12,4 milhes de casos novos e 7,6 milhes

    de bitos por cncer no mundo (INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH

    CANCER, 2008).

    Dados mais recentes sobre a incidncia do cncer foram publicados em 2008

    pela IARC/WHO, evidenciando que o cncer de pulmo (1,52 milhes de casos

    novos), de mama (1,29 milhes), de clon e de reto (1,15 milhes) so os tumores

    mais incidentes no mundo (Grfico 1).

    Grfico 1 Incidncia mundial de cncer em ambos os sexos em 2008 (Adaptado de INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH CANCER, 2008)

    2

    2 Disponvel em: Acesso em: 10 mai

    2011.

    Mama

    Prstata

    Pulmo

    Prstata

    Colo-retal

    Crvico-uterino

    Estmago

    Fgado

    Corpo uterino

    Esfago

    Ovrio

    Bexiga

    Linfoma No-Hodgkin

    Leucemia

    Rim

    Pncreas

    Incidncia

    Mortalidade

    Nmero de novos casos ou mortes por 100 000 pessoas por ano

    http://globocan.iarc.fr/factsheets/populations/factsheet.asp?uno=900

  • Introduo 20

    Devido ao mau prognstico, o cncer de pulmo foi a principal causa de

    morte (1,31 milhes), seguido pelo cncer de estmago (780 mil bitos) e pelo

    cncer de fgado (699 mil bitos), dados demonstrados na Tabela 1.

    Tabela 1 Resumo das estatsticas de morte e casos de cncer em nvel mundial ocorridos em

    2008 (adaptado de INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH CANCER, 2008)

    3

    Estatsticas Mundiais Masculino Feminino Ambos os

    sexos

    Populao (milhares) 3402841 3347220 6750061

    Nmero de casos novos de cncer (milhares)

    6617.8 6044.7 12662.6

    Taxa de idade padronizada* 203.8 165.1 181.6

    Risco de adquirir cncer antes dos 75 anos (%)

    21.2 16.5 18.7

    Nmero de mortes por cncer (milhares)

    4219.6 3345.2 7564.8

    Taxa de idade padronizada* 128.6 87.6 106.1

    Risco de adquirir cncer antes dos 75 anos (%)

    13.4 9.1 11.2

    5 cnceres mais frequentes Pulmo Mama Pulmo

    Prstata Coloretal Mama

    Coloretal Crvico-uterino

    Coloretal

    Estmago Pulmo Estmago

    Fgado Estmago Prstata

    *Taxa de idade padronizada: nmero de novos casos ou mortes por 100 000 pessoas por ano

    No Brasil, as estimativas para o ano de 2011 apontam para a ocorrncia de

    489.270 casos novos de cncer. Os tumores mais incidentes para o sexo masculino

    sero os cnceres de pele no melanoma (53 mil casos novos), os de prstata (52

    mil), de pulmo (18 mil), de estmago (14 mil) e de clon e de reto (13 mil). Para o

    sexo feminino, aponta-se que os mais incidentes sero os tumores de pele no

    melanoma (60 mil), de mama (49 mil) e de colo do tero com 18 mil casos novos

    diagnosticados (BRASIL, 2011a).

    O grande impacto na sade e mortalidade dos clientes em todo o mundo,

    motivam que significativos investimentos no controle do cncer sejam empregados

    3 Disponvel em: Acesso em: 10 mai

    2011.

    http://globocan.iarc.fr/factsheets/populations/factsheet.asp?uno=900

  • Introduo 21

    na atualidade. O conhecimento mdico, as novas tecnologias para o diagnstico e

    para o estadiamento, o desenvolvimento de novas terapias e a deteco precoce da

    doena, tm proporcionado um aumento da sobrevida aps o diagnstico inicial,

    exigindo a conquista de uma melhor qualidade de vida (CAPONERO, 2008;

    SPINOSA; SANHUEZA, 2002). Apesar de todos estes avanos, muitos clientes com

    cncer ainda permanecero sofrendo com a dor oncolgica e perdendo tempo

    precioso de suas vidas em consequncia da dor e do sofrimento (MORETE,

    MINSON, 2010).

    Estatsticas recentes e acuradas sobre a prevalncia da dor nos clientes com

    cncer no esto disponveis, dadas as devidas propores em diferentes pases do

    mundo. VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al. (2007) realizaram uma

    reviso sistemtica da literatura incluindo 52 estudos publicados nos ltimos 40

    anos, evidenciando que a dor um sintoma prevalente em 33% dos clientes aps

    tratamento com inteno curativa; nos clientes sob tratamento antineoplsico, a

    prevalncia eleva-se para 59% e em clientes caracterizados com doena em fase

    avanada, metasttica ou terminal, a prevalncia de dor chega a 64%. Incluindo-se

    todos os estados da doena, a prevalncia de 53% e 18% dos participantes

    apresentaram nveis de dor moderada ou severa. Os clientes com cncer de cabea

    e pescoo so os quais apresentam a maior prevalncia, seguidos pelos clientes

    com tumores gastrintestinais. Os autores desta reviso concluram que, apesar das

    recomendaes da Organizao Mundial de Sade, a dor do cncer ainda um

    problema significativo (VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al., 2007).

    Outros autores apontam que cerca de 18 milhes de pessoas em todo o

    mundo sofrem devido dor causada pelo cncer, manifestando-se em 51 a 70% dos

    clientes com cncer nos diversos estgios evolutivos da doena, sendo observada

    em 70 a 90% dos portadores de neoplasias avanadas e 40% apresentam dor

    intensa (LAURETTI, 2007; MORAES, 2004).

    A Associao Internacional para o Estudo da Dor (International Association for

    the Study of Pain IASP) a define como uma experincia sensorial e emocional

    desagradvel que primariamente associada leso tecidual ou descrevemos em

    termos desta leso ou ambos (INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY

    OF PAIN, 2010).

    A dor pode surgir em qualquer momento da fase evolutiva ou na fase

    remissiva da doena. Acredita-se que muitos buscaro os servios de sade devido

  • Introduo 22

    a uma queixa dolorosa, podendo ser este o primeiro sinal da doena neoplsica. Os

    procedimentos diagnsticos e os teraputicos, as cirurgias mutiladoras ou no, a

    quimioterapia e a radioterapia tambm podem ocasionar dor. Nos estgios

    avanados da doena a dor um importante e comum agravo qualidade de vida

    destes clientes (CAPONERO, 2008; PERRON; SCHONWETTER, 2001;

    RIPPAMONTI; LONGO, 2004; VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al., 2007).

    Em 1984, a OMS estabeleceu normas para o controle da dor no cncer,

    internacionalmente reconhecidas, aceitas e aplicadas na atualidade (WORLD

    HEALTH ORGANIZATION, 1990). Tais estratgias baseiam-se na farmacoterapia

    analgsica, conhecida como escada analgsica da OMS, padronizando o

    tratamento analgsico de acordo com a intensidade da dor percebida. Acreditando

    que, por ser acessvel a maior parte dos povos do planeta, a escada analgsica

    efetiva aliviar a dor em aproximadamente 90% dos clientes com cncer e em 75%

    dos clientes com doenas sem possibilidade de cura em estgio avanado

    (MINSON; MARANGONI, 2010; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996).

    Porm, aps 27 anos, problemas no manejo da dor oncolgica so evidentes,

    conduzidos pela falta de conhecimento da sua multidimensionalidade, baseando-se

    as estratgias de manejo principalmente na dimenso fsica.

    Desde 2000, a Agncia Americana de Pesquisa e Qualidade em Sade

    Pblica (Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations JCAHO) e a

    Sociedade Americana de Dor (American Pain Society) descrevem-a como 5 sinal

    vital, devendo ser avaliada e registrada ao mesmo tempo e no mesmo ambiente

    clnico em que so avaliados os outros sinais vitais (temperatura, pulso, respirao e

    presso arterial). Este recurso propicia que sejam empreendidos tratamentos ou

    mudanas na conduta teraputica (CLARKE; KASHANIA, 1998; DEPARTMENT OF

    VETERANS AFFAIRS, 1999; FALEIROS SOUSA, 2002).

    Complexos mecanismos esto envolvidos na induo da dor associada ao

    cncer. Segundo Caponero (2008); Perron e Schonwetter (2001); Manthy et al.,

    (2002); Ripamonti e Longo (2004) existem mltiplas causas para a dor oncolgica:

    Expanso tumoral com consequente presso em rgos circunvizinhos;

    Secreo de mediadores inflamatrios e pr-hiperalgsicos;

    Infiltrao tumoral de plexos nervosos causando dano ao tecido neural (dor

    neuroptica);

  • Introduo 23

    Disseminao metasttica do cncer nos ossos;

    Distenso de vsceras e da cpsula de rgos slidos, inflamao da mucosa,

    isquemia e necrose que ativam nociceptores viscerais, ocasionando a dor

    visceral;

    Rpida perda de peso, hipercatabolismo muscular, imobilizao ou aumento

    da tenso muscular e espasmos dolorosos do msculo, ocasionado pelas

    metstases sseas, podem causar a dor muscular;

    Dores relacionadas ao tratamento, que incluem a dor articular aps

    quimioterapia e terapia hormonal, mucosite dolorosa aps radio e

    quimioterapia, dores neuropticas ps-radiao, hiperalgesia induzida por

    opioides e dores ocasionadas por leses neurais advindas de intervenes

    cirrgicas.

    Para Manthy et al. (2002) a dor do cncer frequentemente torna-se mais

    grave quando a doena progride e a gravidade muito varivel de cliente para

    cliente, de tumor para tumor e de stio para stio.

    Outros autores pontuam que os mecanismos causadores da dor nos clientes

    com cncer esto relacionados prpria doena neoplsica decorrentes da invaso

    tumoral em 60 a 80% dos casos; consequentes aos tratamentos antineoplsicos em

    20 a 25% dos casos (dor ps-operatria, ps-quimioterapia, ps-radioterapia) e no

    associada ao cncer e seu tratamento em 5 a 10% dos casos (BRASIL, 2001a;

    CAPONERO, 2008; PARRIS, 1997).

    Os tipos de dor que ocorrem nos pacientes com cncer so a nociceptiva, a

    neuroptica e a mista. A dor nociceptiva ocorre por estimulao trmica, qumica ou

    fsica nas terminaes nervosas ocasionadas por danos teciduais. Os estmulos

    dolorosos ativam os nociceptores perifricos atravs de neurnios intactos

    ascendendo para estruturas do tronco cerebral. A dor nociceptiva compreende a dor

    somtica e a dor visceral. A dor somtica decorrente da ativao de nociceptores

    cutneos e profundos, sendo geralmente descrita como bem localizada, constante,

    dolorosa, como pontada ou agulhada. A dor visceral causada por processos

    patolgicos em rgos internos que ativam nervos aferentes sensoriais que inervam

    estes rgos sendo caracterizada como contnua, mal localizada e profunda. A dor

    neuroptica resultante de leso nervosa total ou parcial, central ou perifrica em

    consequncia de processos compressivos, infiltrativos ou lesivos na estrutura

    nervosa. caracterizada como queimante, em choque, ardente, com formigamento

  • Introduo 24

    e parestesia. As causas mais comuns da dor neuroptica nos clientes com cncer

    inclui as sequelas de radioterapia, quimioterapia ou cirurgia, inflamao, inflitrao

    tumoral e traumas. Comumente, os clientes apresentam dor mista envolvendo a dor

    nociceptiva e a dor neuroptica (CARACENI, 2001; PERRON; SCHONWETTER,

    2001; PIMENTA; FERREIRA, 2006; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990;

    WUJCIK; UTLEY, 1997).

    Utilizando sua durao como referncia, a dor pode ainda ser classificada em

    aguda ou crnica e ambas so frequentes na dor oncolgica. A forma aguda

    relaciona-se principalmente a procedimentos cirrgicos, diagnsticos e teraputicos.

    A forma crnica ou persistente que estende-se por mais de 3 meses, deixa de ser

    um sinal para constituir uma doena; acomete cerca de 50% dos clientes em todas

    as fases da doena e ocorre em mais de 2/3 dos clientes nas fases avanadas

    (BRASIL, 2001a; LEE et al. 2005; PIMENTA et al., 2006; SILVA, 2001).

    A dor crnica produz alteraes vegetativas incluindo insnia, falta de apetite,

    falta de desejo sexual, favorece o desenvolvimento de um repertrio de respostas de

    esquiva e de fuga relativas a atividades fsica, social e ocupacional (BOUREAU,

    2001; CAPONERO, 2010; MORAES, 2004; MURTA, 1999).

    Para Caponero (2010), a dor crnica relacionada s neoplasias ocorre por

    que o sistema nervoso, frente a estmulos dolorosos constantes, fica hiperexcitvel,

    aumenta o campo de recepo e o nmero de receptores na membrana neural,

    gerando dor independente de novos estmulos, ocasionando um desequilbrio entre

    o sistema que informa a existncia de dor e aquele que o suprime.

    A cronicidade da dor do cncer pode ser muito estressante para o corpo e

    para a alma e requer ateno cuidadosa e permanente para ser manejada

    adequadamente. Frequentemente, associa-se com ideias de progresso tumoral e

    piora clnica, levando angstia da incerteza do sofrimento futuro e da proximidade

    da morte. Apesar de toda complexidade, diversos autores apontam que a dor crnica

    do cncer pode ser manejada na quase totalidade dos casos com o emprego de

    terapias farmacolgicas e no farmacolgicas disponveis atualmente (CAPONERO,

    2008; CANCER-PAIN ORG, 2002; GIVEN et al. 2007; GUILLEN, 2007; PORTENOY;

    LESAGE, 1999; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).

    Para Ripamonti e Longo (2004), a Sndrome da Dor Crnica do Cncer pode

    conduzir a fadiga, ansiedade, medo, depresso, raiva e isolamento, fatores que

    podem diminuir os limites individuais de dor. Em contrapartida, o sono adequado,

  • Introduo 25

    elevao do humor, diverso, empatia e entendimento podem elevar os limites

    individuais de dor, repercutindo positivamente na qualidade de vida do cliente e de

    seus familiares, amigos, cuidadores e equipe. Para tornar isto possvel, faz-se

    necessria uma assistncia global e transdisciplinar.

    Outros autores (INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF

    PAIN, 2008; MURTA, 1999; PERRON; SCHONWETTER, 2001; RIPPAMONTI;

    LONGO, 2004) apontam que existem diversos fatores que podem afetar diretamente

    a habilidade dos clientes em controlar sua dor, incluindo:

    aspectos emocionais, como a ansiedade e depresso;

    aspectos cognitivos, como a confiana de uma pessoa em sua capacidade de

    lidar com a dor, desespero e constante lembrana da natureza incurvel e

    progressiva da doena;

    contextos social e ocupacional, incluindo o apoio que um cliente recebe de

    seu parceiro ou famlia;

    fobia por parte dos clientes, familiares e profissionais sobre a administrao

    de medicamentos opiceos.

    Os clientes com dor crnica oncolgica podem ainda sofrer com a ocorrncia

    de dor episdica ou dor da descoberta (breakthrough pain), definida como surto

    de dor ou dor aguda que ocorre num contexto de dor bem controlada, acarretando

    sofrimento e agravo qualidade de vida, podendo ter diversas causas tais como a

    metstase ou afeces que naturalmente progridem (CARACENI, 2001;

    CAPONERO, 2004; COLVIN; FALLON, 2008; INTERNATIONAL ASSOCIATION

    FOR THE STUDY OF PAIN, 2008).

    1.3. A Dor Total

    O Binio 2008-2009 foi considerado pela IASP o Ano Mundial de Combate a

    Dor do Cncer, mas a preocupao com a dor oncolgica no recente. Na dcada

    de 1970, a inglesa Cecily Saunders introduziu o conceito de dor total para definir o

    tipo de dor percebida pelos clientes oncolgicos. Considera-se a dor advinda do

    cncer como total por trazer consequncias em todos os domnios da vida, sejam

    eles fsico, psicolgico, social, emocional e espiritual, que a proximidade da morte

  • Introduo 26

    pode lhes proporcionar (SAUNDERS, 1976). Na figura 1 a autora descreve a

    natureza abrangente da dor do cncer.

    Figura 1 As Dimenses da Dor total (adaptado de CANCER PAIN, 2008) 4

    As consequncias no domnio fsico podem ser causadas pelos efeitos diretos

    do tumor, pelo tratamento, pela debilidade geral e por diversas comorbidades. A dor

    espiritual e a angstia incluiu questes existenciais, a busca de sentido e de

    propsito, a raiva do "destino", bem como questes relacionadas a f e a religio

    especficas. A dor social refere-se posio do cliente na sociedade e na cultura, s

    questes financeiras e ao impacto da dor sobre a famlia e cuidadores. A dor

    psicolgica, muitas vezes difcil de compreender e manejar, envolve aspectos

    culturais, experincia prvia, ambiente social e crenas, sexo, personalidade e

    estado emocional, ocasionando medo, ansiedade e depresso. (CAPONERO, 2008;

    MICELLI, 2002; SAUNDERS, 1976).

    Os aspectos fsicos da dor no podem ser manejados de forma isolada. O

    termo "dor irrelevante aos opiceos por vezes utilizado para descrever os

    componentes da dor comuns na dor psicolgica, social e espiritual que so

    4 Disponvel em: < http://www.iasp-

    pain.org/AM/Template.cfm?Section=Global_Year_Against_Cancer_Pain&Template=/CM/HTMLDisplay.cfm&ContentID=8716> Acesso em: 09 out 2009.

  • Introduo 27

    frequentemente negligenciados nas avaliaes clnicas (INTERNATIONAL

    ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008).

    Consideramos que h em nosso meio inadequao da necessidade de tratar

    a dor pois, para o alcance dos objetivos de uma assistncia eficiente e da melhoria

    da qualidade de vida, h necessidade de se manejar a dor em todos os seus

    domnios e os vrios componentes devem ser considerados e manejados

    simultaneamente.

    Muitos dos clientes com cncer podem ainda vivenciar desconfortos

    ocasionados por leses cutneas, odores desagradveis, transtornos alimentares,

    insnia, ansiedade, mutilao, desfigurao, fadiga, luto antecipatrio, dificuldades

    econmicas, de acesso aos servios de sade e desintegrao do mundo familiar.

    Estes fatores podem resultar em piora da dor e ocasionar o sofrimento total

    (INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008; PIMENTA et

    al., 2006).

    As consequncias da dor do cncer so devastadoras, podendo incluir

    incapacidade funcional, imobilidade, isolamento social, estresse emocional e

    espiritual, conduzindo cessao das terapias potencialmente curativas. Alguns

    clientes com cncer expressam maior medo de morrer de dor do que de morrer por

    causa da doena, alm de seus familiares e amigos que tambm sofrem por

    testemunhar a dor e a angstia experimentadas por um ente querido com cncer

    (CAPONERO, 2004; MARTINS, 2004; MACIEL, 2004).

    Para Espinoza e Sanhueza (2007), como o cncer uma das causas de

    morte vivenciada atravs de um difcil processo, o entendimento deste por toda a

    equipe de sade permite que haja a conduo de uma morte com qualidade,

    considerando que o cliente possa estar o mais livre possvel da dor. Os autores

    ainda salientam que a espiritualidade permite suportar a dor, o sofrimento, d

    sentido vida embasada na f religiosa.

    Fitch (2006) descreve que doenas como o cncer que ameaam a vida,

    desafiam a espiritualidade, ameaam a esperana e motivam a busca pelo

    significado ou sentido da situao, e a espiritualidade se refere dimenso que

    motiva o significado.

    Bonica (1978), ainda na dcada de 70, apontava sobre a necessidade de uma

    abordagem multidisciplinar na assistncia aos clientes com dor do cncer. Outros

    autores apontam para a importncia deste tipo de abordagem no cuidado ao cliente

  • Introduo 28

    durante a evoluo do cncer desde o diagnstico at a morte, pois esta capaz de

    promover conforto, dignidade e respeito, condies to necessrias aos clientes com

    cncer avanado (CARACENI et al., 1996; FERREL; LEVY; PAICE, 2008; FOLEY et

    al., 2006).

    1.4. A Dor no Indivduo com Cncer de Sistema Digestivo

    Os cnceres de sistema digestivo abrangem as neoplasias malignas de

    esfago, de estmago, de pncreas, de fgado, de vescula, de vias biliares, de

    intestino delgado, de clon e de reto.

    Dentre os tumores acima citados, destaca-se o cncer de estmago e,

    segundo estimativas do Instituto Nacional do Cncer (INCA) em 2010 o nmero de

    casos novos de cncer de estmago ser de 13.820 nos homens e de 7.680 nas

    mulheres, correspondendo a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil

    homens e 8 para cada 100 mil mulheres. No mundo, a incidncia do cncer de

    estmago configura-se como a quarta causa mais comum e, em termos de

    mortalidade, a segunda causa de bitos por cncer. Em geral, sua magnitude de

    duas a trs vezes maior nos pases em desenvolvimento e tem maior incidncia no

    sexo masculino que no feminino (BRASIL, 2010).

    Cerca de 9,4%, equivalendo a um milho de casos novos de todos os

    cnceres, so de clon e de reto. Estima-se que, para o ano de 2010 em nosso pas,

    de todos os novos tipos de cncer diagnosticados, 13.310 homens sero acometidos

    e 14.800 mulheres. Os tumores malignos de clon e de reto, em termos de

    incidncia, configuram-se como a terceira causa mais comum de cncer no mundo,

    em ambos os sexos, e a segunda causa em pases desenvolvidos. Estes valores

    correspondem a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil homens, e 15

    a cada 100 mil mulheres (BRASIL, 2010).

    Cerca de 20% de todas as dores de origem neoplsica encontram-se

    localizadas no tronco e os tumores do aparelho digestivo correspondem a 31% de

    todos os cnceres que causam dor, e quanto maior o estadiamento clinico-

    patolgico, maior a incidncia de dor relacionada neoplasia. Nos clientes terminais

  • Introduo 29

    deste tipo de cncer, as dores tendem a ser mais intensas, progressivas e incidentes

    em 60 a 80% dos clientes (DELGADO, 2002).

    Nos tumores do estmago, a dor pode apresentar-se como sintoma inicial,

    muitas vezes confundindo-se com sintomas de doenas benignas e comuns como

    gastrite e lceras ppticas (WEBMD, 2010).

    As dores moderadas e graves so frequentes em clientes com cncer do trato

    digestivo. Alm disso, procedimentos endoscpicos, muitas vezes necessrios para

    o estadiamento da doena, podem ainda ser outro fator de ocorrncia de dor,

    ansiedade e desconforto para estes clientes (ESSINK-BOOT et al., 2007).

    O cncer de pncreas uma das neoplasias com maior ndice de letalidade e

    a sobrevida global continua a ser de 4% em todas as etapas. A dor abdominal um

    sintoma importante nos clientes com cncer pancretico incurvel, principalmente na

    parte superior do abdmen, podendo irradiar para as costas, sendo muitas vezes

    difcil de tratar. Outros problemas comuns para os clientes com este tipo de

    neoplasia so obstruo intestinal, obstruo biliar, insuficincia pancretica,

    caquexia-anorexia e depresso, condies para o aumento da queixa dolorosa e

    perda da qualidade de vida. A dor visceral um dos sintomas mais difceis de

    controlar, aumentando a demanda para a eutansia nos pases nos quais tal prtica

    permitida. O manejo da dor, dos seus sintomas e sua avaliao devem ser

    constantes, pois so aspectos mais importantes para a assistncia a estes clientes e

    com a progresso da doena, a dor pode tornar-se insuportvel (DI MOLA; DI

    SEBASTIANO, 2008; FAZAL; SAIF, 2007; MARINEO, 2003).

    Na vigncia de dor induzida por cncer hepatobiliar, a inadequada ateno ao

    sintoma doloroso tem um impacto negativo na qualidade de vida, porm o alvio

    satisfatrio da dor e do sofrimento pode ser conquistado na maioria dos casos por

    meio da abordagem multidisciplinar. Este tipo de cncer pode acarretar dores do tipo

    nociceptiva, neuroptica ou uma combinao dos dois (HELPERT; ERDEK, 2008).

    Nos portadores de cncer de clon e de reto submetidos a intervenes

    cirrgicas com colocao de estomas, alm de todas as implicaes que o

    diagnstico de cncer ocasiona, os clientes podem deparar-se com diversas

    alteraes em seu processo de viver, que vo desde a alterao da fisiologia

    gastrintestinal, da autoestima a alterao da imagem corporal ocasionada pelos

    dispositivos, odores e leses cutneas periestomais. Todas estas transformaes

  • Introduo 30

    condicionam a vida familiar, afetiva, laboral e social da pessoa, acarretando dor

    fsica, social e espiritual (CASCAIS; MARTINI; ALMEIDA, 2007).

    1.5. A Dor na Mulher com Cncer de Mama

    O cncer de mama um dos principais diagnsticos entre mulheres no

    mundo inteiro, com 1 milho de novos casos por ano e, segundo a Organizao

    Mundial da Sade, estima-se que por volta de 2020, 70% dos casos novos de

    cncer de mama ocorrero em pases em desenvolvimento. O nmero de casos

    novos de cncer de mama esperados para o Brasil em 2010 ser de 49.240, com

    um risco estimado de 49 casos a cada 100 mil mulheres (BRASIL, 2010).

    O cncer de mama o segundo tipo de cncer mais frequente no mundo e o

    mais comum entre as mulheres. provavelmente o mais temido pelas mulheres,

    devido alta frequncia e, sobretudo, pelos seus efeitos psicolgicos, que afetam a

    percepo da sexualidade e a prpria imagem pessoal (BRASIL, 2010; VILHOLM,

    2008).

    Semelhante a outros tipos de tumores, a dor ocasionada pelo cncer de

    mama est relacionada principalmente a cirurgias e procedimentos invasivos

    (bipsias, tumorectomia e mastectomias, disseces de linfonodos); a radioterapia

    (reaes dolorosas na pele, plexopatias braquiais e cervicais); a quimioterapia

    (mucosites, artralgias e mialgias e neuropatias perifricas), ao linfedema de

    membros superiores devido ao esvaziamento axilar; a dor ssea ocasionada e por

    terapia hormonal; a dor relacionada ao crescimento tumoral e suas metstases,

    sendo que aproximadamente 25% dos tumores malignos de mama produzem

    metstases primeiramente para os ossos, pulmes e fgado (KATZ et al., 2005).

    A dor local, devido ao tumor primrio, muitas vezes s ocorre quando h

    invaso da pele local, sendo este um agravo para o diagnstico inicial da doena.

    A Sndrome Dolorosa Ps-Mastectomia (SDPM) condio frequente para as

    mulheres que foram submetidas a cirurgias, produzindo dor do tipo crnica, podendo

    ser de natureza neuroptica, resultante de leso de nervos ou disfuno do sistema

    nervoso, e nociceptiva, resultante de leso dos msculos e dos ligamentos. A

  • Introduo 31

    frequncia da sndrome pode variar entre 4 a 56% (COUCEIRO; MENEZES,

    VALENA, 2009).

    A SDPM foi relatada pela primeira vez durante os anos 1970, caracterizada

    como maante e em queimao, e a dor no trax anterior, no brao e na axila

    podem ser exacerbadas por movimentos da cintura escapular (WOOD, 1978).

    A causa exata da SDPM ainda obscura, mas vrias teorias etiolgicas tm

    sido postuladas, incluindo a disseco do nervo intercostobraquial, dano ao nervo

    axilar intraoperatrio e dor causada por neuroma (COUCEIRO; MENEZES,

    VALENA, 2009; JUNG et al., 2003; MacDONALD, 2005).

    A prevalncia de queixas como dor, fadiga, parestesia e edema no membro

    superior ipsilateral entre as clientes que se submeteram a tratamentos para o cncer

    de mama pode ser elevada, variando de 5 a 74%. Em muitos casos, estes sintomas

    impedem as mulheres de voltarem s suas rotinas dirias, s prticas de exerccios

    e de recreao, interferem no ato de dirigir, no cuidar dos filhos, no lazer e na

    atividade sexual, repercutindo na qualidade de vida (COUCEIRO; MENEZES,

    VALENA, 2009; QUEIROZ et al., 2009). Os mesmos autores relatam que dados

    sobre estas complicaes podem ser subestimados pelos mdicos e pelas clientes,

    que tentam aceit-los como normal ou como consequncia irremedivel do

    tratamento..

    Alguns estudos tm demonstrado as diferenas na expresso da dor entre os

    homens e as mulheres. Para Costa (2008), h maior prevalncia de dor na mulher

    em diversas condies clnicas e pode ser devido, em parte, a variaes hormonais

    frequentes nas mulheres e os efeitos adversos de analgsicos so mais comuns

    entre elas, pois estas utilizam mais analgsicos que os homens.

    Segundo a INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN

    (2007), h evidncias de que as mulheres experimentam dores mais recorrentes,

    mais intensas, mais duradouras e com menor tolerncia a diversos estmulos

    dolorosos do que os homens, mas que essas expresses podem variar no

    transcurso da vida, reduzindo-se depois dos anos reprodutivos.

    Tais variveis devem ser consideradas para a avaliao de mensurao da

    dor, bem como na escolha de estratgias para o manejo da dor associada ao cncer

    de mama.

  • Introduo 32

    1.6. A Dor no homem com Cncer de Prstata

    Segundo o Instituto Nacional do Cncer, o nmero de casos novos de cncer

    de prstata estimado para o Brasil no ano de 2010 ser de 52.350. Estes valores

    correspondem a um risco estimado de 54 casos novos a cada 100 mil homens. Em

    termos de valores absolutos, o cncer de prstata o sexto tipo de cncer mais

    comum no mundo e o mais prevalente em homens, representando cerca de 10% do

    total de cncer. Mais do que qualquer outro tipo de cncer, este considerado o

    cncer da terceira idade, uma vez que cerca de trs quartos dos casos no mundo

    ocorrem a partir dos 65 anos (BRASIL, 2010).

    Como sintoma, a dor pode aparecer na fase avanada da doena, sendo

    caracterizada por um quadro de dor ssea, sintomas urinrios ou, quando mais

    grave, por infeces generalizadas ou por insuficincia renal. Os clientes podem

    experimentar dor direta no local das metstases, frequentemente uma dor surda e

    constante que aumenta gradualmente em intensidade com o tempo. Eles descrevem

    a dor geralmente com o agravamento dos sintomas; outros clientes no relatam

    nenhuma dor at que uma complicao secundria ocorra como instabilidade

    estrutural que conduz a fraturas patolgicas ou a colapso vertebral. Tais eventos

    podem causar espasmos do msculo, compresso de nervo e, mais seriamente,

    compresso da medula espinal e consequente aumento da dor (INTERNATIONAL

    ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008; REALE; TURKIEWICZ; REALE,

    2001).

    A fadiga e a dor ssea so sintomas comuns na fase avanada do cncer de

    prstata e, juntos, tais sintomas deterioram a qualidade de vida, requerendo

    intervenes interdisciplinares, tais como a educao dos clientes e seus cuidadores

    para promover o conforto e o alvio destes sintomas crticos (BORNEMAN et al.,

    2010; RIPAMONTI; LONGO, 2004).

    A piora da dor nos portadores de cncer prosttico afeta a capacidade de

    realizao de atividades de vida dirias, devendo ser a meta do seu manejo a

    diminuio da intensidade dos sintomas e o aumento das funes e,

    consequentemente, a melhora da qualidade de vida global destes homens (HADI, et

    al., 2008).

  • Introduo 33

    Outros autores salientam que programas para mudar a atitude frente a dor do

    cncer, aperfeioar as habilidades de comunicao entre clientes e profissionais de

    sade, agregar mudanas institucionais e a avaliao adequada do cliente em

    termos de sndromes dolorosas podem ser estratgias promissoras na luta contra o

    sofrimento e a dor associados ao cncer prosttico (LATTANZI, 1999; MNGER-

    BEYELER et al., 2008).

    1.7. Avaliao da Dor do Cncer

    A avaliao um passo vital e preliminar para o controle satisfatrio da dor do

    cncer (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996). Segundo Guillen (2007), a dor

    um sintoma subjetivo e preciso ensinar a avali-lo.

    Vrios autores enfatizam que para o melhor manejo da dor do cncer faz-se

    necessria uma avaliao global que caracteriza os sintomas fsicos, avalia a

    relao entre a dor e a doena, clarifica o impacto das condies de dor e os

    transtornos na qualidade de vida do cliente. Esta avaliao requer o uso de uma

    nomenclatura padro, uma avaliao funcional qualificando e quantificando as

    deficincias nos vrios domnios (BOUREAU et al., 2001; MICELLI, 2002;

    PORTENOY; LESAGE, 1999; TEIXEIRA, 2004; YENG et al., 2005).

    No obstante, a dor intrinsecamente subjetiva e o autorrelato do cliente o

    padro ouro para a avaliao (JENSEN, 2003; PORTENOY; LESAGE, 1999). Para

    McCaffery5 (1968 apud FERREL, 2005, p. 83), a dor o que a pessoa diz que est

    enfrentando e existe sempre que ele diz que h".

    Pimenta et al. (2005) descrevem que a dor do cncer tem conceito popular de

    incontrolvel e de terrvel e, embora este temor tenha fundamento, possvel reduzi-

    la com avaliao e tratamentos adequados. Estes autores salientam que a avaliao

    da experincia dolorosa no um procedimento simples e a seleo dos

    instrumentos e mtodos a serem usados na avaliao deve ser cuidadosa, dada a

    natureza complexa e subjetiva do fenmeno lgico.

    5 McCAFFERY, M. Nursing practice theories related to cognition, bodily pain and main environment

    interactions. Los Angeles: University of California Los Angeles.

  • Introduo 34

    Conforme o Manual Tcnico do INCA (BRASIL, 2001a) o sucesso no

    tratamento da dor requer uma avaliao inicial cuidadosa de sua natureza, incluindo

    o entendimento dos diferentes tipos e padres de dor, e esta avaliao ir atuar

    como uma linha de base para o julgamento de intervenes subsequentes.

    A avaliao funcional do fenmeno doloroso, assim como o impacto

    biopsicossocial, so fundamentais para definir o diagnstico e as condutas

    teraputicas e assim sendo, a avaliao do cliente com dor oncolgica deve ser

    multidimensional, envolvendo a quantificao e qualificao dos aspectos biolgicos,

    fsicos, psicolgicos, sociais, cognitivos, afetivos e culturais dos clientes (FALEIROS

    SOUSA, 2004; TEIXEIRA, 2004; YENG, 2005).

    Para uma adequada avaliao da dor crnica do cncer, necessrio

    mensurar o mais fidedignamente possvel o fenmeno lgico. Segundo Faleiros

    Sousa (2002, p. 446):

    [...] a mensurao da dor extremamente importante no ambiente clnico, pois se torna impossvel manipular um problema desta natureza sem ter uma medida sobre a qual basear o tratamento ou conduta teraputica. Com uma mensurao apropriada da dor torna-se possvel determinar se os riscos de um dado tratamento superam os danos causados pelo problema clnico e permite escolher qual o melhor e mais seguro dentre os diferentes tipos.

    Na literatura cientfica, encontramos vrios mtodos que podem ser utilizados

    para avaliar e mensurar a dor. Eles podem ser classificados em instrumentos

    unidimensionais, que quantificam apenas a severidade ou intensidade, e

    multidimensionais, que buscam avaliar as diferentes dimenses da dor a partir de

    diferentes indicadores de respostas (DA SILVA; RIBEIRO-FILHO, 2006; PEREIRA;

    FALEIROS SOUSA, 1998).

    Os instrumentos unidimensionais constituem um meio simples dos clientes

    atriburem a intensidade da dor percebida e devido fcil aplicao, so os mais

    utilizados na pesquisa e na clnica. Para Da Silva e Ribeiro-Filho (2006), as escalas

    unidimensionais mais frequentemente utilizadas so a Escala de Categoria

    Numrica (Numeric Rating Scale NRS), a Escala Analgica Visual (Visual

    Analogue Scale VAS) e a Escala de Categoria Verbal ou Visual (Verbal- Visual

    Rating Scale VRS).

  • Introduo 35

    Considerando que a dor um fenmeno complexo, os instrumentos

    multidimensionais buscam avaliar de maneira mais completa possvel a experincia

    dolorosa.

    Para Da Silva e Ribeiro-Filho (2006), a importncia de uma avaliao acurada

    da dor clnica tem promovido a exploso de uma variedade de escalas

    multidimensionais. Entre os principais questionrios e inventrios multidimensionais

    de avaliao da dor descritos na pesquisa e clnica encontramos o Instrumento de

    Avaliao Inicial da Dor (Initial Pain Assessment Inventory - IPAI), o Inventrio Breve

    de Dor (Brief Pain Inventory - BPI), o Questionrio McGill de Dor (McGill Pain

    Questionnaire - MPQ), o Desenho da Localizao da Dor (Pain Drawing - PD), o

    Perfil da Percepo da Dor (Pain Perception Profile - PPP), a Escala de Avaliao

    da Dor Relembrada (Memorial Pain Assessment Card - MPAC), o Inventrio

    Multidimensional de Dor (Multidimensional Pain Inventory - MPI), a Escala de

    Descritor Diferencial (Descriptor Diferencial Scale - DDS) e a Escala

    Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR).

    Na literatura, verificamos que o BPI e o MPQ esto entre os mais utilizados

    para avaliar a dor oncolgica. Estes instrumentos esto disponveis em diversas

    lnguas e nas formas reduzida e completa. O MPQ, institudo por Melzack e

    Turgerson (1975), um questionrio amplamente utilizado em ambientes clnicos e

    na pesquisa.

    Jensen (2003) revisou sistematicamente a literatura para identificar a

    fidedignidade e a validade das medidas de dor oncolgica e avaliar suas

    propriedades psicomtricas. Nos 164 estudos analisados, 74,4% avaliaram a

    intensidade da dor, 29,3% avaliaram a combinao da intensidade e interferncia da

    dor em um nico escore, 14% avaliaram a interferncia da dor, 10,4% a qualidade,

    10,4% o alvio da dor, 8,5% os efeitos/dissabor/incmodo, 1,8% os stios de dor e

    1,2% os aspectos temporais da dor. Para o autor, a dor tem muito mais qualidades

    sensitivas e afetivas que vo alm de sua intensidade.

    Faleiros Sousa e Silva (2005) sugerem que um instrumento ideal de avaliao

    da dor deve ter propriedades de uma escala de razo; deve fornecer informao

    imediata sobre a fidedignidade do desempenho dos clientes; deve ser relativamente

    livre de vieses; deve ser simples de utilizar com clientes com e sem dor, tanto em

    contextos clnicos quanto de pesquisa, ser fidedigno, ser sensitivo s mudanas na

  • Introduo 36

    intensidade da dor e demonstrar utilidade tanto para a dor experimental quanto a dor

    clnica, permitindo comparaes confiveis entre ambos os tipos de dor.

    Segundo Pimenta (2003), para que haja um adequado controle da dor

    oncolgica, faz-se necessria a organizao de sistema de identificao e a

    avaliao do cliente com dor oncolgica pela enfermagem deve envolver aspectos

    fsicos, psicossociais e teraputicos, alm de minuciosa caracterizao da dor.

    A avaliao e a mensurao so os primeiros passos de qualquer estratgia

    de manejo da dor do cncer. No entanto, apesar dos diversos instrumentos

    disponveis, ainda no h em nosso meio uma metodologia padronizada vlida para

    avaliar o estado da dor no cliente com dor crnica associada ao cncer no contexto

    clnico (CARACENI, 2001; JENSEN, 2003).

    Na pesquisa, os ensaios clnicos de tratamento da dor oncolgica devem

    utilizar medidas de dor confiveis e vlidas e, apesar da grande variedade de

    medidas disponveis, ainda no existem quaisquer orientaes claras para

    selecionar uma ou mais medidas em relao s demais (JENSEN, 2003).

    Para uma avaliao fidedigna, h que se estabelecer uma efetiva

    comunicao entre profissionais, clientes e cuidadores. Micelli (2002) aponta que a

    forma de comunicao da dor depender de fatores tais como idade do cliente,

    sexo, estrutura de personalidade, funes cognitivas, histria pessoal, contexto

    scio-familiar e de dor, estado afetivo e condies psico-orgnicas do momento.

    Para a autora, a comunicao da dor depender ainda da qualidade do ouvinte, da

    disponibilidade real e sincera de escuta, da comunicao inequvoca do ouvinte ao

    cliente e da sua determinao inarredvel em dele cuidar.

    Segundo Abella e Ochoa (2007), existem erros frequentemente identificados

    na Amrica Latina relacionados com a avaliao de clientes com dor, aplicveis

    queles com dor oncolgica:

    No crer na avaliao do cliente, desconsiderando que o indicador mais

    confivel da existncia e da intensidade da dor o seu autorrelato e nem o

    comportamento nem os sinais vitais podem substitu-lo;

    No mensurar a dor permanentemente e em intervalos regulares;

    Desconsiderar as populaes especiais (neonatos, lactentes, crianas

    pequenas, pessoas com retardo mental, demncia, grupos tnicos e

    imigrantes com pouca linguagem), devendo-se conhecer as especificidades

    de cada grupo;

  • Introduo 37

    Focar apenas o manejo da dor e esquecer da qualidade de vida, ou seja,

    alm de se quantificar a intensidade da dor, deve-se indagar sobre o impacto

    da dor na funcionalidade e nas atividades de vida diria;

    No investigar a natureza da dor, desconsiderando que a classificao da

    fonte pode guiar o uso de medicamentos especficos e o seu manejo;

    Subutilizar e ignorar os mtodos no farmacolgicos, sendo que tais mtodos

    podem ajudar a reduzir o consumo de analgsicos e melhorar a qualidade de

    vida dos clientes.

    1.8. A Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR)

    A natureza multidimensional e os diversos domnios da vida afetados pela dor

    oncolgica torna sua mensurao uma tarefa desafiadora. H que se considerar que

    a mesma pode ser expressa de diversas formas, como por alteraes no vocais

    (postura, expresses faciais, atividade motora, atividade autonmica), pelas

    expresses vocais paralingusticas (como choro) e a pela linguagem (PEREIRA,

    2001). As palavras so um dos aspectos da dimenso lingustica da dor, utilizadas

    para comunic-la e para descrever sua experincia (DUGGLEBY, 2002).

    Para Bonica (2002), a dor apresenta um vocabulrio especfico que possibilita

    a comunicao do cliente com os profissionais, famlia, sociedade, variando de

    acordo com a cultura, a sociedade e a poca vivida.

    A busca pelo conhecimento sobre a linguagem da dor antigo e foi descrito

    pela primeira vez na literatura em 1939 por Dallenbach, quando o autor props uma

    lista de 44 palavras divididas em 5 grupos avaliando a temporalidade e a distribuio

    espacial da dor, bem como a sua integrao com questes afetivas e atributos

    qualitativos (NOBLE et al., 2005).

    Melzack e Turgerson (1971) selecionaram 102 palavras e as denominaram

    descritores de dor, os quais foram categorizados nas dimenses sensorial

    discriminativa, cognitiva-avaliativa e afetivo-motivacional. Posteriormente tais

    descritores compuseram o instrumento multidimensional MPQ. Para Faleiros Sousa

    e Silva (2005), este questionrio apresenta algumas dificuldades, tais como o fato de

    os procedimentos de escalonamento de categorias utilizados para quantificar cada

  • Introduo 38

    conjunto de descritores fornecerem informaes ordinais e, em vez de intervalar, o

    MPQ limitado em sua capacidade de informao quantitativa acerca da dor,

    fazendo com que alguns clientes fiquem confusos com o vocabulrio. Alm disso,

    ele fornece apenas um escore total.

    Para Duggleby (2002) a avaliao da dor depende da comunicao entre o

    avaliador e a experincia individual do cliente sobre a dor percebida, e os

    instrumentos tem a funo de facilitar tal comunicao.

    Buscando-se uma adequada avaliao da dor, Faleiros Sousa et al. (2010)

    identificaram e validaram, por meio de mtodos psicofsicos, os descritores de lngua

    portuguesa que caracterizam a dor crnica, considerando as diferenas culturais em

    expressar verbalmente a dor.

    A Psicofsica um campo da psicologia experimental que visa reconhecer a

    relao funcional entre os estmulos fsicos e as respostas que eles provocam, com

    o propsito de medir intensidades da percepo sensria e de experincias

    emparelhando com a intensidade do som, do paladar, do esforo percebido e dor,

    tendo a psicofsica nascido quando os cientistas comearam a pensar na

    possibilidade de mensurar as sensaes (DA SILVA; RIBEIRO-FILHO, 2006);

    STEVENS, 1975).

    Faleiros Sousa et al. (2010, p. 5) descrevem a importncia da psicofsica na

    avaliao e mensurao da dor:

    A psicofsica tem como suposio central que o sistema perceptual um instrumento de mensurao que gera resultados (experincias, julgamento, respostas) que podem ser sistematicamente mensurados e analisados. Dessa forma, cumpre mencionar a importncia de escutar qualitativamente o outro de tal forma que envolva empatia, interesse e respeito s diferenas e subjetividade, para que o pesquisador no projete valores e crenas, assim como o mundo interno, fazendo com que a percepo se torne distorcida em relao percepo da vida e da dor atualmente usada nas Cincias, tm se mostrado promissores para escalonar fenmenos subjetivos, entendendo a diversidade e a multidimensionalidade do ser humano e a beleza do crebro e da mente humana como sistema ativo capaz de capturar essas qualidades por meio de descritores.

    Da Silva e Ribeiro-Filho (2006) salientam que as aplicaes da psicofsica tm

    sido relevantes tanto para o tratamento quanto para manipulao das dores aguda e

    crnica, clarificando seus mecanismos e fornecendo uma base cientfica para os

    modernos mtodos de avaliao e mensurao. Para estes autores, o rigor das

    ferramentas da psicofsica podem contribuir no processo na avaliao e mensurao

  • Introduo 39

    tanto da dor clnica quanto da experimental, podendo gerar uma medida fidedigna e

    vlida do quinto sinal vital nas suas diferentes dimenses.

    Para Faleiros Sousa et al. (2010), a dor influenciada por fatores culturais,

    situacionais e tambm pela ateno, motivao, emoo, dentre outras variveis

    psicolgicas. A maior parte da informao necessria para se adequar um

    procedimento de avaliao da dor origina-se do que o cliente relata, complementada

    pela avaliao fsica. O cliente considerado (no ambiente clnico ou de pesquisa)

    como um instrumento de mensurao, sendo que quem sabe sobre a dor que

    percebe quem a sente.

    Com o objetivo de elaborar um instrumento multidimensional de avaliao de

    dor para a lngua portuguesa, validado de forma subjetiva e estatstica, Faleiros

    Sousa et al. (2010) desenvolveram a Escala Multidimensional de Avaliao de Dor

    (EMADOR).

    Para a elaborao do EMADOR, participaram 6 juzes, 493 profissionais da

    sade e 146 participantes portadores de dor aguda e de crnica. As autoras

    utilizaram a lista de descritores contida no MPQ, em livros, em artigos cientficos

    especficos da literatura mundial, em dicionrio da lngua portuguesa e em dicionrio

    mdico.

    Em sua forma inicial, o instrumento constou de uma lista com 308 descritores

    e respectivas definies e, abaixo das mesmas, foi colocada uma escala de

    categorias de 7 pontos, contendo alternativas que variavam de 0 a 6, segundo as

    quais os participantes deveriam emparelhar os seis julgamentos, atribuindo escores

    que representassem o quanto, em sua percepo, tal descritor era atribudo para

    caracterizar a dor.

    Foram utilizados mtodos psicofsicos diretos e indiretos, sejam de estimao

    de categorias, estimao de magnitudes e emparelhamento intermodal com

    modalidade de resposta e comprimento de linhas. Resultaram destes experimentos

    os 40 descritores que mais caracterizaram a dor aguda e os 40 descritores que mais

    caracterizaram a dor crnica, validando assim a escala psicofsica de atribuio dos

    descritores de dor aguda e de dor crnica para a lngua portuguesa e,

    consequentemente, a EMADOR. Tal instrumento de descritores de dor para a lngua

    portuguesa captura indicadores que possibilitam analisar a linguagem da dor e suas

    dimenses: sensitivas, afetivas e cognitivas.

  • Introduo 40

    Para Faleiros Sousa (2011), na dimenso sensitiva os descritores e

    respectivas definies expressam a percepo da sensao fsica da dor, como

    queimante, em punhalada e perfuradora. Na dimenso afetiva, os descritores e

    respectivas definies sugerem que a dor afeta o humano no que diz respeito s

    emoes e consequente dinmica psquica, por exemplo, deprimente, cruel e

    atormentadora. Na dimenso cognitiva, os descritores e respectivas definies

    sugerem explicao, racionalizao e intelectualizaro da dor percebida, ou seja,

    pode-se pensar sobre ela e como exemplo esto os descritores chata,

    desgastante e brutal (informao pessoal)6.

    A eficcia do manejo depende de uma avaliao e mensurao da dor

    consistente e fidedigna, as quais vm sendo feitas no laboratrio e na clnica. Os

    artigos publicados anteriormente tiveram o propsito de que a gerao de

    conhecimento nessa rea viesse construir uma cultura de ensino, de pesquisa e de

    assistncia no domnio da dor humana no Brasil (FALEIROS SOUSA, 2010).

    Diversas pesquisas j foram e esto sendo realizadas utilizando-se a

    EMADOR nas verses aguda e crnica para avaliao e mensurao da dor

    humana, considerando que tal escala satisfaz os critrios psicomtricos de

    fidedignidade, objetividade e consistncia escalar (EVANGELISTA, 2007;

    HORTENSE, 2009; PEDROSA, 2009; SALTARELI, 2007; ZAMBRANO, 2004).

    Porm, de forma indita na presente investigao, foi a EMADOR utilizada para

    avaliao e mensurao da dor crnica associada ao cncer.

    6 Informao fornecida por Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa em Ribeiro Preto em maio de 2011.

  • 40

    2. Reviso da Literatura

  • Reviso da Literatura 41

    O objetivo desta reviso de literatura foi identificar artigos cientficos sobre a

    avaliao e mensurao da dor do cncer.

    Evidenciamos que h disponvel na literatura um nmero abrangente de

    pesquisas sobre a dor oncolgica. Entretanto, tais pesquisas no abordam os temas

    avaliao e mensurao deste fenmeno, demonstrando que h necessidade de

    serem realizadas mais pesquisas sobre esta temtica.

    No estudo realizado por Duggleby (2002), foram comparados os descritores

    relatados por um grupo de 11 clientes com cncer em estgio avanado para

    descreverem a sua dor, utilizando-se os descritores que fazem parte dos

    instrumentos MPQ, o MPAC e a VAS, muito utilizados na avaliao do fenmeno

    doloroso. A idade dos participantes variou entre 66 e 80 anos; 5 eram do sexo

    feminino e 6 do masculino. Os sujeitos ficaram livres para usar quais e quantas

    palavras julgassem necessrias para descrever a dor percebida. Dos resultados,

    apenas 31% das palavras do MPQ foram utilizadas, somente duas do MPAC e uma

    das duas da VAS.

    Uma reviso da literatura cientfica realizada por Caraceni et al. (2005) avaliou

    os mtodos de mensurao de dor utilizados em ensaios clnicos controlados em

    oncologia, publicados entre 1999 e 2002, que tiveram a dor crnica do cncer como

    objetivo principal ou secundrio. Dos 68 artigos selecionados foi identificado que,

    69% escolheram ferramentas unidimensionais para a mensurao da dor. Segundo

    os autores, ficou evidenciado que a maioria dos autores estava consciente da

    necessidade de se utilizar instrumentos vlidos de medio da dor nos ensaios

    clnicos, contudo muitas vezes essas ferramentas no foram devidamente utilizadas

    na experimentao.

    Shin et al. (2007) avaliaram e compararam as propriedades psicomtricas das

    escalas multidimensionais o Inventrio Breve de Dor-forma abreviada (Brief Pain

    Inventory -Short Form / BPI SF) e o Questionrio McGill de Dor-forma abreviada

    (McGill Pain Questionnaire -Short Form / MPQ-SF) aplicadas a 119 participantes

    asiticos de descendncia americana com cncer. Os resultados deste estudo

    indicaram que as escalas de dor foram internamente consistentes, sendo que alguns

    itens de cada instrumento foram redundantes e o BPI-SF foi considerado mais vlido

    que o MPQ-SF.

  • Reviso da Literatura 42

    Em outro estudo conduzido por Chih-Yi Sun et al. (2007) foi realizado ensaio

    clnico prospectivo com o objetivo de relatar as barreiras para o tratamento da dor

    oncolgica. Participaram da pesquisa 83 clientes com diagnstico do cncer de

    mama, do pulmo, de clon e de prstata. A mensurao da dor foi realizada por

    meio de escala verbal e a maioria dos participantes apresentou dor moderada

    (escores 4 e 6 em uma escala de numrica de 0 a 10 pontos).

    Verificamos na literatura que o BPI um instrumento multidimensional que

    recebeu verses transculturais em diversas lnguas e foi utilizado para a avaliao

    da dor oncolgica (DAUT; CLEELAND E FLANERY, 1983; KLEPSTAD et al., 2002;

    MYSTAKIDOU et al., 2007; STENSETH et al., 2007; SHI et al., 2009; WANG et al.,

    1996).

    Na verso norueguesa, o BPI foi aplicado a 300 participantes com cncer. No

    total, 235 participantes (78%) foram capazes de preencher o questionrio, mas 82

    (35%) tiveram itens sem preenchimento. A anlise identificou a intensidade da dor e

    as interferncias nas funes fsicas, psicolgicas e no sono. Para os autores, o BPI

    tem propriedades psicomtricas satisfatrias, porm mais pesquisas so

    necessrias para estabelecer os instrumentos de avaliao da dor em participantes

    incapazes de responder a um questionrio de dor global. Alm disso, foi salientado

    que h necessidade de investigar se os itens de interferncia da dor tambm

    refletem deficincias relacionadas com a doena (KLEPSTAD et al., 2002).

    Na verso grega de validao do BPI, o instrumento foi utilizado para avaliar a

    dor de 220 participantes com cncer. Destes, 147 relataram dor intensa, 48 dor

    moderada e 25 dor leve. Sobre o tipo de analgesia empregada, 21 participantes

    estavam recebendo analgsicos opioides fortes, 33 recebendo opioides fracos e 166

    participantes no receberam nenhum tratamento com analgsicos opioides

    (MYSTAKIDOU et al., 2007).

    Stenseth et al. (2007) investigaram, entre 55 participantes com cncer, a

    gravidade e a interferncia da dor em diversas funes (atividade geral, trabalho,

    humor, caminhar, sono, relacionamento com outras pessoas e apreciao pela vida),

    solicitando aos participantes que completassem as verses reduzida e completa do

    BPI. Foi observado que 48 participantes completaram as duas avaliaes e, com

    exceo do humor, no apresentaram diferenas significativas, enquanto que 17

    clientes relataram que a dor tem maior influncia sobre as funes do que todos os

    outros fatores analisados.

  • Reviso da Literatura 43

    Shi et al. (2009) investigaram a representao do autorrelato na avaliao da

    dor crnica de 1147 participantes com cncer durante a ltima semana de vida.

    Utilizou-se o BPI para avaliar a dor atual, a pior e a mdia de dor durante a semana

    anterior morte. Os resultados indicaram que as classificaes de recordar a pior

    dor, ao invs de avaliaes de dor atual, podem refletir melhor a experincia total e o

    impacto da mesma, sendo esta uma orientao para a escolha do perodo de

    autorrelato utilizado em ensaios clnicos.

    Com o intuito de avaliar a eficcia de uma interveno psicoeducacional para

    diminuir escores de intensidade e aumentar o conhecimento sobre o manejo da dor

    do cncer, uma amostra de 164 participantes oncolgicos com dor associada a

    metstases sseas foi analisada. Os autores avaliaram as alteraes nos estados

    de humor utilizando o Profile of Mood States, a qualidade de vida mensurada atravs

    do Medical Outcomes Study Short Form (SF-36), bem como nvel de dor e sua

    interferncia utilizando-se o BPI. Ao final do estudo, as diferenas na pontuao dos

    componentes fsicos e dos mentais do SF-36 e os itens de interferncia no BPI,

    entre os trs grupos de respondentes, foram significativos do ponto de vista clnico e

    estatstico (MIASKOWSKI et al., 2007).

    Com o objetivo de evidenciar as barreiras percebidas para o manejo da dor do

    cncer, 50 participantes americanos com descendncia chinesa foram entrevistados.

    Para a avaliao da dor foi utilizado o BPI e as barreiras individuais com as maiores

    pontuaes foram tolerncia dor, intervalos de tempo usado para a dosagem de

    remdios, progresso da doena e dependncia (EDRINGTON et al., 2009).

    Um estudo multicntrico foi realizado na Itlia para avaliar a epidemiologia, os

    padres e a qualidade dos cuidados prestados a participantes com dor do cncer,

    utilizando o PMI (Pain Management Index). O PMI compara o mais potente

    analgsico prescrito para um cliente com o pior nvel de dor relatado. Foram

    recrutados 110 centros de atendimento e 1801 participantes com cncer avanado

    compuseram a amostra com os tipos mais comuns de tumor: de pulmo, de mama e

    coloretais. Foi observado que, apesar das limitaes intrnsecas do PMI, h m

    qualidade no manejo da dor do cncer (cerca de 50% em alguns subgrupos) e que

    os recursos de nvel III da escala analgsica da OMS so empregados com atraso a

    uma porcentagem significativa de participantes. Para os autores, necessria uma

    abordagem mais ampla e educao em cuidados paliativos para um melhor manejo

    da dor na Itlia (APOLONE et al. 2009).

  • Reviso da Literatura 44

    Russell, Aveyard e Oxenham (2006) analisaram os diferentes mtodos de

    avaliao da prevalncia da dor e o PMI, comparando o manejo da dor e avaliando a

    rapidez no seu controle em dois grupos de participantes com cncer. Um grupo foi

    composto por 712 participantes assistidos por mdicos generalistas na comunidade

    e outro grupo composto por 152 participantes, atendidos em uma unidade

    especializada de cuidados paliativos. Foram observadas diferenas significativas

    entre os dois grupos no que se refere ao tempo para o controle da dor, sendo que a

    unidade especializada de cuidados paliativos alcanou o controle da dor

    significativamente mais rpido. Concluiu-se que os mtodos estabelecidos de

    medio da dor e o PMI so limitados na capacidade de medir a dor ao longo do

    tempo, de avaliar a resposta dos prescritores s alteraes da dor, havendo a

    necessidade de se estabelece