AVALIAÇÃO EM ENSINO DE QUÍMICA: UMA PROPOSTA...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM QUÍMICA
AVALIAÇÃO EM ENSINO DE QUÍMICA: UMA PROPOSTA ALTERNATIVA
UTILIZANDO JORNAL SOBRE RADIOATIVIDADE
EVERTON CARDOSO ZANÉLA
GOIÂNIA
2016
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EVERTON CARDOSO ZANÉLA
AVALIAÇÃO EM ENSINO DE QUÍMICA: UMA PROPOSTA ALTERNATIVA
UTILIZANDO JORNAL SOBRE RADIOATIVIDADE
Dissertação apresentada ao programa de Pós
Graduação em Química do Instituto de Química da
Universidade Federal de Goiás como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Química.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Márlon Herbert Flora Barbosa Soares
GOIÂNIA
2016
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à todos aqueles que em algum momento me incentivaram com atitudes ou palavras,
diante de qualquer um dos desafios que enfrentei.
Aos meus pais, por me conscientizarem bem cedo sobre a importância dos estudos, por não
medirem esforços para me dar o melhor conforto que podiam, pelas constantes orações, pelo
amor incondicional e por serem sempre pais presentes, mesmo apesar de divorciados.
Aos meus irmãos Antônio (quase um segundo pai) e Rudmeire (quase uma segunda mãe),
pelos diversos conselhos dados em alguns dos momentos de imaturidade e indecisão.
À Lorrayne, a principal incentivadora para que eu voltasse a estudar, depois de tanto tempo.
Obrigado pela paciência e pela correria durante meus estudos preparatórios!
Aos meus amigos Renato (o irmão que escolhi) e Cameron, por me auxiliarem com aquilo
que eu não compreendo. Vocês fazem tudo parecer mais simples!
À minha querida e eterna diretora Enicléia, pelas palavras de incentivo e por me conceder
tempo de estudo.
Ao meu orientador Márlon, que sempre acreditou em mim (mesmo quando a maioria
duvidava), por ter abraçado o projeto, por me orientar com sabedoria, por conseguir me
mostrar de maneira gradativa o que eu precisava durante todo tempo de orientação.
À professora Nyuara, por seu exemplo de vida, pela simplicidade e carinho com todos os
alunos da Pós.
Ao Kerley e a Vilma, por permitirem e incentivarem a pesquisa.
Aos meus queridos alunos que participaram e abraçaram esse projeto, juntamente comigo.
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LISTA DE APÊNDICES
Jornal produzido pela turma de 2°Ano do Ensino Médio, com temática relacionada a
Radioatividade..........................................................................................................................79
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LISTA DE QUADROS E FIGURAS
QUADRO 1: Diferenças na Verificação Pós Avaliação........................................................35
QUADRO 2: Características das escolas em Goiânia............................................................43
QUADRO 3: Cronograma de pesquisa..................................................................................51
QUADRO 4 : Avaliação dos alunos......................................................................................52
FIGURA 1: Gráfico obtido pelos alunos a partir dos questionamentos da entrevista...........58
FIGURA 2: Recorte de pesquisa de alunos sobre armas nucleares.......................................59
FIGURA 3: Recorte de pesquisa de alunos sobre armas nucleares, destacando interesse....60
FIGURA 4: Continuação da pesquisa sobre armas nucleares................................................61
FIGURA 5: Recorte de pesquisa de alunos sobre o acidente com o Césio 137....................66
FIGURA 6: Recorte de pesquisa de alunos sobre o acidente com o Césio 137....................68
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8
Pensando o Trabalho de Dissertação .................................................................................... 11
Compreendendo a situação-problema .................................................................................. 15
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ......................................................... 18
1.1 Método ....................................................................................................................... 18
1.2 Ambiente de Pesquisa ................................................................................................ 21
1.3. Escolha do tema ............................................................................................................. 21
1.3.1. Breve histórico sobre o acidente com o Césio 137 ............................................................. 21
1.3.2. Divisão das Turmas .............................................................................................................. 23
1.4. Construção dos dados .................................................................................................... 24
CAPÍTULO II: AVALIAÇÃO EM ENSINO DE QUÍMICA ................................................. 26
2.1 Avaliação Reflexiva, capacidade do humano ................................................................. 26
2.2 Cultura da Avaliação ................................................................................................. 28
2.3 Modelo excludente de avaliação ................................................................................ 29
2.4 Avaliação como reprodução da sociedade ................................................................. 31
2.5 Avaliação como aferição da qualidade ...................................................................... 33
2.6 Avaliação classificatória e diagnóstica ...................................................................... 35
2.7 Relevâncias para elaborar uma avaliação .................................................................. 37
2.8 Avaliação Participativa e Avaliação Mediadora ........................................................ 39
2.9 Avaliação e erro ......................................................................................................... 41
2.10 Avaliação individual e Avaliação coletiva ............................................................. 42
2.11 Atividades diversificadas e otimização de recursos ............................................... 44
CAPÍTULO III - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O LÚDICO .............................. 46
3. 1. Função significante do jogo .......................................................................................... 46
3.1.2O lúdico voltado ao sujeito ........................................................................................... 48
3.3 Processo educativo ..................................................................................................... 49
CAPÍTULO IV- RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................. 51
4.1 Desenvolvimento da Pesquisa ................................................................................... 51
4.2 Categorias de análise ................................................................................................. 54
4.2.1 Conhecimento ............................................................................................................... 54
4.2.2 Interesse ........................................................................................................................ 61
4.2.3 Mediação ....................................................................................................................... 65
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4.2.4 Personificação ............................................................................................................... 68
4.3 O Jornal como atividade lúdica.................................................................................. 71
CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 75
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 78
APÊNDICE .............................................................................................................................. 81
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RESUMO
O momento de avaliação muitas vezes se constitui como um momento tenso e formal. Em
alguns casos, não atendem alguns dos objetivos básicos de um processo avaliativo, como por
exemplo, diagnosticar as dificuldades dos estudantes e em cima disso, construir
conhecimento. Para melhor compreender e relacionar os objetivos com os resultados obtidos,
faremos uma abordagem sobre as três temáticas dessa pesquisa: a avaliação, o lúdico e o
jornal. O lúdico configura-se como uma alternativa viável para versatilizar o processo de
avaliação, para despertar o interesse dos avaliados, como oportunidade de aproximar
professor e estudantes. Com todas esses diferenciais do lúdico, o processo avaliativo que
constituiu-se na construção do jornal, analisando as quatro categorias de análise
(conhecimento, interesse, intervenção e personificação) foi possível observar em várias
situações, a construção do conhecimento. Embasado em algumas das principais referências
sobre Avaliação, propusemos nesse trabalho a criação de um jornal com temas químicos. Por
se tratar de um tema relevante e consonante com o cotidiano escolar dos estudantes, o tema
abordado foi a Radioatividade. Através da elaboração do jornal sobre Radioatividade, os
estudantes foram avaliados de acordo com as citadas categorias de análise.
Palavras chave: Avaliação, radioatividade, jornal, ensino, química, lúdico.
ABSTRACT
The time evaluation often constitutes a tense and formal moment. In some cases, they do not
meet some of the basic objectives of an evaluation process, such as diagnosing the difficulties
of students and on top of that, build knowledge. To better understand and relate the goals with
the results obtained, we will approach the three themes of this research: the evaluation, the
playful and the newspaper. The playful appears as a viable alternative to versatilizar the
evaluation process, to pique the interest of assessed as an opportunity to bring teacher and
students. With all these playful differentials, the evaluation process that constituted the
newspaper building, analyzing the four categories of analysis (knowledge, interest,
intervention and personification) was observed in various situations, the construction of
knowledge. Based upon some of the main references of evaluation, we proposed this work to
create a newspaper with chemical issues. Because it is a relevant and in line with the theme of
daily school students, the issue addressed was the Radioactivity. Through the development of
the newspaper on Radioactivity, students were evaluated according to the aforementioned
categories of analysis.
Keywords: Evaluation, radioactivity, newspaper, education, chemistry, playful
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INTRODUÇÃO
Recordo-me1 com certo saudosismo da euforia em que me encontrava no início do meu
1°Ano do Ensino Médio, na época chamado de 2°Grau. A ansiedade era pela minha primeira
aula de Química, uma incógnita para um adolescente de 13 anos, no ano de 1996. Tinha
expectativas de que compreenderia como eram feitos os produtos industrializados e de que
eram constituídas cada uma das comidas e bebidas que eu tanto gostava de saborear. Pela
minha inocência atípica para idade, residia em mim até uma esperança de que com os
conhecimentos obtidos, eu poderia ter em minha casa um laboratório, como o personagem
Franjinha, do gênio Maurício de Souza.
Para minha decepção, as aulas que assisti (literalmente) foram bem diferentes do que
imaginava. A Química me foi apresentada como uma Ciência nada experimental, puramente
teórica e repleta de modelos que meus professores ensinavam sem acreditar ou conhecer.
Morriam ali meus sonhos de me tornar um cientista.
Estudei como bolsista em uma escola particular e pode-se dizer que eu estava sendo
adestrado para passar no vestibular. Aliás, para minha realidade social, só uma universidade
pública, dentro do meu estado era um alvo concreto: sim, a Universidade Federal de Goiás!
Então o que eu fiz? Me preparei, estudei por jornadas intensas e com cargas horárias enormes.
Jamais deixei de realizar uma tarefa que me tivesse sido solicitada.
1 Neste tópico utilizarei a primeira pessoa do singular, por se tratar de uma apresentação do trabalho.
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Oriundo de família humilde, porém consciente da importância dos estudos, sempre
tive apoio dos meus pais: tanto de minha mãe, que me acompanhava diariamente à escola nas
séries iniciais e até se envolvia com os projetos desenvolvidos na escola ( certamente um dom
para o magistério, que nunca pôde ser aproveitado), quanto de meu pai, que tentou custear
meus estudos no Ensino Médio com uma porcentagem das mensalidades. Como a maioria dos
pais, eles sonhavam em ter um filho advogado ou médico (doutor, como minha mãe diz).
Em 1999, quando meu pai se aposentou e eu não queria sair da escola que eu estudava,
aconteceu uma virada na minha vida: passava as tardes na escola, atuando como monitor e
auxiliando colegas com mais dificuldades na aprendizagem e também aqueles cujos interesses
se despertavam em vésperas de avaliações. De alguma forma, eu me sentia útil e me realizava
ao perceber que alguém evoluía através de uma mínima ajuda minha que fosse. A cada
momento, eu estava mais empolgado com a ideia de ensinar e a Química representava uma
opção, já que a nível de ensino médio, ela me parecia fácil (nem tanto para a maioria dos
meus colegas).
Quando chegou o momento da inscrição para o vestibular, avisei meus pais que
tentaria fazer Química. Ambos me apoiaram prontamente, apesar da insistência de meu pai
para que eu me tornasse “Químico de Indústria”.
Na graduação, passei por professores com diversas características acadêmicas. Sempre
fui consciente de que cada um, apesar das diferenças, tinham um objetivo em comum:
fornecer uma formação adequada para um Químico. O começo não foi fácil. Com uma carga
enorme de aulas nas escolas em que trabalhava, levei cinco anos e meio para concluir um
curso que a maioria conclui em quatro. Foi a consequência de uma vida com sérias
dificuldades financeiras, onde fui obrigado a me sustentar bem cedo. Mas nada disso abalou
meu sonho da Licenciatura Plena em Química. Não posso esquecer de figuras que me
inspiraram e motivaram para tornar isso possível: professores Agustina e Márlon, que oito
anos mais tarde, se tornou meu orientador.
Quando estava prestes a me formar, meu pai sugeriu mais uma vez que eu fizesse o
bacharelado e até propôs me indicar na indústria que ele trabalhou e mantinha contatos. Mas
contrariando meu pai, minha opção foi: Licenciatura em Química. E continua sendo até hoje!
Já sou professor da rede particular de ensino há 14 anos e da rede pública há 9 anos.
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Por algum tempo, não pensei em tentar o mestrado, mas a ideia de ficar sem estudar ou
“enferrujar”, me consumia. Procurava palestras na área de educação e até me arrisquei em pós
graduações latu sensu em instituições privadas, mas sempre me senti frustrado por não atuar
como pesquisador e não dar sequência nos meus estudos. Recebi incentivos de todos que citei
nos agradecimentos e aqui estou, após 8 anos redigindo minha dissertação, com uma das
poucas convicções que tenho na vida, é de que mesmo que outros títulos sejam obtidos, pós
graduado, mestre ou quem sabe doutor (quase o que minha mãe sonhou), antes de qualquer
um deles, serei Professor de Química.
Pensando o Trabalho de Dissertação
O pensamento de Piaget visa o desenvolvimento cognitivo como dependendo das
interações com as pessoas e com o meio ao qual está inserido (sujeito e objeto). O modelo
Piagetiano reforça a necessidade de métodos avaliativos que considerem as interações, o
contexto social ao qual o estudante está inserido e a construção gradativa do conhecimento, no
qual “podendo essas coordenações e o próprio processo reflexionante permanecer
inconscientes ou dar lugar a tomadas de consciência e conceituações variadas” (Piaget, 1995).
Pensando dessa maneira, é possível refletir acerca da realização de atividades em sala
de aula. Esse momento é de suma importância para que os professores possam fazer uma
análise do desenvolvimento dos educandos e o nível de disparidade em uma mesma sala, o
que em muitos casos chama-se de Avaliação Diagnóstica. Diagnosticar em uma atividade
avaliativa é importante para que, além de conhecer as heterogeneidades em uma mesma sala
de aula, possamos trabalhar com ela da melhor maneira possível.
Em uma única classe, é possível observar níveis de conhecimento e desenvolvimento
cognitivo extremamente diversos. Alguns realizam atividades com grande facilidade, outros
preferem atividades relacionadas à raciocínio lógico e interpretação, há alguns que são
capazes apenas de fazer cópias e apresentam grande dificuldade para produzir textos ou
mesmo interpretar exercícios , há até mesmo aqueles que se recusam a realizar qualquer tipo
de atividade.
É necessária uma reflexão sobre quais habilidades são relevantes e também como
adquiri-las ou testá-las por métodos avaliativos. Há por parte dos educadores dificuldades de
obter novas perspectivas de avaliação: “Importa agir junto aos educadores para que,
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vagarosamente, possam produzir uma “desconstrução” interna do modo de agir”(Luckesi,
1978). O mesmo autor prossegue:“ nós educadores, estamos aprisionados a padrões de
compreensão e de conduta que vem de séculos passados...”(Luckesi, 1978) A maioria dos
professores utilizam ainda exclusivamente o tradicional exame (prova escrita), como único
instrumento de avaliação e desconsideram outras ferramentas, principalmente de âmbito
tecnológico.
Uma coerente avaliação, mesmo que seja realizada utilizando o exame (prova escrita)
como instrumentação, deve ser mediadora. Para que isso seja possível, a percepção do
professor no cotidiano escolar deve ser máxima. Ninguém melhor do que o mediador (
professor) para perceber qual será a melhor instrumentação e de que maneira poderá ser
aplicada para contemplar senão todos, a maior parte dos educandos.
A avaliação mediadora é sistemática e intuitiva. Ela se constitui no cotidiano da sala
de aula...Nem todas as situações de sala de aula ou tarefas realizadas pelo aluno tem
por objetivo a verificação de suas aprendizagens, podendo absorver diferentes
dimensões avaliativas. O que define tal dimensão são as intenções do educador ao
propor a tarefa, bem como sua forma de proceder frente ao que nela observa
(Hoffmann, 2008 p.45).
Atividades mediadoras, se diversificadas, podem contemplar uma sala de aula
heterogênea da melhor forma possível. Essa diversificação pode se dar de acordo com a
estrutura, com a metodologia, de acordo com o tempo, diferenciando os graus de dificuldade,
em realização, de maneira grupal ou individual, em termos de linguagem ou em termos de
recursos didáticos. É nesse âmbito, que o lúdico se torna uma proposta interessante. Uma
atividade lúdica, além de representar um método diferenciado para avaliação, pode também
dar significado a mesma.
Atividades como jogos ou brincadeiras, podem ser usados para apresentar obstáculos
e desafios a serem vencidos, como forma de fazer com que o indivíduo atue em sua
realidade, o que envolve, portanto, o despertar do interesse e a motivação que vem a
seguir (Soares, 2008 p.25).
Ainda de acordo com o autor, o uso de atividades lúdicas desperta o aluno para o
conhecimento real e não para interesses artificiais. Na cultura da avaliação, muitas vezes, o
interesse político é reproduzido nos estudantes, com objetivos diferentes. Enquanto
governantes se interessam por rankings de notas, professores se interessam (e muitas vezes
são pressionados para isso) pela aprovação de uma porcentagem considerável de estudantes,
esses se interessam pela aprovação, pelas notas obtidas em avaliações de caráter
classificatório, ou simplesmente por um “status” perante os colegas.
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A atividade lúdica pode proporcionar ao estudante a possibilidade de desenvolver uma
ou mais habilidades, ser avaliado de uma maneira diferenciada para isso, porém não deixando
de lado o conhecimento científico necessário para realizar tal atividade. Uma atividade lúdica
é uma atividade de entretenimento, que dá prazer e diverte as pessoas envolvidas. O conceito
de atividades lúdicas está relacionado com o brincar, mas isso não tira sua capacidade de
avaliar.
A literatura nos dá amplo suporte no que se refere ao uso do lúdico para o
desenvolvimento cognitivo da criança.
Ao permitir a ação intencional (afetiva), a construção de representações mentais
(cognição), à manipulação de objetos e o desempenho de ações sensório-motoras
(físico) e as trocas nas interações (social), o jogo contempla varias formas de
representação da criança ou suas múltiplas inteligências, contribuindo para a
aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Quando as situações lúdicas são
intencionalmente criadas pelo adulto com vistas a estimular certos tipos de
aprendizagem surge à dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a
expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador
está potencializando as situações de aprendizagem. (KISHIMOTO, 2001, p.36).
Porém, ao nos referirmos ao adolescente, também é extremamente necessário o uso de
atividades lúdicas para esse desenvolvimento, já que é nessa fase que o senso crítico está
despontando. O lúdico, nesse sentido, colabora para que o adolescente, além de desenvolver
potencialidades que talvez tenham ficado reprimidas, desenvolva percepções e ideias a partir
de métodos diferenciados de aprendizagem e avaliação, o que certamente potencializa as
situações de aprendizagem, em concordância com a autora.
A Avaliação em Química pode obter diferentes significados perante os estudantes. É
interessante porém, que não seja unicamente a resolução de um questionário sobre assuntos
químicos. Por exemplo, uma prova que pergunte: “O que é matéria?”, ou que não seja
somente a resolução de exercícios sobre concentração de soluções, com a aplicação de
fórmulas, ou ainda que não seja algo que contenha questões de classificação: “ Classifique os
fenômenos como físicos ou químicos” e para completar os exemplos, uma avaliação com
questões que testem a capacidade visual dos alunos : “identifique os grupos funcionais
presentes em cada estrutura”.
Ao utilizar o lúdico para avaliação, as partes criativa e interacional do estudante são
contempladas, considerando-se as características formais do jogo. É essa capacidade de
absorção que torna interessante a proposta de utilizar uma atividade lúdica para avaliação.
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É necessário que ao aplicar a atividade lúdica, coexistam o caráter lúdico e o caráter
pedagógico da mesma. No caráter lúdico, serão respeitadas as regras e a intencionalidade de
jogar, brincar ou construir algo coletivamente. No caráter pedagógico, serão respeitadas a
necessidade de construção de saberes e apreensão do mundo. Soares (2008) adverte: “Quando
temos mais a função educativa do que a lúdica, não temos mais um jogo educativo e sim, um
material didático”.
Talvez esse seja o principal cuidado a ser tomado ao se aplicar uma atividade lúdica
para avaliação, tendo em vista a dimensão do que é lúdico, do que é avaliação e do que é
Química.
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Compreendendo a situação-problema
Os métodos avaliativos2, constituem-se quase sempre de exames, compostos por
questões que não contemplam o raciocínio, mas sim o adestramento. Além disso, não há outro
método, senão a avaliação escrita ou a chamada prova. Assim como Luckesi (1978)
problematiza:
Os professores elaboram suas provas para “provar” os alunos e não para auxiliá-los
na sua aprendizagem; por vezes, ou até em muitos casos, elaboram provas para
“reprovar” seus alunos. Esse fato possibilita distorções, as mais variadas, tais como:
ameaças (pressão psicológica em torno da avaliação), elaboração de itens de prova
descolados dos conteúdos ensinados,construção de questões sobre assuntos
trabalhados com os alunos, porém com um nível de complexidade maior do que
aquele que foi trabalhado, uso de linguagem incompreensível. (Luckesi, 1978 p.39)
O texto de Luckesi citado acima, data de 1978 e pouco sobre avaliação mudou. Os
avaliados recebem mais oportunidades, é verdade, mas em muitos casos, não aprendem:
conseguem melhorar o desempenho ou as notas por repetição, são vencidos pelo cansaço. O
que se observa é que as diferentes habilidades não são contempladas.
Alguns aspectos podem dificultar o processo de avaliação dos estudantes, como por
exemplo a dificuldade que a maioria possui em aprender Química,as exigências da maioria
das Instituições de ensino, de que as avaliações sigam os padrões pré estabelecidos, a falta de
apoio e de mecanismos para utilização de métodos alternativos de avaliação. O não
reconhecimento das potencialidades e individualidades dos estudantes. Em geral, nas escolas
não se atenta para o indivíduo e os resultados são cobrados, de acordo com o que se espera da
maioria.
Pensando em alternativas, o lúdico sempre configura-se como uma eficiente prática.
Conteúdos diversos podem ser ensinados ou reforçados com a utilização do lúdico em sala de
aula. Essa alternativa pode ser para enfatizar algo ou no caso específico da Química, para
experimentar ou tornar algum conteúdo mais ilustrativo ou até mais interessante.
Dentro das possibilidades da utilização do lúdico em sala de aula, algumas
modalidades estão entre as principais: jogos de cartas, tabuleiros e mídias em geral. A opção
desse trabalho foi o jornal, considerando como objeto de estudo sua construção, a partir do
conhecimento prévio dos estudantes, passando pelo processo de pesquisa, até a sua escrita e
divulgação, observando-se o conhecimento adquirido pelos estudantes. Com o uso do jornal,
2 A partir desse ponto, retornamos à primeira pessoas do plural, por acreditarmos em uma construção conjunta do
trabalho de pesquisa.
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os estudantes podem fazer uma leitura mais critica dos temas selecionados, bem como realizar
um trabalho de pesquisa e enriquecimento:
Podemos afirmar que a imprensa constrói uma realidade, e não a realidade. Desta
forma, ler um ou outro jornal implica em ler realidades diferentes. É da diferença
entre as possíveis leituras do jornalismo que trata este artigo, concentrando-se nas
leituras dos jornais impressos e dos telejornais. Partimos do pressuposto de que a
linguagem não é transparente. Ler um ou outro jornal, assistir a um ou outro
telejornal, é também apreender diferentes sentidos que participam da construção do
mundo, da construção do real. Ter a percepção de tais diferenças é saber que uma
notícia sempre poderia ser outra, que uma palavra poderia ter outra em seu lugar,
que a imagem do mundo construída nos noticiários poderia sempre ser outra.
(Megid, 2011, p.6)
O lúdico, através dos anos, tem sido relativamente utilizando no Ensino de Química. O
Jornal (tanto impresso, quanto online), também é amplamente divulgado como ferramenta de
pesquisa e ensino. Porém, a presente pesquisa propõe um novo segmento: a utilização do
Jornal como método avaliativo no Ensino de Química. Pelos argumentos favoráveis ao lúdico
em Química e ao Jornal, considerando-se a necessidade de métodos alternativos, ocorreu uma
tentativa de contemplar a criatividade, o trabalho de pesquisa e o interesse dos alunos, bem
como o comparativo do conhecimento prévio e adquirido, como critérios avaliativos.
Como toda nova proposta, assim como uma nova pesquisa, até o início do trabalho,
não era possível ter certeza sobre o sucesso ou fracasso, mas era intencional que o
conhecimento pudesse ser construído durante a avaliação. Conforme Piaget argumenta, a
construção do conhecimento depende do objeto e do sujeito:
O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os
dois ( objeto e sujeito) dependendo, portanto, dos dois aos mesmo tempo, mas em
decorrência de uma indiferenciação completa, e não de intercâmbio entre formas
distintas. (Piaget, 1983 p. 6)
Não somente objeto e sujeito, mas as interações entre os mesmos. Separadamente, não há
intercâmbio, não ocorrem as trocas e consequentemente, não resulta em conhecimento. A partir dessas
discussões iniciais podemos elaborar uma pergunta de pesquisa: é possível avaliar a aprendizagem dos
alunos utilizando uma estratégia relacionada a elaboração e produção de um Jornal na escola? Com
a pergunta de pesquisa estabelecida apresentamos nossos objetivos.
A presente pesquisa enfatiza a Avaliação em Ensino de Química, utilizando um
método lúdico: a construção de um Jornal. O tema escolhido foi Radioatividade, por estar de
acordo com o currículo do 2°ano do Ensino Médio e pelo fato da pesquisa ser realizada em
Goiânia, onde o mais grave acidente radiológico do mundo aconteceu, conforme descrito nos
itens anteriores. Os objetivos dessa pesquisa são:
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Oferecer um método alternativo de avaliação, diferente do tradicional exame ou prova
escrita, propondo uma avaliação formativa, com diferença da perspectiva somativa,
normalmente aplicada nas instituições de ensino;
Diagnosticar possíveis falhas dos estudantes sobre os conceitos que envolvem a
Radioatividade e suas dificuldades de escrita e produção textual;
Orientar e subsidiar os estudantes para que produzam um jornal sobre Radioatividade,
enfatizando o acidente com o Césio 137, ocorrido em Goiânia;
Avaliar os estudantes que participarem do projeto, de acordo com diferentes critérios:
grau de envolvimento, conhecimento adquirido, pesquisa realizada, capacidade de
trabalho em equipe e produto final (jornal impresso);
Promover a capacidade de trabalho em equipe, já que o jornal será constituído por
grupos com diferentes tarefas, considerando para as pesquisas realizadas pelos
estudantes o conhecimento prévio e o conhecimento construído para a produção do
jornal;
Possibilitar a personificação ( característica lúdica) dentro do processo avaliativo, sem
perder o caráter formativo, mediando de maneira lúcida e concisa a construção do
conhecimento
Despertar o interesse pelo processo avaliativo, ao contrário do que ocorre nos métodos
formais, após as devidas correções e adaptações, publicar o jornal produzido pelos
estudantes.
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CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
1.1 Método
Uma das principais preocupações ao iniciar a pesquisa, foi a busca de um método
avaliativo em que o estudante participasse de todo processo ensino aprendizagem e que o
conhecimento fosse construído de maneira gradativa. A intervenção do professor durante os
momentos de dúvida, questionamentos ou até incertezas quanto à composição do material se
deu muito mais como postura orientadora do que corretiva. Contudo, sem a orientação, o
desenvolvimento dos estudantes seria abaixo do esperado. Da mesma forma, sem o
surgimento das dúvidas, questionamentos e até mesmo algumas objeções dos estudantes, a
pesquisa não teria sequer iniciado, nem tampouco faria qualquer sentido.
Com base em cada relação de troca entre pesquisador e público alvo, pode-se dizer que
o método condizente com a pesquisa exercida é o método de pesquisa- ação. Na pesquisa-
ação, o conhecimento ( teoricamente possuído pelo pesquisador e alguns dos estudantes) entra
em perfeita sintonia com aqueles que possuíam um prévio conhecimento e foram
desenvolvendo algumas potencialidades e expandindo seus saberes.
De acordo com Thiollent (1998), uma pesquisa-ação pode ser uma aproximação entre
teoria e prática:
A pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em uma estreita associação com uma ação ou com uma resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo
(Thiollent, 1998. p.14)
Quando se fala sobre o conhecimento, que teoricamente é possuído pelo pesquisador,
que no caso dessa pesquisa específica é o professor de Química da instituição de ensino
pesquisada, observou-se que durante os encontros com as turmas, algumas das concepções
puderam ser renovadas e, pela necessidade de orientação, novos conhecimentos foram obtidos
pelo pesquisador. Daí evidencia-se mais uma vez a caracterização da pesquisa ação e sua
eficácia.
Além das concepções renovadas, a cada instante houve a preocupação e cuidado com a
adequação do método, sem esquecer da proposta central da pesquisa, que é a avaliação em
Ensino de Química, utilizando o lúdico. Mais uma vez, acentua-se uma característica da
pesquisa- ação. Não que o resultado final, nesse caso o jornal construído e a aferição da
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aprendizagem não sejam importantes, mas os ajustes realizados no método após o início do
trabalho foram fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Mesmo sendo o professor
da turma, a maioria das aulas ministradas até o momento foram expositivas. Poucas haviam
sido as oportunidades de construção conjunta e de observar o ritmo de trabalho, bem como as
habilidades de cada um. De acordo com Tripp (2005).
A pesquisa-ação deve ser contínua e não repetida ou ocasional, porque não se pode
repetidamente realizar pesquisas-ação sobre a prática de alguém, mas deve-se
regularmente trabalhar para melhorar um aspecto dela, de modo que deva ser mais
freqüente do que ocasional. (Tripp, 2005, p.12)
Tripp (2005) utiliza ainda dois critérios para verificar a nitidez da pesquisa, se refere-
se ou não à pesquisa-ação:
O processo de mudança está sendo conduzido por meio da análise e interpretação de
dados adequados, válidos e confiáveis?
O alvo principal da atividade é a criação de conhecimento teórico ou o aprimoramento
da prática?
No caso do processo de mudança, o protagonista é o pesquisado mas o orientador e
guia para que a mesma ocorra é o pesquisador. Quando Tripp se refere a “análise e
interpretação dos dados adequados, válidos e confiáveis”, ele não se refere somente a coleta
dos mesmos de maneira periódica, seguida de tratamento quantitativo e qualitativo, o que é
indispensável a um processo avaliativo, mas trata-se também de legitimar a pesquisa e
acentuar o método em questão.
Quando o segundo critério defendido por Tripp é exposto na forma de pergunta,
espera-se que uma das duas respostas seja a correta e definitiva: ou a criação do conhecimento
teórico, ou o aprimoramento da prática. Contudo, para uma pesquisa que se propõe a estudar
avaliação utilizando o lúdico, as duas opções se integram.
Um dos principais aspectos favoráveis da pesquisa- ação é o fato da não limitação da
pesquisas, mas sim o fato de pesquisador e pesquisados colaborarem constantemente com a
construção da mesma, de maneira cooperativa e complementar. O fato de terem algo a “dizer
e fazer” (Thiollent, 1998) não somente traz um desafio a mais no tratamento dos dados
obtidos, mas também colabora para veracidade dos mesmos, pelo fato de que a quantidade
dos resultados obtidos é ampla, com dados sólidos e concisos.
20
A pesquisa- ação é descrita por Tripp (2005) como um ciclo, com três etapas, no
mínimo: o reconhecimento da situação, a interação participativa e a reflexão. Em cada um
desses momentos, releva-se o ambiente pesquisado, o contexto e o público alvo.
Especificamente sobre o reconhecimento, Tripp (2005) afirma:
O reconhecimento é uma análise situacional que produz ampla visão do contexto da
pesquisa-ação, práticas atuais, dos participantes e envolvidos. Paralelamente a
projetar e implementar a mudança para melhora da prática, o reconhecimento segue
exatamente o mesmo ciclo da pesquisa-ação, planejando como monitorar e avaliar a
situação atual, fazendo isso e, a seguir, interpretando e avaliando os resultados a fim
de planejar uma mudança adequada da prática no primeiro ciclo de pesquisa-ação de
melhora. ( Tripp, 2005, p.18)
Fica claro aqui a necessidade do planejamento não somente anterior à pesquisa, mas
também em cada etapa, inclusive nas que se repetirão em um novo ciclo. Há também de se
considerar o cuidado referente à interpretação e avaliação dos resultados, de acordo com
critérios diversos: relevância, concisão, consistência,etc. Talvez seja menos árdua a tarefa de
avaliar do que a de planejar e promover as mudanças necessárias.
Sobre a interação participativa, segue um dos argumentos de Tripp (2005 p. 23): “De
uma perspectiva puramente prática, a pesquisa-ação funciona melhor com cooperação e
colaboração porque os efeitos da prática de um indivíduo isolado sobre uma organização
jamais se limitam àquele indivíduo”.
Com esse argumento, refletimos sobre a pesquisa ação de maneira diferenciada das
demais metodologias de pesquisa, onde o pesquisador ( de forma solitária) reflete acerca dos
resultados obtidos certamente com maiores dificuldades, por não contar com a participação e
colaboração dos pesquisados, assim como ocorre na pesquisa-ação.
A reflexão acerca da pesquisa não é o processo final da mesma, como defende Tripp
(2005):
Uma das razões para não se colocar a reflexão como uma fase distinta no ciclo da
investigação-ação é que ela deve ocorrer durante todo o ciclo. O processo começa
com reflexão sobre a prática comum a fim de identificar o que melhorar. A reflexão
também é essencial para o planejamento eficaz, implementação e monito-ramento, e
o ciclo termina com uma reflexão sobre o que sucedeu. ( Tripp, 2005, p.29)
Cada ciclo, do planejamento até a obtenção de cada dado ou resultado, exige uma
reflexão. No caso da pesquisa sobre Avaliação em Ensino de Química utilizando o Lúdico, a
reflexão foi realizada com o objetivo de consolidar a pesquisa, comprovando ou não a eficácia
do Jornal como uma avaliação alternativa. Também é indispensável a reflexão para melhorar
21
cada etapa da pesquisa, de acordo com tudo que foi observado durante os momentos de
interação com os pesquisados.
1.2 Ambiente de Pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola particular da região norte da cidade de
Goiânia, no estado de Goiás. A localização da instituição de ensino está diretamente
relacionada com os temas selecionados para o “Jornal Daquímica”.
Os estudantes selecionados para essa pesquisa foram duas turmas de Ensino Médio, de
1° e 2° Ano de Ensino Médio. Para as duas turmas, algumas propostas de temas foram
oferecidas e, por democracia, foram selecionados os temas. Nesse caso, o professor absteve-se
do voto para não influenciar na decisão dos estudantes.
Na primeira turma, do 1°. ano, desenvolvemos a temática sobre Química da saúde. A
escola em que foi realizada a pesquisa situa-se entre academias e centros esportivos. Quase
todos os estudantes treinam em uma delas e tem muita curiosidade sobre dietas e
suplementações. Na segunda, do 2° ano, em aulas anteriores, a temática sobre radioatividade
havia sido iniciada e, por se tratar de um tema com grande relevância local, o interesse foi
despertado. Dois jornais foram produzidos, um por cada turma. Porém, para esse trabalho de
dissertação, apresenta-se como proposta mais coerente a discussão apenas do jornal sobre
radioatividade, no qual o caráter químico foi mais preservado.
1.3. Escolha do tema
Para este trabalho de dissertação optamos pelo tema de Radioatividade, na intuito de
aprofundar um pouco mais na análise dos resultados. Não exploraremos o tema Química da
Saúde. A seguir, explanaremos um pouco mais sobre o tema escolhido para análise no
trabalho.
1.3.1. Breve histórico sobre o acidente com o Césio 137
Em 13 de setembro de 1987, iniciou-se em Goiânia-GO, o maior acidente radiológico
do mundo. Unindo um instinto curioso e falta de conhecimento, dois catadores de lixo
entraram no terreno em que haviam restos e entulhos do que um dia havia sido o Instituto
22
Goiano de Radioterapia. Dentre o que sobrou, uma enorme cápsula de chumbo, chamou a
atenção de Roberto Santos Alves e Wagner Mota, devido ao valor comercial.
A cápsula continha em seu interior, Cloreto de Césio-137, um isótopo radioativo. Ao
vender a peça para Devair Alves Ferreira, dono de um ferro velho no Setor Aeroporto, nas
proximidades do antigo hospital, a cápsula foi aberta e o material começou a emitir radiação.
Ao perceber o brilho e a coloração azul, Devair não se separou mais da peça de inox, que
estava dentro da cápsula de chumbo. O próprio irmão de Devair relatou anos depois que ele
dizia ter “se apaixonado pelo brilho da morte”. Em todos os lugares que ia, Devair carregava a
peça consigo e, em seguida, começou a mostrar para vizinhos, parentes e amigos.
Após poucos dias, os sintomas começaram a aparecer. Houve uma certa demora em
procurar atendimento especializado e também em reconhecer os sintomas como consequência
de absorção de radiação, já que alguns deles se parecem com intoxicação alimentar (náusesa,
vômitos, febre, cansaço).
Algumas das vítimas tiveram contato da pele com a luz, outros tiveram contato direto
com o sal e a primeira vítima fatal, Leide das Neves, de apenas 6 anos, ingeriu acidentalmente
um pouco do pó de Cloreto de Césio 137. O suficiente para falecer poucos dias depois.
Somente no dia 29 de setembro do mesmo ano, após o reconhecimento da peça como
material radioativo, por parte da vigilância sanitária, as autoridades tomaram uma
providência. Isolou-se o local, algumas das vítimas foram levadas a São Paulo para iniciar o
tratamento de descontaminação e um “mapeamento” foi realizado na capital. O estádio
Olímpico, situado próximo ao local do acidente serviu para que a medição de radiação fosse
realizada em boa parte da população e assim, houvesse a classificação como “contaminado”
ou não.
De acordo com dados da CNEN ( Comissão Nacional de Estudos Nucleares), a fonte
radioativa foi removida e manipulada indevidamente no dia 13 de setembro, porém o acidente
radioativo só foi identificado como tal no dia 29 do mesmo mês, quando foi feita a
comunicação à Comissão Nacional de Energia Nuclear –CNEN, que notificou a Agência
Internacional de Energia Atômica –AIEA. Foi acionado um plano de emergência do qual
participaram CNEN, Furnas Centrais Elétricas S/A –FURNAS, Empresas Nucleares
Brasileiras S/A -NUCLEBRÁS, DEFESA CIVIL, ala de emergência nuclear do Hospital
Naval Marcílio Dias –HNMD, Secretaria Estadual de Saúde de Goiás – SES/GO, Hospital
Geral de Goiânia –HGG, além de outras instituições locais, nacionais e internacionais que se
incorporaram ou auxiliaram a “Operação Césio-137”.
23
De acordo com dados da CNEN, estima-se que “112800 pessoas foram monitoradas,
249 apresentaram complicações causadas pela contaminação excessiva e em torno de 60
vítimas foram fatais. Os dados fornecidos pela Associação das Vítimas do Césio 137 diferem:
até o ano de 2012, quando o acidente completou 25 anos, cerca de 104 pessoas morreram por
doenças causadas pela radiação e 1600 foram afetadas diretamente. Estima-se que 19 gramas
de cloreto de Césio 137 geraram aproximadamente 13 toneladas de lixo radioativo, estocados
em tambores na sede da CNEN, em Abadia de Goiás. Somente após 180 anos ( seis períodos
de meia vida do Césio 137), o material será considerado de baixo risco”.
Este pequeno histórico bem como os dados apresentados foram retirados de:
http://www.cesio137goiania.go.gov.br/index.php
http://www.sgc.goias.gov.br/upload/links/arq_590_RevistaCesio25anos.pdf
Ambos sites oficiais do governo de Goiás sobre o acidente.
1.3.2. Divisão das Turmas
Alguns desses dados e reflexões sobre esse tema, estão presentes no Jornal Daquímica.
Essa temática motivou os estudantes para que pesquisassem sobre outros temas ligados à
Radiação.
Esse foi o tema selecionado pela turma de 2°Ano do Ensino Médio, condizente com
um dos conteúdos abordados nesse ano, na divisão referente a “Físico Química”. As turmas
foram divididas da seguinte maneira:
A turma foi dividida em 5 grupos
Equipe 1: Grupos com 5 alunos, responsáveis pelo levantamento Histórico do tema e
produção de duas matérias sobre: Descoberta da radiação, armas nucleares, desastres em
outros locais, História do acidente em Goiânia, etc.
Equipe 2: Grupos com 5 alunos, que produziram uma matéria de caráter político sobre o
tema, além de uma entrevista com uma vítima do acidente em Goiânia;
Equipe 3: Grupos com 4 alunos, que foram os responsáveis pela parte de entretenimento do
material: passatempos, palavras cruzadas, charges, etc ( relacionados à temática);
Equipe 4: Grupos com 2 alunos, responsáveis pela revisão, formatação e edição do material;
24
Equipe 5: Grupos com 4 alunos, responsáveis por falar sobre algumas aplicações da
radioatividade e desmistificá-la como algo somente maléfico.
A turma possui dois professores de Química, cada um com duas aulas semanais. Além
do professor-pesquisador, o outro professor ministrante das aulas também se envolveu com a
pesquisa de modo a sanar algumas dúvidas dos estudantes e viabilizar a impressão do material
junto à direção escolar.
Os alunos são em geral adolescentes, com idade mínima de 14 anos e máxima de 18,
sendo que em comum está o fato de morarem no setor ou proximidades e quase todos,
pertencerem à mesma classe social, com pais de renda entre três e seis salários mínimos,
morando em casa própria.
1.4. Construção dos dados
Anteriormente à escolha do jornal como método avaliativo, já fazia parte da ementa do
2° ano do Ensino Médio, o estudo sobre a radioatividade. Para introduzir o tema, os alunos
assistiram alguns documentários sobre fontes de energia e o filme “Césio 137, o pesadelo de
Goiânia”, escrito e dirigido por Roberto Pires e rodado em 1990. Por se tratar de uma
dramatização detalhada, os professores da disciplina optaram por esse filme. Após mais duas
aulas de debates e questionamentos sobre o acidente, foi proposto aos estudantes a criação de
um jornal sobre o tema Radioatividade.
Desde o primeiro encontro entre pesquisador e pesquisados, quando foi esclarecido
aos estudantes sobre a proposta de trabalho, ocorreram filmagens. Todos os registros foram
realizados em uma câmera digital e algum tempo depois, cada diálogo foi transcrito.
Em geral, as filmagens foram realizadas pelo próprio pesquisador. Havia um grupo de
alunos responsáveis pela coordenação do jornal. Esse grupo era encarregado também de
acompanhar o professor durante sua passagem pelos grupos, anotando as principais
informações obtidas de cada grupo e também as orientações repassadas a cada um. Essas
anotações serviram à pesquisa como um “diário de campo”.
Através das filmagens transcritas e da leitura das anotações realizadas pelo grupo da
coordenação, além dos encontros realizados com as turmas, uma observação detalhada e
interativa foi possível. De acordo com Ludke e André (1986), “a observação permite que o
25
observador chegue mais perto das perspectivas dos sujeitos e demonstram ser extremamente
úteis para descobrir aspectos de um novo problema”.
Em duas vezes que é citada a ferramenta “diário de campo”, foi coerente o uso das
aspas. Por ter sido um material obtido a partir da escrita de estudantes, com linguagem pouco
formal e algumas marcas de escrita peculiar aos adolescentes, não se trata de um Diário de
Campo que atenda as orientações metodológicas adequadas, mas certamente foi uma
ferramenta extremamente útil para a construção de dados. Trata-se de um documento:
Quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre
o comportamento humano. Estes incluem desde leis e regulamentos, normas,
pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas,
discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e
arquivos escolares. (Lüdke e André, 1986, p. 38)
Foi interessante contar com o auxílio dos estudantes em um grupo de coordenação e de
outros grupos para as filmagens e registros, por sentir maior envolvimento na pesquisa e no
projeto de construção do jornal e também pela praticidade e maior possibilidade de
observação e intervenção do pesquisador.
A coleta de dados não foi somente participante se considerarmos a forma operacional
da mesma, mas também na construção e obtenção dos resultados, descritos e argumentados
em capítulo posterior. Através de diálogos e reflexões, foi possível a estruturação dos
resultados. Porém a construção dos mesmos também foi condicionada a materiais palpáveis.
Após o segundo encontro com os grupos, o pesquisador solicitou que os pesquisados
já trouxessem materiais escritos, imagens ou informações que julgassem relevantes sobre os
temas pré selecionados. No terceiro encontro, quase todos os grupos trouxeram esses
materiais, que foram analisados, avaliados e corrigidos pelo professor/pesquisador/orientador,
para que as devidas adaptações fossem realizadas. Observa-se nessa ação, mais uma vez a
importância da análise documental. Assim, com a utilização de cada uma dessas técnicas,
ferramentas e métodos, foi possível a obtenção dos dados, reflexão e escrita dos capítulos
posteriores.
Os outros encontros, totalizando 10, foram para discussão, debate e montagem do
jornal propriamente dito.
26
CAPÍTULO II: AVALIAÇÃO EM ENSINO DE QUÍMICA
2.1 Avaliação Reflexiva, capacidade do humano
O ser humano é a única espécie vivente com a capacidade de avaliar de maneira
reflexiva. Tanto refletir sobre seus próprios atos, quanto algum processo pelo qual tenha
passado ou alguma ação feita por terceiros. Independente de estar próximo ou distante, de ser
sujeito da ação ou expectador, de ser avaliador ou avaliado, temos a capacidade de avaliar,
mesmo que os critérios avaliativos não existam ou estejam presos no inconsciente.
Constantemente estamos avaliando se algo é positivo ou negativo para nós, se
devemos seguir em frente com o que estamos fazendo ou não. Apenas para exemplificar: é
comum, durante o período de final de ano, avaliarmos se o ano que passou trouxe benefícios,
se erramos ou acertamos nos planos traçados, se as decisões tomadas foram corretas. Essa
avaliação reflexiva é fundamental para que as metas para o próximo ano sejam traçadas. O
que tenta-se dizer aqui, é que para diagnosticar um problema e tentar repará-lo, a avaliação,
capacidade unicamente do ser humano, torna-se indispensável.
Definir o termo “Avaliação” parece complexo. Maria Teresa Esteban (2012) define
como:
Processo intencional e sistemático de coleta, análise e interpretação de informações
sobre conhecimentos, capacidades, atitudes e processos cognitivos dos sujeitos, em
que se estima o valor ou mérito desses processos e/ou resultados, com a finalidade
de produzir conhecimento para orientar a tomada de decisões relativas ao processo
educacional ou a políticas educacionais. Diretamente relacionada à dinâmica
pedagógica, entrelaça-se a questões de poder, mantendo fortes vínculos com
demandas sociais e com políticas públicas. Termo polissêmico, seu estudo,
formulação e prática estão em permanente tensão, traz marcas dos diálogos que
estabelece com diferentes contextos, ideologias, culturas e perspectivas teóricas.
(Esteban, 2012, p.1).
A intencionalidade do processo surge desde o início, com a elaboração, passando pelo
diagnóstico e em seguida pelo processo mediador. O desafio do processo avaliativo é dialogar
e atingir o objetivo final de construção do conhecimento em qualquer contexto, ideologia,
cultura ou perspectiva teórica, principalmente ao tratar-se da heterogeneidade existente em
uma mesma sala de aula.
Para que a avaliação se concretize, ela deve sair unicamente do plano da reflexão e ser
transposta ao campo da ação. Hoffman (2008) argumenta sobre essa capacidade do ser
humano:
27
A avaliação é substancialmente reflexão, capacidade única e exclusiva do ser
humano, de pensar sobre seus atos, de analisá-los, de julgá-los, interagindo com o
mundo e com os outros seres, influindo e sofrendo influências pelo seu pensar e agir.
Uma avaliação reflexiva auxilia a transformação da realidade avaliada. (Hoffman,
2008,Pág 10)
Reforçando as palavras de Jussara Hoffman, o processo avaliativo não é solitário,
ainda que uma de suas etapas, a reflexão, o seja. Para que a ocorra a transformação da
realidade avaliada, que é o objetivo central da avaliação, deve ocorrer interação com o mundo
e com outros seres. Se não houver, quais seriam os parâmetros para classificar o que foi
avaliado como bom ou ruim? Se não existir a comparação, ou seja, a existência do positivo,
daquilo que foi avaliado, como saber se houve êxito, o que precisa ser mudado? Ou o que
analisar, o que julgar?
De maneira geral, o processo de comparação pode ou não ser útil. Isso porque o que,
em algumas culturas pode ser considerado como positivo, em outras, pode ser uma afronta ao
modo de pensar e agir de determinada sociedade. Quando se fala em um processo avaliativo,
também devemos pensar que existe uma sequência lógica para que a avaliação se complete.
Antes da ação, durante e após a mesma. Cada etapa dessa sequência, com uma finalidade.
Quando se fala em avaliação educacional, vamos mais além do que as famosas provas
e testes bimestrais.
A avaliação diversamente dos exames, tem como centro predominantemente de
atenção o processo de construção de um resultado, sem perder, em momento algum,
a perspectiva do produto final que dele decorre e sobre o qual, por meio da
“avaliação de produto”, faz incidir a certificação. (LUCKESI, 2011, p. 188).
Também existe um processo avaliativo, desde o início, no planejamento das aulas do
professor, passando pela didática, pelos critérios avaliativos ( provas, listas de exercícios,
participação nas aulas, seminários, pesquisas, etc), até chegar as correções e devolutivas aos
avaliados. De acordo com Assis (2003):
[...] a avaliação mediadora está relacionada a uma atitude permanente do professor
em escutar, interrogar e compreender seu aluno durante o processo de transmissão-
assimilação-construção do conhecimento na sala de aula (e fora dela)!”(ASSIS,
2003, p. 158).
O tradicional exame (Luckesi, 2011) é apenas um instrumento avaliativo, que não
deve ser usado como critério exclusivo de avaliação. Vários instrumentos avaliativos podem
ser usados para constituir um processo de avaliação: participação em debates, produções
textuais, resolução de exercícios, desenvolvimento de jogos e atividade lúdicas, relatórios
sobre atividades desenvolvidas, elaboração de material autoral, dentre outros.
28
Ainda que a avaliação esteja presente em todo instante, em cada ação humana, o
estudo da presente pesquisa limita-se a Avaliação do Ensino de Química, o que já é uma árdua
tarefa. Inicialmente, será apresentada uma reflexão acerca do que é Avaliação em Ensino e em
seguida, uma proposta para que uma metodologia alternativa seja aplicada.
2.2 Cultura da Avaliação
Os últimos anos podem ser caracterizados, do ponto de vista escolar, como uma época
avaliativa. A cultura da avaliação está presente em países desenvolvidos a emergentes, com
diversos objetivos em comum e outros mais peculiares a cada realidade. Em alguns casos,
esses objetivos são definidos pelas agências financiadoras da avaliação e em outros casos, os
objetivos são em prol de governos, políticas públicas, tabelas classificatórias, etc.
Vianna (2005) atenta para a dominação da sociedade pela cultura avaliativa:
A ideia de avaliação começa a dominar a nossa sociedade, graças, em parte, à
atuação da mídia, chamando a atenção para alguns problemas que às vezes não são
realmente prioritários, com o esquecimento de outros, mais relevantes e de
repercussão social mais profunda. A questão da avaliação passou a dominar os mais
diversos segmentos sociais, despertando o interesse de órgãos sindicais, de um lado,
e, no extremo oposto, de grupos empresariais, ainda que por motivos diversos.
Existe uma crença generalizada da necessidade de impor a avaliação como um
procedimento normal do sistema educacional (Vianna, 2005,pág 39).
Independente dos objetivos, ou se as avaliações são elaboradas por agências públicas,
privadas, gestores escolares ou por aqueles que acompanham a rotina educativa diariamente,
da maneira mais próxima possível ( o professor), os estudantes são os protagonistas em
qualquer prática educativa. Em grande porcentagem dos casos, essas avaliações são
realizadas, independentemente de quem são os elaboradores, de maneira solitária e
tradicional.
O que há de novo na discussão sobre avaliação não é sua necessidade ou importância,
mas a questão de como esta avaliação está ou deveria ser feita, quem avalia, e quais as
conseqüências nos processos de avaliação tem na formação de um novo profissional, ou no
caso mais específico do Ensino Médio, quais aspirações esse estudante tem sobre seu futuro,
se haverá continuidade nos estudos e/ou qual curso superior seguir. No campo do Ensino de
Química, essa talvez seja uma das grandes preocupações. Os currículos exigidos em diversas
instituições de ensino, muitas vezes não tem relevância para os estudantes, o que torna o
processo avaliativo dificultoso para o professor e sem sentido para os estudantes.
29
Mesmo com tantos modelos, rankings, índices a serem alcançados, o avaliador não
pode deixar de explicitar o objetivo de uma avaliação. Avaliar somente para classificar ou
compor estatísticas e construir dados, não está de acordo com o objetivo educacional do
processo avaliativo. Infelizmente, com o o valor excessivo dado ao ranqueamento e obtenção
de notas (por métodos, no mínimo duvidosos), a meta de avaliar para promover conhecimento
e transformação da realidade avaliada está cada vez mais ausente na atual cultura.
2.3 Modelo excludente de avaliação
Há muito tempo, os modelos avaliativos são excludentes. Por várias razões:
selecionam de acordo com algumas habilidades, favorecem classes sociais mais elevadas e
que foram mais oportunizadas, não ocorre construção do conhecimento e quase não há
reflexão acerca dos resultados obtidos.
Se pensarmos bem, todas as razões descritas, nada mais são do que reproduções do
modelo de sociedade em que estamos inseridos. Luckesi (1993) afirma:
O modelo social burguês capitalista nos compromete. Os exames são excludentes e,
por isso, compatíveis com os modelos de sociedade dentro do qual existe e se
realiza. A avaliação da aprendizagem é democrática, pois que, sendo inclusiva,
acolhe a todos, o que se opõe ao modelo social hierarquizado, o que torna difícil
praticá-la(Luckesi, 1993, pág 70).
Na citação acima, o autor faz uma diferenciação do que é exame e do que deveria ser
avaliação da aprendizagem. Infelizmente, agências avaliativas, governos e instituições de
ensino não fazem essa diferenciação e a avaliação da aprendizagem descrita por Cipriano
Luckesi, não ocorre. Pouco temos visto de democrático e inclusivo nos processos avaliativos.
Não é democrático porque se observa pouca autonomia para que os professores utilizem os
métodos que julguem mais adequados, tendo em vista sua maior proximidade dos estudantes.
Não é inclusivo, porque as diferentes habilidades não são contempladas.
Seria impossível concordar que empresários interessados unicamente no lucro,
governos interessados em alavancar os índices e agências que objetivam financiamentos,
utilizariam critérios de avaliação destinados à construção do conhecimento. As partes
interessadas quase não participam da composição e critérios de avaliação. Por essa razão, não
é democrática. Quando nos referimos as partes interessadas, as duas principais são:
Professor, que é o avaliador mais próximo dos estudantes. Por essa proximidade, por
conhecer melhor a realidade social, cultural e até cognitiva dos estudantes, deveria ter
30
maior autonomia ou no mínimo papel de protagonista na construção/elaboração das
avaliações. Poucas vezes isso ocorre.
Estudantes, com históricos, realidades sociais, culturais e cognitivas diferenciadas.
Impossível traçar um único parâmetro e esperar que todos os avaliados se encaixem
nele. A construção do conhecimento não deve estar limitada somente a um tipo de
habilidade ( na maioria das vezes, a escrita). Por essa razão, a avaliação não é
inclusiva.
Existem vários aspectos contrários à composição de avaliações democráticas e
inclusivas, mas certamente o principal é o fato de os interesses maiores serem regidos pelo
capitalismo, como argumentou Luckesi (1993), que desafia os educadores a romper com o
que já está se transformando em tradição:
Importa agir junto aos educadores para que, vagarosamente, possam produzir uma
“desconstrução” interna do modo de agir. Nós educadores, estamos aprisionados a
padrões de compreensão e de conduta que vem de séculos passados (Luckesi, 1993,
pág 69).
Essa desconstrução interna do modo de agir não está em andamento até os presentes
dias. Em geral, os educadores ainda estão aprisionados. Talvez a maioria não esteja
aprisionada aos padrões de compreensão e conduta, mas sim as exigências de conduta do
modelo capitalista. O modelo do século passado se assemelha ao modelo atual de avaliação e
continua sendo exlcudente para professores, estudantes e sociedade educadora, de maneira
geral.
Uma das evidentes exclusões ocorre no campo profissional, relacionando os processos
avaliativos à formação do profissional. Sobrinho (2008) explicita a importância de relacionar
essa questão ao desenvolvimento pessoal:
Então, a avaliação precisa por em questão também a formação profissional, aspecto
importante do desenvolvimento pessoal, do fortalecimento da economia nacional e
da maior competitividade internacional. A educação superior não pode escapar de
sua obrigação de formar profissionais competentes para o atendimento das mais
diferentes áreas da necessidade da sociedade. (Sobrinho, 2008 p.8)
O social e o profissional estão interligados quando se refere à educação superior, que
tem como uma de suas missões a formação de um profissional competente em sua área e
capaz de influenciar com um trabalho de boa qualidade, os diferentes setores da sociedade.
Considerando essa missão, a avaliação do desempenho, tanto do estudante, quanto da
instituição, exerce um importante papel para garantir o “sucesso dessa missão”. De acordo
com Sobrinho, os profissionais hoje requeridos não são os mesmo de anos atrás, o que muda o
31
conceito de qualidade educacional e também muda a forma como os mesmos devem ser
avaliados.
Ao considerar estratégias ruins e ultrapassadas de avaliação, o que o avaliador está
fazendo é gerar a exclusão de quem está sendo avaliado da lógica da formação profissional,
enquanto que outros profissionais, de outras instituições (inclusive as próprias instituições)
estão sendo avaliados de maneira mais reflexiva e menos tecnicista. O próprio autor ainda
argumenta:
Não se pode avaliar a educação superior (ou de outro nível) sem discutir
minimamente o conceito de formação,pois é precisamente a formação que constitui
o eixo central dos objetivos de uma instituição dessa natureza. No fundo, mesmo que
seja importante tematizar perfil dos docentes, resultados dos estudantes, bibliotecas,
laboratórios, tempos, utilização dos recursos, currículos, relações com a sociedade,
etc, a questão que resta e mais importante é: qual o significado essencial da
formação que a instituição educativa está realmente promovendo a seus estudantes?
(Sobrinho, 2008, p.12)
Quando a avaliação ocorre na sala de aula, elaborada pelo professor, é indispensável
que a elaboração privilegie o raciocínio, a sistematização de idéias, o debate, a discussão e
que toda sua resolução seja um processo inteligível ao avaliado. É importante que o avaliador
se aproprie de situações problemas e que isso seja gerado ao estudante, para que o mesmo já
possa iniciar um preparo para a concretização dessas situações em um futuro próximo. A
avaliação precisa ter significado e isso precisa ficar evidente para o avaliado. É indispensável
que ele possa perceber: para que estou sendo avaliado? Quando utilizarei os conceitos e
raciocínios abordados nessa avaliação? Existe uma outra via ou outro argumento para essa
proposta do professor? Aí sim, talvez a avaliação se torne inclusiva.
2.4 Avaliação como reprodução da sociedade
No item anterior, foi argumentado sobre a influência do capitalismo na avaliação.
Pode-ser ir mais além. Os interesses e características da sociedade, de maneira geral, acabam
por se refletir nos processos avaliativos. De acordo com Luckesi (1993):
Em função de estar no bojo de uma pedagogia que traduz as aspirações de uma
sociedade delimitadamente conservadora, ela exacerba a autoridade e oprime o
educando, impedindo o seu crescimento. De instrumento dialético se transforma em
instrumento disciplinador da história individual de cada um. Da forma como vem
sendo exercida, a avaliação educacional serve de mecanismo mediador da
reprodução e conservação da sociedade, no contexto das pedagogias
domesticadoras.(Luckesi, 1993,p. 88)
Ao falar sobre opressão do estudante e crescimento impedido, Luckesi se refere
também aos exames realizados de maneira deliberada e sem qualquer objetivação. Uma
32
avaliação de aprendizagem só é válida se existirem motivos plausíveis que a justifiquem. No
caso da sociedade, essa deve ser beneficiada pelo processo avaliativo. Uma avaliação
beneficia a sociedade se gerar qualquer espécie de reflexão capaz de promover a mínima
mudança em seu curso.
Apesar do regime democrático existente no Brasil, desde o século passado, os modelos
avaliativos, independente de qual governo ou qual partido esteve a frente do poder, sempre
ocorreram de maneira autoritária. Em alguns casos, o responsável pelo autoritarismo é o
professor, que foi educado dessa maneira e simplesmente devolve aquilo que recebeu. Em
outros casos, o autoritarismo é ditado pelos modelos excludentes ( muitas vezes mal copiados
de países de 1°mundo) de educação.
Sobre o autoritarismo na avaliação, mais uma vez, recorremos a Luckesi (1993):
A prática escolar predominante hoje se realiza dentro de um modelo teórico de
compreensão que pressupõe a educação como um mecanismo de conservação e
reprodução da sociedade. O autoritarismo é elemento necessário para a garantia
desse modelo social, daí a prática da avaliação se manifestar de forma autoritária.
(Luckesi, 1993,p.76).
Da fala acima, refletimos que a avaliação é autoritária porque a sociedade também é
autoritária, de maneira geral. Esse autoritarismo não se consolida por meio de qualquer tipo
de força física ou opressão, mas por argumentos e estigmas causados pela força do
capitalismo.
A avaliação pode constituir também uma ferramenta de controle, principalmente na
ordem social. Desde a elaboração, até sua aplicação e divulgação de resultados. A elaboração
pode constar daquilo que realmente for pertinente ao aplicador ou agência avaliadora. Através
de seleções de conteúdos, de habilidades necessárias, o formato da prova, bem como a
amplitude das questões, podem fazer com que o avaliador somente exija do avaliado o que
julgar pertinente. Esse julgamento pode até ser de ordem política, que é o que ocorre na
maioria das avaliações interinstitucionais. A avaliação como forma de controle é oposicionada
nos argumentos de Hoffman (2010):
Avaliação é sinônimo de controle? Sim, não resta a menor dúvida. Dizer-se que a
avaliação em nossas escolas não é de controle institucional, social, público, é não
percebê-la em sua plenitude. O que se pode colocar em questão, não é a natureza
deste controle, pois todo o juízo de valor entre humanos o pressupõe. O que se deve
questionar é o benefício ou o prejuízo social que se pode acarretar. (Hoffman, 2010,
p.61).
Essa forma de controle não ocorre somente nas escolas, mas também no ensino
superior. Em muitos casos, o controle não é exercido de maneira direta, mas com o uso de
33
negociações. Essa prática é perceptível tanto em avaliações interinstitucionais, quanto
intrainstitucionais. A amplitude, certamente é bem maior no caso de avaliações que “medem”
a qualidade das instituições de ensino superior.
Os processos de acreditação e avaliação da qualidade do ensino superior na América
Latina se tornam instrumentos políticos de negociação como organismos, por
exemplo, o Banco Mundial. Pressupõem que países que adotam esses processos de
legitimação da qualidade da Educação tenham mais condições de comprovar
credibilidade para o recebimento de investimentos nas negociações com o Banco.
(Leite, Genro, 2012, p.14).
Isso pode se tornar um círculo vicioso, tendo em vista que a Universidade, de maneira
geral, necessita dos recursos, que somente serão obtidos se determinadas condições forem
satisfeitas. Sem dúvida, os processos de negociação também colaboram para que a quantidade
de instituições privadas tenha crescido tanto na última década, juntamente com as reformas
ocorridas a partir da década de 90. Ao falar de negociação, pode-se propor uma analogia com
o que, muitas vezes, ocorre no ensino médio.
A avaliação interinstitucional realmente pode ser uma forma de negociação, mas
aquela avaliação, elaborada e aplicada pelo professor em alguns casos, também se transforma
em uma ferramenta de negociação. Por exemplo, uma sala indisciplinada, em que a
ministração das aulas é complicada, com frequência o professor pode fazer algum tipo de
pressão para que os estudantes se silenciem, ou a prova será mais difícil. Ou então, na
proposta de alguma tarefa ou atividade previamente preparada pelo professor, a participação
ou adesão à atividade pode ser “negociada” de acordo com o valor atribuído, ou em raros
casos, uma nota pode ser retirada, caso o estudante se negue a participar ou realizar
determinada atividade. Certamente, pode ser uma ferramenta de negociação, uma forma de
controle ou autoritarismo.
2.5 Avaliação como aferição da qualidade
A qualidade do ensino, dos estudantes, das instituições ou até mesmo dos professores
pode ser determinada por meio de avaliações. É melhor dizer que “pode” ser determinada ou
aferida do que dizer que “com certeza” é determinada. Isso porque deve-se levar em conta os
critérios, os métodos, propósitos e contextos avaliados.
Ao realizar-se uma reflexão sobre diversos métodos avaliativos, nasce um
questionamento relacionado à relevância e também aos objetivos pré estabelecidos com
relação à aplicação de uma avaliação. O método avaliativo consegue aliar “medição” de
34
saberes e uso adequado de habilidades? Primeiramente, torna-se necessário que o avaliador
realmente saiba exatamente o que são competências e quais são as que se deseja avaliar.
O que se observa em muitos casos é que nem sempre a obtenção de notas ou índices
refletem um boa qualidade de ensino. Um determinado estudante pode ser simplesmente
adestrado para obter boas notas em provas e testes e não se tornar alguém crítico, reflexivo e
dotado de conhecimento.
Se pensarmos na avaliação desde o seu planejamento, passando pela elaboração,
aplicação e correção, realmente é possível que a qualidade ( aqui será usado esse termo no
sentido de “conhecimento obtido pelo avaliado) seja aferida. Contudo, esse não deve ser o
procedimento final. Os resultados são obtidos, julgados como bons ou ruins. E depois?
Shiroma (2003) reflete:
A avaliação é um instrumento por meio do qual se produz e se tornam públicos
indicadores com vistas a alcançar alguma finalidade. Cumpre então, indagar: com
que interesse se avalia quando se sabe que aferir qualidade, por si só, não altera e
nem promove a tão almejada qualidade? A avaliação periódica, tal como
implementada, condena o professor ao eterno escrutínio. (Shiroma, 2003, p.10).
De fato, devem existir interesses ao final da avaliação. Aferir qualidade não deve ser o
objetivo final, mas após a obtenção dos resultados, os mesmos devem ser considerados,
refletidos de maneira séria e intensa e a partir daí, planos de ações devem ser traçados para
que uma melhor qualidade seja alcançada.
É necessária uma reflexão sobre quais habilidades são relevantes e também como
adquiri-las ou testá-las por métodos avaliativos. A maioria dos professores utilizam ainda
métodos tradicionalistas de avaliação e desconsideram outras ferramentas, principalmente de
âmbito tecnológico. Não é cabível desprezar outras mídias ou outros recursos para qualquer
método avaliativo, mas também, além da ênfase nos recursos tecnológicos, os professores
precisam encontrar equilíbrio entre o tradicionalismo e uma perspectiva mais sócio
interacionista. É comum no ambiente escolar, que educadores alimentem a ilusão de que os
estudantes, ao final de um ciclo ou ano letivo, adquiram competências transponíveis a
situações que não foram encontradas e exercitadas em aula.
Uma parte das aprendizagens escolares dedica-se a tarefas desgastantes e
estereotipadas. No campo da Química, por exemplo, pode-se verificar que um aluno com
dedicação relativa, seja capaz ao final da primeira fase de ensino médio, de balancear
equações químicas. Porém,não pode-se afirmar com segurança que o mesmo aluno será
competente o suficiente para aplicar os mesmos conteúdos para a resolução de situações
35
problema e entender satisfatoriamente os significados das mesmas equações que ele
balanceou.
Um dos grandes desafios dos professores é esse: em turmas extremamente
heterogêneas, com dificuldades diferentes, trabalhar a dificuldade de cada um, principalmente
quando há um grande currículo referencial a ser cumprido. Perrenound ( 2001) diz:
A introdução de uma pedagogia diferenciada e de uma avaliação formativa leva,
cedo ou tarde, a mexer nos programas. Inicialmente, para abreviá-los, para extrair
sua essência: não podemos cobrir um programa excessivamente sobrecarregado
senão nos resignarmos com o êxito de uma importante fração dos alunos.
(Perrenound, 2001, p.124)
Fica claro que apenas uma parte dos alunos, no decorrer de todo ano letivo conseguirá
acompanhar o ritmo de ministração de aulas e conseguir desenvolver uma parte considerável
das competências previamente julgadas necessárias. Nasce aí um impasse para os professores:
um conteúdo extremamente extenso para ser cumprido, em turmas heterogêneas, com
dificuldades diversas, histórias diferentes e proveniente de contextos diferente. Torna-se
praticamente impossível fugir da formalidade e exames ao avaliar os estudantes, mas como já
foi dito nesse trabalho, o equilíbrio entre novas perspectivas e métodos formais de avaliação.
Também é indispensável que ocorra interação professor-aluno e até mesmo aluno-aluno nos
métodos avaliativos, de acordo com Piaget:
...o conhecimento repousa em todos os níveis sobre a interação entre o sujeito e os
objetos, (...) mesmo quando o conhecimento toma o sujeito como objeto, há
construções de interações entre o sujeito-que-conhece e o sujeito conhecido. (Piaget,
1967:pág 190)
Nesse sentido, a aprendizagem é uma experiência social de interação pela linguagem e
pela ação. Sendo a interação social a origem e motor da aprendizagem e do desenvolvimento
intelectual.
2.6 Avaliação classificatória e diagnóstica
No cenário atual, a maioria dos processos avaliativos possuem caráter
predominantemente classificatório. Provas são aplicadas com intenção não de diagnosticar as
dificuldades dos estudantes, de modo a trabalhá-las e corrigi-las, mas sim com o objetivo de
classificar quem foi submetido como capaz ou não de desenvolver determinada habilidade.
Pensando de maneira didática, o ideal seria que em um comparativo, houvesse
desenvolvimento cognitivo entre o início e o final do processo avaliativo. Contudo, o que
ocorre comumente é simplesmente o surgimento de notas, correspondentes ao desempenho
36
dos estudantes. Após o surgimento das notas, a classificação dos mesmos, como capazes ou
não, culminando em aprovação ou reprovação.
Luckesi (1993) reflete acerca das consequências da avaliação classificatória:
Na prática pedagógica, a transformação da função da avaliação de diagnóstica em
classificatória foi péssima. O educando como sujeito humano e histórico; contudo,
julgado e classificado, ele ficará, para o resto da vida, do ponto de vista do modelo
escolar vigente, estigmatizado, pois as anotações e registros permanecerão, em
definitivo, nos arquivos e nos históricos escolares, que se transformam em
documentos legalmente definidos. (LUCKESI, 1993 p.83)
O que aparentemente não causa consequências, pode ser algo desastroso para o
avaliado. Não só classificado, mas também estigmatizado e talvez com problemas nas futuras
avaliações e também permanecerá sem desenvolver a habilidade pela qual foi avaliado. Por
mais que seja necessária a classificação, do ponto de vista prático, um cuidado especial deve
ser tomado, ao se considerar que pessoas, sujeitos humanos, históricos e com perspectivas de
vidas diferentes devem ser considerados.
Para fugir do autoritarismo, dos riscos de estigmatização e de qualquer outro risco das
avaliações unicamente classificatórias, é necessário que as avaliações sejam diagnósticas. É
indispensável que as dificuldades cognitivas ou de desenvolvimento de habillidades sejam
diagnosticadas. Após o diagnóstico, uma devolutiva deve ser realizada e as dificuldades,
trabalhadas ou até mesmo extintas.Sobre a importância do diagnóstico, Luckesi (1993)
afirma:
Para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica, ou seja,
deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento da
identificação de novos rumos e caminhos a serem perseguidos e não ter somente o
caráter de classificação. (LUCKESI, 1993 p.91)
A necessidade de novos rumos é o propósito maior de qualquer processo avaliativo.
De maneira semelhante ao que foi falado no início desse capítulo, quando foi feita menção
sobre a reflexão que cada pessoa faz ao final de um ano, para que se realizem as projeções
para um ano novo, assim deve ser o processo avaliativo. Não há sentido em classificar sem
diagnosticar e de igual maneira, não há sentido em diagnosticar sem propor qualquer tipo de
alteração ou correção.
Após a obtenção dos resultados, no qual após pouco tempo de convívio já fica
claramente estabelecida a relação de “bons e ruins estudantes”, a avaliação ainda não
terminou. Dias Sobrinho (2008) argumenta sobre isso:
A avaliação não termina quando estabelece índices e esquemas comparativos. Ela se
completa quando cavouca fundo, buscando os sentidos da realidade objetivamente
37
constatada, questiona, pergunta pelas causas e pelas possibilidades de superação,
estabelece metas e estratégias, investe em programas e projeta futuros desejáveis. A
avaliação examina o passado, o realizado, mas o que mais importa é o futuro e o que
está por vir (Sobrinho, 2008, p.9).
O que Dias Sobrinho (2008) relata como o objetivo final da avaliação, está bem
distante do que realmente ocorre. Após a divulgação dos resultados e consequente
ranqueamento e estigmatização, o que se observa ao longo da história, principalmente no
cenário nacional é bem diferente, conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 - Diferenças na Verificação Pós Avaliação
O que deveria ser verificado após uma avaliação O que, de fato, é verificado após uma avaliação
O que aconteceu de errado? Que estudantes ou instituições se saíram melhor na
avaliação e como premiá-los;
Que estratégias podem auxiliar na melhoria do ensino? Que estratégias podem auxiliar na melhoria da nota?
Quais as possibilidades de superação dos erros? Quais as possibilidades de melhoria dos índices e notas a
curto prazo? (mesmo que seja a extinção de instituições
Quais as metas de aprendizagem para a próxima avaliação? Que índices se deseja atingir?
Existe algum programa ou projeto para melhorar a
aprendizagem? Existe algum programa ou projeto para melhorar a nota?
2.7 Relevâncias para elaborar uma avaliação
Avaliar é muito mais do que um único momento, com duração limitada de uma ou duas
horas. Avaliar é um processo que se inicia com a elaboração da avaliação. Em geral, o que é
relevante, quais conhecimentos deveriam ser construídos, quais habilidades seriam
desenvolvidas, é determinado pelo avaliador, na maioria dos casos, o professor.
Luckesi (1993) descreve três passos iniciais para se elaborar uma boa avaliação:
Coletar, analisar e sintetizar, da forma mais objetiva possível, as características
cognitivas dos avaliados.
Estabelecer um nível de expectativa: o que se deseja que os educandos sejam capazes
de apreender/construir ( ou na pior das hipóteses, reproduzir), de acordo com os
conteúdos ensinados/debatidos/ministrados.
Preparar a reorientação que futuramente será dada aos educandos, após a obtenção dos
resultados.
De Sordi (2004) disserta:
Defendemos que a avaliação contemporânea deve estar a serviço de uma
aprendizagem que favoreça o desenvolvimento da autonomia intelectual,
38
processo construído na conflitualidade de idéias e argumentos que devem
circular livremente entre professor e aluno, visando construir conhecimento
socialmente válido, especialmente no ensino superior, cujo compromisso é o
de formação profissional que inclui, em nosso ponto de vista, a dimensão da
força humana. ( De Sordi, 2004, p.17)
É inegável que os procedimentos avaliativos surgem de maneira diversificada, porém
ainda estamos longe do que é defendido pela autora acima. A avaliação deve ser reflexiva,
privilegiar a autonomia intelectual e ser construída pela conflitualidade de idéias. Os
primeiros pontos, muitas vezes estão deficientes nas avaliações , quando os avaliadores ( na
maioria das vezes, professores que convivem diariamente com os estudantes), utilizam-se de
regras, fórmulas decorativas e tentam se apossar de uma verdade absoluta, classificando como
errado ou insólito tudo que estiver distante da sua verdade, o que também prejudica a busca
pela autonomia intelectual. Em muitos casos, as avaliações também não favorecem muito
esses dois pontos, porém o menos favorecido é a conflitualidade de idéias. Isso por que a
grande parte dessas avaliações são formuladas somente com questões objetivas, o que não
proporciona a possibilidade do debate de idéias ou da dissertação do avaliado sobre
determinado assunto.
Como já foi dito, um dos propósitos das avaliações deveria ser o de diagnosticar
problemas no processo ensino aprendizagem e utilizar os dados obtidos para corrigir esses
problemas. Contudo, o caráter dessas avaliações, na maioria dos casos, somente se torna um
mecanismo classificatório. Os resultados são obtidos, divulgados e conclusões são tomadas.
Se uma instituição foi avaliada e obtve uma nota baixa, a mesma é classificada como uma
instituição com pouca qualidade. Se um estudante foi avaliado e a nota é ruim, o mesmo é
classificado como um estudante dotado de pouco conhecimento. A consequência disso é a
estigmatização da instituição ou do estudante, o que acaba comprometendo o futuro
desenvolvimento de ambos, já que pouco ou nada será feito para mudar essa situação e ambos
já foram taxados como ruins.
Jussara Hoffman (2008) fala de onde sair no atual cenário avaliativo e para onde ir:
De onde sair: de uma avaliação a serviço da classificação, seleção. De uma atitude
de reprodução, de alienação, de cumprimento de normas. Da intenção prognóstica,
somativa, de explicação e apresentação de resultados finais. Para onde ir: a uma
avaliação a serviço da aprendizagem do aluno, da formação, da promoção, da
cidadania. À mobilização, á inquietação, na busca de sentido e significado para essa
ação. (Hoffman, 2008, p.76)
Um avanço significativo ocorreria se os avaliadores dessem menos valor a reprodução
de modelos e conteúdos, em boa porcentagem dos casos, com pouca relevância e pouca
39
aplicabilidade. Muitas vezes também, o resultado final é valorizado, sem a percepção dos
avanços, dos desenvolvimentos cognitivos. Quase não se observa o conhecimento prévio
comparado ao conhecimento adquirido ou construído. O que é avaliado não é relevante para o
educando, o que dificulta a busca de sentido e consequente motivação para melhoria do
desempenho.
Hoffmann (2008) também coloca alguns dos pontos sobre os quais o avaliador deve
ser cuidadoso:
Por mais que sejam necessárias, notas e conceitos podem padronizar o que é diferente,
despersonalizando as dificuldades e avanços de cada aluno;
Avaliações excessivamente conceituais supeficializam e adulteram a visão da
progressão das aprendizagens e do seu conjunto;
Erros absolutos e verdades absolutas usadas de maneira arbitrária;
Ensino homogêneo é um mito: em uma única sala de aula existirão pessoas com
históricos, bagagens culturais, competências e cognições diferentes. Ou seja, uma
única sala de aula é extremamente heterogênea;
A classificação reforça o valor mercadológico das aprendizagens;
A competição não deve ser privilegiada em detrimento à aprendizagem;
O diálogo entre a comunidade escolar deve preceder o ciclo avaliativo.
2.8 Avaliação Participativa e Avaliação Mediadora
Aparentemente os termos são iguais. Uma falsa impressão. A avaliação pode ser
participativa e não ser mediadora, mas é impossível que seja mediadora sem ser participativa.
Isso porque, quando se fala em participação, ela pode ocorrer de diferentes maneiras e
intensidades.
Na avaliação participativa, o avaliador além de elaborar a mesma, faz parte do processo,
durante a correção, reflexão e discussão sobre o que foi avaliado e o nível de aprendizagem
dos estudantes, mas não obrigatoriamente agirá como mediador na construção do
conhecimento, como explica Luckesi (1978): “... a partir dos instrumentos adequados de
avaliação, o professor discute com os alunos o estado de aprendizagem que eles atingiram”.
40
A função da avaliação mediadora é mais intensa. De acordo com Hoffman (2010): “Daí
um processo avaliativo mediador acarreta uma organização do ensino que torne os alunos
produtores de conhecimento”. Pela teoria Piagetiana, cabe aqui a substituição do termo
“produtores” por “construtores”. Essa organização do ensino pode ocorrer em qualquer
momento do ciclo avaliativo, não necessariamente após a correção, devolutiva e reflexão das
mesmas. Uma boa avaliação deve ser provocativa, incitar e estimular o educando a
desenvolver suas habilidades argumentativas, tornando-as potencialidades. Uma das funções
do professor/avaliador é essa: agir como mediador para que as provocações lançadas tornem-
se reflexões e aprendizagem.
A mediação não se limita a poucos instantes. Pode-se dizer que uma avaliação
mediadora é um privilégio do professor/avaliador, pois é esse que convive diariamente com os
educandos. De acordo com Hoffmann (2010): “A avaliação mediadora é uma ação sistemática
e intuitiva. Ela se constitui no cotidiano da sala de aula, intuitivamente, sem deixar de ser
planejada, sistematizada.” Um dos desafios é mesclar o intuitivo e o planejado. A mediação
não pode ser somente intuitiva, sob o risco de caminhar rumo a desordem,mas também não
deve ser limitada ao planejamento e sistematização, sob o risco de engessamento e
incapacidade do avaliador/mediador de agir rapidamente.
Alguns pontos podem ser considerados para uma avaliação caracterizar-se como
mediadora:
analisar resultados de aprendizagem de maneira concisa;
medir uma amostra adequada dos resultados de aprendizagem e relacionar ao
conteúdo ensinado;
conter os tipos de itens mais adequados a realidade dos educandos enquanto sujeitos;
ser planejada, aplicada, corrigida, refletida e devolvida adequadamente;
ser construídos de maneira provocativa, porém a gerar interpretações sem
ambiguidade;
ser utilizados para melhorar a aprendizagem e não com intenção classificatória ou de
rotular os educandos.
41
2.9 Avaliação e erro
Em qualquer situação onde há no mínimo duas possibilidades, existe a chance do erro.
No processo avaliativo não é diferente. Os erros acontecem e mais importante do que a
quantidade deles, é a maneira como são tratados. Antes de compreendermos e analisarmos os
efeitos do erro no processo avaliativo, é necessário compreender melhor cada uma de suas
etapas.
De acordo com Luckesi (1993), existem dois pontos importantes a serem
considerados: planejar e executar:
A avaliação atravessa o ato de planejar e de executar; por isso, contribui em todo
percurso da ação planificada. A avaliação se faz presente não só na identificação da
perspectiva político-social, como também na seleção de meios alternativos e na
execução do projeto, tendo em vista a sua construção. (Luckesi, 1993, p.184)
Em concordância com o autor, consideraremos a avaliação como um processo que
passa por esses dois pontos, mas com uma tendência cíclica, ou seja, um processo inacabado.
Sem dúvida, o planejamento é o primeiro ponto, em conjunto com a observação, onde a
avaliação é proposta e elaborada de acordo com o contexto educacional. Em seguida, a
aplicação da mesma ou sua execução. Após esse momento, os dados são obtidos pelo
avaliador, que os julgará de maneira mais pertinente.
Pouco necessários são os dados obtidos, se não houver nenhum tipo de reflexão. Cabe
ao educador refletir sobre a sua própria correção, sobre os acertos, habilidades cognitivas e,
inclusive, os erros. Após a reflexão, deve ocorrer a devolutiva aos alunos, de maneira que
esses possam (mesmo sem a devida maturidade, mas com orientação do avaliador) observar
os acertos de modo a consolidá-los como conhecimento construído e reparar os erros, de
maneira a não cometê-los na próxima oportunidade. Aí termina o processo avaliativo? Errado!
Nesse instante, o avaliador já começa a planejar as próximas situações avaliativas, com base
no que foi construído até o momento:
planejamento→ execução →composição dos dados
↑ ↓
devolutiva aos estudantes ← reflexão
O erro ocorre na maioria das avaliações, em algum momento do ciclo avaliativo. Por
parte do avaliador ou dos educandos. É um momento do qual se pode tirar proveito, lições,
42
vantagens para a vida ou para as próximas avaliações. Mas não é indispensável, como
argumenta Luckesi (1993):
Ocorrendo o insucesso ou o erro, aprendamos a retirar deles os melhores e os mais
significativos benefícios, mas não façamos deles uma trilha necessária de nossas
vidas. Eles devem ser considerados percalços na travessia, com os quais podemos
positivamente aprender e evoluir, mas nunca alvos a serem buscados. (Luckesi,
1993, p.200)
O alvo é o acerto e a avaliação constituída como um ato amoroso por parte do
avaliador, não deve ser tendenciosa ao erro, à ambiguidade, mas sim, voltada a inclusão de
todos os educandos e à construção do conhecimento. Se já houve essa construção, no mínimo
o processo avaliativo deve ser uma oportunidade ao educando de exercitar e fixar o que já está
internalizado e uma possibilidade ao educador de nivelar uma turma, por mais heterogênea
que seja.
2.10 Avaliação individual e Avaliação coletiva
Avaliar individualmente considerando que cada sujeito é um ser pensante com
características diferentes ou avaliar coletivamente, de maneira a ser inclusivo: qual é a melhor
opção? É muito difícil generalizar e responder essa pergunta. Cada situação, cada realidade,
cada contexto exigem do avaliador o bom senso sobre a utlização da avaliação individual,
coletiva ou ainda a mesclagem das duas.
A avaliação individual é uma tarefa desafiadora para os professores. Por diversos
problemas, como por exemplo salas de aulas cheias e cargas horárias intensas. Contudo, as
vantagens são inegáveis e ate mesmo uma melhor avaliação coletiva pode nascer a partir da
avaliação individual. Hoffmann (2010) sugere a individualização:
Essa prática é possível a partir da articulação entre a observação individualizada e a
realização de propostas interativas, ciclo ininterrupto. Tarefas individuais fornecem
indícios ao professor sobre concepções prévias, estratégias de resolução, conceitos
em construção, formas de expressão de cada estudante. A partir da interpretação
dessas tarefas, o professor organiza diferentes propostas de atividades individuais e
coletivas. (HOFFMANN, 2010 p.46)
A observação individualizada, desde que seja criteriosa, já pode constituir-se como
passo inicial do processo de avaliação individual, mesmo que não seja formal. Com a
articulação entre observação e a realização das propostas ou tarefas, a observação ganha
maior dimensionamento. Como praticamente todas as salas de aula ( principalmente se
tratando de um dos países mais heterogêneos do mundo) são heterogêneas, esse tipo de
43
processo permite verificar o grau de heterogeneidade da turma, bem como diagnosticar
possíveis déficits de aprendizagem ou cognição.
Ao avaliar um único aluno, o professor não deve ser cuidadoso somente no ato do
planejamento ou da aplicação da mesma, mas também na correção das atividades. Se por
exemplo, um educando apresenta dificuldades argumentativas, o avaliador pode planejar
atividades que tenham por objetivo trabalhar essas dificuldades, mas os critérios corretivos
devem ser diferentes dos que foram estabelecidos para um outro estudante que possua a
argumentação como potencialidade. Usar critérios diferentes não quer dizer “fazer vista
grossa” para as dificuldades e “recompensar” as potencialidades, mas sim privilegiar o
desenvolvimento, a construção, a evolução do que antes era déficit e pode vir a se tornar
habilidade ou potencialidade.
A etapa de correção e reflexão por parte do avaliador, também deve ser cuidadosa
quanto às características linguísticas e marcas de escrita dos avaliados. De acordo com
Hoffmann (2008):
Um dos fatores que acarreta grande arbitrariedade na correção de tarefas de
aprendizagem é a expressão linguística dos estudantes. O jeito de falar, a correção da
escrita, a legibilidade da caligrafia, a organização do texto no papel são fatores que
afetam seriamente a análise dos conhecimentos expressos pelos alunos. É comum
professores julgarem um texto mal escrito como não aprendizagem. (HOFFMANN,
2008 p.110)
A avaliação individual reflete-se também como ato amoroso do professor/ avaliador,
que em meio a tantos desafios e incógnitas da carreira, preocupa-se como cada educando, de
maneira única e especial.
Coletivamente, existem estudantes que podem apresentar um rendimento maior do que
apresentariam em situações individuais. Isso porque, de maneira coletiva, a interação, a troca,
debate e discussão podem colaborar para a construção do conhecimento. Essas possibilidades
se referem a avaliações de atividades realizadas coletivamente. O avaliador também pode
avaliar o coletivo, propondo tarefas individuais, desde que tendências e comportamentos
sejam observados, sem que haja coleta sistematizada de dados. Avaliar individualmente
propondo tarefas coletivas já é uma tarefa mais difícil, como aborda Hoffmann (2008):
Uma produção coletiva de um texto, por exemplo, nem sempre expressa a
aprendizagem de cada aluno, mas de alguns que lideraram a tarefa. Reuni-los em
grupo representa criar o espaço de troca de ideias e conflitos cognitivos. Não há
sentido em se julgar tarefas coletivas, atribuindo-se resultados individuais ou, pior
ainda, somar pontos por participação e outras atitudes (HOFFMANN, 2008 p.114).
44
A avaliação coletiva, dentre outras vantagens, propicia a inclusão, a troca, o debate de
ideias e o vislumbramento de diferentes habilidades trabalhando conjuntamente com um
propósito em comum. A perspectiva da conclusão de determinada tarefa ou determinada
proposta de trabalho deixa explícito a importância e relevância de cada sujeito envolvido,
independente de suas diferenças. É praticamente impossível pensar que alguém possa ser tão
bom a ponto de executar sozinho uma tarefa e obter mais sucesso que um grupo heterogêneo
(desde que bem articulado). Também é praticamente impossível pensar que alguém possa ser
tão ruim a ponto de não dar nenhum tipo de colaboração em uma tarefa coletiva.
Individualmente ou coletivamente, o ato de avaliar não produz um resultado final. O
ideal seria unir os dois processos, considerando que todas as instituições de ensino
comprometidas com o aprendizado adotam ao menos dois instrumentos de avaliação por
bimestre letivo. O processo avaliativo é cíclico porque a aprendizagem também é, como
descreve Hoffmann (2010):
Até porque o processo de aprendizagem nunca chega ao fim. O aluno está sempre
avançando, evoluindo, construindo novas idéias a respeito de tudo que vivencia no
ambiente escolar e fora dele. As tarefas avaliativas são sempre pontos de
passagem...cada passo do aluno precisa ser observado em seu sentido próprio.
(HOFFFMANN 2010 p.46)
2.11 Atividades diversificadas e otimização de recursos
A diversificação na proposição das atividades avaliativas é um passo importante para a
contemplação das diferentes habilidades e cognições. Supondo que uma escola adote três
instrumentos de avaliação por bimestre letivo, o professor terá a possibilidade de realizar doze
avaliações formais por ano. Isso, considerando apenas as avaliações formais,ou seja, com
limitados instrumentos avaliativos, já que é difícil numerar as avaliações semanais, diárias ou
até mesmo o conjunto de observações possíveis a serem realizadas em uma mesma aula.
Dentro do processo cíclico de avaliação, a devolutiva aos estudantes e a reflexão sobre
os dados obtidos exercem um papel especial: o de dar significado à avaliação. Diagnosticar
deve ser procedido de intervir, para mudar uma determinada realidade. Nessa conjuntura, a
diversificação corresponde a uma meta, de acordo com Hoffman (2010):
Quanto mais amplas forem as oportunidades de acompanhar o aluno em sua
interação com o objeto de estudo, agindo sobre ele ou a partir de agentes culturais
mediadores, maior será o conhecimento de estratégias de aprendizagem
desenvolvidas e dos conceitos de que se apropria. (Hoffman, 2010, p.78)
45
Em um país emergente e com pouco investimento na educação, sobretudo com uma
cultura conteudista, em que poucas instituições estão voltadas para a formação do cidadão, os
recursos disponíveis devem ser amplamente aproveitados, de maneira a garantir a
diversificação. Assim como o Brasil é um país de população e estudantes heterogêneos, suas
escolas também apresentam essa característica. Afim de refletir melhor sobre essa otimização,
pensemos sobre duas escolas hipotéticas de Goiânia e suas características:
Quadro 2: Características de escolas em Goiânia
Escola A Escola B
Localização Periferia Setor nobre
Regime Público Privado
Alunos por sala 45 25
Recursos Quadro verde e giz Quadro branco e digital,
laboratórios diversos.
Por mais hipotéticas que sejam essas escolas, certamente elas existem! Várias outras
características poderiam ser analisadas para comparar os níveis de aprendizagem dessas
escolas, mas vamos nos focar nos recursos. Sobre isso, Hoffmann (2010) relata sobre a
importância intrínseca do professor: “Otimizar espaços significativos de aprendizagem
consiste em ampliar, para alunos e professores, oportunidades de interação com objetos de
conhecimento, diversificando as atividades”
Mesmo que as condições sejam precárias, o avaliador tem a possibilidade, desde que
haja um processo criativo e interativo, de otimizar os poucos (ou muitos) recursos que
estiverem ao seu alcance. Provavelmente seria melhor ensinar por exemplo, o conteúdo
referente a Processos de Separação de Misturas, dispondo de um laboratório equipado com
vários tipos de reagentes e vidrarias, mas se não houver essa possibilidade, por que não o uso
de materiais alternativos e confeccioná-los juntamente aos estudantes?
Tanto para ensinar, quanto para avaliar, o espaço físico, os recursos áudio visuais,
tecnológicos devem ser otimizados, mas sem esquecer do principal de todos os recursos, o
único indispensável ao educador/avaliador: o educando. Nessa linha de raciocínio, por constar
como um recurso, em geral, de baixo custo e alto alcance didático, o lúdico configura-se
como excelente alternativa. No capítulo posterior, será argumentado sobre suas características
e sobre sua possibilidade como instrumento de avaliação.
46
CAPÍTULO III - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O LÚDICO
Várias definições do termo “lúdico” são encontradas na literatura especializada ou até
em conceituados dicionários. A palavra “lúdico”, vem do latim “ludus”, que significa “jogo”.
O Dicionário Universal da Língua Portuguesa, expande esse sentido:
Lúdico: do latim ludus e significa jogo. Neste jogo estão incluídos o brincar,
brinquedos e divertimentos e é relativa também à conduta daquele que joga, que
brinca e que se diverte. Por sua vez, a função educativa do jogo oportuniza a
aprendizagem do indivíduo, seu saber, seu conhecimento e sua compreensão de
mundo. (Dicionário Universal da Língua Portuguesa, 2000).
O jornal com temas químicos, proposta dessa pesquisa, também se constitui como um
jogo. Não um jogo em que existem vencedores ou perdedores, mas um jogo de palavras, de
argumentos, com o intuito de avaliar através de diagnóstico e mediação, os estudantes
envolvidos em sua produção. Além de transmitir, consolidar e construir conhecimentos
químicos, o jornal também tem a pretensão de influenciar positivamente na capacidade
argumentativa dos estudantes, além é claro, da função lúdica de aprender, através do ato de
brincar.
Um dos especialistas no assunto, Johan Huizinga (2007), descreve o jogo como:
Uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados
limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um
sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida
cotidiana. (HUIZINGA, 2007, p. 33).
Aqui se observa que, apesar de existir o ato de brincar e, no caso específico do jornal,
o brincar investigativo, uma brincadeira de “ser jornalista”, a organização é imprescindível.
Padrões e limites de tempo, espaço, regras previamente adotadas devem existir, porém sem
perder o sentimento de alegria. Quando Huizinga se refere ao fato de ser diferente da vida
cotidiana, também aplica-se ao propósito da utilização do jornal como método avaliativo, indo
na contramão dos métodos convencionais adotados.
3. 1. Função significante do jogo
O significado do jogo, inicialmente é diferente para jogadores e quem propôs o jogo,
mesmo que esse também participe diretamente dele. Com o andamento do jogo, é que os
objetivos, regras, táticas, estratégias e resultados podem ficar mais claros. O que mais importa
é que, independente do caráter do jogo, se há ou não competição, não há obrigatoriedade.
Pode ser uma atividade voltada ao prazer, ao diferente do cotidiano, algo mais que físico,
biológico ou psicológico, como descreve Huizinga (2007 p.18): “O jogo é mais do que um
47
fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente
física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido” .
Além das funções físicas, biológicas e psicológicas, Soares retrata os três enfoques do
lúdico: comportamental, cognitivo e humano.
Comportamental: “Se baseia nos comportamentos observáveis e mensuráveis do
sujeito, ou seja, nas respostas que ele dá ao mundo externo” (Soares, 2008). Nesse
enfoque, a percepção do professor é extremamente necessária, por se tratar de um
processo avaliativo. Em cada etapa do jogo, cada estudante se manifesta e responde
aos estímulos lúdico de uma maneira diferente. Cabe ao professor observar se as
respostas dadas ao mundo externo são positivas ou não, ou seja, se o lúdico está
causando um efeito positivo ou negativo no estudante.
Cognitivo: “Enfatiza exatamente aquilo que é ignorado na corrente
comportamentalista: a cognição, o ato de conhecer” (Soares, 2008). O sentido de
avaliar é diagnosticar se está ocorrendo aprendizagem e mediar onde a mesma não
ocorre. O enfoque cognitivo do jogo enfatiza o ato de conhecer, de aprender, de
construir o conhecimento, porém de uma maneira menos formal, menos cansativa,
mais dinâmica e divertida.
Humano: “Discute-se o ser que aprende, primordialmente, como pessoa”. ( Soares,
2008). Nesse enfoque, a função do lúdico se mostra maior do que somente aprender
conteúdos ou construir conhecimento científico. O que se aprende e se ensina é
voltado ao lado humanista do jogador. No caso específico do jornal, aprende-se a
trabalhar em equipe, apura-se o senso crítico e a capacidade argumentativa.
Uma das funções significantes da atividade lúdica, ao ser aplicada em sala de aula é
auxiliar no processo ensino aprendizagem, mantendo o equilíbrio entre o brincar e a seriedade
do processo. Mais do que brincar, o educador não pode perder o foco da atividade lúdica em
ensinar. Além de aprender, o estudante, por sua vez, não pode abandonar o ato de brincar.
Sem esse equilíbrio e sem a responsabilidade estabelecida de professores e estudantes, as
funções lúdicas podem deixar de ser significantes.
48
3.1.2O lúdico voltado ao sujeito
Mais do que os materiais utilizados, ou o ambiente, o sujeito é o agente que opera o
lúdico. Um jogo pode ter significado e cumprir com seus propósitos, por mais simples que
seja, por menor custo que tenham os materiais, desde que os sujeitos realmente estejam
envolvidos. Soares (2008) diz: O jogo está associado à ação que se realiza e não ao material
que se utiliza. O ludismo se estabelece na relação da pessoa com uma observação vivenciada,
que pode ou não, constar de um brinquedo. (Soares, 2008, p.30)
Quando o autor se refere à ação, não se refere somente a função pedagógica, mas sim
ao ato de brincar, de jogar. Se a função é ou não pedagógica, outros fatores também serão
determinantes, incluindo o tipo de jogo e o que é colocado como a relação da pessoa com o
que se vivencia. O “brinquedo” citado por Soares, não precisa ser exatamente um material
sólido e palpável ou de algo que tenha sido inicialmente designado para essa função. O
próprio jornal, no caso específico dessa pesquisa, ainda em fase de elaboração, era o
“brinquedo” disponível.
Essa ação que se realiza, está imprescindivelmente ligada a individualidade e a
criatividade do sujeito. As regras de qualquer jogo são padrões, mas as estratégias são
individuais, dependendo da personalidade, do conhecimento e no caso do jornal, das marcas
de linguagem do jogador. Winnicott (1975) coloca que “é através da percepção criativa, mais
do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida”. Através
do ato de jogar, da criação, do estilo de jogo, da adaptação das regras, é que ocorre o
crescimento cognitivo, comportamental e humano.
A partir dessa etapa de criatividade, de acordo com Brock, surgem três fases relativas
ao lúdico e a construção do conhecimento: a aquisição, a reestruturação e sintonização.
Aquisição: : Através do jogo, é possível adquirir novos conhecimentos, informações e
habilidades, que na maioria das vezes não seriam verificados por métodos
convencionais;
Reestruturação: Durante o jogo, com a mudança de estratégias e após o mesmo, pode-
se reorganizar o conhecimento existente para acomodar os padrões, as estruturas e os
princípios novos;
Sintonização: A reestruturação guia a aquisição e novos conhecimentos. Esses novos
conhecimentos são estruturados e consolidados no processo de sintonização, quando
enfim, a função educativa do jogo pode se tornar clara para os estudantes.
49
3.3 Processo educativo
A atividade lúdica possui um caráter educativo, porém o caminho para que o jogo não
seja só uma brincadeira, não é tão óbvio. Esse caminho é diferenciado de acordo com o tipo
de brincadeira e a idade de quem está brincando. De acordo com Moyles (2002):
Qualquer pessoa que tenha observado o brincar durante algum tempo reconhece que,
para as crianças pequenas, o brincar é um instrumento de aprendizagem. Os
profissionais que reconhecem e apreciam isso podem- por meio da provisão,
interação e intervenção no brincar infantil, garantir a progressão, diferenciação e
relevância do currículo. (MOYLES, 2002, p. 15)
Nesse contexto, do ponto de vista profissional, há a diferenciação do brincar e da ação
do professor nesse brincar, de acordo com a faixa etária. Para a criança, o brincar realmente é
um instrumento de aprendizagem e que deve ser aplicado com maior frequência. Nessa faixa,
o professor tem a responsabilidade da provisão, interação e intervenção. A provisão, desde os
materiais ou brinquedos até o estabelecimento das regras. A interação deve garantir que as
mesmas sejam cumpridas, porém de uma maneira próxima, interativa e afetiva do professor
para a criança, evitando que a brincadeira perca o prazer. No brincar infantil, a intervenção é
indispensável, considerando o grau (ou a ausência) de maturidade de quem está brincando,
para que realmente ocorra aprendizagem através da brincadeira.
No caso dos adolescentes, existe a provisão, no caso a preocupação com as regras e
adaptações necessárias. O brinquedo ou material lúdico pode ser confeccionado pelos
estudantes. Isso pode até ser positivo, como destaca Soares (2008) ao dizer que com o
manuseio, há a interação física, concreta com o material e por consequência com o conceito.
Mesmo sendo uma experiência motora, acaba-se admitindo uma correspondência intelectual
No caso da interação, não é necessária tanta proximidade, mas como no ensino de
adolescentes, essa oportunidade é rara, o jogo se mostra como uma interessante oportunidade
para isso. No caso da intervenção, é melhor considerá-la como mediação. Por se tratar de uma
faixa etária mais contestadora, a intervenção pode soar como autoritarismo. O processo
mediador é mais viável, considerando que o professor seja provocativo e auxilie os estudantes
a construirem pontes que interliguem o lúdico ao conhecimento.
O processo educativo, principalmente quando se refere a adolescentes muitas vezes é
algo frustrante e tedioso. Nesse aspecto, o lúdico pode favorecer a aprendizagem. De acordo
com Soares (2008):
É nesse sentido que às vezes o jogo é observado como paradoxal a educação, já que
temos o processo educativo como algo chato e isento de divertimento e de um certo
50
grau de frivolidade, necessário para que o objeto de estudo ou de interesse do ser
humano possa ser também prazeroso e divertido ( Soares, 2008, p.48)
Vale destacar aqui o aparecimento da palavra “interesse”. Uma das disciplinas
consideradas mais complicadas pelos estudantes é a Química. Ensinar Química utilizando o
lúdico tem sido alvo de diversas pesquisas, que tem demonstrado a eficácia dessa
metodologia, dentre outros aspectos, por despertar o interesse e consequente motivação dos
estudantes. Avaliar com o uso do lúdico é um desafio, mas pode se mostrar uma interessante
alternativa, ao fugir do convencional e se propor a aliviar os estudantes da avaliação chata,
cansativa, decorativa, tradicional e classificatória.
Alguns pontos podem ser considerados importantes para garantir a eficácia do brincar
no contexto educacional. Moyles (2002) coloca oito pontos importantes para que o educador
reflita antes da ação de intervenção ou mediação:
1) Definição do brincar: O educador define a brincadeira e seus objetivos .
2) Valor das pesquisas: A pesquisa prévia, antes do ato de brincar tem grande importância.
Nesse momento, o educador verifica a aplicabilidade, jogabilidade e relevância do jogo.
3) Habilidades: Jogadores diferentes possuem habilidades diferentes. Jogos diferentes
exigirão competências e estratégias diferentes.
4) Registros: É importante registrar a brincadeira sempre que possível, para que eventuais
fatos que passem despercebidos adquiram relevância e contribuam para a pesquisa.
5) Papel do adulto: No caso específico do educador, pode ser papel de intervenção ou
mediação.
6) Necessidades: O que é necessário para que o jogo flua. Em quanto tempo, em que
espaço e quais materiais ou brinquedos.
7) Currículo: Com quais conteúdos é possível relacionar a brincadeira?
8) Instrumento diagnóstico: Ao se falar sobre avaliação, é impossível não falar em
diagnosticar. O jogo pode ter uma função atribuída ao diagnóstico. Através da sua
percepção e do contato com os estudantes, propiciado pelo jogo, o educador pode verificar
as dificuldades apresentadas, de maneira individualizada, no conteúdo referente a atividade
lúdica.
51
CAPÍTULO IV- RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados foram obtidos seguindo os três pontos descritos por Tripp (2005), como
ideiais para o método de pesquisa ação: reconhecimento da situação, interação participativa e
reflexão.
Inicialmente, a situação reconhecida foi a necessidade de alternativas de avaliação que
atendessem todas as necessidades dos estudantes, bem como privilegiar as potencialidades de
cada um deles. Houve uma certa resistência quanto à execução do projeto, assim que
informado aos estudantes, o que configurou-se como situação de desafio ao professor: deixar
claro aos estudantes que a avaliação seria diferenciada: os estudantes mostrariam inicialmente
as noções que possuíam com relação à temática e, em diferentes perspectivas e ações,
expandiriam seu conhecimento. Outro desafio foi desmistificar a avaliação como se fosse
unicamente atribuição de notas.
A interação participativa foi constante durante o trabalho. Em todo instante, os alunos
deram sugestões, tiraram dúvidas e cumpriram (quase todos, no prazo ideal) as metas de
entregas das atividades propostas. Foi importante observar também ( e essa é uma marca do
lúdico), a oportunidade de debate entre o professor e os estudantes e também entre os
mesmos, o que é praticamente impossível em avaliações tradicionais. O atendimento e
mediação individualizada também foi uma marca dessa pesquisa. Enquanto os grupos
estavam reunidos e ocorriam os debates, frequentemente tivemos a oportunidade de conversar
e tirar dúvidas individuais.
A reflexão ocorreu em etapas distintas: por parte dos estudantes e por parte do
pesquisador. Entre um encontro e outros, as orientações eram dadas, o que permitia que os
estundantes pudessem refletir sobre suas práticas, sobre os conhecimentos que até então
possuiam, aperfeiçoar e se adaptarem ao que era orientado. Por parte do pesquisador, a
reflexão foi um processo contínuo. A cada encontro, a cada orientação, a cada transcrição dos
diálogos ou análise do “diário de bordo”, foi possível refletir sobre as práticas adotadas e
sobre o andamento do trabalho.
4.1 Desenvolvimento da Pesquisa
As atividades de pesquisa se iniciaram no dia 12 de agosto de 2014 e terminaram em 19
de novembro do mesmo ano. No total, foram realizados 10 encontros com as turmas de 1° e
2°Ano de Ensino Médio, de um colégio da região norte da cidade de Goiânia. As turmas
52
foram divididas conforme descrito no capítulo 1, no item “Ambiente de Pesquisa” e ressalta-
se aqui, que será enfatizado o jornal produzido pela turma de 2°ano.
A proposta foi de que cada turma produziria um jornal, relacionado a temas químicos e
que seria posteriormente impresso, entregue à comunidade escolar e publicado no site do
colégio, após finalizado. Com a publicação e valorização do trabalho dos estudantes, entra-se
em consonância com Soares (2008 P. 25):“se a atividade não tiver sentido para o aprendiz, se
não despertar o interesse e por consequência, a motivação, ele simplesmente estará fingindo
que aprende. É nesse ponto que propomos o jogo para ensinar”.
Desde o primeiro encontro com os estudantes, foi relatado que o material seria impresso
e publicado, visando motivá-los para execução da tarefa. A primeira reunião teve caráter
expositivo, pois foi nesse dia que o professor/ pesquisador relatou aos estudantes sobre a
proposta de trabalho, que foi ajustada após algumas argumentações dos estudantes.
Os grupos foram divididos de acordo com a afinidade entre os estudantes e já para o
segundo encontro, previamente marcado, os estudantes receberam a tarefa de pesquisar sobre
os temas selecionados para cada grupo.
No início, foi possível perceber que alguns se opuseram, não demonstraram tanto
interesse pela atividade e até criticaram, o que é perfeitamente normal quando uma novidade
surge e tenta romper uma zona de conforto já criada. Mesmo com a oposição de alguns, a
maioria teve o interesse despertado pela atividade, por perceberem uma fuga a métodos
tradicionais avaliativos e a oportunidade de trabalharem conjuntamente, com um tema mais
possível de contextualização. Em relação a esse ponto, Soares (2004) destaca: “nenhuma
atividade agrada de forma unânime, seja ela alternativa ou não. Assim como temos o direito
de ir e vir, temos o direito de não gostar de algumas coisas que fazemos.” (p.158).
Os materiais utilizados foram fornecidos pelos próprios estudantes. Desde o início foi
permitida a internet como uma das ferramentas de pesquisa, mas os estudantes foram
alertados sobre o risco de obter informações erradas. Em cada encontro, uma das intenções
era a observação do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, do estudo e construção de
conhecimentos pelos estudantes sobre os assuntos designados.
O registro feito pelo grupo de alunos com a tarefa de auxiliar na coordenação do jornal,
os materiais entregues como primeira versão, antes das correções realizadas pelo professor e
as filmagens foram os principais métodos utilizados para avaliar os estudantes e construir os
dados relevantes para a discussão dos resultados da pesquisa. Foi possível notar que uma parte
dos estudantes ficou constrangida com as filmagens, mas após algum tempo e o
53
esclarecimento de que não haveria divulgação das mesmas, passaram a ficar mais a vontade e
o constrangimento foi diminuindo.
Entre um encontro e outro para debate sobre o jornal, sanar dúvidas, orientar e analisar
materiais trazidos pelos estudantes, normalmente era dado aos mesmos um prazo aproximado
de 10 a 15 dias. Isso porque a atividade não poderia “prejudicar” o programa anual, nem as
avaliações periódicas realizadas na escola. Com esse prazo, a intenção era de que o trabalho
de pesquisa dos estudantes fosse realizado sem pressa e de que a assimilação das orientações
se desse da melhor forma.
Abaixo, segue um quadro com o cronograma da pesquisa.
Quadro 3 - Cronograma da Pesquisa
Atividade
06
/20
14
07
/20
14
08
/20
14
09
/20
14
10
/20
14
11
/20
14
12
/20
14
02
/20
15
03
/20
15
04
/20
15
05
/20
15
06
/20
15
07
/20
15
08
/20
12
09
/20
15
10
/20
15
Construção do Pré-
Projeto
X X X
Pesquisa sobre o
tema
X X X
Divulgação da
Pesquisa
X X
Reuniões com os
estudantes
X X X X
Análise do material e
devolutiva aos
estudantes
X X X
Recolhimento do
material final
produzido e
formatação do jornal.
X X X
Audição das
gravações e
transcrição dos dados
X
Seleção dos
materiais lidos para
escrita dos capítulos
sobre Avaliação e
Lúdico
X X
Análise e reflexão
sobre os resultados
X X X X X X X X X X X
Escrita da
dissertação
X X X X X X X X X
Adaptações e
qualificação
X
Adaptações pós
qualificação
X X
54
4.2 Categorias de análise
A medida que a pesquisa foi avançando, outros encontros foram realizados, primeiras
versões de materiais entregues e orientações foram dadas, também emergiram algumas
categorias de análise dessa pesquisa
Quadro 4: Avaliação dos alunos
Conhecimento Mesmo com algumas dificuldades nos
temas pesquisados, os estudantes
demonstraram ter um conhecimento prévio
sobre a temática, em alguns casos
equivocados e em outros, necessitando de
adaptações. Na maioria dos casos, foi
possível observar que o que era senso
comum se consolidou como conhecimento
científico.
Interesse Uma das principais características do lúdico
é despertar a motivação dos estudantes.
Considerando a atividade proposto como
avaliativa, o uso do lúdico colaborou para
que não houvesse tensão, nem o caráter
formal dos demais processos avaliativos.
Mediação A principal função do professor/pesquisador
foi mediar e tentar influenciar de maneira
positiva para que os estudantes realizassem a
pesquisa apropriadamente e construíssem o
conhecimento. As adaptações necessárias ao
que os alunos já sabiam e também o trabalho
de pesquisa realizado pelos estudantes
refere-se ao conhecimento construído
Personificação Ao contrário dos outros métodos avaliativos,
o lúdico propicia a personificação em alguns
momentos do processo. Tanto pesquisador,
quanto pesquisados puderam demonstrar
marcas e características pessoais, que
contribuíram para a pesquisa.
4.2.1 Conhecimento
No decorrer da pesquisa, surgiu a necessidade de classificar o conhecimento prévio
dos estudantes como categoria de análise dos resultados. Isso porque, em determinadas
55
situações, só foi possível diagnosticar as dificuldades e o que precisaria ser trabalhado, após
debates, entrega de materiais prévios e dúvidas expostas em sala de aula. Em poucas
oportunidades no decorrer do ano letivo, os estudantes puderam se expressar e refletir sobre o
conhecimento que já possuíam e que foi construído, em um grau tão intenso.
Em meio a tantas opiniões e questionamentos, o professor e pesquisador não ignorou a
relevância de cada uma delas para realizar as intervenções e colaborar para que o
conhecimento pudesse ser construído e personificado. Por essa razão, o conhecimento foi
colocado aqui como a primeira categoria de análise.
Pelizzari (2002) descreve a importância do conhecimento prévio:
A aprendizagem é muito mais significativa à medida que o novo conteúdo é
incorporado às estruturas de conhecimento de um aluno e adquire significado para
ele a partir da relação com seu conhecimento prévio. Ao contrário, ela se torna
mecânica ou repetitiva, uma vez que se produziu menos essa incorporação e
atribuição de significado, e o novo conteúdo passa a ser armazenado isoladamente
ou por meio de associações arbitrárias na estrutura cognitiva. (Pelizzari 2002)
O novo conhecimento colabora para que seja estabelecida uma relação com o
conhecimento prévio e a incorporação de outro significado seja realizada. É nesse sentido que
ocorre o diagnóstico, por parte do professor-pesquisador. A partir daquilo que o estudante
sabe ( ou julga saber) e das habilidades que possui, o professor deve, através da coleta e
análise dos dados, intervir para ampliação/construção de conhecimento e desenvolvimento das
habilidades, como Luckesi (1978) afirma:
O ato de avaliar implica coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto
da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se processa a
partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado
padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O valor ou
qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a favor ou contra
o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou qualidade atribuídos, conduz a
uma decisãonova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele. (Luckesi, 1978,
p.197)
Um dos momentos em que o conhecimento prévio ficou evidente e pôde ser
trabalhado quando, no segundo encontro com a turma, mais especificamente com um dos
grupos, os próprios alunos conseguem perceber a importância da diferenciação de alguns
conceitos na produção do jornal. A seguir, uma parte do diálogo é transcrita:
Professor: Esse é o grupo que fala sobre aplicações da
radioatividade?
Aluna 1: É. A gente até leu algumas coisas sobre isso. Só não
entendemos “uns negócios que falava lá” sobre usina nuclear, que
ela transforma energia.
56
Professor: Então, na realidade a energia não é gerada, é convertida,
transformada. Por exemplo, uma hidrelétrica, que é a principal fonte
usada no Brasil, transforma a energia potencial em elétrica. A usina
nuclear transforma energia nuclear em eletricidade.
Aluno 2: No resto do mundo é mais a carvão?
Aluna 3: A carvão polui mais né? Verdade que usina nuclear não
polui?
Professor: Os impactos ambientais são bem menores, a não ser que
algum acidente aconteça. Já é até interessante vocês falarem disso e
deixarem como ponte para o outro grupo.
Em um pequeno trecho do diálogo, já pode-se observar o conhecimento. O aluno 2
demonstrou que sabia algo sobre diferentes tipos de energia e a aluna 3 sabia um pouco sobre
os impactos ambientais gerados. O conhecimento foi ampliado com a intervenção do
professor, ao dar uma breve explicação sobre conversão (diferente de geração) de energia.
Também foi possível observar que boa parte dos estudantes possuiam um
conhecimento prévio, antes mesmo de algumas orientações serem dadas. Um dos grupos tinha
a responsabilidade de fazer uma entrevista com uma das vítimas e, logo após a entrevista, era
evidente que novas informações foram acrescentadas a algumas já possúidas.
Aluno 1: aí no final da conversa, ele também falou que o governo não
está cumprindo a parte dele, que não estão recebendo a pensão que
foi prometida, que os remédios atrasam direto. Tem gente que tem
processo até hoje, tentando receber algum dinheiro, porque teve
muita demora em começar o tratamento. È igualzinho no filme. Eles
iam no médico, e o médico passava qualquer remédio pra eles. Nem
sabiam direito o que era. Depois de muito tempo, que a polícia
apareceu lá, mas todo mundo desprotegido, achando que era bomba.
Diz que tem gente que até hoje pergunta pra ele, se ele ainda brilha.
Quando o estudante diz “é igualzinho no filme”, houve uma constatação de que o
conhecimento prévio possuído por ele realmente condizia com a realidade da situação,
observada no filme que o professor passou antes e apurada durante a entrevista. Entra aqui,
uma importante característica do Jornal como método lúdico: o ensino investigativo.
57
Um outro grupo ficou responsável por desmistificar a radiação. No primeiro diálogo
com o grupo, também ficou claro que já havia um conhecimento prévio sobre os benefícios da
radiação, o que agilizou e dinamizou as orientações aos mesmos:
Professor: O grupo de vocês tem uma missão importante, que é
desmistificar a radiação como algo ruim.
Aluno 2: O que poderia falar, por exemplo de bom? Porque, tipo
assim, a gente sabe de usinas, mas pra gente aqui em Goiás, não tem
nada a ver.
Professor: Várias coisas (o conteúdo sobre radioatividade ainda
estava em andamento naquela turma). Vocês podem falar da
radioatividade em hospitais, sua utilização em aparelhos de raios X,
tratamentos de Radioterapia. Podem ajudar a desmistificar sobre o
uso de celular, se é nocivo ou não, funcionamento de microondas,
geração de energia por usinas nucleares, o que não faz parte do
nosso cotidiano, mas pode servir de ponte para outro grupo que vai
falar sobre isso. Enfim, tem muitas possibilidades.
Nota-se aqui que foi possível diagnosticar que havia um conhecimento prévio, sobre
aplicações da radioatividade, porém, pouco relacionado ao cotidiano do aluno. Mas somente a
partir do que os estudantes sabiam, foi possível a construção de um conhecimento e a
orientação/intervenção por parte do professor.
O objetivo final de um processo avaliativo não deve ser simplesmente diagnosticar
dificuldades ou aferir notas. É certo que o diagnóstico é relevante, mas sem um tratamento
adequado, reflexão acerca dos dados obtidos e utilização dos mesmos para contrução de
conhecimento e desenvolvimento de habilidades, se torna, no mínimo, incondizente com a
função de um educador.
O conhecimento configura-se como contínuo e infindável. Quando há o diagnóstico e
o professor conscientiza-se daquilo que os estudantes sabem, torna-se possível o planejamento
de atividades e ações de intervenção, para construir e reconstruir saberes e gerar nos
estudantes os conflitos cognitivos necessários para que isso ocorra. O lúdico, nesse caso
específico, o jornal, surge como uma atividade sutil e eficaz para cumprir esse propósito.
Hoffmann (2005) descreve a importância desse processo pós diagnóstico, de observador para
provocador:
Nesse sentido, a visão de educador/avaliador ultrapassa a concepção de alguém que
simplesmente observa se o aluno acompanhou o processo e alcançou resultados
58
esperados, na direção de um educador que propõe ações diversificadas e provoca,
questiona, confronta e exige novas e melhores soluções a cada momento(Hoffmann,
2005,p.77)
Nesse sentido, a mesma autora fala da consolidação do que é conhecimento prévio ou,
menos ainda, senso comum, em conhecimento científico e adquirido:
Caminhos do conhecimento científico: 1) O professor está permanentemente atento
às concepções e seu modo de expressar-se sobre elas para poder organizar questões;
2) A partir de concepções prévias dos alunos e dos vários interesses demonstrados,
amplia-se e diversifica-se o leque de objetivos; 3) o professor organiza momentos de
estruturação do pensamento.Uma boa avaliação deve ser provocativa, levando o
avaliado a refletir acerca das questões a respeito de pontos que poderiam passar
despercebidos. (Hoffmann,2005, p.86)
A construção do conhecimento, se não é o maior objetivo do trabalho do professor, no
mínimo deve ser o produto de um processo avaliativo e reflexivo. Alguns desses momentos
puderam ser verificados na pesquisa. Durante um dos diálogos, o professor solicitou aos
estudantes que expressassem em um gráfico, o resultado obtido a partir das entrevistas
realizadas. A resposta do estudante evidenciou sua percepção sobre a entrevista que há pouco
fizera:
Aluno 4: Professor, vem aqui por favor pra dar uma olhada. A gente
já fez a entrevista e tentamos fazer esse gráfico aqui! ( o aluno mostra
um gráfico, em formato de “pizza”, com a porcentagem equivalente
as respostas dos entrevistados)
Professor: Exatamente isso que quero, G. Só que usem o excel para
fazer esse gráfico. Também tentem dar uma menor classificação
possível para as respostas, o que tornará nosso resultado mais
evidente.
Aluna 4: que resultado?
Professor: Boa pergunta. Que resultado? Olhem para o gráfico e me
digam.
Aluno 5: Que a maioria das pessoas não sabe nada de radioatividade
e acham que é só coisa ruim. Por isso que a gente tem que colocar
nossa entrevista no jornal antes do outro grupo falar de raios X, de
microondas, de radioterapia.
Quando o aluno 5 falou: “ A gente tem que colocara nossa entrevista no jornal antes
do outro grupo falar de raios X, de microondas, de radioterapia”, ele demonstrou ter um
conhecimento prévio do que era radioatividade e de que a mesma tinha utilidade no cotidiano,
59
pois seu grupo ainda não tinha entrado em contato com o grupo que falaria sobre
Radioatividade no cotidiano e o jornal ainda estava em fase elaboração.
O gráfico em formato de pizza, citado pelo aluno foi refeito e apresentado para o
professor. Antes da proposta do jornal, o tema Radioatividade foi introduzido aos estudantes
pelo filme “Césio 137, o pesadelo de Goiânia”. Nessa data, duas aulas de 50 minutos foram
destinadas ao filme, que tem aproximadamente uma hora e meia de duração. Alguns minutos
restaram para algumas dúvidas e aulas posteriores, foram utilizadas para debates sobre o tema.
Durante as discussões e enquanto o filme (Césio 137- o pesadelo de Goiânia) foi
passado aos estudantes, era comum ouvir de alguns deles: “nossa, que povo sem noção”,
referindo-se a ingenuidade das vítimas ao entrar em contato com a radiação, ou até mesmo,
alguns dos estudantes atribuíram adjetivos às vítimas. Para que isso cessasse, o professor
precisou parar o filme e pedir que os estudantes parassem.
Em um dos materiais entregues, novamente voltou-se ao assunto. Um deles lançava
uma provocação sobre a culpabilidade no acidente. Isso gerou um interessante debate e um
questionamento: se uma situação parecida acontecesse, de algum material radioativo ser
abandonado em algum local, Goiânia estaria livre de um novo acidente nos dias atuais?
Para responder essa pergunta, os estudantes se propuseram a fazer entrevistas em diferentes
regiões de Goiânia. De acordo com a classe social, localização, idade e grau de instrução,
diferentes respostas foram obtidas.
Apenas três perguntas foram feitas na entrevista, que foi realizada com 50 pessoas em
três setores da capital.
1) O que você entende por radioatividade?
2) Já ouviu falar sobre Césio 137?
3) Cite dois materiais que contenham radioatividade.
Por meio das respostas obtidas, os próprios estudantes fizeram um gráfico, que
posteriormente foi editado pelo professor, referindo-se ao conhecimento dos entrevistados
sobre a radioatividade. Dos 50 entrevistados, 4 não souberam responder nenhuma das três
perguntas. 10 pessoas responderam satisfatoriamente apenas uma das perguntas. 22 dos
entrevistados responderam a três questões satisfatoriamente e 14 entrevistados responderam
todas as perguntas de maneira concisa e coerente. Também foi possível concluir que,
dependendo da região onde houvesse o suposto abandono de material radioativo, outro
acidente, com sérias consequências, poderia ocorrer.
60
Figura 1 - Gráfico obtido pelos alunos a partir dos questionamentos da entrevista.
Através da análise do conhecimento inicial e a formalização do mesmo em
conhecimento científico, a ação diagnóstica e função de intervenção ( que também é categoria
de análise), se tornam possíveis. De acordo com Hoffmann (2005): “Daí um processo
avaliativo mediador acarreta uma organização do ensino que torne os alunos produtores de
conhecimento”. A construção de conhecimento exposta aqui, seria o resultado final de um
plano de ação, após um diagnóstico inicial. Sem esse resultado, a avaliação e todo o processo
envolvido, nada mais teria sido senão burocracia. Vianna (2005) alerta:
Avaliação, sem o complemento de planos de ação, tende a ser uma atividade
burocrática, que aos poucos perde o seu significado, passa a ter efeitos nulos e gera
reações adversas, que se propagam em cadeia dentro do sistema. A avaliação passa a
ter um efeito negativo, contrário ao que seria desejável (Vianna, 2005, p.152)
Antes da confecção do jornal e após os debates, o professor solicitou aos estudantes
que pesquisassem sobre os temas ligados a radioatividade. Em algumas das pesquisas, como
no recorte abaixo (Figura 2), foi possível observar o conhecimento construído:
Conhecimento sobre radioatividade e o acidente com o Césio 137
Não sabem Sabem pouco Conhecimento considerável Excelente conhecimento
61
Figura 2 - Recorte de pesquisa de alunos sobre armas nucleares.
No trabalho solicitado, cada estudante deveria, mesmo que utilizasse a internet como
ferramenta de pesquisa, entregar manuscrita, acrescida de uma conclusão sobre o tema. A
conclusão recortada acima contém na penúltima linha o termo “poder bélico”, que já mostra
um conhecimento sobre armas nucleares, efeitos e consequências, além de um conhecimento
histórico sobre o tema, relatado três linhas acima, quando a autora se refere as bombas de
Hiroshima, Nagasaki e a Segunda Guerra mundial.
4.2.2 Interesse
Despertar o interesse e motivar os estudantes para a atividade avaliativa, certamente é
uma das justificativas para o uso do lúdico nessa pesquisa. Em vários momentos da pesquisa
os estudantes se mostraram interessados em desenvolver o projeto e pesquisar sobre os temas.
Uma das motivações é o fato de os temas terem sido escolhidos pelos próprios. Kishimoto
(1994) justifica a motivação muitas vezes despertada pelo lúdico:
62
No contexto cultural e biológico as atividades são livres, alegres e envolve uma
significação. É de grande valora social, oferecendo possibilidades educacionais,pois,
favorece o desenvolvimento corporal, estimula a vida psíquica e a inteligência,
contribui para a adaptação ao grupo preparando para viver em sociedade,
participando e questionando os pressupostos das relações sócias. (Kishimoto1994,
p.13)
Mais do que utilizar o lúdico como proposta de avaliação, é necessário dar
significação a mesma, possibilitando aos estudantes perceber seu próprio desenvolvimento
através da proposta e vislumbrar que a mesma não é somente uma “avaliação a mais”.
No trabalho de pesquisa solicitado pelo professor antes da elaboração do jornal,
também se observou o interesse da turma pela temática, considerando que somente dois
alunos não entregaram a pesquisa e nenhuma atribuição de nota foi combinada com os
estudantes. Em alguns dos trabalhos, os estudantes fizeram até mais do que o professor
solicitou. Um deles, é recortado a seguir, por se primar pela organização e estruturação:
Figura 3 - Recorte de pesquisa de alunos sobre armas nucleares, destacano o interesse.
Figura 4 – Continuação da pesquisa sobre armas nucleares
63
De todas as categorias de análise, o interesse foi a mais percebida durante a pesquisa.
Coube ao pesquisador filtrar esse interesse, de maneira que os resultados esperados fossem
atingidos. Em alguns desses momentos, os estudantes sugeriram alternativas para enriquecer a
pesquisa. Nesse caso, houve um cuidado do pesquisador para não desmotivar os estudantes
quando se perguntou sobre a pesquisa na internet. Ao se tratar de um trabalho autoral, o
pesquisador pede aos estudantes que evitem o uso exagerado dessa ferramenta, até porque a
mesma pode conter erros e conceitos equivocados.
De igual modo, a temática radioatividade, aliada ao lúdico, despertou o interesse dos
estudantes do segundo ano:
Aluna 3: professor, como que é o nome do cara lá da associação das
vítimas?
Professor: Odessom
64
Aluna 3: Odessom, achei que era outro nome. É aquele da mão
machucada ( a aluna sinaliza com as mãos)
Professor: Sim.
Aluna 3: E é fácil falar com ele?
Professor: Normalmente ele é bem acessível. Eu tenho aqui o número
dele (passei para a aluna)
Aluna 3: Só que a gente mudou de idéia. Além da entrevista com
alguém do Césio, que a gente mesmo vai fazer, vamos procurar
também na internet alguma entrevista com alguma vítima de
Chernobyl.
Professor: Então serão duas, e vocês vão fazer tipo um comparativo?
Aluna 3: Isso! A ideia é essa mesmo.
Aluno 2: A gente já conseguiu falar com uma das vítimas. Ai o que
ele falou pra gente e eu pude perceber, que o acidente daqui foi bem
menos grave, só que em Chernobyl, as autoridades agiram mais
rápido, tipo já evacuaram o lugar logo, se preocuparam. Aqui, ele
disse que demorou muito pro povo saber o que tava acontecendo. O
Devair mesmo passou pra todo mundo, distribuia pros vizinhos uns
pedacinhos do Césio. Disse que ele tava perto uma vez que o Devair
apontou a cápsula pra ele e na hora ele sentiu um pequeno calor, mas
quando pegou as pedrinhas não sentiu nada. Só mais tarde mesmo
que sentiu. A mulher dele brigou com ele, falando pra ele não ficar
mexendo com essas coisas.
Professor:Você leu isso?
Aluno 1: não, a gente foi lá. Conseguimos falar pessoalmente
Nesse caso, os estudantes fizeram até mais do que o solicitado pelo professor. Aqui
pode se notar que o interesse contribuiu para enriquecer a pesquisa, principalmente no que se
refere aos detalhes do acidente ocorrido em Goiânia.
Sobre o interesse e motivação, Soares (2008) destaca: “se a atividade não tiver sentido
para o aprendiz, se não despertar o interesse e por consequência, a motivação, ele
simplesmente estará fingindo que aprende. É nesse ponto que propomos o jogo para ensinar”.
65
Assim, como o lúdico desperta o interesse, se torna um firme apoio e alternativa
plausível para dinamizar processos avaliativos, que dependem intensamente também do
interesse do avaliado. Hoffmann (2008) descreve essa necessidade:
A uma avaliação a serviço da aprendizagem do aluno, da formação, da promoção, da
cidadania. À mobilização, á inquietação, na busca de sentido e significado para essa
ação. À intenção de acompanhamento permanente, de mediação e intervenção para
melhoria de aprendizagem.( Hoffmann, 2008, p.91)
Além da discussão sobre o formato do jornal, ou de sugestões para enriquecer a
pesquisa, os alunos também demonstraram interesse a partir de algumas ações.
No trecho acima, é possível observar que a motivação foi despertada por meio da
atividade diferenciada e que o conhecimento foi aprofundado. Outro ponto observado é a
presença constante do processo avaliativo em todos os diálogos, onde o professor tenta fazer
com que os alunos relacionem o que foi produzido, com as temáticas dos outros grupos,
observando também a evolução dos estudantes dentro do processo avaliativo. Em alguns
casos, isso foi observado e avaliado, em outros, a intervenção foi necessária. Uma dessas
situações é citada a seguir:
Aluno 1: A gente tem que tomar cuidado pra não entrar na parte de
outro grupo.
Aluno 2: Parece que eles estão falando da mesma coisa que a gente.
Nesse momento o professor chama dois alunos de cada grupo e se
dirige a eles:
Professor: Os temas estão interligados, mas são diferentes. Vocês vão
abordar o Histórico do acidente, mas enfatizando o que aconteceu e
foi divulgado na mídia. O outro grupo vai elaborar uma reportagem
investigativa. Eles vão falar superficialmente sobre o Histórico ou até
usar o que vocês já falaram, mas vão enfatizar a entrevista com uma
das vítimas, trazer informações novas.
Aqui se observa que existia um interesse em cumprir a “tarefa” designada pelo
professor, mas com preocupação em não prejudicar o outro grupo. Sem a orientação do
professor, provavelmente os grupos não teriam sintonizado-se.
4.2.3 Mediação
Em uma atividade lúdica, totalmente diferenciada dos processos avaliativos pelos
quais os estudantes estavam acostumados a passar, a mediação do professor era inevitável. A
intenção maior era que o processo mediativo fornecesse embasamento para que os estudantes
66
reconhecessem o caminho correto para aprofundamento no assunto abordado e que os erros
cometidos pudessem ser convertidos em acerto. A mediação, no presente trabalho, é um
caminho equilibrado entre a intervenção e a orientação.
Em várias situações, os estudantes se mostraram receiosos, questionadores e até mesmo
dependentes de orientações. A autonomia para a produção do Jornal da Química foi
concedida, mas na maior parte do tempo, os estudantes não se mostraram preparados para
isso.
Ao falar sobre avaliação mediadora, Hoffmann ( 2008) esclarece:
O sentido da avaliação está em fornecer informações ao aluno que o ajudem a
progredir até a auto aprendizagem, oferecendo-lhe notícias do estado em que se
encontra e as razões do mesmo, para que utilize esse dado como guia de auto
direção, meta da educação(Hoffmann, 2008, p.27).
Após falar sobre a função da mediação para que o estudante caminhe a autonomia, a
mesma autora, fala sobre o sistema cognitivo dos estudantes, suas acomodações , suas
assimiliações ( conhecimento) e idéias novas a serem construídas ( interesse, mediação e
personificação), o que nos leva as categorias analisadas nesse trabalho.
Como o sistema cognitivo é uma totalidade que se conserva nas assimiliações e
acomodações, as idéias novas podem ser redefinidas pelo sujeito em função de suas
crenças e experiências anteriores. O novo aprendido precisa ser significativo para o
sujeito que aprende, e portanto ele precisa ser sujeito dessa aprendizagem. É nesse
processo de formulação e reformulação de conceitos na construção do conhecimento
que a avaliação deve assumir o seu papel.( Hoffmann, 2008, p.78)
A mediação do professor foi necessária em alguns momentos para despertar o
processo criativo dos estudantes e também para estimular um trabalho de pesquisa de cunho
científico. Um desses momentos é observado a partir da transcrição a seguir:
Aluno 1: Professor, a gente já pesquisou sobre algumas vítimas. O tio
da aluna X morava lá perto na época e contou algumas coisas pra
gente, por exemplo que quando os policiais foram chamados pra lá,
eles achavam que era bomba, ninguém nem sabia que era radiação.
Aluno 2: Tem um tio meu que morava lá perto também. Falou que o
quarteirão todo ficou isolado.
Professor: É interessante ouvirmos muitas informações, mas não
podemos esquecer que o objetivo central do trabalho é a Química.
Aluno 3: Você que pediu a entrevista professor.
Professor: Sim, mas a entrevista é pra fazer parte do jornal e não ser
a única informação presente nele. Vocês podem argumentar o fato de
o terreno estar vazio até hoje e por quê, questionar se ainda há
67
radiação no local, por que os móveis e outros pertences viraram lixo
radioativo. Dá pra abordar o conceito de período de meia vida, que já
estudamos.
Mesmo com essas ações de mediação, o caráter lúdico da avaliação não diminuiu. Até
porque o lúdico tem em comum com a avaliação o fato de necessitar de uma mediação para
que o máximo de desempenho, de abstração possa ser obtido do estudante, conforme as
palavras de Winnicot (1975):
A luta do adolescente que hoje se faz sentir no mundo inteiro tem de ser enfrentada,
precisa receber realidade através de um ato de confrontação. A confrontação tem de
ser pessoal. Se é que os adolescentes querem ter vida e vitalidade, os adultos são
necessários. A confrontação é própria da contenção, que não é retaliatória, nem
vindicativa, mas possui sua própria força. É salutar lembrar que a atual inquietação
estudantil e sua expressão manifesta pode ser, em parte, produto da atitude que nos
orgulhamos de ter atingido em relação ao cuidado ddos bebês e infantil em geral.
Que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem os adultos a ver o mundo com
olhos novos, mas onde houver o desafio do rapaz ou da moça em crescimento, que
haja um adulto para aceitar o desafio.Embora ele não seja belo, necessariamente.
(Winnicot 1975, p.202)
As orientações, não tinham somente perspectiva conceitual. Os estudantes, de maneira
geral, tinham dificuldades em pesquisar ou usar adequadamente as ferramentas disponíveis (
no caso citado sobre a internet, por exemplo).Alguns, tiveram problemas de relacionamento
interno no grupo, o que teve de ser contornado pelo professor. Outros, tinham dificuldade em
como organizar seu trabalho, sem perder a tendência lúdica do mesmo
Deve-se considerar também a heterogeneidade da turma, que conforme discutido no
capítulo II, é um desafio para o processo de avaliação. Nessa linha, é que o lúdico configura-
se como ótima opção, já que o professor consegue uma aproximação no processo, que em
outras oportunidades não conseguiria, como defende Hoffmann ( 2008):
A disposição do aluno num ou noutro sentido é produto de diversas variáveis no
processo de ensino aprendizagem, tais como o nível de exigência de uma tarefa
proposta, o tempo disponível ao aluno, bem como a ajuda do professor, o incentivo e
o diálogo, que podem contribuir para levá-lo a tratar a tarefa sob um ou outro
enfoque. A partir dessas considerações, percebe-se a grande complexidade do
processo avaliativo ao lidar com estudantes que apresentam compromissos pessoais
ou profissionais diferenciados, variada formação prévia, afora características
pessoais próprias.(Hoffmann, 2008, p.125)
No trabalho de pesquisa, também foi realizada uma devolutiva, após algumas
considerações e comentários realizados pelo professor, afim de que assim como as palavras de
Hoffmann (2008), “o diálogo contribua para levá-lo a tratar a tarefa sob um ou outro
enfoque”. O processo mediador foi constante, não só nos debates, mas também na avaliação
dos materiais produzidos e pesquisas realizadas pelos estudantes.
68
Figura 5- Recorte de pesquisa de alunos sobre o acidente com o Césio 137
4.2.4 Personificação
A quarta categoria de análise refere-se a personificação, ou seja, o surgimento de
marcas e características pessoais que colaboraram para o trabalho. Em avaliações tradicionais,
a personificação dificilmente emerge, mas com o uso do lúdico, isso se torna possível e até se
torna um fator determinante para que haja aprendizagem. Se não houvesse personificação ou
se a atividade lúdica proposta despertasse o interesse somente do professor, a proposta lúdica
perderia o sentido e o método de avaliação se assemelharia a outros métodos tradicionais.
Essa relevância é verificada em concordância com Kishimoto:
O jogo infantil só pode ser jogo quando escolhido livre e espontaneamente pela
criança. Caso contrário, trabalho ou ensino; controle interno : no jogo infantil, são os
próprios jogadores que determinam o desenvolvimento dos acontecimentos. Quando
o professor utiliza um jogo educativo em sala de aula, de modo coercitivo, não
oportuniza aos alunos liberdade e controle interno. Predomina, neste caso, o ensino,
a direção do professor. (KISHIMOTO, 2001, p. 26)
Além de respeitar a individualidade dos estudantes, na mediação, sempre procuramos
incentivar a criatividade dos estudantes e apoiar as propostas iniciais de trabalho. Após o
interesse, a motivação e a criatividade, surgiram as marcas pessoais nessa criação, o que
rendeu surpresas positivas durante os encontros com os estudantes. Uma dessas surpresas está
relatada abaixo:
69
Aluno 1: Professor, vem aqui pra você ver a página de
entretenimento como está ficando.
Professor: Esse desenho é o que?
Aluno 1: É o mascote do jornal. A gente que pensou na máscara
radioativa.
Aluno 2: Além disso, a gente pensou no jogo dos sete erros, usando o
Homer Simpson, que trabalha numa usina nuclear.
Professor: Gostei muito, mas tá faltando algo no trabalho de vocês.
Tem entretenimento, as ideias são boas, mas e a parte Química? O
que vocês podem mostrar sobre conhecimento químico?
Aluno 2: O aluno X tinha falado pra gente fazer palavras cruzadas.
Professor: Sim, podem fazer. Vocês já aproveitam e incluem nas
pistas para identificar as palavras, aqueles conceitos que vocês já
conhecem ou estudaram.
Observa-se nesse momento, que o grupo foi avaliado positivamente pelo professor,
por ter tomado uma iniciativa e que, após a leitura, uma sugestão é dada, porém preservando a
personificação demonstrada. Mesmo tendo compromisso com a mudança, com a melhoria,
com a construção do conhecimento, a autonomia do pensar e do viver criativo foram
mantidos. Isso é totalmente condizente com o lúdico e com a avaliação mediadora, conforme
Vianna (2005):
A avaliação não é, entretanto, conservadora; pressupõe um certo gradualismo,
exigência do próprio pensar educacional, mas o seu compromisso real é com a
mudança e a transformação que somente a partir dela ( avaliação) pode resultar.
Avaliação nada tem a ver com a manutenção do status quo , a reprodução do
pensamento acabado; a avaliação não gera um quadro de revolução, mas conduz a
mudanças desejáveis, com as quais está comprometida. (Vianna, 2005, p.122)
A personificação e incorporação lúdica não foi observada somente em diálogos com os
estudantes, mas na produção final do material e também na pesquisa manuscrita. No trecho a
seguir, a estudante inicia sua conclusão com a frase “o que eu entendi”, que mostra a
personificação e a possibilidade de explicitar com suas próprias palavradas (sem ser rotulada)
o que entendeu sobre o assunto.
70
Figura 6 – Recorte de uma pesquisa de aluno sobre o acidente com Césio 137
Marcas de linguagem, características dos estudantes e até mesmo a desinibição dos
mesmos nas últimas filmagens. A atividade foi tão bem aceita e houve tanta empolgação com
o resultado final, que os estudantes sugeriram para que seus nomes saíssem no final, com as
fotos, como redatores do jornal, o que foi prontamente aceito.
Além dos avaliados, o avaliador também explicitou marcas pessoais durante o
processo, tanto na maneira como orientava os estudantes, quanto na condução das reuniões. A
intenção era que houvesse liberdade para criação, porém sem fugir do tema e sem perder a
71
essência científica do trabalho. Na entrega de materiais ao professor, outra característica
pessoal: inicialmente um material prévio foi entregue, lido e corrigido pelo professor e
devolvido aos estudantes para as devidas correções. Com isso, foi possível cumprir o
propósito de diagnosticar algumas dificuldades dos estudantes, para trabalhá-las nas reuniões
que procederam essa entrega.
4.3 O Jornal como atividade lúdica
Desde o início dos estudos sobre a Avaliação e a ideia inicial de pesquisar sobre uma
metodologia alternativa, o Lúdico mostrou-se uma forma bastante atrativa. Além da utilização
dos Jogos, que permitem também uma avaliação quantitativa, o que talvez possa vir a ser
fruto de uma futura pesquisa, o Jornal surgiu como uma alternativa viável para despertar
algumas virtudes adormecidas durante as aulas expositivas e avaliações formais:
Interesse: desejo de participar da atividade e não somente ser um expectador.
Participar da aula e não assisti-la somente;
Criatividade: utilizar o lado criativo para relacioná-lo ao que está sendo ensinado e
aprendido, de maneiras diversas;
Interação: trabalhar em grupo, com maior proximidade dos outros colegas e do
professor, o que raramente ocorre em outros momentos. Com isso, o conflito de ideias
é mais comum, o que pode consolidar saberes;
Criticidade: O senso crítico torna-se bastante apurado, uma vez que para produzir o
jornal, diversas leituras e debates foram realizados.
Destaco aqui o último ponto, pois esse é o diferencial do Jornal, ao ser usado como
método avaliativo. Desde o início, foi solicitado aos estudantes que o material produzido
tivesse o máximo de caráter autoral. Para escrever sobre os temas solicitados, o conhecimento
é necessário. Por isso, o trabalho prévio de pesquisa, feito pelos estudantes, foi indispensável.
Após a pesquisa, iniciou-se o processo de escrita, onde foi possível observar a perspectiva
crítica, característica do jornal.
Para atingir um número maior de leitores, um grupo de estudantes propôs que o Jornal
além de impresso, tivesse seu conteúdo divulgado na internet. A sugestão foi prontamente
aceita, pois sabe-se que há uma crise dos jornais impressos e a internet realmente é um
veículo de comunicação com maior alcance, como aponta Rublescki (2010):
Historicamente, o jornal impresso se constitui relevante instrumento ideológico,
cultural, político e informativo da sociedade contemporânea. Certamente por isso e
72
na medida em que se acentua a crise financeira que o cerca, especialmente em países
plenamente desenvolvidos como França, Estados Unidos e Alemanha, discute-se o
esgotamento do modelo de negócios clássico dos jornais impressos, com leitores e
anunciantes como sua dupla base de financiamento. O surgimento da Internet
comercial nos anos 90 acelerou uma crise estrutural que já se delineava para os
jornais impressos, ao alterar rápida e sensivelmente a produção, circulação e o
consumo de informações. (Rublescki, 2010, p.26)
As três etapas de elaboração do jornal ficaram evidentes e foram fundamentais para
que o Jornal Daquímica chegasse aos leitores. A seguir, um detalhamento sobre cada uma:
Pauta: Os temas foram selecionados pelos próprios estudantes, o que motivou a
participação dos mesmos. Para cada sala, em cada momento, um tema poderia se
tornar relevante e segundo Rodrigues (1993 p.27) “o acontecimento jornalístico é, por
conseguinte, um acontecimento de natureza especial, distinguindo-se do número
indeterminado dos acontecimentos possíveis em função de uma classificação”
Elaboração da matéria: Certamente, esse foi o momento mais extenso e intenso da
pesquisa. Antes de elaborar a matéria, é necessário o trabalho de pesquisa. Em
seguida, o debate e as informações filtradas, além de julgar o que é relevante e o que
não é. A elaboração passa por enormes desafios, como afirma Traquina (1993):
Os jornalistas são freqüentemente obrigados a elaborar a notícia, a escrever a
“estória”, em situações de grande incerteza, com falta de elementos, confrontados
com terríveis limitações temporais, pressionados pela concorrência de outros órgãos
de informação. Ainda mais, precisam selecionar certos acontecimentos dentro duma
avalancha de múltiplos acontecimentos, fazendo escolhas quase imediatas, sem
grande tempo para refletir sobre o significado e o alcance histórico do que acaba de
acontecer e que “precisa” de ser informado imediatamente. (Traquina 1993,p.87)
Edição: A parte final do jornal, onde o material produzido foi filtrado de
maneira que informações e conhecimentos mais relevantes foram privilegiados, porém
com a intenção de tornar a leitura menos cansativa e mais dinâmica, desde a
formatação até o conteúdo das matérias.
Como o jornal é um processo criativo, as etapas relativas ao lúdico e construção do
conhecimento, descritas por Brock (2011) e já citadas no item 3.2 são especificadas a seguir:
Aquisição: Inicialmente, os estudantes possuíam um conhecimento, que foi
aperfeiçoado durante o trabalho de pesquisa. Quando os materiais prévios foram entregues,
analisamos e orientamos às alterações necessárias. Essa aquisição não seria possível no caso
da aplicação de uma prova formal.
73
Reestruturação: Frequentemente, o jornal precisou ser reformulado, tanto no modelo
previamente proposto, quanto na estruturação do mesmo. Em cada reunião, novas ideias eram
propostas e conjuntamente, foi decidido o que podia ser alterado.
Sintonização: A sintonização foi a etapa final da construção do conhecimento, descrita
por Brock (2011). Após a aquisição dos novos conhecimentos, da reestruturação, tanto do
material, quanto do cognitivo dos estudantes, os mesmos puderam identificar o
desenvolvimento que ocorreu após o processo avaliativo. Somente após a aquisição e
reestruturação, é que o jornal com temas químicos configurou-se para os estudantes como um
processo de avaliação.
A eficácia do brincar no contexto educacional, destacada em oito pontos por Moyles
(1992) e citadas no item 3.3, foram identificadas no Jornal Daquímica e especificados a
seguir:
1) Definição do brincar: A brincadeira foi definida no primeiro encontro. Definimos que
“brincaríamos de ser jornalistas” e que o objetivo central seria produzirmos um jornal com
temas químicos, definidos pelos estudantes, de acordo com os conteúdos abordados em cada
sala. Inicialmente, os estudantes não sabiam que se tratava de um processo avaliativo, para
que fosse preservado o sentido lúdico da proposta.
2) Valor das pesquisas: Diversos trabalhos já foram publicados, evidenciando a eficiência
do ensino de Química com métodos lúdicos, assim como várias pesquisas que incentivem o
uso de avaliações alternativas. A intenção foi unir as duas ações em uma mesma pesquisa.
Assim como o pesquisador realizou a pesquisa prévia, os estudantes também realizavam
pesquisas de aprofundamento de saberes e percebiam que ocorria o aprendizado, a cada
encontro.
3) Habilidades: Os grupos foram divididos por afinidades, mas na maioria dos casos, de
acordo com as habilidades de cada um. Para citar: o grupo de entretenimento. Os alunos
considerados “difíceis” e que não tinham tanta habilidade na escrita, foram responsabilizados
por construir a página de entretenimento do jornal. Os alunos que antes eram colocados como
mal comportados, se mostraram muito criativos e puderam mostrar habilidades que não eram
verificadas nas provas formais.
4) Registros: Os encontros foram registrados por um grupo de estudantes, em um caderno
ou papéis, que se tornaram praticamente um diário de bordo. Solicitamos também que os
estudantes nos acompanhassem nas “visitas” aos grupos e filmassem cada diálogo. As
74
transcrições e os diários foram analisados constantemente, para que as visões diferentes
fossem obtidas.
5) Papel do adulto: A intervenção não foi necessária, considerando a maturidade pessoal
e cognitiva de todos os envolvidos na pesquisa, mas a mediação foi frequente, em cada
encontro e orientação, bem como nos processos já descritos acima de aquisição,
reestruturação e sintonização.
6) Necessidades: O jornal foi uma alternativa simples de avaliação. Poucos recursos
foram necessários. Precisamos de tempo, tanto na escola, quanto fora dela. As próprias aulas (
seis aulas para cada turma) foram utilizadas para as reuniões, alguns livros e revistas sobre o
tema e a pesquisa na internet, que foi realizada na residência dos próprios alunos. Na
finalização do projeto, poucas cópias do jornal foram impressas, sendo que seu conteúdo ficou
disponível na internet, o que é uma adaptação as novas tendências de mídia.
7) Currículo: As turmas de primeiro e segundo ano desenvolveram o trabalho e os temas,
escolhidos pelos próprios estudantes, foram propostos de acordo com o conteúdo de cada
turma. O 1° ano produziu um material com base em Química da Saúde, também com alguns
subtemas focados na Bioquímica, enquanto o 2°Ano desenvolveu um trabalho sobre
Radioatividade. O jornal Daquímica mostrou-se também interdisciplinar, ao analisar alguns
fatos históricos ligados a Radioatividade e os aspectos biológicos ligados a Bioquímica.
8) Instrumento diagnóstico: Os encontros, transcrições e trabalho de pesquisa, serviram
para diagnosticar as dificuldades dos estudantes, que foram trabalhadas nos encontros
posteriores, até que o material estivesse totalmente pronto. As categorias de análise:
conhecimento, interesse, mediação e personificação, estão diretamente ligadas ao instrumento
diagnóstico, que é o principal sentido da proposição do lúdico como alternativa.
75
CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo avaliativo descrito nesse trabalho centrou-se no objetivo de propiciar aos
estudantes uma oportunidade para reflexão. Para propiciar a reflexão, o processo foi composto
de diferentes instrumentos avaliativos. Dentre eles: pesquisas, adaptação e correção do
material pesquisado, filme e aulas expositivas, seguidas de debates, além das discussões em
grupos.
Dificilmente pode se considerar uma avaliação como reflexiva se não houver
reorganização, tanto do saber, quanto das estratégias de ensino. De acordo com Hoffmann
(1991):
Uma das mediações pela qual se encoraja a reorganização do saber. Ação,
movimento, provocação, na tentativa de reciprocidade intelectual entre os elementos
da ação educativa. Professor e aluno buscando coordenar seus pontos de vista,
trocando ideias, reorganizando-as ( Hoffmann 1991; p. 67).
O erro não deve ser procurado ou provocado em um processo avaliativo, mas é de
fundamental importância que seja tratado corretamente, para que assim, o conhecimento seja
construído ou reorganizado. O erro deve gerar no avaliador a reflexão sobre como será feito o
tratamento dos dados obtidos e o enfoque dado nas próximas aulas e no educando, a reflexão
acerca do conteúdo que não foi construído adequadamente. Para Luckesi ( 1993):
Ocorrendo o insucesso ou o erro, aprendamos a retirar deles os melhores e os mais
significativos benefícios, mas não façamos deles uma trilha necessária de nossas
vidas. Eles devem ser considerados percalços na travessia, com os quais podemos
positivamente aprender e evoluir, mas nunca alvos a serem buscados (Luckesi 1993,
p.200)
Foi intencional que durante essa pesquisa, além de gerar reflexão e tratar
adequadamente o erro, houvesse a mediação (também colocada nos Resultados como
categoria de Análise). Esse conjunto, constituído por pesquisa pré-trabalho, devolutiva,
debates, reflexão a respeito dos erros, tinha uma pretensão: fazer com que o a construção do
Jornal Daquímica compusesse uma Avaliação Diagnóstica, Reflexiva e Mediadora, sem
caráter somativo, o que foi na contramão da maioria dos instrumentos avaliativos adotados
pela maioria das instituições de ensino.
A escolha do jornal foi motivada por se tratar de uma atividade lúdica, que dentre
diferentes funções, desperta o interesse dos estudantes (Soares 2008), dá possibilidades a
personificação ( Kishimoto, 1994), além de possibilitar a construção do conhecimento (
Huizinga, 2007).
76
Várias atividades lúdicas poderiam ser propostas, como por exemplo jogos de cartas,
tabuleiros e alguns outros exemplos de jogos utilizados para o ensino de química descritos na
literatura (Soares 2008). O jornal, no entanto, proporciona a oportunidade à criticidade e a
autonomia intelectual. Inicialmente, foi concedido aos estudantes a oportunidade para
embasamento sobre o tema e observou-se que os mesmos alunos que, durante o filme, na aula
inaugural sobre o tema Radioatividade adjetivavam as vítimas do acidente, ao final dos
debates, já atribuíram às autoridades e a falta de conhecimento da sociedade sobre o tema, a
culpa pelo acidente e as consequências desastrosas.
No âmbito avaliativo, houve também a tentativa de contribuir para a autonomia
intelectual dos estudantes, não somente diagnosticar e corrigir dificuldades. Talvez seja
pretensioso considera emancipatória a Avaliação defendida nesse trabalho, mas as
características são semelhantes. De acordo com Saul (1994), “A avaliação emancipatória
caracteriza-se por um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade,
visando transformá-la”( p.61). A mesma autora reflete sobre os objetivos de uma avaliação
emancipatória, que se assemelham aos objetivos descritos nesse mesmo trabalho:
A avaliação emancipatória tem dois objetivos básicos: iluminar o caminho da
transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas.
O primeiro objetivo indica que essa avaliação está comprometida com o futuro, com
o que se pretende transformar, a partir do autoconhecimento crítico do concreto, do
real, que possibilita a classificação de alternativas para a revisão desse real. O
segundo objetivo aposta no valor emancipador dessa abordagem, para os agentes
que integram um programa educacional (Saul 1994, p.61).
Até aqui, de alguma maneira, tentamos estabelecer uma qualidade formal ao nosso
trabalho a partir de seus resultados. No entanto, fomos provocados positivamente no intuito de
tentar estabelecer uma qualidade política a ele.
Os livros didáticos, em geral, abordam apenas um estudo técnico sobre radioatividade,
expondo superficialmente conceitos de partículas radioativas, período de meia vida, fissão e
fusão nuclear. Em alguns deles, observa-se a tentativa de contextualização, ao se falar sobre a
importância da radioatividade em medicina, datação com carbono 14, dentre outros conceitos.
Porém, uma das pretensões dessa pesquisa foi aliar os conceitos ligados ao tema
Radioatividade à Avaliação da Aprendizagem, de maneira que os estudantes envolvidos,
possam construir uma perspectiva crítica sobre a temática. Para tentar justificar essa
pretensão, podemos recorrer ao que foi discutido sobre o acidente radiológico em Goiânia.
Por se tratar de um tema relacionado ao contexto dos estudantes (alguns deles conheciam ou
passaram a conhecer vítimas desse acidente), iniciamos com um filme, debatemos sobre o
assunto, provocamos os alunos para que refletissem as razões para que o acidente chegasse às
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proporções que chegaram e posteriormente incentivamos às pesquisas sobre os temas. Com
essa sequência, esperamos não somente ter “ensinado um conteúdo de Química”,mas também
ter contribuído para que os alunos se tornem cidadãos críticos e conscientes acerca de algo tão
próximo a eles. Alguns deles concluíram que houve negligência das autoridades e expuseram
que em outras situações, negligenciar é uma prática comum dos governantes. Alguns
concluíram que outros conceitos químicos precisam ser conhecidos para evitar situações de
riscos.
Pretensioso ou não, o presente trabalho buscou em todos os instantes diagnosticar,
refletir, mediar e emancipar os estudantes em cada uma das etapas e instrumentos de todo o
processo avaliativo.
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APÊNDICE
O JORNAL PRODUZIDO PELOS ALUNOS