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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU PR 11 A 13 DE MAIO DE 2015 RESERVADO AO CBDB AVALIAÇÃO DE CRITÉRIOS DE FILTRO EM BARRAGENS DE TERRA ESTUDO DE CASO DA UHE COLÍDER Carina PIROLLI Engenheira Civil COPEL Geração e Transmissão S. A Rafael Tiago VENDRAMIN Engenheiro Civil COPEL Geração e Transmissão S. A RESUMO O modelo de gestão atual que busca redução de riscos, economia e maior qualidade na implantação de um empreendimento de engenharia é conhecido como Engenharia do Proprietário, EP ou ainda Owner’s Engineering. Esta modalidade de gestão, se configura como uma espécie de “seguro técnico” do empreendedor ativo nas diversas fases de implantação de um empreendimento. A COPEL pode ser considerada uma das pioneiras desta forma de atuação, tendo a sua primeira experiência no ano de 1998, durante a implantação do empreendimento da UHE Dona Francisca, no Rio Grande do Sul. Este trabalho objetiva apresentar um exemplo de atuação técnica da EP na barragem margem direita da UHE Colíder em sua implantação, que culminou na manutenção das especificações técnicas e condições de segurança da barragem. ABSTRACT The current management model that seeks to reduce risk, savings and increase quality in the implementation of an engineering project is known as Owner's Engineering, EP (Engenharia do Proprietário, in Portuguese). This management mode, appears as "technical safe" of the active entrepreneur in various stages of implementation of a project. Copel, can be considered one of the pioneers of this form of achievement, having its first experience in 1998, during the implementation of HPP Dona Francisca, in Rio Grande do Sul. It aims to present an example of technical procedure of the EP on the right bank dam HPP Colíder in its implementation, which resulted in the maintenance of the technical specifications and dam safety.

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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXX SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS FOZ DO IGUAÇU – PR – 11 A 13 DE MAIO DE 2015 RESERVADO AO CBDB

AVALIAÇÃO DE CRITÉRIOS DE FILTRO EM BARRAGENS DE TERRA

ESTUDO DE CASO DA UHE COLÍDER

Carina PIROLLI Engenheira Civil – COPEL Geração e Transmissão S. A

Rafael Tiago VENDRAMIN

Engenheiro Civil – COPEL Geração e Transmissão S. A

RESUMO

O modelo de gestão atual que busca redução de riscos, economia e maior qualidade na implantação de um empreendimento de engenharia é conhecido como Engenharia do Proprietário, EP ou ainda Owner’s Engineering. Esta modalidade de gestão, se configura como uma espécie de “seguro técnico” do empreendedor ativo nas diversas fases de implantação de um empreendimento. A COPEL pode ser considerada uma das pioneiras desta forma de atuação, tendo a sua primeira experiência no ano de 1998, durante a implantação do empreendimento da UHE Dona Francisca, no Rio Grande do Sul. Este trabalho objetiva apresentar um exemplo de atuação técnica da EP na barragem margem direita da UHE Colíder em sua implantação, que culminou na manutenção das especificações técnicas e condições de segurança da barragem.

ABSTRACT

The current management model that seeks to reduce risk, savings and increase quality in the implementation of an engineering project is known as Owner's Engineering, EP (Engenharia do Proprietário, in Portuguese). This management mode, appears as "technical safe" of the active entrepreneur in various stages of implementation of a project. Copel, can be considered one of the pioneers of this form of achievement, having its first experience in 1998, during the implementation of HPP Dona Francisca, in Rio Grande do Sul. It aims to present an example of technical procedure of the EP on the right bank dam HPP Colíder in its implementation, which resulted in the maintenance of the technical specifications and dam safety.

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1 INTRODUÇÃO

De acordo com Foster et. al (2000), levando em consideração a ruptura de 1.462 barragens, ressalta-se que a ocorrência de piping é a maior causa de rupturas. Em se tratando de fundação e barramento, a erosão regressiva corresponde a 48% das ocorrências.

Este trabalho apresenta a atuação da Engenharia do Proprietário tanto no processo executivo quanto no Projeto, aliando aspectos técnicos e econômicos na intervenção de dreno de pé para um trecho correspondente a 320 metros da barragem de terra da UHE Colíder.

O empreendimento UHE Colíder de propriedade da COPEL Geração e Transmissão, em construção no norte do Mato Grosso corresponde ao primeiro dos cinco aproveitamentos ao longo do rio Teles Pires. Conta com potência instalada de 300 MW, gerados a partir de 3 turbinas do tipo Kaplan. O eixo retilíneo do arranjo das estruturas apresenta comprimento total de 1.525 metros. O vertedouro possui capacidade de descarga máxima de 6.935 m³/s, correspondente à cheia máxima provável.

A barragem possui taludes de terra e terra-enrocamento com inclinações e geometrias variáveis em função das condições dos materiais de construção e fundação. A barragem está separada em 4 segmentos, quais sejam: fechamento, margem direita, leito do rio e margem esquerda. O trecho onde foi realizada intervenção localiza-se na barragem margem direita, cuja altura máxima é de 30 metros.

Na sequência, serão detalhados os aspectos de projeto e apresentados os motivos que levaram a se optar por uma intervenção no dreno de pé em decorrência da utilização de areia com granulometria inferior à especificada.

2 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

A barragem da UHE Colíder localizada no rio Teles Pires, situa-se na divisa entre os municípios de Nova Canaã do Norte (margem direita) e Itaúba (margem esquerda) no estado do Mato Grosso. O reservatório abrange os municípios de Itaúba, Cláudia, Nova Canaã do Norte e Colíder.

O arranjo geral da UHE Colíder é constituído pelas estruturas de barragem, vertedouro e casa de força, dispostos ao longo de um eixo retilíneo conforme Figura 1.

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FIGURA 1 – Arranjo geral. (Fonte: VLB Engenharia)

A partir da margem esquerda, a barragem foi construída passando pelo leito do rio, numa extensão total de 1.126 metros até juntar-se às estruturas do vertedouro na margem direita.

O conjunto tomada de água e casa de força, separadas do vertedouro por um muro de ligação, formam uma única estrutura, composta por blocos estruturalmente independentes que abrigam 3 conjuntos de máquinas do tipo Kaplan. A área de montagem adjacente à casa de força recebe a barragem de fechamento da margem direita, que com uma extensão de 174 metros completa o fechamento até a ombreira direita.

2.1 GEOLOGIA LOCAL

A fundação da barragem margem direita da UHE Colíder é constituída por arenitos pertencentes à formação Dardanelos, cujos estratos são por vezes entremeados por camadas de argilitos de baixa resistência.

Numa porção de aproximadamente 400 metros de fundação, existe uma camada bem definida de cascalhos com espessura da ordem de 5 metros, permeáveis. Quando examinado em maior detalhe, observa-se que se trata de uma aluvião contendo pedregulhos de grandes dimensões com índice de vazios aparentemente

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baixo e existência de bastante material fino preenchendo os vazios sem, no entanto, apresentar grãos de tamanho médio na distribuição granulométrica.

Os arenitos de fundação apresentam, em média, resistência R1(<5 MPa, predominante) e R2 (5 a 25 MPa).

Ensaios de permeabilidade, quer executados em cavas pelo método de Matsuo, quer obtidos em ensaios de perda de água durante os trabalhos de tratamento das fundação, apontaram para valores médios de permeabilidade de k = 1 x 10-4 cm/s, após o tratamento.

3 ASPECTOS DO PROJETO DA BARRAGEM

Em função da otimização dos materiais disponíveis na região, a barragem margem direita da UHE Colíder foi executada zoneada, com núcleo de material predominantemente argiloso. A definição dos materiais e zoneamento foi realizada a partir de ensaios de caracterização de laboratório, e levantamento de volumes, buscando-se utilizar preferencialmente materiais de escavação obrigatória, e jazidas de áreas próximas ao barramento.

A Figura 2 apresenta uma seção típica da barragem margem direita.

FIGURA 2 – Seção típica zoneada da barragem margem direita. (Fonte: VLB Engenharia)

Nesta seção empregaram-se diferentes materiais, conforme Tabela 1.

Material Tipo Descrição

1A Solo Compactado Areia Fina com pouca Argila - Solo Coluvionar - Escavações Obrigatórias

1B Solo Compactado Argila Silto-Arenosa / Argila Arenosa - Jazida

1D Solo Compactado Areia Fina a Média Argilosa - Solo Laterizado - Jazida

1E Solo Compactado Cascalho - Areia Fina a Média com Pedregulhos - Escavações Obrigatórias

2B Areia Limpa Compactada Filtro de Areia Média a Grossa

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3A Transição Fina Compactada Pedrisco - Arenito Silicificado - Pedreira

3C Transição Grossa Compactada Arenito Silicificado - Pedreira

3D Transição Ampla Compactada Arenito Silicificado - Pedreira

B1 Brita 1 Arenito Silicificado - Pedreira

4A Random Material Resultante de Escavações Obrigatórias do Maciço R3, R4 e R5

4B Enrocamento Compactado Arenito Silicificado - Pedreira

5A Enrocamento Selecionado Arenito Silicificado - Rip-Rap

TABELA 1 – Materiais empregados na barragem direita.

As faixas granulométricas especificadas em projeto para os materiais do espaldar de montante e dos filtros vertical e horizontal, descritos anteriormente encontram-se na Figura 3.

FIGURA 3 – Faixas granulométricas dos materiais de construção (Fonte: VLB Engenharia).

Ressalta-se que a areia enquadrada nas faixas apresenta-se basicamente no intervalo de média a grossa, conforme recomendação, com intuito de garantir uma permeabilidade adequada ao sistema de drenagem. Não serão enfatizadas nesse trabalho as faixas granulométricas definidas para os materiais de transição ampla, random (materiais de escavação obrigatória), enrocamento compactado e de proteção.

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4 CARACTERÍSTICAS GEOTÉCNICAS DA BARRAGEM

O local de implantação do empreendimento caracteriza-se como um local bem ajustado à concepção de barragem de terra em termos de disponibilidade de materiais adequados e em quantidades suficientes. Desta forma, o barramento foi projetado tendo uma transição de enrocamento com núcleo argiloso nas regiões próximas as estruturas de concreto. No trecho correspondente ao fechamento, a barragem é homogênea de terra. As barragens margem esquerda, direita e leito do rio são zoneadas. A margem direita foi construída contendo um núcleo argiloso, espaldar em colúvio a montante e random à jusante. Os trechos margem esquerda e leito do rio são constituídos de núcleo e espaldar de montante em solo areno-argiloso provenientes de jazida existente dessa margem, e a jusante do mesmo random descrito para margem direita.

O trecho de barragem de enrocamento é apoiado em fundação em rocha na qual foram realizadas injeções dando maior estanqueidade ao maciço rochoso. Em relação à seção da barragem apoiada em cascalhos existentes na fundação, foi projetado um cut-off de 30 metros até a rocha, partindo do final do núcleo argiloso em direção ao espaldar de montante, com objetivo de se evitar gradientes elevados que pudessem erodir os arenitos existentes na fundação. As barragens margem esquerda e leito do rio, e barragem de fechamento apoiam-se diretamente em rocha.

As Figuras 4, 5 e 6 apresentam seções de cada parte do barramento, sua posição em relação ao arranjo geral do empreendimento e foto em fase intermediária de construção.

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FIGURA 4 – Barragem de fechamento. (Fonte: VLB Engenharia)

FIGURA 5 – Barragem margem direita. (Fonte: VLB Engenharia)

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FIGURA 6 – Barragem margem esquerda e leito do rio. (Fonte: VLB Engenharia)

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS MATERIAIS IMPERMEÁVEIS DA BARRAGEM A barragem da UHE Colíder como um todo é constituída de diferentes materias nas porções que a compõe. É imprescindível que os mesmos sejam corretamente classificados previamente à construção da obra. Considera-se, do ponto de vista de impermeabilização do maciço, os dados médios obtidos para os materiais de núcleo 1B (barragem margem direita) e 1C (barragens margem esquerda e leito do rio). A Tabela 2 apresenta os resultados de ensaios de caracterização e ensaios especiais médios para esses solos.

Parâmetros 1B ( Valores Médios)

1C ( Valores Médios)

LL (%) 64 22

IP (%) 29 7

% de Argila 65 22

% de Silte 15 12

% de Areia 20 65

% de Pedregulho 0 1

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Massa Específica Aparente Seca máxima (g/cm³)

1,45 1,80

Hót (%) 29,5 14,0

Permeabilidade (cm/s) 5 x 10-8 5 x 10-6

Coesão (kPa) 20 10

Ângulo de Atrito (ɸ) 22 31

TABELA 2 – Parâmetros geotécnicos de núcleo argiloso da barragem UHE Colíder

O material 1B é uma argila arenosa que apresenta uma massa específica seca máxima entre 1,40 e 1,45 g/cm3 e teor de umidade ótima entre 29 e 31% em média. As especificações técnicas do empreendimento requisitavam grau de compactação médio de três amostras correspondente a 98%, sendo o mínimo estabelecido em 95%. A prática de lançamento do material em campo mostrou necessidade de camadas máximas de 25 cm e 10 passadas com rolo vibratório tipo Dynapac CA 25 para obter valores no intervalo requisitado. No período seco da região, entre os meses de maio a outubro, a trabalhabilidade era adequada, mas para os períodos de chuva, o lançamento era comprometido, pois o tempo de secagem correspondia a 2 a 3 dias.

As condições de trabalhabilidade do material 1C em relação ao 1B se mostraram completamente diferentes, com menor retomada após ocorrência de chuvas, apresentando ainda massa específica seca máxima entre 1,70 e 1,90 g/cm³ e teor de umidade ótima entre 12% e 18%, em média. A utilização de rolos Caterpillar CS56 e CP533 favoreceu significativamente a produtividade, para execução de camadas de 25 cm com 6 passadas apenas, mesmo para restrição de Grau de Compactação (GC) mínimo de 98%. Somente 15% dos resultados obtidos apresentaram GC entre 95% e 98%.

Importante ressaltar a preocupação em se buscar coeficientes de permeabilidade mais baixos possíveis, pois para barragem da UHE Colíder 65% do material, em média, é arenoso. Sherard et. al. (1963) mostram que na prática de projetos, a redução dos valores de permeabilidade chegam em até 100 vezes dependendo do grau de compactação adotado para o material.

As amostras indeformadas ensaiadas apresentam valores de permeabilidade média de k=5x10-6 cm/s na região da barragem margem esquerda, valores estes considerados adequados tanto para o projetista como para a EP.

4.2 ATUAÇÃO DA EP NA INTERVENÇÃO MITIGADORA

Durante os trabalhos de inspeção técnica desenvolvidos pela EP, juntamente com o seu Consultor Cássio Viotti, um exame tátil-visual da areia disponível para execução dos filtros da barragem, indicou que, comparativamente as que estavam sendo

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utilizadas em outros trechos da barragem sua granulometria apresentava-se mais fina.

Diante dessa constatação, a EP solicitou ao Consórcio Construtor uma série de ensaios e análises, cujos resultados apresentaram divergências em relação à especificação técnica no tocante aos critérios de filtro.

4.2.1 Critérios de Filtro

Considerando a impossibilidade de evitar que a água percorra o interior dos aterros compactados e alcance o talude de jusante, consagrou-se na prática de projetos adotar aterros com sistemas de filtro vertical e horizontal. Três funções principais são resposta desses sistemas:

a) Disciplinar a vazão forçando o fluxo para uma direção determinada, e com isso aumentando o controle sobre as poropressões desenvolvidas;

b) Impedir a remoção de partículas sólidas proveniente do fluxo de água pelo material do aterro e/ou das fundações prevenindo ocorrência de erosão interna;

c) Exercer a função de dreno, disciplinando a água interceptada e a conduzindo para fora do aterro, podendo assim ser medida e analisada.

Para o adequado funcionamento desse sistema, com base em uma grande quantidade de ensaios realizada por Sherard et. al (1984) e experiência em projetos, demonstrou-se que a eficiência dos filtros está relacionada ao tamanho do D15 obtido a partir das curvas granulométricas do material do filtro. Dessa forma, um filtro dreno deve ao mesmo tempo reter os finos e possuir alto coeficiente de permeabilidade para diminuir o gradiente hidráulico. De acordo com Terzaghi, tem-se:

585

15

solo

filtro

D

D,

Onde D15 equivale ao percentual de 15% passante na curva granulométrica do material mais grosseiro, e D85 corresponde a 85% passante na curva granulométrica do material mais fino.

Esse critério limita o tamanho dos finos do filtro de forma a evitar a passagem dos grãos de solo. É importante notar, que em se tratando de um material drenante em contato com solo compactado, é possível aceitar margens maiores a esse critério, desde que o solo compactado apresente coesão. No entanto, no contato entre areia e pedrisco, o fluxo de água também aumenta e os cuidados na adoção de critérios com valores superiores ao estabelecido não estão claramente comprovados.

Para o caso da UHE Colíder, tem-se o agravante da barragem margem direita estar, em seu trecho de jusante, apoiada em cascalho composto de areia média a grossa com presença de pedregulhos, também significativamente permeáveis.

Imediatamente abaixo deste trecho, encontram-se os arenitos feldspáticos da Formação Dardanelos, com baixa a média resistência e permeabilidade após as injeções de fundação, da ordem de k=10-4 cm/s.

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Para garantir a inexistência de gradientes elevados, foi projetado um sistema de drenagem com filtro vertical de 80 centímetros, e tapete drenante horizontal do tipo sanduíche, com 1,2 metros de espessura. A Figura 7 mostra uma seção esquemática do filtro horizontal sanduíche implantado na barragem da UHE Colíder.

FIGURA 7 – Desenho esquemático do filtro horizontal. (Fonte: VLB Engenharia)

4.2.2 Caracterização dos Materiais da Intervenção

Identificou-se durante construção da barragem que no trecho entre as estacas 12 a 20, o tapete drenante havia sido executado com uma areia fina, fora da faixa granulométrica especificada nos Requisitos de Projeto. A areia quando ensaiada em laboratório, à permeabilidade constante, resultou em valores em acordo com estabelecido, k=10-2 cm/s.

Com atendimento ao requisito de permeabilidade, era necessário enquadrá-la na faixa granulométrica para atender ao critério de filtro estabelecido por Terzaghi e adotado pelo empreendedor em seus requisitos.

A Figura 8 mostra a comparação entre D15 e D85 para um ensaio de curva granulométrica realizado entre os materiais 2B (areia) e 3A (pedrisco fino).

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FIGURA 8 – Relação de granulometria entre os materiais do tapete drenante horizontal. (Fonte: Construtora JMalucelli)

A relação resultou no valor de 9,1, (bem acima do valor 4 estabelecido nas especificações da obra) respaldando assim a necessidade de intervir no trecho já lançado, de maneira a impedir o carreamento do material fino.

A intervenção de dreno de pé para correção do filtro de areia 2B (fora de faixa granulométrica) e pedrisco 3A, entre estacas 12 e 20, ao longo de 320 metros, ocorreu entre 04 de abril de 2013 e 09 de julho do mesmo ano.

Conforme o projeto apresentado e aprovado, a intervenção foi executada em duas etapas, sendo a primeira a remoção do enrocamento de proteção 4B e transição 3D para expor o aterro de jusante, filtro horizontal e trincheira drenante. A segunda correspondeu à reconstrução da referida proteção com as transições adequadas para correção dos materiais, eliminando qualquer possibilidade de carreamento de material 2B (fora de faixa granulométrica), que pudesse reduzir a segurança da barragem.

A Figura 9 apresenta o detalhe do projeto executado na intervenção (linha cheia), comparativamente ao trecho anteriormente construído (linha tracejada).

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FIGURA 9 – Detalhe de intervenção do dreno de pé da barragem margem direita. (Fonte: VLB Engenharia)

A escavação do enrocamento de proteção e transição iniciou em 04 de abril de 2013 partindo da estaca 12 para estaca 20, em duas fases: primeira entre elevações 250 e 255 que se deu até o dia 12 de abril de 2013, e depois entre elevações 255 e 260, executada até o dia 20 do mesmo mês.

Após escavação do enrocamento de proteção e transição grossa, executou-se a remoção fina expondo efetivamente a trincheira drenante e filtro horizontal, sendo que este serviço foi executado mecânica e manualmente, em uma semana de trabalho.

4.2.3 Aspectos do Processo Executivo

Os materiais utilizados na intervenção, conforme projeto apresentado constituíram-se por filtros e transições 2B, 3A, 3C, B1 e 3D e 4B. A Figura 10 apresenta as faixas granulométricas dos materiais utilizados.

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FIGURA 10 – Faixas granulométricas dos materiais da intervenção. (Fonte: VLB Engenharia)

Os materiais 2B, 3A, 3C, caracterizam-se como os mais importantes, por se tratarem de filtros para a areia lançada fora da faixa especificada. A areia 2B lançada na intervenção foi proveniente de dragagem do rio Teles Pires. Ensaios de laboratório resultaram em coeficientes de permeabilidade média de k= 1x10-2 cm/s e compacidade relativa média obtida de 70%.

As Figuras 11, 12 e 13 apresentam o processo de escavação do trecho e filtro exposto.

FIGURA 11 – Escavação mecânica de enrocamento de proteção e transições.

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FIGURA 12 – Escavação manual para exposição de filtro horizontal e trincheira drenante.

FIGURA 13 – Exposição do filtro horizontal após escavação.

O total de material removido foi de 26.000 m³. Com avanço da fase de escavação, iniciou-se a fase de reconstrução das transições e enrocamento de proteção. Inicialmente entre as estacas 13 e 13+05m, foi executado um teste experimental com os materiais 3A e 3C, como filtros à areia lançada. Do teste experimental observou-se que 6 passadas eram adequadas para os materiais aplicados atingirem o mínimo 1,70 t/m³, com o rolo compactador de tambor liso Dynapac CA25.

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As Figuras 14, 15, 16, 17 e 18 apresentam a sequência do processo de reconstituição do dreno.

FIGURA 14 – Teste experimental com materiais de intervenção no próprio aterro.

FIGURA 15 – Execução de intervenção até cobrimento de filtro horizontal.

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FIGURA 16 – Carreamento de 4A durante recomposição do trecho.

FIGURA 17 – Execução de transições 2B, 3A, 3C e enrocamento 4B.

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FIGURA 18 – Execução de transições 3D e enrocamento 4B.

O reaterro executado resultou em 38.000 m³ de material. A sua execução se deu igual ao restante do trecho, sendo que os encaixes foram descobertos mecânica e manualmente e religados com os mesmos materiais e especificações já mencionadas.

FIGURA 19 – Resultados obtidos para o pedrisco 3A. (Fonte: Construtora JMalucelli)

5 CONCLUSÕES

Este caso de obra demonstra a importância de se ter, ao longo do processo de implantação de empreendimentos desta natureza, supervisões técnicas exercidas pela engenharia do proprietário e sua junta de consultores no auxílio aos seus fornecedores no controle técnico e preservação das condições de segurança e qualidade.

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O processo de intervenção executado foi necessário, recuperando as especificações de seguranças da obra de maneira a impedir a passagem da areia fina lançada no trecho da barragem margem direita.

Toda a ação só foi possível a partir do entendimento, concordância e colaboração da empresa construtora que, a partir da compreensão da questão, se mostrou disposta e ágil nas ações corretivas necessárias, reconstituindo no trecho em questão as condições pré-estabelecidas pelo projeto.

6 AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Eng° civil Consultor Cássio Viotti, à VLB Engenharia e à Construtora JMalucelli pelos dados de projeto e do processo executivo cedidos para desenvolvimento desse trabalho.

Agradecemos ainda aos profissionais colegas de trabalho Isabel Calegari Canalli, Michelle Yukie Inada e Roberto Werneck Seara pela sabedoria oferecida em apoio à realização deste trabalho.

1.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] CRUZ, P. T., “100 Barragens Brasileiras: Casos Históricos, Materiais de Construção e Projeto”. São Paulo, Ed. Oficina de Textos (1996).

[2] ELETROBRÁS; CBDB - “Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas”. – Rio de Janeiro (2003).

[3] FOSTER, M. ; FELL, R.; SPANNAGLE, M. “A Method for Assessing the Relative Likelihood of Failure of Embankment Dams by Piping”. Canada, Geotechnical Journal. Journal 37, p. 1000 – 1061 (2000).

[4] SHERARD, J. L.;WOODWARD, R. J.; GIZIENSKI, S. F.; CLEVENGER, W. A. Earth and Earth Rock Dams. Nova York, Ed. Jhon Wiley and Sons (1963)