Balanco de pagamentos

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Segundo Simonsen & Cysne (Macroeconomia - 2ª Edição – Ed. Atlas) “define-se usualmente balanço de pagamentos como sendo o registro sistemático das transações entre residentes e não-residentes de um país durante determinado período de tempo”. Isso significa que as transações, envolvendo ou não a transferência de recursos financeiros, existente entre residentes e não-residentes deve ser contabilizada dentro de determinado período de tempo. Essas transações são contabilizadas usando o princípio da “partida dobrada”. O Balanço de Pagamento (BP) trabalha no regime de fluxo e não de estoque, pois não queremos saber as transações que os residentes no Brasil fizeram com os não-residentes desde o ano de 1500 e sim as transações que foram efetuadas naquele ano. Portanto, o Balanço de Pagamentos registra todas as operações em um período de tempo, em geral o ano-calendário. Alguns aspectos importantes devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, devemos esclarecer que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, nem todas as operações que são contabilizadas no Balanço de Pagamentos possuem transferência de recursos financeiros. Por exemplo, quando o Governo Brasileiro opta por doar medicamentos para países pobres da África, há uma transação entre residentes e não-residentes e, portanto, haverá um impacto sobre o Balanço de Pagamentos. Em segundo lugar, é importante compreender que, apesar da definição falar que impactam o Balanço de Pagamentos as transações ocorridas entre residentes e não- residentes, existem algumas exceções. Quando o Banco Central adquire ouro de um cidadão brasileiro, morador de Brasília por exemplo, há uma transação entre residentes, mas ao mesmo tempo houve uma operação chamada de monetização do ouro. Essas operações de monetização de ouro (aquisição de ouro pelo Banco Central) devem ser registradas no Balanço de Pagamentos. Finalmente, residentes são aquelas pessoas que possuem seu principal interesse naquele país, seja ela pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira. Imagine um jogador de futebol de nacionalidade Argentina que joga em um grande time do Brasil, este jogador é considerado residente no Brasil, pois é aqui que ele exerce a sua profissão e, portanto, tem o seu grande interesse. Imagine uma empresa multinacional instalada em São Paulo, esse seria um exemplo de outra pessoa residente no Brasil. Além disso, podemos citar as pessoas físicas e jurídicas nacionais que possuem seu interesse em nosso país, além de funcionários em serviço no exterior ou residentes que se encontram transitoriamente fora do país. Entende-se como não-residentes pessoas físicas e jurídicas que possuem seu interesse maior em outro País, como por exemplo, empresas brasileiras sediadas no exterior, pessoas físicas que trabalham de no exterior, entre outras. Se um jogador de futebol brasileiro joga em algum time da Europa ele é considerado não-residente no Brasil. Observe a seguinte curiosidade: esse jogador começou a jogar no Brasil e em algum momento se transferiu para o exterior. Dessa forma, podemos ver que uma pessoa pode

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Segundo Simonsen & Cysne (Macroeconomia - 2ª Edição – Ed. Atlas) “define-se usualmente balanço de pagamentos como sendo o registro sistemático das transações entre residentes e não-residentes de um país durante determinado período de tempo”. Isso significa que as transações, envolvendo ou não a transferência de recursos financeiros, existente entre residentes e não-residentes deve ser contabilizada dentro de determinado período de tempo. Essas transações são contabilizadas usando o princípio da “partida dobrada”. O Balanço de Pagamento (BP) trabalha no regime de fluxo e não de estoque, pois não queremos saber as transações que os residentes no Brasil fizeram com os não-residentes desde o ano de 1500 e sim as transações que foram efetuadas naquele ano. Portanto, o Balanço de Pagamentos registra todas as operações em um período de tempo, em geral o ano-calendário. Alguns aspectos importantes devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, devemos esclarecer que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, nem todas as operações que são contabilizadas no Balanço de Pagamentos possuem transferência de recursos financeiros. Por exemplo, quando o Governo Brasileiro opta por doar medicamentos para países pobres da África, há uma transação entre residentes e não-residentes e, portanto, haverá um impacto sobre o Balanço de Pagamentos. Em segundo lugar, é importante compreender que, apesar da definição falar que impactam o Balanço de Pagamentos as transações ocorridas entre residentes e não-residentes, existem algumas exceções. Quando o Banco Central adquire ouro de um cidadão brasileiro, morador de Brasília por exemplo, há uma transação entre residentes, mas ao mesmo tempo houve uma operação chamada de monetização do ouro. Essas operações de monetização de ouro (aquisição de ouro pelo Banco Central) devem ser registradas no Balanço de Pagamentos. Finalmente, residentes são aquelas pessoas que possuem seu principal interesse naquele país, seja ela pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira. Imagine um jogador de futebol de nacionalidade Argentina que joga em um grande time do Brasil, este jogador é considerado residente no Brasil, pois é aqui que ele exerce a sua profissão e, portanto, tem o seu grande interesse. Imagine uma empresa multinacional instalada em São Paulo, esse seria um exemplo de outra pessoa residente no Brasil. Além disso, podemos citar as pessoas físicas e jurídicas nacionais que possuem seu interesse em nosso país, além de funcionários em serviço no exterior ou residentes que se encontram transitoriamente fora do país. Entende-se como não-residentes pessoas físicas e jurídicas que possuem seu interesse maior em outro País, como por exemplo, empresas brasileiras sediadas no exterior, pessoas físicas que trabalham de no exterior, entre outras. Se um jogador de futebol brasileiro joga em algum time da Europa ele é considerado não-residente no Brasil. Observe a seguinte curiosidade: esse jogador começou a jogar no Brasil e em algum momento se transferiu para o exterior. Dessa forma, podemos ver que uma pessoa pode

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alterar o seu “status” entre residente e não-residente, podendo gerar inclusive, em princípio, um lançamento no Balanço de Pagamentos. É importante frisar que todos os lançamentos no Balanço de Pagamentos utilizam a metodologia da partida dobrada, e, dessa forma, para todo débito deveremos gerar um crédito correspondente. Entretanto duas ressalvas devem ser feitas, principalmente para aquelas pessoas que já dominam a contabilidade. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que enquanto na contabilidade esses lançamentos acontecem em uma forma horizontal, onde de um lado estão as contas ativas e de outro as contas passivas e o patrimônio líquido, no Balanço de Pagamentos esse lançamento é na vertical. Ou seja, todas as contas a serem impactadas com a operação estão na mesma direção (uma embaixo da outra) e isso faz com que tudo que seja somado tenha uma subtração equivalente que o anule, sendo no final o saldo igual a zero. Em segundo lugar, uma parcela das contas aumenta seu saldo a débito e outra aumenta seu saldo a crédito, cabendo ressaltar que SEMPRE um lançamento a débito terá sinal negativo enquanto que um lançamento a crédito terá sinal positivo. Tendo em vista o fato de que boa parcela dos leitores possui um conhecimento prévio de contabilidade, por mais rudimentar que seja, e com o objetivo de não trazer confusão alguma nos lançamentos, todas as vezes que houver um lançamento será efetuado um raciocínio similar com a Conta Caixa da contabilidade, mesmo que não haja transferência de recursos. Passemos agora para uma explicação básica, dado que algumas contas são importantes de serem conhecidas previamente e, por isso, vamos dar início a essa jornada. Em primeiro lugar devemos lembrar que, normalmente, quando há uma transação que impacte o Balanço de Pagamentos, na maioria das vezes, haverá envolvimento financeiro e transferência de recursos. Dessa forma, precisamos definir quais são as possibilidades existentes em se efetuar um pagamento de uma transação. A primeira e principal delas é a transferência de Haveres de Curto Prazo no Exterior que consiste, principalmente, em recursos pertencentes ao País e que estão aplicados no exterior, podendo ser sacados a qualquer momento. Quer saber como você deve raciocinar para não cometer erros? Imagine que essa conta é um fundo de investimento ou uma poupança mantida no exterior, uma vez que é em dólares, euros, libras etc., e que será utilizada para efetuar o pagamento das despesas efetuadas dentro de um país. Essa talvez seja a conta mais importante de ser compreendida dentro desse estudo e funciona nos mesmos moldes da Conta Caixa em contabilidade. Ou seja, se houver um ingresso de recursos para o País essa conta deverá ser debitada e, apesar do sinal do débito ser negativo, ela terá seu saldo majorado. Caso haja uma saída de recursos/pagamento essa conta deverá ser lançada a crédito, ocorrendo uma redução em seu saldo. Podemos concluir que ela funciona de forma idêntica à conta caixa, e é dessa forma que você deve pensar.

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Para testar se foi compreendido exatamente o que está sendo explicado, façamos uso de um exemplo. Exemplo: Determinada mercadoria foi importada, devendo o pagamento ocorrer à vista, no valor de US$ 10 milhões. Observem que houve uma importação e que os recursos deverão ser pagos ao exterior. Logo, a “conta caixa”, na verdade chamada de haveres, deverá perder recursos e assim como na contabilidade, quando há um pagamento via conta caixa essa conta deve ser creditada. Logo haverá um crédito na conta Haveres de Curto Prazo no Exterior no valor de US$ 10 milhões e a contra-partida será um débito na conta Importações que pertence à Balança Comercial. Foi fácil de compreender o raciocínio? É muito importante frisarmos que em 1993 houve uma alteração no Manual de Balanço de Pagamentos do Fundo Monetário Internacional – FMI com a publicação da quinta edição. Neste documento, visando modernizar e padronizar o Balanço de Pagamentos de todos os países, várias mudanças foram propostas, adequando desde nomenclaturas até criando itens de lançamentos que vinham se tornando importantes. Entretanto, tal medida não é impositiva e os países não eram e não são obrigados a implementar, o documento é apenas uma recomendação. Dessa forma, o Brasil veio a implementar essas mudanças apenas no ano de 2001 e podemos citar que as mais importantes alterações introduzidas pelo Banco Central do Brasil na nova apresentação do balanço de pagamentos foram: a) introdução, na conta corrente, de clara distinção entre bens, serviços, renda e transferências correntes, com ênfase no maior detalhamento na classificação dos serviços; b) introdução da “conta capital”, que registra as transações relativas às transferências unilaterais de patrimônio de migrantes e a aquisição/alienação de bens não financeiros não produzidos (cessão de marcas e patentes); c) introdução da “conta financeira”, em substituição à antiga conta de capitais, para registrar as transações relativas à formação de ativos e passivos externos, como investimento direto, investimento em carteira, derivativos e outros investimentos. A conta financeira foi, portanto, estruturada de forma a evidenciar as transações ativas e passivas, as classes dos instrumentos financeiros de mercado e os prazos das transações; d) inclusão, no item investimentos diretos, dos empréstimos intercompanhia (empréstimos praticados entre empresas integrantes de mesmo grupo econômico), de qualquer prazo, nas modalidades de empréstimos diretos e colocação de títulos; e) reclassificação de todos os instrumentos de portfolio, inclusive bônus, notes e commercial papers, para a conta de investimentos em carteira; f) introdução de grupo específico para registro das operações com derivativos financeiros, anteriormente alocados na conta serviços e nos capitais a curto prazo; e g) estruturação da “conta de rendas” de forma a evidenciar as receitas e despesas geradas por cada uma das modalidades de ativos e passivos externos contidas na conta financeira. A Balança Comercial é a primeira grande sub-divisão do Balanço de Pagamentos. Neste item encontramos duas contas, quais sejam: Exportações e Importações. Enquanto em toda a estrutura do Balanço todas as contas podem ser lançadas tanto a débito quanto a

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crédito, na Balança Comercial isso não ocorre. Guarde que SEMPRE as exportações serão lançadas a crédito (e com sinal positivo) e as importações serão lançadas a débito (e com sinal negativo). Eu, particularmente, não gosto de decorar esse tipo de informação, pois posso me confundir e errar na hora em que precisar. No entanto, raciocino da seguinte forma em cada um dos lançamentos: Lançamento 1 – Uma empresa exportou, recebendo à vista, 100 unidades monetárias. Raciocínio – Se uma empresa exportou, ela deverá enviar os produtos produzidos para o exterior e receber, como contra-partida, o pagamento. Esse pagamento ingressará na conta caixa, sendo debitado. Logo haverá um débito de 100 na conta Haveres e um crédito de mesmo valor na conta Exportações. Lançamento 2 – Um empresa importou, recebendo à vista, 80 unidades monetárias. Raciocínio – Se a empresa importou, ela receberá os produtos e deverá efetuar o pagamento correspondente como contra-partida. Como ela irá pagar pelos produtos, haverá uma saída de recursos da conta caixa. Logo, deve-se creditar a conta Haveres e debitar a conta Importações. O conjunto seguinte de contas reúne o que chamamos de Balança de Serviços e Rendas, antigamente denominada de Balança de Serviços simplesmente. Atualmente há uma divisão clara nessa Balança entre os itens que compõem a Balança de Serviços (antiga balança de serviços não-fatores) e a Balança de Rendas (antiga balança de serviços fatores). A atual Balança de Serviços contém frete, seguros, serviços governamentais, viagens, entre outras. Na verdade, está contabilizando itens de prestação de serviço. Quando houver um pagamento como contra-partida desses itens será sensibilizada a conta Haveres de Curto Prazo no Exterior. Suponha que um residente no Brasil viaja de férias para a Hungria. Resolve almoçar próximo ao palácio de Buda e deixa alguns Florins na capital húngara. Houve uma transação entre residentes e não-residentes, pois o cidadão residente no Brasil efetuou um gasto em viagem que será recebido por um cidadão não-residente no Brasil. Suponha que a conta do restaurante totalizou US$ 50,00. Sendo isso verdade, haverá uma saída de recursos da conta Haveres da Balança de Pagamentos do Brasil, portanto, a conta Haveres deverá ser creditada (é a conta caixa). Em contra-partida deverá haver um débito na conta Viagens que consta da Balança de Serviços. Imagine um turista alemão passando o Carnaval em Salvador. Quando ele for pagar a conta de seu Hotel, terá ocorrido uma transação entre residentes e não-residentes, impactando a balança de pagamentos. Como o hotel, pessoa jurídica residente no Brasil, recebeu o pagamento das estadias, haverá um lançamento a débito na conta Haveres e a contra-partida será um lançamento a crédito na conta viagens do Balanço de Pagamentos do Brasil.

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Em uma situação em que uma empresa brasileira importa um produto e efetua o pagamento à vista, devemos ter impacto tanto na balança comercial quanto na balança de serviços. Imagine a importação de uma máquina que custou US$ 1 milhão, e ainda houve uma despesa de US$ 100.000 com frete e US$ 50.000 com seguro. Dessa forma, haverá uma saída de US$ 1,15 milhão do Brasil, impactando a conta Haveres a crédito. Sendo assim, a conta importação será debitada no valor de US$ 1 milhão, a conta Seguros da balança de serviços será debitada em US$ 50.000 e a conta frete debitada em US$ 100.000. Por outro lado, devemos ressaltar que se uma empresa brasileira fizer o frete de um produto para uma empresa não-residente, assim como o seguro de um bem, haverá um ingresso de recursos no país e, portanto, a conta Haveres deverá ser debitada e a conta correspondente na balança de serviços lançada a crédito. A outra parte da Balança de Serviços e Rendas era antigamente, antes da mudança de 2001, chamada de Balança de Serviços Fatores. Atualmente, recebe o nome de Balança de Rendas e contém as contas de Juros, Lucros e Dividendos e Lucros Reinvestidos. Ela tem como característica receber os lançamentos das remunerações dos fatores de produção, também denominados de Renda. Imagine a situação de uma empresa que contrai um empréstimo de US$ 1 milhão de um não-residente. O principal do empréstimo contraído será retornado no prazo de 3 anos e, anualmente, deverá ser remetida uma parcela de juros à taxa de 10% ao ano. Vamos tentar entender os lançamentos dessa operação. Quando a empresa residente recebe o empréstimo, há uma entrada de recursos no país, logo, deverá haver um lançamento na conta Haveres. Tendo em vista o fato de a conta Haveres funcionar da mesma forma que a conta CAIXA, como houve um ingresso de recursos, essa conta deverá ser debitada. A contra-partida do lançamento a débito na conta Haveres será um lançamento de igual valor, a crédito, na conta Empréstimos e Financiamentos que faz parte da Balança Financeira. Esse lançamento deverá ocorrer no momento da obtenção do empréstimo. Entretanto, nos dois anos seguintes deverá haver uma remessa do residente para o não-residente dos juros que incidiram sobre o principal do empréstimo. Tendo em vista o fato de o juro ser de 10%, deverá haver uma remessa de US$ 100.000,00 tanto no ano 1 quanto no ano 2. Dessa forma, como há uma saída de recursos do país, a conta Haveres deverá ser creditada e a contra-partida deverá ser um lançamento a débito na conta juros. Ocorrerão dois lançamentos desse tipo, o primeiro ao final do primeiro ano do empréstimo e o segundo no ano seguinte, ou seja, a cada pagamento de juros deverá ocorrer um lançamento desse tipo. No último ano, deverá haver uma liquidação do empréstimo com o pagamento da última parcela de juros e também o retorno do principal. Dessa forma, deverá ser enviado para o não-residente US$ 1,1 milhão sendo US$ 100.000,00 para o pagamento da última parcela

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dos juros e o restante para a amortização do principal. Dessa forma, deverão ocorrer dois lançamentos. O primeiro será um crédito na conta HAVERES e um débito na conta Juros no valor de US$ 100.000,00. O segundo lançamento será um crédito na conta HAVERES e um débito na conta Amortização que também faz parte da Conta Financeira no valor de US$ 1 Milhão. Devemos esclarecer que quando se contrai um empréstimo o lançamento ocorre na conta Empréstimos e Financiamento e quando ocorre o pagamento a conta a ser impactada é a de Amortizações.