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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
FORMAR LEITORES – BASE PARA A EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE
CRISTINA DIAS ANDRIOTTI
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
FORMAR LEITORES – BASE PARA A EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE
CRISTINA DIAS ANDRIOTTI
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Especialista em Supervisão Escolar
RIO DE JANEIRO
FEVEREIRO DE 2003
A relação entre literatura e sociedade não é mera dependência: é uma relação
complicada, de dependência recíproca e interdependência dos fatores
espirituais (ideológicos e estilísticos) e dos fatores materiais (estrutura social e econômica).
Otto Maria Carpeaux, “Introdução”, História da
literatura ocidental, Rio de Janeiro,
Alhambra, 1978, vol.1.
Sou profundamente grata por tudo que
Deus me deu – e pela oportunidade que me deu
de compartilhar. Agradeço ao carinho da minha
mãe e dos irmãos.
Aos professores que se empenharam na
minha formação, e especialmente aos meus
alunos e colegas de trabalho com quem aprendi
muito, o meu agradecimento.
Ao Gerson, companheiro de vida, pelo
apoio e compreensão.
Ao meu filho Felipe pela inspiração e
motivação.
À Caroline, filha que comunga comigo a
paixão pelos livros.
“ Não há dúvida de que é isto mesmo a leitura: reescrever o texto da obra dentro
do texto de nossas vidas. ”
Roland Barthes
“ Uma forma de felicidade é a leitura.”
Jorge Luís Borges
“ Viver é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender a viver é
que é viver, mesmo. O senhor não repare.
Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.
Existe é homem humano. Travessia. ”
Guimarães Rosa
“ Criar é correr o risco de se ter a realidade.”
Clarice Lispector
O constante d iá logo
Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado o semelhante o diferente o indiferente o oposto o adversário o surdo-mudo o possesso o irracional o vegetal o mineral o inominado
Diálogo consigo mesmo com a noite os astros os mortos as idéias o sonho o passado o mais que futuro
Escolhe teu diálogo
e tua melhor palavra
ou teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos.
Carlos Drummond de Andrade ( In Discurso de Primavera, Poesia e Prosa,
volume único, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1993)
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................9
INTRODUÇÃO..................................................................................................10
Capítulo I - O PAPEL DA LEITURA NA COMUNIDADE ESCOLAR.................13
Capítulo II - O CONCEITO DE EDUCAÇÃO DE QUALIDADE.........................16
Capítulo III - O GRAU DE ENVOLVIMENTO DO PROFESSOR NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM..................................................................20
Capítulo IV - A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS PARA
O APRIMORAMENTO PROFISSIONAL E CRESCIMENTO PESSOAL..........22
PESQUISA DE CAMPO – RESULTADOS E ANÁLISES..................................24
CONCLUSÃO....................................................................................................26
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................28
ANEXOS............................................................................................................29
ANEXO 1 - MODELO DE QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AOS
PROFESSORES.................................................................................29
ANEXO 2 - AMOSTRAS DE DECLARAÇÕES DE
PROFESSORES..................................................................................30
RESUMO
Neste trabalho de pesquisa há uma preocupação em especial: como desenvolver
a necessidade – prazer da leitura na comunidade escolar, em particular no
professor em sua ação educativa. Nessa perspectiva, tratou-se de discutir,
primeiramente, o papel da leitura na escola. Por uma série de razões práticas e
outras mais teóricas, e inegável que ler, na escola, é fundamental. Este é um
espaço privilegiado para o desenvolvimento intelectual voltado para a liberdade, a
reflexão, o conhecer. A boa leitura, por sua vez, também é um privilégio raro,
somente para poucos. Essa abordagem, leva-nos ao segundo ponto: o conceito
de educação de qualidade definido pelos mais modernos pesquisadores da
educação. Foram citados como recomendáveis os novos modelos de
aprendizagem e rejeitadas as formas tradicionais e clássicas. Enfatizaram-se as
formas mais ativas em que as capacidades do ser humano são mobilizadas com
um todo. Além disso, houve a necessidade de uma reflexão sobre a educação
para o Terceiro Milênio voltada para a complexidade e a mutabilidade das
sociedades modernas e pós- modernas, e a escola não pode ficar alheia a esse
contexto. A seguir, o foco foi dado a figura do professor e o seu envolvimento no
processo de aprendizagem. Foi dada relevância à figura do educador, pois há a
exigência de uma mudança de identidade já que o professor como simples
transmissor de conhecimento tem seus dias contados, ele precisa agora criar uma
nova postura mais reflexiva. Finalmente, a proposta foi que um dos meios através
dos quais pode-se construir uma nova escola é a leitura de textos literários para o
aprimoramento profissional e crescimento pessoal desse educador do século XXI.
Na conclusão, procurou-se mostrar que vale a pena ter esperanças na melhoria do
ensino; nas mudanças sociais que se fazem urgentes, que necessariamente
passam pela educação; e conseqüentemente, no novo modo de se relacionar com
a arte e com o Outro.
Palavras-chave: literatura - leitura - educador - aprendizagem - relacionamento
INTRODUÇÃO
Antes de tudo uma nota que se nos antolha indispensável: nós os brasileiros não somos em grau algum um povo pessimista. Em nossa alma nacional, em nossa psicologia étnica não se encontram as tremendas tendências ao desalento mórbido e da resignação consciente diante da miséria, da mesquinhez, do nada incurável da existência humana. ROMERO, Sílvio. 1981
Estamos no terceiro ano do novo milênio. O Brasil se prepara para um novo
governo; para escrever mais um capítulo de sua história. Sente-se não só aqui,
mas em todo mundo, a necessidade de prover o país de cultura, de valorização do
lado humano nas sérias questões com as quais o mundo se depara. ”Ah! Que eu
sinto gemer a Humanidade!“ Basílio da Gama, Quitúbia. Para que isso ocorra, a
educação é primordial e o conceito de transversalidade, ou seja, a relação com
outras áreas de conhecimento é fundamental. A nossa língua materna nos fornece
subsídios para esta realização, à medida que as crianças e adolescentes vão
conhecendo o que é a grande cultura letrada, um Guimarães Rosa, Drummond,
um Bandeira, vão lendo e comentando, aí temos a esperança de que haja uma
cultura democrática e criativa. Portanto, deve-se investir maciçamente no ensino
fundamental e médio e nos professores desses segmentos que são os grandes
facilitadores do processo, desde que se disponham a refletir sobre a experiência
que cada um tem dos fenômenos da natureza, do próprio corpo, do trabalho, da
comunicação com o outro, ou seja, a busca para alcançar o sentido da própria
existência. Compreender o que está na realidade acontecendo, e compreender
para mudar.
Nesse contexto, a literatura tem um papel imprescindível pois a passagem
do sentido da esfera ética para a estética é possível quando o narrador se põe a
explorar uma força catalisadora da vida em sociedade: os seus valores. Os
escritores fazem parte do tecido vivo de qualquer cultura. Se de um lado, temos o
educador que interfere diretamente na trama social, julgando-a e, não raro,
tentando alterá-la, e só o faz quando é movido pelos valores que são a força
propulsora das suas ações; de outro lado, temos a arte que, por não estar
amarrada ao cotidiano, pode escolher tudo quanto a ideologia dominante esquece,
evita ou repele. Ela tem esse poder que lhe é garantido pelo exercício da intuição,
da imaginação, da percepção, da memória, da fantasia, da expressividade, de
acordar os homens para a realização dos valores éticos.
Portanto, a leitura – sobretudo da boa literatura – é um dos únicos meios
que nos permite ouvir a outra voz, a voz que o cotidiano silencia. E, como
educadores, somente poderemos ajudar a criar leitores, se formos também
leitores pois pelo novo paradigma pretende-se que os alunos possam aprender em
sintonia com a qualidade do que lhes é ensinado. Desloca-se o foco de ensino
para a aprendizagem e o professor precisa trabalhar integralmente com a razão e
a emoção, levando em conta a subjetividade do aluno e a sua própria. Resumindo,
o objetivo principal deste trabalho é sensibilizar os professores para a apreciação
da literatura e estimular o desenvolvimento de uma cultura da leitura com vistas à
formação de leitores através de uma prática atraente, dinâmica, participante e
constante, já que nesse horizonte, atos de ler e escrever podem se converter em
exercícios de educação para a cidadania. Dessa maneira, despertar esse leitor
esquecido de si mesmo a partilhar a felicidade de ler e estreitar a relação
professor-aluno. Ler, como já nos afirmara há muito Paulo Freire, é muito mais
que repetir o que diz um texto.
No capítulo I, foi discutida a questão do papel da leitura na comunidade
escolar e a necessidade de os educadores valorizarem essa prática no seu dia-a-
dia com o objetivo de despertar em si mesmos e em seus alunos valores que
possam provocar reflexão e transformação na sociedade. No capítulo II, tratou-se
de definir o que seria, atualmente, o conceito de educação de qualidade.
Abordaram-se as teorias de pesquisadores modernos e as propostas para a
mudança do paradigma na escola tradicional fadada ao insucesso nas sociedades
mais complexas e mutáveis do Novo Milênio. No capítulo III foi dada relevância à
figura do professor e o seu envolvimento no processo de aprendizagem, na
importância da relação professor-aluno No capítulo IV, finalmente, apontou-se um
dos caminhos para se construir uma nova escola: a leitura dos textos literários
para o aprimoramento profissional e o crescimento pessoal do educador do século
XXI.
O PAPEL DA LEITURA NA COMUNIDADE ESCOLAR
Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensão do seu corpo...Mas o livro é outra coisa, o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
BORGES, Jorge Luís. 1987
Há quase um século, Emerson escreveu: “O que melhor podem fazer as
escolas, das classes primárias às universidades, é ensinar a ler”. Ler é
fundamental, não só por uma série de razões práticas – aumenta o vocabulário, o
conhecimento geral, a capacidade de expressão – mas especialmente por
despertar áreas adormecidas do cérebro. Ler a boa literatura assim como entrar
em contato com as artes plásticas ou música ativa a imaginação, a capacidade de
abstração. Mas, mais importante, ler desenvolve a única capacidade realmente
importante nessa vida, que é a de pensar. Todos nós, professores, precisamos
refletir sobre o papel que temos, ou deveríamos ter, na formação de nossos
alunos.Pois, só se torna leitor aquele que se apaixona pela leitura e a escola é um
lugar privilegiado para que esta tarefa se realize de maneira prazerosa. Mas o que
temos feito para aproximar a comunidade escolar da leitura?
Hoje, se as maneiras de ler e escrever se renovam por força de novos
suportes textuais que são produzidos pela humanidade e inseridos na escola a
cada instante, como o desenvolvimento da tecnologia computacional com formas
de leitura e escrita tais como o hipertexto, a home-page, o e-mail, o e-book, não
podemos nos esquecer de que principalmente nós educadores temos a tarefa de
aproximar nossos alunos dessa multiplicidade, especialmente quando sabemos
que num mundo de exclusão, as novas tecnologias são um privilégio de poucos.
Não podemos desconsiderar as novidades tecnológicas, em nome dos valores
humanísticos em perigo, pois cada novo meio de comunicação ou difusão de
palavras pode propiciar novos desenvolvimentos criativos, novas formas de
expressão. Uma sociedade avançada tecnologicamente poderá ser mais rica em
estímulos, em escolhas, em possibilidades. Um exemplo positivo é que as
pessoas voltaram a escrever mais, utilizando o e-mail (apesar da forma contracta,
cheia de abreviações, reflexo da agitação da vida globalizada) já que o hábito de
escrever cartas tinha sido abandonado há tempos, principalmente pelos jovens.
Outro aspecto importante a ressaltar é que a leitura não é comparável a
nenhum outro meio de aprendizagem porque ela tem um ritmo que é governado
pela vontade do leitor, a leitura abre espaços de interrogação, de meditação e de
exame crítico, isto é, de liberdade. A leitura é uma correspondência não só com o
livro, mas também com nosso mundo interior, através do mundo que o livro nos
abre.
É possível que o tempo que poderia ser destinado à leitura seja cada vez
mais ocupado por outras coisas, mas cabe a escola o papel de estimular a prazer
de ler. Para isso, os professores devem ter a consciência clara, não importa sua
especialização, de que ler é coisa rara; que ler para se enriquecer culturalmente
ou para se divertir é, infelizmente, um privilégio concedido apenas a alguns; que
para o homem que lê não há fronteiras, não há correntes nem prisões.O que pode
ser mais subversivo do que a leitura?
Vale reforçar ainda que o hábito da leitura na comunidade escolar é um
padrão comportamental cultural indissociável a todas as sociedades
desenvolvidas. É um indicador do grau de desenvolvimento cultural de um povo,
embora nem sempre se associe ao desenvolvimento econômico.
Em suma, a comunidade escolar não pode estar alheia à essa realidade
ainda precária no panorama nacional. Precisa-se de profissionais que se
envolvam num verdadeiro esforço coletivo a favor da leitura e o seu sucesso
dependerá do envolvimento de professores, coordenadores, supervisores,
diretores e da comunidade no processo e da maneira pela qual eles se
apaixonarem pela leitura. Conseqüentemente, haverá um estreitamento,
principalmente, da relação professor-aluno porque ler nos torna capazes de
compreender e aceitar o Outro, ler pode tornar o homem humano.
E essa via de acesso enfatizará, com certeza, caminhos para que possa
provocar, nos sujeitos, reflexões, transformação, interpretação, fazendo da leitura
um ato de construção de conhecimento, um processo de descobrimento, de
criação e recriação de novos conhecimentos oportunizando que estes ocorram
através da interação com o meio. Nesse aspecto, a leitura tem também uma
função social, contribuindo para a formação de cidadãos críticos.
O CONCEITO DE EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
A esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra sobretudo significa espera. E a esperança é já.
LISPECTOR, Clarice. 1980
Nos últimos anos um tema invadiu a agenda de professores, supervisores,
diretores, secretários e ministros da educação: renovar a escola, o que para
muitos significa reinventá-la. Reforma passou a ser a palavra de ordem,
principalmente, na América Latina e Europa. Os debates, além de deixar claro que
a mudança é mesmo necessária, serviram para estimular os pesquisadores que
vêm se dedicando a buscar caminhos para adaptar a realidade escolar aos novos
tempos.
No Brasil, seis nomes ganharam especial destaque: o francês Edgar Morin,
o suíço Phillipe Perrenoud, os espanhóis César Coll e Fernando Hernández,o
português António Nóvoa e o colombiano Bernardo Toro. Coll, por exemplo, partiu
das idéias de Piaget para escrever sobre currículo. Perrenoud desenvolveu o
conceito de competências – que o tornou um fenômeno editorial – depois de
estudar, entre outros, os ensinamentos de Paulo Freire. Toro ganhou fama ao
definir as sete bases sobre as quais todo estudante deve construir não só o
aprendizado, mas a vida. Morin vem há décadas aprimorando a chamada teoria
da complexidade. Nóvoa dedica-se a enfatizar a formação profissional. E
Hernández mesclou várias teorias para difundir os benefícios de se trabalhar com
projetos didáticos.
Estamos, portanto, diante de novos modelos de aprendizagem, ou seja, as
sociedades modernas e pós-modernas rejeitam as formas tradicionais e clássicas
de aprender e querem aprender optando por modalidades menos estruturadas e
mais pessoais que atendam aos níveis de desenvolvimento, aos ritmos, aos
estilos, às características de cada pessoa e aos seus contextos. Procuram-se
formas mais ativas e holísticas, em que as capacidades do ser humano sejam
mobilizadas como um todo, sem fazer apelo a esta ou àquela função, embora
possam ter desempenhos muito específicos em cada momento.
Na verdade, as aprendizagens começam a orientar-se para outras formas
de realização com base em outras teorias, outras concepções que preparem o
cidadão com novas competências que lhe permitam desenvolver novas
estratégias para enfrentar e resolver os problemas que a vida, num mundo em que
a concorrência desenfreada lhe coloca, como o desemprego, a exclusão social e a
falta de solidariedade, de compreensão, de amor, de amizade. Estas realidades
estão apontando para grandes transformações nos sistemas de formação, de
ensino-aprendizagem e suas formas de organização.
A educação necessária é, portanto, aquela que deve propiciar o
desenvolvimento integral do aluno nos níveis físico, emocional, afetivo, mental,
social, ecológico, espiritual, ou seja, uma educação transpessoal em que o
princípio da totalidade assuma dimensão de aspecto fundamental. Este princípio
deve orientar a experiência do aprender a aprender e a apreensão dos
conhecimentos adquiridos. “Educar é procurar as relações, é viver as relações, é
buscar conjuntos significativos” (Brandão, Crema, 1991, p. 142).
Uma educação de qualidade não pode continuar supervalorizando o
cognitivo, em detrimento das demais dimensões que compõem a totalidade do ser
humano. Segundo Moreira:
Essa postura desconsidera aspectos imprescindíveis ao processo de
criação, seja artística, filosófica, teórica, científica, ou tecnológica. O próprio
Einstein reconheceu claramente a importância da intuição e da imaginação
no processo de construção do conhecimento científico. Reduzir o ser
humano à razão significa deixar de captar toda complexidade que o
caracteriza.
Reduzir o currículo ao cognitivo significa deixar de captar toda
complexidade que caracteriza o processo de aprender e criar. Significa,
ainda, negligenciar, além da imaginação e da intuição, já citadas, os
sentimentos, o desejo, o afeto, o corpo, o prazer, fatores que tanto podem
incentivar como bloquear a construção de saberes e conhecimentos.
(...) Defendo o ponto de vista de que os aspectos cognitivos, ainda que
indispensáveis, não são suficientes. (Moreira, 1994, p. 5-6)
Uma outra questão grave a ser considerada ao refletirmos sobre a educação para
o terceiro milênio, é a urgência de que o homem supere a sua incapacidade para
enfrentar a complexidade da problemática mundial. A respeito disso, assim se
manifesta Muller:
O tempo é curto. As ameaças globais crescem com rapidez. Seria mais
benéfico ensinarmos as crianças de todo mundo a fechar a torneira um
segundo mais cedo e assim preservar nossos recursos do que adotarmos
legislações intrincadas ou escavarmos novos buracos no chão. (...)
Também é necessário que a educação global alcance os adultos; eles
devem ser informados das principais mudanças e problemas mundiais se é
que nossa meta é uma sociedade mundial funcionando corretamente. (...)
Tenho a esperança de que a educação global dos jovens de hoje oferecerá
ao mundo de amanhã os líderes do governo, os homens da imprensa, os
homens de negócios, os profissionais e os cidadãos com a visão e
responsabilidade globais tão crucialmente necessárias. Finalmente, a
educação global deve transcender as conquistas materiais, científicas e
intelectuais e buscar resolutamente o moral e o espiritual. (Muller, 1993, p.
56-57)
Desse modo, a discussão fundamental deixa de se situar no lado material e
faz com que se valorize a importância do lado humano nas sérias questões com
as quais o mundo se depara.
Conclui-se que é importante que esta proposta de educação de qualidade
não se constitua uma utopia, no sentido de que seja apenas um modismo
inconseqüente como tantos outros. Trata-se, na verdade, de uma exigência
natural do momento presente, da decorrência de um novo paradigma para a
produção do conhecimento e a necessidade de buscar solução para as
dificuldades atuais, provocadas pela falta neutralidade que, distanciando o homem
de seus valores fundamentais, o conduziu, apesar de todo avanço científico e
tecnológico, ao desrespeito à vida em todas as suas manifestações e
conseqüentemente o levou à infelicidade.
O GRAU DE ENVOLVIMENTO DOS PROFESSORES NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM
A geometria irmã da liberdade ensina a árvore a pular o muro. Cansado de esperar revolta-se o relógio e começa a marcar as horas do futuro.
PAES, José Paulo. 1999
Hoje em dia fala-se muito de competências tanto no campo do trabalho
quanto no da formação. O exercício de uma competência é mais que uma simples
aplicação de saberes (saberes pessoais, saberes profissionais, saberes de senso
comum, saberes provenientes da experiência, entre outros), ele contém uma
parcela de raciocínio, antecipação, julgamento, criação, aproximação, síntese e
risco.
Essas novas competências exigem dos professores que superem sua
especialização, ou seja, exige mudanças de identidade. Os professores que
trabalham no contexto de sua disciplina podem ser seduzidos a ignorar esses
aspectos transversais centrando-se em seu domínio de especialização. É válido
que os professores se especializem; entretanto, alguns evitam ir além de seu
campo. Outros, porém, trabalham com a regulação dos processos de
aprendizagem, com a relação com o saber, com situações-problema, com os
procedimentos de projeto. Estes, na maioria dos casos, estão muito próximos das
questões didáticas, com a diferença de que não se restringem a nenhuma
disciplina e tentam obter mecanismos comuns. Os professores que integram a
cultura, as práticas sociais, muitas vezes, encontram-se no espaço de articulação
entre o disciplinar e o transversal.
Entretanto, para desenvolver uma postura reflexiva nos professores não
basta que os formadores ou supervisores adotem-na intuitivamente em seu
próprio trabalho. Eles devem conectar essa intenção a uma análise do ofício de
professor, dos desafios da profissionalização e do papel da formação inicial e
permanente na evolução do sistema educativo.
Seja qual for o público, os professores também devem de tornar
formadores. Lutar contra a exclusão, contra o fracasso escolar, contra a violência;
desenvolver a cidadania, a autonomia e criar uma relação crítica com o saber.
Constata-se que o professor como simples transmissor de conhecimento tem seus
dias contados, mais o professor-educador persistirá para sempre. Educadores
voltados para o futuro necessitam buscar em atividades didáticas as respostas e
os caminhos para um ensino mais eficiente, considerando que o aluno é o centro
do processo de aprendizagem e não a escola ou o professor. Infelizmente, há
professores que se distanciam das crianças e dos jovens, que se cristalizam em
posições ultrapassadas e sobrecarregam seus alunos com informações sem
sentido ou mal-apresentadas.
A vida é um processo contínuo de criação de valores e a educação deve
orientar-nos para este fim. O educador deve perseguir e mostrar valores que são
imutáveis: Liberdade, Verdade, Ética, Amizade, Compaixão; temas universais tão
bem exemplificados na obra literária. A principal ferramenta de trabalho do
professor é a sua pessoa, sua cultura, a relação que instaura com os alunos,
individual e coletivamente. Portanto, ele deve descobrir, inventar, criar maneiras
de valorizar o afeto e construir um novo modo de relacionar-se. Um professor que
faz a experiência de ser acolhido, na sua integridade, como o que é como ser
humano, dará novo brilho ao seu campo de atuação.
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS
PARA O APRIMORAMENTO PROFISSIONAL E
CRESCIMENTO PESSOAL
Vós lestes muitos romances e procurais viver um porque a tarefa de um romance é a de ensinar deleitando, e sua lição consiste em tornar reconhecíveis as armadilhas do mundo.
ECO, Umberto. 1994
Ensinar literatura, é preciso? Ensinar literatura na escola de hoje, é
possível? Como proceder à leitura? Construir um significado é transformar o
objeto em signo, ou seja, conduzir conhecimentos já adquiridos para outros em
formação. Conhecer quer dizer conhecer o significado. A leitura de um texto
literário é uma criação subjetiva em que o indivíduo transfere o seu mundo
significativo para o texto. Não há texto objetivo, sempre há vários significados num
mesmo texto, literário ou não. O texto literário existe a partir do momento em que
for lido e interpretado, nunca está dito de uma vez por todas, pois a cada leitura há
um olhar a mais.
Outros fatores, internos e externos, também interferem na relação com a
leitura. Trata-se de um jogo complexo em que intervêm o leitor, o autor e a língua.
Uma cultura é algo que ao transmitir-se, acrescenta-se, ou seja, cada vez que se
transmite alguma coisa há transformação, modificação, crescimento.
Além disso, através da intimidade com a leitura, o professor priorizará a
qualidade de vida como um todo, valor fundamental de uma filosofia voltada para
a totalidade. Sendo assim, vivemos o desafio de transformar o atual sistema
educacional, de modo que ele possa atender a um mundo globalizado, em todos
os sentidos. Precisamos de uma educação do eu como parte da espécie humana,
uma educação do senso de humanidade, esquecida pelo individualismo
exacerbado em que vive a sociedade atual.
Portanto, a leitura de textos literários dá uma nova perspectiva, uma nova
visão de mundo ao professor no sentido de que ele precisa cada vez mais estar
atento às mudanças de métodos, de currículos, de recursos didáticos que estão
ocorrendo à sua volta. Entretanto, ele só estará (e deverá sempre estar!) atento às
mudanças que se fazem necessárias, se estiver disposto, aberto a elas.
PESQUISA DE CAMPO – RESULTADOS E ANÁLISES
Com o objetivo de procurar novas fontes de investigação foi elaborada uma
pesquisa de campo junto a professores de diversas faixas etárias e níveis de
formação, de escolas públicas e particulares para mapear, por exemplo, as
práticas de leitura mais freqüentes, os tipos de textos lidos, as motivações que
levam as pessoas a ler, entre outros. Traçar também o perfil dos entrevistados
quanto ao seu nível de leitura.
Através da análise das respostas dadas pôde-se levantar subsídios teóricos
acerca da prática da leitura dos textos literários. Foram selecionados dezesseis
professores do curso de pós-graduação em Supervisão Escolar da UCAM para
entrevista já que nesta turma há uma diversificada amostragem: professores do
ensino fundamental, do ensino médio e do ensino profissionalizante (SENAI),
professores da rede pública de outros municípios como Saquarema, RJ, além de
professores da rede particular. Além disso, por estarem num curso de pós-
graduação, a hipótese era de que nesse grupo seria possível encontrar
professores com formação acadêmica e prática pedagógica atualizadas.
Utilizou-se como base um questionário, com questões objetivas, elaborado
pelo PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura do Ministério da
Cultura. Porém, apenas o questionário era insuficiente porque deixaria de lado o
aspecto dialógico, essencial ao trabalho. Para tanto, foram feitas entrevistas e
conversas informais. Algumas declarações encontram-se transcritas em anexo
(anexo 2), assim como o modelo do questionário (anexo 1) a que foram
submetidos os professores.
Finalmente, as opiniões e respostas dos professores entrevistados foram
analisadas e interpretadas. Concluiu-se que a maioria dos professores:
a) Lêem apenas textos informativos tais como jornais, revistas especializadas
de sua área, especialmente nos fins de semana;
b) dispõem, em média, de 100 títulos em casa;
c) para se divertirem preferem os best-sellers ou livros de auto-ajuda;
d) leram mais no período de 26 a 40 anos;
e) não têm o hábito de ler obras literárias, mas algumas professoras admitiram
gostar de poesia.
f) sentem necessidade de ler mais, mas dizem que não foram incentivadas a
criar a hábito da leitura no período escolar;
g) citaram a falta de tempo como empecilho para lerem mais.
CONCLUSÃO
É mais fácil se chegar à ficção certa por linhas tortas do que por linhas impostas.
TAVARES, Zulmira. 1999
A escola deve ser capaz de promover o desejo do aprendizado, pois ela é a
sistematizadora de conhecimentos que levam à aprendizagem. Logo, é chegada a
hora da criatividade, da ousadia, é chegada a hora de envolver os professores
num grande projeto de vida capaz de descobrir o novo, momento a momento,
unidos pelo amor e pela vontade consciente de se construir um mundo mais justo
e mais próspero.
Constata-se que a vida no novo século pressupõe uma educação voltada
para a prática, não de forma mecanizada, porém, contribuindo para a formação de
um cidadão feliz e atuante onde a cidadania seja exercida em sua plenitude, é a
“felicidadania” de Betinho. Para que esta prática aconteça deve-se cultivar a
esperança de construir o Brasil de nossos sonhos e o investimento na educação
tem que ser prioritário, nesse momento especialmente em que o Governo Lula
está voltado para as grandes carências populares. A consciência desse complexo
processo rumo à educação de qualidade não pode ser adquirida através do estudo
de conceitos teóricos, mas de uma vivência que seja capaz de modificar a
mentalidade, criando uma nova forma de conceber e vivenciar, no cotidiano, uma
nova postura que se refere às relações interpessoais no ambiente escolar.
Urge, portanto, sensibilizar o professor para a importância para ele próprio e
para seus alunos, da leitura dos textos literários que, na verdade, têm esse poder,
quase mágico, de aproximar as pessoas. E esse clima estabelecido terá como
resultado a melhoria na qualidade de ensino. Entretanto, é preciso principalmente
que o professor ame o que faz e o espaço físico em que trabalha porque sua
realização como pessoa não pode construir-se estando embasado em ilusões,
mas somente se estiver pautada na realidade de que é preciso mudar, ter
confiança em si mesmo e a certeza de que a estrada é longa, mas não solitária.
Na certeza de que construir um novo modo de relacionar-se é uma arte, a
boa literatura é um dos caminhos para essa transformação da prática pedagógica.
Pois se podemos admitir que um indivíduo rejeite a leitura, é intolerável que ele
seja rejeitado por ela.
BIBLIOGRAFIA
Livros
ANTONIO, Severino. A utopia da palavra, linguagem, poesia e educação:
algumas travessias. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.
BORGES, Jorge Luís. Sete noites. São Paulo: Max Limonad, 1987.
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das
Letras,2002.
CAMPOS, Maria Inês Batista. Ensinar o prazer de ler. São Paulo: Editora
Olho d’água, 1999.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1982.
FREITAS, Nilson Guedes de. Pedagogia do amor. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2000.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São
Paulo: Editora Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.
PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998.
PERRENOUD, Phillipe. A prática reflexiva no ofício do professor:
profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed Editora,
2002.
ROGERS, Carl. Liberdade para aprender. Btt Interlivros, 1978.
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José
Olímpio, p.258.
Artigos de revistas especializadas e jornais
MARANGON, Cristiane e LIMA, Eduardo.Os novos pensadores da
educação. Revista Nova Escola, agosto 2002.
TOFFLER, Alvin. Ensinar o século 21. Extraído da Folha de São Paulo,
08/03/98.
ANEXOS
ANEXO 1 - Modelo do questionário submetido aos professores. Este questionário
consta de perguntas objetivas.
1- Você lê jornais? Que partes do jornal você lê prioritariamente?
Com que freqüência?
2- Você lê revistas? Especializada (em educação, leitura, informática,
etc)? Com que freqüência?
3- Você lê livros de literatura? Que gêneros? Com que freqüência?
4- Você lê livros didáticos? Qual sua área de preferência?
5- Você consulta enciclopédia? Dicionários? Com que freqüência?
6- Você lê livros de auto-ajuda? Que outro tipo de texto você lê?
7- Onde você consegue material de leitura?
8- Em que período de sua vida você leu mais?
9- Quando você lê mais? Onde você lê mais? Como você lê?
10- Você lê para divertir-se, informar-se, por obrigação escolar, por
obrigação profissional, para conhecer uma doutrina religiosa?
11- Você tem livros em casa? Quantos?
12- Dados sobre o entrevistado: faixa etária, sexo, nível de renda,
nível de escolaridade e profissão?
ANEXO 2 - AMOSTRAS DE DECLARAÇÕES DE PROFESSORES
Declaração nº 1:
Suely Mesquita - professora de Matemática da rede particular, Colégio Faria Brito
e pós-graduanda em Construtivismo e Educação pela Universidade de Madrid e
Flacso
Antes de responder à primeira pergunta, gostaria de fazer outras: Será que
foi-nos desenvolvido, ainda quando éramos crianças (e hoje professores) o prazer
pela leitura? Será que foi estimulada a famosa autonomia para que pudéssemos
nos tornar leitores críticos, capazes de pensar e avançar em nossos
conhecimentos? Como a leitura foi usada para construir esses conhecimentos?
Ela foi capaz de abrir novos caminhos? Permitiu que viajássemos em nossas
fantasias e imaginação? Fomos ou somos pessoas mais criativas?
Acredito que essas perguntas levam a crer que a leitura é fundamental na
vida de um professor. Mediador do processo de ensino-aprendizagem, ele precisa
"testemunhar" aos alunos que, somente através da leitura, ele poderá se tornar
participante ativo desse processo. Para dar um bom testemunho, o professor
precisa abrir um espaço em sua agenda destinado a leitura. Acredito que,
atualmente, por conta dos novos rumos da Educação, o profissional deste ramo
necessita estar mais atento às informações que circulam ao seu redor. A influência
da imagem, mais que a escrita, torna-nos pessoas mais imediatistas e dispostas a
"perder", cada vez menos, o nosso precioso tempo. Precisamos estar atentos a
essa situação. Tanto a linguagem escrita quanto a oral nos abre espaço para que
sejamos pessoas comprometidas com a sociedade, preparadas para exercer e
enfrentar o mercado de trabalho de forma diferenciada. Que lê mais, torna-se mais
informado, mais crítico, mais criativo e mais autônomo.
Declaração nº 2:
Cássia S. Soares – professora de inglês da rede pública municipal e do curso
C.C.A.A.
Como professora de inglês preciso estar bem informada sobre os assuntos da
atualidade para poder debater com os alunos nas aulas de conversação e também
os utilizo como temas de redação, por esse motivo leio diariamente o jornal e
semanalmente algumas revistas. Porém, tenho consciência da importância da
leitura das obras literárias dos principais autores nacionais e estrangeiros que
muitas vezes conheço apenas de nome, já que costumo freqüentar livrarias, Feira
do livro, mas sinceramente talvez por falta de tempo ou de interesse não consigo
ler livros de literatura como romances, poemas, etc. Gostaria de ter mais vontade
para esse tipo de leitura.