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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRO-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PAULA ROSA FERREIRA DE SOUZA ORIENTADOR: ANTÔNIO FERNANDO VIEIRA NEY RIO DE JANEIRO, ABRIL/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRO-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

PAULA ROSA FERREIRA DE SOUZA

ORIENTADOR: ANTÔNIO FERNANDO VIEIRA NEY

RIO DE JANEIRO, ABRIL/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRO-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

PAULA ROSA FERREIRA DE SOUZA

Monografia apresentada ao Curso de

Pós-Graduação Lato Sensu em

Psicopedagogia da Universidade

Candido Mendes.

RIO DE JANEIRO, ABRIL/2002

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Dedico este trabalho a todos os profissionais compromissados com a educação.

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Agradecimentos

Para que não venha a esquecer de nenhuma pessoa especificamente, agradeço a todas as pessoas que me auxiliaram, direta ou indiretamente na elaboração deste trabalho.

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A Bordo do Rui Barbosa O marinheiro João Chamou se colega Cartola E pediu: “Escreve pra mim uma linha, Que é pra Conceção. ” “Tu é analfa? ” disse o amigo E sorriu com simpatia Mas logo depois amoitou Porque era analfa também. Mas chamou Chiquinho Que chamou Batista, Que chamou Geraldo, Que chamou Tião, que decidiu. Tomou copo de coragem E foi pedir uma mãozinha Para o capitão, Que apesar de ranzinza, É um homem bem letrado, É um homem de cultura E de fina educação. E João encabulado, Hesitou em ir dizendo Abertamente assim O que ia fechado Bem guardadinho No seu coração. Mas ditou... E o capitão, boa gente, Copiou com muito jeito, Num pedaço de papel: “Conceição... ... No barraco Boa Vista Chegou carta verde Procurando Conceção ”. A mulata riu E riu muito, Porque era a primeira vez, Mas logo amoitou. Conceição não sabia ler, Chamou a vizinha Bastiana

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E pediu: “Quer dar uma olhada? Que estou sem óculos. Não enxergo bem. ” Bastiana também sofria da vista, Mas chamou Lurdinha Que chamou Maria, Que chamou Marlene, Que chamou Iaiá. Estavam todas sem óculos. Mas Emília conhecia Uma tal de Benedita, Que fazia seu serviço Em casa de família E tinha uma patroa Que enxergava muito bem. Mesmo a olho nú. E não houve mais problemas. A patroa, boa gente, Além de fazer favor, Achou graça e tirou cópias Para mandar às amigas. Leu pra Benedita, Que disse a Emília, Que disse a Iaiá, Que disse a Marlene, Que disse a Maria, Que disse a Lurdinha, Que disse a Bastiana, Que disse sorrindo A Conceição O que restou do amor, O que restou da saudade, O que restou da promessa, O que restou do segredo De João.

Chico Buarque

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SUMÁRIO

Resumo.................................................................................................................................08 Introdução.............................................................................................................................09 1-Breve Trajetória da Educação de Jovens e Adultos..........................................................10 2- O Analfabeto....................................................................................................................21 3-Considerações sobre alguns Projetos...............................................................................26 4-O Alfabetizador e seus Métodos......................................................................................33 Conclusão.............................................................................................................................38 Bibliografia..........................................................................................................................43

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as políticas públicas para a

Educação de Jovens e Adultos no Brasil, tendo por base o acompanhamento de projetos,

programas e iniciativas do governo, no que se refere à chamada erradicação do

analfabetismo, ou mesmo a expansão do nível de escolaridade, buscando perceber a

relação entro o proposto e o realizado. Apontando considerações pertinentes ao contexto

histórico da EJA, seguidas da discussão de quem é o sujeito que necessita ser alfabetizado,

quais são suas expectativas e realidades, respeitando seus valores culturais, assim como

seus anseios de acesso ao mercado de trabalho e a condições dignas de vida. Foi

identificando quem é o alfabetizador e como se deu sua formação, que pude constatar que a

grande maioria não possui a formação adequada para lidar com este público. No currículo

dos cursos de formação de professores, não existe espaço para esse tipo de educação que

geralmente é voltado para o público infantil. Há que se levar em consideração a

necessidade de que o adulto precisa aprender a totalidade do saber existente no seu tempo,

e o seu papel como ser pensante e atuante na comunidade. Estas constatações não devem

nos levar a uma postura fatalista, de que tudo está perdido, mas sim a de buscarmos

identificar iniciativas voltadas para um compromisso de garantia da Educação de Jovens e

Adultos.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é decorrente do interesse surgido após a participação em

um projeto que visa a alfabetização e leitura, em cujo qual pude ter um estreito contato

com a Educação de Jovens e Adultos. Desde então cresceu a vontade de me aprofundar um

pouco mais sobre esta temática, no entanto, por medo de me prolongar demais delimitei a

escrever apenas sobre a Alfabetização de Jovens e Adultos.

Para desenvolver este trabalho prossegui sob a seguinte lógica: como

falar de Alfabetização de Jovens e Adultos sem antes situá-la historicamente, e para tanto

fiz uma Breve Trajetória da Educação de Jovens e Adultos no capítulo 1. Depois, descrevi

o Analfabeto, no capítulo 2, aonde tentei discutir sobre a definição deste sujeito e seus

anseios. Prosseguindo nesta lógica, achei relevante fazer Considerações sobre Alguns

Projetos, no capítulo 3, onde delimitei descrever sobre apenas dois projetos, sendo um

extinto e um atual. E após situar a Alfabetização de Jovens e Adultos historicamente, falar

sobre o analfabeto e sobre alguns projetos decidi no último capítulo escrever sobre o

Alfabetizador e seus Métodos, descrevendo sobre a formação deste profissional e os meios

que mais utilizam para exercerem o seu trabalho.

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BREVE TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS

E ADULTOS (EJA) NO BRASIL

A EJA surgiu no Brasil concomitantemente com a educação elementar

proporcionada pela Companhia de Jesus, com o propósito de catequizar os indígenas

adultos e crianças. Utilizaram a alfabetização e a transmissão do idioma português como

instrumento de cristianização e aculturação dos nativos. No entanto, os meios que estes

utilizaram nem sempre foram pacíficos, como nos relata Neves:

“Os jesuítas têm como forma primeira e preferencial de conversão o ‘convencimento’. Pretendem fazer entender a doutrina cristã pelo gentio através da razão atingida por práticas pedagógicas institucionais (escolas) ou não (‘exemplo’), pacíficas. A partir do momento em que a estratégia do ‘convencimento’ se revela insuficiente para converter, os inacianos passam a aceitar a idéia da guerra justa a fim de que fossem ‘domados’ aqueles que insistem em comer Bispos ou roubar apitos... (1978: 68 e 69)”

No século XVI os Jesuítas eram pedagogos que queriam um trabalho

prolongado e contínuo de entendimento da Palavra pela ação da razão. “É pela pedagogia

sem armas, visíveis que querem dissolver a ‘barbárie’ integrando-a à ‘civilização’. Os

Jesuítas eram soldados que eventualmente vestiam batinas”. (Ibid: 69)

Segundo Neves estes não eram nem mansos professores que vieram

ensinar a civilização ao Brasil, nem tampouco sanguinários guerreiros colonialistas.

Entretanto ao passar essa fase inicial de colonização, a educação ao

público adulto perdeu sua importância e as atividades econômicas coloniais não exigiam o

estabelecimento de escolas para a população adulta composta de portugueses e seus

descendentes e ainda menos a população escrava.

Somente no período imperial, 1860 surge a primeira escola noturna para

adultos, a de São Bento no Maranhão. Nas décadas de 70/80 desse século, ocorreu o

primeiro surto expressivo de criação de escolas e cursos para adultos, sendo que esse

primeiro surto se restringiu à difusão da escola elementar noturna, coincidiu com a

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primeira arrancada industrial e com a reforma do sistema eleitoral (Lei Saraiva de 1885,

que excluiu o analfabeto do contigente eleitoral). Para Vanilda Paiva, essa reforma

contribuiu na difusão da “idéia de que a educação concorria para o progresso. Além disso,

a eleição direta com restrição ao voto do analfabeto provocara a valorização daqueles que

dominavam as técnicas da leitura e da escrita”. (1973, P. 168)

As primeiras medidas relativas à educação de adultos surgem vinculadas

fortemente a questão política, dentro do sistema formal de educação e de maneira

descentralizada.

Na República não se introduz, de imediato, mudanças substanciais , pelo

contrário, nesse período o quadro educacional evolui de forma lenta. Após a 1ª Guerra

Mundial, a mobilização em favor da educação popular engloba a educação de adultos, mas

somente a partir da revolução de 30 que ocorrem movimentos para essa educação com

alguma significância. No entanto, programas concretos de educação de adultos com maior

importância só surgem quando a radicalização política já havia obrigado muitos

educadores a abandonarem seu “neutralismo” inicial e reconhecerem o papel da educação

como veículo de difusão de idéias e sua significância na recomposição do poder político e

das estruturas sócio-econômicas fora da ordem vigente. Somente neste período que o

Brasil começou a se preocupar com a EJA devido a pressão exercida pelas demandas de

industrialização e urbanização, foram elaboradas políticas oficiais voltadas para a

alfabetização de jovens e adultos, visando sua inserção no mercado de trabalho; outra

pretensão, além desta de preparação de mão-de-obra era aumentar o contingente eleitoral.

O Estado Novo não propiciava especulações acerca do papel da

alfabetização na modificação do equilíbrio político-eleitoral no campo ou na recomposição

do poder político ou das estruturas sócio-econômicas em geral. A educação é utilizada

como veículo de difusão ideológica, como instrumento de sedimentação do poder

constituído através da propaganda difundida por intermédio do sistema de ensino e da

educação moral e cívica.

A educação popular teve incentivo externo da UNESCO, órgão

vinculado à ONU (1945), que passou a estimular a criação de programas nacionais de

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educação de adultos analfabetos. O movimento liderado pela UNESCO resultou no

aparecimento de movimentos de educação de adultos nas regiões mais atrasadas.

Nos anos 40 reacende-se o tema dos altos índices de analfabetismo com a

atuação de Teixeira de Freitas, à frente do Serviço de Estatística da Educação, e a educação

de adultos começa a ganhar relevância. Torna-se independente com a dotação de 25% dos

recursos do Fundo Nacional de Ensino Primário (FNEP) para uma campanha

especificamente destinada à alfabetização e educação de adultos. Teixeira de Freitas

argumenta que “a cultura dos trabalhadores aperfeiçoará os métodos e técnicas do trabalho,

tornando-se mais suave e mais produtivo.” (1946: 186) Com relação ao estado da

escolarização desta época Teixeira de Freitas constata que o Brasil continuará por muito

tempo dependendo do ensino supletivo “para melhorar – ou mesmo apenas manter sem

agravação – a humilhante taxa de 55% de analfabetos na população adulta”. (Ibid: 222)

A preparação do plano geral de ensino supletivo ficou a cargo do

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP- que propôs a criação de escolas

noturnas nos Estados, a subvenção para escolas particulares e distribuição de auxílio, em

material escolar, a quem se dispusesse a contribuir na campanha de educação de adultos.

Este procedimento marcou o início da institucionalização da educação de adultos pela

União.

Em 1947 os delegados estaduais e municipais, ao serem convocados,

pelo Ministério da Educação para discutir e preparar o lançamento da Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos decidiram realizar o I Congresso de Educação de

Adultos, em cujo qual destacou-se a importância dessa educação para o pleno

funcionamento da democracia, defendiam a alfabetização em nome do exercício da

cidadania. Em suas conclusões os congressistas sugeriram a criação de uma Lei Orgânica

de Educação de Adultos que tratasse do ensino supletivo, de curso de continuação e de

aperfeiçoamento e de universidades populares oficiais e particulares; discutiram a

necessidade de preparação de professores para o ensino supletivo e de material didático

próprio para a educação de adultos relacionados à vida comunitária. A CEAA teve seu

período áureo entre 1947 e 1953, quando o número de classes aumentou, mas em 1954

começou o seu declínio, quando escassearam os recursos necessários a sua ampliação. O

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auge do declínio da Campanha ocorreu com a convocação para o II Congresso de

Educação de Adultos (1958), onde ocorreu o reconhecimento oficial do fracasso do

programa. Nesse encontro apareceu a necessidade de se buscar novos métodos para

alfabetização e a educação de adultos e como resposta a esta necessidade apareceram as

teses de educação de adultos como meio de transformação social. Apesar desse Congresso

ter por objetivo a formulação de diretrizes para a ação governamental nessa área, suas

conclusões não resultaram em medidas concretas.

No período de 60/64, a educação e a cultura não mais se prestavam a

simples formação do eleitorado: passaram a ser utilizados como instrumentos de

transformação da estrutura social, da formação de seres conscientes, críticos e

participantes. Eis, a proposta dos grupos e movimentos da época:

“Os diversos grupos lançam-se ao campo da atuação com objetivos políticos claros e mesmo convergentes... Pretendiam todos a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua recomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Além disso, fortemente influídos pelo nacionalismo, pretendiam o rompimento dos laços com o exterior e a valorização da cultura autenticamente nacional, a cultura do povo. Para tanto a educação parecia um instrumento de fundamental importância”. (PAIVA: 1973, p. 230)

No Governo Jânio Quadros criou-se o Movimento de Educação de Base

(MEB), que se restringia às regiões norte, nordeste e centro-oeste e se incumbiria de criar

um plano qüinqüenal (61/65); e a campanha de Mobilização Nacional contra o

Analfabetismo (MNCA), para atuar nas regiões não atingidas pelo MEB, porém este

trabalho só foi implantado em 1962, planejava o cadastramento dos jovens e adultos

analfabetos entre 12 e 21 anos e a instituição de cursos de alfabetização. Também nesse

ano criou-se o Programa de Emergência que objetivava a ampliação e melhoria qualitativa

do ensino primário e da alfabetização da população adulta:

“ O Programa de Emergência propunha-se como meta atender prioritariamente `a população analfabeta da faixa de 14 a 18 anos. (...) propunha-se então, esse Programa, eliminar no prazo de cinco anos o analfabetismo entre os brasileiros com menos de 23 anos”. (MANFREDI: 1981, p. 50 )

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No âmbito social, surgiram vários movimentos centrados em atividades

ligadas a educação e a cultura popular, dentre eles se destacam dois:

- os Centros de Cultura Popular (CPCs), que surgiram entre 61/62, com

uma ligação com a UNE. A partir do final de 63 o CPC começou a atuar com

alfabetização.

- os Movimentos de Cultura Popular (MPCs) que propunham combater o

analfabetismo e elevar o nível cultural do povo.

Em setembro de 63 realizou-se o I Encontro Nacional de Alfabetização

com o propósito de avaliar, realizar trocas de experiências e análise da possibilidade da

criação de uma coordenação nacional dos movimentos de educação e cultura popular.

Em 64 ocorreu o lançamento do Programa Nacional de Alfabetização –

PNA – com esse programa o governo pretendia alfabetizar 5 milhões de brasileiros até

1965, através do método Paulo Freire. Mas, com a eclosão do Movimento de 64, as

pretensões do governo foram cortadas. Em abril de 64 esse Programa foi extinto.

Com o sistema Paulo Freire inaugurou-se uma nova etapa na educação de

adultos no Brasil, surgiu uma nova pedagogia que se voltava para o adulto, marcando o

encontro entre a educação popular e a cultura popular. Entretanto com a interrupção das

experiências baseadas nessa pedagogia, em 64, a avaliação desta prática foi insuficiente.

No governo pós-64 houve uma forte repressão aos grupos e instituições

que atuavam em projetos de educação e cultura popular. O MEB sobreviveu, mas teve

como condição de sobrevivência o rompimento com as propostas libertadoras de educação.

Nesse contexto aparece a Cruzada de Ação Básica Cristã (Cruzada ABC), que lançava mão

de metodologia tradicional de alfabetização. Em 67 assinou-se um convênio entre o MEC e

a Cruzada ABC, objetivando a implantação do programa em âmbito nacional, com a

pretensão de se atingir 2 milhões de adultos em 5 anos.

A Cruzada preocupou-se com a formação de pessoal treinado para a

educação de adultos (supervisores, professores) e com a preparação de material didático,

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inclusive cartilhas, esse programa era realizado em quatro fases, com cinco meses cada

fase. Com a criação do MOBRAL em 67, que difundia a tendência predominante a partir

de 64, difundiu a ideologia do desenvolvimento, objetivando fortalecer o modelo de

dominação e modernização vigentes; e a queda de seu prestígio a Cruzada foi

progressivamente extinta (anos, 70/71).

O governo federal iniciou a retomada da questão da educação de adultos

com o decreto n.º 57.895 passando a responsabilidade de elaboração de programas

intensivos de erradicação do analfabetismo ao Departamento Nacional de Educação. Em

66 surgiu o Plano Complementar do Plano Nacional de Educação (não implantado) e

também foi criada a Comissão Nacional de Alfabetização e de Educação Assistemática no

MEC para por em prática o Plano Complementar.

Entre 67 a 70 os órgãos federais de educação e planejamento limitaram-

se a estudar e levantar as fontes potenciais de financiamento para a execução de um

programa nacional de educação de adultos.

Durante o regime militar, uma legislação específica organizou a EJA em

capítulo próprio: o Ensino Supletivo da lei n.º 5.692/71. Pela primeira vez a educação de

jovens e adultos adquiriu estatuto próprio em termos legais, diferenciando-se do ensino

regular básico e secundário. Embora esta mesma lei limitava o dever do Estado à faixa

etária dos sete aos catorze anos de idade, reconhecia a educação de adultos como um

direito de cidadania.

Em 1986 o MOBRAL transformou-se na Fundação Educar, que se

extingui em 1990 e praticamente houve um esvaziamento das ações em nível federal.

Posteriormente a constituição de 1988 ampliou o dever do Estado para

com todos aqueles que não têm a escolaridade básica, independentemente da idade,

colocando a educação de pessoas jovens e adultas no mesmo patamar da educação infantil,

através do reconhecimento da incapacidade da sociedade em garantir escolarização básica

para todos na época adequada. Destinou ainda 50% dos recursos para fazer frente ao

analfabetismo e universalizar o ensino fundamental, estabelecendo um prazo de dez anos.

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No plano internacional, desde a 1ª Conferência de Educação de Adultos

(1949), promovida pela UNESCO até a 5ª Conferência em 1997 tem havido um aumento

no reconhecimento por parte da sociedade mundial e dos organismos internacionais da

importância da educação de adultos no fortalecimento da cidadania e na melhoria do bem-

estar da sociedade. Entretanto, apesar desse reconhecimento, em 1990 a UNESCO

denunciou que havia no mundo cera de 1 bilhão de pessoas que não tinham domínio da

leitura e escrita. Em 1995, no Brasil 18 milhões de pessoas entre a população acima de dez

anos de idade eram analfabetas, isso se considerar que 50% da população com mais de

catorze anos não conclui o ensino regular e, portanto, podem se consideradas como

analfabetas funcionais.

No Ano Internacional da Alfabetização (1990), realizou-se em todo país

diversos debates, encontros, congressos e seminários por entidades governamentais ou não

no sentido de discutir e apresentar propostas para a erradicação do analfabetismo

brasileiro. Neste mesmo ano o governo Collor lançou o PNAC – Programa Nacional de

Alfabetização e Cidadania, que pretendia reduzir em 70% o número de analfabetos no país

nos cinco anos seguintes, mas fez mais barulho do que propriamente agiu, deixando de

existir gradativamente, por falta de apoio financeiro e político. O discurso da inclusão que

era mantido até aquele momento, passou a ser substituído pelo discurso da exclusão, do

estabelecimento de prioridades com restrições de direitos.

Com o “Impeachement” do Presidente Collor, o seu vice, Itamar Franco,

assume a presidência, e no que se refere à EJA tenta um fortalecimento da discussão que

vinha acontecendo em torno da implementação de um programa sistemático, não apenas de

alfabetização, mas de garantia do Ensino Fundamental para Jovens e Adultos. Em 1994

nasce o documento de Diretrizes para uma Política Nacional de Educação de Jovens e

Adultos.

Na sucessão desse governo, o atual Presidente Fernando Henrique

Cardoso e sua equipe à frente do Ministério da Educação, mantém o caráter descontínuo na

política educacional brasileira. Houve uma desconsideração de toda a mobilização

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realizada para a elaboração da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e dos encontros ocorridos

no ano de 1996, num processo de levantamento da realidade do atendimento em EJA e às

propostas de avanço para o mesmo.

Na LDB a Educação de Jovens e Adultos reduziu-se basicamente a

cursos e exames supletivos, inclusive, com a redução da idade para a prestação dos exames

caracterizou-se um incentivo aos jovens ao abandono às classes regulares de ensino. O

substitutivo Darcy Ribeiro representou um golpe em todo o processo democrático de

discussão do projeto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados em 1993.

No próximo capítulo pretender-se-á discutir quem é o sujeito que

necessita ser alfabetizado, o que é ser analfabeto, quais são suas expectativas e sua

realidade.

O ANALFABETO

No decorrer da nossa história atribuíram-se muitas denominações aos

analfabetos. Para o desenvolvimento deste trabalho percebeu-se a relevância de descrever

algumas dessas definições.

Em uma análise ingênua se diria que esse aluno é analfabeto porque não

sabe ler e escrever. No entanto este termo analfabeto aplica-se a indivíduos pertencentes a

uma cultura onde a leitura e escrita são elementos básicos e indispensáveis e não são

utilizados por total desconhecimento. (DI ROCCO: 1979, p. 12)

Estatisticamente, o fato dos indivíduos atingirem 15 anos de idade, sem

saber utilizar os recursos mínimos da comunicação lida e escrita, equivale a classificá-los

como analfabetos. Analfabetos, tanto para a UNESCO e quanto para o MOBRAL, são

aqueles adultos que não conseguem redigir um bilhete simples, critério este mais concreto

que a simples assinatura do nome, como condição de avaliação de alfabetização.

No entanto, dentre as proposições aprovadas no Congresso Brasileiro de

Alfabetização realizado em 1990, surgiu a seguinte proposta:

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“Deve-se superar o conceito restrito de que alfabetizado é ‘o indivíduo capaz de ler um bilhete simples’.* Estar alfabetizado é integrar à vida de qualquer cidadão a condição de leitor, escritor e comunicador, bem como, garantir o acesso a outros conhecimentos que ampliem sua inserção crítica e participativa na sociedade.”(SEMEC-SP:1992, p. 17)

________________

* Conceito adotado pelo IBGE para fins censitários.

Além daqueles indivíduos que se encaixam nestes conceitos acima,

ocorre um outro tipo de analfabetos, são denominados “analfabetos funcionais” (termo

surgido na década de 90) cujos quais são aquelas pessoas que embora tenham passado pelo

processo de escolarização não conseguem utilizar esses conhecimentos em sua vida

cotidiana.

Acerca do analfabetismo, existem alguns mitos e preconceitos, como, a

incompetência e a preguiça desses indivíduos; a culpabilização ao próprio analfabeto ou a

sua família, jamais a sociedade como um todo. Preferem ignorar que alguns deles não

chegaram a freqüentar a escola quando criança e se freqüentaram, não permaneceram por

muito tempo, devido a vários motivos. Dentre eles, a dificuldade de se encontrar vagas

para todas as crianças no primeiro ano escolar na idade apropriada; dificuldade de vagas

em escolas próximas à residência; falta de incentivo dos pais; migração; a necessidade de

trabalhar que começa cada vez mais cedo e acaba por prejudicar o rendimento do aluno,

pois a escola não foi feita para aqueles que precisam trabalhar, e o aluno acaba de

reprovação em reprovação abandonando à escola. Além desses, concorrem fatores ligados

à precariedade do serviço educacional oferecido às populações de baixa renda.

Quanto à permanência, mesmo aqueles que passam pouco tempo por ela,

acabam por carregar as marcas deixadas por uma escola discriminatória, desaculturada, de

baixa qualidade, com professores desatualizados e muitas vezes descompromissados.

Trata-se pois, de uma trajetória escolar marcada pela exclusão, o que contribui para

dificultar o processo de retorno desses alunos à escola.

A superação do analfabetismo é um dado indiscutível e aceito como

compromisso de todas as sociedades contemporâneas. Conceitos e concepções sobre o

significado da alfabetização estão presentes no meio acadêmico, político e social. O

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mesmo acontece em relação à escola e à escolarização que aparecem no imaginário social

de forma mitificada, repleta de falsas promessas de ascensão social. Aos olhos do povo,

conforme CECCON (1994, p.18), a escola é praticamente o único meio de ascensão social,

de subida na vida. O sucesso nos estudos garantiria as oportunidades de compensação das

desigualdades sociais.

As superações sociais atribuídas à educação, à escolarização e em

especial à alfabetização, estão fortemente internalizadas nas pessoas e são expressas

através de diferentes condutas. Vivendo numa sociedade que faz uso da leitura e da escrita

para finalidades individuais e coletivas, o analfabeto é automaticamente inferiorizado num

certo número de situações cotidianas. Além disso, sua identidade social é marcada por um

estigma. Isso fica bem representado quando o aluno diz que através do estudo “vai ser

alguém”. Será que já não era antes do estudo? É necessário que ocorra a desmistificação da

incompetência do analfabeto, pois uma pessoa analfabeta, é aquela que não domina a

linguagem letrada do país, é, porém, uma pessoa apta, na medida em que domina outras

linguagens, outras formas de expressão. Portanto, dizer que ela não tem capacidade não

passa de um preconceito, pois ela vive, trabalha, expressa, comunica e está interagindo ao

seu meio.

No entanto, para poder entender melhor o que é ser analfabeto, nada

melhor do que a fala de um aluno de uma turma de pós-alfabetização:

Um homem analfabeto

Um dia quando era criança fui a escola, só aprendi 1, 2, 3 e a, e, i, o, u sabia faze meu nome. Hoje sei que não aprendi o principal. O tempo passo é voltei a ser analfabeto. Que dor. Não sai da escola porque queria, ser pobre nesse país é difícil. Casei tivemos filhos e eles foram para a escola. Começaram a pergunta o que era tudo. Não sabia quem era eu? Um Homem vazio sem letra. Chega. Voltei a escola para aprende que esqueci e falar de coisa e escreve essas coisas que eu não sabia que era capaz. Hoje sei o que é ser comum e também principal como todo mundo. José Paulo Souza - 16/06/95 (MARTINS: 1995, p. 27)

Este texto mostra a identidade do homem analfabeto, que geralmente,

busca ser igual ao outro homem (o homem culto), pelo próprio processo de ideologização

vivido por ele. Ser igual ao outro, para alguns alunos, passa pela aprendizagem da leitura e

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escrita como um processo de equivalência, não uma emancipação. A aquisição da cultura

letrada, na maioria das vezes, é um precedente para ser aceito como pessoa.

“Enfim o analfabetismo deve ser estabelecido em função dos níveis de capacidade de leitura e escrita que cada sociedade tem. O professor Álvaro Vieira Pinto costumava dizer que analfabeto é não apenas quem não é capaz de ler, mas também quem não precisa ler, referindo-se às culturas de memória preponderantemente oral. A esta observação, eu acrescentaria: analfabeto é sobretudo aquele que é proibido de ler pelas injustiças das estruturas sociais. Hoje, o país tem 20 milhões de analfabetos, do ponto de vista técnico, porque, associados a eles, há outros milhões que são analfabetos porque são proibidos de participar da vida política do país. Para mim, o analfabetismo não é apenas lingüístico, mas também político e atinge as classes trabalhadoras e as grandes massas populares. ” ( FREIRE: 1985, p. 13 )

Falta à sociedade uma tomada de consciência quanto ao que significa,

para um ser humano, chegar aos dias atuais, onde a ciência e tecnologia organizam novas

linguagens, novas formas de relações sociais e de participação no mundo, em condições de

cidadania restrita, ainda que produtores de bens culturais.

Para um melhor entendimento da educação de jovens e adultos no Brasil,

percebeu-se a importância de analisar alguns projetos extintos ou não no próximo capítulo.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUNS PROJETOS

Para dar prosseguimento deste trabalho foi escolhido apenas dois projetos

para serem analisados o Mobral e a Alfabetização Solidária. O primeiro por ser

popularmente conhecido e o segundo por ser atual.

A Fundação Mobral foi criada pela Lei n.º5379/67 que só passou a ser

executada a partir de 08/09/70, com uma proposta de alfabetização funcional e educação

continuada de adolescentes e adultos no Brasil. Portanto foi um órgão executor de uma

Campanha alfabetizadora, que ultrapassou a barreira dos 10 anos de existência, ao longo

do qual manteve o discurso do êxito na redução do analfabetismo, de certa forma esse êxito

foi a justificativa para sua extinção, pois se a meta havia sido alcançada não haveria porque

continuar existindo.

O lançamento do Mobral prendeu-se à mobilização política canalizada

através do movimento estudantil em 68 e à promulgação do AI-5, constituindo-se tal

campanha num dos pilares da política educacional do governo militar no período.

Refletindo a influência predominante no pós 64, difundiu a ideologia do desenvolvimento,

objetivando fortalecer o modelo de dominação e modernização vigentes.

Inicialmente suas prioridades eram: o atendimento à população urbana

analfabeta; atendimento prioritário da faixa etária de 15 a 35 anos; ênfase no programa de

alfabetização sobre os de educação continuada.

Após a experiência de 70 chegou-se a conclusão que não podia ter

duração inferior a 3 meses nem superior a 5 meses, apesar do preestabelecimento da

UNESCO de duração mínima de 9 meses, tal prazo era justificado pela afirmação de que

um tempo maior seria cansativo para os alunos, alegava-se que no esquema natural do

saber humano e do nível individual, chega-se a um ponto em que não há mais condições

de aspiração. Portanto o programa ficou tendo duração de 5 meses com 2 horas diárias de

aula.

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Esse projeto surgiu com os seguintes objetivos:

Erradicar o analfabetismo;

Integrar o alfabetizado na força de trabalho;

Possibilitar ao alfabetizado educação continuada;

Oferecer oportunidade para a promoção humana;

Possibilitar treinamento para preparação de mão-de-obra necessária, nos setores de

trabalho;

Incentivar o desenvolvimento comunitário.

A justificativa encontrada para a alfabetização funcional adotada pelo

Mobral foi a seguinte, é aquela que propicia a adolescentes e adultos a aplicação prática e

imediata das técnicas de ler, escrever e contar, permitindo-lhes buscar melhores condições

de vida, e é funcional por levar o homem a descobrir a sua função, o seu papel no tempo e

no espaço em que vive.

Com relação ao material didático foram utilizados materiais de diversas

procedências, produzidos por editoras tradicionais e conceituadas, no entanto, tais sofreram

modificações ditadas pela equipe técnica do Mobral Central. De acordo com o Mobral esse

material era adequado à realidade do educando, de modo a levá-lo a integrar-se no seu

grupo e na sociedade, tornando-se atuante na própria mudança e nas mudanças por que

passava o país. O material didático difundia a idéia da responsabilidade pessoal pelo êxito

ou fracasso, na medida em que ela contribui para que cada um aceite sem revolta o destino

que lhe coube na estrutura social.

A avaliação era um processo global, contínuo e abrangente,

acompanhava-se diariamente o desenvolvimento do aluno. Nos primeiros anos do Mobral

estabeleceu-se 10 itens (decálogo do Mobral), segundo os quais se consideraria o aluno

alfabetizado quando este fosse capaz de, com relativo desembaraço:

Ler e escrever o seu nome, endereço e o de toda sua família;

Escrever pequenos bilhetes, passar telegramas e recibos, redigir requerimentos, se for

orientado para isso;

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Resolver pequenos problemas simples, sobre os acontecimentos diários;

Somar e conferir notas de compra;

Calcular os gêneros alimentícios que precisa comprar;

Fazer troco;

Fazer o cálculo de tempo necessário para viagens e deslocamento em condução;

Expressar-se, oralmente e por escrito, de maneira simples mas compreensível,

comunicando suas idéias sobre assuntos diversos;

Ler e interpretar pequenos trechos (jornais/revistas/cartas), consultar catálogos de

telefones ou ruas;

Ler e executar ordens escritas.

Em 77 o decálogo foi substituído pelo “objetivos terminais”:

Identificar o conteúdo dos textos e das frases que lê;

Escrever textos e frases com sentido completo;

Resolver situações-problema, envolvendo as 4 operações, com números de um ou dois

algarismos, com e sem agrupamentos;

Resolver situações-problema que envolvam medidas de comprimento, cálculo de

perímetro, medidas de capacidade, medidas de massa, medidas de valor, utilizando

quantidades inteiras e frações.

O nível de exigência formal caiu, mas mesmo assim ao considerar o

resultado da pesquisa realizada no nordeste, poucos alunos do 5º mês poderiam ser

considerados alfabetizados.

Também ocorria o retorno de muitos dos alunos mesmo tendo sido

considerados alfabetizados, e isso colocava em dúvida a posição de alfabetizados, pois a

causa do retorno era “não saber ler e escrever”. Existiam também, alunos-alfabetizados

que sabiam escrever e não sabiam ler, fato este que indicava a redução do processo

alfabetizador, neste caso, à memorização de letras e palavras.

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Essa regressão da população alfabetizada pelo Mobral ao analfabetismo

podia ser tão elevada quanto aquela indicada pelas pesquisas realizadas pela UNESCO

sobre outras campanhas.

Outro fato interessante era, os alunos que repetiam o curso e chegavam

ao seu final, ao receberem um certificado eram computados a cada repetição como um

analfabeto a menos, contribuindo para a redução dos índices apresentados pelo Mobral.

Entretanto, esse fato era “compreensível” pela seguinte razão, o pagamento do

alfabetizador variava de acordo com o número de alunos que conseguisse chegar ao final,

esse fato também justificava a aprovação de parte dos alunos com freqüência irregular,

pois onde havia um número demasiado grande de evasão e freqüência irregular o posto do

alfabetizador ficava ameaçado.

Essa precária aprendizagem das técnicas de leitura e escrita que ocorria,

era oferecida uma precária qualidade de ensino, professores leigos formavam o corpo

docente que possuía uma escassa preparação escolar, pouco treinamento e uma precária ou

nenhuma supervisão.

O Projeto Alfabetização Solidária surgiu nos anos 90 com a prioridade de

levar alfabetização aos municípios que possuem os maiores índices de analfabetismo,

situados nas regiões Norte e Nordeste do país, para que os mesmos cheguem pelo menos à

média nacional, ou seja surgiu para acelerar o processo de eliminação do analfabetismo do

país. Para tanto, está pautado em cinco vertentes: a mobilização nacional, um projeto

piloto como referência, a busca e o incentivo a parcerias, avaliação permanente e

mobilização da juventude.

O programa se inicia com a realização da seleção e capacitação de

alfabetizadores em um mês, passando então para o processo de alfabetização que deverá

se efetivar em cinco meses com aulas três vezes por semana. À universidade cabe

selecionar, capacitar e avaliar o trabalho dos alfabetizadores, tendo para isto um encontro

mensal no município de sua responsabilidade. A empresa parceira é responsável pelo

pagamento das bolsas dos alfabetizadores, coordenadores e alimentação dos alunos. O

MEC se responsabiliza pelo fornecimento e reprodução do material didático e de apoio -

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sendo que este material foi enriquecido pela maioria das universidades pelas suas próprias

experiências metodológicas, uma vez constatadas a pobreza do material adaptado -, se

responsabiliza também pela seleção do coordenador do município. Os municípios

viabilizam os alunos. O Comunidade Solidária coordena e articula as ações do Programa.

Inicialmente procurou atender prioritariamente a faixa de 15 a 19 anos,

só que na realidade existem alunos a partir dos 12 anos em diante. Os alfabetizadores

prioritários seriam com 2º grau magistério ou cursando a 8ª série, atualmente admite-se

quem possui o 2º grau completo ou incompleto ou simplesmente quem possui a 8ª série.

O curso de capacitação oferecido pelas universidades conveniadas nos

campus das mesmas, possui duração de 1 mês.

Neste projeto as secretarias municipais de educação, não passam de

espectadores do processo. Após esse período de cinco meses o alfabetizando é considerado

alfabetizado e recebe um certificado, não ocorre uma avaliação do que foi assimilado. Não

é dado prosseguimento a aprendizagem do alfabetizando após este período, é como se

neste curto período se desse conta de todo conhecimento construído historicamente e não

restasse mais nada existe para se aprender.

O que se percebe com esse projeto é que em termos de políticas públicas

para a EJA é que se pretende descentralizar as responsabilidades, promovendo uma ampla

participação de vários setores da sociedade.

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O ALFABETIZADOR E SEUS MÉTODOS

Após ter identificado o alfabetizando e analisar dois projetos, é chegada a

hora de caracterizar quem é o alfabetizador, como se deu a sua formação e como são os

métodos que normalmente utilizam.

Infelizmente o alfabetizador, em sua grande maioria, não possui uma

formação adequada para lidar com esse público. Geralmente, são os professores com

formação a nível de 2º grau, na modalidade normal ou pedagógico, para atuarem nas séries

iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série), que atuam nessa área, ou então professores

leigos. Nos currículos desses cursos não existe um espaço para esse tipo de educação,

muito menos em estágios, pois ele é todo voltado para o público infantil. Apesar desse

ensino para adultos ser uma opção de atuação ao se formarem. Na realidade a instrução

que recebem é bastante precária e acabam por adaptá-la aos jovens e adultos.

Esquecendo-se, que os motivos e interesses entre criança e adulto não são os mesmos. É

necessário considerar que o adulto precisa aprender a totalidade do saber existente em seu

tempo, e principalmente o seu papel como ser pensante e atuante em sua comunidade.

De acordo com a Lei de ensino n.º 9394/96, os conteúdos curriculares

devem ser adequados ao amadurecimento intelectual dos alunos, mas o que muitas das

vezes encontramos é um processo de infantilização do adulto, concebendo-o como um

atraso; ou então, uma criança que cessou seu desenvolvimento cultural e por isso aplicam-

lhe os mesmos métodos de ensino e até utilizam as mesmas cartilhas infantis. Nessa

metodologia, prioriza-se o caráter mecânico e memorizante, reduz a leitura à mera

repetição do texto e não estimula a compreensão das palavras. No entanto, como diria

Paulo Freire, a alfabetização não pode ser reduzida ao mero lidar com letras e palavras,

como uma esfera mecânica. Os profissionais do ensino devem ir além dessa compreensão

rígida da alfabetização e começar a encará-la como a relação entre os educandos e o

mundo, mediada pela prática transformadora desse mundo, que tem lugar precisamente no

ambiente onde se movem os educandos.

O alfabetizador deveria despertar no adulto a noção clara de sua

participação na sociedade pelo trabalho que executa, dos direitos e deveres que possui e

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principalmente, partir de sua realidade, além de buscar capacitá-los a alcançar os seus

objetivos e expectativas. De acordo com DI ROCCO, a “atividade escolar do adulto deve

responder, de forma imediata, às suas necessidades de vida funcional, dando assim uma

perfeita continuidade entre a vida profissional, familiar e a vida escolar.” (1979, p.19)

Atualmente os empresários estão compreendendo que quanto melhor é o

nível educacional dos seus empregados, mais eficiente será o desempenho dos

trabalhadores. Um exemplo dessa prática é no ramo da construção civil que vem

implantando salas de aula para suprir e complementar a escolarização dos operários nos

próprios canteiros de obras. Entretanto existe uma certa dificuldade para selecionar

profissionais de educação qualificados e atualizados para essa tarefa.

O despreparo profissional não ocorre somente por falta de interesse do

educador, mas também por falta de estímulo dos órgãos educacionais competentes, apesar

da LDB ressaltar essa necessidade de capacitação e atualização não se encontra com

facilidade locais que desenvolvam cursos desse nível.

Para a criança ocorre uma mitificação do professor que é considerado

como alguém distante, aquém, já o adulto apesar de percebê-lo como um indivíduo com

conhecimentos diferentes dos seus, consideram-no em pé de igualdade. No entanto, é triste

constatar que alfabetizando e alfabetizador não estão falando a mesma linguagem, pois os

objetivos buscados pelos “analfabetos”, nem sempre são os mesmos que os educadores

procuram atingir.

Com relação aos métodos o sistema Paulo Freire é bastante conhecido no

meio educacional e alguns projetos gostam de se intitular freiriano, quando na realidade

não o são. Segundo um artigo baseado nas declarações do Pe. Felipe Spotorno (Apud

JANNUZZI 1979, p.11) insinua-se que o Mobral baseou-se em Paulo Freire de forma

aperfeiçoada:

“O método adotado é baseado no sistema Paulo Freire, embora despido de conotações ideológicas; mantém a mesma ênfase na motivação do estudante. Houve a preocupação de escolher palavras com função social, levando-se em conta a vivência do adulto; procurou-se igualmente utilizar termos que lhe permitissem tirar o maior proveito possível dos ensinamentos. As palavras usadas são comuns a todo o País, de modo a fazer um sentido para os alunos.”

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No entanto há uma diferença entre a concepção alfabetizadora do Mobral

e a exposta na proposta de Paulo Freire mas mesmo assim segundo Freitag (Apud

JANNUZZI, 1979) “o Mobral não hesita em utilizar, extraindo-as de seu contexto

filosófico e político, as técnicas de alfabetização de Paulo Freire. Podemos dizer que o

método foi refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao ‘Modelo

Brasileiro’ ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade

civil”.

A pedagogia de Paulo Freire fundamenta-se nos seguintes conceitos:

tanto o educador quanto o educando são colocados no mesmo nível de igualdade; há

apenas seres em diferentes fases de maturação, e que portanto devem sempre continuar a

aprender, buscando Ser Mais, esta busca deve ser feita em conjunto, porque o homem não

está só no mundo; ser homem para o oprimido é ser como o opressor; é preciso que todo

homem se perceba como ser histórico, como o que modifica a realidade; a consciência não

é algo vazio que deve “ser enchido”, não é folha em branco onde o mundo e outros seres

imprimem imagens, o conhecimento humano se dá através do confrontamento com o

mundo com este atuando naquele; a educação é um processo nunca terminado, é processo

permanente de libertação; o método adotado para a conscientização é o diálogo.

Por outro lado os conceitos fundamentais da pedagogia do Mobral são:

parte da visão de mundo predeterminado, isto é, fadado a chegar a um fim tido como certo

pela elite dirigente, que incorporou os fins propostos pela política educacional nitidamente

econômica de 70 a 75; na concepção de homem alguns são capazes de crítica, cabendo a

eles definir as metas que devem ser concretizadas pelos alfabetizadores e alfabetizandos;

educação é o momento em que se busca levar o homem a explicitar as capacidades

necessárias à construção do desenvolvimento segundo o modelo brasileiro de 70 a 75 para

que assim , construindo o país, possa gozar benefícios; método basicamente antidialógico,

parte de objetivos previamente definidos como certos pelo Mobral; educação tida como um

investimento.

Segundo Paulo Freire educação é conscientização, práxis social,

momento de reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a realidade em que se vive. De

onde surgirá o projeto de ação a ser executado; já para o Mobral é adaptação, investimento

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sócio-econômico, preparação de mão-de-obra. O primeiro propõe que todo o procedimento

pedagógico seja feito pelo diálogo, como método, pois que o diálogo permite a superação

da contradição da elite e povo; o segundo é apoiado em posições teóricas, supõe a

manutenção da contradição elite e povo, usando o método antidialógico em sua pedagogia.

Após a análise feita acima percebe-se claramente que Paulo Freire e

Mobral se confrontam ao invés de se comungarem como foi insinuado.

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CONCLUSÃO

O analfabetismo não decorre apenas da ineficiência do ensino ou de sua

inadequação, mas de desequilíbrios estruturais, históricos e complexos, da sociedade

brasileira. Ao mesmo tempo, a resposta educativa para o contingente de analfabetos não se

resume à alfabetização, pelo fato de esta não dar conta das necessidades de leitura e escrita

na sociedade em que vivemos. Não significa só compensação de perdas ou preenchimento

de lacunas.

A alfabetização não pode ser vista como etapa isolada e independente de um

processo mais amplo de inserção, pelo domínio do código escrito, na sociedade. Mesmo

para analfabetos, as sociedades atuais estão contaminadas pela presença dos sistemas de

escrita, o que faz com que eles também participem, parcialmente, desses processos

organizados, com muitas limitações. A alfabetização tem servido, historicamente, para

confirmar as interdições a direitos sociais – dos quais a maioria da população tem sido

excluída.

Além disso, a velocidade com que se processam informações nas sociedades

atuais precisa-se pensar o contínuo domínio de códigos, ditados pela tecnologia. Esses

códigos estão exigindo dos sujeitos uma competência muito grande como leitores, maior

do que de simples decodificadores de um sistema escrito. A condição de leitores precisa se

ampliar para a leitura do mundo e da realidade com todos os novos códigos, bens culturais,

tecnológicos e ideológicos que vão sendo permanentemente produzidos e consumidos.

Alfabetização compreendida como instrumento indispensável à participação do

sujeito na sociedade, implica a responsabilidade social de construção do cidadão, pelo

modo como se organizam e distribuem as oportunidades, o que certamente revela o valor

atribuído à cidadania, resultado de conquista e luta das populações pelos direitos.

A educação de jovens e adultos vem responder a um dos desafios da cidadania,

pela interdição desses indivíduos à escola fundamental na idade própria, condicionada

pelas múltiplas questões das sociedades excludentes.

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Um dos motivos pela interdição à leitura e à escrita, pela via da escolarização,

é o trabalho precoce. Se por um lado o trabalho constrói identidades sociais, inserindo o

trabalhador na rede de organização social, produzindo saberes e educando esse trabalhador,

por outro lado tem penalizado de muitas maneiras crianças e jovens, negando-lhes o direito

de crescerem e de se desenvolverem como crianças. Uma dessas maneiras é o afastamento

do direito à escola, determinando a existência de futuros adultos analfabetos e

subescolarizados.

Através do trabalho, homens e mulheres modificam a natureza e se fazem

humanidade, pelo que a natureza, na ação de suas obras, também os/as modifica. A

desindentificação do trabalhador com sua obra tem sido a marca mais forte do modo de

produção capitalista, que não apenas o impede de ser usufruidor daquilo que produz, mas

até mesmo de se reconhecer como produtor.

A globalização impõe a educação como condição de inserção de qualquer

trabalhador no mercado de trabalho formal. O trabalhador, agora, deve ser escolarizado,

polivalente e participativo. Os processos de globalização intensificaram a divisão social do

trabalho, onde só alguns trabalhadores estariam qualificados.

A busca pelo aumento de produtividade tem levado os movimentos

empresariais a demandarem uma educação básica de boa qualidade, objetivando a um

treinamento ideológico caracterizado pela “pseudo-participação” de seus trabalhadores nas

decisões e lucros gerenciais.

Paulo Freire, na Pedagogia da Autonomia, adverte contra as práticas de

desumanização e coloca a necessidade de se fazer a leitura crítica das verdadeiras causas

da degradação humana e a razão do discurso fatalista da globalização. A educação de

adultos, deve ser não apenas uma qualificação de mão-de-obra, mas, também, a inserção

do cidadão na sociedade em que está marginalizado, deve-se, na medida do possível,

ensiná-lo a fazer uma leitura crítica do mundo em que vive.

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Segundo Freire, formar é muito mais do que puramente treinar o

educando no desempenho de destrezas. “Transformar a experiência em puro treinamento

técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o

seu caráter formador”. (1996, p.37) E também, “o empresário moderno aceita, estimula e

patrocina o treino técnico de ‘seu’ operário. O que ele necessariamente recusa é a sua

formação que, envolvendo o saber técnico e científico indispensável, fala de sua presença

no mundo”. (ibid, p.115)

Para que a educação exerça a sua função de elo fundamental na

construção de uma sociedade mais justa e menos desigual, integrando a totalidade de sua

população, torna-se imprescindível que ela seja reconstruída de sua base a partir de uma

educação infantil de boa qualidade. Para que, assim, não haja marginalizados. No entanto,

uma vez havendo-os, torna-se fundamental que a educação de jovens e adultos tome como

referência o sujeito negado, esquecido e excluído, objetivando a construção de sua

cidadania, ao mesmo tempo que o prepara para o mercado de trabalho. Sendo assim , a

EJA deve buscar sustento teórico-metodológico e político próprio da educação infantil.

Deve também, incorporar em suas políticas e práticas cotidianas que a escola é uma, mas

não a única, instância de aquisição do conhecimento. As múltiplas dimensões da realidade

também são espaços onde os homens, produzem conhecimento e isso deve ser considerado.

Como coloca Gramsci, a escola deve ser unitária e que não seja apenas transmissora de

uma cultura escolar, mas também uma cultura social e política.

A educação de adultos deve buscar compartilhar o atendimento às

necessidades prementes como o acesso aos saberes universais e com a imaginação e

criatividade dos alunos que, embora às vezes considerados semi-analfabetos, segundo

Gramsci, são intelectualmente desenvolvidos. E que seja uma educação libertadora, como

coloca Paulo Freire.

Para Freire os programas e projetos de EJA não devem ser feitos em

caráter emergencial, deve-se ter um prazo mais prolongado e não deixar que o programa

acabe no meio, deve-se ter continuidade para o alcance do êxito.

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Uma importante questão no pensamento freiriano é fazer com que o educador

repense sua prática, e que faça-a criativa e também perceba que a educação n ao é um

fenômeno isolado da política e do econômico. E mostrar que o professor deve ter um

comprometimento com a educação, foi mais uma de suas lições deixadas. O professor deve

perceber qual seriedade é exigida de quem ensina alguém a ler e escrever. E que ler e

oralizar a língua escrita são coisas bem diferentes, não se deve fazer a leitura da palavra

sem relação com a leitura do mundo, são partes interligadas da alfabetização.

É sabido que deve haver a superação do déficit quantitativo da escola e dos

índices de reprovação através de um ensino adequado e eficiente na escola básica. Segundo

Paulo Freire “nada disso se faz da noite para o dia, mas se fará um dia” (1995, p.64),

portanto porque não arregaçarmos as mangas e começarmos a trabalhar nesse sentido? Para

que isso não fique apenas no sonho, pois devemos diminuir a distância entre o sonho e sua

materialização. Mas sem acreditar no sonho, sem apostar nele, não é possível materializá-

lo.

“Sabemos que a educação não pode tudo, mas pode alguma coisa”.

(ibid, p.126)

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