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BÍBLIA Prólogo A Bíblia é um livro difícil. Difícil porque é antigo, foi escrito por orientais, que têm uma mentalidade bem diferente da greco-romana, da qual nós descendemos. Diversos foram os seus escritores, que viveram entre os anos 1200 a.C. a 100 d.C. Isso, sem contar que foi escrita em línguas hoje inexistentes ou totalmente modificadas, como o hebraico, o grego, o aramaico, fato este que dificulta enormemente uma tradução, pois muitas vezes não se encontram palavras adequadas. Outra razão para se considerar a Bíblia um livro difícil é que ela foi escrita por muitas pessoas, ás vezes até desconhecidas e em situações concretas as mais diversas. Por isso, para bem entendê-la é necessário colocar-se dentro das situações vividas pelo escritor, o que é de todo impraticável. Quando muito, consegue-se uma aproximação metodológica deste entendimento. Além do mais, a Bíblia é um livro inspirado e é muito importante saber entender esta inspiração, para haurir com proveito a mensagem subjacente em suas palavras. Dizer que a Bíblia é inspirada não quer dizer que o escritor sagrado (ou hagiógrafo) foi um mero instrumento nas mãos de Deus, recebendo mensagens ao modo psicográfico. É necessário entender o significado mais próprio da 'inspiração' bíblica, assunto que será abordado na continuação. Entre os católicos, o interesse por conhecer a Bíblia praticamente começou após o Concílio Vaticano II, ou seja, a partir dos anos '60, enquanto os Protestantes há muito se interessam por estudá-la. Não quero adentrar aqui na histórica polêmica religiosa que cerca a leitura e a interpretação da Bíblia, ressuscitando vetustas divergências. Apenas vale salientar que uma série de enganos podem advir de uma interpretação bíblica literal, porque uma interpretação ao "pé da letra" não revela o sentido mais adequado de todas as palavras. Para que não aconteça conosco incidir neste equívoco, devemos aprender a nos colocar na situação histórica de cada escritor em cada livro, conhecer a situação social concreta da sociedade em que ele viveu, procurar entender o que aquilo significou no seu tempo e só então tentar aplicar a sua mensagem ás nossas circunstâncias atuais. 1. O que é a Bíblia? Definição do Concilio Vaticano II: "A Bíblia é o conjunto de livros que, tendo sido escritos sob a inspiração do Espirito Santo, têm Deus como autor, e como tais foram entregues à Igreja". TESTAMENTO (novo ou antigo): é a tradução da palavra hebraica "berite" que significa a aliança de Deus com o povo por Moisés. Na tradução dos 70 a palavra "berite" foi traduzida por "diatheke", que em grego quer dizer aliança, contrato, testamento. OBS: A 'tradução dos 70' é uma das versões mais antigas da Bíblia. Segundo a tradição, este trabalho teria sido realizado por 70 sábios da antiguidade. 2. Quais as partes que compõem a Bíblia? A Bíblia se divide em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. O Antigo refere-se ao período anterior a Jesus Cristo e o Novo se refere ao período cristão. Cada uma destas partes se compõe de diversos 'livros', escritos em épocas históricas diferentes. A seguir, a relação dos livros com uma breve referência ao conteúdo deles.

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  • BBLIA

    Prlogo

    A Bblia um livro difcil. Difcil porque antigo, foi escrito por orientais, que tm uma mentalidade bem diferente da greco-romana, da qual ns descendemos. Diversos foram os seus escritores, que viveram entre os anos 1200 a.C. a 100 d.C. Isso, sem contar que foi escrita em lnguas hoje inexistentes ou totalmente modificadas, como o hebraico, o grego, o aramaico, fato este que dificulta enormemente uma traduo, pois muitas vezes no se encontram palavras adequadas.

    Outra razo para se considerar a Bblia um livro difcil que ela foi escrita por muitas pessoas, s vezes at desconhecidas e em situaes concretas as mais diversas. Por isso, para bem entend-la necessrio colocar-se dentro das situaes vividas pelo escritor, o que de todo impraticvel. Quando muito, consegue-se uma aproximao metodolgica deste entendimento.

    Alm do mais, a Bblia um livro inspirado e muito importante saber entender esta inspirao, para haurir com proveito a mensagem subjacente em suas palavras. Dizer que a Bblia inspirada no quer dizer que o escritor sagrado (ou hagigrafo) foi um mero instrumento nas mos de Deus, recebendo mensagens ao modo psicogrfico. necessrio entender o significado mais prprio da 'inspirao' bblica, assunto que ser abordado na continuao.

    Entre os catlicos, o interesse por conhecer a Bblia praticamente comeou aps o Conclio Vaticano II, ou seja, a partir dos anos '60, enquanto os Protestantes h muito se interessam por estud-la. No quero adentrar aqui na histrica polmica religiosa que cerca a leitura e a interpretao da Bblia, ressuscitando vetustas divergncias. Apenas vale salientar que uma srie de enganos podem advir de uma interpretao bblica literal, porque uma interpretao ao "p da letra" no revela o sentido mais adequado de todas as palavras.

    Para que no acontea conosco incidir neste equvoco, devemos aprender a nos colocar na situao histrica de cada escritor em cada livro, conhecer a situao social concreta da sociedade em que ele viveu, procurar entender o que aquilo significou no seu tempo e s ento tentar aplicar a sua mensagem s nossas circunstncias atuais.

    1. O que a Bblia?Definio do Concilio Vaticano II: "A Bblia o conjunto de livros que, tendo

    sido escritos sob a inspirao do Espirito Santo, tm Deus como autor, e como tais foram entregues Igreja". TESTAMENTO (novo ou antigo): a traduo da palavra hebraica "berite" que significa a aliana de Deus com o povo por Moiss. Na traduo dos 70 a palavra "berite" foi traduzida por "diatheke", que em grego quer dizer aliana, contrato, testamento. OBS: A 'traduo dos 70' uma das verses mais antigas da Bblia. Segundo a tradio, este trabalho teria sido realizado por 70 sbios da antiguidade.

    2. Quais as partes que compem a Bblia?A Bblia se divide em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo

    Testamento. O Antigo refere-se ao perodo anterior a Jesus Cristo e o Novo se refere ao perodo cristo. Cada uma destas partes se compe de diversos 'livros', escritos em pocas histricas diferentes. A seguir, a relao dos livros com uma breve referncia ao contedo deles.

  • LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

    1. Pentateuco (cinco primeiros livros: Gnesis, xodo, Levitico, Nmeros, Deuteronmio)

    2. Josu (narra a entrada do povo de Deus na Palestina) 3. Juizes (narra a conquista da Palestina) 4. I e II de Samuel (relatos da poca de Saul e Davi, continuao da conquista) 5. I e II dos Reis (relatos sobre Salomo e seus sucessores) 6. I e II das Crnicas (continuao dos relatos sobre os outros Reis) 7. I e II dos Macabeus (continuao do perodo dos Reis) 8. Livro de Rute (faz aluso ao universalismo. Noemi era pag e se inseriu no povo

    de Deus). 9. Livro de Tobias, Livro de Judite, Livro de Ester (pertencem ao gnero de contos.

    So livros do tempo do exlio, quando se apresentavam exemplos de abnegao ao povo oprimido, convidando-os a suportar o sofrimento).

    10. Livro de Isaas (cap.l a 39 so do prprio escritor; cap. 40 a 55 so de discpulos; cap.56 a 66 so de outros escritores posteriores)

    11. Livro de Jeremias (ditado por este a Baruc, seu secretrio) 12. Livro de Ezequiel (um dos profetas maiores) 13. Livro de Daniel (tem um contedo apocalptico ) 14. Livro de J (do gnero conto, procura demonstrar que no s os bons so felizes.

    Tem por objetivo combater uma idia comum de que s os ricos eram os abenoados por Deus).

    15. Livros Sapienciais (Eclesiastes ou Qohelet; Eclesistico ou Sirside; Provrbios, Sabedoria e Cntico dos Cnticos). So reflexes de cunho acentuadamente humanstico, aproveitamento do saber oriental.

    16. Livro dos Salmos (coleo de cantos litrgicos). 17. Profetas Menores: Osias, Joel, Ams, Abdias, Jonas, Miquias, Naum,

    Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias (chamados menores no com relao sua importncia, mas ao tamanho de seus escritos).

    LIVROS DO NOVO TESTAMENTO

    1. Evangelhos sinpticos (Mateus, Marcos e Lucas - tm muitas semelhanas entre si ).

    2. Evangelho de Joo (maior desenvolvimento terico, influncia filosfica de poca)

    3. Atos dos Apstolos (narram a misso dos apstolos aps a Ressurreio de Cristo)

    4. Epstolas de Paulo (historicamente, os primeiros escritos do NT) 5. Epstolas Catlicas (Pedro, Tiago, Judas): dirigidas a todos os fiis, por isso,

    universais. 6. Apocalipse (escrito por Joo, na base de cdigos, smbolos).

    Origem e Formao da Bblia1. Indcios e evidncias histricas:

    O perodo histrico da formao da Bblia situa-se entre 1100 a. C. ou 1200 a. C. a 100 d. C. Provavelmente, a mais antiga parte escrita da Bblia o Cntico de Dbora, que se encontra no livro dos Juzes (Jz, 5).

  • Quando os hebreus chegaram a Cana, j havia na terra um certo desenvolvimento literrio, como por exemplo, o alfabeto fencio (do qual se derivou o hebraico), que j existia no sculo XIV a. C. Os judeus chegaram l por volta do sculo XIII a.C. Outro documento desta poca o calendrio de Gezr, que data mais ou menos do ano 1000 a.C. uma indicao de datas para uso dos agricultores. o documento mais antigo encontrado na Palestina. Outro documento tambm muito antigo o sarcfago do Rei Airam, que contm uma inscrio e foi encontrado nos sculos XIV ou XV a. C., em Biblos. H ainda umas tabuletas encontradas em Ugarit (em 1929), onde esto escritos uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos sculos XIV ou XV a. C.

    Alm destes, h outros documentos provando que j havia uma escrita na Palestina, antes dos hebreus chegarem l. A inscrio do tmulo de Silo (700 a. C.), explicando como foi feito; os "stracon", de Samaria, onde h uma espcie de carta diplomtica, so documentos que provam a continuidade de uma atividade literria. Em Juizes 8,14, o autor descreve um acontecimento ocorrido mais ou menos em 1100 a.C. E em que lngua foi escrito este fato pela primeira vez, na poca em que aconteceu? Provavelmente no alfabeto fencio (pr-hebraico).

    2. A tradio oral e a tradio escrita:

    A parte mais antiga da Bblia remonta justamente deste tempo (1100 a.C.), quando a escrita ainda no estava bem definida, e oral. Desde este tempo j se fora criando uma tradio, que existia oralmente e era transmitida aos novos pelos mais velhos nas reunies que havia nos santurios. Por este tempo, s eram relatados os acontecimentos do deserto, do Sinai, da aliana de Deus com o povo. Mas os jovens queriam saber o que havia acontecido antes disto. Ento foram sendo compostas as histrias dos Patriarcas. Mas, e antes deles, antes de Abrao? Passaram histria da criao do mundo. Por isso, se afirma que a parte mais antiga da Bblia o Cntico de Dbora, no livro dos Juizes. A partir da, fez-se um retrospecto didtico-histrico.

    Como dissemos, estas histrias iam sendo passadas oralmente de pai a filho, nos santurios. Acontece que nem todos iam para os mesmos santurios, o que motivou a existncia de pequenas diferenas na catequese do norte e na do sul. A tradio do sul foi chamada de JAVISTA (J), pois Deus era tratado sempre por Jav; a do norte se chamou ELOISTA (E), porque Deus era tratado como Eloi.

    A tradio oral existiu at os tempos de Dav, quando foi escrita a tradio javista; meio sculo depois, foi escrita tambm a eloista. Por volta de 721 a.C., na poca, da diviso dos reinos, quando Samaria foi destruda pelos assrios, muitos sacerdotes do norte fugiram para o sul e levaram consigo a sua tradio. A partir de ento, as duas foram compiladas num s escrito.

    Falamos das duas tradies: uma do norte e outra do sul. Mas no existiam apenas estas duas, que so as principais. H ainda a DEUTERONOMICA (D), encontrada casualmente em 622 a. C. por pedreiros, que trabalhavam num templo. Corresponde ao livro Deuteronmio da Bblia atual. Aps esta, surgiu a SACERDOTAL (P), nova compilao das catequeses antigas de Israel, datada do sculo VI a.C. Ao fim, estas quatro tradies foram combinadas entre si e compiladas em 5 volumes, dando origem ao Pentateuco da Bblia atual. Na tradio Javista, Deus antropomrfico. Na Sacerdotal, Deus poderoso, est acima do tempo, o que significa um progresso no conceito de Deus que o povo tinha. A redao do Pentateuco se deu pelo ano 398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bblia judaica.

    A partir de Josu, a tradio continuou oral, para ser escrita somente por volta de 550 a.C. E foram escritas do modo como o povo contava. Por isso no se pode dar a

  • mesma importncia histrica aos fatos descritos nestes livros em relao a outros posteriores, pois alguns fatos narrados foram baseados na tradio popular, enquanto que outros foram baseados em documentos de arquivos (anais do Reino). Este um grande desafio para os estudiosos e tambm uma fonte de divergncias.

    3. Os Intrpretes - Profetas e Sbios:

    Durante muito tempo, os profetas foram os orientadores do povo de Deus. Os livros profticos resumem os seus ensinamentos, e na sua maioria foram escritos s mais tarde, por seus seguidores. Somente por volta do ano 200 a.C. que foram redigidos os livros profticos. Os livros Sapienciais foram o resultado de um estilo literrio que esteve em moda durante muito tempo, na poca posterior ao exlio. So umas reflexes humanistico-religiosas. Passados os profetas, surgiram os sbios que raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas ensinamentos para a vida. Foram acrescentados aos livros sagrados nos ltimos sculos a.C., sendo os mais recentes livros do AT.

    4. A nova tradio da era crist:

    O NT no foi escrito com a finalidade de ser acrescentado Bblia. No tempo de Cristo e dos Apstolos, o livro sagrado era apenas o AT. O prprio Jesus Cristo se baseava nele em suas pregaes. E Ele mandou apenas pregar, e no escrever. Foi quando uma nova tradio oral foi se formando. E aps a morte de Cristo, os apstolos saram pregando.

    Mas veio a necessidade de congregar outras pessoas para o anncio, em vista do grande nmero de comunidades existentes. Ento, comearam a escrever. Mais tarde, com a aceitao tambm de cidados estrangeiros nas comunidades, a mensagem precisou ser traduzida e adaptada. Alm disso, o prprio povo necessitava de uma escrita (doutrina escrita) para se conservar una, aps a morte dos Apstolos. Esta redao, no incio, era apenas de alguns escritos esparsos, que s depois de algum tempo foram juntos em livros. Exemplo disso est em Mc 2, uma srie de disputas de JC com os Judeus, onde se v claramente que foi recolhida de escritos separados. Tambm em Joo se l: "Muitas outras coisas Jesus fez que no foram escritas..." (Jo 21,24) Isto significa que s foram escritas aquelas mensagens que teriam utilidade, conforme as necessidades momentneas.

    O evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, data dos anos 60 ou 70 d.C.; os de Lucas e Mateus, so de 70 ou 80, o que significa que somente aps uns 40 anos da morte de JC sua palavra comeou a ser escrita. 0 Evangelho de Joo s foi escrito em torno do ano 100 d.C. Antigamente, se acreditava ser Mateus o autor do primeiro Evangelho. Mas a critica histrica mostra que o de Marcos foi anterior. Alis, a respeito deste evangelho de Mateus, no se sabe ao certo quem o seu autor. Foi atribudo a Mateus, apenas por uma tradio e tambm por uma praxe da poca de se atribuir um escrito a algum mais conhecido e famoso, para que a obra tivesse mais autoridade.

    5. Entendendo algumas dificuldades concretas:

    Durante o tempo anterior escrita dos Evangelhos, havia apenas a pregao dos Apstolos, recordando os fatos da vida de Cristo, todavia eram fatos esparsos, sem nenhuma preocupao com seqncia ou unidade. Por isso os Evangelhos, que foram esta pregao escrita, se contradizem em algumas datas, o que mostra a pouca

  • importncia dada cronologia. Os fatos eram recordados e aplicados, conforme as necessidades. Assim, at entre os Evangelhos sinticos, que seguiram a mesma fonte, h diversificaes. Por exemplo, no Sermo da Montanha, em Lucas fala "bem aventurados os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os pobres de esprito". A diferena consiste no seguinte: Lucas deu um sentido social, mais importante para as comunidades gregas, para as quais escrevia. Mas o de Mateus destinava-se s comunidades judias e queria combater uma doutrina dos judeus que tinham uma idia falsa de pobreza. Para eles, o prprio fato de a pessoa ser pobre, j lhe garantia a salvao, enquanto outra pessoa, pelo simples fato de ser rica, j estava condenada. Por causa disso ele escreveu "pobres de esprito".

    Outro ponto de discordncia o caso da cura de um cego. Mateus diz "um cego, na sada de Jeric"; e Lucas "dois cegos, na entrada de Jeric". 0 fato da 'entrada' e 'sada' pode ser explicado pela existncia de duas cidades chamadas Jeric. 0 fato de serem um ou mais cegos explica-se pelo seguinte: era comum naquele tempo os cegos formarem grupos em torno de um cego-lider; e o nome deste geralmente era o do grupo. No entanto, estes detalhes pouco importam ao evangelho. 0 seu interesse a apresentao da mensagem (evanglion = boa nova).

    6. A fonte comum:

    Os Evangelistas sinticos se basearam no Evangelho de Marcos e noutra fonte, convencionada por fonte "Q", simbolizando os inmeros escritos esparsos de que j tratamos. Espalharam cpias destes por outras partes do mundo. Lucas, Mateus, cada um em lugares diferentes, se inspiraram nos escritos disponveis e inclusive no evangelho de Marcos, que na poca j havia sido escrito. O fato do primeiro Evangelho ser atribudo anteriormente a Mateus se deve a uma afirmao de Eusbio de que Mateus escrevera a "logia" do Senhor em aramaico. Mas a crtica histrica provou que o Evangelho que conhecemos no traz apenas a "logia" do Senhor e no foi escrito em aramaico, e sim em grego. Portanto a noticia de Eusbio se refere a outro escrito, e no a este evangelho. Nada impede, porm, que tenha sido escrito por discpulos de Mateus e atribudo ao Mestre. Alis, a respeito de "Evangelho", o primeiro a usar esta palavra para indicar as memrias dos Apstolos foi S. Justino, em 130 d.C.

    7. As Cartas:

    As cartas de Paulo foram enviadas para serem lidas em pblico. Em I Tes 5, 27 h uma aluso a isto. Havia tambm o intercmbio das cartas, como se l em Col 4,16: "mostrem esta carta para Laodicia e tragam a de l para vocs". Aos poucos as cartas foram colecionadas, e no fim do I sculo j se tem notcia delas, quando em II Ped 3,15 se l: "...nosso irmo Paulo vos escreveu conforme o dom que lhe foi dado... " As cartas de Paulo foram os primeiros escritos do NT. No se sabe quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas j no fim do I sculo estavam reunidos num s livro.

    As Epistolas Catlicas (universais) so chamadas assim por se destinarem Igreja em geral, e no a tal ou qual comunidade, como fizera Paulo. Elas tambm se originaram da necessidade pastoral, e j no comeo do II sculo estavam incorporadas aos outros escritos do NT. Os Atos dos Apstolos podem ser considerados a continuao do terceiro Evangelho, pois tambm foi escrito por Lucas. E o Apocalipse de S.Joo, livro proftico, foi acrescentado por ltimo.

    Nos escritos do NT, freqentemente se encontram citaes do AT. que muitas vezes os Apstolos queriam tirar dvidas sobre certas passagens, que tinham falsa

  • interpretao. Nas assemblias, eram lidos escritos do AT e do NT, para explic-los. Exemplo disto temos em I Tes 4,15; I Cor 7,10.25.40; At 15, 28; I Tim 5,18; Lc 10,7.

    8. O Cnon Sagrado:

    No sculo IV, a Igreja se reuniu em Concilio em Nicia, e uma das tarefas era organizar o "cnon", ou a lista de livros sagrados considerados autnticos. Neste Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram lidos nos cultos e sempre foram considerados legtimos. E se estabeleceu a ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em dvida era a grande quantidade de livros apcrifos, que fazia com que se duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus no aceitavam. Ento os Ss. Padres ponderaram os prs e contras e definiram a lista que foi aprovada.

    Inspirao

    Um dos principais conceitos a ser examinado para uma melhor compreenso da Bblia o de inspirao. O que significa dizer que os livros bblicos so inspirados, de onde vem esta inspirao, at que ponto o que escrito representa a mensagem de Deus ou do hagigrafo (escritor sagrado)? Ao longo da histria, os estudiosos procuraram esclarecer este conceito bsico e, claro, sempre houve divergncias entre eles. Apresentamos aqui algumas reflexes sobre este importante conceito.

    Na inspirao distinguimos dois aspectos: dogmtico e especulativo. O dogmtico pode ser expresso como resposta pergunta: por que acreditamos que a Bblia um livro inspirado? Isto no se pode provar pela prpria Bblia. Busca-se ento provar pelo fundamento histrico. Os evangelhos, por exemplo, so histricos. H uma tradio desde os tempos dos Apstolos que cita a Escritura como autoridade divina ( Mt 1, 22; Mt 22, 31; Mc 7,10; Jo 10, 35; At 1,16; Lc 22, 37; Heb 3, 7; 10,15 ). Em 2Tim 3,16, aparece pela primeira vez a palavra 'theopneustos', ou seja, inspirada por Deus. O especulativo pode ser expresso como resposta pergunta: em que consiste a inspirao? Este mais complicado e ser exposto com mais detalhes.

    a) Modo da inspirao: muito discutido o modo como se d a inspirao do escritor sagrado. Baez

    afirmou que era um ditado. Mas em II Mac 2, 19-23, o autor se refere a um resumo de 5 livros em um s, cujo resumo lhe custou "suores e noites de viglia". Como que foi um ditado se houve o esforo dele para elaborar a sntese? Do mesmo modo Lucas (Lc l,1) escreve: "depois de haver diligentemente investigado tudo desde o principio, resolvi escrever... ", logo no foi simplesmente um 'ditado' da parte de Deus.

    Em reao teoria do ditado veio outra que disse o contrrio: a inspirao a aprovao que a Igreja d ao livro. O fato estar colocado no cnon a garantia da prpria inspirao. Esta tese foi defendida por poucos e no teve grande aceitao nos meios catlicos.

    O Cardeal Franzelin props uma nova frmula: nem tudo de Deus nem tudo do homem, mas as idias so de Deus e as palavras so do homem. Obteve um certo sucesso, mas ainda no explicou de todo. Sto. Toms de Aquino propusera a teoria da "causa instrumental": so os dois ao mesmo tempo - Deus e o Homem. Ambos esto presentes em toda a obra, Um o autor principal e o outro o autor secundrio. A inspirao eleva, sublima as faculdades do autor. Pode at ser admitida esta teoria,

  • entretanto, convm lembrar que tudo que est na Bblia inspirado, embora nem tudo seja revelado.

    b) Funcionamento psicolgico da inspirao:Em II Mac, conforme mencionado acima, o autor se refere a um resumo do livro

    que um certo Jazo escreveu. De 5 volumes ele reduziu a um s. Como dizer que isto palavra inspirada por Deus, como se explica a a inspirao divina?

    Comecemos por analisar as operaes do intelecto: apreenso, juzo e raciocnio. Elas seguem um grau de aprofundamento e refinamento do saber. Pode-se ter uma inspirao de Deus logo no primeiro momento (na apreenso), como se pode ter depois, no juzo ou tambm nos dois. Quando a inspirao logo na apreenso, se diz 'revelao'. Quando, como no caso do II Mac, a apreenso do autor, a inspirao se d no segundo momento, ou seja, no juzo, enquanto na apreciao que ele faz da obra est sendo iluminado pelo Esprito Santo. Na confeco destes livros, a questo da inspirao que o autor estava iluminado pelo Espirito Santo para dizer o fato corretamente, sem poder errar no julgamento. Embora ele no esteja consciente disso, a ao do Esprito Santo est sendo exercida no seu intelecto.

    Mas, pode-se questionar: como se sabe se ele foi ou no inspirado quando nem ele mesmo pode perceber isso? A passa a ser uma questo de f. Tenta-se explicar o fato, mas no se afirma que seja assim. 0 discernir se o livro ou no inspirado, dado o que acontece com o autor, alada da Igreja, que tambm inspirada pelo Esprito Santo. uma questo fundamentalmente de f.

    Por isso, para a definio do livros autnticos, reconhecidos pela Igreja Catlica, os Cnones foram aprovados em Conclios, nos quais se discutiram certas dvidas a respeito de alguns livros, se eram ou no inspirados. Nas discusses, procurou-se ver na historia da Igreja, desde os cristos primitivos at aquela poca, quais os livros que durante os sculos sempre foram lidos nas Igrejas e, baseada no consenso, ela constituiu o cnon. Sem dvida, a tradio antiga mais fidedigna, pois est mais prxima dos tempos apostlicos.

    Mas, voltando ao conceito do juzo, ele pode ser especulativo ou prtico. Especulativo quando tem por fim o verdadeiro; prtico guando tem por fim o bem. No caso de Jonas, por exemplo, o juzo do autor no foi especulativo, mas prtico. Jonas teve o sonho em que Deus o mandava pregar em Nnive. Ora, raciocinou ele, Jav Deus de Israel, e no deve ser falado aos pagos. Ento tomou o navio para outro lugar, e a entra a histria da baleia... A finalidade do autor era convencer a todos que Jav era o Deus universal, contra uma certa corrente judia que negava fato, ou melhor, no gostava da idia.

    Para se entender cada pgina da Bblia deve-se ter em mente a finalidade, a inteno do autor ao escrever cada parte do livro. No se pode abrir o livro em qualquer parte e ler tudo com o mesmo espirito. Na antiga concepo de inspirao (ditado) no se considerava este problema. Tudo que l estava se acreditava "ao p da letra". No se podia duvidar. Mas esta hoje uma prtica mais comum em algumas igrejas protestantes, geralmente praticada por pessoas com conhecimentos teolgicos limitados e reducionistas.

    Uma conseqncia direta da inspirao o dom da inerrncia. Se o livro inspirado, logo o que contm verdade. Porm esta verdade no est ali imediatamente evidente, ela precisa ser alcanada pela reflexo animada pela f, ou seja, a razo e a f ajudando-se mutuamente.

    Hermenutica

  • 1. Conceito: A palavra 'hermenutica' vem do verbo 'hermenuein' (interpretar). E esta

    interpretao foi entendida diversamente atravs dos tempos. Por isso, temos trs tipos de exegese: l. rabnica; 2. protestante; 3. catlica.

    2. Exegese Rabnica: Os judeus interpretavam a escritura ao p da letra, por causa da noo de

    inspirao que tinham. Se uma palavra no tinha sentido perceptvel imediatamente, eles usavam artifcios intelectuais, para lhes dar um sentido, porque todas as palavras da Bblia tinham que ter uma explicao. O exemplo do paraltico antolgico: ele passara 38 anos doente. Por que 38? Ora, 40 um nmero perfeito, usado vrias vezes na vida de Cristo (antes da ressurreio, no jejum) ou tambm no AT (deserto, Sinai). Dois outro nmero perfeito, porque os mandamentos (vontade) de Deus se resumem em "2": amar Deus e ao prximo. Portanto, tirando um nmero perfeito de outro, isto , tirando 2 de 40 deve dar um nmero imperfeito (38) que nmero de doena...

    Alegoria pura: neste sentido se entende a condenao de certas teorias que apareceram e eram contrrias Bblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga. No sculo XVIII, o racionalismo fez o extremo oposto desta doutrina: negaram tudo que tinha alguma aspecto de sobrenatural e mistrio, e procuravam explicaes naturais para os fatos incompreensveis, assim por exemplo, dizendo que Cristo hipnotizava os ouvintes e os iludia dizendo que era milagre. JC no ressuscitou, mas ele apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a si saiu do sepulcro... Talvez no o fizessem por maldade. Era por principio filosfico.

    A Igreja primitiva herdou muito do rabinismo, no incio, mas depois se libertou. Comearam por ver na Bblia vrios sentidos: literal, pleno e acomodatcio. Literal: sentido inerente s palavras, expresso pura e simples da idia do autor; Pleno: fundado no literal, mas que tem um aprofundamento talvez nem previsto pelo autor. Deus pode ter colocado em certas palavras um significado mais profundo que o autor no percebeu, mas que depois se descobre. Deus, como autor, fez assim. A palavra do profeta se refere a uma situao histrica; a palavra de Deus se refere ao futuro. Acomodatcio: a acomodao a um sentido parte que combina com as palavras. a Bblia aplicada realidade apenas pela coincidncia dos textos. Por exemplo, em Mt se l "do Egito chamei meu filho"... para que se cumprisse a Escritura. Mas o sentido, ou seja, a aplicao original deste trecho no se referia volta da Sagrada Famlia, mas sim sada do Povo do Egito. Esta acomodao foi explorada demasiadamente pelos pregadores, que at abusaram disto. Outro exemplo de acomodao a aplicao a Maria dos textos do livro da Sabedoria. Estes so mais literatura que Escritura. Todavia, crendo-se na inspirao, aceita-se que as palavras do autor podem ter uma significao mais profunda que a original.

    3. Exegese Protestante: Surgiu do protesto de alguns cristos contra a autoridade da Igreja como

    intrprete fiel da Bblia. Lutero instituiu o princpio da "scritura sola" (traduzindo, a escritura sozinha), sem tradio, sem autoridade, sem outra prova que no a prpria Bblia. A partir daquele instante, os Protestantes se dedicaram a um estudo mais acentuado e profundo da Bblia, antecipando-se mesmo aos catlicos. Mas o princpio posto por Lutero contribuiu para um desastre hermenutico, pois ele mesmo disse que cada um interpretasse a Bblia como entendesse, isto , como o Espirito Santo o iluminasse.

  • Isto fez surgir vrias correntes de interpretao, que podem se resumir em duas: a conservadora e a racionalista. A conservadora parte daquele principio da inspirao = ditado, em que se consideram at os pontos massorticos como inspirados. No se deve aplicar qualquer mtodo cientifico para entender o que est escrito. s ler e, do modo que Deus quiser, se compreende. A racionalista foi influenciada pelo iluminismo e comeou a negar os milagres. Da passou negao de certos fatos, como os referentes a Abrao. Afirmam que as narraes descritas, como provam o vocabulrio, os costumes, so coisas de uma poca posterior, atribudo quela por ignorncia. Esta, teoria teve muito sucesso e comearam a surgir vrias 'vidas' de Jesus em que ele era apresentado como um pregador popular, frustrado, fracassado...

    Outros ainda interpretavam o Cristianismo dentro da lgica hegeliana: So Paulo, entusiasmado, teria feito uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois So Joo, com seu Evangelho constituiu a anttese; finalmente So Marcos fez a sntese. Hoje, porm, se sabe que Marcos o mais antigo. Estes intrpretes se contradizem entre si, o que provocou uma certa desconfiana. Por fim, a prpria arqueologia, em auxlio do Cristianismo, veio provar com a descoberta de vrios documentos histricos que a Bblia tinha razo: aqueles costumes, aquele vocabulrio eram realmente daquela poca, inclusive o uso dos nomes Abrao, Isaac tambm eram comuns no tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais idias iluministas.

    4. Exegese Catlica: Inicialmente, apegou-se muito aos mtodos tradicionais: usava mais a tradio e

    menos a Bblia. Mesmo no sculo XIX, a tendncia era ainda conservar a apologtica, a defesa da f. Foi o Padre Lagrange quem iniciou o movimento de restaurao da exegese catlica. Comeou a comentar o AT com base na critica histrica. Mas foi alvo tantos protestos que no teve coragem de continuar. Em seguida, comentou o NT, e ainda hoje autoridade no assunto. A Igreja Catlica custou muito a perceber o seu atraso no estudo bblico, e at bem pouco tempo ainda afirmava ser Moiss o autor do Pentateuco, quando os protestantes h mais de um sculo j descobriram que no.

    O primeiro passo da nova exegese da Igreja Catlica foi dado por Pio XII, em 1943, com a encclica DIVINO AFFLANTE SPIRITU, na qual aprovou a teoria dos vrios gneros literrios da Bblia. Depois, em 1964, Paulo VI aprovou um estudo de uma comisso bblica a respeito da histria das formas (formgeschichte). E hoje em dia, tanto os exegetas catlicos como os protestantes so a favor desta, e qualquer livro srio sobre o assunto traz este aspecto. Protestantes citam catlicos e vice versa, sem nenhuma restrio.

    Histria das Formas e Gneros Literrios

    1. HISTRIA DAS FORMAS ("FORMGESCHICHTE") o padro da exegese moderna. Em geral todo mtodo exegtico moderno

    aborda os seguintes tpicos:

    a) critica textual - se os manuscritos originais desapareceram ou nunca foram encontrados, como se sabe se o texto atual corresponde ao original? At que ponto fiel? Em 1008, foi encontrado um manuscrito bsico para a edio da melhor bblia hebraica que se tem hoje. Est no museu de Leningrado. Mas, questiona-se: por quanto tempo o livro foi sendo recopiado, e foi adquirindo erros de escrita? Muitas vezes, vrios manuscritos (cpias) de um mesmo livro trazem palavras diferentes. E por que tanta f neste manuscrito?

  • O manuscrito mais antigo (at pouco tempo) do AT era composto de fragmentos de um papiro do I ou II sculo a.C. Os bedunos acharam s margens do Mar Morto vrios manuscritos datando do II sculo a.C. e h alguns, como o livro de Isaas, cujo texto quase completamente igual ao que temos. A Bblia original (copiada) data do sculo II d.C. Os rabinos tinham muito cuidado em transmitir a doutrina, e procuravam unificar os textos. Os textos velhos eram colocados em lugares onde ningum podia mais us-los, chamados gezidas. Numa destas gezidas foi encontrado um documento do ano 800, aproximadamente, do qual aquele de 1008 cpia. A diferena entre ambos pouqussima. Ora, se a nossa Bblia a traduo daquele manuscrito, considerado autentico, aquela Bblia a melhor.

    b) 'sitz in leben'- H livros que antes de serem escritos, foram passados oralmente por vrias geraes. Cada manuscrito que serviu para a composio de um texto tem uma histria diferente. Por isso eles dividem as percopas e estudam as tradies e fontes delas. E como o manuscrito chegou a esta fonte? Deste estudo se deduz a 'sitz in leben' (situao na vida) deste manuscrito no gnero literrio. A 'sitz in leben' que este gnero literrio tem na comunidade; a 'sitz in leben' desta comunidade na histria.

    c) histria da redao - Por que h certas palavras a mais ou a menos nos Evangelhos? Isto varia com a 'sitz in leben' do manuscrito. Quem determina isto a critica literria.

    2. PRINCIPAIS GENEROS LITERRIOS DA BBLIADividem-se assim os diversos gneros literrios encontrados na Bblia:

    a) Narrativo-didtico: mito, saga, legenda, conto, fbula, alegoria, parbola1. Mito - conto que se passa com deuses, ou cujos personagens so os deuses. Tm tonalidade solene e so originrios de crculos politestas. A mitologia babilnica, por exemplo, muito influenciou no povo de Israel, que sempre foi monoteista. Isto se v nos salmos 103, 6-9; 17, 8-16; 88, ll e nos profticos: Job 26, l2. Nos livros histricos, a influncia mais velada. Mas a rvore da vida do Gnesis j existe num poema de Gilgames (de origem Babilnica): um heri perguntou a um seu antepassado que era deus, onde ficava a rvore da vida. Ele a encontrou no fundo do mar, e levou um ramo para plantar. Tendo sede, foi beber num poo e uma serpente levou o seu ramo. A histria do dilvio tem uma similar na cultura babilnica. o caso de uma deusa que era amada ao mesmo tempo por um deus e por um homem. Ento para matar o homem, o deus mandou o dilvio. O importante a se notar nisso tudo que, ao ser transcrita para o livro sagrado, o autor purifica a lenda, tirando as caractersticas politestas e servindo-se da cultura popular para levar uma mensagem. A rvore da vida, na bblia, significa que o homem foi criado para no morrer. Na sabedoria babilnica, explicam que o mundo nasceu de uma briga dos deuses. O deus vencido foi partido ao meio. De uma metade fez o deus vencedor o cu; de outra fez a terra. Depois pediu a um deus artista que fizesse o homem com o sangue apodrecido do deus vencido. Por isso, o homem e o mundo so maus do principio. O autor sagrado aproveita-se destes elementos, mas purificando-os e adaptando-os. A tradicional briga dos anjos com Lucifer existe num mito fencio sob a forma de uma briga de deuses. A linguagem mtica da bblia, o antropomorfismo de Deus... tudo isto tem origem desta inspirao na literatura exterior a Israel.

    2. Saga - contos que se ligam a lugares, pessoas, costumes, modos de vida dos quais se quer explicar a origem, o valor, o carter sagrado de qualquer fenmeno que chama a

  • ateno. A saga se chama etiolgica quando procura a causa de um fenmeno. Por exemplo, para explicar a existencia de uma vegetao pobre e espinhosa na regio sul ocidental do Mar Morto, surgiu a lenda de Sodoma e Gomorra, a chuva de enxofre... A origem de vrias esttuas de pedra, formadas pela eroso explicada pela histria da mulher de L, que foi transformada em esttua. A narrativa de Caim e Abel outra, para explicar a origem de uma tribo cujos integrantes tinham um sinal na testa. Explicavam que Deus colocara um sinal em Caim para que ningum o matasse, e da este sinal ficou para a descendncia. O prprio nome de Caim inventado, porque a tribo tinha o nome de cainitas e eles deduziram que seu fundador devia chamar-se Caim. A saga se chama etimolgica quando para explicar um nome. Existe na Palestina uma Ramat Leqi (montanha da queixada). Para explicar a origem deste nome eles inventaram a estria de Sanso, um homem muito forte, que lutara contra muitos inimigos usando uma queixada, e os vencera. Depois ele jogou a queixada naquele monte, que ficou c conhecido como monte da queixada. 0 caso das filhas de L (Gen, 19) uma histria difamatria contra os amonitas e moabitas, tradicionais inimigos de Israel. (Amon e Moab significam 'do pai'). Outras sagas da Bblia: a de No embriagado; a briga de Labo com Jac (Gen 31). A saga se chama herica quando tem por finalidade engrandecer a vida dos heris do passado. O valor da saga est na riqueza popular (folclrica) que ela traz. Nem sempre h lio em cada uma. Mas a fartura de detalhes que ela traz mostra a mentalidade do povo. Seu valor maior para a critica literria.

    3. Legenda - distingue-se da saga porque se refere a pessoas ou objetos sagrados e querem demonstrar a santidade destes por meio de um fato maravilhoso. Legendas na Bblia h em Num 16,1 - 17,15: histrias a respeito de Moiss; Dan l, 2, 3, 4: sonhos de Daniel; Os milagres de Elias contra os sacerdotes de Baal; Gen 28,10: Jac sonha com os anjos (pedra de Betel). comum nas legendas referir-se lei ou objeto de culto. A imolao de Isaac, que no deu certo, para reprimir um costume dos cananeus de imolar crianas, costume proibido pela lei de Moiss. A serpente de bronze (Num 21) se refere a uma serpente de bronze mandada fazer pelo rei Manasss, que foi destruda por Jav. A circunciso (Gen 17) explicada assim: Deus apareceu a Abrao para fazer aliana com ele e o pacto era a circunciso de todos os meninos no oitavo dia. Jos 5, 9 e Ex 12 e 13 falam da origem da Pscoa.

    4. Parbolas, fbulas, alegorias - parbola uma histria comparativa, de sentido global (ex: II Sam 12, 1-4); fbula a narrativa que faz os seres inanimados ou os animais falarem (ex: Juzes, 9,7); alegoria uma histria comparativa em que cada elemento tem um significado particular (ex: Is 5, 1-7). H ainda o aplogo, quando se trata da animao de objetos.

    b) Narrativo-histrico: Difere do didtico porque pretende contar um fato acontecido realmente. H trs tipos: 1. Popular: onde ningum sabe o fim da lenda e o comeo da histria. uma histria primitiva, baseada em histrias que corriam na boca do povo, um misto de elementos verdicos e legendrios acrescentados. Os livros Josu e Juzes (550 a.C.) esto nesta categoria.

    2. Epopia (nacional-religiosa): so histrias retiradas da catequese do povo. Se bem que tenham elementos acrescentados, todavia a mensagem pode ser considerada autntica. O exemplo mais tpico deste gnero a narrao epopica da passagem do

  • mar vermelho (Ex. 14 ). A fuga de Israel do Egito est ligada a um fato acontecido no tempo de Ramss II. Ele foi um fara que empreendeu grandes conquistas, principalmente procura de escravos para trabalhar. Entre os povos submetidos havia um grupo de judeus. Mais tarde, fraquejou a vigilncia, e muitos fugiram, inclusive muitos judeus. Ento eles empreenderam a fuga pelo deserto e se aproveitaram de uma regio onde havia um brao de mar que secava durante a mar baixa para sair do territrio egpcio.

    Esta narrativa na Bblia contada com todos aqueles retoques conhecidos. Mas se analisarmos bem, veremos que na prpria Bblia, h duas citaes do mesmo fato, e cada uma conta diferente. So as duas tradies: a javista, mais antiga e mais verdadeira, afirma que o vento soprou durante toda a noite e fez o mar recuar; a sacerdotal, mais recente, modificou a narrao para a diviso das guas em duas muralhas por onde todos passaram em seco. H uma certa contradio nestas duas. Mas o que se deve concluir da que os soldados os perseguiram na fuga e eles passaram na mar baixa. Quando os soldados chegaram, a mar j subira e no dava passagem. Enquanto isso, eles se adiantaram ainda mais. Ao transcrever isto na Bblia, o autor sagrado quer mostrar o fato da presena de Deus em ajuda de seu povo, atravs dos elementos da natureza.

    3. Historiogrfico: o trabalho dos escribas encarregados de escrever as crnicas dos anais dos reis. A partir destas crnicas vrios livros foram escritos. 0 I Reis, cap. 11, vers.41 cita os anais de Salomo; em 14, 19 afirma que o restante est nos livros das crnicas dos Reis de Israel. So documentos de maior credibilidade, porque so mais histricos. Somente a partir do livro dos Reis, que so usados documentos escritos na poca. Antes era apenas histria popular.

    c) Legislativo: Rrepresentado na Bblia principalmente no Pentateuco. Tem muito em comum com os outros povos vizinhos e herdou muito deles. H passagens na Bblia que so repeties do cdigo de Hamurbi. Os povos orientais so muito ricos neste tipo de literatura. Quanto aos tipos de leis, h trs: 1. leis causdicas: pormenorizadas conforme as situaes; 2. leis apodticas: universais; 3. leis rituais.

    d) Sapiencial: Originou-se tambm dos povos vizinhos, principalmente a partir do Exilio. So de origem profana e no religiosa, pois as suas fontes tambm no eram religiosas. 0 povo oriental pensador por natureza e a sabedoria uma virtude muito difundida e apreciada. A sabedoria bblica no difere muito da sabedoria oriental em geral.

    e) Proftico: Tambm tem origem fora de Israel. Os povos da poca tinham seus profetas. Eles moravam nos palcios dos reis e eram os que dialogavam com os deuses. preciso notar que naquela poca profeta no era sinnimo de adivinho, como s vezes se identifica. Elesmanifestavam ao povo a vontade de Deus com sermes, com sinais, exortaes e orculos.

    f) Salmos: Tambm tem influncia externa (fora de Israel). No so todos de Davi. Apareceram conforme as necessidades. Foram compostos sem sequncia ou cronologia. So cantos de louvor, de splica.

    PRINCIPAIS ETAPAS DA HISTRIA DE ISRAEL

  • O primeiro marco importante na histria politicade Israel foi o exlio. Sua finalidade politica era para evitar a rebelio. Em geral, quando era conquistado um povo muito numeroso, os conquistadores achavam perigoso deix-los em suas terras de origem, porque isso lhes facilitava um trabalho oculto de rebelio para expulsar os invasores. Ento, longe de suas terras e sem uma liderana, eles no podiam se movimentar. Os judeus foram assim exilados para a Babilnia. 0 exlio teve incio no ano 587 e foi concludo com o edito de Ciro que, em 538 conquistou a Babilnia e libertou os judeus.

    Dizem os historiadores que a rivalidade entre judeus e samaritanos comeou na volta do exlio. O povo no exilio ficou muito tempo em contado com vrios povos estrangeiros e adquiriu com isto um sincretismo religioso que levaram para a Ptria. Ao retornarem patria, logo eles empreenderam a reconstruo de Jerusalm (casas, templo...), mas no se livraram completamente das influncias politestas, causando assim vrias brigas internas.

    O Sindrio era a cpula religiosa da nao, composta de 70 membros sob a presidencia do Sumo Sacerdote, que tinha autoridade suprema. Os fariseus e saduceus eram partidos politicos, mas com inspirao religiosa. Os primeiros eram da oposio e os outros, da situao. No ano 63 a.C, a Palestina foi conquistada pelos Romanos, iniciando outra era de dominao estrangeira, que perdurou at o tempo de Cristo.

    CRONOLOGIA BBLICA

    sc.XIX (1850 a.C) - migrao de Abrao. sc.XIII - libertao do Egito; xodo (1225 a.C.); aliana no Sinai. sc X - (1013 a 973 a.C) - Tempo do Rei Davi. Foi escrita a tradio

    javista (sul); (970 a 930 a.C) - Tempo do Rei Salomo. Foi escrita a tradio eloista. (norte); (930 a.C) - diviso dos reinos.

    sc VIII (722 a.C) - queda de Samaria para o exrcito de Sargo II, Profetas escritores.

    sc VII (586 a.C) - queda de Jerusalem para Nabucodonosor, rei da Babilnia; (538 a.C) - edito de Ciro, volta do exlio.

    sc III (300) - traduo dos 70.