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Enquanto milhares de pessoas participam de um 1º de Maio festivo, em um espetáculo midiático promovido pelas duas maiores centrais sindicais do país, movimentos sociais e sindicalistas resgatam o sentido histórico do Dia do Trabalhador, com a bandeira “nenhum direito a menos” (Pág. 3). O desafio das organizações é manter a unidade e construir um dia nacional de lutas em 23 de maio para exigir mudanças na política econômica e se opor à pauta neoliberal mantida pelo governo Lula (Pág. 4). Câmara dos Deputados aprova projeto de lei que institui Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) no Brasil, um modelo caracterizado em todo o mundo pelo desrespeito aos direitos trabalhistas (Pág. 6). Na Venezuela, presidente Hugo Chávez institui o maior salário mínimo da América Latina e anuncia a saída do país do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização dos Estados Americanos (Pág.10). 9 771678 513307 8 1 2 0 0 Trabalhadores, entre a luta e a festa Organizar o povo e enfrentar o capital A CLASSE TRABALHADORA não tem motivo para festejar neste 1º de Maio. Ao contrário, muitos são os motivos para intensificar a luta. O modelo econômico vigente aprofunda as diretrizes neolibe- rais, sobretudo neste segundo mandato do governo Lula. Os efei- tos diretos são precarizarização do trabalho, arrocho salarial, mais desemprego e menos direitos. Nos últimos anos, com a coni- vência das centrais sindicais, os trabalhadores brasileiros viram o 1º de Maio ser transformado em grande evento de marketing e de mídia. Milhares de pessoas parti- cipam dessas atividades, é verda- de. Mas são atos despolitizados, sem debate, nos quais a maior disputa travada pelas centrais é para ver qual dos espetáculos atrai o maior público. Os dirigentes sin- dicais são meros figurantes na sua preparação, convocação e realiza- ção. A coordenação é monopoli- zada por empresas especializadas na realização de grandes eventos midiáticos, que lucram com o 1º de Maio. Essa despolitização e dispersão num dia tradicionalmente de luta, no entanto, é conseqüência de duas décadas de descenso da mobili- zação social, da falta de formação política e da falta de elaboração de projetos populares e estratégicos para o país. Por isso, é urgente retomar o trabalho de organização de base, de formação política e promover mobilizações populares por todas as ruas e latifúndios deste país. É preciso recuperar a utopia de construção de uma sociedade sem exploradores e sem explorados. Aos que julgam serem estas ban- deiras do passado, basta lembrar que hoje, século 21, a vida útil de um cortador de cana-de-açúcar, no pólo mais dinâmico da eco- nomia brasileira, equivale a de um escravo do século 18. Infeliz- mente, as organizações da classe trabalhadora e seus dirigentes (apesar das exceções) não estão à altura dos atuais desafios da luta contra o capital e contra o Estado burguês. Deixando de lado as or- ganizações e dirigentes cooptados pelo sistema – em troca de cargos políticos e de salários astronô- micos para a realidade brasileira –, prevalece nas fileiras da classe trabalhadora muito mais a disputa interna do que o enfrentamento com o capital. Prevalece a peque- na política, nas palavras de An- tônio Gramsci. Cada um procura impor sua verdade, sua análise, sua reivindicação. E todos apre- sentam essas questões como se fossem porta-vozes de massas or- ganizadas, politizadas e dispostas à luta. Na prática, generais sem exércitos. É hora de perceber que o capital está numa ofensiva violenta, que nos empurrou para uma situação desfavorável. Não serão as inter- mináveis e calorosas reuniões de cúpulas e nem a elaboração de do- cumentos, minuciosamente deta- lhados, que promoverão a unidade da classe trabalhadora. Nessa si- tuação, a prioridade número um é fazer lutas! E deixem que o sopro dos ventos dessas lutas determi- nem os passos futuros da classe trabalhadora. Resistir é preciso – É nesse contexto de desafios da classe tra- balhadora que se insere o Brasil de Fato. Estimular as lutas sociais que visem a transformação. Após um ano, quando fomos obrigados a cortar oito das dezesseis páginas de nosso jornal, temos a alegria de compartilhar com nossos leitores a recuperação de parte do nosso pro- jeto original. Esta edição do Brasil de Fato começa a circular com do- ze páginas e um novo projeto gráfi- co. É uma vitória porque, apesar da ditadura que o capital nos impõe, conseguimos avançar. Um passo à frente somente possível graças ao apoio firme de nossos leitores, assi- nantes, militantes e colaboradores, que acreditam na justeza e legiti- midade da nossa luta. editorial Governadora Yeda Crusius (PSDB) corta em 30% o custeio de todas as secre- tarias e fundações, como forma de “resol- ver” a crise financeira do Estado. Pág. 7 Velha receita tucana é aplicada no RS R$ 2,00 São Paulo, de 3 a 9 de maio de 2007 www.brasildefato.com.br Ano 5 • Número 218 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional Ato realizado na praça da Sé, em São Paulo, convocado por movimentos de esquerda em contraposição aos atos da CUT e Força Sindical A disputa entre crescimento e meio ambiente está acirrada. Obra bilionária no rio Madeira pode envolver governo e gigantes da construção civil. Pág. 5 Em meio a pressões, governo muda Ibama Há dez anos morria Paulo Freire; na foto, homenagem a ele na Esplanada dos Ministérios Pág. 9 Ricardo Romanoff/Creative Commons João Zinclar

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Organizar o povo e enfrentar o capital editorial R$ 2,00 Circulação Nacional A disputa entre crescimento e meio ambiente está acirrada. Obra bilionária no rio Madeira pode envolver governo e gigantes da construção civil. Pág. 5 Governadora Yeda Crusius (PSDB) corta em 30% o custeio de todas as secre- tarias e fundações, como forma de “resol- ver” a crise fi nanceira do Estado. Pág. 7 Há dez anos morria Paulo Freire; na foto, homenagem a ele na Esplanada dos Ministérios Pág. 9

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Enquanto milhares de pessoas

participam de um 1º de Maio

festivo, em um espetáculo

midiático promovido pelas

duas maiores centrais sindicais

do país, movimentos sociais e

sindicalistas resgatam o sentido

histórico do Dia do Trabalhador, com a bandeira “nenhum direito

a menos” (Pág. 3). O desafi o das

organizações é manter a unidade

e construir um dia nacional de

lutas em 23 de maio para exigir

mudanças na política econômica

e se opor à pauta neoliberal

mantida pelo governo Lula (Pág.

4). Câmara dos Deputados

aprova projeto de lei que institui

Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) no Brasil,

um modelo caracterizado em

todo o mundo pelo desrespeito

aos direitos trabalhistas (Pág.

6). Na Venezuela, presidente

Hugo Chávez institui o maior salário mínimo da América

Latina e anuncia a saída do país

do Banco Mundial, do Fundo

Monetário Internacional e da

Organização dos

Estados Americanos

(Pág.10). 9 7 7 1 6 7 8 5 1 3 3 0 7 81200

Trabalhadores, entre a luta e a festa

Organizar o povo e enfrentar o capitalA CLASSE TRABALHADORA não tem motivo para festejar neste 1º de Maio. Ao contrário, muitos são os motivos para intensifi car a luta. O modelo econômico vigente aprofunda as diretrizes neolibe-rais, sobretudo neste segundo mandato do governo Lula. Os efei-tos diretos são precarizarização do trabalho, arrocho salarial, mais desemprego e menos direitos.

Nos últimos anos, com a coni-vência das centrais sindicais, os trabalhadores brasileiros viram o 1º de Maio ser transformado em grande evento de marketing e de mídia. Milhares de pessoas parti-cipam dessas atividades, é verda-de. Mas são atos despolitizados, sem debate, nos quais a maior disputa travada pelas centrais é para ver qual dos espetáculos atrai o maior público. Os dirigentes sin-dicais são meros fi gurantes na sua preparação, convocação e realiza-ção. A coordenação é monopoli-zada por empresas especializadas na realização de grandes eventos midiáticos, que lucram com o 1º de Maio.

Essa despolitização e dispersão num dia tradicionalmente de luta, no entanto, é conseqüência de duas décadas de descenso da mobili-zação social, da falta de formação política e da falta de elaboração de projetos populares e estratégicos para o país. Por isso, é urgente retomar o trabalho de organização de base, de formação política e promover mobilizações populares por todas as ruas e latifúndios deste país.

É preciso recuperar a utopia de construção de uma sociedade sem exploradores e sem explorados. Aos que julgam serem estas ban-deiras do passado, basta lembrar que hoje, século 21, a vida útil de um cortador de cana-de-açúcar, no pólo mais dinâmico da eco-nomia brasileira, equivale a de um escravo do século 18. Infeliz-mente, as organizações da classe trabalhadora e seus dirigentes (apesar das exceções) não estão à altura dos atuais desafi os da luta contra o capital e contra o Estado burguês. Deixando de lado as or-ganizações e dirigentes cooptados pelo sistema – em troca de cargos políticos e de salários astronô-micos para a realidade brasileira –, prevalece nas fi leiras da classe trabalhadora muito mais a disputa interna do que o enfrentamento com o capital. Prevalece a peque-na política, nas palavras de An-tônio Gramsci. Cada um procura impor sua verdade, sua análise, sua reivindicação. E todos apre-sentam essas questões como se fossem porta-vozes de massas or-ganizadas, politizadas e dispostas à luta. Na prática, generais sem exércitos.

É hora de perceber que o capital está numa ofensiva violenta, que nos empurrou para uma situação desfavorável. Não serão as inter-mináveis e calorosas reuniões de cúpulas e nem a elaboração de do-cumentos, minuciosamente deta-lhados, que promoverão a unidade da classe trabalhadora. Nessa si-tuação, a prioridade número um é fazer lutas! E deixem que o sopro dos ventos dessas lutas determi-nem os passos futuros da classe trabalhadora.

Resistir é preciso – É nesse contexto de desafi os da classe tra-balhadora que se insere o Brasil de Fato. Estimular as lutas sociais que visem a transformação. Após um ano, quando fomos obrigados a cortar oito das dezesseis páginas de nosso jornal, temos a alegria de compartilhar com nossos leitores a recuperação de parte do nosso pro-jeto original. Esta edição do Brasil de Fato começa a circular com do-ze páginas e um novo projeto gráfi -co. É uma vitória porque, apesar da ditadura que o capital nos impõe, conseguimos avançar. Um passo à frente somente possível graças ao apoio fi rme de nossos leitores, assi-nantes, militantes e colaboradores, que acreditam na justeza e legiti-midade da nossa luta.

editorial

Governadora Yeda Crusius (PSDB) corta em 30% o custeio de todas as secre-tarias e fundações, como forma de “resol-ver” a crise fi nanceira do Estado. Pág. 7

Velha receita tucana é aplicada no RS

R$ 2,00

São Paulo, de 3 a 9 de maio de 2007 www.brasildefato.com.brAno 5 • Número 218

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional

Ato realizado na praça da Sé, em São Paulo, convocado por movimentos de esquerda em contraposição aos atos da CUT e Força Sindical

A disputa entre crescimento e meio ambiente está acirrada. Obra bilionária no rio Madeira pode envolver governo e gigantes da construção civil. Pág. 5

Em meio a pressões, governo muda Ibama

Há dez anos morria Paulo Freire; na foto, homenagem a ele na Esplanada dos Ministérios Pág. 9

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João Zinclar

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Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Me-lo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Canna-

longa (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administra-ção: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: GZM Editorial e Gráfi ca S.A. • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0815

APESAR DE CÍNICO e capri-choso, Brás Cubas era um rapaz elegante, segundo nos sugere a narrativa de Machado de Assis. Prezava um bom terno, não resta dúvida, por vezes até um luxuoso fraque e cartola, como era praxe naqueles tempos vaidosos do Bra-sil Imperial. Seus descendentes, por certo, não abdicaram dos trajes fi nos, nem tampouco da desfaçatez com que se comportam na vida pública. Foi assim que tra-vamos contato, já em pleno século XX, com os célebres bandidos do “colarinho branco”, moços bem apessoados que trafegam (e tra-fi cam) com imensa desenvoltura entre os gabinetes da capital da República e dos grandes centros fi nanceiros de Tupinicópolis.

Pois o colarinho agora é pouco para defi nir os crimes dos herdei-ros de Brás Cubas. A julgar pelo cinismo com que o desembargador José Ricardo Regueira, do Tribunal Regional Federal da 2ª região (RJ), se manifestou após ser preso na badalada “Operação Furacão”, que

Será difícil, decerto, distinguir o que é realidade ou fi cção neste reino de faz-de-conta, sobretudo para aqueles que jamais usaram toga nem colarinho branco

crônica

a Polícia Federal desfechou contra o esquema de compra de sentenças e liminares para a exploração de jo-gos ilegais na região metropolitana do Rio de Janeiro, precisamos, com urgência, de uma nova categoria no imaginário coletivo nacional: o “criminoso da toga impecável”, irmão consangüíneo do velho 171 de colarinho branco. Solto por habeas corpus poucos dias após sua prisão, o “doutor” Regueira concedeu en-trevista à imprensa, muito à vonta-de, na sede do TRF, no Rio. Negou as acusações de envolvimento com a ‘tchurma’ de Capitão Guimarães (o presidente da Liga das Escolas de Samba) e Aniz Abraão David (o

‘Anísio’ da Beija-Flor), reclamou de ser preso e, indagado sobre a pena ideal para crimes de corrupção, de-clarou-se contrário às prisões, sain-do-se com a seguinte pérola:

– Prisão é para gente violenta, para gente perigosa que causa dano social – disse. – Não tem necessi-dade de prisão para gente pacífi ca. Mas para gente que não causa transtorna à sociedade, que só tem uma acusação de alguma coisa, eu não vejo necessidade disso.

Embora a “máfi a dos bingos” (no-me dado à organização de bicheiros que controla as máquinas de apos-tas no Rio) já tenha assassinado mais de 50 pessoas na guerra pelo

controle dos pontos de jogos na região, o venerável desembargador revelou-se indignado com o trata-mento dispensado a “velhinhos pa-cífi cos” como Turcão, o capo de 82 anos que passou mal antes de depor e alegou sofrer ‘crises de memória’. Regueira, é claro, diz o que quer e o que não quer porque sempre haverá um juiz amigo pronto a determinar sua libertação, como o fez Cezar Peluso, do STF, com os três desem-bargadores e o procurador geral envolvidos até a medula nos crimes descobertos pela Operação Fura-cão. De quebra, ainda negou prisão preventiva para Paulo Medina, o ministro do STJ cúmplice do esque-ma, que, se desejar, pode fugir para Miami na hora que lhe aprouver.

De fato, o pessoal do “colarinho branco”, agora, está em boníssima companhia. Melhor para Armínio Fraga, o ex-ministro de FHC, que comprou em sociedade com um

colombiano o direito de explorar a marca MacDonald’s em toda a América Latina. Ótimo para a patota do PFL, que resolveu até mudar de nome e desde o início do ano atende pela sugestiva alcunha de Democratas (aliás, haverá ‘Republicanos’ nesta velha colônia ianque?). Será difícil, de-certo, distinguir o que é realidade ou fi cção neste reino de faz-de-conta, sobretudo para aqueles que jamais usaram toga nem colarinho branco, pois, enquanto um juiz em Brasília solta os coleguinhas meti-dos até o pescoço nas maracutaias dos bingos, quem tratou de pren-der os bandidos que fugiram das celas da Polinter em Vila Isabel foram os trafi cantes locais, que devolveram sem nenhum dó os larápios à cadeia...

Luiz Ricardo Leitão é escritor e pro-fessor adjunto da UERJ. Doutor em

Literatura Latino-americana pela Uni-versidade de La Habana, é autor de

Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

De toga e colarinho branco

Luiz Ricardo Leitão

debate Altamiro Borges

Publicidade ofi cial alimenta cobras

fatos em foco

Discurso contraditórioO modelo neoliberal entrega o mundo para os

mercados, inclusive deixa as moedas oscilarem conforme a movimentação de compra e venda. Esse é o discurso preferido dos profetas do capita-lismo comandado pelas grandes corporações e es-peculadores fi nanceiros. Mas basta o dólar perder valor no mercado que o Banco Central do Brasil compra a moeda para favorecer os exportadores.

Recaída lacerdistaA prefeitura do Rio de

Janeiro resolveu regredir no tempo e promover a expul-são das comunidades pobres de várias favelas. Cerca de 75 mil pessoas estão dire-tamente ameaçadas por esses despejos arbitrários e violentos. A Frente Estadual Contra a Remoção reúne 35 organizações civis para de-fender os direitos dos mora-dores. É a volta da “limpeza” social promovida por gover-nos passados.

Protesto nacionalEntidades sindicais e mo-

vimentos sociais unifi caram as bandeiras de luta contra o modelo econômico neoli-beral e contra a exclusão de direitos trabalhistas e so-ciais; também pelo emprego, reforma agrária, melhoria salarial e das condições de vida. A ordem é organizar protestos em todo o Brasil no próximo dia 23 de maio. Vale ato público, passeata, ocupação de fábrica etc. A história continua.

Proposta furadaAnunciado com toda

pompa e esquema publici-tário, o Plano Nacional de Educação foi recebido com resistências, inclusive pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), entidade vinculada à CUT, que não concorda com piso salarial de R$ 850 para o professor. Segundo a CNTE, os pisos devem fi car entre R$ 1.050 e R$1.575, conforme a qualifi cação de cada professor.

Manchete parcialDia 26 de abril, o jornal O

Estado de S. Paulo deu des-taque sobre o aumento “re-corde” do emprego formal, de 146 mil vagas em março, segundo o Ministério do Trabalho. Na mesma página, pesquisa do Seade-Dieese mostra que o desemprego aumentou nas regiões me-tropolitanas das capitais, atingindo em março 3,171 milhões da população ativa, 119 mil pessoas a mais do que no mês anterior.

de 3 a 9 de maio de 20072

Exemplo caseiroO ex-governador de Ala-

goas Ronaldo Lessa, do PDT, foi nomeado para a Secretaria Executiva do Mi-nistério do Trabalho, agora controlado por seu partido. Resta saber o que fará com a situação trabalhista do jornal Tribuna de Alagoas, recém-fechado, que é de sociedade da sua família, e que deixou 110 trabalhado-res sem receber cinco meses de salários atrasados e as indenizações legais.

Transferência digitalA farra das empresas de

comunicação já começou: o BNDES liberou o pri-meiro fi nanciamento para a implantação do sistema de TV digital. O SBT, de Sílvio Santos, abocanhou R$ 9,2 milhões naquele bom esquema de mãe para fi lho, com juro baixo, longo prazo de carência e muitos anos para o pagamento. O presente do banco estatal fi nancia até 86% do custo do projeto.

Paraíso pirataAs empresas estrangeiras

estão vibrando com o Brasil, já que em nenhum lugar do mundo é possível ganhar tanto dinheiro facilmente. A fi lial do banco holandês ABN Amro teve um lucro líquido de R$ 622 milhões no primeiro trimestre deste ano, que é 82% maior do que em 2006. O lucro obtido só no Brasil representa 20% do lucro mundial da empre-sa. A pirataria vai durar até quando?

Classe reduzidaEstudo divulgado pela

Unicamp concluiu que a classe média brasileira – bai-xa, média e alta, conforme faixas de renda – sofreu um processo de encolhimento nos últimos 10 anos. Em 1996, representava 45,6% da população ocupada e, em 2005, havia caído para 40,6%. Segundo a pesquisa, 5% dos brasileiros engrossa-ram a categoria “massa tra-balhadora”, que tem a faixa de renda mais baixa.

Hamilton Octavio de Souza

SEM DISFARÇAR SEU partidarismo, o jornal Folha de S.Paulo de 24 de abril, fez alarde com a manchete “Lula é recordista em publicidade”. O artigo, da sus-peita lavra de Fernando Rodrigues, visou nitidamente envenenar o leitor incauto. Afi rma que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva bateu seu próprio recorde e os gastos com a propaganda federal passaram de R$ 1 bilhão pela primeira vez na história do Brasil em 2006. O valor consumido pelos órgãos da adminis-tração direta e indireta sob comando do PT chegou a R$ 1.015.773,838”. Mas a manchete e o texto, bem ao gosto da oposição de direita, têm um mérito: mostram que o governo Lula continua alimentando cobras ao repassar fartos recursos publicitários à mídia privada.

Manipulação ardilosa – A manipulação é evi-dente ao se embaralhar verbas do governo com os recursos das empresas estatais. Em tese, as primeiras servem para divulgar as ações governamentais; já as verbas das estatais fazem parte da acirrada disputa de mercado. Como explicou o ministro Franklin Mar-tins, elas “refl etem a presença forte das estatais, que estão entre as maiores do Brasil e precisam competir no mercado”. A intenção marota de confundir o leitor fi ca visível na forma como o mesmo jornalão aborda a publicidade das estatais de São Paulo, como Metrô e Sabesp, que nunca é tratada pejorativamente como “verba sob comando do PSDB”.

A reportagem também ofusca que o governo FHC, protegido da Folha, gastou quase o mesmo montante - R$ 953,7 milhões - em 2001. Durante o seu reinado, os gastos publicitários das estatais corresponderam a 65,4% do total da publicidade ofi cial. Mas o autor, num evidente ardil jornalístico, faz questão de afi rmar que, em 2006, “as empresas do governo que dispu-tam o mercado com a iniciativa privada consumiram 76,3% da verba lulista total em propaganda”. Por que antes ele nunca falou da verba tucana? O badalado repórter tem todo o direito de questionar o montante de recursos públicos investidos em publicidade, só não vale aproveitar a oportunidade para fazer descarada propaganda anti-Lula e a favor dos tucanos.

Financiando o “partido da direita” – A gritaria da Folha e de outros veículos da mídia hegemônica, porém, contribui para o atual debate sobre a democra-tização dos meios de comunicação. Em recente edito-rial, a mesma Folha de S.Paulo protestou raivosamen-te contra a proposta do governo Lula de criação de uma rede pública de televisão. Com o título sarcástico de “aparelho na TV”, a famiglia Frias acusou a idéia de ser autoritária e estatizante. “O PT e o governo Lula optaram pela marcha a ré. Sequiosos por deixar grava-da a sua marca no telecoronelismo, desejam abrir uma nova sucursal de autopromoção para acomodar apani-guados à custa do erário público”.

Já que está preocupada com o erário público, a mí-dia venal deveria reconhecer que a quase totalidade dos milhões de reais investidos em publicidade pelo governo “autoritário e estatizante” de Lula foi desti-nada a ela própria - que insiste em fazer um antijor-nalismo e a se comportar como o “partido da direita” no país. Somente no ano passado, 62% das verbas publicitárias do governo e das estatais foram para as emissoras de televisão, 12% para as rádios, 9% para os jornais, 8% para as revistas, 1,5% para a internet, 1,5% para outdoors e 6% para as outras mídias. Só a TV Globo fi cou com quase 60% dos recursos da tele-visão. Os três principais jornalões do país (Folha, Es-tadão e O Globo) abocanharam o grosso dos recursos do setor.

“Abram mão do dinheiro público” – O próprio Fernando Rodrigues, num artigo escrito há algum tempo atrás, confessou que a mídia privada iria à fa-lência da noite para o dia se não contasse com as ver-bas publicitárias dos governos. Para ser mais coerente, a mídia venal deveria acatar a recente sugestão do jornalista Alon Feuerwerker em seu blog. Ele propõe, em tom provocativo, que as empresas privadas abram mão de todas as isenções e renúncias fi scais e também da publicidade ofi cial. “Para introduzir consistência granítica e coerência indestrutível ao argumento dos que se levantam contra a comunicação estatal, os veículos privados deveriam abrir mão, até o último centavo, do dinheiro público que recebem para exibir propaganda do governo”.

A proposta é interessante, mas é evidente que a mí-dia hegemônica, que prega o “Estado mínimo” para os trabalhadores, mas gosta de mamar nas tetas deste mesmo erário público, não irá topá-la. Caberia, então, ao governo Lula, que atualmente é o alvo predileto desse autêntico “partido da direita”, abrir os olhos e alterar radicalmente sua política de comunicação. Além de não se acovardar diante das críticas da mídia privada à proposta da rede pública de televisão, o go-verno bem que poderia incentivar a multiplicação das rádios comunitárias - e não criminalizá-las, como fez até agora - e utilizar as verbas publicitárias para via-bilizar outros meios alternativos de comunicação. Ele prestaria um inestimável serviço á democracia!

Enfrentar a mídia hegemônica – Enquanto alimenta as cobras, despejando a maior parte dos recursos publicitários em veículos autoritários e ma-nipuladores, o governo Lula até hoje não deu a devida atenção às mídias alternativas. Alega motivos técnicos, de mercado, para destinar a publicidade ofi cial. No fundo, teme a reação histérica e hipócrita dos latifun-diários da mídia. Em alguns países da Europa, como forma de estimular a pluralidade e zelar pela demo-cracia, existem leis contrárias ao acelerado processo de monopolização dos meios de comunicação. Os re-cursos são carimbados para apoiar fi nanceiramente os veículos alternativos e independentes.

Seria interessante que a Secretaria de Comunicação Social, agora sob o comando do jornalista Franklin Martins, estudasse as melhores formas para estimular jornais populares, como o Brasil de Fato, revistas progressistas, com a Fórum, Caros Amigos e Princí-pios, e portais da internet, como o “Vermelho”, “Carta Maior”, “Adital”, “Alainet”, “Nova-e” e “Espaço Acadê-mico”, que vivem a mingua e penam para realizar a he-róica batalha contra-hegêmonica ao pensamento único neoliberal que impera na mídia privada brasileira.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro

As encruzilhadas do sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

O governo Lula continua alimentando cobras ao repassar fartos recursos publicitários à mídia privada

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brasilde 3 a 9 de maio de 2007 3

Renato Godoy de Toledoda Redação

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo gover-no no dia 24 de abril, prevê algumas melhorias no ensino básico e supe-rior, mas as boas intenções do pacote podem barrar no rigor da política de ajuste fi scal do Palácio do Planalto. O ministro da Educação, Fernando Haddad, afi rmou que para o cumpri-mento do plano serão necessários R$ 8 bilhões até 2010, além das verbas já previstas no orçamento.

Uma parte das verbas deve vir do próprio Ministério da Educação (MEC), via Fundeb, mas para atingir o valor estipulado, Haddad teria que angariar verbas de outras pastas, so-bretudo do Ministério da Fazenda, e acertar linhas de fi nanciamento do BNDES.

Numa avaliação geral, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) considera o PDE bastante positivo. “O plano pensa a educação como um todo, como um sistema. Não cria contradições entre os ensinos básicos e superior”, afi rma a deputada, que já foi diretora da União Nacional de Estudantes (UNE).

O PDE determina a criação de 150 escolas técnicas em cidades-pólo e um aumento de 20% das vagas das Instituições Federais de Ensino Su-perior. Porém, essas medidas podem tornar-se inviáveis, devido a uma cláusula do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que limita os gastos com o funcionalismo público. Se o PAC for aprovado na íntegra, durante uma década, os recursos do serviço público só poderão aumentar

Tatiana Merlinoda Redação

DECIDIDOS A IMPEDIR a realização das reformas sindical e trabalhista e em protesto contra a política econômica do governo Lula, representantes de movi-mentos sociais e partidos de esquerda participaram de uma manifestação do 1º de Maio, na Praça da Sé, em São Paulo (SP). O ato teve um forte caráter crítico ao governo e contrapôs-se aos promovidos pela Força Sin-dical e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).

“Aqui não tem show nem sorteio de nada”, disse Paulo Pedrini, da Pastoral Operá-ria, que acredita que as duas principais centrais sindicais do país descaracterizam o 1º de Maio como um dia de luta. “Estamos protestando contra o modelo econômico exclu-dente, pelo direito de greve e contra as reformas que o go-verno quer implementar. Já os atos da CUT e da Força são patrocinados por empresas como a Ambev”, criticou.

Durante ato, os manifes-tantes reafi rmaram a im-

portância da articulação da frente de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, que irá culminar em mani-festações durante o dia 23, quando haverá marchas e paralisações em todo o país. De acordo com a organização do ato, 10 mil pessoas com-pareceram à Praça da Sé e, segundo a Polícia Militar, 2 mil estiveram presentes.

“Essa praça voltou a ser do povo por duas razões: temos unidade e luta. No próximo dia 23, vamos mostrar que existimos e que queremos direitos a mais”, disse, sob aplausos, o advogado Plinio Arruda Sampaio, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Já para o representante da Coordenação Nacional de Lu-tas (Conlutas), José Maria de Almeida, a reunião que houve no dia 25 de março – e reuniu cerca de 6 mil representantes de organizações sindicais e movimentos populares em São Paulo – foi responsável pela construção da unidade entre as entidades, “mesmo que haja contradições dentro dos setores que ainda apóiam o governo”, disse.

Maturidade políticaNas falas das lideranças

dos movimentos, predomi-

No Ceará, mobilizações pela convivência com o semi-árido – Mobilizações nos bairros marcaram o 1º de Maio para além da programação ofi cial de Fortaleza. Em uma das principais avenidas da cidade, a Bezerra de Menezes, o asfalto foi cercado por redes coloridas e o canteiro central tomado por bandeiras do MST. Um acampamento com cerca de 700 pessoas de diversos municípios tornou a convivência com o semi-árido uma pauta central das comemorações. Na periferia da capital cearense, discursos e bandas de rock fi zeram parte do ato da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), no bairro Carlito Pamplona. Do outro lado da cidade, as pastorais sociais e movimentos ligados ao Grito dos Excluídos alertavam para as causas do desemprego e a busca por dignidade com cirandas, mística e apresentações culturais. A programação ofi cial do Dia do Trabalhador fi cou por conta do show com o pernambucano Geraldo Azevedo pro-movido pela CUT, em parceria com a Prefeitura de Fortaleza e o Governo do Estado. (Débora Dias, de Fortaleza/CE)

Militância presente no ato da Praça da Sé criticou o formato dos eventos promovidos pela CUT e pela Força Sindical

Movimentos de esquerda vão às ruas “por nenhum direito a menos”

DIA DO TRABALHADORDurante ato do 1º de Maio, manifestantes reafi rmaram a importância da articulação da frente de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores

Gianazzi critica a inclusão de gastos com transporte escolar no orçamento da educação

em 1,5% ao ano, mais a reposição da infl ação. Para o economista Rodrigo Ávila, esse aumento seria consumido integralmente com as progressões de carreira do funcionalismo público, impedindo novas contratações, rea-justes salariais e investimento em infra-estrutura.

Ao ser questionada sobre a cláusula do PAC, o otimismo de Manuela, em relação ao plano, dá lugar à preocu-pação. “Não adianta construir escolas técnicas e ampliar as vagas das uni-versidades se não podemos contratar professores”, questiona a deputada, para quem há uma constante disputa de prioridades dentro do governo.

Para o deputado estadual Carlos Gianazzi (Psol-SP), se há uma apa-rente disputa entre PAC e PDE, ela é falsa, já que, pela orientação política do governo, o PAC já venceu essa briga. “O Fernando Haddad não tem força política nenhuma. Ele é um técnico, competente, de confi ança do Lula. (Haddad) não vai bater de frente com ninguém, é um serviçal do presidente”, prevê.

A polêmica do transporteA deputada Manuela D’Ávila apon-

ta que um dos avanços do PDE é o aumento do investimento em trans-porte escolar, que será feito por meio de uma linha de fi nanciamento do BNDES. De 2007 a 2009, cerca de R$ 600 milhões serão destinados ao setor. Metade para as prefeituras e governos estaduais e o restante para “empresas que desejam trabalhar com transporte de alunos da rede pú-blica”, segundo a página do MEC.

“A compra de 2.500 ônibus para o transporte dos alunos é importante para que os estudantes continuem na escola”, afi rma a deputada, para quem o difícil acesso à escola é um dos principais fatores para a evasão escolar.

Historicamente, Carlos Gianazzi defende que a verbas destinadas ao transporte escolar e à assistência social não sejam contabilizadas co-

mo gastos em educação. Durante a gestão de Marta Suplicy (PT) na Pre-feitura de São Paulo (2001-2004), o então vereador petista votou contra a inclusão de programas assistenciais, uniforme escolar e transporte no or-çamento da educação.

Gianazzi, à época, defendeu a des-tinação de 30% do orçamento para a educação. Com o manejo do orça-mento, os gastos apenas em educação foram reduzidos a 25%. Sua posição lhe rendeu a expulsão do PT. “Em-bora o gasto com transporte escolar possa ser, legalmente, contabilizado como educação, sou contra essa inclusão. Defendo que o orçamento com transporte seja oriundo de ou-tras fontes”, afi rma.

Benefícios O grupo majoritário da UNE e se-

tores representativos da esquerda, sobretudo os mais ligados à base do governo, defendem o Programa Universidade para Todos (Prouni) como uma ferramenta importante para o acesso de jovens pobres às universidades privadas. Com o PDE, o Prouni deve receber um incremento de 150 mil bolsas e as instituições que aderirem ao programa terão maior facilidade para quitar suas dívidas previdenciárias e fi scais.

Carlos Gianazzi considera que o programa corrobora os interesses dos empresários da educação, “mais preocupados com as mensalidades do que com projetos pedagógicos”. O argumento do deputado se baseia nas isenções fi scais que as faculdades privadas recebem para participar do programa.

Ele afi rma que, com o dinheiro que o Estado deixa de arrecadar por meio do Prouni, poderiam ser construídas “pelo menos 20 universidades públi-cas”. Para incluir os alunos de baixa renda, essas hipotéticas universida-des, segundo o deputado, deveriam ter uma reserva de, ao menos, 90% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de ensino.

Política econômica pode inviabilizar plano da educaçãoEnquanto MEC prevê R$ 8 bilhões de investimento, PAC impede aumento salarial e contratação de funcionários públicos

ENSINO

nou um tom crítico à diretriz neoliberal da política eco-nômica do governo Lula. Os dirigentes deixaram claro a necessidade de construção de uma unidade de forças sociais capaz de intervir na conjuntura. “Essa unidade simboliza a maturidade polí-tica da organização e é fruto de um debate conjunto das organizações. Apesar das diferenças existentes entre nós, deixamos as divergên-cias de lado em prol de uma luta maior. Este é o primeiro passo de uma luta conjunta contra a hegemonia do ca-pital”, assinalou José Batista de Oliveira, da direção nacio-nal do MST.

De acordo com os manifes-tantes, o ato da Praça da Sé foi mais “legítimo” que os da CUT e Força Sindical. “Eles não representam a classe trabalhadora, deturpam o ato trazendo artistas e mani-pulando a data, que é um dia histórico de mobilização”, disse Carlos Roberto Coelho, do Núcleo Força Ativa, da cidade Tiradentes. De acordo com ele, as divergências polí-ticas entre os movimentos e partidos de esquerda presen-tes são “uma perda de tempo.

Ainda bem que hoje estamos reunidos para combater o inimigo comum”.

Entre os participantes, es-tavam dezenas de moradores do Acampamento João Cân-dido, localizado na divisa de São Paulo com Itapecirica da Serra, mais recente ocupação do Movimento dos Traba-lhadores Sem Teto (MTST), que conta com aproxima-damente 3 mil famílias. Os acampados marcharam em fi la durante passeata que passou pela Rua Boa Vista, e terminou em frente à sede da Prefeitura, no centro da capital. Entre eles, estava o maranhense Antônio Araújo Brandão, que esteve pela primeira vez na vida em um ato do 1º de Maio. “É bom estarmos todos juntos, porque assim fi camos mais fortes”, disse Brandão, que lamentou a situação em que se encontram as famílias do MTST. “Mas a esperança é a última que morre”.

Durante a passeata, os ma-nifestantes fi zeram uma pa-rada em frente à Secretaria Estadual dos Transportes, onde protestaram contra a demissão de cinco metroviá-rios como punição por para-lisação promovida no fi nal de abril.

da Redação

A ameaça da reforma da Previdência esteve presente em cartazes, panfl etos e palavras de ordem como “um, dois, três, quatro, cinco mil, ou pára essa reforma ou paramos o Brasil”. Muni-da de uma panela vazia e uma colher de pau, Dialeta Fresneda batucava ao

lado do palco junto com outras mulhe-res da Casa de Solidariedade, ligada à Igreja católica. “Estamos aqui para impedir que o governo retire nossas conquistas, como a reforma da Previ-dência, que eleva para 65 anos a idade mínima para aposentadoria”.

Além da reforma da Previdência, as reivindicações do ato do 1º de Maio e que se estendem ao dia 23, são contra

Preparados para enfrentar a reforma da Previdênciatodas reforma que retirem direitos dos trabalhadores, exigem emprego, salário digno, reforma agrária e urbana, por mudanças na política econômica e o não pagamento das dívidas interna e exter-na. A manutenção do veto presidencial à Emenda 3 também faz parte do debate. “Defendemos nenhum direito a menos, só direitos a mais”, disse José Maria de Almeida, da Conlutas. (TM)

Manifestante durante protesto na Praça da Sé, em São Paulo

João

Zin

clar

Francisco Flávio Barbosa

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saiu na agência

TRABALHO – Dois ônibus com 94 trabalhadores aliciados no Estado de Pernambuco foram apreendidos pela Polícia Federal, no dia 23 de abril. O destino do veículo era Novo Horizonte (SP), onde a força de trabalho dos passageiros seria empregada no corte de cana-de-açúcar. Os ônibus não possuíam registro e nenhum dos trabalhadores tinha carteira assi-nada, o que contraria as normas da Delegacia Regional do Trabalho.

MAIORIDADE PENAL – A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) aprovou, no dia 26 de abril, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Na CCJ, o projeto, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), obteve 12 votos a favor e 10 contra. Para especialistas, o projeto, além de inconstitucional, não contribui para diminuir a violência.

TRANSGÊNICOS – A Justiça Federal obrigou a transnacional de alimentos Bunge a infor-mar aos consumidores a quantidade de alimentos transgênicos utilizados em seus produtos. As informações devem constar nos rótulos dos produtos da empresa, num prazo de 60 dias. A Justiça também determinou que cabe ao governo federal fi scalizar o cumprimento da or-dem judicial.

FRANÇA – Após o término das apurações das eleições francesas, cinco candidaturas da es-querda declararam apoio à socialista Sègoléne Royal, no segundo turno. Liga Comunista Re-volucionária, Luta Operária, Partido Comunista, Partido Verde e o militante antiglobalização José Bové tornaram público o apoio à candidatura do Partido Socialista (PS) e o repúdio ao conservador Nicolas Sarkozy, favorito às eleições de 6 de maio.

COLÔMBIA – Em entrevista, o economista colombiano Hector Mondragon estabelece um parelelo entre a violência em seu país com as antigas práticas políticas levadas a cabo pelo governo de Álvaro Uribe, com apoio político e logístico de Washington e dos paramilitares. Em meio a esse cenário, os povos indígenas, afro-colombianos e camponeses vêem a supres-são de seus direitos, segundo ele.

MOBILIZAÇÃO – As maiores centrais sindicais do país realizaram atos e paralisações por todo o Brasil, no último dia 17, contra a Emenda 3. Em São Paulo, metroviários fi zeram uma paralisação de 90 minutos. No dia seguinte, o governo de José Serra (PSDB), de São Paulo, agiu em represália: puniu 5 funcionários do Metrô com demissões e afastamentos, todos di-retores do sindicato.

BIODIVERSIDADE – Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora estadunidense Anne Peterman alertou para o risco de as árvores geneticamente modifi cadas invadirem o Brasil, como planeja a empresa estadunidense ArboGem. Segundo ela, esse tipo de árvore pode causar impactos irreversíveis nas fl orestas nativas do mundo e impõe a escassez de em-pregos às comunidades.

AGRICULTURA FAMILIAR – Famílias de assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Bituruna (PR) inauguraram a Casa do Mel que processa mel agroecológico, no último dia 26 de abril. O projeto vai benefi ciar 220 famílias de seis assen-tamentos da região centro-Sul do Paraná e deve fortalecer a criação de mercados alternativos para a comercialização do produto.

ECONOMIA – Em análise, o economista Theotônio dos Santos avalia que a criação do Banco do Sul – proposto por Hugo Chávez (Venezuela) e encampado por outros governos da região, como Bolívia, Equador e Argentina – aponta para uma mudança estrutural da econo-mia mundial, mas considera que a “debilidade mental e moral” das classes dominantes são os principais entraves para o êxito dessa instituição fi nanceira.

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brasilde 3 a 9 de maio de 20074

Tatiana Merlinoda Redação

“AS CONTRADIÇÕES do go-verno Lula tendem a unifi car aqueles que não abandona-ram a luta”. A afi rmação é de Edson Carneiro, o Índio, da Intersindical, uma das organizações que integram a frente de luta em defesa do direito dos trabalhado-res. Na segunda entrevista – das quatro da série – com representantes dessas orga-nizações, Índio afi rma que os movimentos populares precisam “construir pontes, porque o segundo governo do Lula é muito pior que o primeiro, a sua política é mais conservadora, a sua aliança no congresso é mais conservadora, a política internacional é mais anti-popular”.

O primeiro ato da frente de luta será um protesto unifi cado em todo o país, no dia 23. Participam de sua construção a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estu-dantes (UNE), a Via Campe-sina (MST, MAB, MPA etc.), a Intersindical, a Conlutas e outras articulações, como a Assembléia Popular e a Co-ordenação dos Movimentos Sociais (CMS).

Brasil de Fato – Por que os movimentos sociais criaram uma frente uni-fi cada de luta em defesa dos direitos dos traba-lhadores?

Índio – Nós, da Intersin-dical, realizamos juntamente com outras organizações co-mo a Conlutas, as pastorais sociais, o MST, a Consulta Po-pular e diversas entidades um encontro no dia 25 de março, quando discutimos uma série de questões, como a reforma da Previdência, os ataques aos direitos trabalhistas, a ques-tão da política econômica, a luta contra o agronegócio e a falta da reforma agrária. A partir daí, tiramos um ca-lendário e bandeiras de luta. Desse fórum surgiu a idéia de construir um dia nacional de luta contra as reformas e em defesa dos direitos.

Quais são os pontos que unifi cam os movimentos já que entre eles há os que apóiam o governo Lula?

Há inúmeras diferenças entre esses movimentos, mas o que une é a questão da defesa dos direitos da aposentadoria, dos direitos trabalhistas, a luta contra o agronegócio, a defesa da re-forma agrária e o combate a essa política econômica que o governo vem desenvolven-do. Grosso modo, é isso, mas existem diferenças de avalia-ção entre esses setores. Na nossa avaliação, o governo Lula mantém a mesma polí-tica econômica, aprofundou o superavit primário, a po-lítica cambial é muito ruim para o emprego no Brasil e, em relação às reformas,

União e luta contra as reformas

MOBILIZAÇÃO SOCIALNa segunda entrevista da série sobre o dia nacional de lutas, Índio, da Intersindical, aponta o caráter neoliberal do governo como um ponto de contato entre os movimentos sociais do país

além de não ter modifi cado o conteúdo do que o Fernando Henrique tentou fazer, ele desarma os trabalhadores porque tem força de coopta-ção e paralisação de alguns movimentos sociais.

Apesar das divergências de avaliação da conjun-tura qual é a importân-cia de uma frente unifi -cada dos movimentos?

Ela é muito importante, primeiro, porque não vamos conseguir defender os direi-tos e impedir essas reformas sozinhos. A mídia faz essa avalanche de propaganda em torno de um suposto defi cit

da Previdência – que é falso – e a burguesia está unifi cada em torno de uma pauta que é o desmonte do Estado, dos direitos sociais e o arquiva-mento da reforma agrária, como se fosse uma coisa do passado. Nesse cenário, com o governo Lula cerrando fi leiras com esses setores, precisamos unifi car amplos setores, todos os movimentos sociais, principalmente os que estejam dispostos a com-bater as reformas, ainda que um ou outro mantenha uma relação com o governo. É im-portante construir esse grau de unidade para defender os direitos. Nós queremos con-ferir até onde alguns setores vão. Na nossa opinião, o fato de o (Luiz) Marinho assumir o Ministério da Previdência para fazer a reforma é muito grave e queremos acompa-nhar como a direção nacional da CUT vai se portar diante dessa contradição.

Como você vê a reforma da Previdência que está sendo sinalizada e a dis-cussão em torno do defi -cit da Previdência?

Antes, o governo negava que faria a reforma da Previ-dência, mas não nega mais. O ministro e o próprio pre-sidente têm dado inúmeras declarações de que farão a reforma, além de o Lula ter criado esse Fórum Nacional da Previdência, que é com-posto por empresários, ban-queiros, centrais sindicais e próprio governo. Outra coi-sa muito grave é a campanha que a mídia faz tentando manipular a opinião pública

dizendo que há um rombo na Previdência. Temos que construir uma consciência crítica na população para perceber que isso não é verdade, existe superavit no regime da seguridade social, mesmo com os inúmeros desvios que aconteceram. Por outro lado, estabelecer a idade mínima de 60 ou 65 anos, como querem al-guns setores, representa a retirada de um direito que é a aposentadoria, porque se impede uma parcela dos tra-balhadores de se aposentar. A maioria dos trabalhadores que começaram a trabalhar aos 13, 14, 15 anos de idade,

aos 60, 65 anos já pode estar com a saúde comprometida. O pano de fundo é o seguin-te: querem empurrar, prin-cipalmente, a classe média e os setores assalariados médios para comprar Previ-dência privada complemen-tar dos bancos. É uma mina de ouro para os bancos, é a segunda fase do ouro, por-que são bilhões de reais que os bancos podem lucrar com a destruição da Previdência pública.

Quais são os desafi os colocados para os mo-vimentos sociais no segundo mandato do go-verno Lula?

O problema não é só o ata-que à questão da Previdên-cia. Há a Emenda 3, a qual também somos contrários. Não é possível aceitar que os fi scais não possam fi scalizar as empresas. Seria permitir que as empresas fraudem ainda mais o contrato de tra-balho dos trabalhadores. A reforma trabalhista também está na pauta do governo, da mídia, das empresas. Ela é uma exigência do capital e o governo cerrou fi leiras com as empresas dando inúmeras demonstrações de que vai fazer a reforma. Esse é um debate que precisa ser en-frentado pelo conjunto dos movimentos, dos sindicatos.

Como unifi car a pauta contra as reformas do governo que ameaçam os direitos dos trabalhadores?

A questão dos direitos está colocada. Agora, precisamos

ver como enfrentar o gover-no, que descobriu que não precisa fazer uma reforma completinha para acabar com os direitos sociais. Ele tem feito isso a conta-gotas e por inúmeros subterfúgios. A Emenda 3 é uma forma, que numa linha só você faria toda a reforma da Previdência. O governo tem feito inúmeras alterações sem fazer uma reforma formal. Na questão da Previdência, por exemplo, não são só direitos previ-denciários, mas são direitos trabalhistas, como a questão do auxílio-doença, por exem-plo, que sofreu uma redução brutal. O trabalhador doente perde salário e não consegue mais se tratar; tem também a alta programada onde a pessoa dá entrada no trata-mento e já recebe alta.

Quais são as perspecti-vas para a unidade des-sas forças sociais no se-gundo mandato de Lula?

A gente está numa con-juntura de fragmentação da esquerda, mesmo que haja sinais de mudanças. O encontro nacional do dia 25 de março foi um marco num processo de reorganização. E

esse outro fórum que a gente tem constituído, mais amplo, também é uma sinalização. Precisamos construir pontes porque o segundo governo do Lula é muito pior que o pri-meiro, a sua política é mais conservadora, a sua aliança no congresso é mais conser-vadora, a política internacio-nal é mais anti-popular. Essa aliança com (George) Bush em torno do etanol colocou o Lula como o grande represen-tante do Império na América Latina de hoje. Essa contra-dição tende a unifi car aqueles que não abandonaram a luta. Enfi m, a gente quer construir unidade com aqueles que querem lutar.

Quais são as principais pautas de um novo modelo de desenvolvimento que contemple os interesses da classe trabalhadora?

Esse é o desafi o. Primeiro, uma outra política econômi-ca, e aqui não é só discutir os juros, como alguns setores defendem. Tem a questão da política fi scal, que destrói os serviços públicos, retira dinheiro das políticas sociais para manter o pagamento da

dívida. Tem também o fi m do superavit primário, que retira dinheiro público para pagar ainda mais juros. De-pois tem que discutir de fato a política monetária, a taxa de juros, a quantidade de di-nheiro que tem no mercado e alterar a política cambial. Isso é uma parte da política econômica, mas se não dis-cutirmos a dívida externa, a divida interna, aí é inverter a lógica da política. Precisa-mos de uma política capaz de gerar emprego e renda, fazer reforma agrária e urbana, construir políticas sociais rigorosas, com amplos recur-sos para educação, ciência e tecnologia, para a saúde, que valorize salário mínimo, que coloque a redistribuição da renda num patamar su-perior, o centro da política econômica do país.

Como está a organização para o dia 23, como se-rão as mobilizações?

Achamos que é importante marchas para Brasília. Além disso, acreditamos que ações nos locais de trabalho são fundamentais, pois paralisar a produção de mercadorias é muito importante.

Edson Carneiro, o Índio, é representante da Inter-sindical, entidade formada por sindicalistas, na maioria ligados ao P-SOL, logo após o 9º CONCUT (junho 2006). Bancário e professor, Índio é do Sindicato dos Bancários de São Paulo e do Núcleo Sindi-cal Centro São Paulo.

Quem é

Precisamos de uma políticacapaz de gerar emprego e renda, fazer reforma agrária e urbana, construir políticas sociais rigorosas, com amplos recursos para educação, ciência e tecnologia, para a saúde

Articulação da frente unifi cada de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores prepara-se para o “23 de Maio”; na foto, encontro da Intersindical e da Conlutas realizado em março

João Zinclar

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rio-executivo Claudio Lango-ne foi substituído por João Paulo Capobianco. Já no Ibama, caíram o presidente Marcus Barros e o diretor de licencimento ambiental Luiz Felipe Kunz Júnior.

As alterações ocorrem em meio a um turbilhão de no-tícias e declarações que colo-cam a preservação ambiental como sendo um entrave para o crescimento da economia. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inclusive tem contri-buído com esse movimento. Em reunião do Conselho Político, no dia 19 de abril, ele teria questionado o fato de as licenças para a contrução de duas hidrelétricas no rio Madeira, em Rondônia, não terem saído por conta da pre-servação de bagres que vivem em suas águas.

Por sua vez, a ministra Ma-rina Silva (do Meio Ambiente) garante que a reestruturação interna já vinha sendo estuda-da desde 2003 e nega que elas

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O que está em jogo na reforma do Ibama e Ministério do Meio Ambiente

Luís Brasilinoda Redação

AS PRESSÕES a que o meio-ambiente vem sendo exposto neste ano tiveram refl exos no governo federal. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), criado em 1989, foi dividido em dois. O governo editou, no dia 26 de abril, medida provisória criando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodi-versidade, que passará a ser responsável pela gestão, implementação e proteção das unidades de conserva-ção. Permanecem no Ibama as funções de fi scalização, autorização do uso de recur-sos naturais e licenciamento ambiental.

Também em abril, ocorre-ram importantes mudanças na cúpula do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Na mais importante, o secretá-

da Redação

Este ano tem sido agitado quando o assunto é o meio am-biente. Ainda em 2006, o presi-dente Lula deu mostras de qual seria modelo de desenvolvimen-to de seu segundo mandato ao declarar, no dia 21 de novem-bro, que os indígenas, o Minis-tério Público e os ambientalistas são entraves do país.

Depois veio o lançamento do PAC, em janeiro, prevendo grandes obras como condição para a economia do país crescer. Em seguida (fevereiro), relató-rio da Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o problema do aquecimento glo-bal. Paralelamente a isso, os agrocombustíveis estão sendo içados à condição de panacéia mundial para resolver a questão energética e, de quebra, inserir o Brasil de forma estratégica na economia global.

Questionado sobre esses elementos, o biólogo Rogério Grassetto mostrou-se apreen-sivo. “As declarações de Lula, incluindo as recentes (men-cionando que por causa de um bagre as hidrelétricas não vão sair) são um perigo imenso, pois somam-se ao movimento todo da grande mídia de colocar o ambietalismo numa posição desconfortável e, portanto, mais vulnerável. O PAC, se implanta-do em sua totalidade, apresenta algumas medidas extremamente danosas: hidrelétricas na Ama-

da Redação

Atualmente, o principal campo de batalhas entre a preservação ambiental e o crescimento econô-mico fi ca em Rondônia. É nesse Estado que corre o rio Madeira e, com suas águas, o governo pre-tende construir duas hidrelétricas – a Jirau e a Santo Antônio – que seriam capazes de produzir 6.450 megawatts (MW). Assim, cum-priria mais da metade da meta do PAC de aumentar a oferta de energia elétrica em 12.300 MW até 2010. Segundo o governo, tal volu-me é essencial para afastar o risco de apagão caso a economia passe a crescer 5% ao ano daqui há quatro anos: o grande projeto do segundo mandato do presidente Lula.

No entanto, devido a uma série de falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) a licença está empacada no Ibama. Para se ter uma idéia do drama, parecer téc-nico do órgão, divulgado dia 23 de abril, concluiu que não é possível atestar a viabilidade ambiental da obra pois o EIA subdimensiona as áreas impactadas pela hidrelétrica. Disso decorrem problemas como, por exemplo, refazer a análise dos

DESENVOLVIMENTO VERSUS SUSTENTÁVELEm meio a disputas entre crescimento e preservação ambiental, Lula anuncia mudanças nos dois órgãos

tenham ocorrido por conta de pressões para fl exibilizar o processo de licenciamento. Ela avisa que uma coisa são as reformas no MMA e no Ibama, outra são as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Jogo de interessesTemístocles Marcelos Neto,

coordenador da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Traba-lhadores (CUT), prefere espe-rar para saber se as mudanças facilitarão ou não o licencia-mento ambiental. Para ele, tal visão está sendo pautada pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelas pessoas que deixaram o governo exatamente com o objetivo de que isso aconteça. Temístocles e demais repre-sentantes do Fórum Brasi-leiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Desenvolvimento Sustentável (Fboms), do qual é o secretário-executivo, se reúnem com a ministra Mari-

na, no dia 2, para saber a sua versão dos fatos.

“Conhecemos as pessoas que estão saindo e as que estão entrando. Estamos ten-tando evitar ser utilizados por aqueles que estavam no Iba-ma e no MMA nesse último período e que são favoráveis à fl exibilização do processo de licenciamento ambiental. A impressão que tenho é que as medidas sinalizam uma relação mais séria com a so-ciedade civil”, aponta.

Porém, para o biólogo Rogério Grassetto, doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews, as mudanças soam no mínimo estranhas. “Essa divisão e as demissões no ór-gão e no MMA aconteceram justamente num momento em que o ambientalismo está sob ataque e logo após o Iba-ma ter se posicionado contra-riamente às hidrelétricas do rio Madeira”, avalia.

Já Lindalva Cavalcanti,

presidente da Associação dos Servidores do Ibama (Asiba-ma-DF), não tem dúvidas: o governo lançou o pacote para tirar o foco do licenciamento das usinas do rio Madeira.

MudançasA sindicalista não concorda

com os motivos do governo para fazer as mudanças. “O processo de licenciamento é muito transparente, os técnicos das mais diversas áreas analisam os estudos elaborados e fazem uma série de ponderações que o empresário tem que cumprir. Essas ponderações não saem da cabeça de qualquer um. É um trabalho com base em es-tudos científi cos”, analisa.

Na opinião de Lindalva, a divisão fragiliza o Ibama ao retirar-lhe 308 unidades de conservação e 15 dos 20 centros especializados. “No nosso ponto de vista, o gover-no está fazendo um processo de desmonte do instituto”,

acusa. Para os servidores, o risco político de extingüir o órgão de uma hora para outra é muito grande. Então, o governo estaria retirando “pedaços” aos poucos.

Mas o principal problema da criação do Instituto Chico Mendes é outro. Segundo Lin-dalva, o novo órgão quebra a unicidade da gestão ambien-tal. O que isso signifi ca? “Até a criação do Ibama os jacarés, dentro da água, eram cuidados pela Superintendência da Pes-ca (Sudepe) e, na terra, pelo Instituto Brasileiro de Desen-volvimento Florestal (IBDF). Quando tinha o rabo na água e o resto do corpo na terra como é que fi cava? Com a criação do Ibama, essas duas entidades foram fundidas com outras duas e a gestão ambienal passou a ser feita de forma integrada”, responde. A criação do Instituto Chico Mendes traz a quebra de volta. “É impossível trabalhar dessa forma”, completa Lindalva.

zônia e pavimentação de rodo-vias na região serão os piores. Agrocombustíveis: o pior risco é a expansão descontrolada da cana-de-açucar e nos tornar-mos exportadores de álcool, às custas de nosso ambiente e com as já conhecidas péssimas con-dições de trabalho. Outro risco é transformar a idéia do biodiesel, que ainda possui um lado social, em uma nova versão da mono-cultura canavieira”, descreve.

SaídasPara Grassetto, é momento

de mostrar que o governo está tomando certos caminhos por escolha própria, mas que exis-tem alternativas, “ao contrário do que querem nos fazer crer”. Dentre elas, o biólogo destaca as da área energética, como uma maior oferta de emprego pelo uso de fontes eólicas e solares e a produção concomitante de alimentos junto com alguns agrocombustíveis.

Porém, na sua opinião exis-tem três explicações para não se usar as alternativas: “Ou os técnicos não sabem, aí seria um problema de falta de informação e ignorância; ter que apelar para medidas menos convencionais pode dar mais trabalho do que seguir caminhos mais fáceis e conhecidos, daí seria um pro-blema de preguiça; por fi m, pode não haver vontade de con-trariar interesses econômicos de grandes empreiteiras interessa-das nas obras e eternas aliadas do poder”, avalia. (LB)

impactos do empreendimento em territórios fora da soberania nacio-nal. Ou seja, os técnicos estimam que o lago formado pela construção pode inundar até mesmo regiões da Bolívia e do Peru.

De seu lado, o engenheiro Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Univer-sidade de São Paulo (USP), parece ter a solução. No artigo “Impasses e controvérsias da hidreletricida-de”, publicado na última edição da Revista Estudos Avançados, ele garante que o país não precisa construir mais nenhuma usina para atingir a meta do PAC.

Segundo Bermann, trocando as turbinas das cerca de 70 hidrelé-tricas com mais de 20 anos que existem no Brasil, poderia-se gerar 8.000 MW a mais. Para chegar aos 12.300 MW previstos no PAC, bastaria reduzir o desperdício nas linhas de transmissão que hoje é de 15%, para 10%. Assim, o país contaria com outros 4.500 MW de energia.

Interesses escusosDe todo modo, a produção de me-

gawatts pode não ser o único obje-tivo da construção das hidrelétricas Jirau e Santo Antônio. Segundo o jornalista e pesquisador do Insti-tuto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) Carlos Tautz, uma articulação política e empre-sarial para emplacar a obra vem atuando desde o segundo semestre de 2006.

Em artigo publicado, no dia 30 de abril, na página Envolverde, Tautz revela que esse acordo envolvia os formuladores dos programas de governo de Geraldo Alckmin e de Lula, o Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social

(BNDES), o Ibama, Furnas, a empreiteira Odebrecht e respeita-dos professores universitários. O objetivo era fabricar um consenso sobre a necessidade de construir as hidrelétricas.

De acordo com Tautz, o que ele chama de “Operação Madeira” transcorreu da seguinte forma: “1) o Ibama, após meses de questiona-mentos por parte de ambientalis-tas, aprovou licenças preliminares para as obras e marcou as audiên-cias públicas para discutir um pré-EIA; 2) a construção das usinas entrou no programa de governo de Lula. Alckmin fez o mesmo; 3) o BNDES, único fi nanciador de longo prazo no Brasil para obras de infra-estrutura, reduziu suas taxas para projetos de geração e transmissão de energia. Sintoma-ticamente, deixou de fora a área da distribuição de energia, que não está diretamente envolvida no projeto do Madeira; e 4) Furnas & Odebrecht tentam angariar na so-ciedade apoio para a obra”.

A obra está orçada em R$ 20 bilhões e os seus defensores espe-ram que a oferta de energia induza à construção de um grande pólo agroindustrial. Além disso, “tanta eletricidade demandaria a utiliza-ção de 30 milhões de hectares” de terra, numa área que o Ministério do Meio Ambiente considera prio-ritária para a preservação.

Para completar o esquema, Tautz prevê como “uma outra possibilida-de forte a criação de um grande lago artifi cial e de uma enorme hidrovia, por onde as commodities agrícolas produzidas pelo complexo agroin-dustrial seriam transportadas até atingirem portos marítimos, de onde iriam para grandes importa-dores de bens primários”. (LB)

Ambientalismo na berlindaPrograma de Aceleração do Crescimento, aquecimento global, agrocombustíveis... o meio-ambiente no centro do debate

Para pesquisador, há uma operação envolvendo a Odebrecht, Furnas, setores do Ibama e do BNDES para emplacar a obra, que está orçada em R$ 20 bilhões

A cobiça ameaça o rio MadeiraGrandes obras na Amazônia são a aposta do governo para viabilizar o crescimento da economia

Local do rio Madeira onde o governo pretende construir a Usina de Santo Antônio, na periferia de Porto Velho, apesar de protestos de ribeirinhos e indígenas da região

Verena Glass/Agência Carta Maior

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de Curitiba (PR)

O texto original que regulamenta as Zonas de Processamento de Expor-tação (ZPEs) não toca nas condições de trabalho no interior das fábricas. Comenta somente que o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), criado para aprovar e fi scalizar os projetos para

os distritos industriais, vai se com-prometer com questões de segurança, meio ambiente e com as prioridades da indústria nacional e da política econômica global. Questionadas pela reportagem, a Abrazpe e a Consultoria Legislativa do Senado repetem em co-ro que as 17 zonas francas vão seguir a legislação trabalhista brasileira.

Porém, a falta de preocupação com as condições dos trabalhadores é uma característica global das ZPEs, o que leva a outra pergunta: o que

Pedro Carrano de Curitiba (PR)

NO MÉXICO, trabalhadoras geralmente são violentadas na saída de uma das mais de 3 mil Zonas de Processamen-to de Exportação (ZPEs) do país. Na América Central, vá-rios camponeses amontoam-se em um mesmo quarto nas cidades criadas em volta das montadoras, em busca de sa-lários de um ou dois dólares. Nas Filipinas, na Indonésia, no Haiti, o quadro muda pouco. Números ofi ciais apontam que hoje 60 mi-lhões de pessoas vendem o seu trabalho para as ZPEs, já instaladas em 104 países. No fi nal da década de 90, eram 27 milhões de trabalhadores.

As ZPEs são zonas francas industriais instaladas em áreas privilegiadas para ex-portação, perto de portos ou aeroportos. Possuem isenção de impostos para importar matérias-primas, insumos e maquinário, assim como para vender seus produtos ao exterior. Protegida por muros de alta segurança, uma ZPE abriga entre 20 e

30 empresas. De fábricas de costura a montadoras de au-tomóveis, diferentes setores se misturam. Entre tantos apelidos, as zonas de expor-tação fi caram conhecidas como maquiladoras no Mé-xico (em espanhol, maquilar signifi ca ‘maquiar’).

Em abril, a Câmara de De-putados aprovou o projeto de lei (PL nº 5.456/2001), origi-nalmente da década de 1990, que regulamenta o funciona-mento de 17 ZPEs no Brasil. Anteriormente, as ZPEs haviam sido aprovadas pelo Senado, porém no governo Fernando Henrique Cardoso não receberam permissão da alfândega para funcionar.

A infra-estrutura de quatro ZPEs já está concluída, nas regiões de Imbituba (SC), Teófi lo Otoni (MG), Ara-guaína (TO) e Rio Grande (RS). Agora, após receber emendas, o projeto está na Comissão de Assuntos Eco-nômicos (CAE), presidida pelo senador Aloizio Merca-dante (PT). Existem sinais de que o governo Lula e o PT utilizem a matéria para se aproximar da oposição,

que tem como entusiastas da idéia os senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL) e Tasso Jereissati (PSDB).

Paraíso fi scal Da Central Única dos

Trabalhadores (CUT) até a Fiesp, o receio maior se deve a uma das novas emendas ao projeto de lei: no caso brasi-leiro, se forem aprovadas, as ZPEs podem comercializar até 20% da produção dentro

do país. É algo incomum na política dessas zonas fran-cas. As ZPEs são voltadas para a exportação, o que a faz diferente, por exemplo, da Zona Franca de Manaus, cujo objetivo é o mercado interno. Outra nova emenda ao projeto de lei livra a pro-dução no interior de uma ZPE dos seguintes impos-tos: PIS-PASEP, CONFINS, PIS-PASEP-Importação e do COFINS-Importação.

A entrada no mercado brasileiro das mercadorias montadas nas ZPEs seria feita com a taxação equiva-lente a de uma importação. “Será vendido para o mer-cado interno na lógica da importação, como trazer para o país um produto da Coréia”, afi rma Helson Bra-ga, da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe), a principal defensora do projeto. A CUT, por outro lado, teme a competição e a quebra do parque industrial brasileiro, ao concorrer com a mercadoria produzida em um paraíso fi scal, segundo a assessoria da CUT.

O que fi ca para a população pobre das regiões onde as maquiladoras se instalam?

brasilde 3 a 9 de maio de 20076

de Curitiba (PR)

O economista e professor univer-sitário Pablo Díaz analisa as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) como uma entre as várias for-mas de paraíso fi scal usados atual-mente para facilitar a acumulação de capital e o seu deslocamento rá-pido. De acordo com Díaz, o número de paraísos fi scais cresce à medida que é aprofundado o receituário do fi m do Estado, proposto por Ronald Reagan (Inglaterra) e Margareth Ta-tcher (Inglaterra), nos anos de 1980.

Fato curioso, justo nesta década as ZPEs difundem-se pelo mundo. As transnacionais deixam suas fi liais e instalam-se em um dos 30 galpões de uma ZPE, em países de economia periférica. A peregrinação das fábri-cas resulta em desemprego estrutu-ral no antigo país sede e subemprego nos países hospedeiros das ZPEs. “O Estado de origem perde barganha, a montadora instala-se em outros paí-ses e ganha um superfaturamento com a exportação. Os negócios, en-tão, tramitam pelos paraísos fi scais”, afi rma Díaz.

“É um estágio avançado de acu-mulação do capital, que leva a um novo entendimento da forma do

Cidades onde estão previstas as 17 ZPEs Araguaína (TO) Barcarena (PA) Cáceres (MT) Corumbá (MS) Ilhéus (BA) Imbituba (SC) Itaguaí (RJ), João Pessoa (PB) Macaíba (RN) Maracanaú (CE) N. S. do Socorro (SE) Paranaíba (PI) Rio Grande (RS) São Luís (MA) Suape (PE) Teófi lo Otoni (MG) Vila Velha (ES)

A infra-estrutura de quatro ZPEs já está concluída, nas regiões de Imbituba (SC), Teófi lo Otoni (MG), Araguaína (TO) e Rio Grande (RS)

A ameaça das Zonas de Processamento de ExportaçãoNEOLIBERALISMOCâmara de Deputados aprova projeto que introduz no Brasil as maquiladoras, parques fabris voltados à exportação com benefícios fi scais, conhecidos no mundo pela violação dos direitos trabalhistas

de Curitiba (PR)

O Brasil de Fato entrevistou Helson Braga, presiden-te da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe), com sede no Rio de Janeiro. Braga no momento da entrevista estava em Brasília, ar-ticulando com parlamentares a aprovação do projeto de lei. Perguntado sobre as condições precárias do trabalho em países da América Central e Caribe, Braga afi rma que especifi camente no Brasil a legislação trabalhista e previdenciária não será alterada no interior das ZPEs. Somente as leis fi scais vão obedecer a uma lógica própria. “Não estamos criando uma legislação trabalhista especí-fi ca para as ZPEs, mas vamos trabalhar com a legislação do país”, comenta Braga.

A exceção seriam os estrangeiros, contribuintes nos países de origem, “que vêm para cá e não pagam a pre-vidência aqui, abrindo mão dos benefícios da empresa”, informa. A dúvida, porém, aponta para a questão da ex-ploração de imigrantes sul-americanos, como ocorre na produção têxtil de São Paulo, e as más condições de traba-lho pela qual as ZPEs ganharam fama no mundo, descrita no documentário “Corporação” (“Corporation”), dirigido pelos canadenses March Achbar e Jennifer Abbott. (PC)

Uma exceção à regra?

Estágio avançado da acumulação de capital

trabalho, por meio da fl exibilização. Trata-se do poder infl exível do ca-pital contra os direitos fl exíveis dos trabalhadores. Paralelamente, você tem um crescimento dos paraísos fi scais, para manter o livre trânsito do capital”, analisa Díaz. Uma das características do atual projeto de lei é a não necessidade de converter as divisas das exportações de dólar pa-ra o real, assim como não há impedi-mento para emiti-la a outro país.

Díaz aponta a relação de trabalho

que as ZPEs podem adotar para driblar as leis trabalhistas. “Qual o artifício? Montar cooperativas e se associar prestando serviços para a maquiladora. Os chamados interme-diários promovem a relação entre a maquiladora e a cooperativa. Assim a empresa não assume encargos. Ali, existe um Estado fi scal inexistente. Nesse caso, quem garante respeito às leis trabalhistas, se existem milhares de cooperados e a fábrica ameaça fechar?”, questiona. (PC)

fi ca para a população pobre dessas regiões e os migrantes em busca de emprego? Junto à questão fi scal, o que faz das ZPEs um corpo estranho no território onde se instalam é a constante ameaça de deslocamento para regiões mais empobrecidas. O atual destino da maioria das maqui-ladoras é a China, devido à mão-de-obra barata e às longas jornadas de trabalho. Em 2006, 900 maquilado-ras deixaram o México com o novo passaporte, (segundo informações do jornal La Jornada).

Exploração A questão sobre as possíveis perdas

e ganhos das ZPEs é analisada pelo arquiteto haitiano Didier Dominique, da organização Batalha Operária. Durante a sua visita ao Brasil, em 2007, Dominique relatou que a classe política haitiana orgulhosamente ofe-rece às corporações internacionais o país como a mão-de-obra mais barata da América. No Caribe e na América Central, nos anos de 1980, a políti-ca conhecida como Caribean Basic Initiative (CBI), assinada pelo presi-dente estadunidense Ronald Reagan (1981-1989), defi niu o papel desses países no mercado global como pro-

dutores de tecidos para corporações como Levis, Wangler e Gap.

As roupas regressam ao país-sede das transnacionais, que investem na publicidade, estampam a etiqueta e defi nem o preço. O relato de Didier aponta principalmente para o am-biente de repressão à organização sindical dentro da maquiladora. Contou que ultimamente os trabalha-dores deixam de almoçar para voltar com algo para casa. O detalhe inte-ressante é que a dona da marca está desvinculada da acusação de violar os direitos trabalhistas, pois este papel é executado pelos “contratistas”, que contratam a mão-de-obra ou subcon-tratam intermediários, para garantir a produção a baixos preços.

O economista Marcos Arruda, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul, recorda a viagem feita às Fili-pinas (na Ásia), quando visitou a linha de montagem das ZPEs. O grupo de Ar-ruda questionou um executivo de uma ZPE o que essas fábricas deixam no território onde produzem mercadorias. “Depois de fi car desconcertado com a pergunta, ele respondeu que o que so-bra para o país são os impostos que os trabalhadores pagam sobre os salários que ganham”, relembra Arruda. (PC)

Os trabalhadores invisíveis

Transnacionais deixam suas fi liais e instalam-se em galpões de países periféricos

Trabalhador de maquiladora situada em Tijuana, no México

Andy Wallis

Rep

rodu

ção

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Daniel Cassolde Porto Alegre (RS)

PORTO ALEGRE, 26 de abril de 2007. O vice-gover-nador gaúcho, Paulo Afonso Feijó (PFL), está sentado na Comissão de Serviços Públi-cos da Assembléia Legislati-va, apresentando denúncias de irregularidades envol-vendo o presidente do banco estadual, Fernando Lemos. Seriam provas de contratos sem licitação, empréstimos suspeitos, que Feijó carrega debaixo do braço, numa cru-zada para ser ouvido. “Ten-tei entregar os documentos à governadora, mas ela não me recebeu”, lamenta ele que, ainda em dezembro, um dia antes de assumir o cargo, havia protagonizado uma das cenas mais insóli-tas da política regional, li-derando um protesto contra a própria governadora, Yeda Crusius (PSDB).

“É uma atitude irrespon-sável, leviana e inaceitável!”, rebateu Yeda, com exclama-ções mesmo, em nota ofi cial. Yeda e seu vice não se falam. Engana-se, porém, quem pensa que essa situação pro-saica sinaliza um governo sem rumo. “É um governo que tem projeto. Há um nú-cleo duro que hegemoniza o governo e tem bem claro o projeto do PSDB e do PFL. É um projeto claramente classista, no sentido de de-fender um Estado mínimo, ágil e efi ciente apenas para os ricos”, alerta o deputado estadual Raul Pont, líder da bancada do PT, em entrevis-ta ao Brasil de Fato.

Em quatro meses à frente do Palácio Piratini, a go-vernadora tucana, que se elegeu prometendo um “no-vo jeito de governar”, está aplicando a velha cartilha neoliberal do “choque de gestão”, plagiando seus co-legas de partido em Minas Gerais (Aécio Neves) e São Paulo (José Serra). A re-dução de custos tem sido a tônica do governo Yeda. Sua primeira medida foi cortar em 30% o custeio de todas as secretarias e fundações, como forma de resolver a crise fi nanceira do Estado.

“Ocorreu uma paralisia geral do serviço público. Paralelo a isso houve um desrespeito a pareceres téc-nicos”, exemplifi ca Antenor Pacheco, presidente da as-sociação dos funcionários da Fundação Estadual de Pro-teção Ambiental (Fepam), órgão que vem sofrendo pressões por, principalmen-te, criar uma resistência ao

Como pode, num Estado que possui cerca de 24 mil pessoas cumprindo penas, a Polícia Mili-tar efetuar 19 mil prisões em três meses? A mágica matemática tor-nou-se possível, pelo menos nas páginas da imprensa e nos anún-cios do ex-secretário de Segurança Enio Bacci (PDT).

Advogado criminalista e deputa-

do federal, iniciou sua curta carreira de chefe da Segurança gaúcha pro-tagonizando cenas de “pirotecnia” – como defi ne o deputado estadual Raul Pont, líder da bancada do PT –, como um desfi le em uma lancha pelo rio Guaíba em plena luz do dia, numa suposta ação ostensiva da

de Porto Alegre (RS)

O Partido dos Trabalhadores (PT) vai para o segundo turno das eleições estaduais desde 1994. Mas, após a ges-tão de Olívio Dutra (1998 a 2002), perdeu duas vezes pa-ra a mesma estratégia da direita: jogar com dois candida-tos possíveis, apresentando um deles como “novidade”.

A eleição de Yeda Crusius (PSDB) não foi diferente, mas para o deputado estadual Raul Pont (PT), os es-cândalos envolvendo dirigentes petistas foram decisivos para a derrota de Olívio, no ano passado. “O declínio do respaldo do PT na opinião pública foi resultado dos acontecimentos em que se envolveram alguns dirigentes do partido em 2005”, afi rma Pont.

Na avaliação do deputado, o PT tem condições de vol-tar ao governo do Estado, principalmente se conseguir retomar importantes prefeituras em 2008, como Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas. E aposta em recuperar a aliança com trabalhistas do PDT para derrotar o governo neoliberal de Yeda. “Temos condições de atrair setores, como o PDT, para um bloco democrático-popular mais forte, que tenha uma capacidade de ganhar o governo do Estado. Acho isso perfeitamente possível”. (DC)

Raquel Casiraghide Porto Alegre (RS)

A epidemia da dengue no Rio Grande do Sul fortalece as críticas de parlamentares e sindicalistas em relação à falta de investimento dos governos na Saúde. Em qua-tro anos, a gestão de Germa-no Rigotto (PMDB) deixou de investir R$ 1,2 bilhões no setor, o que provocou o fechamento de 11 hospitais, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Saú-de (Sindisaúde). Já o gover-no de Yeda Crusius (PSDB) ainda não anunciou quanto irá disponilizar para os hospitais e, agora, enfrenta a epidemia da dengue, que pode atingir Porto Alegre nos próximos dias.

O líder do PT na Assem-bléia Legislativa, deputado Raul Pont, rebate os argu-mentos do secretário da Saúde, Osmar Terra, de que a epidemia no Estado é estimulada pelo verão mais prolongado deste ano. Para o parlamentar, a crise de hoje refl ete o descaso com que os últimos governos vêm tratando a saúde no Rio Grande do Sul. Erechim

Choque de gestão mostra cara no RSTUCANOSA receita de Yeda Crusius para os gaúchos: corte no gasto com os serviços públicos

avanço desenfreado das mo-noculturas de eucalipto no Rio Grande do Sul.

DENGUEOs resultados do “choque”

foram imediatos: em março, vazou à imprensa um e-mail interno da diretora da se-cretária da Saúde, Neusa Kempfer, determinando a suspensão de viagens dos técnicos para o interior, por falta de recursos. Em abril, estourou uma inédi-ta epidemia de dengue no Estado. No início do ano letivo, milhares de estudan-tes fi caram sem transporte escolar, por falta de repasse de verbas. Uma unidade de Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) suspendeu as aulas.

“Esse governo conseguiu piorar as condições de traba-lho nas nossas escolas, fechan-do setores importantes como orientação pedagógica, desa-tivando bibliotecas e labora-tórios de informática”, explica Simone Goldschmidt, presi-dente do sindicato dos pro-fessores do Estado (Cpers).

Para Raul Pont, o “choque de gestão” agrava problemas crônicos no Estado, em eterna crise fi nanceira. “Não há ne-nhuma medida para melhorar a receita, não do ponto de vista de aumentar impostos, mas de cobrar os impostos. A sonegação fi scal é enorme e a dívida ativa também. Era uma das coisas que a governadora prometia melhorar, e não me-lhorou”, afi rma.

Inspirada em “modernos conceitos de gestão” e in-fl uenciada diretamente por dirigentes das federações empresariais do Rio Grande do Sul, a governadora fez aprovar na Assembléia Legis-lativa, no dia 24 de abril, um projeto de lei que redesenha a estrutura administrativa do Estado. Em mais um ato de radicalidade neoliberal, a governadora extinguiu ór-gãos como o Gabinete da Re-forma Agrária e a Fundação do Trabalho e Assistência Social. Por outro lado, criou uma misteriosa Secretaria de Irrigação e Usos Múltiplos da Água, chefi ada por Ro-gério Porto, um conhecido consultor do Banco Mundial. Para Raul Pont, algumas mudanças aprovadas sinali-zam a intenção de privatizar órgãos como as companhias de água e de energia, além do banco estadual (Banrisul). “É um processo clássico dos go-vernos tucanos que, infeliz-mente, se elegeram”, afi rma o deputado. (Colaborou Ra-quel Casiraghi, da Agência Chasque)

Serra Gaúcha registra suspeitas de dengue

polícia. Bacci colocou a polícia na rua e obrigou os soldados a cumpri-rem metas diárias de abordagem. Tornaram-se freqüentes casos de automóveis sendo abordados até três vezes no mesmo dia.

“A PM foi orientada a ir para a rua fazer batidas, muitas vezes de forma arbitrária e inconstitucio-nal, constrangendo e humilhando pessoas, sem nenhuma suspeita, como se fosse direito da polícia encostar qualquer um na parede, a qualquer momento”, afi rma Pont. Para o deputado, esse arbítrio foi estimulado pela governadora. O resultado: até o fi nal de abril, foram pelo menos 16 pessoas mor-tas pela polícia, um número alto para os padrões do Rio Grande do Sul. Além disso, dois policiais militares e um policial civil foram executados.

Entre os movimentos sociais, o consenso é de que há muito não se via tamanha repressão. Nas ocupa-

ções de terra realizadas em abril, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve um militante baleado – e diversos es-pancados – pela polícia. Durante as mobilizações contra a Emenda 3, sindicalistas gaúchos também assistiram a prisões de militantes. No 8 de março, um coronel do alto comando da Polícia Militar afi r-mou, na imprensa: “As mulheres da Via Campesina serão tratadas como qualquer delinqüente”.

A carreira meteórica de Bacci, considerado “ídolo da maioria dos gaúchos” por uma comentarista política local, terminou com um escândalo. Acusado de remanejar delegados que estariam combaten-do organizações criminosas, Bacci foi outro que tentou resolver seu problema na imprensa, após su-cessivas audiências negadas pela governadora. Depois de um bate-boca público entre o secretário e um delegado de polícia, em que um acusava o outro de envolvimento com o crime, Yeda Crusius decidiu não enfrentar a corrupção policial, preferindo demitir Bacci, nomear o delegado federal José Francisco Mallmann para o cargo e encerrar a crise. Inclusive na imprensa. (DC)

Crise na Segurança dura pouco na mídia

No RS, PT busca aproximação com o PDT

e Giruá registram 17 casos confi rmados de dengue, mas outros 29 municípios têm suspeitas de pessoas infectadas.

“Essa situação que está se enfrentando hoje com a dengue é um exemplo claro da herança do Rigotto, que a imprensa não diz, não vei-cula. Ele passou quatro anos aqui, não investindo nem o mínimo constitucional na área da saúde”, diz.

O presidente do Sindisaú-de, João Menezes, denuncia

que o Estado não se preocu-pou em prevenir a doença, assim como é desinteressa-do na situação da Saúde em geral. De acordo com levan-tamento do Sindisaúde, 17 hospitais correm o risco de fechar o atendimento para o SUS devido à falta do re-passe de verbas do governo estadual.

“Tem que haver progra-mas contínuos de combate à dengue, combate à aftosa, são coisas que estão sempre e permanentemente em

risco. Toda a atenção deve ser dada. A gente está per-cebendo que na Saúde não está havendo preocupação nenhuma ou programas que possam combater esse tipo de epidemia”, diz.

No último levantamen-to realizado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde, há 329 casos suspei-tos de dengue nas regiões Norte, Noroeste e Missões. Três novas suspeitas foram registradas em Caxias do Sul e São Marcos, na Serra.

Metas diárias de abordagem foram impostas à Polícia Militar. Motoristas chegaram a ser parados três vezes no mesmo dia

Yeda decidiu imitar seus colegas Aécio Neves e José Serra. O “novo jeito de governar” nada mais é do que a velha cartilha do “choque de gestão”

Yeda Crusius recebe apoio de Fernando Henrique Cardoso

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Mauro Mattos/Palácio Piratini

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Marcelo Netto Rodriguesda Redação

PERGUNTE A UM católico comum por que o papa vem ao Brasil, e a ladainha será a mesma: “Bento XVI vem canonizar frei Galvão, o pri-meiro santo genuinamente brasileiro”. Tente perguntar a um leigo e a sua resposta virá acrescida de uma sigla enigmática para os que não acompanham a história da Igreja: “Ele vem para a abertura da 5ª Conferência do Celam”. Agora, pergunte a representantes da Teologia da Libertação e a jovial visita de Ratzinger transmuta-se em recado claro no qual frei Galvão é apenas o coadju-vante popular de um plano para conter o êxodo católico; e a Conferência, o palco prin-cipal para atacar os que vi-vem sob o prisma da “opção preferencial pelos pobres” – opção aliás germinada em Medellín (Colômbia), em 1968, durante a 2ª edição do encontro e regada na reunião seguinte em Puebla (Méxi-co), em 1979.

Bento XVI não escolheu o Brasil por acaso para sua pri-meira viagem ao continente americano como papa. Sua estadia, mesmo que curta, pode traçar os rumos da Igreja na América Latina para os próximos dez anos. Isso porque, tradicionalmente, a fala inaugural da Conferência Geral do Episcopado Lati-no-Americano e do Caribe (Celam) – que será feita por Ratzinger no mesmo dia em que deixa o país, dia 13 – ser-ve para demarcar o terreno das discussões, que desta vez serão travadas por 280 bispos que permanecerão reunidos em Aparecida até o dia 31.

E é justamente aí que entra a preocupação de Ratzinger, que pisará em território bra-sileiro pela terceira vez no dia 9 – a primeira foi em 1985, logo após o processo contra o teólogo brasileiro Leonardo Boff (leia entrevista ao lado), e, a segunda, em 1990, para ministrar um curso a bispos brasileiros no Rio de Janeiro. Quase metade dos católicos existentes no planeta mora na América Latina. São 480 milhões de fi éis que pouco a pouco estão abandonado a Igreja Católica – de acordo com teólogos da libertação ou-vidos pelo Brasil de Fato – por sua inteira culpa. E Rat-zinger espera que sua fala tenha infl uência direta nas linhas de ação pastoral tira-das pelos bispos ao fi nal do encontro.

Como curiosidade dessa batalha entre a Igreja Cató-lica e as igrejas neopentecos-tais, basta dizer que a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, acaba de anunciar a distribuição de camisinhas para seus fi éis, seguindo o exemplo do que já tem sido feito pela própria Universal na África do Sul.

Tira-gostoEssa linha de argumen-

tação sustenta em parte a opinião do padre João Pedro Baresi, comboniano alinhado à Teologia da Libertação. “A vinda de Ratzinger faz parte de um plano em que a maior preocupação é com o êxodo dos católicos”, mas não só is-

da Redação

O alemão Joseph Rat-zinger, hoje papa Bento XVI, é um velho conhecido do teólogo Leonardo Boff. Em setembro de 1984, na condição de cardeal e pre-feito da Congregação para a Doutrina da Fé – novo nome dado ao antigo tribunal da Inquisição –, Ratzinger con-duziu o interrogatório que culminou com a condenação de Boff a um ano de “silêncio obsequioso”, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro “Igreja: carisma e poder”.

À época, Boff foi obrigado a sentar-se na mesma cadei-ra que Galileu Galilei sentou 400 anos antes. E escutou de Ratzinger as seguintes pala-vras: “Eu conheço o Brasil, aquilo que vocês fazem nas Comunidades Eclesiais de Base não é verdade, o Brasil

não tem a pobreza que vocês imaginam, isso é a constru-ção da leitura sociológica, ideológica, que a vertente marxista faz. Vocês estão transformando as Comuni-dades Eclesiais de Base em células marxistas”.

Dom Paulo Evaristo Arns, que acompanhava Boff no tribunal, retrucou no mo-mento apropriado. Referin-do-se a um documento que havia saído três dias antes, condenando a Teologia da Libertação, disse: “Cardeal Ratzinger, lemos o documen-to e ele é muito ruim. Não o aceitamos porque não vemos os nossos teólogos dizendo e pensando o que o senhor diz da Teologia da Libertação.

Se quero construir uma pon-te, chamo um engenheiro, e o senhor, para construir a ponte, chamou um gramáti-co, que não entende nada de engenharia”.

Mais de 20 anos após o en-contro entre os dois no salão do Santo Ofício, no Vaticano, Leonardo Boff discorre em entrevista sobre quais seriam as reais razões que trazem – o agora – papa Bento XVI ao Brasil. Apesar do tempo, as motivações de Ratzinger, na opinião de Boff, continuam a ser as mesmas da época de sua condenação.

Brasil de Fato – Na rea-lidade, por detrás do discurso ofi cial, em sua opinião, por que Ratzin-ger vem ao Brasil neste exato momento?Leonardo Boff – Com ou sem o papa, aconteceria a 5ª Conferência dos Bispos Lati-no-Americanos, que se reali-za a cada dez anos. A reunião

iria se realizar em Quito, no Equador. Mas, quando o atual papa soube da espan-tosa emigração de católicos que ocorre cada ano rumo a outras denominações evan-gélicas de cunho carismático e popular, decidiu fazer a reunião no Brasil. Segura-mente, a intenção é sustar essa sangria no corpo cató-lico. Talvez chegue a acusar o engajamento dos cristãos em questões políticas e so-ciais como a principal causa dessa emigração católica. Mas essa explicação repre-sentaria falta de autocrítica. Onde há igrejas engajadas como em São Paulo a saída é bem menor do que onde está ausente essa dimensão

como é o caso claro do Rio de Janeiro. Nessa igreja, as Comunidades Eclesiais de Base foram perseguidas e os teólogos da libertação proi-bidos de qualquer atividade. Impôs-se uma igreja rígida com os dois ouvidos voltados para Roma e longe dos mise-ráveis. Eu falei na diocese do papa em Roma, perto do Va-ticano, mas nunca pude dar uma palestra sequer, em 20 anos de atividade teológica, no Rio de Janeiro por causa da pronta proibição de dom Eugênio, hoje já aposentado. A causa principal da saída dos católicos é a falta de inovação no seio da Igreja, é a rigidez dogmática de seus ensinamentos, é a falta de bom senso nas questões de moral e de sexualidade, onde ela mostra um rosto cruel e sem piedade, é a proibição de se fazer qualquer criação no campo litúrgico, mesmo em se tratando de culturas dife-rentes como aquela dos indí-genas e dos afro-descenden-tes. A maioria dos católicos não está mais sentindo sua igreja como um lar espiritu-al. Ou sofre e tolera com dor a mediocrização a que todos estão submetidos ou sim-plesmente abandona a Igre-ja. O papa deve se enfrentar com essa questão. Temo que siga o caminho mais fácil de culpabilizar os outros e não fazer autocrítica sobre o tipo de presença que a Igreja está tendo na sociedade.

O senhor acredita que Ratzinger irá aprovei-tar o simbólico 13 de maio – por coincidência mesmo dia em que João Paulo II sofreu o atenta-do em 1982 e dia de Nos-sa Senhora de Fátima – para anunciar a beati-fi cação de João Paulo II em Aparecida?Não creio que fará aqui a beatifi cação de João Paulo II. Ele é um santo para os eu-

Bento XVI talvez chegue a acusar o engajamento dos cristãos em questões políticas e sociais, como a principal causa da sangria no corpo católico

ENTREVISTA

so. Para Baresi, o papa tam-bém vai aproveitar a viagem para tentar “dar um basta à Teologia da Libertação” – já que Ratzinger credita à Teologia da Libertação a responsabilidade pela perda crescente de fi éis desde sua afi rmação na década de 1960 enquanto teologia.

“O que o recém-empossa-do arcebispo de São Paulo dom Odilo Scherer disse dias atrás, de que o tempo dessa teologia passou, pode ser um tira-gosto disso”, acredita Baresi. E nesse contexto, a fala inaugural da Conferên-cia do Celam é importantís-sima para que o papa dê o seu recado. “A canonização de frei Glavão complementa o plano: é a religiosidade popular católica usada para segurar o povo em êxodo.”

Ainda sobre dom Odilo, Baresi, complementa: “Que ele documente a sua decla-ração. Segunda coisa, o que importa não é a Teologia da Libertação, mas a libertação, como sempre fala Gustavo Gutierrez. Se alguém tiver al-go melhor que contribua para o compromisso da libertação à luz da fé, que indique”.

Mas a declaração de Scherer não é a única pista deixada pelo papa atual no meio de seu trajeto pela América Latina. A recente advertência do Vaticano ao jesuíta alinhado à Teologia da Libertação Jon Sobrino, que vive em El Salvador, soa como uma nova condenação de Ratzinger a essa chave de interpretação do Evangelho.

LibertaçãoO monge beneditino Mar-

celo Barros defende que a Teologia da Libertação só estaria superada se as con-dições e motivos pelos quais ela nasceu tivessem passado. “Ora, todos sabemos que, ao contrário, a pobreza injusta e a desigualdade social aumen-taram muito, como também se pode dizer que está mais organizada a ressurgência de movimentos populares, indí-genas e camponeses, assim como, no mundo todo, cresce o número dos que se orga-nizam para que um mundo diferente seja possível. Como muitas dessas pessoas são crentes, cristãos ou de outras religiões, não somente a Teo-logia da Libertação continua válida, como ela deixou de ser só latino-americana para ser mundial.”

Barros, que pertence à Co-missão Teológica da Associa-ção Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo, diz que tem ocorrido uma aproxima-ção entre a Teologia da Li-bertação e a Teologia do Plu-ralismo Cultural e Religioso. “Isso signifi ca que existe hoje uma Teologia da Libertação inter-religiosa e não somente cristã. Com uma ampla litera-tura não existente antes sobre Teologia Negra, Teologia In-dígena, Teologia Feminista... Ecoteologia... que passam a ser considerados ramos novos da Teologia da Libertação.”

O dominicano Frei Betto também foi contactado pela reportagem, mas foi infor-mada por sua assessora que ele estava em Cuba, e em virtude do acesso à internet ser difi cultado pelo bloqueio dos Estados Unidos, ele não poderia responder.

A Teologia da Libertação vive.Por isso, o papa vem ao BrasilVISITA DO PAPAObjetivo é tentar frear o êxodo de católicos na América Latina; canonização de frei Galvão seria um detalhe na visão de teólogos da libertação, que acreditam que sua “opção preferencial pelos pobres” seja o verdadeiro alvo

ropeus, italianos, poloneses e os movimentos conserva-dores que sempre bajularam o papa. Lá é o ambiente adequado para a sua beatifi -cação e santifi cação. Nós não contamos muito para o Vati-cano, pois somos periféricos. Querem que cresçamos, mas desde que sempre submissos aos ditames emanados de Roma. Quer dizer, nos que-rem cristãmente colonizados e neocolonizados.

Sobre as declarações de dom Odilo Scherer de que a “Teologia da Libertação já passou”. O que o senhor teria a dizer a ele?Suas declarações mostram o nível de desinformação e alienação que esse arcebis-po tem a respeito das coisas internas da própria Igreja, que ele, por profi ssão, de-veria conhecer. Os teólogos da libertação que eram e são maioria no Brasil estão ainda vivos, produzem teolo-gia e não se tem notícia que se tenham reconvertido à uma teologia distanciada do povo e da caminhada das comunidades. A Teologia da Libertação nasceu ouvindo o grito dos pobres e excluí-dos. Esses aumentaram no mundo inteiro. Bom seria se não existissem mais. Mas seu grito virou clamor. É o que faz com que a Teologia da Libertação mantenha vi-gência e continue pensando a partir dos crucifi cados para que possam ressuscitar. Se com o desaparecimento da Teologia da Libertação, co-mo pensa o arcebispo de São Paulo, tivessem desaparecido também os pobres e os exclu-ídos, então ele seria um sério candidato a prêmio Nobel de Economia. Conseguiu o feito messiânico de libertar a Ter-ra de todos os fi lhos e fi lhas condenados e junto com isso libertado a Igreja da Teologia da Libertação. (MNR)

Boff e Ratzinger: velhos conhecidosA condenação de Boff em processo conduzido pelo então cardeal Ratzinger faz 20 anos; a única coisa que mudou é que ele virou papa

No alto, Bento XVI acena para multidão européia; abaixo, Leonardo Boff participa da marcha dos sem-terra a Brasília, em maio de 2005

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a educadora da Universi-dade Federal do Amazonas (Ufam), Rosa Helena Dias da Silva, especialista em educação indígena.

Para Paulo Freire, “ensi-nar é um ato político”, por isso, no processo de criação de seu “método”, salienta que o universo vocabular do alfabetizando é o ponto partida. A partir desse uni-verso, inicia-se o diálogo, a base do método. E é no dialogismo que se instaura

o questionamento. Ao ques-tionar a própria realidade, o educando a problematiza, cria a capacidade de criti-cá-la e, por consequência, transformá-la. “Como dizia Antonio Gramsci (marxista italiano), a educação precisa abordar as várias contra-ideologias da ideologia do-minante. Se a educação não estiver educando alguém para a transformação, não é educação, é simplesmente uma adequação”, diz João

As primeiras experiências de Paulo Freire como gestor educacional foram realizadas, em 1962, em Angicos (RN), onde 300 tra-balhadores rurais se alfabetizaram em 45 dias. Trabalho que contribuiu para o seu exílio de 14 anos no Chile. À época, o país sul-americano recebeu uma distinção da Unesco por ser uma das nações que mais contribuíram para a superação do anal-fabetismo. Depois, desenvolveu também projetos em São Tomé e Príncipe e em Guiné-Bissau e fundou o Instituto de Ação Cultural (Idac). Após retornar do exílio, Paulo Freire assumiu cargos em universi-dades e ocupou, entre 1989 e 1991, o cargo de secretário municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão petista de Luiza Erundina.

Arrojado, o educador não tinha medo de inovar. Como secretário de Erundina, Paulo Freire revolucionou a educação na ci-dade. Segundo a ex-prefeita, foi o primeiro a introduzir o microcomputador em escolas brasileiras. “Ele dizia que o educando po-pular tinha o direito ao melhor instrumento pedagógico que facilitasse o aprendizado, além de se preocupar com a formação per-manente do educador e a modernização do processo de ensino”, conta a deputada.

Em parceria com educadores populares da cidade, o então secretário de Educação iniciou o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), uma proposta

brasilde 3 a 9 de maio de 2007 9

Eduardo Sales de Limada Redação

NO DIA 2, completaram-se dez anos da morte do grande educador e fi lósofo pernam-bucano Paulo Reglus Neves Freire. Obras como Pedago-gia do oprimido, Educação como prática de liberdade e A importância do ato de ler tornaram Freire referência mundial, tanto para alfabe-tizadores quanto para inte-lectuais. Exilado por 16 anos durante a ditadura militar, o educador continuou a desen-volver seus escritos, baseado na concepção da educação popular, dialética e dialógi-ca, apontando para o caráter político e emancipatório do ensino.

Freire promoveu a subs-tituição do formato con-vencional das salas de aula pela distribuição dos atores em círculos e o emprego de técnicas de grupo (a con-versa, o grupo de estudo) como alternativas à expo-sição didática, facilitando o diálogo entre os atores e problematizando os saberes já existentes.

“Ele valorizava as infor-mações da vivência do ser humano e o seu aprovei-tamento para promover o próprio ser humano na dimensão social, cultural e política”, destaca a ex-pre-feita de São Paulo e atual deputada federal, Luiza Erundina (PSB-SP). Ao re-lembrar sua infância em A

da Redação

Pretinha Truká leciona ao seu povo, os Truká, desde 1999. Formado por 4.200 índios que vivem na Ilha de Assunção, na região do mé-dio São Francisco, pertecen-te ao município de Cabrobó (PE), eles plantam arroz co-mercialmente e cultivam fei-jão, alface e macaxeira para sustento próprio. Até 2001, a indígena, de 31 anos, tam-bém alfanbetizava adultos. Inspirada pela participação em ofi cinas sobre a metodo-logia de Paulo Freire, ela te-ve bons resultados com seus alunos. “Eram agricultores, tinham muito cansaço, a maior parte com mais de 50 anos. Eles queriam aprender a ler e fazer cálculos mate-máticos. Tínhamos muito diálogo, muita conversa”, conta a professora.

Esse “diálogo” é apontado pela professora Rosa Helena Dias da Silva, especialista em educação indígena, como importante característica do pensamento do educador pernambucano. “Paulo Frei-re nos fala sobre o valor pe-dagógico da oralidade: ‘sem palavra escrita, a intimidade do movimento pedagógico é superior à base. Os povos indígenas são mais dialé-ticos, têm a compreensão da totalidade permanente.

Assim como o educador, o MST entende que ocupar uma terra é tão importante quanto construir uma escola

A pedagogia de uma vidaPAULO FREIRECom a perspectiva da transformação da realidade, educador revolucionário continua presente em salas de aula de todo o Brasil

Paulo Freire e uma conversa com trabalhadores rurais(do livro Pedagogia da esperança, Paz e Terra, 1992)

– Muito bem – disse eu a eles. – Eu sei algumas coisas que vocês não sabem. Mas por que eu sei e vocês não sabem?– O senhor sabe porque é doutor. Nós, não.– Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não?– Porque foi à escola, tem leitura, tem estudo e nós, não.– E por que fui à escola?– Porque seu pai pôde mandar o senhor à es-cola. O nosso, não.– E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola?– Por que eram camponeses como nós.– E o que é ser camponês?– É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de um dia melhor.– E por que ao camponês falta tudo isso?– Porque Deus quer.– E quem é Deus?– É o pai de todos nós.– E quem é pai aqui nesta reunião?Quase todos de mãos para cima, disseram o que eram. Me fi xei num deles e lhe perguntei:– Quantos fi lhos você tem?– Três.– Você seria capaz de sacrifi car dois deles, submetendo-os a sofrimentos para que o terceiro estudasse, com vida boa no Reci-fe? Você seria capaz de amar assim?– Não!– Se você – disse eu – , homem de car-ne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça dessa, como é possível enten-der que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessas coisas?Um silencio diferente do anterior. Em seguida:– Não. Não é Deus fazedor disso tudo. É o patrão!

Erundina lamenta que as gestões que a sucederam não deram continuidade ao trabalho construído por Paulo Freire na Secretaria da Educação

O diálogo com os TrukáPovo indígena absorve a idéia de que a educação é processo de emancipação

(...) A ênfase na oralidade não pode parar em nome da grafi a: a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura da palavra exige a continuidade da leitura do mundo’”, cita a professora da Ufam. Para ela, outros princípios importantes da educação escolar indígena, como participação, protago-nismo e autonomia encon-tram inspiração nas idéias de Freire.

Pretinha conta que na época em que participou das ofi cinas de Paulo Freire foi especial pois presenciava um processo de retomada e de fortalecimento da identidade do povo. “Os próprios índios negavam sua identidade por conta do processo histórico que sofreram, que culminou na discriminação. A gente sofria muito a negação da ci-dade porque a concepção de índio passada no livro didá-tico é totalmente deturpada, principalmente no Nordes-te. Por meio do método de Paulo Freire conversávamos bastante sobre esse processo de fortalecimento da identi-dade”, explica.

DiversidadeO fortalecimento da iden-

tidade e a aproximação com a cidade também são temas abordados por Rosa Helena. “Pensar as escolas indígenas, hoje, é pensar novas relações

entre os povos indígenas, o Estado e a sociedade civil. É pensar nosso futuro co-mum, realmente assumindo a pluralidade constituinte de nosso país. É permi-tir-se o difícil exercício da diversidade, reconhecendo as diferenças e olhando-as não como problema, mas, ao contrário, como valor. Contribuir para a superação do ideal de homogeneidade, ou seja, de uma certa unifor-mização de idéias, valores e projetos que historicamente predominaram. Prefi ro cha-mar de esperança, conforme Paulo Freire, ao vislumbrar a história enquanto ‘tempo de possibilidades’. Para Freire, no livro Pedagogia da au-tonomia, ‘a esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria história, mas puro determinismo. Só há história onde há tempo problematizado e não pré-dado’”, conclui a professora da Ufam.

Pretinha, hoje, sente a necessidade de formar sis-tematicamente mais profes-sores indígenas dentro do método freireano. “A popu-lação indígena é um público específi co. Se o professor não cativa, não conquista e não trabalha o que é impor-tante para o educando, não vai conseguir segurá-lo”, atesta. (ESL)

de participação popular e ação cultural. Ao fi nal de 1992, ele contava com 73 entidades populares conveniadas com a Secretaria Municipal de Educação e cerca de 50 mil alfabetizandos ao longo dos três anos de funcionamento.

Educação BancáriaDe acordo com Erundina, Paulo Freire

enfrentava difi culdades na relação com a mídia local, que o tratava de modo bastan-te desrespeitoso porque ele rompia com os padrões clássicos dos portadores de conhecimento, recusava a “pomposidade” de intelectual. relação as suas concepções educativas, era criticado pelo espontaneís-mo, não diretividade e supervalorização da contribuição do educando. “Ele era uma pessoa muito sensível e o tratavam como se fosse um contador de estórias”, conta a deputada.

No entanto, mesmo com toda a pressão, a equipe de Freire manteve-se fi el a seu pro-pósito até o fi m do mandato de Erundina. Ela lamenta a não continuidade da política educacional iniciada por Freire, pulverizada pela gestão seguinte. “A educação em São Paulo transformou-se na educação bancá-ria, de acumular informação ao educando, sem dar espaço à refl exão e à crítica”, diz a deputada, com indignação.

Não somente a grande mídia o ignorou. Segundo João Zanetic, do Instituto de Físi-ca da USP, a academia age da mesma forma. Zanetic considera um erro dos docentes não se inspirarem no método freireano de ensi-no-aprendizagem. “Quando se pensa em um curso universitário, é claro que lidamos com uma formação profi ssional complexa, mas temas podem ser levantados levando em consideração a comunidade de alunos, a realidade social e a interdisciplinaridade”, conclui. (ESL)

Alfabetizando multidõesMesmo enfrentando críticas, Paulo Freire tocou programas educacionais em diversos países

importância do ato de ler, Paulo Freire dava sinais das raízes de seu pensamento. “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mun-do, não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz ”, diz o texto.

Transformação“O educador é um político

que se serve da ciência, por isso mesmo ele tem que ter uma opção, que é política, não é puramente pedagógi-ca, porque não existe essa pedagogia pura”, explica

Zanetic, professor do Insti-tuto de Física da USP.

Segundo Paulo Freire, para romper com essa “ade-quação” e transformar a rea-lidade opressora, é preciso trabalhar a palavra dentro de duas dimensões constitu-tivas: ação e refl exão. Sem a dimensão da ação, perde-se a refl exão e a palavra trans-forma-se em verbalismo. Por outro lado, a ação sem a refl exão transforma-se em ativismo, que também nega o diálogo. Para o educador pernambucano, a palavra verdadeira é práxis transfor-madora. Hoje, essa práxis é atualizada na ação dos

movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem Terra (MST) e na emancipação dos povos indígenas. “O processo de estabelecer relações políti-cas entre pessoas e destas, organizadas com a reali-dade, defendidas por Paulo Freire, é a base fundante da proposta pedagógica do MST, pois, para o Movi-mento, fazer uma ocupação ou construir uma escola são atividades de igual impor-tância”, afi rma o membro da coordenação nacional do MST, Ademar Bogo, no artigo O pedagogo da espe-rança e da liberdade.

www.paulofreire.org

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TRABALHO

américa latinade 3 a 9 de maio de 200710

Jorge Pereira Filhoda Redação

A CASA DO produtor rural Washington Lockhart está rodeada por paredes. Cons-truções distintas essas. Não levam cimento nem tijolos. Tampouco têm aspecto áspero. São milhares de árvores que não estavam ali há 15 anos. Hoje, plantações de eucaliptos rodeiam o po-voado onde mora esse cam-ponês. Árvores que separam dois mundos. Um local, dos agricultores que trabalham para abastecer as cidades próximas de frutas, hortali-ças, queijos, leite. E um ou-tro, inserido no capitalismo global, das transnacionais e grandes grupos empre-sariais que exportam aos países ricos matéria-prima para a produção de papel.

Washington vive no povo-ado de Cerro Alegre, sul do Uruguai. Mas sua história se repete no Brasil, em re-giões do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Bahia; em países como Tailândia, Chi-le, e outros territórios que abriram suas fronteiras à monocultura de eucalipto e de pinus. Produtor de leite, esse uruguaio lembra que no início dos anos de 1990 as empresas compraram as primeiras terras. “Vivo nes-te lugar desde 1975, quando comecei a produzir leite. E sinto do lado de minha ca-sa os efeitos desse modelo. Meus três fi lhos freqüenta-ram uma escola rural que atendia a 60 crianças e, hoje, sobraram 15 alunos. Já outra escola, de tamanho similar na época, está com apenas 2 estudantes. Há 1 quilômetro, havia arma-zéns, pequenas lojas, uma quadra de esportes que reu-nia nossa comunidade, mas nada disso restou. Agora, abro a janela de minha casa e não vejo o horizonte, ape-nas árvores”, relata.

O povoado de Cerro Alegre está na rota da corrida das transnacionais e do capital internacional pela expansão das monoculturas de euca-lipto e pinus. São empresas como as fi nlandesas Sto-rea-Enso e Metsa-Botnia, a espanhola Ense, a Aracruz Celulose (de capital norue-guês, brasileiro e inclusive do BNDES), entre outras, que disseminam essas plantações pelo mundo. “A expansão se insere hoje na estratégia dos grandes paí-ses consumidores de papel: Europa, Estados Unidos e Japão. Querem assegurar o fornecimento da indústria em longo prazo e espalham plantações de eucalipto no Sul, nas áreas tropicais e subtropicais, avalia o técni-co fl orestal Ricardo Carrere, que hoje integra o Grupo Guayabira no Uruguai e é coordenador do Movimen-to Mundial pelas Florestas Tropicais (IWRM, na sigla em inglês).

O Brasil, hoje, tem em território a maior extensão de área plantada de euca-lipto do planeta – mais de 4 milhões de hectares. A produção, em sua maioria, é voltada para a exportação na forma de pasta de celu-lose que, nos países ricos, é transformada em papel. “Essa indústria cresce por-que tem uma política de inventar novos usos para o papel. No Brasil, o con-sumo médio é de 30 quilos

da Redação

Os trabalhadores e trabalhado-ras venezuelanas obtiveram duas importantes conquistas neste 1º de Maio. O presidente Hugo Chávez anunciou um aumento de 20% do sa-lário mínimo, acima da infl ação, que agora passa ser o maior da América Latina, alcançando o equivalente a 286 dólares (614.790 bolívares). Para efeitos comparativos, o mínimo brasileiro (R$ 380) equivale a 186 dólares.

Outra novidade é a redução da jornada de trabalho de 8 para 6 ho-ras diárias, o que só se concretizará daqui a três anos, em 2010. O pre-sidente venezuelano ainda anunciou a saída do país de três organizações multilaterais: o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Banco Mundial.

A postura em relação aos organis-mos foi reiterada pelo presidente depois que a Comissão Interameri-cana de Direitos Humanos acusou a Venezuela de violar a liberdade de expressão. A reprimenda da OEA se deu após a decisão do governo vene-zuelano de não renovar a concessão da rede de televisão privada RCTV,

MONOCULTIVOSPlantações de eucalipto concentram terra e inviabilizam a produção agrícola no Sul do país

Tudo indica que nosso país, pequenino, não irá agüentar o asfi xiante abraço desses grandalhões. Como costuma acontecer, as bênçãos da natureza se transformam em maldições da história – Eduardo Galeano, escritor uruguaio

por pessoa. Na Europa, são 200 quilos, ainda menos do que os 330 quilos dos Estados Unidos e os 400 quilos da Finlândia. Sabe-mos que não falta papel, há desperdício, é demasia-do”, avalia Carrere. Em um estudo sobre o assunto, o pesquisador constatou que a maior parte do consumo é em embalagens. “Depois, as empresas são as maio-res consumidoras. Livros e cadernos representam uma parte menor”, revela o téc-nico fl orestal que esteve no Brasil para um seminário internacional sobre mono-culturas realizado, entre os dias 18 e 20 de abril, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).

O Uruguai tem, atualmen-te, 1 milhão de hectares de eucalipto e pinus. Uma ex-tensão representativa para o território total de 18 milhões de hectares. As primeiras mudas foram plantadas na região onde vive Washing-ton com a promessa do desenvolvimento. Gerariam emprego, trariam investi-mentos e a prosperidade. Na década de 1980, após a assessoria de pesquisadores japoneses, o governo uru-guaio elaborou um plano de expansão da cultura de eucaliptos e pinus. Determi-nou algumas regiões do país que receberiam essas mudas do progresso e, como contra-partida, isentou as empresas interessadas de impostos. Mais do que isso, defi niu um subsídio: o povo uruguaio, por meio dos impostos, bancaria 50% do custo de produção. Era o que dizia a Lei Florestal, publicada em 1987. Esse último benefício foi revogado pelo presidente Taberé Vazquez. O discurso tinha outros elementos de sedução. Ampliaria a área verde do país (afi nal, são árvores) e estimularia a produção de livros para as crianças, por exemplo. Já os impactos sociais e ambien-tais da expansão da mono-cultura foram tratados como questões menores

A águaEm outubro de 2002, o

Uruguai escreveu uma pá-gina inédita na história dos direitos humanos com a realização de um plebiscito popular sobre a gestão da água. Mais de dois milhões de uruguaios, 64% do elei-torado do país, decidiram

que os recursos hídricos de-veriam ser considerados um recurso natural essencial à vida e, por isso, não deve-riam ser privatizados.

Para a comunidade de Cerro Alegre, no Sul do país, essas letras inscritas na Constituição seguem distantes. Lá, o serviço de distribuição de água não foi privatizado. Mas os recursos hídricos não têm como destino o consumo da população. Em vez disso, abastecem as plantações de eucaliptos. “Há quatro anos, sentimos os primeiros efeitos. No meu caso, um riachinho que atravessava minha chácara secou total-mente. Desapareceu, ainda, na região uma área de cerca de 15 hectares de banhado. Um antigo vizinho que me visitou no início deste ano, e vendeu sua casa para as em-presas, não acreditou. Des-

de 1975, a água para nosso consumo interno vinha de um poço, do lado de casa. Hoje, já não basta e tive de construir outros quatro”, conta Washington.

Efeito do aquecimento global, falta de chuvas? Não é o caso. No Uruguai, a mé-dia de chuva é de 1,2 mil mi-límetros por ano e somente, entre 25 de fevereiro e 25 de março, caíram 700 milíme-tros. Depois da chegada das plantações de eucalipto, a maior parte da comunidade de Cerro Alegre é abasteci-da por um caminhão-pipa de 18 mil litros, que sema-nalmente percorre a região. Nem sempre há para todos e o impacto da escassez de água em uma região agríco-la é ainda maior: inviabili-za-se a própria produção. “Um eucalipto consome em média 20 litros de água por dia, por isso cresce tão rá-pido. É uma bomba de água enviando os nutrientes do solo, e são sete anos apenas até o corte. Imagine agora que um hectare tem 1,1 mil árvores. A cada dia são consumidos 22 mil litros de água, mais do que a capaci-dade de um caminhão-pipa. Mesmo assim, o governo e

as empresas dizem que não há evidências científicas desse consumo de água”, afirma o técnico florestal Ricardo Carrere. Compa-nhias como a Aracruz que, para rebater as críticas de ambientalistas, divulgam que poços de monitoramen-to constaram que o lençou freático fica estável a uma profundidade que varia de 16 a 25 metros, em áreas de eucalipto.

Resistência“Por conta desses pro-

blemas, muitos produtores abandoram a região. Ou-tros venderam suas terras para as empresas fl orestais e foram para a cidade. Sem água, é impossível tra-balhar no campo”, conta Washington. Segundo ele, os camponeses que perma-neceram na terra iniciaram um movimento para resistir ao avanço da monocultura. “Tivemos de nos unir, ape-sar de todo o individualismo presente na comunidade. As pessoas são absorvidas pelo trabalho, estão acostuma-das a cuidar de sua porção de terra, mas os problemas comuns dessa realidade se impuseram”, afi rma.

A articulação dos cam-poneses começou em 1994, quando a falta de água se agravou. As bandeiras do movimento continuam as mesmas desde a sua cria-ção: nenhum eucalipto a mais, água como um direito de todos, fi m dos benefícios da Lei Florestal e rejeição à proposta da construção das indústrias papeleiras no rio Uruguai.

Com apoio de organi-zações ambientalistas, os camponeses de Cerro Alegre realizaram um estudo para denunciar os impactos da introdução dos eucaliptos na região. A constatação: a mo-nocultura gera 3 três empre-gos em média para cada mil hectares plantados; já a agri-cultura em média 10 postos de trabalho, entre grandes e pequenas propriedades. “Por isso falamos do ‘deserto verde’ desse modelo: expulsa as pessoas da terra, substitui a produção de alimentos, provoca o desaparecimento da fl ora, já que espécies ve-getais não resistem nas pro-ximidades dos eucaliptos, e da fauna, pois os animais originários perdem sua fon-te de alimentação”, resume Ricardo Carrere.

que vence em 27 de maio, por con-siderar que esse meio violou as leis e apoiou o golpe de estado contra Chávez em abril de 2002. A emisso-ra pertence ao megaempresário da comunicação Gustavo Cisneiros.

BolíviaJá o presidente Evo Morales

assinou um decreto presidencial elevando o salário mínimo em 5% maior. A idéia do aumento, disse

o presidente, é criar garantias aos trabalhadores bolivianos, possibi-litando maior estabilidade e uma remuneração mais justa. O governo boliviano afirmou que a medida faz parte de uma nova política econô-mica e social que tem como base um Estado social e democrático de direito, tal como está consagrado na Constituição do país. (Com Agên-cia Bolivariana de Informações e Prensa Latina)

Novas conquistas no 1º de MaioHugo Chávez e Evo Morales anunciam aumento de salário mínimo; Venezuela terá ainda redução da jornada de trabalho em 2010 e deixará FMI, BID e OEA

Comunidade camponesa no Uruguai precisa ser abastecida por caminhão-pipa depois da implantação da monocultura do eucalipto

Evo e Chávez elevaram o salário mínimo em 20% e 5%, respectivamente

Reprodução

Marcelo García/Prensa Mirafl ores

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sem representatividade e sempre dependente de apoio armado externo.

Em meio desse caos, entre junho e julho de 2006, a re-cém-formada UCI tomou o controle de Mogadíscio e do sudeste do país. Segundo o especialista, a organização é composta por um nú-

mero crescente de grupos liderados por clérigos que decidiram acabar com as disputas locais, liberar os bloqueios de estradas e reabrir o porto da capital. “Embora com pouquíssimo suporte, em pouco tempo eles conquistaram mais em termos de restaurar a ordem e a segurança social que os ‘senhores de guerra’ foram capazes de conseguir em anos. Eles rapidamente ga-nharam apoio popular para suas ações, mas logo foram estigmatizados como sendo um porto para ‘terroristas’ pela Etiópia, os Estados

transição ergueu bloqueios nas estradas em torno da ci-dade e indicou os chamados “senhores da guerra” – li-deranças de grupos arma-dos – para a prefeitura de Mogadíscio e para a direção da polícia nacional. Tanto o governo quanto a Etiópia são apoiados pelos EUA e a Inglaterra, que acusam a UCI de ligações com a rede terrorista Al-Qaeda. A orga-nização nega.

Poder alternativoA Somália vive sem um

governo central forte desde 1991, quando foi deposto o ditador Mohamed Siad Bar-re. Desde então, o país passa por uma disputa pelo poder entre as diversas facções. “Estas são, em certa medida, baseadas em afi liação por clãs, às vezes por subclãs ou divisões ainda menores, enquanto diferentes ‘senho-res da guerra’ que exploram

essas divisões também cons-tituem um elemento-chave e ameaçador na equação de poder”, explica Martin Doornbos, especialista em confl itos na África e pesqui-sador do Instituto de Estu-dos Sociais (ISS), universi-dade holandesa de Ciências Sociais, em entrevista ao Brasil de Fato.

Desde 2004, um governo nacional de transição, insti-tuído com o apoio da ONU, tenta controlar o país, sem sucesso. Presidido por um ex-senhor da guerra, Ab-dullahi Yusuf, sua gestão é considerada por Doornbos

áfricade 3 a 9 de maio de 2007 11

Igor Ojedada Redação

APÓS MESES DE intensos combates na Somália, a po-pulação começa a retornar à capital Mogadíscio, palco principal do confl ito entre forças islâmicas e tropas do governo de transição, apoia-das pelo exército da vizinha Etiópia.

A agência da ONU para os refugiados estima que apro-ximadamente 350 mil dos cerca de 1 milhão de habitan-tes fugiram da cidade, desde 1º de fevereiro, quando recomeçaram os combates que ocorreram entre junho e dezembro de 2006. Derrota-dos no fi m do ano por tropas etíopes e governamentais, os grupos islâmicos, reunidos na União das Cortes Islâmi-cas (UCI), reagruparam-se e voltaram a realizar ataques às forças de governo, sendo novamente contidos no fi nal de abril. No dia 29, os dois lados iniciaram as negocia-ções de paz. A população que retorna à capital enfrenta a falta de abrigo, a escassez de alimentos e o temor da volta do confl ito. Fora da cidade, os refugiados sofrem “roubos, extorsões e estupros sistemáticos por parte dos soldados”, segundo carta da União Européia para o pre-sidente interino, Abdullahi Yusuf. A ONU, as agências internacionais de ajuda e a missão de paz da União Africana alertam para uma possível crise humanitária e surtos de cólera. Grupos locais de direitos humanos afi rmaram que 1.300 pessoas foram mortas nos últimos dois meses.

Para fortalecer o controle da capital, o governo de

da Redação

Em protesto contra um processo eleitoral considera-do fraudulento, militantes do Movimento de Emancipação do Delta do Níger (Mend) atacaram um navio petroleiro da FPSO Oloibiri, da transna-cional Chevron, e seqüestra-ram seis funcionários: quatro italianos, um croata e um es-tadunidense. Um marinheiro morreu durante a ação. “Este ataque faz parte de uma série que tem como objetivo cons-tranger o governo que está saindo e também é um aviso ao que chega”, diz nota ofi cial do Movimento.

As eleições no país ocor-reram nos dias 14 e 21 de abril. Na primeira data, fo-ram eleitos os governadores estaduais. Na segunda, par-lamentares federais e o pre-sidente. Do comando da Na-ção, sai Olusegun Obasanjo e entra Umaru Yar’ Adua, ambos do partido PDP. Será a primeira vez que um civil entregará o poder a outro civil no país, o mais populo-so do continente africano.

Somália: a crise sem fi mCHIFRE DA ÁFRICAApesar do fi m dos combates e da vitória das forças governamentais, Etiópia continua intervindo, com o apoio dos EUA

País vive uma disputa pelo poder desde 1991, quando foi deposto o ditador Mohamed Siad Barre

Unidos e o governo de tran-sição”, analisa Doornbos.

A UCI passou a convocar os muçulmanos e a popula-ção de língua somaliana no Quênia e na Etiópia a se re-voltarem contra seus gover-nos para formarem um novo estado islâmico somaliano. De acordo com o especia-lista do ISS, as ações bem-sucedidas da UCI, além de ganharem amplo apoio so-cial, atraíram também mais islâmicos fundamentalistas para suas fi leiras, suposta-mente incluindo alguns que tinham ligações com a rede terrorista Al-Qaeda.

Como resultado, a UCI começou a contar com uma ala moderada e outra mais radical. A primeira bus-cando promover bem-estar social e segurança, a segun-da insistindo na aplicação estrita da Sharia (lei islâ-mica) e na crítica do papel da Etiópia nos assuntos so-malianos. “Mesmo assim”, diz Doornbos, “observado-res independentes em sua maioria estimaram que os integrantes do setor radical da UIC são relativamente limitados e insignifi cantes

comparados à massa de seus seguidores”.

Interesses Quando o grupo islâmico

começou a atacar Baidoa, cidade a 200 km de Moga-díscio escolhida como sede do governo de transição, a Etiópia atendeu a solicitação do presidente Yusuf e, com o apoio dos EUA e da Inglater-ra, enviou tropas militares à Somália para ajudar no combate à UCI. Em dezem-bro, várias cidades, inclusive a capital, foram retomadas e a situação acalmou até fevereiro, quando os grupos islâmicos voltaram a realizar ataques.

Para Doornbos, a inter-venção etíope na Somália é instigada por uma série de motivações, incluindo a determinação em manter no poder um regime amigo a todo custo, e o medo que as idéias dos grupos islâmicos sirvam de exemplo aos soma-lianos que vivem na Etiópia, cuja lei é contestada por eles. “O objetivo geral parece ser o de manter sua posição como um poder regional e tentar fi car alinhado com a políti-

ca externa estadunidense”, diz, referindo-se à chamada “guerra contra o terror”.

Em janeiro, aviões estadu-nidenses atacaram supostos alvos da Al-Qaeda no país, incluindo locais onde a UCI estariam abrigando mem-bros da organização terro-rista, acusada de realizar atentados à embaixada dos EUA no Quênia e na Tan-zânia, em 1998. No entanto, a localização estratégica do país é lembrada por repre-sentantes da sociedade civil como o real interesse dos EUA na região. A Somália fi ca no leste da África, na região do Golfo Pérsico, rota utilizada para o transpor-te de petróleo extraído no Oriente Médio.

Na opinião do pesquisador holandês, em longo prazo, a estratégia estadunidense causará mais hostilidade à Etiópia e aos próprios EUA. “Possibilidades anteriores de se buscar ligações com e dar apoio a elementos modera-dos dentro da UCI se torna-ram oportunidades perdidas. Sem dúvida, esperanças de paz na região parecem agora muito fracas”, lamenta.

NIGÉRIA

Instabilidade pós-eleiçõesObservadores internacionais denunciam irregularidades no processo eleitoral; organização seqüestra estrangeiros

Outro incidente foi o se-qüestro da mãe de Celesti-ne Omeiha’s, governadora recém-eleita do Estado de Rivers. Como o Mend não seqüestra nativos, a Polícia acredita que a organização não está envolvida no caso.

FraudesDe acordo com observa-

dores internacionais, as eleições tiveram tantas ir-regularidades que deveriam ser refeitas na Nigéria. Dia 30, Emma Ezeazu, observa-dor da Alliance for Credible Elections (ACE), foi preso por agentes do Serviço de Segurança Nacional que o acusaram de incitar a violência. “Eles disseram que não precisavam de mandato para prendê-lo”, informou o porta-voz da ACE, Odoh Okenyodo. Os agentes do governo ainda invadiram o escritório da organização e confi scaram cartazes que seriam usados nas manifestações do 1º de Maio. Ezeazu afi rma que presenciou pessoas sendo forçadas a votar em frente a agentes do PDP, que co-

locaram os votos na urna. O ativista também denunciou a existência de contagem de votos em locais onde sequer houve votação.

ReivindicaçõesEm troca dos seis reféns,

o Mend pede a libertação de dois líderes do movimento, presos sob a acusação de crime de traição à pátria. No último ano, a organi-zação realizou dezenas de seqüestros de funcionários estrangeiros de transna-cionais que exploram o pe-tróleo nigeriano. Por conta dessas ações, a produção teria caído 20% no mesmo período. Diversos funcioná-rios também teriam deixado o país.

O movimento se defi ne como uma organização que luta contra a exploração e opressão do povo habi-tante da região do delta do rio Níger, promovida pelas transnacionais petroleiras. Embora o país seja o oita-vo produtor de petróleo do mundo, obtendo cerca de 50 milhões de dólares diá-rios com sua exportação, a

maior parte da população vive na pobreza. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a Nigéria ocupa o 159º lu-gar no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano, num total de 177 países.

ProtestosO 1º de Maio também foi

marcado pela repressão. Por conta das ameaças por parte das forças de segu-rança pública, os protestos planejados pela oposição acabaram não ocorrendo. A intenção era se juntar às manifestações das centrais sindicais do país.

A polícia esteve presente em diversas regiões, aler-tando que manifestações não autorizadas seriam reprimidas. “Qualquer ma-nifestação que ocorra sem autorização policial será dispersada com o uso da força. Usaremos bombas de gás lacrimogênio e, se for necessário, usaremos forças maiores”, declarou o chefe da polícia Sunday Ehindero. (Com agências internacionais)

Em meio à disputa entre diversos clãs, grupos islâmicos reunidos na União das Cortes Islâmicas lutam para tomar o poder do governo de transição

Nigerianos serão reprimidos caso se manifestem sem autorização

Andy Simmonds

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culturade 3 a 9 de maio de 200712

Pedro Carranode Curitiba (PR)

JAVIER GUERRERO Meza é conhecido pelos vizinhos do distante bairro do Alto Boquei-rão, em Curitiba (PR), onde mora, pelo sotaque diferente. Os jovens do local até arriscam chamá-lo por outras nacio-nalidades, sem saber que na verdade estão falando com um ex-guerrilheiro equatoriano que há 17 anos vive no Brasil. Aqui retomou a vida de militante, não mais como nos dias passados da guerrilha urbana.

Meza passou a se dedicar ao artesanato. Aprendeu a técnica do mosaico e desenvolve cursos em presídios e áreas de ocupa-ção. Este ano, para a semana do dia Primeiro de Maio, criou 20 mosaicos em branco e preto, in-titulados “Homens e Mulheres da Nossa América”, retratando os rostos de rebeldes que cria-ram uma história da resistência no continente. As obras serão expostas durante a 1ª Semana Cultural dos Trabalhadores, no Centro de Estudos Políticos e Culturais Ernesto Che Guevara.

São nomes que em algum momento infl uenciaram a sua militância. Durante a conversa, o equatoriano fala da importância hoje da postura do argentino Er-nesto Che Guevara e do brasilei-ro Carlos Mariguella. “Marigue-la e Guevara não são mitos, mas realidades no dia-a-dia, falo em realidade porque quero ser como eles e me esforço para isso. Os dois são uma presença constante na minha vida”, comenta. Outra questão visível nos mosaicos é a referência a mulheres protago-nistas no seu tempo, mas que foram ocultadas pela história, como Micaela Bastidas, conhe-cida apenas como esposa de Tu-pac Amaru II, e Manuela Sáenz, conhecida como a companheira de Simon Bolívar.

Outro personagem central na vida de Meza e do país onde cresceu é Eloy Alfaro (1842 -1912), sobre quem o artesão se emociona ao falar. Ele con-ta que Alfaro foi um liberal, quando a política da América Latina opunha liberais contra

conservadores. Em 1895, assu-miu o governo, no que Javier chama de “revolução Alfarista”, e separou a igreja do Estado. Também retirou os indígenas da escravidão completa na qual viviam, proibindo as prisões por endividamento.

Um século depois, na dé-cada de 1980, cerca de 300 jovens resolveram reacender o símbolo de Alfaro e criaram a organização clandestina Alfaro Vive Carajo (AVC). “Acháva-mos que a revolução iniciada por Alfaro fi cou incompleta”, narra. Apostavam, à época, na propaganda armada e na guerri-lha urbana. Leram o Manual do Guerrilheiro Urbano, de Mari-guella. Admiravam Raul Sendic e os Tupamaros do Uruguai. A organização de Meza atuava em conjunto com o grupo peruano Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) e com o grupo M-19 de Abril, da Colôm-bia. Este último é conhecido por ter roubado a espada de Bolívar, chamando-a de volta à luta. Os alfaristas também roubaram a espada de Alfaro do museu.

O Equador vivia o que, se-gundo o relato de Meza, pode-se chamar de uma “democradura”. “No Equador as ditaduras não foram tão assassinas como as democracias”, afi rma e aponta o governo de Oswaldo Hurtado, presidente nos anos de 1980, do partido Democracia Cristã (atual oposição ao presidente Rafael Correa), como um perío-do repressor na história recente do país.

“Nosso erro foi não ter feito um trabalho de base assim como os sandinistas ou os zapatistas”, avalia. Perto da década de 1990, Meza conta que a organização foi destruída: “Fomos extermi-nados”. Em 1988, chegou a fi car preso por quatro meses, junto a outros companheiros. “Depois do presídio nunca mais a minha vida voltou a ser normal, eu não encontrava emprego. Me sentia órfão, porque vivia pela organi-zação”, revela. Decidiu então vir ao Brasil. Nos anos de 1990, militou no PT. Mais tarde, de-cepcionado com as práticas dos membros do partido, resolveu adotar a prática anarquista.

MOSAICOSArtesão equatoriano resgata em 20 obras os personagens rebeldes do continente para o 1º de Maio

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1. Mártires de Chicago (EUA). Uma greve geral que teve lugar nos Estados Unidos no dia 1º de maio de 1886, na luta pela jornada de oito horas de trabalho, deu origem ao “Dia Interna-cional dos Trabalhadores”. Cinco operários anarquistas foram condenados à forca. Na América Latina, a data foi celebrada pela primeira vez pelos operários de Buenos Aires, em 1890.2. Emma Goldman (EUA). Nascida na Lituânia, Emma militou nos EUA, no início do século 20. Partici-pou do movimento operário naquele país.Organizou o movimento feminista, inclu-sive a luta a favor do aborto.3. Emiliano Zapata (Mé-xico). Camponês e domador de cavalos, entre 1910 e 1919 comandou um exército de indígenas, camponeses e pobres ao sul do México para recuperar as terras roubadas pela elite branca. Comba-teu quatro presidentes e, em 1915, chegou a tomar o palácio do governo, mas em vez de sentar na cadeira presidencial, opinou que ela deveria ser queimada.4. Frida Kahlo (México). Hoje o nome da pintora me-xicana está na moda, o que não esvazia a qualidade da sua obra, destaque no perío-do posterior à Revolução Me-xicana. Frida construiu uma obra personalista e subjetiva. Em vários momentos faz re-ferências ao socialismo.5. General Augusto San-dino (Nicarágua). Campo-nês e guerrilheiro. Em 1928, Sandino combateu um dos tantos desembarques que os Estados Unidos promoveu na Nicarágua. O símbolo de Sandino inspirou a Frente Sandinista de Liberação Na-cional (FSLN) que, em 1979, levou o país ao socialismo.6. Agustín Farabundo Martí (El Salvador). Foi fundador do partido comu-nista da América Central. Ele era conhecido por discutir marxismo não nos cafés, mas nos cafezais. Foi colaborador de Sandino e esteve no Mé-xico de Zapata. Retornou ao país e tomou parte na luta de classes que marcou a década de 1930, até o seu assassina-to. Décadas mais tarde, em 1980, seu nome seria ressus-citado pelo grupo guerrilheiro e camponês Frente Fara-bundo Martí de Libertação Nacional (FMLN).7. José Martí (Cuba). Escritor e pensador político, morto em 1895. Durante o exílio nos Estados Unidos, Martí organizou o processo de independência de Cuba, mesmo tendo descendência espanhola no sangue. Seus escritos reivindicavam um pensamento novo, latino-americano, em vez da des-gastada infl uência européia. 8. Simon Bolívar (Vene-zuela). Conhecido como o “Libertador”, levou à inde-pendência o que hoje são os países da Bolívia, Panamá, Colômbia, Peru, Equador e Venezuela. Lutou para man-ter unida a “Pátria Grande”, por meio de uma confede-ração hispano-americana porque acreditava que, so-

zinho, cada país não resistiria às investidas da Europa.9. Manuela Sáenz (Equador). Nascida em 1801, foi o grande amor de Bolívar, uma lutadora social que aos 15 anos vestia roupa de homem, fumava e montava a cavalo. “No Equador, a chamamos de a ‘libertadora do libertador’”, comenta Meza.10. Eloy Alfaro (Equador). Na opinião de Meza, por ter lutado na Nicarágua, El Salvador e Peru, on-de recebeu o grau de general, Alfa-ro não foi apenas um nacionalista estreito. Meza descreve o naciona-lismo de Alfaro como um “naciona-lismo para defender o povo”.11. Camilo Torres (Colôm-bia). Padre católico que largou a batina nos anos 1960 e foi con-vidado para integrar o Exército

de Liberação Nacional (ELN). De acordo com Meza, “Foi um com-panheiro verdadeiramente cristão que morreu tentando pegar o fuzil de um companheiro caído”, comenta.12. Tupac Amaru II (Peru). Nasceu em 1742, nos Andes pe-ruanos. Ele reivindicava descen-dência direta de Tupac Amaru I, o último combatente Inca. Comerciante próspero, não esta-va de acordo com o pagamento da mita (imposto cobrado pelos incas, logo apropriado pela coroa espanhola). Reivindicou também que os indígenas fossem liberados das minas, mas como recebeu a negativa da coroa, desencadeou a maior insurreição do período colonial, organizando milhares de indígenas e esfomeados.

13. Micaela Bastidas (Peru). Líder das tropas de Amaru II, casada com ele desde os 15 anos. Era mais radical que Amaru, aconse-lhando-o a tomar a cidade de Cusco, em vez de esperar a conciliação, mesmo que custasse a vida dos indígenas que apoiavam os espanhóis. Amaru II, porém, manteve as tropas recuadas, o que permitiu a reorganização do exército ofi cial, que extermi-nou a resistência. Foi presa e assassinada cruelmente, aos 36 anos.14 e 15. Violeta Parra e Victor Jara (Chile). Os dois artistas eram pesqui-sadores da música popular chilena. “Justamente por ser um camponês que cantava e compunha muito bem, que teve as mãos cortadas pelo general Augusto Pinochet na cidade de Santiago”, diz Meza. Já a cantora Violeta Parra, para ele “foi uma lu-tadora latino-americana da década de 60”.16. Raul Sendic (Uru-guai). De acordo com Meza, Sendic foi um dos precursores da guerrilha ur-bana, fundador do grupo de guerrilha urbana Movimen-to Liberação Nacional Tupa-maros (MLN): “Ele sempre viu os partidos com desdém, não era um intelectual, não seguia receitas e não queria o poder. Ele era um campo-nês que trabalhava no corte da cana”, diz Meza17. Margarida Alves (Brasil). Líder camponesa que no início da década de 1980 fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (Paraíba). Assassinada ao lado do fi lho e do marido, até hoje sua morte segue impune. “É a minha homenagem às bases do Movimento dos Sem Ter-ra (MST)”, coloca Meza.18. Ernesto Che Guevara (Argentina). Que melhor descrição para o argentino universal que esta feita pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano: “Ele agia movido por uma tremenda necessi-dade de totalidade e pureza. Assim converteu-se no mais puritano dos dirigentes re-volucionários ocidentais”.19. Mães da Praça de Maio (Argentina). O movimento nasceu da re-pressão no país. As mães da Praça de Maio organi-zam-se em meio à ditadura argentina. Seus fi lhos estão entre os 30 mil mortos nas mãos dos generais. Desde 1967, todas às quintas-fei-ras, às 15:30 horas, reú-nem-se na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada. Hoje, interromperam os protestos por julgar que o presidente Néstor Kirchner tem dado atenção para a sua luta por justiça e puni-ção aos assassinos.20. Carlos Marighella (Brasil). Lutador por toda a vida, assassinado pelo Dops durante a ditadura no Brasil por ser considerado o seu inimigo “número um”. “A esquerda em geral igno-ra ou não conhece a fi gura dele e a importância para a América Latina, através do Manual do Guerrilheiro Ur-

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Fotos: Elisandro Dalcin