BEATRIZ GOMES NADAL Gomes Nad… · NADAL, Beatriz Gomes. Cultura escolar: um olhar sobre vida na...

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Beatriz Gomes Nadal Cultura escolar: um olhar sobre a vida na escola Doutorado em Educação: Currículo São Paulo 2007

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Beatriz Gomes Nadal

Cultura escolar:

um olhar sobre a vida na escola

Doutorado em Educação: Currículo

São Paulo

2007

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Beatriz Gomes Nadal

Cultura escolar:

um olhar sobre a vida na escola

Doutorado em Educação: Currículo

Tese apresentada à Banca Examinadora como

exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Currículo pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob a

orientação da Profa. Doutora Marina Graziella

Feldmann.

São Paulo

2007

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NADAL, Beatriz Gomes. Cultura escolar: um olhar sobre vida na escola.

Beatriz Gomes Nadal. São Paulo: PUC-SP, 2008.

307 p.

Tese [Doutorado] – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Área de Concentração: Educação (Currículo) Orientadora: Marina Graziella Feldmann

1 Escola 2 Instituição 3 Cultura escolar 4 Movimentos instituintes.

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BANCA EXAMINADORA

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Com amor e gratidão, dedico esta tese

aos meus pais, Sebastião e Suily,

pelo exemplo de retidão e apoio incansável;

às minhas filhas Maria Augusta e Victória,

pela alegria da sua presença e o sentido que imprimem à vida;

ao meu marido Vicente,

pelo companheirismo e compreensão quanto às escolhas feitas;

às professoras Myrtes Alonso e Mariná Holzmann Ribas,

como símbolo de que a formação, praticada ao longo da vida, frutifica;

às escolas pesquisadas,

pela abertura que permitiu aprender com elas e a partir delas.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter sido sempre o meu pastor, não deixando que nada me faltasse.

À professora Dra. Marina Graziella Feldmann, pela aceitação do projeto e

orientação da pesquisa; pelo acolhimento, carinho e confiança demonstrados em todo o processo de construção da tese.

À professora Dra. Myrtes Alonso, pelo que representou frente a essa conquista.

Aos colegas da PUC-SP, em especial a José Carlos Victorino, Leonir Pessate Alves

(in memoriam), Martha Prata Linhares, Mary Ângela Teixeira Brandalise, Nuria Pons Vilardel,

Socorro Coelho, Suely Dulce Castilho, Thiago Schulze e Zélia Maria Lopes Marochi, pela alegria da vida estudantil e tudo o que ela implicou: viagens, estudos, almoços, debates, cafezinhos, mensagens

eletrônicas, hospedagens, favores e um sem fim de histórias que hoje podem ser contadas.

Aos professores do Programa Educação: Currículo, pelas aprendizagens

propiciadas e, em especial ao professor Dr. Alípio Casali, inspirador de muitas escolhas teóricas.

Às amigas – Clicia Bührer Martins, Leide Mara Schmidt, Luzia Borsato Cavagnari, Maria Beatriz Ferreira, Mariná Holzmann Ribas, Mary Ângela Teixeira Brandalise, Silviane Buss

Tupich e Sydione Santos – que tornaram mais leves os anos de estudo por meio das demonstrações de

preocupação e interesse, da presença e da escuta paciente, reveladoras de amizade solidária.

À minha família - em especial a meu marido Vicente, minha mãe, Suely, minha

irmã, Silmara, tia Estela Maria e avó Maria Augusta - pelo estímulo, apoio e orações; por todos os

“colos” e ações que se converteram numa fundamental rede de apoio.

Às minhas comadres Débora Gomes Majan, Filomena Nóbrega Nadal, Francine

Borsato e Silmara Gomes Papi, pelos jantares, almoços, cafés e encontros que revitalizavam os ânimos.

À Clícia Bührer Martins, pela parceria na empreitada que se fez em paralelo: a editoração da “Olhar de Professor”.

À Rosana Sutil, pelo carinho e cuidado com minhas filhas, permitindo-me

tranqüilidade nas ausências necessárias.

À Universidade Estadual de Ponta Grossa e ao Departamento de Métodos e

Técnicas de Ensino, pelas condições plenamente favoráveis à realização do Doutorado.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

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As escolas são constituídas por pessoas que se

agrupam, interagem, se organizam e instituem.

Possuem com isso o poder de institucionalizar novas formas de ação dentro do que já está

instituído, embora nem sempre usem essa

capacidade, pois não estão conscientes dela nem

das mudanças que podem efetuar por se encontrarem num estágio de conformismo

desejado pelo próprio sistema. (SCHMIDT, 1989).

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RESUMO

O presente trabalho focaliza a cultura escolar articulando as perspectivas institucional e

cultural, as quais a configuram como realidade multidimensionada, dialética e em constante

movimento. Fundamentou-se na produção existente no campo institucional, com base em

Foucault (1979, 1987 e 1996), Castoriadis (1982) e Lourau (1996); no campo organizacional,

com apoio em Ball (1996); no campo da teoria da cultura, cujos alicerces foram buscados em

Williams (1979, 1982 e 2002), e no campo da cultura escolar, embasado em Viñao Frago

(1995, 1998 e 2005). Foi, portanto, nosso objetivo a construção de referenciais que

sustentassem o desvelamento da cultura escolar, o conhecimento e compreensão da cultura de

escolas públicas de educação básica e a formulação de propostas voltadas a contribuir com a

tematização e transformação da cultura existente, tornando-a mais próxima dos atuais desafios

da educação contemporânea. A investigação desenvolveu-se numa perspectiva qualitativa e de

estudos culturais, compreendendo pesquisa bibliográfica, observação participante, análise

documental e entrevistas em duas escolas de ensino fundamental e médio da rede pública

estadual, localizadas em Ponta Grossa, Paraná. A inserção nas escolas se deu em momentos

coletivos como reuniões pedagógicas e conselhos de classe, e também no encaminhamento

cotidiano do trabalho pedagógico, acompanhando especialmente os professores em hora-

atividade e os diretores e pedagogos no exercício da gestão escolar. Além dos projetos

pedagógicos das escolas e atas de conselho de classe, foram analisados também documentos

políticos da Secretaria de Estado da Educação, voltados a orientar e institucionalizar o

trabalho das instituições escolares. Quanto à metodologia para aproximação à cultura da

escola, os pressupostos teóricos foram confrontados com as políticas a que se relacionavam e

com a prática escolar, conforme sugere Viñao Frago (1995). Os dados coletados apontaram,

inicialmente, a atuação instituinte das escolas face às políticas advindas do Estado, acatando-

as parcialmente, atribuindo-lhes caráter formal, flexibilizando-as ou até mesmo negando-as.

Diante delas, as escolas demonstraram criar mecanismos próprios para a gestão do trabalho

pedagógico, desenvolvendo estilos particulares de se relacionar com os resultados

educacionais e as questões cotidianas. Observamos que esses mecanismos têm levado as

escolas a se manterem relativamente fechadas em relação ao contexto social e às mudanças

que elas mesmas reconhecem necessárias em sua comunidade local, bem como a utilizarem

estratégias para resolução de problemas e modalidades de comunicação que dificultam seu

autoconhecimento, reflexão sobre sua prática e, conseqüentemente, transformação. Explica-

se, assim, a não consolidação dos movimentos instituintes “micro” e a manutenção da uma

tradição funcionalista e burocrática na gestão do trabalho pedagógico. Essa tradição assume

uma posição ativa, agindo como uma espécie de “meso-micropolítica” da escola,

desencadeada quiçá para evitar mudanças e/ou para se proteger. Por fim, entendemos que as

condições de trabalho e a cultura docente, a fixidez estrutural de elementos como o tempo e os

espaços escolares, trazidas pelas políticas e naturalizadas pelas escolas, e a ausência de

processos sólidos de formação continuada, capazes de fazer emergir os sentidos existentes e a

epistemologia da prática escolar, são fatores fortemente impeditivos da transformação

emancipatória da instituição escolar.

Palavras-chave: Escola. Instituição. Cultura escolar. Movimentos instituintes.

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ABSTRACT

This study focuses on the school culture articulating the institutional and cultural perspectives

which delineate it as a multidimensional and dialect reality. It is based on Lourau (1996),

Castoriadis (1982) and Foucault (1979, 1987 and 1996) on the institutional field; on Ball

(1996), on the organizational field; on Williams (1979, 1982 and 2002), on the culture

theory; and on Viñao Frago (1995, 1998 and 2005), on school culture field. The purposes of

this doctoral dissertation lies in the knowledge and comprehension of the public elementary

schools culture as well as in the proposals presented in order to contribute to the

transformation of the existing culture, bringing it closer to the modern education challenges.

Its theoretical underpinning was obtained by a qualitative research and by cultural studies

including bibliographic study, documental analysis, observation and interviews at two public

elementary and middle schools located in Ponta Grossa city, Paraná State. The research was

carried out during pedagogical meetings and class councils, teacher‟s daily routine of

planning activities, and the management activities of the principals. Besides the schools

pedagogical projects and the minutes of class councils, technical and political documents from

the office of the secretary of education of the state were analyzed. These documents orient

and institutionalize the work of the school institutions. The theoretical approaches were

confronted with the politics to that were related and with the practical school, in agreement to

Viñao Frago (1995). The collected data were organized around the axis “management of the

pedagogical work”. It initially showed the institute action of the schools face to the resulting

politics of the State, respecting them partially, attributing them formal character, loosening

them or even denying them. The schools demonstrated to create own mechanisms of

management, developing private styles of being related with the educational results and the

routine issues. It was observed that these mechanisms has led the schools to be maintained

relatively closed regarding the social context and the changes that they recognize as necessary

in their local community. They have also led the schools to utilize strategies for problems

solving and mode of communication that complicate their self-knowledge, reflection about

their practice and, consequently, transformation. In one way, this explains the non

consolidation of “micro” institutional movements and the maintenance of the traditional

management of the pedagogical work characterized by a bureaucratic and functional nature.

This tradition assumes an active position, acting like a sort of “meso-micropolitic” of the

school, triggered maybe in order to avoid changes and/or to protect. The analyzed data also

revealed that the structural strictness of the time and its use, the conditions of teacher‟s work,

the absence of solid teacher education programs capable of making to emerge the existing

meanings and the epistemology of the educational practice are extremely demanding factors

that can bring the school transformation to a stop.

Key words: School. Institution. School culture. Institutional movements.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10

2 DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ÀS QUESTÕES INSTITUCIONAIS

DA ESCOLA: LINHA TEÓRICA, OBJETIVOS E METODOLOGIA PARA

UMA APROXIMAÇÃO À PROBLEMÁTICA DA CULTURA ESCOLAR ....... 14

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA DO TEMA ...................................................... 14

2.2 DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ......................... 21

2.3 ELEMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 24

2.3.1 Considerações Teóricas ....................................................................................... 24

2.3.2 Considerações Metodológicas e Estruturação da Tese .......................................... 28

2.4 AS ESCOLAS ............................................................................................................ 34

2.4.1 Escola do Vale ..................................................................................................... 34

2.4.2 Escola da Gema ................................................................................................... 37

3 EDUCAÇÃO E ESCOLA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA................. 41

3.1 SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E ESCOLA .................................................................. 41

3.1.1 Sociedade e Educação .......................................................................................... 41

3.1.2 Educação e Escola Diante de Um Projeto Social .................................................. 45

3.2 APROXIMAÇÕES À IDÉIA DE ESCOLA ............................................................... 52

3.2.1 Instituição Educacional Escolar ........................................................................... 56

3.2.2 Escola: Instituição Singularmente Organizada ..................................................... 57

3.2.3 Escola: Instituição e Organização ........................................................................ 61

3.2.4 A Escola em Movimento: Realidade Instituída e Instituinte ................................. 63

3.2.2.1 Movimentos instituídos e instituintes ............................................................ 67

3.2.2.2 Discurso e saber-poder .................................................................................. 71

3.2.2.3 Micropolítica da escola ................................................................................. 79

3.3 INTENÇÃO DE “DIZER A ESCOLA”: SÍNTESE INTEGRADORA ....................... 87

4 A CULTURA DA ESCOLA ................................................................................. 91

4.1 TEORIAS ORGANIZACIONAIS: A ESCOLA COMO FOCO DE ESTUDO ........... 91

4.2 TEORIA CULTURAL: PRESSUPOSTOS ................................................................. 97

4.2.1 Mapeando o Simbólico ........................................................................................ 97

4.2.2 Cultura: Processo Social com Força Constitutiva ............................................... 104

4.3 CULTURA ESCOLAR: VIDA INSTITUCIONAL E UNIVERSO CULTURAL ..... 110

4.3.1 Subculturas da Escola ........................................................................................ 117

4.3.1.1 Professores.................................................................................................. 118

4.3.1.2 Gestores ...................................................................................................... 121

4.3.1.3 Alunos ........................................................................................................ 122

4.3.2 Elementos Estruturais e Aspectos Organizacionais ............................................ 125

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5 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DAS

POLÍTICAS PARANAENSES: REPERCUSSÕES POSSÍVEIS SOBRE A

CULTURA DA ESCOLA ...................................................................................... 132

5.1 A ESCOLA E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA: A GESTÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO ............................................................................................................. 132

5.2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARANAENSES E A INSTITUCIONALIZAÇÃO

DA GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA .................................... 138

5.3 POLÍTICA EDUCACIONAL PARANAENSE: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

SOBRE O TRABALHO PEDAGÓGICO E A CULTURA ESCOLAR .......................... 164

6 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: A POLÍTICA INTERNA DA

ESCOLA ................................................................................................................ 169

6.1 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR NA GESTÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO: CONTRADIÇÕES E CONFLITOS .................................................... 170

6.2 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA PERCEPÇÃO DOS

PROFESSORES E GESTORES ..................................................................................... 194

6.2.1 Os Educadores Frente aos Problemas de Avaliação do Aprendizado dos Alunos, os

Conselhos de Classe ................................................................................................... 195

6.2.2 A participação dos Educadores nas Duas Dimensões da Gestão: Administrativa e

Pedagógica ................................................................................................................. 211

6.2.2.1 Dimensão administrativa ............................................................................. 211

6.2.2.2 Dimensão pedagógica ................................................................................. 214

6.2.2.2.1 Questões pedagógico-curriculares (ou do trabalho pedagógico) ............ 214

6.2.2.2.2 Questões didático-pedagógicas ............................................................. 225

6.2.3 Os Tempos Escolares Face à Gestão Democrática do Trabalho Pedagógico ....... 255

6.2.4 Cultura Escolar: uma Apreensão a Partir da Política Educacional, Teorias que as

Fundamentam e Práticas Escolares ............................................................................. 262

7 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 273

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 280

APÊN DIC ES ...................................................................................................... 298

Apêndice A – Guia de Observação ................................................................................ 299

Apêndice B – Roteiro para Entrevistas........................................................................... 302

Apêndice C – Arquivo em CD-ROM contendo os Projetos Pedagógicos das Escolas

Pesquisadas e os Dados de Entrevista Organizados em Quadros, Por Escola .................. 304

CRÉDITOS ............................................................................................................ 305

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1 INTRODUÇÃO

Introduzir uma tese apresentando-nos como docente e pesquisadora não é tarefa

singela. Anos atrás, talvez fosse cumprida com aparente facilidade mas, nesse momento, os

saberes que a trajetória produziu configuram-se como produtos que, por potencializarem a

formação, desafiam-nos, na medida em que me permitem entender com clareza que refletir

sobre a caminhada profissional não se resume em dizer como se chegou aqui, mas implica

depreender os sentidos dos processos que se desenvolveram.

Um doutoramento deve ser compreendido não apenas naquilo que parece representar

em primeira instância – a obtenção de um título – mas essencialmente no que reflete enquanto

trajetória e construção, na relação que possui com o pesquisador, no que desvela não apenas

sobre o que foi pesquisado, como também sobre quem pesquisou. Como momento formativo,

a introdução de uma tese exige mais do que a apresentação de um problema; exige a

explicitação dos sentidos, saberes, necessidades e valores que de modo não casual atuaram

frente a um dado momento e contexto, produzindo não apenas a tese – seu produto mais

simples – mas a pesquisadora e, com ela, a “escola”.

No decorrer de nossa trajetória profissional vivemos de diferentes modos o confronto

teoria – prática e, de modo especial, a resistência da prática em relação aos preceitos teóricos.

Embora tenhamos iniciado nossa formação profissional no Curso de Magistério

(nível médio), o primeiro momento formativo central foi no Curso de Pedagogia realizado na

UEPG. Em 1990, paralelamente aos estudos universitários, a aprovação no concurso da rede

municipal nos levou a iniciação profissional como professora nas séries iniciais; o confronto

direto com a prática fez surgiu as primeiras inquietações: havíamos incorporado um conjunto

de discussões teóricas, tínhamos começado a construir uma lógica para entender a escola mas

sentíamos dificuldade em aliar os saberes acadêmicos com as experiências pelas quais

passávamos, provavelmente uma decorrência da racionalidade técnica na formação.

No curso de especialização voltamo-nos ao estudo do papel do supervisor escolar,

tema que vinha ao encontro da outra atividade profissional que passamos a desempenhar

também na rede estadual de ensino e que logo viríamos a assumir também na rede municipal.

Se a realização da monografia no curso de especialização amarrou a idéia de professor que

ensina e pesquisa com o trabalho de supervisão compartilhada na escola, o trabalho como

supervisora materializou as dificuldades daqueles que atuam na equipe de gestão, devido a

uma concepção técnica e burocrática da organização escolar, à falta de atuação coletiva, aos

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percalços no relacionamento entre gestores e, principalmente, à ausência de uma atuação

dessa equipe pautada no pedagógico e na formação dos professores.

Tivemos acesso a trabalhos que nos permitiram conhecer os fundamentos da

formação de professores e a premissa do professor reflexivo. Pautando-nos nessa abordagem

teórica realizamos, em 1995, seleção para o Curso de Mestrado em Educação e obtivemos

êxito.

A pesquisa refletiu nosso percurso. Propusemo-nos trabalhar com a formação

continuada de professores numa perspectiva de autoria, na qual o docente fosse sujeito de seu

crescimento através da reflexão e investigação de sua prática; para tanto, a formação

precisaria ocorrer próxima da realidade e necessidades dos professores, congregando

concomitante e interligadamente iniciativas individuais e coletivas da escola sendo,

justamente por isso, desenvolvida nesse “lócus”, de modo contínuo.

O trabalho, ao mesmo tempo em que apontou a relevância da formação contínua

relacionada com a prática educativa docente e escolar, conformou questões centrais e ainda

pendentes, dentre as quais destacamos três. Primeiro, a necessidade de desenvolvimento de

uma cultura na organização que tomasse a formação na perspectiva reflexiva, indo além da

mera transferência de „local‟ (de fora da escola para dentro da escola). Segundo, a

necessidade de lideranças, na escola, capazes de mobilizar o grupo e gerir a formação

contínua em coletividade, apoiando os professores, encaminhando-os no movimento reflexivo

e, em terceiro lugar, que dentro da escola existisse um clima favorável à formação, com

abertura de todos para as implicações desse processo o que, por sua vez, implica um

reposicionamento das relações de poder (NADAL, 2000).

No campo de nossos saberes, a sensação que mais nos marcou e ainda hoje

acompanha foi a da clara percepção do descompasso da escola em função das questões que a

ela se coloca, mas que, com o término do mestrado e as experiências que a ele se somaram era

superada por uma nova visão sobre as problemáticas da sala de aula, mais contextualizada e

articulada às políticas educacionais, à estrutura organizacional da escola e à própria formação.

Percebemo-nos mais amadurecidas e coerentes em nosso olhar sobre a realidade da qual

nunca havíamos nos afastado; vimo-nos capazes de realizar um olhar crítico, analítico e

propositivo para problemas que há muitos anos denunciávamos, um olhar que tolerava porque

compreendia, principalmente por meio das questões contextuais maiores.

Assim, quando da decisão pela realização do Curso de Doutorado buscamos nos

debruçar sobre uma temática que tivesse relação estreita com nossa prática, voltada para as

questões nodais para as quais ainda não havíamos alcançado compreensão e que tivesse

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relevância no campo educacional. Foi natural, então, que a pesquisa se voltasse para as

questões do funcionamento da escola, para os temas ainda não suficientemente esclarecidos

mas correntemente sentidos.

Assim, a questão se apresentava muito mais ampla do que a sensibilização para uma

formação reflexiva a ser desencadeada nas formações inicial e continuada no espaço escolar

ou para a cultura profissional daí decorrente, firmando atitudes de profissionalismo. A

problemática se mostrava permeada, também, pelo modo como a escola se organiza diante do

processo de formação reflexiva e da mudança que dela decorre naturalmente; como na escola

participam os diferentes sujeitos e, em especial, os professores e gestores; qual a lógica de

ação que se faz subjacente aos processos escolares e que parece dificultar a reflexão sobre a

prática voltada à solução de problemas e à realização de mudanças necessárias.

Contudo, a definição da problemática de pesquisa não nos parecia satisfatória. Em

um dos processos de orientação, no qual reformulávamos o projeto e estabelecíamos os

pontos a serem abordados, fomos questionadas: “Certo, você já deu todas as respostas, mas

onde está a pergunta?”

Pareceu – não apenas a nós, como também aos próprios autores – que a questão

problemática não residia na identificação de uma nova configuração de escola, nem nas

atitudes profissionais ou novos modos de realizar o trabalho, mas numa dada estruturação

organizacional no interior da escola capaz de fomentar e permitir que aqueles que fazem

surgir as primeiras iniciativas encontrem “solo fértil” para fazê-las germinar.

Diante de tentativas externas de reforma, bem como de iniciativas internas de inovar,

a atitude e reação das pessoas no interior da escola encontravam-se entre os maiores fatores

dificultadores; compreendemos, finalmente, o foco que buscávamos: a cultura da escola.

A compreensão de que a escola é uma realidade historicamente constituída – de

convenções, sentidos, significados, valores, crenças – a partir do cenário global, das condições

estruturais e da atuação dos sujeitos particulares, uma produção social que se reproduz e altera

dialeticamente constituindo-se de modo idiossincrático e singular nos levou a buscar desvelar

e compreender a escola enquanto cultura.

Trata-se de uma instituição dinâmica e dialética e sua cultura desenvolve-se nesse

movimento, apresentando-se tanto determinada (recebendo influências que podem vir a alterá-

la) como determinante (influenciando a instituição a fim de mantê-la nos padrões vigentes). A

transformação da cultura da escola pressupõe, por isso, tematização da cultura existente,

trazendo-a para o nível da consciência, questionando-a pelo diálogo e o exercício da crítica e

construindo, a partir desse movimento, novos sentidos e significados para o “fazer escolar”.

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Trata-se de um processo complexo, processual, dialógico e conceitual que requer envolver as

dimensões objetivas, sociais e pessoais.

Entendemos que no contexto do debate educacional e, principalmente, diante da

necessidade de que a produção acadêmica dirija esforços para apoiar as escolas na conquista

das transformações necessárias, o tema se mostra importante pela possibilidade de

conhecimento e compreensão que traz de um universo que é bastante conhecido em termos de

práticas mas pouco no que concerne aos sentidos que lhe subjazem.

Por meio da pesquisa buscamos, então, identificar e construir referenciais que

permitam uma correta aproximação à dinâmica cultural das escolas, podendo a partir daí

apoiá-las no processo de autoconhecimento e transformação emancipatória.

O estudo tomará o trabalho pedagógico como eixo central, por entender que este

funciona como grande desencadeador dos demais trabalhos educativos da escola, podendo

portanto revelar os sentidos existentes em cada dimensão da prática educativa e os

significados que possuem em comum. Na medida em que a cultura é compreendida não

apenas como elemento de caráter idealista, mas como aspecto constituinte da realidade

concreta e material e igualmente também por ela constituída, o trabalho buscará empreender o

esforço de triangulação entre as políticas institucionalizadas, as teorias a elas relacionadas e a

prática construída no interior da escola, ao mesmo tempo instituída pelas primeiras e

instituinte em relação a elas.

Para nós, representa o desenvolvimento e articulação de saberes, o alcance de novas

compreensões, o encontro de respostas, ainda que sempre parciais, mas novas e ampliadas;

representa a possibilidade interatuar intersubjetivamente com a escola e fazer-se de algum

modo propositiva.

Numa perspectiva mais ampla, poderá se configurar como uma contribuição

importante no conjunto de produções acadêmicas, já que trata de tema relevante e atual, ainda

pouco explorado (principalmente em termos de Brasil) e traz, para o mesmo, um enfoque

institucional-cultural que o distancia da usual utilização de referenciais advindos da área

empresarial.

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2 DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ÀS QUESTÕES INSTITUCIONAIS

DA ESCOLA: LINHA TEÓRICA, OBJETIVOS E METODOLOGIA PARA

UMA APROXIMAÇÃO À PROBLEMÁTICA DA CULTURA ESCOLAR

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA DO TEMA

No Brasil, a década de 80 pode ser identificada como um período de abertura política

e, consequentemente, de construção de análises críticas sobre a realidade social e educacional.

A denúncia do caráter político-reprodutivista da educação escolar foi seguida pela reflexão

voltada à elaboração de quadros referenciais críticos e propositivos, especialmente de caráter

progressista e construtivista.

Dentre esses quadros, é possível destacar, por exemplo, as formulações sobre a

construção do conhecimento e o papel da pesquisa no processo de ensino; a idéia da pesquisa

como processo constituinte da identidade e do fazer docente e da docência como constituinte

do pesquisador (DEMO, 1995; FREIRE, 1996).

O trabalho docente passou a ser pensado numa perspectiva política e construtiva,

sendo a pesquisa condição para sua criação a partir das próprias constatações e

experimentações, para a “construção” do currículo em sala de aula, construção essa balizada

na prática investigativa.

No campo da gestão, a idéia de professor-pesquisador permitiu aproximações com

discussões voltadas à necessidade de integração entre os „especialistas da educação‟ –

supervisor, orientador e administrador escolar – visando a constituição de mecanismos de

gestão democrática. O mote era o de um trabalho compartilhado não apenas dos

„especialistas‟ entre si, mas destes com os professores, proposta na qual se pode destacar o

trabalho de Falcão Filho (1987; 1994) e sua “supervisão compartilhada”.

Superando as abordagens que se restringiram às técnicas de formar, gerir, ensinar,

entre outras), a efervescência das análises críticas começou a enfrentar dificuldades de

consolidação à medida que discursos não conseguiam se materializar em práticas, um impasse

que permitiu que se estabelecessem críticas dedicadas a alertar que a denúncia não se seguiu

do anúncio de “modos de construir” uma outra (e melhor) escola.

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Na década de 90, estudos sobre a formação de professores permitiram identificar –

por meio da crítica à racionalidade técnica – elementos marcadores do descompasso entre as

teorias críticas elaboradas e as práticas pedagógicas efetivadas. Inúmeros estudos

demonstraram o quanto os cursos de formação de professores estavam impregnados por esse

paradigma que tomava a teoria como referência e pólo irradiador dos movimentos de

formação profissional, em total desvinculação com a complexidade e singularidade da prática

concreta desenvolvida no interior dos espaços educativos.

Trabalhos como os de Schön (1995; 2000), Zeichner (1993), Nóvoa (1995a; 1995b;

1995c) e, no Brasil, Pimenta e Ghedin (2002), Geraldi, Fiorentini e Pereira (2000), Mizukami

(2002), Ribas (2000), entre outros, representaram uma espécie de avanço face às primeiras

discussões; a máxima do professor que pesquisa e do pesquisador que ensina reapresentou-se

por meio da discussão acerca do professor reflexivo. A prática pedagógica docente, muitas

vezes repetitiva, mecânica, destituída de reflexão, precisaria ser encaminhada por seu caráter

intelectual, garantindo-lhe reflexão, consciência da finalidade e clareza sobre as mediações

necessárias entre a realidade social e o conhecimento, características fundamentais para que o

professor pudesse transpor para a sala de aula os conhecimentos produzidos pelas ciências e

viabilizar, desse modo, a construção de saberes também ao aluno. Institui-se, de modo

contundente, o campo da formação de professores ou, na expressão de Marcelo Garcia, da

“formática”.

Mais do que tematizar a natureza dos processos formativos, o campo da formação de

professores levantou discussões relativas à própria natureza do trabalho docente e da

profissão, problematizando-os em torno da profissionalização do magistério.1

Crítico e reflexivo, cabe ao professor posicionar-se sobre a função social das práticas

educativas, optar pelo modo como devem ser construídas e avaliar criticamente os resultados

e seus impactos, uma postura profissional que envolve as dimensões política e ética. O

trabalhador destituído de poder decisório restringirá sua competência à dimensão técnica da

docência, pois terá grande dificuldade em perceber a relação entre definição de conteúdos,

metodologias e recursos com o papel político da escola na sociedade. Por outro lado, a tomada

de decisões sobre o “por que” e o “como fazer” implica natural posicionamento em relação

1 Enguita (1991; 2003) pode ser considerado pioneiro na introdução, em nível de Brasil, da questão da

profissionalização docente. Frente a esta, são internacionalmente conhecidas também as posições de Sykes (1992), Law e Ozga (1991), Hargreaves (2000), Gimeno Sacristán (1995), Imbernón (1998;2000), Contreras

(2002), Pérez Gómez (1995, 2001), Marcelo Garcia (1999), Nóvoa (1995a; 1995b; 1995c; 2002) e Estrela

(1997), entre outros. No Brasil, alguns nomes possíveis são os de Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003), Veiga

(1998; 2002) e Papi (2005).

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aos resultados obtidos, permitindo relacionar a capacidade de crítica, visão política e escolhas

conscientes com a postura de profissionalidade.

Se a questão da profissionalização se refere mais ao cenário global da profissão (sem

deixar de implicar, também, a concretização da prática), a idéia de profissionalidade mostra-se

mais afeta ao trabalho que se efetiva junto ao aluno e em nível de escola (sem deixar de

implicar a visão da profissão). De acordo com Contreras (2002, p. 74), a profissionalidade

refere-se às “qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o

trabalho educativo; [...] desempenho do trabalho de ensinar, mas, também [...] valores e

pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão”. Assim, no contexto da

profissionalização, a profissionalidade ou profissionalismo2 diz respeito aos aspectos

considerados positivos e relevantes para o fazer docente face à função ética e social do ensino,

ao posicionamento dos professores diante do quadro educacional3.

Desse modo, a maneira como os professores desenvolvem seu trabalho, como se

posicionam em relação aos fins educativos, como negam ou aceitam a condução externa do

fazer profissional, como reagem ou se mantêm apáticos em relação aos resultados da

aprendizagem, como propõem ou aplicam propostas de mudança ou, ainda, como se

mobilizam ou se mantêm indiferentes frente às críticas atribuídas ao seu trabalho pode estar

relacionada com a profissionalidade existente, ou seja, com a cultura profissional presente.

A cultura profissional é o conjunto de representações, símbolos, significados,

práticas que são partilhadas pelo grupo de professores e que participam da determinação de

seu ser e fazer docente, em função da própria construção histórica desse ofício. Ela pode ser

de profissionalismo ou de proletarização (CONTRERAS, 2002), de técnico aplicador ou de

intelectual crítico e reflexivo (PÉREZ GÓMEZ, 1995), de individualismo ou de colegialidade

(HARGREAVES, 2000).

Não é recomendável pensar numa cultura de profissionalidade docente sem

relacioná-la com as atuais condições de formação inicial e continuada, carreira, trabalho e

vivência institucional dos professores na escola. Considerar a profissionalidade isoladamente

poderá conduzir a conclusões simplistas de que “os professores brasileiros não sabem ensinar

2 Nesse momento, estaremos utilizando os termos como sendo sinônimos. Contudo, há que haver o cuidado com

referências usuais de profissionalismo que podem desvirtuar o sentido pretendido, numa acepção de

racionalismo e controle, na qual as características em questão seriam externamente definidas como um

“receituário” que os professores deveriam esforçar-se para incorporar. 3 Para Zeichner (1995) os professores precisam ser reflexivos para não apenas conhecer os objetivos de seu

ensino e direcionar sua prática para eles, mas também para que participem na definição dos mesmos, não

restringindo seu processo reflexivo à sala de aula, mas abordando, já na saída, o contexto macro e os

condicionantes e determinantes da prática educativa em nível escolar.

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e ponto”, tal como afirmou Paulo Renato de Souza enquanto Ministro da Educação4. Não se

trata também de contrariar o princípio do profissionalismo mas de contextualizá-lo no

cotidiano na escola.

De fato, os estudos sobre a profissão e a formação docente mostram que a construção

de práticas educativas novas e diferenciadas na escola pública passa pelo posicionamento

profissional crítico e reflexivo do professor. E essa identidade profissional, por sua vez,

pressupõe ação colegiada e partilha profissional no interior da escola e da profissão. Fullan e

Hargreaves (2000, p. 128) asseveram que “trata-se de uma responsabilidade individual e

coletiva” e explicam:

Responsabilidade individual significa que „toda a ação gera conseqüências que o ator, eventualmente, enfrentará‟ (Naisbitt e Aberdene, 1990, p. 298).

Toda a pessoa é responsável pelo que faz, embora não isoladamente: „Os

indivíduos buscam a comunidade; os que evitam a responsabilidade costumam se esconder no coletivo‟ (Naisbitt e Aberdene, 1990, p. 300).

(ibid.)

Zeichner (1993), por sua vez, defendeu a necessidade da instituição de “comunidades

de aprendizagem” e, ao explicar que a reflexão é uma prática social, pontuou:

Existe aqui a tentativa de construir comunidades de aprendizagem, nas quais os professores apoiam e sustentam o crescimento uns dos outros. Quanto a

mim, este compromisso tem um valor estratégico importante para a criação

de condições visando a mudança institucional e social. Não basta atribuir-se individualmente poder aos professores, que precisam de ver a sua situação

ligada à dos seus colegas. (op cit., p. 26).

O processo de refletir sobre a prática e a conseqüente mudança cultural são um ato

dialógico do sujeito consigo mesmo, mas também, essencialmente, dele com seus pares, no

coletivo institucional. Assim, já que a reflexão não se configura como ação contemplativa,

mas pressupõe decisão e ação (em conseqüência da conscientização que o movimento de

teorizar sobre a prática e, à luz dela criticar teorias), ela não pode ser um processo com fim

em si mesmo, nem uma cultura que possa ser instituída isoladamente, pois pressupõe atuação

institucionalizada e colegiada.

4 PASSOS, J. M. Paulo Renato: professores não sabem ensinar. O Globo, Rio de Janeiro, 20 jul. 2000. 2. ed., O

País, p. 15.

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Não por acaso, então, a produção de muitos autores passou do campo da formação de

professores para a interlocução com as áreas da sociologia das instituições, organização e

gestão escolar, num movimento frutífero de desenvolvimento interdisciplinar dos campos do

conhecimento. Passam a circular, no meio acadêmico, discussões sobre o que, dentre outros,

Fullan e Hargreaves (2000) designaram como “escolas aprendentes” e Alarcão (2001) como

“escola reflexiva”.

Alarcão (ibid, p. 25-26) define com integralidade a idéia de escola reflexiva:

Tenho designado por escola reflexiva uma „organização (escolar) que continuamente

se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com

o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo

e formativo‟ [...]. Se, como dizia Habermas, só o EU que se conhece a si próprio e

questiona a si mesmo é capaz de aprender, de recusar tornar-se coisa e de obter a

autonomia, eu diria que só a escola que se interroga sobre si própria se transformará

em um instituição autônoma e responsável, autonomizante e educadora. Somente essa escola mudará o seu rosto.

Uma escola assim concebida pensa-se no presente para se projetar no futuro. Não

ignorando os problemas atuais, resolve-os por referência a uma visão que se

direcione para a melhoria da educação praticada e para o desenvolvimento da

organização. Envolvendo no processo de mudança todos os seus membros,

reconhece o valor da aprendizagem que para eles daí resulta.

É uma escola que se assume como instituição educativa que sabe o que quer e para

onde vai. Na observação cuidadosa da realidade social, descobre os melhores

caminhos para desempenhar a missão que lhe cabe na sociedade. Aberta à

comunidade exterior, dialoga com ela. Atenta à comunidade interior, envolve todos

na construção do clima da escola, na definição e na realização do seu projeto, na

avaliação da sua qualidade educativa. Consciente de sua diversidade pessoal, integra espaços de liberdade na malha necessária de controles organizativos. Enfrenta as

situações de modo dialogante e conceitualizador, procurando compreender antes de

agir.

[...] uma escola reflexiva, em desenvolvimento e aprendizagem ao longo de sua

história, é criada pelo pensamento e pela prática reflexivos que acompanham o

desejo de compreender a razão de ser da sua existência, as características da sua

identidade própria, os constrangimentos que a afetam e as potencialidades que

detém. Necessita ter uma visão partilhada do caminho que quer percorrer e refletir

sistemática e cooperativamente sobre as implicações e as conseqüências da

concretização dessa visão.

Assim, a questão se apresenta muito mais ampla do que a sensibilização para uma

formação reflexiva a ser desencadeada nas formações inicial e continuada no espaço escolar

ou para a cultura profissional daí decorrente, firmando atitudes de profissionalismo. A

problemática se mostra permeada, também, pelo modo como a escola se organiza diante

do processo de formação reflexiva e da mudança que dela decorre naturalmente; como

na escola participam os diferentes sujeitos e, em especial, os professores e gestores; qual

a lógica de ação que se faz subjacente aos processos escolares e que parece dificultar a

reflexão sobre a prática voltada à solução de problemas e à realização de mudanças

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necessárias. Trata-se de estabelecer, no interior da escola, uma estrutura organizacional capaz

de fomentar e permitir que aqueles que fazem surgir as primeiras iniciativas individuais

encontrem “solo fértil” para ressoar.

Para Fullan e Hargreaves (2000, p. 129), a conquista do profissionalismo interativo

(na escola aprendente) implica uma nova atitude mental, novas formas de pensar e agir no

cotidiano. Eles encerram a obra dizendo que “São os indivíduos e os pequenos grupos de

professores e de diretores que precisam criar a cultura escolar e profissional que desejam”.

Alarcão (2001, p. 19), por sua vez, cita a máxima de Paulo Freire – “não se muda a cara da

escola por um ato de vontade do secretário” – e afirma que “É preciso envolver o elemento

humano, as pessoas e, através delas, mudar a cultura que se vive na escola e que ela própria

inculca”. Para tanto, demonstra clara percepção de que a conquista da cultura reflexiva na

escola extrapola as novas tendências de formação de professores e gestão curricular,

reconhecendo que se trata de um novo paradigma organizacional:

Curiosamente, esse movimento veio pôr em destaque a relevância das pessoas como o maior dos recursos. Percebeu-se a importância da sua

formação, da atualização dos seus conhecimentos, do desenvolvimento de

suas capacidades, do seu potencial de trabalho em equipe, da participação ativa como motivação mobilizadora. A participação nas decisões, o direito à

palavra, a capacidade de responsabilização e avaliação foram assumidos

como imprescindíveis. Simultaneamente, o desenvolvimento científico dos conhecimentos sobre gestão permitiu sistematizar um conjunto de

características próprias de uma organização dinâmica, aberta, flexível

e,como afirma Senge (1990), „aprendente‟. (op. cit., p. 28).

A mera concordância com o mote da escola que reflete e aprende coletivamente não

garante aprendizagem coletiva e desenvolvimento institucional. É preciso identificar

caminhos para fazê-la realidade no cotidiano, o que diz respeito a valores e crenças forte e

inconscientemente presentes no universo simbólico da escola, refletidos em práticas

historicamente assimiladas e, na maioria das vezes, não analisadas criticamente: a cultura da

escola.

O estudo da cultura escolar aparece ligado e em paralelo a discussões sobre a

natureza institucional da escola, a história das instituições e de seu cotidiano, a organização

escolar, as reformas e inovações na escola, a crise da escola e a necessidade de mudança, os

estilos de organização, o desenvolvimento institucional calcado em tecnologias como o

projeto político pedagógico, a avaliação institucional e a formação de professores, a gestão e a

política educacional. Por esse motivo, pode-se também localizar denominações diferenciadas,

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como cultura escolar, cultura da escola, cultura organizacional escolar, cultura institucional

escolar, conforme o campo de origem do pesquisador.

Identificamos em Viñao Frago (1998) uma forte referência para a compreensão da

cultura escolar. Atuando centralmente no âmbito da história da educação, o autor apóia nessa

área suas produções sobre alfabetização, gestão, espaços e tempos escolares e reformas, sendo

que é diante dessas produções que defende a importância do estudo e compreensão da cultura

escolar.

Ao apontar o fracasso das reformas promulgadas pelos sistemas de ensino e sua

incapacidade de gerar mudanças na escola, Viñao Frago (1998) parte de princípios como os

de mudanças geradas pela própria escola, a escola como centro de mudança, a gestão baseada

na escola, a reestruturação escolar e da cultura de trabalho dos professores (reculturação) para

apontar a necessidade de um novo pensar e fazer docente, que alavanquem uma nova cultura

escolar. Para o autor, seu desconhecimento e falta de análise impedirão a realização de

qualquer tipo de inovação, motivo pelo qual a questão reside em conhecer os fatores que

levaram ao estabelecimento da cultura de escola que aí está e, conhecendo-a

profundamente, perpetuar o que ainda hoje se mostra válido e reestruturar por

superação aspectos que se contrapõem às questões que a escola atual precisa enfrentar.

A cultura escolar é vista como um conjunto de teorias, princípios ou critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo no seio das

instituições educativas. Trata-se de modos de pensar e atuar que

proporcionam estratégias e pautas para organizar e levar a aula, interatuar com os companheiros e com outros membros da comunidade educativa e

integrar-se na vida cotidiana do centro docente. Destes modos de pensar e

atuar constituem-se, em certas ocasiões, rituais e mitos, porém sempre se estruturam em forma de discursos e ações que, junto com a experiência e

formação do professor, lhe servem para levar a cabo sua tarefa diária. Uma

visão mais ampla da cultura escolar distinguiria entre a subcultura acadêmica

e dos professores e outras tais como a dos alunos e, quanto aos alunos com suas estratégias e ritos, e como grupo social dentro e fora do centro docente

– e a dos pais ou famílias como, do mesmo modo, suas expectativas e

estratégias ante e no sistema escolar. (op cit., p. 2).

Importante é perceber que a cultura escolar, ao mesmo tempo em que exerce papéis

positivos como o de fornecer referências, pode dificultar a concretização de mudanças

necessárias para a construção de um novo modelo de sociedade, se os valores, significados e

práticas partilhados pelos professores (muitas vezes inconsciente ou acriticamente

assimilados) representarem obstáculos diante das demandas sociais. Nesse caso, a cultura

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escolar estaria exercendo um papel conservador central sobre o modo como as práticas de

ensino se realizam.

Por outro lado, a cultura escolar não está dada nem é definitiva, pois se reconstrói

dinamicamente (mesmo que numa dinâmica lenta) à medida que sofre influência da natureza

do trabalho educativo escolar, das necessidades que se impõem à escola, dos

constrangimentos vividos, da ação dos sujeitos que dela “se alimentam” e sobre ela interferem

em função de seus próprios conhecimentos e cultura profissional. Não é, então, uma definição

estática, tendo seus caracteres também determinados por sua estrutura material e

organizacional e a conseqüente relação mantida com o sistema educacional e o meio social.

Assim, o sistema simbólico escolar – com seus símbolos e significados, com sua

forma e conteúdo, com todo o aparato escolar e o que se espera que ele represente – atua ora

referendando e contribuindo para a continuidade da escola, ora questionando e modificando a

realidade dada, o que traz para a pesquisa sobre essa realidade, a necessidade de seu

desvelamento e compreensão face sua importância diante do desenvolvimento institucional da

escola.

2.2 DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Tendo em vista o quadro apresentado, definimos o problema nos seguintes termos:

Quais os elementos (instituídos e instituintes) da cultura escolar de escolas de

ensino fundamental, segundo segmento, da rede pública estadual de ensino de Ponta

Grossa?

Dessa questão desdobraram-se outras, menores:

Quais os rituais legitimados pela escola enquanto comunidade com uma cultura

própria?

Que elementos/aspectos/crenças são consensualizados e influenciam/induzem

comportamentos e ações?

O que, da cultura da escola, é historicamente ordenado (reavaliado e sancionado)?

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A cultura escolar tem atuado de modo a manter a ordem e a estabilidade (legitimado

ações), ou tem levado à criação de poder e disseminação da discórdia?

Existem movimentos transformadores no interior da cultura? Qual seu impacto sobre

a função social da escola e as políticas internas?

A cultura da escola tem permitido/contribuído para o desenvolvimento institucional

da escola?

Diante da problemática configurada, definimos como objetivos:

- construir referenciais que sustentem o desvelamento da cultura escolar;

- conhecer e compreender a cultura de escolas públicas de educação básica em

seus pólos instituído e instituinte;

- apontar sugestões para o trabalho das escolas em vista da importância de que

estas tomem consciência de seu sistema simbólico, experimentem estratégias em

vista da transformação da cultura existente (tornando-a coerente com os atuais

desafios da educação contemporânea) e, por fim, consolidem as transformações

iniciadas.

O trabalho em função da problemática e objetivos de pesquisa encontrou

sustentação nos seguintes pressupostos, formulados com base na literatura especializada

e na trajetória profissional da pesquisadora:

a) A escola é uma espécie de “trilogia”, embora a visão mais forte que se tenha

dela seja a material. É composta por um universo educacional, conjunto de

idéias e ideais convencionados sobre os sentidos, papéis e funções da educação

escolar, que se faz omnipresente na forma de ideologias, convenções e

expectativas que pressionam seu fazer educativo. Ao mesmo tempo, a escola é

também o coletivo de pessoalidades, os sujeitos que se defrontam com todo o

universo educacional global que a eles se apresenta ora aceitando-o e

incorporando-o, ora negando-o ou alternando-o. Por fim, a escola é o conjunto

de elementos estruturais (tempos, espaços, currículos, recursos e demais

artefatos) e organizacionais (papéis, funções e as estruturas de trabalho,

comunicação e participação que desencadeiam e viabilizam) que realizam uma

espécie de mediação entre o ideário educacional (que „em tese‟ deveriam

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refletir) e a prática educativa concretizada pelos sujeitos do espaço escolar (a

partir de suas concepções, valores, interesses, expectativas, necessidades e

saberes), interpondo-se aos sujeitos e funcionando como um regulador de suas

ações e, ao mesmo tempo, sendo por eles subvertidos.

b) Enquanto construção humana, os processos educativo-pedagógicos da escola

expressam não apenas códigos sociais, mas especialmente um sistema simbólico

sobre o processo de educar, atribuindo-lhe sentidos bastante específicos e

diferenciados em relação às demais práticas educativas que se operam na

sociedade global. Existem “idéias” que circulam e se fazem presentes,

representando aquilo que se deve ser ou fazer, idéias convencionadas,

“sagradas”, ou seja, uma cultura escolar.

c) A cultura escolar possui um pólo instituído ou determinado que atua por meio da

tradição e de hegemonias dominantes; o Estado também atua fortemente sobre a

escola, visando com suas ações exercer força instituinte sobre a escola. A escola

possui, também, um pólo instituinte ou determinante que interage com o

primeiro por meio da elaboração de significados diferenciados, de discursos, de

ações micropolíticas originadas pela experiência dos sujeitos, suas estruturas de

sentimentos ou consciência e estes influenciam a instituição e a cultura a fim de

mantê-la nos padrões vigentes ou alterá-la.

d) Na medida em que influencia a identidade da escola, a cultura escolar pode

permitir seu desenvolvimento institucional se voltada para o entorno, a

participação democrática, a formação e aprendizagem dos sujeitos (profissionais

e alunos) e o enfrentamento dos problemas. Do mesmo modo, pode levar a

escola a manter-se fechada diante de movimentos instituintes externos ou

internos, protegendo a tradição hegemônica a despeito de sua validade no

cenário contemporâneo.

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2.3 ELEMENTOS METODOLÓGICOS

2.3.1 Considerações Teóricas

Os pressupostos teóricos que assumimos quando da realização da dissertação de

mestrado, a natureza do problema formulado na tese de doutorado e os objetivos a que nos

propusemos em tal momento impulsionaram-nos a trabalhar na perspectiva da teoria crítica e

dos estudos culturais.

Em “Historia de la educación y historia cultural”, Viñao Frago aponta os estudos

culturais como movimento que tomou conta da tradicional história da cultura. Eles fazem

parte da ampla gama de estudos de natureza qualitativa que se desenvolveram especialmente a

partir da década de 70 e, segundo o autor, constituem um campo interdisciplinar e fluído que

pode abranger desde a cultura material ou dos sentimentos e imaginário, passando por

elementos da história intelectual e alcançando, por exemplo, elementos culturais como os

significados, a linguagem, os sujeitos e suas realidades sociais e, inclusive, as instituições.

Kincheloe e McLaren (2000, p. 3) situam os estudos culturais como pertencentes não

apenas à pesquisa qualitativa, mas também à teoria crítica, uma modalidade de teoria social

que congrega intelectuais e pesquisadores preocupados com questões como a igualdade, a

democracia, a independência e a justiça, utilizando-se de “pós discursos” – pós-modernismo,

pós-estruturalismo, feminismo crítico – por entenderem que “a visão das pessoas sobre elas

mesmas e sobre o mundo é mais influenciada por forças históricas e sociais do que se

acreditava previamente”.

Salientando que não há uma unidade consensual entre as diferentes escolas críticas (a

tradição neo-marxista associada à Escola de Frankfurt; os escritos genealógicos e pós-

estruturalistas de Foucault, Derrida, Lyotard e outros; hermenêuticos críticos que se

fundamentaram na noção de auto-produção de Dewey e Gramsci e reconhecem que a

interpretação do pesquisador é historicamente situada, em constante mudança e sofre

influência cultural e ideológica; pensadores latino-americanos como Paulo Freire e/ou sócio-

lingüistas como Baktin e Vygotsky...) e que a teoria crítica não deve ser tomada como uma

“gramática universal do pensamento revolucionário”, Kincheloe e McLaren (ibid) ressaltam

que há elementos comuns entre as escolas críticas, mas que não se deve ter pretensão de

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homogeneizá-las. Para os autores, um criticalista é “um pesquisador ou teórico que tenta usar

seu trabalho como forma de crítica social e cultural” (op cit., p. 12). Afirmam eles que

a pesquisa crítica pode ser melhor entendida num contexto de „dar

poder a indivíduos‟.[...] Um problema que aspire ser crítico, precisa estar conectado com uma tentativa de se confrontar com a injustiça de uma

sociedade particular ou uma esfera pública dentro da sociedade. (op cit., p.

10, grifo nosso).

Em termos metodológicos, a obra “A nova histórica cultural”, organizada por Lynn

Hunt, é marco contributivo, em especial nos capítulos em que são discutidas as contribuições

de Geertz e Thompson.

No estudo da cultura, é quase uma unanimidade a relevância daquilo que Geertz

(1989) designou como “descrição densa”. Fazer uma análise cultural requer riqueza não

somente em termos materiais, mas em termos de sentidos; cada texto cultural (um fato, uma

ação) deve ser compreendido em suas dimensões exterior (o que pode ser descrito) e interior

(significados), em sua particularidade. O objeto cultural deve ser, então, captado de modo que

cruze elementos reais com elementos simbólicos, já que ambos constituem a realidade. A esse

respeito, asseverou Geertz: “O real é tão imaginado quanto o imaginário”.

No que tange à particularidade a que nos referimos acima, esse parece ser – do ponto

de visto dos críticos – o ponto fraco do autor, que busca em sua obra a descrição e não a

explicação e a generalização. A esse respeito, Biersack (2001, p. 108) aponta que “O

significado é descrito, nunca inferido” e explicita que justamente a despreocupação de Geertz

(1989; 1999) em explicar é que o leva a desconectar sua interpretação das realidades políticas,

econômicas e estratificadoras que envolvem os homens. Para reafirmar sua análise, cita a

crítica de Keesing quando este reclama que Geertz

mantém-se particularmente silencioso sobre o modo pelo qual os

significados culturais sustentam o poder e o privilégio. Na verdade, em nome do relativismo cultural ou do desprendimento interpretativo, a maior parte

dos antropólogos simbólicos tem-se mostrado estranhamento cego às

conseqüências políticas das culturas enquanto ideologias e seu caráter localizado enquanto justificações e mistificações de um status quo carregado

de história local. Onde as feministas e os marxistas encontram opressão, os

simbolistas encontram significado. (KESSING apud BIERSACK, 2001, p.

110).

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Assim, sem desprezar a relevância de que no estudo da cultura sejam captados os

sentidos “em jogo” no texto cultural, encontramos na proposta dos estudos culturais ingleses,

representados centralmente por Thompson, Williams e Hall (este um dos fundadores e ex-

diretor do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, em Birmingham) orientações

importantes. As contribuições de Thompson em termos metodológicos podem ser vistas em

Desan (2001) e dizem respeito à necessidade de se considerar as transformações históricas, a

particularidade contextual5 e o cuidado empírico. A tradição teórica do autor leva-o a reiterar

a importância de uma consciência marxista sobre a luta de classes.

Desan (ibid.) também argumenta que Thompsom nega a existências de leis

universais que subordinariam o sujeito (tal como todo teórico cultural) motivo pelo qual

demonstra a necessidade de captar a experiência dos sujeitos para compreender a consciência

(sentidos) que estes desenvolvem. Como os sentidos ou a consciência que se produzem por

meio da experiência, a cultura funciona, então, como mediadora das relações sociais; e a

comunidade, por sua vez, tem suas estruturas sociais mediadas por ela, havendo um

“consenso comunitário”: uma concepção comunitária que é por esta compartilhada e que

induz à ação e influencia normas de comportamento. Surgem, daí, outros elementos também

importantes: a consciência ou sentidos que nascem da experiência dos sujeitos e os consensos

comunitários.

Em se tratando especificamente da cultura escolar, Viñao Frago (1998) situa a

relevância de seu estudo justamente na ruptura ou divergência que pesquisas – qualitativas,

críticas e culturais – estabelecem às metanarrativas estruturalistas. Segundo o autor,

A consideração da escola – entendendo este termo em um sentido amplo –

como um aparato de reprodução social, ou como um mecanismo idealizado e

imposto por uns grupos sociais a outros, com fins de dominação ideológica /

cultural, oferecia em alguns casos uma imagem do sistema educativo e da organização escolar como um todo uniforme e coerente, sem fissuras nem

contradições, e sem capacidade para gerar uma cultura interna específica,

relativamente autônoma e explicável a partir dela mesma, que inclusive impusera ao resto da sociedade umas pautas e comportamentos que só

5 Para Frow e Morris (2006, p. 321), nos estudos culturais, a noção de particularidade é avaliada [...] não [...] em

oposição a outro registro considerado “geral” ou “universal”. Assim, [...] um modelo geral para encontrar as

especificações locais dos objetos culturais torna-se possível precisamente quando deslocamos nossa atenção em

direção à “determinação de objetos culturais particulares por meio de sua situacionalidade pragmática e empírica

(ou seja, sua situa-cionalidade acidental)”. [...] Recentemente, teóricos culturais [...] têm empregado o termo singularidade para designar um “modo de existência que não é nem universal (isto é, conceitual), nem particular

(isto é, individual)” [...], sua singularidade é precisamente o que “impede um conjunto de coincidir inteiramente

com sua categoria de identidade” (p. 123-124), na qual a identidade é entendida como uma propriedade comum

que diferencia um grupo.

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podiam ter origem e explicar-se a partir do sistema escolar, um mundo com

suas próprias exigências. (op cit., p. 1).

Quatro eixos ou enfoques são sugeridos pelo autor (ibid.) para o estudo da cultura

escolar: os sujeitos (professores, gestores, alunos, famílias), com ênfase para as questões de

formação, seleção e carreira docente; os discursos, linguagens ou modos de comunicação,

observando inclusive de que modo a modificação de tais modos de comunicação vem

alterando a cultura escolar; as práticas que se desencadeiam na escola, dentro ou fora da sala

de aula, explicitando uma forma particular de conduzir situações, realizar tarefas, interagir e

atuar, gerados na escola e por meio dela, que são interiorizados por professores e alunos

automaticamente, sem reflexão; e, por fim, a instituição, o sistema educativo e sua

organização escolar, em vista da cultura que aí se gera, por meio tanto da influência que o

sistema educacional coloca sobre a escola, das conformações que a organização escolar

adotada suscita, quanto dos sentidos que as referidas práticas despertam.

Uma vez eleito o eixo ou aspecto institucional pretendido no estudo da cultura

escolar, Vinão Frago (1998) explicita sua proposta para a abordagem do mesmo, defendendo

a triangulação entre a prática escolar, a política educacional e as teorias expressadas por

pesquisadores, pedagogos ou professores. O autor afirma:

A cultura escolar é institucional e institucionalizada. [...] Os aspectos organizativos e institucionais contribuem, assim, a conformar uns ou outros

modos de pensar e atuar e, por sua vez, estes modos conformam as

instituições em um outro sentido. É esta interação entre o institucional e o

organizativo e o cultural que se tem de estudar. Como? Analisando, em princípio, as tendências e forças internas – institucionais – que geram os

sistemas educativos em função de sua estrutura e configuração, assim como

o sistema normativo, imposto tanto de fora da instituição escolar, como de uma constrição maior da realidade externa. Porém também, sobretudo,

atendendo a aqueles aspectos institucionais do mundo escolar que são

substanciais ao mesmo. [...] Estes [...] aspectos nos conduzirão de cheio [...] a um enfoque que me parece sumamente útil para a análise da cultura

escolar: o da confrontação entre a teoria, a legalidade e as práticas. (op cit.,

p. 8, grifo nosso).

Em diferentes trabalhos Viñao Frago insiste em alertar que teorias, normas legais e

práticas escolares não combinam perfeitamente, embora não deixem de apresentar elementos

de influência e pertencimento recíproco; assim, se todos eles concorrem para conformar o que

se denomina cultura escolar, precisam ser confrontados entre si.

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Teorias são as propostas que emanam de especialistas, intelectuais, gestores em nível

de sistema ou em nível escolar, pedagogos e/ou professores, e se expressam em termos de

propostas de reforma. Podemos dizer que elas representam um ideário educacional, talvez

expressão do que se acredita ser melhor ou necessário em termos de política e prática

educacional. Normas ou aspectos legais são o que efetivamente se normatiza a partir da teoria

expressada, fruto de movimentos intensos nos quais grupos com diferentes interesses opinam,

negociam e geram, por fim, decisões políticas. A dimensão escolar ou da prática diz respeito

às idéias, fatos, objetos, práticas, modos de dizer, fazer e pensar construídos pelos sujeitos

também a partir das teorias e legalidades. Na prática escolar, muitas teorias e normas legais

são aceitadas ou negadas, e práticas e processos educacionais por elas não previstos

continuam a existir, persistindo a despeito de seu reconhecimento teórico ou legal.

Finalmente – e de acordo com preceitos de estudos culturais – o confronto entre

essas três dimensões precisa se dar à luz do contexto social e histórico mais amplo, pois a

análise da realidade externa funciona, muitas vezes, “como limite ou possibilidade para o

proposto, legislado” (VIÑAO FRAGO, 1998, p. 14) ou praticado.

2.3.2 Considerações Metodológicas e Estruturação da Tese

Consideramos que nossa própria prática foi a referência inicial para a pesquisa, não

apenas pelos estudos que tivemos a oportunidade de realizar, mas especialmente pela

experiência no campo do trabalho pedagógico que desenvolvemos no interior da escola

pública, a qual suscitou questões continuamente reforçadas no contato com professores e

pedagogos em momentos nos quais conduzíamos processos de formação em serviço.

A intelectualização do problema de pesquisa durante a elaboração do projeto levou-

nos a buscar bases teóricas que auxiliassem a compreendê-lo e situá-lo. Também a dificuldade

sentida para delimitar a dimensão cultural frente aos processos organizacionais contribuiu

para que iniciássemos os trabalhos por meio da pesquisa bibliográfica, fundamental à

construção de um quadro teórico destinado a subsidiar o processo de reflexão, guiar e

esclarecer o olhar sem, contudo, sobrepor-se à realidade única e singular em estudo. Também

Pérez Gómez (2001, p. 67) apresenta tal compreensão, pois ressalta que “os conhecimentos

teóricos são concebidos como ferramentas conceituais que adquirem sua significação e

potencialidade dentro de um processo discursivo de busca e intervenção na realidade; são

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instrumentos para enriquecer a deliberação”. O presente capítulo então, sendo o primeiro

(Cap. 1) encarrega-se de situar o leitor na tese, revelando tal caminho trilhado.

A pesquisa bibliográfica se fez refletir especialmente em dois capítulos teóricos da

tese e, depois, de modo articulado, nos dados e reflexões. Assim, no Capítulo 2, a intenção de

abordar elementos para uma agenda educativo-escolar face à sociedade contemporânea, o

estabelecimento de uma discussão sobre conceitos de escola localizados e a conseqüente

constatação de que estes indicavam elementos diferenciados – materiais (o prédio, o espaço),

legais (o estabelecimento de ensino), institucionais (o lócus de formação e desenvolvimento) e

relacionais (o ambiente no qual professores e alunos interagem; o palco de uma dinâmicas e

conflitos) –, levou-nos a trabalhar com a questão escolar por meio da teoria institucional.

René Lourau (1996) é um dos principais nomes em termos de análise institucional.

Sua conceitualização de instituição fundamenta-se na dialética hegeliana, levando-o a

demonstrar a instituição por suas dimensões universal, singular e particular, as quais

interagem dialeticamente.

Afirmar a dialeticidade da instituição é afirmar que ao mesmo tempo em que ela

possui um prisma posto ou instituído, possui também outra faceta, instituinte, em permanente

movimento.

Na tese, os movimentos instituídos da instituição são explicados por meio de três

teorias: o imaginário radical, de Cornélius Castoriadis; o discurso do sujeito como exercício

de saber-poder, de Michel Foucault; e as ações micropolíticas dos sujeitos, de Stephen Ball.

Da configuração da escola como instituição instituída e instituinte, passamos às

elaborações conceituais sobre a própria cultura, uma articulação natural, pois, tal como

assevera Viñao Frago (1995, p. 68),

Afirmar que la escuela – entendido este término em su sentido amplio – es

uma institución, e uma obviedad. También lo es decir que existe uma cultura escolar. Precisamente porque la escuela es uma institución es por lo que

podemos hablar de cultura escolar, y viceversa.

De fato, foi tal constatação que nos levou aos estudos culturais, na medida em que

estes, por sua vez, situam a cultura não apenas como ideação romântica, nem como simples

reflexo da estrutura material, mas como produto e processo que sofre influências de ordem

social, política e material e, ao mesmo tempo, também atua sobre elas, num movimento de

forças plurais onde aspectos materiais e simbólicos interagem.

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Assim, introduzimos o Capítulo 2 argumentando que quando se tem a intenção de

estudar dialeticamente a escola, tanto a abordagem cultural como a política se mostram

viáveis, podendo ser até mesmo utilizadas de modo articulado, já que os próprios estudos

culturais apontam como necessário o cruzamento de toda produção simbólica com o contexto

macro ou de grandes políticas.

Tendo nos definido pela abordagem cultural (e política), demonstramos como

Raymond Williams, ao explicitar a evolução histórica dos conceitos de civilização e cultura,

denominou-a de concepção “convergente”, justamente porque contempla elementos que

extrapolam os aspectos materiais.

É a concepção convergente de cultura que torna os estudos culturais passíveis de

articulação com a abordagem institucional, pois é por meio de processos inerentes ao sujeito

(como a estrutura de sentimentos originários da experiência no social) que se pode explicar a

força política da cultura, a qual se torna instituinte ou constitutiva face à realidade social e

histórica. Então, também explicitamos no Capítulo 3 os processos culturais centrais (o

processo de constituição da tradição e da hegemonia dominante e seu papel; o rompimento da

tradição e o surgimento de hegemonias alternativas) visando a permitir, em seguida, uma

interpretação cultural para a vida institucional.

Para essa tarefa, trouxemos alguns dados teóricos sobre a cultura da escola,

intencionando demonstrar, em especial, como esta atua fazendo-se instituinte (cooptadora)

sobre os sujeitos pela força da tradição e, ao mesmo tempo, instituída e em permanente

reconfiguração através da ação instituinte que sobre ela é exercida (pelos sujeitos/grupos, pela

sociedade e pelo próprio Estado), como também das pressões que a natureza do trabalho

institucional e a organização existente lhe impõem.

Nosso argumento final – de que o pleno alcance da função social da escola implica

seu desenvolvimento institucional – será feito em forma de síntese do capítulo, pois ao

relacionar o alcance do desenvolvimento institucional da escola à sua cultura (ou à

necessidade de uma mudança cultural), situa a relevância maior do tema da pesquisa.

Paralelamente à pesquisa bibliográfica desenvolvemos também uma pesquisa em

campo, pois entendemos que para conhecer as práticas que se travam no interior da escola e

captar os sentidos construídos pelos sujeitos – professores e gestores da escola pública de

ensino fundamental – seria necessário estabelecer uma inserção in loco e construir uma

descrição detalhada dos dados coletados.

Escolhemos escolas da rede pública estadual de ensino fundamental (2º. segmento)

do município de Ponta Grossa. Inicialmente, solicitamos a um professor que atuava junto ao

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Núcleo Regional de Educação (NRE) da cidade que nos indicasse escolas que pudessem

contribuir para a pesquisa na medida em que tivessem “algo a dizer”; assim, nos foram

indicadas inicialmente cinco escolas que, para o sistema de ensino local, destacavam-se

positivamente dentre as demais pertencentes à Rede. Mais tarde, viemos a perceber a grande

“entrada” ou aceitação dos diretores das escolas pesquisadas junto ao Núcleo Regional de

Educação (NRE) que os considera sérios e responsáveis, assim como as respectivas escolas;

Acreditamos que esse foi um fator decisivo quando da indicação feita por eles para a escolha

das amostras da pesquisa.

Visitamos as escolas indicadas e apresentamos nossos objetivos de pesquisa, tendo

sido bem recebida por todos os diretores. Contudo, em duas delas os diretores informaram não

poder autorizar a pesquisa sem antes consultar os pedagogos e professores. Nessas duas

escolas recebemos, em seguida, a negativa da pesquisa justificada, num caso pela não

aceitação de uma pedagoga e, em outro, pela não aceitação dos professores, que temiam

sentir-se constrangidos serão serem observados no dia-a-dia de trabalho.

Iniciamos a pesquisa de campo com três escolas, observando reuniões pedagógicas.

É interessante é destacar que nessas escolas nas quais permanecemos fazendo a pesquisa, a

autorização foi imediata e dada pelo diretor, sem nenhum tipo de consulta a outros

profissionais da escola. Contudo, assim que iniciamos a abordagem a campo, percebemos ser

muito grande a amostra em vista da quantidade de dados que se nos apresentavam e, por esse

motivo, acabamos por permanecer apenas em duas das três escolas, as quais denominamos

como Escola do Vale e Escola da Gema.

Para estudar a cultura da escola, buscamos perceber as representações e sentidos

construídos pelos sujeitos sobre os motivos do trabalho escolar, as atitudes comuns no

cotidiano, as formas de se abordar os problemas e encaminhar necessidades, as relações

profissionais travadas, a política interna, enfim, a dinâmica de funcionamento da escola.

Assim, vimos ser possível e necessário coletar os dados através de observações participantes,

entrevistas e análise documental. A intenção foi a de imergir no ambiente escolar para

aprender com a realidade que lá se encontra.

A observação participante apresenta-se como um dos procedimentos de coleta de

dados mais coerentes com a abordagem qualitativa e os estudos culturais, pois sendo a cultura

escolar um construto simbólico, muito de sua natureza poderá ser captada pelos discursos,

práticas e atitudes observados. Assim, visualizamos nessa estratégia um instrumento viável

para se captá-la in loco, motivo pelo qual estivemos presentes nas escolas pesquisadas entre

julho de 2006 a dezembro de 2008 em períodos, momentos, datas e situações variadas.

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Considerando nosso foco nas questões da organização escolar, mantivemo-nos nos

espaços coletivos (sala de professores, sala de hora-atividade, sala das pedagogas, secretaria,

biblioteca, pátio, etc.) acompanhando o trabalho das equipes de gestão (diretores, vice-

diretores, pedagogas), secretárias e professores em hora-atividade, recreio, entrada e saída de

aulas; nesses momentos, interagimos com os sujeitos, muitas vezes conversando com eles

sobre as situações que ora se apresentavam. Participamos também de reuniões pedagógicas,

conselhos de classe e momentos festivos, como a comemoração de aniversários.

Inicialmente nossa inserção teve um caráter mais exploratório, visando captar

globalmente a realidade que se nos apresentava. A partir das primeiras impressões surgidas

bem como do avanço conceitual que obtínhamos por meio das leituras, organizamos um

roteiro de observação que guiou nosso olhar durante o processo de observação. Os dados da

observação participante foram anotados em diários de campo.

O uso de entrevistas com professores e gestores, por sua especial relevância na busca

dos sentidos construídos pelos sujeitos, permitiu aprofundar e retomar aspectos por nós

observados no dia-a-dia das escolas, comparando ambos os aspectos, confrontando-os e

atingindo, desse modo, uma visão mais clara sobre as questões. Assim, a partir de roteiro

estruturado, entrevistamos as equipes de gestão (diretores, vice-diretores e pedagogas) e

professores (oito da Escola da Gema e cinco da Escola do Vale). Os professores foram por

nós escolhidos dentre aqueles que compunham o quadro permanente das escolas, atuavam

nelas há pelo menos dois anos e demonstravam maior atitude de participação e envolvimento

nas situações cotidianas que acompanhávamos. As entrevistas foram realizadas nas próprias

escolas, em geral durante a hora-atividade dos professores e hora de trabalho dos gestores;

elas foram gravadas e transcritas.

No que tange à análise documental, examinamos documentos oficiais das escolas –

projeto político-pedagógico, livros de registros e fichas/atas de conselho de classe – que

julgamos expressar os valores e crenças existentes e a dinâmica impressa ao cotidiano e

documentos da política educacional – Plano Estadual de Educação, Caderno de Apoio à

Elaboração de Regimentos Escolares, resoluções, decretos e orientações formuladas pela

SEED, direcionadas a estruturar o trabalho pedagógico da escola, tanto em termos da atuação

das equipes de gestão (diretores, vice-diretores e pedagogos) como em termos das tecnologias

pedagógicas de gestão (projeto político-pedagógico, formação continuada de professores,

avaliação institucional).

Conforme os pressupostos dos estudos culturais, a interpretação e análise de dados

requerer que, a partir da definição do aspecto institucional visado, desenvolva-se um trabalho

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de cruzamento ou “triangulação” que confronte tais elementos empíricos (prática) com as

políticas existentes (normalização) e as teorias (presentes muitas vezes nos próprios textos das

políticas educacionais), as quais expressam, se não as concepções dos professores, as de

pedagogos, gestores educacionais e pesquisadores/intelectuais.

Desse modo, dentre os eixos ou aspectos institucionais propostos por Viñao Frago

(1998) (os sujeitos; os discursos, linguagens ou modos de comunicação; as práticas e a

instituição), optamos pelo aspecto da instituição, por considerá-lo coerente com nosso

problema e objetivos de pesquisa, já que prevê apreender a relação entre o sistema educativo e

a organização escolar e, nesse movimento, captar a cultura que aí se gera. Os primeiros

exames dos documentos políticos e dos dados colhidos permitiram-nos, por fim, definir o

grande eixo da pesquisa: a gestão do trabalho pedagógico.

O Capítulo 4, então, destinou-se a explicitar a configuração que demos ao conceito

de trabalho pedagógico, demonstrando também por que a gestão (entendida não como o

trabalho ou tarefas do diretor escolar, mas como a participação e envolvimento da

comunidade escolar nos processos decisórios e no encaminhamento do funcionamento

organizacional cotidiano) revelava-se um processo central para a pesquisa.

Em vista da necessidade de explicitar os aspectos políticos que conformam a gestão

do trabalho pedagógico na escola, realizamos também, no Capítulo 4, uma historicização de

como o tema foi conduzido ao longo dos últimos 25 anos no Estado do Paraná, a fim de

identificar como foi gerada a configuração organizacional e de gestão hoje presente nas

escolas. Nessa contextualização histórica, enfocamos de modo especial as políticas voltadas à

gestão do trabalho pedagógico geradas pelo governo atual: a gestão Requião iniciada em 2003

e, atualmente, num segundo mandato.

O Capítulo 5, por fim, apresenta os dados empíricos da pesquisa, colhidos junto às

escolas. Inicialmente, esses dados foram organizados em três eixos (sub-eixos): identidade

institucional (concepções e percepções sobre escola, professor, aluno, comunidade, trabalho

docente, trabalho de gestão); política interna das escolas (desenvolvimento do trabalho

pedagógico, encaminhamentos para a solução de problemas, processos comunicativos,

interação profissional) e tempos escolares (menções feitas sobre a interferência e/ou

valorização dada a esses elementos).

Os três eixos (sub-eixos) serviram para organização didática do pesquisador em

relação aos dados, os quais foram estruturados, no capítulo, em três tópicos que possuem

proximidade com a lógica de gestão do trabalho pedagógico proposta no regimento escolar,

visando a demonstrar como, na escola, tal gestão se desenvolve por meio da participação da

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comunidade lá atendida (comunidade; famílias), por meio da participação de sua comunidade

profissional (equipes de gestão, pedagógica e docente) e sob a influência do tempo escolar

como fator constitutivo, numa análise perpassada pelos elementos gestão e participação. Esse

capítulo é finalizado com uma síntese que intenciona sistematizar os confrontamentos entre os

pressupostos teóricos, a política de Estado e a política interna da escola, desvelando com

maior efetividade, nesse momento, a dialética da instituição e sua cultura.

A intenção continuamente presente foi a de abordar os dados revelando sua dimensão

contraditória e dialética; portanto, elementos de todos os capítulos se entremesclam visando

contextualizar uns aos outros e explicitar, desse modo, a cultura escolar. As reflexões finais,

desse modo, mais do que reapresentar conclusões já estabelecidas em momentos anteriores da

tese, intencionam construir a síntese e revelar a posição da pesquisadora sobre o papel da

cultura escolar conhecida via pesquisa no desenvolvimento institucional necessário à escola

pública.

2.4 AS ESCOLAS

2.4.1 Escola do Vale

Em 1977, um convênio firmado entre os governos federal e do estado do Paraná em

torno do PREMEN – Programa de Expansão e Melhoria do Ensino – resultou na criação da

Escola do Vale, no contexto de implantação da LDB 5692/71.

A Escola nasceu sob uma égide de “escola de qualidade” em vista de representar, na

época de sua criação, reformas em termos arquitetônicos, materiais e curriculares. Desde sua

fundação até o ano de 1998 ofertou o ensino de 5ª a 8ª séries e possuiu, além desse, um

programa especial de formação voltado para atividades nas áreas de técnicas comerciais,

técnicas agrícolas, artes industriais e indústrias caseiras, pelo qual a Escola tornou-se, ao

longo dos anos, bastante conhecida. Paralelamente a estes, em 1990, implantou o ensino de

segundo grau (médio). Atualmente funciona nos turnos da manhã, tarde e noite ofertando no

período matutino 8as séries, ensino médio regular e ensino médio integrado (técnico em meio

ambiente), no período vespertino turmas de 5ª a 7ª série e no período noturno ensino médio

regular, integrado e subseqüente (técnico em meio ambiente).

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A Escola do Vale situa-se em região próxima ao centro da cidade e atende não

apenas da redondeza, mas de várias regiões da cidade; o deslocamento deles para a Escola é

variado, tendo alunos que chegam a pé, de ônibus, com vans ou de carro. De grande porte,

atendeu cerca de 1000 alunos em 35 turmas em 2007, 800 alunos nos turnos da manhã e tarde

e 200 no turno da noite.

O corpo de funcionários é composto de diretora, vice-diretor, cinco pedagogas, uma

coordenadora do curso técnico, duas coordenadoras de estágio, 61 professores, oito

funcionários administrativos, bibliotecária, dez auxiliares de serviços gerais (entre estas a

merendeira e a inspetora de alunos).

A diretora está em sua segunda gestão, não consecutiva. Atua também em sala de

aula, ministrando física no ensino médio. No que tange a sua formação, está concluindo o

mestrado em educação na universidade local. Ela iniciou esse mandato como vice-diretora e

no ano passado, diante do falecimento do diretor, assumiu a direção. Suas 40 horas semanais

de trabalho são distribuídas, em geral, com período matutino integral e final da tarde

emendando com o turno da noite.

O vice-diretor foi escolhido pela diretora e até aquele momento havia atuado apenas

em sala, já que é professor de matemática. Atua na escola no período da tarde pois no horário

da manhã é professor numa escola da rede particular de ensino.

Das cinco pedagogas, quatro atuam na escola já há vários anos, sempre com 20 horas

semanais; três delas também exercem a regência de classe no curso de magistério, em outra

escola. Deste modo há, em cada turno, duas pedagogas.

O corpo docente é bastante variado; conta com um grupo significativo de professores

efetivados na Escola, mas também com muitos professores recém-chegados e até mesmo

iniciantes na carreira. Muitos professores possuem dois padrões de trabalho na escola,

atuando manhã, tarde e/ou noite. Na verdade, o fato da escola possuir um corpo docente

consolidado em termos de carreira contribui para a necessidade de substituições temporárias,

pois a estabilidade e anos de serviço têm lhes permitido licenças especiais e ingresso no Plano

de Desenvolvimento da Educação. Como a escola é relativamente central, eles vêm de

diferentes regiões da cidade, mas há vários que residem nas proximidades.

Na Escola, os 3260m2 de área construída oferecem, para o desenvolvimento do

trabalho didático, biblioteca, dois laboratórios de informática, laboratório de ciências e de

química, auditório, sala de professores, sala de hora-atividade com computador e internet, três

salas para os pedagogos/equipe pedagógica, sala de direção, secretaria, hall, cantina

comercial, refeitório e 3 quadras esportivas, além de mais algumas saletas para guardar

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materiais. Os recursos didáticos disponíveis são aparelho de multimídia e notebook,

retroprojetores, televisores e vídeo/DVD e títulos acadêmicos para professores e de pesquisa e

literatura para os alunos, essencialmente aqueles enviados pela SEED.

Quando a questão é o resultado da aprendizagem escolar, é possível localizar os

mesmos dados já revelados sobre a Escola da Gema: resultados alcançados no AVA, Prova

Brasil e resultado final anual.

No AVA-2000 foram avaliados alunos de 8ª série em Língua Portuguesa,

Matemática e Ciências; as médias obtidas foram 262, 255 e 265, respectivamente, num total

de 500 pontos possíveis. Para a SEED-PR (entidade avaliadora), esses resultados foram

considerados “igual ao esperado” em Língua Portuguesa, “abaixo do esperado” em

Matemática e “acima ao esperado” em Ciências. Esse desempenho pode ser observado de

modo comparativo na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1: Aproveitamento no AVA-2000

Média da Escola Média no Município Média no Estado

8ª S – L. Portuguesa 262 251 250

8ª S – Matemática 255 248 250

8ª S – Ciências 265 253 250

Fonte: Portal Dia-a-Dia Educação da SEED-PR.

Quando a avaliação externa é procedida pelo MEC, por meio da Prova Brasil, e 77%

dos alunos fizeram entre 175 e 275 pontos em Língua Portuguesa e 75% dos alunos fizeram

entre 225 e 350 pontos em Matemática. A média da Escola foi de 230 em Língua Portuguesa

e 257 em Matemática, numa escala que vai de zero a 500. A média comparativa pode ser vista

na Tabela 2, a seguir:

Tabela 2: Aproveitamento na Prova Brasil - 2005

Média da Escola Média no Município Média no Estado Média no País

8 S – L. Portuguesa 230 236 231 226

8ª S – Matemática 257 254 251 241

Fonte: Portal MEC-INEP.

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O aproveitamento escolar também pode ser visto por meio das estatísticas finais, as

quais constatam que em 2006 houve 15,8% de reprovação e 4.1% de abandono, contra 80,1%

de aprovação. Em 2007 a estatística mostrou 14,5% de reprovação e 5,2% de abandono; a

aprovação ficou em 80,3, ao que lembramos tratar-se de dados do ensino fundamental.

O último elemento a ser pontuado refere-se aos recursos financeiros do Fundo

Rotativo; a Escola recebe mensalmente cerca de R$ 2.100,00, sendo que apenas em outubro

esse valor subiu para R$6.560,00; no ano de 2007 foram recebidos R$54.593,32 utilizados em

material de expediente, higiene e limpeza, cozinha e manutenção predial, entre outros.

2.4.2 Escola da Gema

A Escola da Gema iniciou suas atividades em 1984 sob dependência estadual,

ofertando ensino de 1ª a 4ª séries nos períodos da manhã e tarde; em 1990, dada a demanda

pelo ensino de 5ª a 8ª na região, passou a oferecer também esse nível de ensino, no período

noturno. Em 2000, a nova Lei de Diretrizes e Bases e a política de municipalização daí

decorrente foram determinantes para que se desse início ao processo de cessação do ensino de

1ª a 4ª séries, cuja demanda foi absorvida por três novas escolas municipais construídas na

região. Assim, a partir de 2002 a escola passou a ofertar apenas o segundo segmento do

ensino fundamental (5ª a 8ª) em período diurno e, em 2006, implantou o ensino médio no

período noturno.

Está situada em uma região periférica do município de Ponta Grossa, a cerca de 10

quilômetros da região central, num conjunto habitacional que abriga uma população de baixa

renda e é caracteristicamente residencial, sem a presença de indústrias ou estabelecimentos

comerciais de grande porte. Depreende-se que seu surgimento se deu em decorrência da

demanda habitacional da região e do Plano Diretor da Cidade.

A maioria das principais ruas de acesso são asfaltadas, inclusive a rua da escola. A

área ocupada não é muito extensa, contemplando um jardim à frente, uma área lateral e, nos

fundos, uma área de chão batido correspondente ao que seria o tamanho de uma quadra de

esportes. A escola é cercada com alambrado, mas apenas a rua da frente encontra-se calçada.

Enquadrada pela SEED-PR como sendo de “pequeno porte”, a escola atualmente

atende cerca de 660 alunos em três turnos e dezesseis classes do segundo segmento do ensino

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fundamental até a segunda série do ensino médio (o qual está sendo implantado

gradativamente no período noturno); na verdade, são cerca de 550 alunos no ensino

fundamental e 110 no ensino médio. Conta com direção, vice-direção, três pedagogas, entre

20 e 25 professores e dez funcionários não docentes, sendo dois auxiliares administrativos e

oito auxiliares de serviços gerais.

A equipe de gestão da Escola da Gema é composta de diretor, vice-diretora e três

pedagogas. O diretor possui formação em Educação Física e especialização em Educação

Ambiental. Veio para escola por indicação do Núcleo de Educação, a fim de substituir um

diretor que passou por um processo administrativo. Depois dessa indicação, elegeu-se já por

duas vezes para o cargo, tendo obtido votação expressiva.

A vice-diretora é formada em pedagogia e assumiu essa função em 2006, pois antes

dessa data atuava como pedagoga, sua área de formação. É a profissional com maior tempo de

trabalho na escola, tendo chegado lá quando ainda existiam as classes de 1ª a 4ª série.

Para o trabalho de coordenação pedagógica a escola conta com três pedagogas que

também atuam como professoras assumindo aulas extraordinárias (de ensino religioso ou

artes) a seu padrão; ainda assim, o número de aulas assumidas é bem menor que as horas

trabalhadas na equipe pedagógica. Uma delas está na escola há 13 anos e trabalha em dois

períodos, principalmente nos da tarde e noite. As outras duas transferiram-se para lá em 2007

e atuam nos períodos da manhã e tarde, respectivamente.

Assim, a Escola possui duas pedagogas nos turnos da manhã, duas pedagogas no

turno da tarde e uma pedagoga no turno da noite. O diretor alterna seu trabalho de 40 horas

nos três turnos e a vice-diretora atua 20 horas no turno da tarde.

O corpo docente é relativamente novo na escola: a maioria dos professores atua lá há

quatro ou três anos, ou menos. Por outro lado, grande parte tem seu padrão funcional fixado

na escola, ainda que vários tenham aulas também em outros estabelecimentos. Poucos

professores residem próximos da Escola; vários vêm de carro ou moto e é comum que aqueles

que atuam em dois períodos (manhã e tarde) permaneçam na escola no horário de almoço.

Em termos de trabalho didático pedagógico, destacamos ainda os aspectos físico-

materiais e de rendimento escolar. No que tange aos aspectos físico-materiais, a escola conta

com poucos ambientes pedagógicos para além das sete salas de aula: laboratório de

informática e sala de professores (conjugados), sala de direção e da equipe pedagógica e uma

sala adaptada, no pátio coberto, destinada à biblioteca e aulas da sala de apoio (contra-turno);

os recursos disponíveis são uma impressora de formulário contínuo e outra jato de tinta para

uso dos professores, computadores com internet no laboratório, multifuncional para uso da

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secretaria, computador para uso das pedagogas, retroprojetor, televisor e vídeo/DVD, alguns

mapas e livros (acadêmicos, para os professores; de literatura, para os alunos), limitados aos

que a SEED envia.

A questão do rendimento escolar, por sua vez, pode ser examinada por meio do

resultado da Escola no AVA (Avaliação do Rendimento Escolar aferida pela SEED em 2000),

do rendimento final do ano letivo e do desempenho dos alunos na Prova Brasil.

No AVA-2000 foram avaliados alunos de 4ª série em Língua Portuguesa,

Matemática e Ciências, com médias classificadas pela SEED como AC (acima do esperado),

AP (próximo ao esperado) e AP (próximo ao esperado), respectivamente. A média da escola

(numa escala de 0 a 500) pode ser confrontada com a média de outras escolas e do Estado

como um todo na tabela abaixo:

Tabela 3: Aproveitamento no AVA-2000

Média da Escola Média no Município Média no Estado

4ª S – L. Portuguesa 251 251 250

4ª S – Matemática 246 248 250

4ª S – Ciências 246 253 250

Fonte: Portal Dia-a-Dia Educação da SEED-PR

Na Prova Brasil, 75% dos alunos fizeram entre 200 e 275 pontos em Língua

Portuguesa e 64% em Matemática. A média da Escola foi de 230 em Língua Portuguesa e 239

em Matemática, numa escala que vai de 0 a 500. A média comparativa pode ser vista abaixo:

Tabela 4: Aproveitamento na Prova Brasil 2005

Média da Escola Média no Município Média no Estado Média no País

8 S – L. Portuguesa 230 236 231 226

8ª S – Matemática 239 254 251 241

Fonte: Portal MEC-INEP

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O aproveitamento escolar também pode ser visto por meio das estatísticas finais.

Assim, o Portal da SEED-PR informa que no ensino fundamental a taxa de aprovação foi de

79,3%, a de reprovação foi de 16,3% e a de abandono ficou em 4,4%, em 2007. Em 2006

esses índices foram 75,2%, 19% e 5,8%, respectivamente.

Por fim, consideramos importante situar na pesquisa quais os recursos financeiros

que a Escola recebe da SEED por meio do Fundo Rotativo, uma verba depositada

mensalmente na conta corrente da Associação de Pais e Mestres para ser empregada pelo

Diretor (em consonância com a comunidade escolar) na manutenção do prédio (material de

limpeza, reparos emergenciais), gás e suprimento das necessidades de consumo inerentes ao

trabalho escolar (material de secretaria, papéis de toda a sorte, etc.). Em 2007 a Escola da

Gema recebeu, em média, R$ 1.100,00 por mês, a exceção do mês de outubro quando o valor

foi de R$ 3.500,00, totalizando, no ano, R$ 23.914,04.

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3 EDUCAÇÃO E ESCOLA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

3.1 SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E ESCOLA

3.1.1 Sociedade e Educação

Diante da complexidade presenciada no mundo atual, correntemente designada como

globalização, afirmar a existência de mudanças intensas é cair no discurso comum; de fato, as

mudanças não precisam ser anunciadas, mas talvez sistematicamente descritas, pois na

verdade já são vividas e, de diferentes modos, assimiladas por todos.

No campo político e econômico, a globalização está associada ao aprofundamento da

lógica do mercado e do sistema capitalista em escala mundial, viabilizado pelo impacto das

novas tecnologias não apenas na configuração do trabalho como também na efetivação dos

negócios e transações econômicas. Tal acirramento desdobra-se num conjunto de mudanças

relativas ao papel e atuação do Estado, ao funcionamento do capital e à própria incorporação

(ou não) das pessoas ao mundo e ao mercado de trabalho, acentuando, nesse plano, o

alinhamento das políticas de Estado aos interesses dos organismos e do mercado

internacional.

No campo social, percebe-se a faceta cultural da globalização (igualmente ou até

mesmo mais importante), desenvolvida por meio da revolução tecnológica e informacional

que tornou capaz interconectar todas as sociedades e dimensões sociais, mesmo as mais

distantes, diferentes ou dissociadas, e expô-las a uma interação e influência mútuas (não

necessariamente com igual intensidade em relação a ambos os lados).

Mundos contrastantes como os das civilizações orientais tradicionais e ocidentais

imprevisíveis interatuam e conflitam entre si, expondo-se a um contato cultural que revela

estranhamentos e “choques” em termos políticos, religiosos, do modo de viver ou do nível

(estilo) de desenvolvimento. A consciência dessas dissonâncias gera, por um lado, uma

espécie de contágio de todos os diferentes entre si (em especial um contágio das ideologias e

formas hegemônicas), arriscando seu apagamento pela homogeneização das formas; e, por

outro lado, provoca fechamento e fobia ao diferente ou valorização e tentativa de preservação

do local.

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No campo pessoal, o grande traço parece ser o da insubordinação (igualmente

ambígua) dos sujeitos a grande parte da lógica moral, racional e científica consolidada. Se,

por um lado, esses sujeitos se mostram cada vez mais sintonizados e consumidores dos

produtos que a ciência mercantilizada produz (produtos, equipamentos e toda a sorte de bens

de consumo tecnológico, assim como medicamentos e procedimentos relacionados à saúde e

ao bem estar), mostram-se também em relação de independência face às convenções e

instituições que tradicionalmente os emolduraram, num movimento que questiona as

identidades sexuais, os papéis sociais, as instituições socializadoras como a família, a Igreja e

a escola, e a ideologia sobre cidadania ligada à nação e ao Estado. Como resultado de tal

reposicionamento (bem como dos traços econômicos, políticos e sociais) encontra-se um

sujeito com tendência ao individualismo, à competitividade, à pouca participação ou

posicionamento efetivo frente aos grandes temas sociais.

O conjunto de elementos, por si só, seria gerador de uma tese; pontuá-los, neste

momento, representa a tentativa de aquecer as idéias em torno da mega realidade que nos

circunda, tempo sobre o qual a própria elaboração conceitual revela-se complexa. Se para

alguns (HABERMAS, 1990) ainda se trata da modernidade, haja vista que apesar do cenário

de mudanças, aspectos fundantes desse projeto ainda não se efetivaram e precisam fazê-lo,

para outros (SANTOS, 1997; LYOTARD, 1998) trata-se da pós-modernidade, a partir do

argumento de que, ao mesmo tempo em que o projeto de modernidade não foi capaz de

concretizar partes do projeto iluminista que justamente o caracterizou, também alterou outros

ao realizá-los, contrariando desse modo seus princípios iniciais. Há, por fim, a posição

daqueles que acreditam que a própria pós-modernidade já não designa mais com pertinência o

projeto social experienciado (LIPOVETSKY, 2004; SACRISTÁN, 2007), motivo pelo qual

há que se falar de uma segunda modernidade ou de uma hipermodernidade, quiçá uma

modernidade tardia, um projeto moderno levado a seus extremos. Em relação a esse aspecto,

concordamos com Lipovetsky (2004, p. 54) quando diz:

A sociedade que se apresenta é aquela na qual as forças de oposição à modernidade democrática, liberal e individualista não são jamais

estruturantes; na qual periclitaram os grandes objetivos alternativos; na qual

a modernização não mais encontra resistências organizacionais e ideológicas

de fundo. Nem todos os elementos pré-modernos se volatizaram, mas mesmo eles funcionam segundo uma lógica moderna, desinstitucionalizada,

sem regulamentação. Até as classes e as culturas de classes se toldam em

benefício do princípio da individualidade autônoma. O Estado recua, a religião e a família se privatizam, a sociedade de mercado se impõe: para

disputa, resta apenas o culto à concorrência econômica e democrática, a

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ambição técnica, os direitos do indivíduo. Eleva-se uma segunda

modernidade, desregulamentadora e globalizada, sem contrários,

absolutamente moderna, alicerçando-se essencialmente em três axiomas constitutivos da própria modernidade anterior: o mercado, a eficiência

técnica e o indivíduo. Tínhamos uma modernidade limitada; agora, é

chegado o tempo da modernidade consumada.

Inegável, na sociedade hipermoderna, é o fato de que a associação entre a ciência

extremamente desenvolvida e o mercado neoliberal em supremacia levou a cooptação da

primeira por esse último. Essa coalizão, somada a um hiperindividualismo distanciado

(LIPOVETSKY, 2004), no qual as pessoas, ao mesmo tempo em que observam normas e

regras capazes de lhes garantir cuidado com o corpo, saúde e bem-estar, também revelam um

comportamento desregulamentado face às instituições e pouco sensível ao social, culmina, ao

final, numa sociedade em que o mercado se sobrepõe as instituições e projetos de Estado, sem

que se tenha percebido, no meio e como tradição social, uma participação política capaz de

lhe fazer frente.

A expressão maior desse quadro que tentamos esboçar é a existência de um grande

número de pessoas e países marginalizados, porque ao mesmo tempo em que o mercado se

opera em nível mundial, ele também segrega na mesma proporção. Isso significa dizer que o

momento da segunda modernidade não é vivido por todos na mesma condição; ao contrário,

no momento em que o trabalho a partir do conhecimento e por meio de tecnologias é

elemento fundante para inserção na rede planetária, constata-se que já na saída muitos estão

excluídos pelo não acesso ao saber (e a alimentação, saúde, educação, segurança, etc.),

particularmente quando se pensa a realidade brasileira e da América Latina.

Por outro lado, concordamos com Sacristán (2007, p. 27) quando, referindo-se a

Apel, diz que “deve-se contrapor à universalização da globalização uma adequada

contraglobalização, e não a negação ou a resistência”. Também Lipovetsky (2004) visualiza

que, mesmo que de modo técnico e científico, alinhava-se, pouco-a-pouco, uma “ética do

futuro” particularmente preocupada com a viabilização da vida no ambiente planetário:

Morrem utopias coletivas, mas intensificam-se as atitudes pragmáticas de

previsão e prevenção técnico-científicas. Se o eixo do presente é dominante,

ele não é absoluto [...]. Sem dúvida, os interesses econômicos imediatos têm precedência sobre a atenção para com as gerações futuras. Durante esse

espetáculo de protestos e de chamamentos virtuosos, a destruição do meio

ambiente continua: o máximo de apelos à responsabilidade de todos, o mínimo de ações públicas. Mas o fato é que as preocupações referentes ao

futuro planetário estão bem vivas; elas habitam e alertam permanentemente a

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consciência do presente, alimentando as controvérsias públicas, solicitando

medidas de proteção para o patrimônio natural. O presente total da

rentabilidade imediata pode dominar, mas não continuará assim indefinidamente. Mesmo que o ecodesenvolvimento ainda esteja longe de

dispor dos meios técnicos e sistemas reguladores dos quais necessita, ele já

começa, aqui e ali, a alterar certas práticas. No amanhã, essa dinâmica deve

ampliar-se. [...] Prepara-se um neofuturismo que não se assemelhará ao futurismo revolucionário imbuído de espírito sacrificial: é sob os auspícios

da reconciliação com as normas do presente (emprego, rentabilidade

econômica, consumo, bem-estar) que se procura a nova orientação para o

futuro. (op cit., p. 69-70).

São várias as frentes de luta e posicionamento que se mostram necessárias. A reversão

da situação de exploração e ataque desmedidos ao meio ambiente é, sem dúvida, uma

temática de fronteira que extrapola países e territórios. Porém, paralelamente a essas frentes, o

Brasil, os países da América Latina e os demais países em que o subdesenvolvimento social é

(ainda que de diferentes modos) intenso, necessitam urgentemente de um projeto social capaz

de possibilitar-lhes participar da intensa rede mundial não apenas pela disponibilização de

matéria prima ou mão de obra para as grandes (e poluidoras) indústrias multinacionais, mas

essencialmente utilizando os movimentos econômicos para distribuir riqueza e integrar as

sociedades em torno de projetos comuns, pautados por uma nova ética, pela solidariedade e

respeito ao ser humano e à vida.

Referimo-nos a um projeto já em construção – na medida em que é anunciado – mas

ainda grandemente a ser construído em diferentes campos, dentre os quais destacamos o da

educação. Educar é um processo essencialmente de formar, uma prática que engendra em si a

idéia de socialização e desenvolvimento, de cooptação e emancipação. Dotado de sentidos e

significados, realizado em função de ideais, intenções e necessidades de diferentes naturezas

em face da inserção humana na imensa rede histórica e social, o movimento educativo é

permeado por sentidos variados, nem sempre conscientes e coerentes entre si, pois emanam de

todos aqueles que, de diferentes espaços e modos, estão envolvidos com a educação.

Obviamente, como prática social, ela não tem passado ilesa pelos reflexos ambíguos

da sociedade hipermoderna, os quais se revelam na forma de desafios a superar e

problemáticas a reverter. A própria desorientação dos novos tempos já representa, por si só,

um desafio para o processo educativo. Desprovida de referências sólidas e assistindo a crise

de suas principais instituições – a família, a religião e a escola – a educação questiona-se

sobre o tipo de indivíduo que pretende ajudar a formar e o modo pelo qual deve fazê-lo.

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Sacristán (2007) alerta para o fato de que, num mundo em que se vivencia a

globalização, as agendas educativas necessitam enfrentar, em princípio, desafios como o da

anulação do Estado em relação à decisão e elaboração de políticas que envolvam e protejam a

infância. Essa postura política acaba por permitir que, inclusive por meio da educação, a

exclusão e as desigualdades se mantenham.

Outro aspecto apontado pelo autor diz respeito à relação entre educação, condições

sociais e trabalho. A ausência de emprego e as novas exigências que se apresentam quando

ele existe, além das baixas remunerações e da instabilidade constante, afetam o ambiente das

famílias com suas crianças. Em termos de Brasil e América Latina, é preciso acrescer a esse

dado mais um, que diz respeito à baixa escolarização dos pais, o que, de acordo com Casassus

(2002), é fator interveniente e diferenciador no desenvolvimento dos filhos.

Assim, a valorização da pessoalidade e da identidade dos sujeitos, pautada numa

nova ética coletiva – humanista, solidária e responsável – e a inserção efetiva no social, são

fins que nos parecem fundantes numa agenda educativa que não pode se abster do

desenvolvimento para a cidadania local e global, sensibilizada para o valor da participação

como ferramenta política na eleição, negociação e proposição de ações e projetos sócio-

políticos verdadeiramente democráticos e inclusivos. A autonomia emancipatória e

socialmente comprometida pressupõe a racionalização, mas também a valorização dos saberes

e sentidos construídos na experiência dos diferentes sujeitos, grupos e sociedades.

Por fim, reconhece-se a escola como instituição-chave na construção humana e social

que precisa ser empreendida; há muitas expectativas depositadas sobre a tarefa educativa em

face do quadro contemporâneo, no qual se encontram mudanças e problemáticas de diferentes

ordens e naturezas. A esse respeito, argumenta Touraine (2006, p. 51) que “La escuela – no la

educación, mejor la escuela – es la institución básica, de la misma manera que en su tiempo lo

fueron el taller o la fábrica, la iglesia, el Parlamento... Ahora, la célula fundamental de nuestra

sociedad es la escuela. Es resto son apêndices”.

3.1.2 Educação e Escola Diante de Um Projeto Social

A idealização de um projeto ou pauta educativa faz com que nos remetamos

imediatamente à idéia de escolarização. Contudo, se a educação é uma prática quase tão

antiga quanto a civilização humana, a escola – pública, gratuita e universal – é uma invenção

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que pode ser considerada recente. Segundo Roldão (2001, p. 69), a escola pública constituiu-

se

como uma instituição social própria, especificamente organizada para

assegurar de forma sistemática, relativamente eficaz e econômica, um conjunto de aprendizagens que socialmente se tinham como necessárias para

um determinado tempo, contexto e sector da população. É pois esse conjunto

de aprendizagens necessárias, mutável e socialmente construído – que hoje designamos por currículo -, que a sociedade remete à escola para que garanta

a sua passagem/apropriação.

A escola pública e leiga foi criada e instituída para responsabilizar-se

sistematicamente pelo processo de educação do povo através de aprendizagens que lhe

permitissem cumprir uma dada função social. Realiza educação formal em torno de

conhecimentos produzidos no seio da sociedade e considerados relevantes diante do próprio

universo do conhecimento e dos papéis sociais a serem futuramente desempenhados pelos

alunos em formação.

Percebe-se assim que a idéia de escola sempre esteve associada à de construção,

manutenção e/ou transformação social e que o desconhecimento ou desprezo das marcas e

necessidades sociais, bem como o despreparo diante de tais necessidades, gerou na escola

uma crise:

Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que ela está cada vez mais desencaixada da sociedade. Como me referi antes, a educação

escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria encarregada de

fabricar o sujeito moderno. Foi principalmente pela via escolar que a espacialidade e a temporalidade modernas se estabeleceram e se tornaram

hegemônicas, de modo que elas funcionaram como uma das condições de

possibilidade – e talvez a mais importante delas – da ascensão da burguesia e do sucesso da lógica capitalista – primeiro no Ocidente e, depois, na maior

parte do mundo. Mas o mundo mudou e continua mudando, rapidamente,

sem que a escola esteja acompanhando tais mudanças. Com isso, não estou

sugerindo que ela deveria ter mudado junto; estou apenas reconhecendo um descompasso que acabamos sentindo como uma crise. (VEIGA NETO,

2003, p. 110).

Entendemos que o movimento de superação da crise pressupõe recomposição da

escola em termos de ideal educativo, do papel que pretende assumir na sociedade e da forma

de fazê-lo. Mostra-se importante que a escola, como instância educativa, estabeleça para si

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mesma um novo e forte projeto educacional, desenvolvido em torno da consciência e

compreensão sobre o sentido de educar numa sociedade globalizada e hipermoderna.

A função clássica da escola – garantir a transmissão dos conhecimentos – tem sua

importância mantida e ampliada, pois os conhecimentos escolares já não podem ser vistos

como mera adaptação dos científicos e, seguindo sua lógica, serem tomados como verdades

definitivas e fechadas a serem apresentadas aos alunos para serem assimilados. À medida que

reconhece que os conhecimentos científicos (e escolares) não são universais nem os únicos

capazes de contribuir para a inserção do aluno em sua realidade, a escola abre espaço para

acolher as dimensões experienciais, afetivas e locais, podendo ser capaz de transformar-se

naquilo que Libâneo (2003, p. 24) denomina como espaço de síntese:

Síntese entre a cultura experienciada que ocorre na comunidade, na cidade, na rua, nas praças, nos pontos de encontro, nos meios de comunicação, na

família, no trabalho, e aquela cultura formal que a escola representa. É claro

que a síntese disso é uma cultura crítica, gerada pela superação em relação ao conceito academicista de cultura.

A apropriação crítica de conhecimentos, tal como compreendemos, requer considerar

o aluno como pessoa, como identidade em formação, acolhendo as dimensões afetivas,

subjetivas, estéticas e culturais aí inerentes. Por sua vez, essa idéia do “formar” relaciona-se à

preocupação da escola com o desenvolvimento de capacidades de organização, disciplina e

autocontrole, a fim de o aluno poder – na trajetória de sua escolarização e de sua vida adulta –

trabalhar com seu corpo e seus conhecimentos e se autogovernar. Veiga-Neto (2003) alerta

para o fato de que não se trata de um retorno à docilização dos corpos e mentes, mas de

preparar os alunos [através da crítica, da compreensão do sentido e da ressignificação dos

processos em questão] para enfrentarem de modo mais consciente e seguro o novo

disciplinamento que, apesar de invasivo, passa-se desapercebido nos tempos atuais: o controle

externo sobre os sujeitos.

Porém, a escola não pode perder de vista que esse homem – formado pela

escolarização – precisa inserir-se numa sociedade globalizada, a qual, devido a sua

estruturação econômica, restringe também em níveis continentais o acesso efetivo a processos

e bens que garantem maior qualidade de vida. Na prática, o aumento dos socialmente

excluídos impõe à escola a necessidade de realmente preparar os alunos para a inserção crítica

e conscienciosa no mundo do trabalho, pois uma vez que sem recursos culturais as chances de

inserção diminuem tremendamente e as de transformação da realidade econômica dada

praticamente anulam-se.

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Inserção ou participação social efetiva em prol de uma sociedade mais igualitária,

integradora e inclusiva não significa enfoque exclusivo ou prioritário ao fator econômico;

novas e complementares frentes de discussão e ação mostram-se importantes, como a dos

grupos minoritários e excluídos e a dedicada à problemática ecológica mundial. É possível

inferir, a partir daí, que a escola tem acrescida à sua função social de garantir uma formação

básica, também a de viabilizar a inserção crítica no mundo social e do trabalho, numa

perspectiva de pertencimento e solidariedade, tal como conjectura Moreira (2003, p. 66-67):

Há ainda outra preocupação [...] – como podemos pensar uma escola que

contribua um pouco para alguma coisa que estou chamando de solidariedade, por falta de um nome melhor? [...] Acho que o multiculturalismo e todos

esses estudos de gênero, de raça e de sexualidade etc., eles podem, num certo

sentido, ou focalizar apenas uma determinada situação, ou eles poderiam,

talvez, contribuir para alguma dificuldade em termos de um projeto mais coletivo, mais comum. [...] Como é que podemos, de fato, pensar em alguma

coisa que articule lutas em prol de um projeto coletivo, de um mundo mais

justo? Agora, a escola, ela pode ou não pode, ela tem ou não tem condições de tentar atuar de uma maneira que ajude a criança a perceber como essas

diferentes situações de opressão estão acontecendo? Acho que isso a escola

pode fazer.

Assimilação crítica de saberes compondo uma formação ética voltada para a

participação na construção do bem-comum é o que se pode sintetizar no que tange à função

social da escola [pública] na contemporaneidade. Diante dela, duas agendas precisam ser

trabalhadas: uma, no campo da política e programas educacionais; outra, no âmbito da

reconfiguração da escola para participação na construção do projeto educacional em questão.

No campo da política social e educacional, observa-se seu funcionamento de acordo

com a lógica do mercado. Políticas de distribuição de renda como o “Bolsa-Família” não

atingem todos os que necessitam e, mesmo quando o fazem, mostram-se mais como

mecanismos desarticulados de um projeto educacional, funcionando como de modo

compensatório frente à extrema concentração de riquezas no país. Os investimentos em

educação ainda são poucos, apesar de mostrarem relativo aumento percentual. Ainda que pese

a recente criação de um Fundo para a Educação Básica (FUNDEB) e, nesse, o

estabelecimento de carreiras e de um piso salarial mínimo para os professores, a realidade é

que são iniciativas ainda muito acanhadas e pequenas diante da grande desvalorização

profissional dos professores, materializada em sua remuneração, formação e condições de

trabalho.

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Em relação à universalização da educação escolar, observa-se que a educação infantil

está longe de ser generalizada, e também o ensino médio é uma realidade para poucos (isso

sem que se discuta o acesso ao nível superior). Ainda que se diga que o ensino fundamental já

atende a integralidade da população, não há como se deixar de observar que o mesmo é

desenvolvido em escolas na maior parte das vezes com estruturas físicas precárias,

insuficientes e/ou limitadas diante do que o processo educacional verdadeiramente supõe. Por

fim, alterações relativas ao fazer pedagógico das escolas são normalmente projetadas

externamente – no âmbito das reformas políticas – sem que se façam acompanhar pelas

correspondentes condições estruturais e materiais e, principalmente, sem que se reconheçam

as concepções, dificuldades, necessidades e práticas educativas efetivamente construídas no

interior dos estabelecimentos de ensino.

No âmbito da reconfiguração do potencial propositivo da escola compreende-se que,

diferentemente do que por muito tempo se pensou6, ela é um lócus potencial na geração de

alternativas face aos problemas e novas temáticas vividos nessa segunda modernidade.

Touraine (2006, p. 106) aponta os estudos de Dubet, os quais “mostraram que os resultados

escolares ainda dependiam mais da natureza das comunicações entre professores e alunos na

escola, o que remete diretamente ao ponto de vista dos atores e de suas interações”. Na

América Latina, conclusão semelhante foi obtida por Casassus (2002, p.140-141) quando, ao

trabalhar a partir de análises sistêmicas construídas pelo cruzamento de diferentes variáveis,

assevera:

A primeira conclusão é que a escola na América Latina, apesar de refletir as

desigualdades produzidas fora dela, também as reduz. [...] na América Latina

a escola faz sim uma diferença no que se refere à redução do impacto da desigualdade que se observa na sociedade. [...] A segunda conclusão é que o

que acontece dentro das escolas na América Latina tem uma influência

maior nos resultados dos alunos do que o que ocorre fora delas, o que atenua

o impacto do contexto.

Ao mesmo tempo em que se constata que os desafios são intensos e que

historicamente a escola pouco tem feito pela constituição dos sujeitos e a transformação da

sociedade, constata-se, também, sua força potencializadora na construção dos resultados

obtidos ou a obter. Apesar das adversidades e dificuldades com as quais tem se revestido o

6 Estudos de base sociológica como os de Bowles e Gintis (1975), Bourdieu e Passeron (1982) e Bernstein

(1996); assim como outros de natureza mais empírica, a exemplo dos de Coleman e Jencks, relatados por

Marchesi e Martin (2003), ficaram conhecidos pela demonstração do caráter de reprodutivista exercido pela

escola.

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trabalho educativo escolar, a escola é, ainda, uma instância central em termos de potencial

para geração de mudanças.

O fato de que os desafios contemporâneos são extremos e de que nesse momento,

diante deles, a escola tem apresentado dificuldades (pela tradição de uma formação voltada

para uma cidadania instrumental, calcada na dimensão cognitiva que desprestigiou a formação

ética e política, assim como o desenvolvimento do sujeito em sua particularidade), denotando

visão restrita em termos de proposição de um projeto educativo para o social e configurando-

se muito mais como executora de tarefas e de funções que lhe são impostas externamente.

Entretanto, isso não exclui seu poder para atuar de modo diferente, como comunidade

envolvida em torno de um projeto não apenas comum, mas essencialmente propositivo em

face dos desafios que se lhe colocam.

Conclusão semelhante foi atingida por Rose, a qual, referindo-se à realidade

educacional norte-americada – extremamente diferente da brasileira – demonstra a força

potencial existente nos educadores, força essa que, em certa medida, pode fazer-se presente

em diferentes contextos:

Meu trabalho em sala de aula tem sido desenvolvido, na maior parte dos

casos, junto a pessoas com as quais nossas escolas, públicas e privadas, falharam: a classe trabalhadora e os estudantes imigrantes, alunos provindos

de culturas e idiomas diferentes e minoritários que não se adaptaram a um

currículo, a um horário, ou a uma definição de rendimento, e foram, então,

categorizados como diferentes ou deficientes. [...] E apesar disso havia essas classes. Vitais, variadas, ofereciam uma educação poderosa para as crianças

que nelas estavam, muitas das quais pertenciam aos grupos definidos como

inferiores em tempos passados e, não raramente, em nossos hostis tempos presentes. [...] Essas classes são personificações do ideal democrático. Na

verdade, esse impulso democrático tem sido solapado e violado desde sua

primeira articulação. [...] Mas isso tem sido superado diariamente na sala de aula, por uma longa linhagem de educadores [...]. Constituíam exemplos

vívidos de pessoas desenvolvendo trabalho intelectual em ambientes

institucionais, usando o poder da instituição para alcançar seus objetivos

democráticos para as crianças que estavam sob seus cuidados, negociando e subvertendo o poder institucional quando este bloqueava a realização de seus

objetivos. Em um tempo de profunda desilusão com a vida pública

institucional, essas pessoas estavam, cada uma a seu modo, criando condições para as crianças desenvolverem uma vida de possibilidade.

(ROSE, 1995 apud TORRES e MITCHELL, 2003, p. 28-29).

Argumentos como os de Casassus (2002), Rose (apud TORRES; MITCHELL, 2003)

e Dubet (apud TOURAINE, 2006) fazem perceber que, nos processos de pesquisa

educacional, o lócus institucional escolar e as relações entre sujeitos que nele se travam é uma

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temática que merece relevância. Isso não significa, de modo algum, intencionar captar a

escola de modo isolado por compreendê-la assim, distanciada do cenário que a contextualiza,

o que levaria à realização de estudos numa perspectiva restrita, avaliadora ou prescritiva sobre

a realidade escolar. Ao contrário, indica o entendimento da escola como lócus próprio,

articulado ao global e sistêmico bem como às instâncias dos sujeitos, motivo pelo qual é

importante que seja tomada através do cruzamento entre o contexto externo que a condiciona

e o contexto interno que lhe é próprio, o que levará à compreensão de sua essência e

singularidade e contribuirá com a potencialização de seus poderes formativo, propositivo e

construtivo. Em relação a essa preocupação, Lima (1999, p. 40-41) destaca:

[...] a democratização da escola não se constitui, apenas, como problema tipicamente escolar ou técnico-pedagógico. Se a mudança da cara da escola

não pode, por definição, ser realizada sem (e muito menos contra) a escola,

dispensando os actores escolares mais imediatamente centrais à ação pedagógica, fica claro que ela é igualmente inatingível exclusivamente a

partir da sua iniciativa.

Por esse motivo percebe-se como ainda mais urgente a necessidade de se conhecer e

ser capaz de compreender o que é a escola como universo próprio, como instância na qual co-

habitam sujeitos que, apesar de todo o contexto que na maioria das vezes se lhes apresenta

como inóspito, constroem, cotidianamente, o sentido dessa organização educativa. Segundo

Casassus (2002, p. 62),

Esse é o momento de fornecer uma visão do que é a escola. Quando se diz

„uma escola‟, em geral pensa-se num lugar onde há salas de aula com

quadros-negros e escritórios; ou então num lugar onde se dá aula; onde interagem grupos de pessoas de diversas gerações. Mas o que caracteriza

uma escola não são essas coisas. O que caracteriza uma escola é sua forma

particular de existir. A forma de existência da escola é dada por um fluxo de

interações entre pessoas. Notemos que o fundamental nesta noção de escola é a idéia de que seus elementos constituintes não são objetos e sim „pessoas

que interagem‟.

O quadro que até aqui buscamos demonstrar pode ser tomado como revelador da

primeira dimensão da educação escolar, pois ao mesmo tempo em que se configura como

expectativas que historicamente estão postas à escola (a função social dela esperada), de uma

forma bastante consolidada (tais expectativas refletem uma tradição diante da qual a escola

como instituição atuará), também representa a dinâmica existente por meio das novas

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necessidades que são criadas no âmbito social, político e cultural. Trata-se da realidade

educativa enfocada em nível macro.

Contudo, obter conhecimentos sobre a escola é uma atividade que exige um esforço

bem maior do que, inicialmente, se pode imaginar. Realmente, a primeira dimensão que dela

se nos apresenta é justamente sua estrutura material e organizacional (as quais cumprem um

papel funcional relevante) e, junto destas, a dimensão do trabalho que lá se realiza (a função

social que se acredita estar sendo cumprida através dos processos de ensino e aprendizagem).

Porém, a escola não se reduz a tais dimensões formais e funcionais. Compreendê-la

supõe estudá-la para além dessas dimensões, captando a dinâmica e a complexidade que

caracterizam sua atividade cotidiana, os movimentos próprios e diferenciados não apenas da

escola em relação a outras instituições, como também das próprias escolas entre si e em si.

Trata-se de um trabalho capaz de abordar a escola como comunidade educativa viva

(ALARCÃO, 2001) e, por isso, singular; como uma produção humana e, portanto, social e

essencialmente cultural; como instituição que, assim sendo, possui um modo peculiar de se

organizar para trabalhar, o qual vai se dar não apenas pela realidade política ou estrutural, mas

também a partir das funções que efetivamente assume diante da sociedade e dos sujeitos que a

constituem cotidianamente. Compreender a escola pressupõe captá-la como totalidade,

entendendo aquilo que é a partir da confluência do cenário social e educacional externo, de

suas condições materiais e organizacionais internas e da cultura e ações dos sujeitos.

3.2 APROXIMAÇÕES À IDÉIA DE ESCOLA

Quando se perspectiva a escola numa dimensão unicamente formal – professores e

alunos ensinando e aprendendo, espaços escolares como salas de aula, bibliotecas,

laboratórios, pátios e quadras –, acredita-se que ela está tendendo a manter-se tal e qual foi

concebida. Não raro, escutamos pessoas que dizem que a escola não mudou, que tudo

continua igual ao que sempre foi desde o tempo de nossos avós. Porém, uma compreensão

ampliada da escola, enfocando-a para além daquilo que está materialmente visível (os

indivíduos existentes, seus espaços, práticas e tempos) ou simbolicamente representado (a

idéia de que a escola ensina, transmite conhecimentos que vão preparar os alunos em

desenvolvimento) pode ser capaz - ao captar a ação dos sujeitos em relação direta com a

estrutura e função social estabelecidas - de reconhecer na escola uma dinâmica própria.

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Passamos, assim, de uma definição “oficial” de escola, que a concebe como: “1

estabelecimento público ou privado onde se ministra ensino coletivo 2 conjunto de

professores, alunos e funcionários de uma escola 3 prédio em que a escola está estabelecida

(...)” (HOUAISS; VILAR, 2004, p. 1206), de uma definição que mostra a idéia universal

sobre escola, daquilo que está estabelecido que ela deve ser, a outras definições que intentam

refletir sua dinamicidade interna.

Para Schmidt (1989, p. 12), por exemplo,

a escola é uma instituição social, historicamente considerada, inserida numa

certa realidade na qual sofre e exerce influência. Não é uma instituição neutra perante a realidade social. Deve organizar o ensino, de forma a

considerar o papel de cada indivíduo e de cada grupo organizado dentro da

sociedade. Sua função, portanto, é preparar o indivíduo proporcionando-lhe

o desenvolvimento de certas competências exigidas pela vida social. É também dar-lhe uma compreensão da cultura e uma “visão de mundo” e

prepará-lo para cidadania. [...] Assim, a educação escolar é caracterizada por

ser uma atividade sistemática, intencional e organizada – organizada no que diz respeito aos conteúdos, e sistemática no que se relaciona aos métodos

que utiliza.

Vemos na autora a afirmação de pontos centrais para a compreensão da escola, como

sua função social, seu modo de estar organizada, o trabalho que cumpre; mas, ao mesmo

tempo, a afirmação de que a escola não se restringe ao cumprimento desse ideário, pois não

apenas recebe como também exerce influência por meio de um papel que não é neutro, mas

intencional e político, já que a partir das escolhas estabelecidas contribuirá de um modo

determinado para a construção de um real específico. Seu trabalho não é apenas de execução,

mas também de criação.

Tardif e Lessard (2005, p. 55), por sua vez, tomam a escola como “um espaço

socioorganizacional no qual atuam diversos indivíduos ligados entre si por vários tipos de

relações, mais ou menos formalizadas, abrigando tensões, negociações, colaborações,

conflitos e reajustamentos circunstanciais ou profundos de suas relações”. Para eles, a idéia de

escola não exclui aquilo que socialmente está colocado para ela, pois apontam que os

processos em seu interior são, de certo modo, formalizados; porém, avançam em relação a

esse aspecto quando dizem que lá há, também, movimentos de natureza intensa e contraditória

de aceitação ou negação, de flexibilização do que foi formalizado, movimentos esses que

podemos reconhecer como sendo próprios do “humano”.

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Há também Cândido (1973, p. 107), para quem a escola:

é algo mais amplo, compreendendo não apenas as relações ordenadas conscientemente, mas [...] todas as que derivam da sua [própria] existência

como grupo social, o que representa dizer que há relações que vão além

daquilo que se estabelece para ela externamente, pois nascem da própria

dinâmica do grupo social escolar.

O modo como Cândido percebe a escola aproxima-se muito da elaboração de Tardif

e Lessard, pois também nele encontra-se a intenção de forjá-la escola como espaço de

construção dinâmica, associada à idéia do humano que permeia o fazer educativo. Essa

dimensão mostra-se clara quando o autor fala que na escola há o existir, a existência, ou seja,

a vida.

Gomes (2005, p. 284), em sua tentativa de “dizer a escola”, argumenta:

não como um tipo ideal de burocracia, que funciona de modo estritamente

racional, à semelhança de um relógio, mas como organização flexivelmente articulada. Composta de salas de aula que se relacionam com uma unidade

de atividades-meio (a administração), cada professor dispõe de relativa

independência e visibilidade de classe. Deste modo, decisões tomadas num

segmento não são aplicadas automaticamente em outros.

Nessa elaboração, o autor – ao mesmo tempo em que se esforça para mostrar

movimentos dos indivíduos escolares enquanto agentes – também insere dados que mostram a

necessidade de que, ao se pensar escola, se identifiquem instâncias diferenciadas como a

pedagógica, representada pelos professores e salas de aula, e a administrativa, composta pelos

gestores e espaços de administração. É importante perceber que, ao estabelecer tal pontuação,

o autor indica um possível nicho de discussão, a possibilidade dos diferentes virem a se tornar

contrários.

Outra conceituação possível nessa mesma linha, que procura mostrar que a dinâmica

interna se dá a partir de segmentos diferenciados, é a de Alarcão (2003, p. 81), para quem a

escola

situa-se no mesocosmos e estabelece a interface entre a sociedade adulta e as

crianças e jovens em desenvolvimento. Como sistema local de aprendizagem, situa-se num território específico, desenvolve sua dinâmica

própria, sem contudo perder a ligação que a prende ao grande sistema de

educação nacional e internacional. A escola surge-nos como um todo e não

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como um ajuntamento de pessoas. Esse todo, para ser coeso e dinâmico,

exige uma organização. Em resumo, a escola é uma comunidade social,

organizada para exercer a função de educar e instruir.

Alarcão (2003), assim como Gomes (2005) argumenta que a escola é uma instância

educativa específica, dentre outras existentes. A autora designa o espaço escolar como meso,

porque entende que ele está no meio, entre a sociedade educadora e a geração que precisa em

tal sociedade estar inserida e, para tanto, precisa aprender. Ao mesmo tempo em que enfatiza

o papel mediador da escola, Alarcão (2003) acresce um tópico não novo, mas que pode ficar

esquecido quando se tenta ressaltar a dimensão dinâmica e complexa da escola; acresce, à

idéia de todo, a idéia de que tal todo existe por um motivo bastante próprio, que é realizar a

educação e a instrução. É patente no trabalho da autora, a ênfase à função social da escola de

formar através daquilo que lhe é específico: o trabalho com os conhecimentos historicamente

produzidos.

Destaque semelhante ao de instância mediadora com papel formativo via

conhecimentos é dado por Pérez Gómez (2001, p. 273), que defende a escola como

espaço ecológico integrador dos diferentes contextos de produção, utilização e reprodução de conhecimento [...], [um] centro de vivência e recriação da

cultura, utilizando a cultura crítica para provocar a reconstrução pessoal da

cultura experiencial dos estudantes.

O autor, ao mesmo tempo em que indica uma função social clara relacionada ao

trabalho com os conhecimentos, apresenta-a num prisma de dinamismo ao mostrar que tal

função se faz em movimentos de reconstrução, os quais tornam a escola um “centro de

vivência e recriação”.

Forquin é trazido por Libâneo (2001, p. 84), mas seu esforço concentra-se mais na

caracterização da dimensão simbólica presente na idéia de escola: “[...] mundo social, que tem

suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário,

seus modos próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão

de símbolos”. A partir de uma perspectiva filosófica, Forquin pontua a escola como uma rede

simbólica que, nem por isso, está dada e definitiva; a capacidade dos sujeitos que a compõem,

de irem além do estabelecido, argumento que já encontramos nas definições anteriores,

mostra-se forte e patente quando o autor demonstra que, em tal mundo educativo, há

movimentos de criação através do imaginário, da regulação e da transgressão.

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As definições de escola, em seu conjunto, permitem percebê-la em duas dimensões,

uma formal e definida, outra obscura e em construção; uma dimensão posta, colocada, e outra

em permanente realização, o que nos leva a concluir que a problemática que a envolve não é

de conceituação, mas de compreensão quanto ao cenário, fatos e demandas que a originaram e

constituem cotidianamente em relação a seu trabalho na sociedade. Parece-nos, então, que

compreender a escola exige captá-la através de seus múltiplos determinantes, na

complexidade de sua prática e em suas diferentes dimensões.

3.2.1 Instituição Educacional Escolar

Compreender a escola tornou-se uma tarefa urgente, diante da percepção tanto da

força propulsora como da obstaculizadora de tal lócus na construção da realidade. Assim,

grande parte da produção recente nos campos de currículo e didática, formação de

professores, política e gestão educacional agora se entrelaça e se volta a descortinar a

identidade institucional, o cotidiano organizacional, os movimentos internos e particulares

que tornam a escola sempre uma realidade obscura e ainda pouco dominada, a qual interfere e

interage com todos os demais.

Percebe-se, então, a necessidade de se captar a escola em sua identidade essencial,

pois possui uma especificidade enquanto pólo meso e organizador do conjunto complexo de

processos que ali se desencadeiam. Trata-se de uma instância específica em termos de vida e

complexidade, as quais precisam ser desveladas.

A inferência que fazemos – de que a escola é um universo próprio, específico, que se

compõe justamente pela participação e influência de outras instâncias e sujeitos – mostra a

necessidade de construir uma elaboração teórica em torno de dois aspectos: a) Qual é a

natureza da escola? Como ela se configura? b) Quais são os movimentos internos que tornam

a escola capaz de configurar-se com autenticidade?

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3.2.2 Escola: Instituição Singularmente Organizada

A compreensão da essência, posição e especificidade da escola no processo de

educação formal pode ter como base os estudos de Lourau (1996), os quais se caracterizam

pela construção de uma genealogia da instituição, trabalho que realizou desenvolvendo

análise pormenorizada em clássicos da filosofia do direito, do marxismo e da sociologia. Esse

autor aponta a polissemia do termo instituição e a dificuldade de caracterizá-lo. Para a

realização de seu trabalho, parte sempre dos momentos dialéticos hegelianos universal,

singular e particular.

Para Lourau (1996, p. 10),

O momento da universalidade é o da unidade positiva do conceito. Nesse

momento é que o conceito é plenamente verdadeiro, a saber, verdadeiro abstratamente, geralmente [...] .

Com efeito, o momento da particularidade exprime a negação do momento

precedente [...]. Toda verdade geral deixa de ser tal plenamente desde que se

encarna, se aplica em condições particulares, circunstanciais, determinadas, isto é, no grupo heterogêneo e variável dos indivíduos diferentes pela origem

social, idade, sexo e posição. Não se pode portanto confundir universalidade

com totalidade. A universalidade traz em si mesma sua contradição. Toda idéia é tão “verdadeira” quanto sua contrária, não em geral, conforme

pretende o cepticismo, mas desde que se encarna na ação dos indivíduos e

das coletividades. E, entretanto, a sociedade funciona, bem ou mal, porque as normas

universais, admitidas como tais, não se encarnam diretamente nos

indivíduos, mas passam pela mediação de formas sociais singulares, de

modos de organização mais ou menos adaptados a uma delas ou a funções. O momento da singularidade é o momento da unidade negativa, resultante da

ação da negatividade sobre a unidade positiva da norma universal.

O momento universal da instituição tem a ver com o identitário, referindo-se a um

conjunto de sentidos, significados, valores, normas que se referem à instituição antevendo ou

intencionando sua função e os processos que lá se originarão (no caso em questão, a

socialização e formação dos sujeitos). É a ideologia que está posta e circula para além do

espaço institucional mas também nele, sendo partilhada pela sociedade como um todo.

Desse modo, enquanto momento universal a escola é a instituição na qual se

efetivam processos educativos formais em torno de conhecimentos historicamente produzidos

e acumulados, visando ao desenvolvimento das capacidades humanas, à preparação para a

cidadania e ao exercício de papéis sociais. Essa tarefa lhe foi delegada na história das

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sociedades humanas e hoje, diante dela, existem duas posições conflitivas: ou não se

questiona o exercício da tarefa educativa pela escola, assumindo-a como dada, inalterável e

inquestionável e natural; ou, ao contrário, contesta-se totalmente sua capacidade de, no

momento presente, a escola continuar a “dar conta” de tal função social. Seja pela posição de

anuência, seja pela de crítica, o eixo da referência continua a ser a idéia universalmente aceita

de que é na escola que se dá a educação formal.

O momento universal da escola não se restringe, então, ao espaço institucional;

enquanto momento universal, a escola (ou a idéia de educação escolar) contempla a sociedade

como um todo, não apenas a comunidade local, mas o grande âmbito humano, nacional ou, no

caso da escola, internacional, pois que a “idéia de escola” certamente está entre as mais

globalizadas.

O momento universal da escola é abstrato, virtual e encontra-se sempre em relação

direta com seu pólo de oposição, o momento da particularidade. Esse momento diz respeito

aos sujeitos e grupos, ao humano que, ao mesmo tempo em que partilha e reproduz a

realidade universal convencionada que lhe é apresentada simbolicamente através do ideário

pedagógico, também opera em relação a esse, diferenciado-se, com autonomia ou negação,

podendo concretizá-la ou alterá-la. Significa dizer que, aquilo que idealmente deve ser, pode

não vir a sê-lo na medida em que é retrabalhado por uma figura essencialmente particular: o

humano. O particular é, então, vida e movimento, é dinâmica e complexidade, é possibilidade

de recriação em relação ao universal, o qual não acata ou reproduz passivamente.

Na escola, o momento particular caracteriza-se pela ação – condicionada e

condicionante – dos indivíduos em relação às verdades ou premissas “universalmente aceitas”

e a eles colocadas, as quais referendam ou negam. É norma universal que a educação e a

escola formarão as crianças em sua plenitude; contudo, as ações educativas particulares

contrariam esse princípio universal quando a escola não ensina ou não consegue ensinar, ou

quando exclui e marginaliza em vez de incluir e integrar, por exemplo.

Por fim, é preciso perceber que a ação dos sujeitos particulares (pólo negativo) em

relação ao universal (pólo positivo) desencadeia-se mediada e organizada pelo terceiro

momento da instituição: o singular (pólo negativo da primeira negatividade).

O momento singular tem a ver com os formatos organizacionais que a instituição

assume em termos jurídicos, físicos e de funcionamento; corresponde à estrutura jurídica (o

estabelecimento de ensino juridicamente criado, as legislações que normatizam finalidades,

processos e procedimentos), física (o espaço escolar, o prédio, a mobília e recursos

disponível) e organizacional (o organograma da escola e a forma como este define os papéis e

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respectivas atribuições; os processos de gestão adotados; a composição curricular, dos

espaços e tempos).

O singular ou organização contextualiza e regula localmente a ação dos sujeitos e

grupos, dando-lhes determinadas formas. Ele organiza – com maior ou menor contundência –,

os trabalhos específicos da/na instituição. É o formato pela qual o universal busca se

concretizar e mostrar-se material e simbolicamente visível, visando a sujeitar a síntese

primeira que se produziu entre ele e o momento particular. Ardoino e Lourau (2003, p. 18)

contribuem para a compreensão do singular:

O estabelecimento são os muros, os locais, o mobiliário, tangíveis e visíveis,

os agentes com, caso necessário, o uniforme que vestem, atestando o

pertencimento ao aparelho. São, ainda, as estruturas da organização, a hierarquia, os horários, o emprego do tempo, os regulamentos – já menos

evidentes, mais abstratos, porém, apesar de tudo, perceptíveis porque

explicitamente significados, afixados, codificados (escritos, graduações,

galões, atitudes mais ou menos sistematizadas, estatutos, etc.).

Casassus (2002), então, tem razão quando assevera que ao se falar em escola as

pessoas normalmente pensam em sua faceta material; de fato, quando a questão é a existência,

a estrutura física apresenta-se em primeiro plano e quando o ponto refere-se a funcionamento,

a estrutura organizacional parece ser a chave modeladora.

É fato que, a partir do momento em que a idéia de educação escolar tornou-se uma

convenção universalmente aceita (todas as crianças devem ir a escola), criou-se uma

complexa organização (em termos de prédios, horários, conteúdos, funções, modelos de

funcionamento, quase sempre normalizada) que, em tese, deve garantir que a educação

escolar esteja sempre alinhada ao seu momento universal, ao ideal de escola que a gerou.

Ocorre que essa máxima universal é também ideológica (todas as crianças devem

sim ir à escola?) e, configurando-se como um interesse social (prática formativa de caráter

estratégico), passou a ser regulada pelo Estado (instituição que, em tese, representa os

interesses do povo). Assim, grande parte das definições acerca dos fins educativos e da

estruturação organizacionais singulares emanam do Estado, visando ao condicionamento das

ações particulares em torno do estabelecido.

Porém, embora os momentos universal e singular pareçam contundentes,

estabelecidos, “duros”, reiteramos a existência do particular que, ao mesmo tempo em que a

eles se submete, também é capaz de subvertê-los, conferindo à escola uma dinâmica própria e

constante.

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Assim, os estudos da escola nessa perspectiva buscam desvelar sua rede interna de

relações, descortinando significados, sentidos, tramas simbólicas e imaginários, intencionando

captar a dialética da prática educativa escolar diante de seus fins e funções sociais. Contudo,

tais estudos dificilmente se efetivam com qualidade se a dimensão concreta da instituição – a

organização – for desconsiderada em sua interação com a dimensão humana ou institucional.

Universal7, particular e singular são, dessa forma, três momentos da instituição que,

na realidade escolar, apresentam-se dialeticamente unidos. Sua dissociação como segmentos

separados somente se torna possível teoricamente, para fins de análise. Apesar dessa ressalva,

é comum que se encontre, na literatura, o trabalho com os momentos universal e ou particular

em interdependência recíproca (já que naturalmente são pólos que se atraem por sua

oposição), mas sem relação com seu pólo mediador, o momento singular. Essa cisão,

entretanto, impede uma compreensão dialética da realidade escolar, já que a organização,

momento singular, é o pano de fundo estruturador dos momentos das crenças convencionadas

e ações concretas dos sujeitos. Sobre tal cisão ou obscurecência do momento singular, Lorau

(1996, p. 10) alerta:

É comum confundir-se particularidade e singularidade, opondo-se

artificialmente o geral (o universal) ao particular, esquecendo que esta oposição é puramente abstrata, não existe nunca na prática, mas somente na

ideologia e na filosofia idealista. Com isso, o que fica obliterado é o terceiro

momento do conceito de instituição e, fato mais grave ainda, a ação

recíproca dos três momentos, sem a qual não há dialética. Com a oposição do particular ao geral a dialética dá lugar a antinomias “racionais”,

“naturais” ou “fatais” entre o indivíduo e a sociedade (ou “o mundo”),

antinomias que se resolvem ou pela preponderância concedida à sociedade

ou pela preeminência atribuída ao indivíduo.

A escola é uma instituição organizada que contém em si dimensões maiores,

universais, e menores, particulares, pelas ações dos sujeitos e grupos. É uma instituição, pois

“instituição é tudo o que for considerado uma norma universal ou o ato de fundar, criar,

iniciar algo ou, ainda, as formas sociais singulares” (SCHMIDT, 2005, p. 230).

Tomando a dialética institucional proposta por Lourau (1996) numa perspectiva

sociológica podemos, de algum modo, relacionar o universal com o espaço macro (a

7 Um cuidado necessário é o que alerta Lourau (1996), de que o momento da universalidade não deve ser

confundido com a categoria totalidade. A universalidade é o momento primeiro, que existe em conjunção com os

momentos de singularidade e particularidade; a totalidade refere-se ao todo articulado e dialético entre os três,

capaz de tornar a “escola” o que ela é.

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sociedade nacional) ou mega (as sociedades internacionais como um todo), visualizando neles

a origem do momento universal da escola na medida em que, ao partilhar, legislar e definir

sobre uma lógica forte, criam antecipadamente, especialmente pelas vias políticas, uma

realidade cuja concretização se fará no espaço local daquilo que designam como organização,

o espaço meso, por meio do trabalho de sujeitos particulares, as realidades micro. Nessa

abordagem, o termo instituição é usualmente substituído ou casado com a expressão

organização, embora nem sempre as idéias a que se referem sejam passíveis de designação

pelos dois, indistintamente. Tal aspecto é merecedor de atenção.

3.2.3 Escola: Instituição e Organização

Garay (1998, p. 130) destaca que a diferenciação entre organização e instituição é

importante, apesar de na literatura recorrentemente essas palavras aparecerem como

sinônimas. Para a autora, a organização tem a ver com as formas concretas com as quais a

instituição se materializa; já a instituição relaciona-se mais com a dimensão cultural que

operacionaliza a organização:

A instituição é um conjunto de formas e estruturas sociais; também de configurações de idéias, valores e significações instituídas que, com

diferente grau de formalização, se expressam em leis, normas, pautas e

códigos, que não necessariamente devem estar escritos, já que se conservam

ou transmitem oralmente, sem figurar em nenhum documento. Dessa perspectiva, as instituições são lógicas que regulam uma atividade humana

[...]. Cada instituição tem fins e funções que lhe são confiados. Funções com

respeito aos indivíduos (instância do sujeito), a si mesma (instância propriamente

institucional) e à sociedade (instância social) que a possibilita. Os fins se inspiram

em princípio e valores que constituem o fundamento institucional. Idéias, valores,

imaginários, utopias que, traduzidas em metas, projetos, planos, práticas,

impulsionados e sustentados por forças sociais, buscam instituir-se.

Lima (2003), por sua vez, enfoca a escola como espaço meso,

como unidade social e como acção pedagógica organizada, revela-se capaz

de valorizar os elementos de mediação, ou intermediários, onde se articulam

e são reconstruídos os elementos resultantes das focalizações analíticas de tipo macro e micro. Sem ignorar tais elementos, que de facto não pode

dispensar ou desprezar, a mesoabordagem da escola parece constituir uma

forma de integração/articulação de objetos de estudo macroestruturais (o

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Estado, os sistemas político e econômico, a macro-organização do sistema

escolar, etc.) e de objetos de estudo de tipo microestrutural (a sala de aula, os

grupos/subgrupos de formação, os actores e as suas práticas em contextos

específicos de acção).

Porém, dentro de uma abordagem sociológica clássica, positivista, a identificação

natural entre os pólos contrários – universal-particular (normas educacionais e escolares

universais – ações particulares), ou macro e micro (o Estado frente à sala de aula e ao

professor) – originou, no estudo da escola, uma suposta fragmentação, pois ora se estudavam

as concepções e políticas educacionais, ora se focalizava o professor, o ensino e os demais

processos pedagógicos, levando ao entendimento de que a instituição corresponderia aos

pólos macro e micro (universal/particular) em intensa articulação. A organização, por sua

vez, seria um pólo “independente” para fins de análise, o qual, sendo tomado isoladamente e

dissociado das instâncias contextuais que a originaram e particulares que a partir dela e sobre

ela atuam, era caracterizado como estático e burocrático.

Nesse enfoque – que se pretende ultrapassar –, o estudo da escola como organização

intencionava caracterizar seu bom ou mau funcionamento, seus problemas e dificuldades em

face de padrões ou modelos de funcionamento externamente fixados numa perspectiva teórica

proveniente das teorias das organizações e do campo da administração empresarial. Tal

cenário, problemático, é retratado por Ball (1987, p. 21), quando ele diz:

El análisis sociológico del cambio educativo en años recientes se ha centrado

en su mayor parte, en los efectos e implicaciones omnímodos del

movimiento estructuralista (sea de origen social o económico) o en las respuestas, adaptaciones y estrategias de actores individuales. En verdad, en

los quince años pasados han predominado en la sociología de la educación

los motivos continuamente repetidos de lo «macro» frente a lo «micro», la

estructura frente a la acción, la libertad frente al determinismo y los profesores frente al modo de producción. En aspectos importantes, esto ha

conducido a subvalorar y a representar erróneamente otras esferas

importantes de análisis en los estudios sociológicos, el grupo de trabajo y la organización, lo que podría llamarse el mesonivel. El primero ha sido dejado

en manos de los psicólogos sociales, el segundo a la compasiva misericordia

de la teoría organizativa.

Desse modo, a constatação e denúncia de tais tendências dissociativas foram

extremamente contributivas para o desenvolvimento de novas abordagens sobre a realidade

escolar, em especial no campo da sociologia, as quais a partir de um enfoque crítico, político e

ao mesmo tempo cultural vêm tomando a escola como organização, agora entendida como

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pólo concreto e articulado à instituição, intimamente relacionado com a realidade macro e as

práticas educativas concretas.

Estudos como os de Ball (1994), Lima (2003) e Barroso (1996) são alguns exemplos

de uma nova abordagem que intenciona captar a escola como totalidade e realidade própria,

como materialidade e ao mesmo tempo organização com vida em movimento. Para tanto,

desenvolvem um enfoque sobre as realidades obscurecidas, buscando captar a síntese do

cruzamento entre espaços macro, meso e micro a fim de depreender, a partir daí, um

conhecimento da escola como objeto próprio e singular:

Isto significa que entre o Estado e o actor, entre o sistema educativo

globalmente considerado e a sala de aula, passamos a observar acções e

contextos organizacionais concretos que, seguramente, interagem e se cruzam com aqueles elementos, podendo assim ser distinguidos deles em

termos de análise. Deste modo, passa a devolver-se á organização-escola não

apenas centralidade em termos de estudo, mas também o seu caráter

complexo, a heterogeneidade e diversidade que a marcam profundamente, mesmo quando as orientações político-normativas e certas perspectivas

teóricas se encarregam de as invisibilizar ou diluir.

Como instituição e organização, instância dinâmica e espaço meso da prática

educacional, a escola se consuma, então, como nosso foco de estudo, uma opção que não

despreza a lógica institucional mas que, ao contrário, a encampa. Estabelecida essa questão,

somos remetidos ao segundo ponto, cuja análise torna-se necessária: Quais são os

movimentos internos que, justamente, tornam a escola capaz de configurar-se com

autenticidade diante de instâncias educativas diferenciadas?

3.2.4 A Escola em Movimento: Realidade Instituída e Instituinte

Seja pelo enfoque institucional, seja pela perspectiva organizacional crítica, a idéia

em questão é a de que a escola é, ao mesmo tempo, uma realidade dada mas não-estática, uma

organização em permanente construção e constituição. É importante perceber, contudo, que a

afirmação de que a escola está em permanente movimento não significa, necessariamente, que

esta seja uma movimentação para alterar-lhe a natureza, a identidade ou o modo como cumpre

sua função educativa e social; as ações que se dão em seu interior podem ter, também, a

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intenção de manter a ordem estabelecida, impedindo ou obstaculizando mudanças que

alterariam seu curso.

Ainda assim, toda idéia de projeto, de “vir a ser” (ou continuar sendo) e de realização

implica o envolvimento do sujeito, o ser humano que, através de sua visão de mundo,

consciência e ética (sua pessoalidade), como também em função da realidade sócio-

econômica, política, cultural e organizacional vivida constroem, em coletividade, uma

realidade, não necessariamente boa ou ideal, mas real.

Essa premissa introduz um novo tema à discussão, relativo ao papel ou

funcionamento dos sujeitos na instituição. De acordo com Ardoino e Lourau (2003), os

sujeitos podem se posicionar como agentes, atores e autores.

Em se pensando o funcionamento organizacional, a idéia de agente é a que primeiro

surge, pois se refere a determinado posto ou posição previstos, em termos de função, dentro

de uma dada estrutura organizacional. A idéia de ator, por sua vez, está em relação direta com

a de agente, mas a extrapola: ator é aquele, efetivamente, que exerce a prática para a qual está

destinado e o faz a partir de sua própria epistemologia. Talvez se possa dizer que

institucionalmente ele é ator; organizacionalmente, é agente.

A caracterização dos sujeitos como agentes e atores se assenta numa lógica de caráter

histórico, temporal e social (cumpre um trabalho idealizado, dele esperado), organizacional

(em funções previamente definidas no quadro da organização) e até mesmo biológico (pois

que tal exercício implica consciência sobre seu fazer, planejando e definindo metas em

correlação com a estrutura maior).

À posição de agente e ator acrescenta-se uma terceira, de autor; o fato de que o

sujeito age numa situação estabelecida gerenciando seus conhecimentos não o torna,

necessariamente, autor.

O ator executa (enquanto tal, ele permanece agido, a não ser quando

“estraga” algo voluntariamente, ou ao menos “intencionalmente”, sem que

sempre tenha disso clara consciência), ele atua e interpreta sua partitura ou seu texto. Decerto acrescenta mais, ou menos, à obra inicial, mas não se

torna a origem (o autor) ou uma das origens possíveis. (ARDOINO e

LOURAU, 2003, p. 21).

A autoria surge quando há espaços para criar e propor, para participar dos processos

decisivos em diferentes instâncias. O autor é o criador de uma realidade; ele a estabelece,

engendra, arquiteta e, por fazê-lo, é reconhecido em sua condição de criador perante seus

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pares. O agir com autoria é perpassado de relativa autonomia e capacidade de proposição em

função de um projeto educativo de escola. Para além dos campos já mencionados, relativos ao

agente e ao ator, a noção de autor implica também a ética, pois ele é um sujeito de escolhas e

definições que repercutem sobre os pares e o contexto. A noção de autoria transforma,

também, a de autorização:

a autorização se torna o fato de se autorizar, isto é, a intenção, e a capacidade conquistada, de se tornar seu próprio co-autor, de querer se situar

explicitamente na origem dos próprios atos e, em conseqüência, na origem

de si mesmo enquanto sujeito. O autor reconhece, assim, tanto a legitimidade

como a necessidade de decidir certas coisas por si mesmo. (ibid, p. 20).

O autor, portanto, vê-se como sujeito de sua própria prática, agindo e concretizando

trabalhos e processos não por mera delegação ou atribuição, mas porque se sente e deseja ser

um realizador participante, uma vez que a partir de seu próprio espaço é capaz de sentir,

perceber e perspectivar a realidade institucional e organizacional de modo diferente. Assim,

se a primeira questão – relativa à natureza da escola – nos mostra que ela é uma dinâmica, que

é ao mesmo tempo uma instituição e uma organização, o entendimento sobre a possibilidade

de os sujeitos se constituírem como autores é fundamental para que possamos refletir sobre a

segunda questão, relativa aos movimentos internos e específicos que põem a escola em

movimento e a tornam uma construção com traços bastante específicos.

A perspectiva dos papéis que os sujeitos assumem através de sua condição tríptica –

como agentes, atores e autores –, fundamenta em partes o entendimento da origem histórica

dos movimentos na escola. São os processos (as percepções, as compreensões, os sentidos

atribuídos, o modo como o trabalho é realizado, as alterações entre o estabelecido e o vivido,

as ações desencadeadas, as novas propostas e soluções encontradas), e as realidades

construídas (com menos intensidade por alguns, que procuram manter-se naquilo que lhes foi

estabelecido e definido ou, com mais intensidade por outros, que ao vislumbrar diferentes

significados, necessidades e possibilidades, buscam alterar o universo escolar constituído)

pelos sujeitos – ora agentes e atores, ora agentes e autores – que permitem à escola colocar-se

em movimento. A dinâmica da realidade não pode ser explicada se dela se excluir aquilo que

nela é o fator mais construtivo, o elemento humano.

Desse modo, ao afirmar que a escola é uma realidade única, em permanente

caracterização e construção, estamos a dizer que ela não está apenas “posta”, “dada” ou

“definida”, mas que se constrói cotidianamente pelas interações e ações entre/dos sujeitos a

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partir de um determinado contexto e que estes, ao agirem a partir de seus próprios

conhecimentos e concepções, ultrapassam-nos, podendo alterá-los.

Trata-se de compreender que a escola é, ao mesmo tempo, uma realidade instituída e

instituinte; realidade concreta, efetiva e estabelecida, mas também, simultaneamente,

processo e dinâmica, refazendo-se a partir de sua própria história e trajetória por meio da ação

dos sujeitos e grupos. Trata-se de dois conceitos extremamente próximos aos de agente, ator e

autor e que, junto destes, permitem caracterizar a escola e compreender seu movimento.

De acordo com o Dicionário Houaiss (2004, p. 1627) a palavra “instituído” significa

“1. que se instituiu 2 JUR em cujo favor se institui um benefício ou direito (diz-se do

indivíduo) q ETIM part. de instituir”. “Instituinte”, por sua vez, é um vocábulo não

dicionarizado, mas que possui um correlato, “instituidor”, o qual significa: “que ou aquele

que institui; instaurador, estabelecedor, iniciador q ETIM lat. institūtor,ōris „autor,

fundador‟”. Os vocábulos “instituído” e “instituinte/instituidor” têm, então, suas raízes na

idéia de instituir algo, ser autor, o que remete à de criação. Uma diferença possível a ser

colocada entre ambos, então, é a de tempo ou possibilidade, pois que instituído refere-se ao

momento presente de algo que já se fez e que continua posto, fundado, enquanto

instituinte/instituidor, por sua vez, traz a idéia de um sujeito ou processo que torna uma

possibilidade efetivamente possível na medida em que a realiza, concretiza ou funda, numa

ação de autoria.

Outra definição de instituído e instituinte localiza-se em Marques, citado por Boufler

(2001, p. 94):

a) o instituído, que são os meios materiais, as formas institucionalizadas,

mais ou menos estáveis e específicas, o sistema de valores e normas, os

padrões culturais, etc.; b) o instituinte, que são as pessoas envolvidas na vida

da instituição, quer com agentes internos, quer como “clientela”, e o próprio

processo de interação no meio em que ela atua.

Ao ser identificado com normas e sistemas de valores, com formas naturalizadas e

dadas, com uma dada forma de organizar e fazer acontecer a educação, a dimensão instituída

da escola aproxima-se de seus momentos universal e singular, uma vez que ambos estão

estabelecidos em termos de crenças e convicções sobre o que a instituição escolar é ou deve

ser e da organização necessária para o exercício dessa função.

A prática instituinte, por sua vez, caracteriza-se pelo movimento e vida dos sujeitos e

grupos nas instituições, já que eles, movidos por suas necessidades, convicções e objetivos,

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buscam alterar os momentos (instituídos) universal e singular. A prática instituinte, assim

compreendida, identifica-se com o momento particular da instituição porque justamente lá

estão os sujeitos, capazes de engendrar processos de autoria.

Diferentes abordagens podem ser localizadas a fim de fundamentar a possibilidade

de que movimentos instituintes sejam desencadeados na instituição. Dentre as muitas

existentes destacamos três que consideramos importantes e que, de certo modo, demonstram

certa afinidade entre si. São elas as teorias de Castoriadis (1982), Foucault (1979; 1986; 2004)

e Ball (1987).

3.2.2.1 Movimentos instituídos e instituintes

A abordagem de Castoriadis em “A instituição imaginária da sociedade” (1982)

também se mostra central para a compreensão da escola enquanto realidade instituída e

instituinte. Para esse autor as instituições – e aí nos reportamos à escola –foram instituídas em

relação direta com funções a serem exercidas. Possuem, então, uma “funcionalidade” porque

cumprem demandas, necessidades existentes.

Por estarem correntemente relacionadas à sua funcionalidade, as instituições têm essa

primeira dimensão ressaltada no que se refere à sua percepção na sociedade. A dimensão

funcional representa o lado mais “concreto” da instituição, o trabalho e função que realiza:

a funcionalidade [é] o encadeamento sem falha dos meios e dos fins ou das

causas e efeitos no plano geral, a estrita correspondência entre os traços da

instituição e as necessidades “reais” da sociedade considerada, em resumo,

sobre a circulação integral e ininterrupta entre um “real” e um “racional-

funcional”. (CASTORIADIS, 1982, p. 140).

Destaca-se novamente que a dimensão funcional é estruturada para corresponder a

determinadas necessidades presentes no âmbito social. Através dela é possível conhecer as

características da instituição e sua organização para dar cabo de funções bastante próprias de

seu espaço, as quais, no caso da escola, referem-se à educação formal.

Um aspecto importante, cujo destaque é fundamental, é o fato de que a dimensão

funcional – para poder existir e funcionar – exige uma dimensão simbólica. Para explicar esse

movimento, Castoriadis (1982, p. 142) assevera que:

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As instituições não se reduzem ao simbólico, mas elas só podem existir no

simbólico, são impossíveis fora de um simbólico em segundo grau e

constituem cada qual sua rede simbólica. Uma organização dada da economia, um sistema de direito, um poder instituído, uma religião existem

socialmente como sistemas simbólicos sancionados. Eles consistem em ligar

símbolos (a significantes) significados (representações, ordens, injunções ou

incitações para fazer ou não fazer, conseqüências, - significações, no sentido amplo do termo*) e fazê-los valer como tais, ou seja a tornar esta ligação

mais ou menos forçosa para a sociedade ou o grupo considerado.

A dimensão simbólica se constrói a partir da dinâmica entre símbolos (a aula, a sala,

a nota...) que se fazem presentes e circulam na instituição, e o processo de lhes atribuir

sentidos, significados (o que se espera que a nota represente “oficialmente”). Traz, desse

modo, uma primeira idéia-chave, a de simbólico ou rede simbólica: símbolos

(estrategicamente escolhidos a partir da trajetória contextual e histórica da instituição)

existentes na realidade institucional, e os sentidos aos quais se espera que eles remetam.

Os símbolos são criados, escolhidos ou estabelecidos de modo intencional, em

função do “que já existe” ou “aí se encontra” (CASTORIADIS, 1982), a partir, talvez, de um

universo cultural maior e em relação direta com a trajetória social e institucional (há um

motivo para que na escola o quadro de escrever ou o livro didático, repletos de conteúdos,

possuam centralidade no processo educativo), tornando-se, assim, “sagrados”: estabelecem

um sentido de obrigação intrínseca; encorajam devoção e induzem a aceitação intelectual bem

como reforçam compromisso emocional (GEERTZ, 1989). Trata-se de um imaginário efetivo.

(CASTORIADIS, 1982).

As redes simbólica e funcional mesclam-se, então, na medida em que se estabelecem

símbolos capazes de corresponder ao funcional e que o funcional depende do simbólico para

existir. Desse modo, uma realidade funcional que pretende ser “lógica” e uma dimensão

simbólica (imaginário efetivo) a ela relacionada buscam “dominar” os sujeitos inserindo-os no

universo institucional instituído. A rede simbólica da escola, enquanto construção universal

sobre o que a escola é ou deve ser, sobre sua função e modo de funcionar, bem como sua

organização, estrutura singular estabelecida em correspondência a tais crenças, situam-se no

que chamamos de pólo instituído da escola.

Contudo, embora esse pólo seja muito forte e trabalhe a todo tempo para vigorar, a

escola não se reduz a ele porque o que lá acontece não é apenas uma prática que corresponde

a uma necessidade funcional – “formar crianças e jovens através da aprendizagem da

interpretação, produção, resolução de problemas...”. O “mundo escolar” distancia-se, muitas

vezes, das concepções e funcionamentos racionalizados, primeiramente porque as

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representações e interpretações dos sujeitos – agentes, mas também atores e autores – não se

mantêm restritas ao que idealmente se possa desejar que enxerguem ou interpretem;

segundamente, porque não existem funções e necessidades únicas e previamente colocadas a

serem cumpridas, mas sim necessidades múltiplas que correspondem a realidades concretas

de cada escola e de seus sujeitos e que são, assim, supridas de formas também diferenciadas,

mudando o curso da história.

Assim, é possível perceber que paralelamente ao pólo instituído (bastante

relacionado aos momentos universal e singular), as escolas possuem um segundo pólo

instituinte (mais afeto ao momento particular).

A dimensão instituinte das instituições se constrói por meio do processo imaginário

ou de simbolismo, o qual se refere à capacidade dos sujeitos e grupos de criarem e atribuírem

sentido aos símbolos existentes, um processo que garante entendimento sobre a organização e

o sentido de seu trabalho, estando diretamente ligada a ela, mas não restrita. O imaginário ou

simbolismo é a capacidade de ultrapassar os sentidos inicialmente configurados para

determinados símbolos e criar outros, diferentes:

O imaginário de que falo não é imagem de. É criação incessante e

essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de

“alguma coisa”. Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são

seus produtos. (CASTORIADIS, 1982, p. 13).

A impossibilidade, então, de um racionalismo total na instituição, as incoerências e

regras de funcionamento não expostas ou ocultadas, bem como a capacidade que os sujeitos

(históricos) possuem de criar, remete-os a uma gama enorme de interpretações e

significações, gerando diferenciações entre símbolos – histórica e estrategicamente escolhidos

– e os significados8 a eles atribuídos. A instituição de novos sentidos simbólicos – imaginário

radical – impede a pretensão à submissão diante de significados sagrados, únicos ou exatos

diretamente ligados à dimensão funcional da instituição e criam uma realidade

constantemente instituinte.

8 A mesa do professor situada à frente da sala foi historicamente ali posicionada representando a autoridade e legitimidade de seu papel e competência para conduzir a formação dos alunos. Ao observar o professor sentado

em sua mesa, de frente para a classe, um aluno pode interpretá-lo como autoritário ou pessoa sem bom-senso ou

pode, simplesmente, não reconhecer em sua localização geográfica a autoridade que, se planejava, fosse

assimilada.

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É essa dimensão instituinte, de criação de interpretações e significações que permite

à escola estar em movimento, inclusive “autonomizando-se” em relação à sociedade através

da negação ou distanciamento das funções e necessidades que inicialmente deveria preencher.

É o que demonstra Castoriadis (1998, p. 149-150):

Considerando agora o “em si próprio”, o racional das instituições não

conhecido e não desejado como tal pode ajudar o funcional; e pode também

ser-lhe adverso. Se é violenta e diretamente adverso, a instituição desmoronaria imediatamente [...]. Mas pode sê-lo de maneira insinuante,

lenta, cumulativa – e o conflito só aparece então no fim de um certo tempo.

Assim, quando se perspectiva a escola numa dimensão unicamente funcional ou

apenas por aquilo que lá está instituído, acredita-se que ela tende a manter-se tal e qual foi

concebida. Contudo, de modo diferente, uma compreensão simbólica que contemple a

capacidade instituinte e imaginária dos sujeitos em relação com o funcional, é capaz de

reconhecer que os inúmeros significados construídos na vida social da escola conferem-lhe

não apenas dinâmica, mas uma dinâmica própria capaz de posicioná-la como estando em

movimento.

Por outro lado, é incorreto pressupor que o instituinte passa a dominar o instituído,

mas é também equivocado acreditar que a observância rígida de tudo o que está instituído é

capaz de mantê-la inalterada em relação a seu projeto original. Assim como construções

simbólicas buscam autonomizar-se em relação à dimensão funcional (as pessoas deixam de

enxergar no funcional aquilo que ele deveria representar e percebem nele outros sentidos,

através do imaginário radical), também a dimensão funcional intenciona, visando à sua

manutenção, apropriar-se das construções simbólicas, racionalizando-as e utilizando-se delas

na medida em que as encampa (diante do surgimento de demandas por participação e

autonomia estabelecem-se normas, deliberações e decretos políticos que institucionalizam e

tornam funcional aquilo que inicialmente era simbólico).

A dialética constante entre instituído e instituinte é explicitada por Castoriadis (1982,

p. 416), quando trabalha a idéia de sociedade:

Enquanto instituinte e enquanto instituída, a sociedade é intrinsecamente

história – ou seja, auto-alteração. A sociedade instituída não se opõe à sociedade instituinte como um produto morto a uma atividade que o

originou; ela representa a fixidez/estabilidade relativa e transitória das

formas-figuras instituídas em e pelas quais somente o imaginário radical pode ser e se fazer ser como social-histórico. A auto-alteração perpétua da

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sociedade é seu próprio ser, que se manifesta pela colocação de formas-

figuras relativamente fixas e estáveis e pela explosão dessas formas-figuras

que só pode ser sempre posição-criação de outras formas-figuras. Cada sociedade faz ser também seu próprio modo de auto-alteração, que podemos

também denominar sua temporalidade – isto é, se faz ser também como

modo de ser.

Importante é perceber que enquanto instituição, a escola apresenta-se – através de

sua dimensão instituída – como uma realidade presente a qual – através de sua dimensão

instituinte – pode assumir a característica de transformação mais ou menos constante,

avançando a partir do que está instituído. A continuidade e historicidade são garantidas pelo

instituído (tal como mostrou Castoriadis ao afirmar que construímos novos símbolos a partir

da trajetória já existente e trilhada), enquanto sua depuração, recriação e criação é uma prática

do instituinte diante não apenas do instituído que lhe dá o suporte primeiro, mas das novas

necessidades, exigências, concepções e realidades que se apresentam aos sujeitos enquanto

atores e autores que agem dentro da organização.

Esse enfoque, que inicialmente parece complexo quanto a seu conceitual e ao final

mostra-se simples quanto a sua lógica, representa, na realidade, uma grande guinada no modo

de compreender a escola enquanto instituição cuja realidade se constrói a partir de tais

movimentos.

3.2.2.2 Discurso e saber-poder

A lógica da força instituinte ou positividade que configura a realidade da instituição

também pode ser vista em Foucault (2003); dentre outros aspectos, sua análise tem em

comum com a de Castoriadis (1982) o reconhecimento de “movimento” nas instituições para

além de sua dimensão formal ou jurídica e esse, para ser captado, exige o trabalho com, ao

menos, quatro conceitos: disciplinas, saber-poder e discurso.

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Disciplinas9 são técnicas de regulação desenvolvidas no interior das instituições

(entre as quais a escola) a fim de exercer o domínio sobre os sujeitos, de fabricá-los como

homens autônomos e racionais (em congruência com o ideal do projeto de modernidade),

governando-os em direção à obediência política e à docilidade para o trabalho (MARSHALL,

1993).

As disciplinas exercem um poder sobre os indivíduos e seus corpos que vai muito

além da visão jurídica (e estreita) de poder. O poder de que se utilizam emana dos saberes que

são construídos no interior da própria instituição, a partir das inter-relações lá efetivadas;

emanam da prática, da experiência, da realidade institucional, sendo portanto históricos e a ela

referentes.

O poder exercido pelas disciplinas não possui uma natureza exibicionista ou de

ostentação; ao contrário, mostra-se sutil e quase imperceptível. Suas técnicas extrapolam em

muito a tradicional “repressão”, podendo utilizar-se de mecanismos como a aceitação, o

consentimento, a vigilância, a normalização, a avaliação, a recompensa e, especialmente, o

exame.

O exame é uma forma de operar, um esquema que busca, ao mesmo tempo, produzir

saberes a fim de exercer poder e, por meio do poder, transmitir esses mesmos saberes.

Informações sobre a realidade e os sujeitos são inquiridas, registradas, classificadas,

analisadas e sancionadas, compondo um campo de saber. Segundo Foucault (1987, p. 166),

por meio do exame,

a escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que

acompanha em todo o seu comprimento a operação de ensino. Tratar-se-á

cada vez menos daquelas justas em que os alunos defrontavam forças e cada vez mais de uma comparação perpétua de cada um com todos, que permite

ao mesmo tempo medir e sancionar. [...] A escola torna-se o local de

elaboração da pedagogia.

Os saberes que a técnica de exame produz convertem-se em fonte de poder, pois

permitem manejar as disciplinas com maior respaldo e, conseqüentemente, sutileza,

desencadeando processos que terminam por dominar os sujeitos. Segundo Marshall (1993, p.

9 De acordo com Foucault (1987), na organização e funcionamento escolar, as disciplinas se fazem presentes por

meio de práticas como o cerceamento, a definição precisa e a otimização dos espaços, o controle do tempo

individual em relação ao tempo coletivo, visando, igualmente, a otimizá-lo através de uma relação direta e articulada com os corpos e destes entre si, a organização da aprendizagem através de seqüências analíticas e

individualizadas, a serem detalhadamente examinadas e a valorização do indivíduo apenas na medida em que

compõe um grupo [produtivo] em relação ao qual se ajusta combinando ações sob um comando preciso.

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29), “Mediante los procedimientos normalizadores del examen y la „confesión‟, las personas

se clasifican como objetos, „revelándoles‟ la verdad sobre si mismos. Al construir de este

modo a los sujetos, el poder moderno produce individuos governables".

Os saberes assim produzidos foram/têm sido convencionados como verdadeiros,

contribuindo para o surgimento de diferentes ciências, como as clínicas e a pedagógica. Essas

ciências desenvolveram-se a partir de uma abordagem denominada pelo autor de

“descendente” por se consistir numa abordagem macro que parte da lógica objetivada

produzida no centro, do sentido universalmente estabelecido como verdade (normalmente

ligado ao Estado, à economia e à política) em direção a seus desdobramentos nas instâncias

menores e particulares, na periferia, onde objetivavam os indivíduos e a realidade e, a partir

daí, sujeitava-os.

Assim, diante dos sujeitos, na periferia, os saberes que as disciplinas produzem são

utilizados como recurso de poder, já que fazem a eles se sujeitar na medida em que são

veiculados e consumidos, convencionados como verdade, denotando a intrínseca articulação

poder-saber.

No entanto há, na realidade institucional, outros saberes existentes, também a ela

relativos, produzidos não apenas por aqueles que exercem as disciplinas, mas por todos que a

vivem. No processo de objetivação dessa realidade (em especial pela microtecnologia do

exame, mas também por outras) tais saberes foram desconsiderados em favor dos

“especializados” e, portanto, têm estado dominados na medida em que são escondidos,

anulados, negados ou mesmo desconsiderados diante da formulação teórica vigente, “que

pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro,

em nome dos direitos de uma ciência detida por alguns” (FOUCAULT, 1979, p. 171). Face a

essa problemática, o autor desenvolveu o que chamou de genealogia:

A genealogia seria portanto, com relação ao projeto de uma inscrição dos

saberes na hierarquia de poderes próprios à ciência, um empreendimento

para libertar da sujeição os saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e

científico. (op cit., p. 172).

A genealogia parte da lógica de que os saberes produzidos pela lógica descendente

dificilmente conseguirão revelar aspectos e dimensões que só à periferia fazem sentido e que,

provavelmente, permanecerão desprezados ou não identificados.

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Foucault (1979) defende uma reversão nesse movimento propondo sua substituição

por uma lógica ascendente, que articule a construção dos saberes no sentido contrário, da

periferia para o centro. Ao partir das referências próprias dos sujeitos, ligadas a suas

experiências e práticas, tal abordagem pode ser capaz de descortinar discursos e saberes que

até estavam desconsiderados, mas que também são capazes de fornecer conhecimento

verdadeiro sobre a realidade institucional10

.

A abordagem ascendente atinge uma das grandes questões das sociedades

contemporâneas, a da relação entre teoria e prática, na medida em que busca desconstruir

idéias como a de que a verdade pertence aos intelectuais (denominados por Foucault como

universais), enquanto representantes da ciência e do conhecimento científico, portadores das

grandes e justas verdades, bem como a de que eles, por meio de sua consciência e eloqüência,

têm o papel de conscientizar as massas. A esse respeito Foucault, em conversa com Deleuze

(1979, p. 71) assevera: “Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas

não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que

eles”.

Compreende-se, desse modo, que os saberes não são universais, mas que, ao

contrário, pertencem às instituições e às suas práticas, emanam do local, sendo portanto

particulares, dos indivíduos que, de diferentes modos e com lógicas próprias, produzem a

realidade. Nesse momento, contrapõe-se a idéia de intelectual universal à de intelectual

específico:

aqueles que se habituaram a trabalhar não no “universal”, no “exemplar”, no

“justo-e-verdadeiro-para-todos”, mas em setores determinados, em pontos

precisos em que os situavam, seja suas condições de trabalho, seja suas condições de vida (a moradia, o hospital, o asilo, o laboratório, a

universidade, as relações familiares ou sexuais). Certamente com isso

ganharam uma consciência muito mais concreta e imediata das lutas. E também encontraram problemas que eram específicos, „não universais‟,

muitas vezes diferentes daqueles do proletariado ou das massas.

(FOUCAULT, 1979, p. 9).

Assim, parece não existir “a verdade”, mas diferentes verdades, inclusive aquelas

que emanam dos também habilitados a elaborar discursos sobre a instituição, tarefa diante da

qual o papel dos intelectuais universais, pesquisadores, mudaria, cabendo-lhes não mais olhar

a instituição a partir de sua lógica própria e construir a partir daí um discurso prescritivo, mas

10 Um exemplo dado pelo autor é o de que ninguém tem mais a dizer sobre a loucura do que aqueles que na

instituição desenvolvem práticas em torno dela.

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apoiar as instituições para que se percebam de dentro, fornecendo a elas instrumentos de

análise, auxiliando-as a perceber a realidade e as temáticas institucionais, a analisar, enfim, a

construir um “sumário topológico e geológico da batalha” (FOUCAULT, 1979, p. 151).

Ao valorizar os saberes locais, aqueles que se localizam nas relações sociais de poder

na instituição, a genealogia está, na verdade, valorizando a prática. Trata-se de uma nova

racionalidade em termos de produção de conhecimento, que não pretende “reabilitar”

conhecimentos até então desconsiderados pela ciência acoplando-os ao discurso científico

vigente, mas sim produzi-los a partir de sua própria racionalidade.

A superação da polarização entre teoria e prática, agora atribuindo aos saberes que

circulam na prática também a condição de verdades, reflete o posicionamento que Foucault

(1979; 1987) dá ao poder e sua relação direta e intensa com o saber.

Quando se aborda a instituição por meio de uma lógica descendente, pautada na

racionalidade científica, o poder é entendido como uma categoria única, uma forma jurídica

que está no Estado e dele decorre. É algo que, por cessão ou contrato, mostra-se possível de

transferência, como que possuindo uma materialidade. No âmbito institucional, tal poder é

dominado por aqueles que estão em posições ou papéis ligados a quem produz o

conhecimento (os intelectuais universais, as universidades...) e/ou quem modera sua produção

e dele se apropria (o Estado e aqueles a quem delega autoridade para exercer o governo; a

economia).

Para Foucault (1979), o poder tem outra configuração. Ao defender a validade dos

saberes que circulam na prática, o autor o posiciona como toda prática social e institucional

que se organiza de tais saberes. Não é um mero exercício de repressão (embora ele não negue

que muitos fenômenos se adaptam a ela), mas essencialmente um movimento que, permeando

todas as relações sociais, produz saberes sobre os indivíduos e a realidade, capta-os por meio

de disciplinas ou de outros mecanismos e, assim, os fabrica:

Temos de deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos

negativos: ele «exclui», «reprime», «recalca», «censura», «abstrai»,

«mascara» e «esconde». Na verdade, o poder produz; ele produz realidade;

produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção.

(FOUCAULT, 1987, p. 172).

Se o saber se origina das práticas relacionais da instituição, o poder que elas

permitem exercer circula em cadeia, exerce-se em rede, pois os indivíduos também podem,

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por meio das próprias disciplinas, fornecer saber e sofrer poder; extrair saber e exercer poder.

Ao mesmo tempo em que gera saber para poder se exercer, o poder faz nascer saberes e

contrapoderes:

[...] forças que se formam a partir de uma multiplicidade organizada; [...]

efeitos de contrapoder que dela [da disciplina] nascem e que formam

resistência ao poder que quer dominá-la: agitações, revoltas, organizações espontâneas, conluios – tudo o que pode se originar das conjunções

horizontais. (FOUCAULT, 1987, p. 193).

A esse respeito, Machado (1979, p. 12) assevera que, para Foucault “os poderes

periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado”, mas

fazem-se presentes nos sujeitos, devendo ser buscados nas redes e capilaridades da instituição,

em seus formatos locais. Tais procedimentos levam a considerar o poder como uma espécie

de força fluída e a defender a possibilidade de os indivíduos gozarem de certa independência e

autonomia em relação ao que se passa em nível de Estado, já que os poderes não se localizam

ora lá, ora nos sujeitos, mas em toda parte, através das práticas e das relações sociais. O poder

é, nessa perspectiva, não um bem concreto que se dá ou troca; ele é um exercício, apresenta-se

nas ações dos sujeitos e, por isso, em relações de políticas, de força e não de simples

repressão, como normalmente se considera.

O poder funciona como uma prática política, uma guerra continuada por diferentes

meios e ações que buscam impor, neutralizar e/ou suspender ações realizadas. Para tanto, é

importante conhecer suas microtecnologias11

, os instrumentos materiais dos quais se mune,

estudando-os por seu lado externo, pelas práticas reais que utiliza. Pouco adianta questionar

como o soberano aparece no topo; importante é compreender como os súditos foram

constituídos súditos através de diferentes corpos, forças, energias e matérias: “Para mim, o

problema é evitar a questão – central para o direito – da soberania e da obediência dos

indivíduos que lhe são submetidos – e fazer aparecer em seu lugar o problema da dominação e

da sujeição” (FOUCAULT, 1979, p. 182).

A compreensão da mecânica do poder reafirma não apenas a validade como também

a necessidade de uma análise ascendente da instituição, a fim de que se possa perceber como

as trajetórias, histórias, táticas de poder local são subjugadas, apropriadas e transformadas por

11

Segundo Hoskin (1993, p. 36), as microtecnologias “reúnen el ejercicio del poder y la construcción del saber

en la organización del espacio y del tempo siguiendo líneas ordenadas, de manera que faciliten formas constantes

de vigilancia y la puesta en acción de la evaluación y el juicio”.

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mecanismos gerais de dominação global, contribuindo para a minimização ou reversão desse

movimento na medida em que são desvelados.

Esse modo de trabalho permitirá perceber que na base ou periferia não existe uma

ideologia no sentido, mas sim procedimentos de criação de saber tais como técnicas de

registro, de levantamento de informações, de observação, de verificação. “Tudo isso significa

que o poder, para exercer-se nestes mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e pôr em

circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber que não são construções ideológicas”.

(ibid, p. 186).

O fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não

há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também,

reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber. É

assim que o hospital não é apenas local de cura, “máquina de curar”, mas

também instrumento de produção, acúmulo e transmissão do saber. [...] Mas

a relação é ainda mais intrínseca: é o saber enquanto tal que se encontra dotado estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O saber

funciona na sociedade dotado de poder. É enquanto é saber que tem poder.

(MACHADO, 1979, p. 21-22).

A dualidade/mutualidade entre saber e poder revela-se especialmente por meio do

discurso, noção especialmente desenvolvida por Foucault (1986) quando buscava

compreender a estruturação ou organização dos saberes. Ele explicita o discurso não apenas

como conjunto de símbolos e signos, mas como força instituinte (ou constitutiva, nas palavras

do autor) que, ao dizer a realidade, a constrói.

De fato, a produção de saberes expressa uma dada definição de significados e

sentidos (não necessariamente todos os sentidos possíveis ou existentes, mas os sentidos que

se elegeu); ao transmiti-los, o discurso passa a exercer um papel produtivo no meio social, já

que de certo modo socializa e afirma tais sentidos, os quais, por sua vez, são assimilados e

participam da composição da subjetividade dos indivíduos. “Por tanto, a través del discurso,

tiene lugar la producción social de significado, por medio del cual se produce la subjetividad

y se mantienen las relaciones de poder” (KENWAY, 1993, p. 175).

O discurso, desse modo, não é apenas um conjunto de palavras proferidas, mas um

elemento evidenciador da identidade daqueles que o enunciam, das circunstâncias nas quais

falam e da autoridade com que falam, impactando de diferentes modos a realidade. Ao mesmo

tempo em que revela, também constitui o cenário de relações sociais existentes (saberes e

poderes), motivo pelo qual não existe “o discurso verdadeiro”, mas tecnologias ou

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mecanismos que visam, por meio do discurso, à produção de verdades. Por esse motivo, o

discurso não é “simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas

aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT,

1996, p. 10).

Assim, se o discurso compromete, revela sentidos e posições, verdades muitas vezes

desprezadas ou ignoradas, as quais são objeto de exame na instituição; seu poder não está em

si mesmo, mas na ordem institucional da qual ele nasce e a qual constitui. Diante desse risco

ou potencial, a instituição desencadeia procedimentos de controle e restrição, dentre os quais

destacamos a oposição entre verdadeiro e falso ou a “vontade de verdade (FOUCAULT,

1996).

Historicamente, buscou-se estabelecer uma diferenciação entre discursos verdadeiros

ou falsos, sendo que a atribuição da condição de verdade ao discurso passava pela observância

do ritual próprio a sua materialização; assim, era verdadeiro o discurso que advinha de quem

tinha o direito de falar.

Hoje, porém, esse critério de verdade já não se sustenta, pois a condição de verdade

do discurso relaciona-se com seu próprio conteúdo, com aquilo que ele diz e essa mudança

gerou o que Foucault (1996) chama de “vontade de verdade”, ou seja, os discursos concorrem

entre si para se mostrarem como verdadeiros.

Institucionalmente, o reconhecimento da força dos discursos, do desejo das pessoas

em proferi-los a fim de dizer “a verdade”, dos riscos de dominação, luta, ferimentos ou vitória

que estão associados à materialização desse desejo gerou a validação incondicional daqueles

discursos que expressam uma dada racionalidade através de mecanismos de suporte que os

reforçam (a pedagogia, a biblioteca, entre outras) e os reconduzem (sua utilização e

valorização). Na instituição, a vontade de verdade representa um processo excludente, pois a

fim de eleger a “verdade institucional” a instituição despreza outros discursos que em geral a

ela se interpõem, buscando também essa mesma vontade da verdade.

Fato é que paralelamente aos discursos que veiculam de modo oficial ou com status

de verdadeiros, outros correm a eles com uma positividade própria, visando também à

construção da realidade por meio dos sentidos e significados que veiculam, os quais são

expressão dos saberes dos sujeitos e grupos que compõem a instituição, independentemente

da posição que nela ocupem e a despeito das disciplinas existentes. Embora tais saberes

tenham estado dominados e o poder disciplinar venha adquirindo formas cada vez mais sutis –

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de modo especial por tecnologias de gestão12

–, sua existência é incontestável e tem se

mostrado presente, cada vez com mais contundência, nas instituições escolares.

3.2.2.3 Micropolítica da escola

Outra leitura capaz de ser feita do movimento instituinte é a que se refere aos

processos micropoliticos, no campo do estudo das organizações. Ball (1987) e Blase (1991)

podem ser considerados duas referências na temática que tem como ponto de partida o

entendimento de que a organização possui um movimento interno próprio, no qual consensos

não são simples repercussão do funcionamento idealizado e conflitos não são patologias a

serem combatidas: ambos são construções que refletem a busca e luta das pessoas e grupos

pela conquista de metas pessoais e grupais (motivados pelo desejo ou necessidade de poder,

recursos e possibilidades), nem sempre coincidentes com as metas institucionais.

Normalmente, a escola tem sido abordada na teoria das organizações por meio de

enfoques burocráticos que visam a prescrever seu funcionamento em vez de descrevê-lo com

fins de compreensão. O trabalho nessa via centra-se nas estruturas física/material e

organizacional como sendo formas dadas pelas políticas para educação e definidoras da

existência da escola. Desconsidera-se ou relega a um segundo plano o fator humano e seus

valores, conhecimentos, hábitos, crenças e preferências e ao trabalhar nessa perspectiva

prescritiva termina por não considerar os conflitos como processos inerentes e naturais à

organização, portanto merecedores de análise e compreensão.

A perspectiva micropolítica trabalha, então, em outra direção; entende que existe

uma dinâmica política que atua sobre a escola e, em certa medida, a determina, mas reconhece

igualmente que percepções, significados e intenções dos atores internos ocasionam conflitos e

lutas gerando, para além das dinâmicas políticas que provêm de fora, dinâmicas

micropolíticas que nascem do interior da vida institucional. Segundo Ruiz (1997, p. 20)

El análisis micropolítico pone el acento en la dimensión política de la

escuela, caracterizada en su interior por la presencia de intereses diferentes,

por el intercambio, la influencia y el poder. Cada parte en la lucha intenta

12 A esse respeito veja-se: BALL, S. J. La gestión como tecnología moral: un análisis ludista. In: ______.

(Comp.) Foucault y la educación: disciplinas e saber. Madrid: Morata, 1993.

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establecer la unanimidad alrededor de un sistema concreto de significado o

lógica de acción.

Tal como explicita a autora, as ações micropolíticas são desencadeadas não porque

na prática, diante dos modelos organizacionais propostos, ocorre uma organização fraca

(loosely coupled), incapacitante da plena articulação, mas porque tal organização débil é

inerente à lógica de funcionamento interno, já que rompimentos na articulação são naturais

em conseqüência de interesses diferenciados que, a despeito da existência de interesses

comuns e da interdependência, ocasionam conflitos e lutas gerados pela relativa autonomia

que cada indivíduo pode manter e que, muitas vezes, utiliza para gerar ou obstruir mudanças.

Tais movimentos individuais ou de agrupamentos, ocasionados não pelas pessoas

abstratamente, nem pela estrutura organizacional por si mesma, mas pela inseparabilidade

entre as pessoas e a organização é o que se pode denominar micropolíticas, definidas por

Hoyle (apud BALL, 1987) como “las estrategias con las cuales los individuos y grupos que se

hallan en contextos educativos tratan de usar sus recursos de poder e influencia a fin de

promover sus intereses”.

Blase (1991, p. 1), por sua vez, define a abordagem micropolítica como uma

abordagem

About conflict and how people compete with each other to get what they want. It is about cooperation and how people build support among

themselves to achieve their ends. It is about what people in all social settings

think about and have strong feelings about, but what is so often unspoken

and not easily observed.13

A contribuição do autor é especialmente importante na medida em que enfatiza que

as micropolíticas – “cualquier acción, consciente o inconscientemente motivada, [...] [que

tem] una relevancia política en una situación dada” – podem ser conflitivas mas também

cooperativas, nesse último caso quando o agrupamento ou a cooperação convierem para o

alcance de objetivos próprios, como “ejercer influencia y/o proteger” (ibid, p. 11).

13 Sobre o poder e como as pessoas usam-no para influenciar a outros e proteger a elas mesmas. É sobre conflitos e como as pessoas competem com as outras para conseguir o que querem. É sobre cooperação e como as pessoas

constroem um suporte entre elas para atingir seus objetivos. É sobre o que as pessoas de todos os setores sociais

pensam e sobre as fortes percepções que têm, mas que normalmente não são faladas e não são facilmente

observadas. (tradução nossa).

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Micropolíticas, então, não se referem apenas a ações publicamente percebidas e

expressadas, mas incluem procedimentos sutis e organizacionais/estruturais. Considerando a

perspectiva instituinte, ou seja, o reconhecimento da escola como instituição que produz ativa

e continuamente uma ordem social particular, é possível visualizá-las como centrais tanto para

a implementação como para o bloqueio de movimentos instituintes, configurando-se como o

“estado político de una organización escolar” (BLASE, 2002).

O trabalho de Blase (2002) apresenta um cuidadoso mapeamento de estudos que

relatam e ilustram micropolíticas das escolas. A luta pelo poder se trava quando professores

desejam resistir ao controle dos diretores e/ou controlar e exercer autoridade sobre os alunos;

quando diretores objetivam conseguir alianças com os professores ou oprimir aqueles que

demonstram liderança ou influência sobre os pares; em situações em que os pais intencionam

influenciar na vida escolar; quando o sistema objetiva minar a autonomia da escola; nos

momentos em que a escola visa a envolver e enquadrar professores recém-chegados; ou

quando diferentes pessoas ou grupos trabalham para fugir do poder hierárquico.

Para tanto, as estratégias ou técnicas micropolíticas são variadas, como a

manipulação da linguagem (uso de elogios públicos para envaidecer, persuadir e conquistar,

ou utilização de linguagem pejorativa para depreciar pontos de vista que se opõem), troca de

apoio ou lealdade, entendimentos, negociações, tratos, determinação de regras, coligações,

mediações, persuasões públicas, sabotagens, obstaculização, intimidação, favoritismo,

exclusão, adiamento de reuniões, cumplicidade, agrupamento ou isolamento, autoproteção

contra abordagens externas, demonstração de confiança, comprometimento, envolvimento,

acumulação e não-compartilhamento de recursos, aproximação das pessoas que detêm

formalmente o poder, estruturação democrática das decisões, competição, concentração e

divulgação de informações, não esclarecimento de processos, estímulo à autonomia,

encorajamento, entre outros.

Tais estratégias micropolíticas são utilizadas pelo sistema educativo em relação às

escolas e pelas escolas em sua relação ao sistema; internamente, na escola, pelos diretores,

professores, alunos, famílias e funcionários, visando igualmente a vencer conflitos

estabelecidos ou conseguir cooperação em vista de metas pessoalmente buscadas.

É importante ressaltar que a abordagem micropolítica da escola não se pauta num

enfoque exclusivamente interno, mas pressupõe que tal abordagem só colaborará para a real

compreensão da instituição quando relacionada ao enfoque externo ou macropolítico, haja

vista que é dessa instância que partem tanto os aspectos econômicos e as demandas sociais,

bem como as políticas educacionais e curriculares.

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Sua análise e compreensão podem ser alcançadas, segundo Ball (1997), por meio do

trabalho com conceitos por ele tomados como chaves para essa finalidade, quais sejam:

controle, diversidade de metas, ideologia e conflitos. Esses conceitos surgem na medida em

que se reconhece a existência de uma zona de liberdade e atuação instituinte para os sujeitos

na escola, contrariando o entendimento de seu funcionamento como estritamente burocrático,

da organização como estrutura científica e da interação estabelecida pelas pessoas (em função

da estrutura política, material e organizacional dada) como patologia.

No que diz respeito ao controle, a percepção sobre sua possibilidade de governar os

processos decisórios normalmente está associada a um determinado tipo de organização e

funcionamento: a organização burocrática e hierarquizada. Nessa perspectiva, o controle é

percebido em relação à centralidade dos cargos, onde se localiza o poder formal. Não há

dúvidas de que esse modo de controle existe, porém, ele não é exclusivo nos processos de

gestão da escola.

Ball (1987) demonstra que na escola funcionam, concomitantemente, modelos

variáveis de controle, em função dos muitos enfrentamentos que se dão no interior da

organização. Nessa perspectiva existem, então, diferentes “campos de controle” exercidos não

apenas pelos gestores como também por professores, alunos ou demais membros que –

enquanto portadores de uma outra visão (de controle) – buscam também influenciar as

tomadas de decisão em situações de discussão pública, negociação, confrontamento de pontos

de vistas, pois “Los límites del control se modifican continuamente y su trazado es diferente

en las diferentes escuelas” (op cit., p. 27).

Por esse motivo, compreender as micropolíticas da escola implica flexibilizar o

modelo burocrático de controle, não o desprezando totalmente, mas considerando também

movimentos de governo que se efetuam em outras vias ou direções. Micropolíticas certamente

partem desse entendimento: de que há possibilidades de influenciar, participar e decidir para

além das que se apresentam na estrutura “inicial” da escola.

O segundo conceito-chave proposto é o de diversidade de metas. A despeito de a

escola possuir uma estrutura organizacional que contempla diferentes subgrupos com espaços

de trabalho e funções diferenciadas, prevalece a idéia de que todos eles atuam a partir de

consensos refletidos em metas institucionais.

A realidade da escola, porém, contraria esse princípio; a estrutura organizacional

existente – na qual coexistem grupos com papéis e responsabilidades diferentes – termina por

ser a principal geradora de metas particulares ou próprias a tais grupos, que também possuem

uma margem de autonomia decorrente do domínio sobre a atividade que desenvolvem. O

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espaço de autonomia, somado à ausência de consensos plenos, gera o que tem sido

denominado de diferentes modos: “frouxidão estrutural”, “conexão vaga” ou “sistema loosely

coupled” (BALL, 1987). Em comum, tais definições pretendem demonstrar a baixa conexão

existente na escola: “se entiende por esto que la estructura se halla desconectada de la

actividad (el trabajo) técnica, y la actividad está desconectada de sus efectos” (MEYER e

ROWAN apud BALL, 1987, p. 29).

Também é importante considerar, para além dos fatores internos que dificultam uma

articulação consistente (subculturas dos grupos, percepções, valores e modos de participar e

influenciar), a existência de fatores externos (sociedade em mudanças, desestruturação de

padrões convencionais, aumento da pobreza e exclusão social) que igualmente questionam a

ordem vigente e expõem a inexistência de metas comungadas e assumidas por todos (pois que

cada qual tenta manter suas prioridades ou trabalhar a seu modo com as pressões sofridas).

A articulação débil da escola, somada à real possibilidade que todos têm de exercer

níveis de controle, tornam a escola muito mais próxima de uma organização anárquica (pouca

funcionalidade entre metas, ação dos membros e os processos e estratégias utilizados) do que

de uma organização burocrática (com funcionamento científico) ou sistêmica (com

funcionamento integrado e globalmente articulado).

No que tange a ideologia, Ball (1987) trabalha com o conceito em dois sentidos: a)

num mais simples e comum, especialmente utilizado, referindo-se a perspectivas e idéias dos

professores sobre seu trabalho e os fins da educação (consideramos que esse sentido cunhado

por ele se aproxima do de cultura); b) num sentido mais especializado, para referir-se às idéias

que ocultam ou resolvem dimensões problemáticas da vida social numa perspectiva abstrata

ou idealista. Nesse caso, a ideologia é utilizada principalmente por grupos dominantes,

especialmente os gestores.

A ideologia possui um potencial para explicar as micropolíticas que decorre do fato

de que o governo que os diferentes campos de controle exercem não é uma questão

meramente técnica ou estrutural, mas também expressão dos valores e crenças dos sujeitos

que buscam influenciar a instituição e participar nas decisões. A esse respeito, Ball (1987, p.

30) cita Bell:

Considerando, pues, que las metas de la educación son ambiguas y pueden

no ocupar una posición clara en la vida de la escuela, el modo en que las

escuelas tratan de alcanzar esas metas es igualmente oscuro. Aunque las

metas sean expresadas en los términos más generales, relacionados con la manera de facilitar la enseñanza, diferentes ideologías educativas y políticas

pueden llevar a los profesores a abordar su tarea de diferentes modos.

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A origem das ideologias se encontra em diferentes pontos, especialmente nas

representações que se foram desenvolvendo ao longo dos anos por diferentes processos de

socialização (sobre o que é a escola, o professor, o trabalho de aluno, etc.), os conhecimentos

obtidos em processos de formação (e a linha ideológica por esses seguida) e as características,

exigências e dificuldades que as situações pedagógicas impõem. Compreende-se, desse modo,

não apenas a participação da ideologia nos movimentos de controle, mas especialmente o

motivo pelo qual tais movimentos são impulsionados por pessoas ou grupos com valores e

metas diferenciados. De fato, a ideologia participa da base que gera a articulação débil da

escola, embora na maioria do tempo esteja latente e submersa, pois será nas situações de

conflito ou naquelas em que haja possibilidade de discussão coletiva e posicionamento

individual/grupal que ela se fará perceber de modo mais explícito.

Mostra-se como fundamental, então, a diferenciação entre ideologias e interesses no

desencadeamento de micropolíticas. Ocorre que nem sempre os sujeitos e grupos são movidos

por ideologias, sendo o interesse pela concretização de interesses práticos mais forte. Isso se

dá porque há professores que consideram suas convicções, valores e crenças um interesse a

ser contemplado, mas há outros para quem interesses de natureza material (salário, carreira,

condições de trabalho, disponibilidade de recursos humanos ou materiais) ou interesses de

fundo pessoal (alcance de uma especialização profissional, de certa valorização ou destaque)

“falam” mais alto. A esse respeito, Ball (1987, p. 33) assevera:

Cuando se acuerdan políticas y se toman decisiones, están en juego recursos

(materiais e sociales), carreras y reputaciones. El peligro es que las formas puramente abstractas [ideológicas] de análisis no penetren en estas

dimensiones de la vida organizativa, destinadas entonces a permanecer

ocultas atrás una ficción teórica de sutilezas sistémicas.

Realmente, os estudos sobre teorias de gestão educacional tendem a enfocar o

envolvimento das pessoas por meio de fatores motivacionais de ordem psicológica, quando,

para muitas, interesses de cunho prático podem ser igualmente ou mais importantes. Essa

compreensão reitera a necessidade de contextualização e confrontação entre abordagens

macro e micro, bem como de articulação, em alguns casos, entre categorias clássicas de

análise com as novas categorias trazidas pelo enfoque micropolítico quando da realização de

estudos dessa natureza.

Há, por fim, um quarto conceito integrador proposto por Ball (1987) como capaz de

organizar estudos micropoliticos: o conceito de conflito. Ele é, provavelmente, o mais central

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e integrador dentre os quatro, podendo ser considerado inerente à abordagem micropolítica

em função dos sujeitos e grupos com interesses próprios que, ao diferenciarem-se,

fragmentam a instituição lutando e competindo entre si pelo controle e definição da escola.

Por outro lado, não se deve imaginar que o conflito é uma situação constante na

escola. Segundo Woods (apud BALL, 1987), o trabalho cotidiano é centrado nas necessidades

práticas (e não nas grandes decisões educacionais), pois apesar de possíveis diferenças entre

grupos ou pessoas, estabelece-se um funcionamento em torno de regras e acordos. Nesse caso,

os conflitos não deixam de existir, eles apenas ficam subjacentes às relações, podendo emergir

(ou não) em função do sucesso das negociações.

Mostra-se nítida, então, a relação entre conflito e mudança, pois a maior propensão é

de que sua ausência esteja relacionada com estabilidade e que seu surgimento seja seguido de

alterações no funcionamento da escola. Tal afirmação não significa que o conflito é algo

totalmente ruim, pois, na verdade, por ele passam a revitalização, o crescimento e o

desenvolvimento institucional.

Ao mesmo tempo em que Ball (1987) pontua o conflito (e a micropolítica) como

ações centrais, reconhece que nem todas as ações na escola têm essa natureza e que é bastante

difícil caracterizá-las. Apresenta os estudos de Baldridge que relacionam conflitos e

micropolíticas com a satisfação dos interesses dos sujeitos – de autorealização ou de

desenvolvimento institucional – e identifica, por meio de um enfoque empírico, quatro tipos

de “atitudes” dos docentes, de posição mais próxima do funcionamento político (funcionários

e ativistas) ou mais distante dele (alertas e apáticos).

A abordagem micropolítica indica a existência de movimentos internos capazes de

configurar tal realidade escolar, movimentos instituintes que tomam o poder numa perspectiva

foucaultiana, como algo descentrado e flexível. Embora Ball (1987) considere que tais

movimentos são ações políticas de caráter eminentemente conflitivo (mais ou menos

explícito), Blase (apud BLASE 2002, p. 2), por sua vez, toma as ações de natureza

cooperativa também como micropolíticas voltadas para o alcance de objetivos. Para ele:

La micropolítica se refiere al uso del poder formal e informal por los

individuos y los grupos, a fin de alcanzar sus metas en las organizaciones. En gran parte, las acciones políticas resultan de las diferencias percibidas

entre los individuos y los grupos, unidas a la motivación por usar el poder

para ejercer influencia y/o proteger. Aunque tales acciones están motivadas conscientemente, cualquier acción, consciente o inconscientemente

motivada, puede ter una relevancia política en una situación dada. Tanto las

acciones cooperativas y conflitivas como los procesos forman parte del

dominio de las micropolíticas.

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Sua contribuição é importante na medida em que inclui na natureza micropolítica

elementos estruturais (como projetos pedagógicos e órgãos de gestão) e processos do trabalho

educativo da escola (conflitos, consensos, socialização profissional, mecanismos de

distribuição de recursos). Para descrever esse aglutinado de “coisas” que chama de “estado

político da organização”, Blase (2002), faz menção a estruturas políticas e culturais, coleções

de forças, aspectos relacionados e subjacentes, status quo, axiomas, tradições, demonstrando,

ao final, que ao mesmo tempo em que a cooperação (para ele, poder-com, cooperativo e

consensuado) é também uma micropolítica real e presente, ela se situa, em última instância,

no marco maior do conflito (para ele, poder-sobre, conflitivo e adversário, competitivo e

dominante).

Ambos os autores contribuem para a compreensão dos movimentos instituintes e

geradores de ação (ações voltadas à mudança ou ao seu bloqueio) demonstrando como se

estabelecem para além de uma lógica formal de funcionamento, pois elementos permeados

por dimensões subjetivas e simbólicas (percepções, crenças, valores, saberes, ideologias,

interesses) desenvolvem-se em interação com estruturas materiais e organizacionais,

compondo um conjunto contraditório e complexo que participa fortemente da definição da

realidade escolar.

Entendemos, assim, que a leitura micropolítica da escola converge e se associa à

própria concepção de instituição que desenvolvemos especialmente a partir de Lourau (1996),

uma vez que permite visualizar as ações particulares dos sujeitos e grupos em interação direta

com a estrutura singular e a realidade universal macro, fazendo compreender a instituição

como construção dinâmica. Essa percepção articulada de instâncias – micro, meso e macro – é

condição sine qua non para estudos dessa natureza, os quais não têm nenhuma intenção de

operar uma cegueira quanto à dimensão macro, mas se reconhece que

Análises de abordagens analíticas, notadamente pós-estruturalistas, sugerem

que a mera divisão de macro e micro é agora mais difícil de ser sustentada. E

a supremacia moral e teórica que coloca os referenciais macro-analíticos acima das micro-investigações é igualmente suspeita. (POWER, 2006, p.

27).

O estudo das micropolíticas enfoca, portanto, a natureza política das interações entre

pares e grupos na escola, entendendo que o macro, o todo ou o universal não é uma simples

junção de micros ou particulares, mas o que resulta das interações entre eles. Por sua vez,

também tais particulares já não são aquilo que o eram enquanto identidade ou realidade

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primeira, pois também se compõem processualmente e por meio do movimento dialético com

o todo universal. O desvelamento da realidade implica, assim, uma abordagem conjugada

entre os níveis ou dimensões macro, meso e micro, universal, singular e particular, que

possuem uma unidade em si mesmos, ao mesmo tempo em que podem se constituir

plenamente apenas junto aos demais.

3.3 INTENÇÃO DE “DIZER A ESCOLA”: SÍNTESE INTEGRADORA

As contribuições de Lourau (1996), Castoriadis (1982) e Foucault (1979; 2004),

assim como os estudos de Blase (1991) e Ball (1994) nos permitem, então, compreender a

escola como realidade dialética e em permanente alteração. O movimento – entre aquilo que

se estabeleceu que deveria ser e o que efetivamente é – é uma síntese operada na qual

participam sujeitos, grupos e instâncias diferenciadas, cada qual com seus valores,

concepções, crenças, conhecimentos e interesses em função, também, da realidade estrutural

na qual estão inseridos.

Essa premissa impede negar que a sociedade e o Estado, enquanto instâncias que se

posicionam fortemente na definição do momento universal da educação e da escola, sejam os

únicos elementos definidores de tal realidade. Ambos são criadores, instituidores daquilo que

a escola é, na medida em que desde o início da formalização dos processos de educação

buscaram – de modo mais ou menos direto – regulá-los, seja por meio de demandas e

convicções a respeito do papel e função que deveria exercer, seja por meio de seu

financiamento e controle legal.

Desse modo, percebe-se que a partir da modernidade, com a constituição das

sociedades capitalistas e dos estados-nação, a educação e a escola de massas implantada nesse

cenário tiveram seu momento universal fortemente marcado por tais traços. As funções

sociais definidas para a escola e seu ideário pedagógico refletiram – e ainda refletem –

valores, princípios e papéis sociais correspondentes aos modelos social, cultural, político e

econômico vigentes.

Ao instituírem um modelo e um sistema educacional, a sociedade e, em especial, o

Estado articulam um determinado sistema simbólico com símbolos e significados que

escolhem estrategicamente e esforçam-se para validar. Esse trabalho é sistematicamente

organizado a partir daquilo que essas instâncias universais consideram como “verdade”:

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conhecimentos e práticas que se estruturam no círculo científico e que, por isso, são tomados

como premissas universais.

Contudo, o que podemos inferir a partir de Foucault (1979; 2004), Castoriadis (1982)

e Lourau (1996), é que a escola, como realidade, não se restringe a esse momento ou

dimensão universal, embora não o negue. A presença do humano e sua condição de não ser

apenas agente, mas ator e autor, confere aos sujeitos a capacidade de estabelecer novos

imaginários, radicais, rompendo ou ultrapassando a rede simbólica convencionada.

O homem é capaz de criar, projetar, fundar; por mais estruturada que seja uma

organização a fim de corresponder às expectativas e normas universais, ela pode ser

corrompida, alterada, transmutada por meio da capacidade instituinte dos sujeitos que

percebem e estabelecem novos sentidos e práticas.

Enquanto atores e autores, diferentes participantes dos processos educativos – dentre

os quais se destaca o professor – são capazes de perceber na prática educativa da instituição, e

em seu próprio fazer pedagógico, problemas, incoerências, indicadores de outras

possibilidades, enfim, novas verdades. E ao elaborá-las, projetá-las e enunciá-las através de

movimentos micropolíticos e de seus discursos, os sujeitos têm o poder de instituir um novo

real educativo, uma nova escola, fazendo-se instituintes.

Isso equivale a dizer que por mais que as instâncias educativas universais tenham

buscado estabelecer, em nível local, uma organização capaz de subordinar tempos, espaços,

modos de gestão, conteúdos escolares, estratégias disciplinares às lógicas sociais e políticas

vigentes, e por mais que tais lógicas ou rede simbólica tenham sido historicamente

assimiladas pelos sujeitos, o potencial instituinte que possuem, sua capacidade de criticar a

realidade e dela extrair saberes, de alavancar o conflito ou cooperar visando a alcançar seus

objetivos, impede a total sujeição e a reprodução mecânica do idealizado, tornando, portanto,

a escola viva, em movimento e construção. A idéia das pessoas como sujeitos instituintes é

reforçada por Schmidt (1989) quando diz:

As escolas são constituídas por pessoas que se agrupam, interagem, se organizam e instituem. Possuem com isso o poder de institucionalizar novas

formas de ação dentro do que já está instituído, embora nem sempre usem

essa capacidade, pois não estão conscientes dela nem das mudanças que

podem efetuar por se encontrarem num estágio de conformismo desejado

pelo próprio sistema.

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Contudo, é importante perceber que o fato de o potencial instituinte ser uma

realidade na escola não significa, necessariamente, que ele se efetive ou que se efetive de

modo crítico. Por um lado, a inconsciência, a postura acrítica ou a dificuldade para observar,

compreender e depreender saberes de sua própria prática podem dificultar os movimentos

instituintes; por outro, a acomodação face ao que está instituído, somada a interesses

particulares e/ou coorporativistas que se sobrepõem aos interesses do coletivo, podem estar

ajudando a manter as estruturas originalmente organizadas, independentemente de sua

validade, ou até mesmo impedir mudanças significativas.

O entendimento da “estranha dinâmica da escola” (SCHMIDT, 2005) não apenas

permite como implica que, em seguida, se identifiquem os traços e a realidade instituída bem

como os movimentos instituintes que se tem operado em seu interior, visando não apenas a

entender sua lógica própria como essencialmente caracterizá-la. Tal estudo, amplamente

defendido pelos teóricos das instituições ou organizações, tem sido denominado de estudo da

“cultura da escola”, pois a cultura refere-se ao simbólico e às práticas que suscita, ao

enredamento maior que, instituído, dá sustentação e compreensão à prática social, mas que,

justamente por ser prática social, apresenta-se em constante avanço e modificação. A cultura

da escola pode ser entendida, então, como:

Conjunto de normas, valores, creencias y asunciones, que – fruto de la interacción y negociación entre los miembros – dan lugar al modo como se

hacen las cosas en un centro organizativo. Por eso, expresa las formas de

vida cotidiana del centro y modos como los miembros interpretan la realidad, realizan sus acciones y suelen resolver los problemas. Como

cultura de una organización, comprende los significados y comprensiones

que los miembros comparten acerca de su trabajo y la expresión de estos

significados en las acciones particulares. (BOLÍVAR, 2000, p. 133-134).

O estudo da cultura da escola, tal como compreendido por Bolívar, parece-nos capaz

de possibilitar captá-la em suas dinâmicas singulares, naquilo que existe e que por assim estar

influencia aquilo que a escola é, bem como nas pressões, exigências, crenças, novos

conhecimentos e valores que impulsionam para que atores e autores tornem o existir da escola

diferente.

Desse modo, aquilo que a escola é não corresponde a uma ruptura total com aquilo

que historicamente vem sendo, haja vista que a realidade instituída possui importante papel de

garantir continuidade, solidez e identidade à instituição; por outro lado, não corresponde

também à mera reprodução do que já existiu, visto que em seu interior movimentos

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instituintes que produzem saberes em sua prática cotidiana através de sua crítica, da

conscientização em torno dela, transformam contínua e cotidianamente a realidade posta,

tornando-a uma instância única, própria e singular.

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4 A CULTURA DA ESCOLA

O estudo da cultura da escola certamente exige a definição de dois campos teóricos

centrais: o dos estudos sobre a escola e o dos estudos sobre a cultura. Somente de posse da

clareza sobre ambos os campos é que se torna possível buscar seus espaços de intersecção em

torno da idéia de cultura escolar.

4.1 TEORIAS ORGANIZACIONAIS: A ESCOLA COMO FOCO DE ESTUDO

No primeiro capítulo deste trabalho, nosso esforço direcionou-se para a definição da

categoria escola. Mudanças e crises na sociedade contemporânea, assim como pesquisas na

área da educação, têm contribuído para que a instituição receba particular atenção na

produção acadêmica atual. Entretanto, relacionar a participação da escola aos necessários

processos constitutivos do social não é uma questão de apenas renovar a agenda de trabalho

escolar, mas de essencialmente entender a instituição.

Desse modo, procuramos situar, a partir de Lourau (1996), a escola como instituição

com identidade própria e síntese do movimento dialético entre as instâncias universal – a

idéia de educação presente na sociedade, o papel social que à escola é delegado, a criação das

categorias professor e aluno, currículo, formação e sua relação com o projeto escolar, as

expectativas –, singular – a estrutura organizada para coordenar, racionalizar e garantir êxito

em relação às tarefas convencionadas –, e particular – os sujeitos que compõem a

comunidade escolar e que, mediados pela instância singular e a partir das convenções do

universal, constroem práticas escolares concretas.

Universal e particular operam um movimento constante de atração e refutação. É um

ambiente social determinado que faz surgir a prática educativa e a necessidade de sua

institucionalização via escola. Assim, a continuidade da existência da instituição está ligada

ao apoiamento contínuo da sociedade, legitimando as ações educativas que realiza bem como

as financiando. Contudo, reconhecer o particular como instância constitutiva da escola

implica admitir que os sujeitos não apenas executam ou realizam o universalmente

convencionado mas que, ao fazer isso, podem alterá-lo, modificá-lo, redirecioná-lo ou, quiçá,

até mesmo negá-lo. Isso acontece porque o movimento educativo da escola é concretizado por

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pessoas que, assim o sendo, o fazem não apenas com base na estrutura organizacional

estabelecida e a partir das metas e projetos da instituição (os quais também são um fator

interveniente e modelador), mas também a partir de seus próprios princípios, valores e

inclusive interesses pessoais, os quais nem sempre estão integralmente e a todo o tempo

alinhados com o projeto pedagógico da escola ou a educação socialmente convencionada.

O delineamento da escola de tal modo determina, por sua vez, possibilidades em

termos de abordagem teórica. Em definitivo, ao tomar a escola como instituição e organização

“em movimento”, cai por terra qualquer possibilidade de que respostas sejam encontradas

numa perspectiva técnica ou positivista, embora essas tenham sido as abordagens que por

muito tempo prevaleceram no estudo da escola.

A abordagem técnica fundamenta-se na crença de que a escola é uma entidade física

e os processos que ocorrem em seu interior restringem-se ao que se observa, ao que se

manifesta. A preocupação central é com o alcance da eficácia e da eficiência em termos da

função educativa a que a escola se propõe.

Tendo como ponto de partida a abordagem técnica sobre a organização escolar,

Weick (apud RUIZ, 1997) elaborou o conceito de escola como loosely cooup, ou seja, a

escola como organização debilmente articulada, pois reconheceu que o sistema originalmente

configurado dificilmente se materializa em vista de uma variável cujo controle total é

impossível: os sujeitos da organização.

No primeiro momento deste trabalho, definimos esse movimento genuíno e criador

dos sujeitos sobre a realidade escolar como sendo um movimento instituinte e tentamos

explicá-lo basicamente dentro de três possibilidades ou vertentes: por meio de Castoriadis,

como atividade simbólica de imaginário radical; com base em Foucault, como expressão de

saberes e exercício de um poder que se exerce em rede; e, por fim, utilizando Ball, como

exercícios micropolíticos no interior da organização. Assim, suplantada a abordagem técnica,

outras se mostram viáveis, como a cultural e a política.

Na abordagem cultural a escola é configurada como um universo simbólico que

precisa ser conhecido e interpretado; aquilo que se apresenta materialmente são artefatos

culturais e portanto, refletem intenções, motivos e crenças.

Assim, a subjetividade dos sujeitos é um elemento central, pois que por meio deles,

individualmente (de modo intrasubjetivo) e via interação com o coletivo

(intersubjetivamente), a “realidade” institucional vai sendo tecida na forma de conteúdos que

se revelam como “mitos culturais” linguagens, códigos, metáforas, regras, acordos, crenças,

rituais e demais convenções.

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Por esse motivo, tomar a escola como objeto cultural significa reconhecer que ela é

um “todo dinâmico” em permanente construção e que, em vista da unicidade de cada

realidade, os estudos decorrentes dessa posição utilizam a teoria como apoio no processo de

conhecimento e interpretação, mas as teorias que produzirem, ao final, jamais terão caráter de

generalização. Segundo Cano (2003, p. 12-13), isso significa que:

- El conocimiento comprensivo sirve de base para explicitar las razones profundas de los fenómenos y prácticas organizativas y valorarlos a luz de

circunstancias personales y contextuales particulares.

- Este tipo de conocimiento puede aplicarse para clarificar y educar la percepción y conocimiento implícitos que los miembros del centro escolar

tienen de los fenómenos de los que forman parte como agente activos.

- Las teorías que comparten una perspectiva cultural tienen también un

carácter práctico o deliberativo, en tanto que sirven para consensuar una comprensión intersubjetiva de la vida organizativa del centro escolar.

En definitiva, lo que mueve al conocimiento es un interés práctico. Las

teorías de raíz cultural no son generalizables en sentido absoluto ni pueden emplearse para formular prescripciones en sentido técnico. Pero pueden

servir para mejorar las prácticas, actuando sobre el entendimiento de los

sujetos que las protagonizan.

Importante é perceber que a perspectiva cultural da escola relaciona-se diretamente

com a teoria institucional que, por meio de Lourau (1996), abordamos no primeiro capítulo,

pois ao considerar a escola como uma realidade cultural, na qual sujeitos interagem

estabelecendo uma cultura escolar e/ou diferentes subculturas, não se perde de vista o fato de

que essa realidade surge num ambiente (social e histórico com seus problemas, demandas,

necessidades) determinado, ou seja, numa dada sociedade que, por sua vez, é possuidora de

uma cultura própria.

Ao “fazerem” a escola, os sujeitos da comunidade escolar não o fazem no vazio ou

unicamente a partir de seus referenciais, mas sob os efeitos desse universo maior que foi seu

gerador e ao qual reportam constantemente seu trabalho a fim de garantir continuamente

respaldo, apoio e legitimação da ação educativa realizada.

Para além desse aspecto, essa ação educativa se faz a partir de uma estrutura formal,

uma

fachada ceremonial que tiene un papel simbólico con vistas al ambiente

social y que se juzgará, en concreto, por su conformidad (adecuación de forma) con expectativas externas relativas a qué debe ser un centro escolar y

como debe ser la educación que imparta. (CANO, 2003, p. 14).

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Tomar então a escola numa perspectiva cultural não significa olhá-la “em si mesma”,

mas olhar sua realidade própria, a partir do universo simbólico macro, social e da

materialidade que não apenas esse universo social impõe à escola (prédios, legislações,

estruturas de organização), mas que a própria escola constrói, à medida que interage sobre ele

e a partir dele, numa interação difícil e dialética capaz de ajudar a entender muitos dos

desencontros entre o que a sociedade espera que a escola seja, o que a comunidade escolar

deseja e o que efetivamente a escola o é.

Esse pressuposto permite, de certa forma, aliar a perspectiva cultural da escola à

perspectiva política, a qual a considera eminentemente como uma organização de caráter

ideológico, não somente da ideologia dos sujeitos em particular, mas também de uma

ideologia que se elabora a partir de um contexto social (histórico, político, econômico) macro.

A construção da escola, desse modo, se faz interna e externamente e o foco de atenção nessa

concepção não é a compreensão dos sentidos construídos na instituição, mas o modo como o

poder é utilizado para garantir que determinados interesses e metas dos sujeitos ou grupos

preponderem sobre outros.

Assim, tomar a escola como objeto político implica assumir que ela é uma arena

política na qual os sujeitos negociam e combatem objetivando o poder. Os estudos

decorrentes dessa perspectiva trabalham com a teoria e prática de modo dialético, pois a teoria

exerce o papel de auxiliar na explicação e compreensão da prática e a prática, por sua vez,

gera novas teorias capazes de participar no processo de avanço dos contextos políticos. Daí

ser possível asseverar, com base em Cano (2003, p. 17), que:

- El conocimiento ideológicamente crítico sirve de base para desvelar los

motivos ocultos de los fenómenos organizativos y valorarlos a la luz de

circunstancias contextuales tanto generales como específicas.

- Este tipo de conocimiento tiene fundamentos normativos: su naturaleza y propiedades justifican que se oriente a concienciar a los sujetos de las

condiciones organizativas en las que se desenvuelven y a impulsar su

transformación por medio de la acción motivada. - Se habla en este sentido de teoría o de conocimiento dialéctico, reflexivo o

reconstructivo en tanto que sirve para hacer explícita la relación entre

valores y hechos, o entre acciones e intereses, y para fundamentar la

negociación de las políticas de la organización escolar. Las metas o fines de ésta quedan dentro de la cobertura de la teoría y de la práctica (ambas toman

partido por unos valores concretos y son de naturaleza política e ideológica).

En suma, lo que mueve al conocimiento es desvelar y actuar contra condiciones de acción o de interacción que conllevan dominio o

sometimiento de unos individuos o grupos respecto de otros.

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Se a perspectiva cultural da escola relaciona-se com a teoria institucional, a

perspectiva política, por sua vez, vincula-se às teorias social (baseada em especial nos

trabalhos de Marx e Weber) e micropolítica (fundamentada em Foucault, Blase e Ball, por

exemplo).

A teoria social é contributiva no estudo da escola como instância política na medida

em que demonstra que as metas comuns de trabalho, as estruturas burocráticas estabelecidas e

as formas de configuração da autoridade são, na verdade, processos de controle na

organização. Para Marx, tal controle ou dominação se faz no âmbito econômico, enquanto

para Weber a dominação se faz via mecanismos legais (cf. LIMA, 2003). Assim, embora não

negue a existência e circulação de crenças e valores na escola, Weber relaciona-os à

influência de fatores externos (a economia e o sistema capitalista, ou o arranjo burocrático-

legal) que os legitimam de modo explícito ou implícito a fim de garantir controle ideológico e

vinculação da tarefa educativa aos interesses políticos dominantes.

A escola, assim, pode ser vista como uma burocracia intencionalmente organizada;

os fatos que acontecem no cotidiano, os problemas que são ou não formulados, bem como o

modo de se estabelecer estratégias de enfrentamento, assim como a própria escolha de linhas

de ação, não são aspectos meramente técnicos, mas fatores culturais e políticos que intervêm

decisivamente não apenas sobre a realidade escolar, como especialmente sobre os fins

atingidos por meio de sua prática. Em decorrência, mostra-se como fundamental identificar

processos externos à escola e que lucram na medida em que intervêm sobre ela, assim como

todas as formas de exercício de poder, de utilização de mecanismos ideológicos que

subsidiem modos de submissão.

A teoria micropolítica, por sua vez, evidencia as questões de poder, mas não a partir

de aparelhos ideológicos ou forças externas que interferem e estruturam a burocracia escolar a

fim de voltá-la a seus interesses. Essas questões são evidenciadas a partir dos interesses

próprios dos sujeitos, da impossibilidade de que eles se mantenham a todo instante vinculados

a um projeto institucional ou à burocracia escolar estabelecida por serem, por si mesmos,

possuidores de interesses e visões de mundo, detentores de valores e necessidades que os

motivam a utilizar lógicas próprias de ação, a realizar agrupamentos, pactos ou negociações, a

resistir ou até mesmo colaborar em vistas do alcance de seus próprios objetivos ou dos

objetivos do grupo ao qual pertencem/com o qual se identificam.

As teorias institucional, social e micropolítica possuem focos específicos e transitam

dentro de enfoques distintos, mas coligados: o cultural e o político. A reflexão sobre todos em

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conjunto permite ver a existência, entre eles, de elementos comuns quando se fala sobre a

escola:

– o reconhecimento de que a escola não é um espaço independente, um ambiente à

parte da sociedade: a teoria institucional faz menção ao momento universal

compondo a escola, enquanto a teoria social assevera para o fato de que a relação

escola-sociedade é de natureza tão intensa a ponto de que a sociedade apropria-se

da escola com vistas aos seus objetivos de dominação;

– o reconhecimento de que a escola é possuidora de uma estrutura: a teoria

institucional refere-se ao institucionalizado ou organizado para destacar o

arcabouço material e a organização que conformam as ações educativas; a teoria

social, por sua vez, reconhece na estrutura burocrática e racional o ponto central

pelo qual a dominação e o controle são exercidos; e a teoria micropolítica enfatiza

a importância da estrutura enquanto “recurso”, na medida em que reconhece que

os conflitos micropoliticos são mais intensos quando os recursos são escassos

(BLASE, 1991);

– o reconhecimento de que a escola é detentora de uma cultura própria,

continuamente propalada e recriada pela ação de seus sujeitos: a teoria

institucional situa o sujeito ou momento particular como pólo dialético e opositor

do momento universal, capaz de, a partir dele, instituir, recriar, confrontar,

redirecionar, garantindo dinâmica à instituição; por sua vez, a teoria social não

nega a existência de crenças e valores, de uma cultura organizacional, porém a

toma apenas enquanto condicionada pelos fatores ideológicos. A teoria

micropolítica, ao contrário, põe em relevo os valores, crenças, necessidades e

metas dos sujeitos para, justamente, mostrar que estes não são apenas fatores

secundários ou acessórios na vida política da instituição, mas fatores centrais na

configuração da identidade institucional através da deflagração dos movimentos

de interação, oposição, parceria ou controle que ali são operados.

Diante disso, consideramos que o estudo da cultura da escola trabalhando com

recursos de ambas as vertentes é não apenas possível, como viável. A reformulação das

estruturas de poder em nível institucional não deixa de passar, também, pela subjetividade dos

sujeitos, pois o poder não é algo que possa ser dissociado de suas crenças, valores e

necessidades, assim como a compreensão dos significados e sentidos construídos pelos

sujeitos na instituição não significa que tais aspectos simbólicos excluam, ou não estejam

ligados, às questões de poder, de como esses sujeitos assimilam e trabalham com as

possibilidades existentes para fazer valer seus próprios valores.

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Nesse sentido, acreditamos que um enfoque cultural contextualizado e dialético é

capaz de evitar que a produção de estudos culturais seja fator dificultador do desvelamento de

processos de dominação ou exclusão, assim como um enfoque político ancorado na atuação

da comunidade escolar na condição de sujeitos que não apenas exercem seu trabalho nela,

como também sobre ela, pode ser mais fértil e consistente na elucidação dos movimentos

ideológicos e de dominação existentes. As questões simbólicas da instituição ou sua cultura

parecem-nos, então, um elemento central no estudo sobre a escola.

4.2 TEORIA CULTURAL: PRESSUPOSTOS

4.2.1 Mapeando o Simbólico

O reconhecimento da escola como construção dinâmica, complexa e singular

contribuiu para que se tornasse comum a utilização da metáfora da “caixa-preta” para

designá-la, remetendo-a a idéias de incógnita, esquemas operacionais complexos e

incompreendidos, funcionamento intrincado, acesso impossível por meios diretos.

A utilização da metáfora da caixa-preta termina por reconhecer que os processos

efetivados em seu interior não são simplesmente fatos, que sua materialidade não corresponde

simplesmente à existência de objetos, mas que, ao contrário, são pertencentes a um universo

de significados e relações, de construções simbólicas e intencionais cujo deslindamento

mostra-se como condição para a aproximação da realidade escolar como ela efetivamente é.

Trata-se de conhecer e compreender sua cultura.

Segundo Williams (1989, p. 17), é “impossível realizar uma análise cultural séria

sem chegarmos a uma consciência do próprio conceito, uma consciência que deve ser

histórica”. O apelo feito pelo autor remete aqueles que pretendem lançar-se ao campo dos

estudos culturais a um dos grandes desafios que lhe perpassam, a elaboração de um conceito

de cultura, tarefa cuja dificuldade é amplamente reconhecida (WILLIAMS, 1969 e 1979;

GEERTZ, 1989; THOMPSON, 2002; HALL, 2003 e 2005).

O trabalho de Williams (1979) é particularmente significativo na compreensão do

conceito de cultura, em vista da evolução histórica do conceito por ele demonstrada em

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relação paralela com as mudanças na sociedade (civilização moderna) e na economia

(capitalista).

Constata-se, assim, que sociedade era uma associação, em seguida uma ordem geral;

economia significava administração da casa/comunidade e depois sistema de produção,

distribuição e troca; cultura teve como primeira acepção a idéia de crescimento, plantação, e

num segundo momento passou a referir-se às faculdades humanas; civilização, por sua vez,

até esse momento assemelhava-se à idéia de cultura, pois ao relacionar-se ao homem

civilizado, em oposição à barbárie, ambas engendravam a idéia de civilidade e educação.

Transformações na sociedade operadas sob a influência do Iluminismo levaram à

passagem para a referência a uma organização social específica, nucleada em torno das

classes sociais burguesia e proletariado, mais especificamente à idéia de sociedade burguesa

ou sociedade civil, em posição de efetiva distinção do indivíduo e do Estado.

Na economia, por sua vez, o estabelecimento do modelo capitalista de produção fez

com que a idéia de economia como processo natural de produção se tornasse sem sentido

diante da racionalidade capitalista implantada.

Civilização era “também agora um estado realizado de desenvolvimento, que

implicava processo histórico e progresso” (WILLIAMS, 1979, p. 19), ou seja, civilização

moderna. Seu grande valor estava no reconhecimento da capacidade dos homens de

construírem sua própria história, rompendo com a posição de estabilidade da pré-modernidade

a qual configurava as mudanças como provenientes de fatores metafísicos ou religiosos.

Contudo, à medida que essa nova sociedade civil ia estabelecendo-se e firmando como dados

os valores por ela trazidos, suas limitações e contradições foram revelando-se o que

rapidamente gerou, além das reações dos grupos religiosos e metafísicos que a ela já se

contrapunham, duas outras novas e fortes reações:

As duas reações decisivas de um tipo moderno foram, primeiro, a idéia de

cultura, oferecendo um senso diferente de crescimento e desenvolvimento

humanos e, segundo, a idéia de socialismo, oferecendo uma crítica social e histórica da “civilização” e “sociedade civil”, e uma alternativa a elas, como

condições fixas e realizadas (WILLIAMS, 1979, p. 20, grifo nosso).

O socialismo lutava contra o modelo social que se organizou, o modelo de sociedade

civil que, ao substituir a feudal, terminou por instituir uma nova divisão ou oposição de

classes (burguesia e proletariado) como também novos instrumentos de opressão (a partir do

sistema de produção). A cultura, por sua vez, combatia o modelo de desenvolvimento

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humano estabelecido com a nova idéia de civilização, pela eliminação dos traços metafísicos

gerados pela extrema racionalidade, correspondente a um conhecimento externo à

humanidade do sujeito e, portanto, artificial.

A crítica da cultura ao modelo de desenvolvimento trazido pela modernidade fez

com que evoluísse, enquanto conceito, do sentido de desenvolvimento interior do sujeito para

um sentido alternativo, mais geral, relacionado a tudo o que, descrevendo a intimidade

humana, se opusesse à sociedade ou civilização moderna:

passou a incluir um sentido descritivo dos meios e obras desse

desenvolvimento: isto é, „cultura‟ como uma classificação geral „das artes‟, religião e instituições e práticas de significados e valores [...] [,] „vida

interior‟ em suas formas mais acessíveis e seculares: „subjetividade‟, a

„imaginação‟, e, nesses termos, com o „indivíduo‟. A ênfase religiosa

diminuiu, sendo substituída pelo que era na verdade uma metafísica da subjetividade e do processo imaginativo. [...] A „cultura‟ foi então e

imediatamente a secularização e liberalização de formas metafísicas

anteriores. Seus agentes e processos eram claramente humanos e foram generalizados como formas subjetivas, mas certamente quase-metafísicas –

“imaginação, criatividade”, “inspiração”, “estético” e um novo sentido

positivo de “mito” - e na verdade compostos num ovo panteão.

(WILLIAMS, 1979, p. 21, grifo nosso).

A idéia de civilização vive então um momento de grande contradição pois, ao

mesmo tempo em que remetia à idéia [considerada positiva] de civilidade, desenvolvimento e

evolução, de outro representava justamente o modelo [criticado] de sociedade realizada - cujo

louvor estava muito mais no passado, quando da superação da sociedade feudal, do que no

presente -, em vista das novas problemáticas que o próprio modelo social e econômico que

trouxe fez surgir.

Paralelamente, outra dimensão do conceito de cultura, ligada aos sentidos

antropológico e sociológico e, portanto, à idéia de que história é produto da materialidade

social, ia afirmando-se e gerando, igualmente, contradição. Williams (1979) destaca tais

ambigüidades internas ao conceito de cultura e sua reaproximação com o campo da

civilização quando afirma que “„civilização‟ e „cultura‟ novamente se confundiam, como

estados vindos do passado e não como processos em evolução. Assim, uma nova bateria de

forças foi estruturada [...]: materialismo, comercialismo, democracia e socialismo”. [grifo

nosso].

Além desse aspecto, a ambigüidade em ambos os campos permitia ainda outra

aproximação, na verdade quase que a identificação de uma similaridade, pois o entendimento

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da cultura como desenvolvimento do potencial humano correspondia, na verdade, à

capacidade do homem para fazer história e criar uma civilização por meio de seu potencial

racional. Havia consenso em torno da idéia de que o homem produz a história, mas não havia

em relação ao fator que impulsionava essa criação.

Neste momento, consideramos central para nossa tese a afirmação de Vico (apud

WILLIAMS, 1979, p. 22):

uma verdade fora de qualquer dúvida: a de que o mundo da sociedade civil

foi certamente feito pelos homens, e que seus princípios estão, portanto, dentro das modificações de nossa própria mente humana. Quem refletir

sobre isso terá de maravilhar-se com o fato de que os filósofos deveriam ter

dedicado todas as suas energias ao estudo do mundo da natureza que, já que feito por Deus só, só é por Ele conhecido; e que se tenham esquecido do

estudo do estudo do mundo das nações ou mundo civil, que, já que foi feito

pelo homem, só o homem poderia ter esperanças de conhecê-lo.

A Vico pode ser atribuída a origem mais própria do conceito de cultura na medida

em que uniu os princípios de civilidade e humanidade ao considerar a própria civilidade e os

modelos que criou como um reflexo da razão e natureza humana. A partir dele, o grande

passo é dado por Herder (apud WILLIAMS, 1979; 1992) ao aceitar a importância da cultura

na construção social mas, ao mesmo tempo, rebater sua exclusividade ou determinância. Isso

o levou a argumentar sobre um processo social que fundaria modos de vida diferenciados e a

defender, assim, a utilização da expressão “culturas” em detrimento do singular “cultura”,

uma vez que esta palavra não poderia mais ser tomada como uma forma global e única,

proveniente apenas de um “espírito formador” numa concepção idealista, mas sim

compreendida na relação da subjetividade dos sujeitos com o contexto social em que se

encontram inseridos, ou seja, em sua pluralidade.

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Os estudos de Vico14

e Herder15

(apud WILLIAMS, 1979; 1992) podem ser

considerados como decisivos para o subseqüente claro delineamento das duas concepções que

até hoje são centrais: a concepção idealista e a concepção materialista.

A concepção idealista, com suas origens na pré-modernidade, deixa ver com clareza

seu entendimento de que toda forma social é reflexo do espírito humano, único em sua

essência e gerador, portanto, de uma concepção de cultura como “forma social global”

(WILLIAMS, 1992). Esta concepção dedica-se mais a produtos culturais como as artes, a

linguagem e a produção intelectual.

A concepção social e antropológica, de natureza positivista, desenvolve-se a partir

da inauguração de uma idéia de civilização racionalmente construída pelo homem também em

função da estrutura social existente. A cultura, aí, pôde ser entendida como modo de vida

global propiciado pela razão e fez surgir reações contrárias em duas correntes distintas.

Por um lado, na corrente romântica, gerou críticas em torno do extremo racionalismo

da civilização moderna, da degradação humana, artificialidade e pobreza originadas por sua

organização social. É importante perceber que “Os valores que lhe foram opostos não eram os

da fase seguinte e superior de evolução, mas os de uma fraternidade humana essencial,

expressa com freqüência como algo a ser recuperado, tanto quanto conquistado”

(WILLIAMS, 1979, p. 24), mostrando assim clara relação com a concepção idealista.

A outra reação à concepção social e antropológica de cultura se deu na corrente

marxista e de combate ao modelo social hegemônico construído pela civilização moderna: a

sociedade burguesa e capitalista. Para tanto, o principal foco de crítica foi a idéia, inaugurada

com o Iluminismo, de que o homem constrói a civilização e a história. O marxismo criticou,

então, o que chamou de historiografia idealista, demonstrando seu caráter limitado ao centrar-

14 Vico foi responsável pela ênfase que se deu ao trabalho com a cultura nas ciências humanas, campo que se

mostrava desgastado com a perspectiva positivista que reinava nas ciências naturais. Sua concepção pode ser

relacionada com o que Thompson (1995) denomina concepção clássica ou restrita de cultura, que diz respeito à

formação desenvolvida em torno do saber acadêmico e artístico, gerando idéias como a de “indivíduo culto”

(aquele que detém cultura/conhecimentos) e a de “escola como veiculadora da cultura” (instituição que vai

garantir o acesso e apropriação de conhecimentos historicamente construídos). 15

Herder pode ser considerado um marco decisivo para o desenvolvimento do estudo da cultura no campo da

antropologia. Nesse campo, Thompson (2002) destaca três perspectivas: a cultura como descrição, a cultura

como interpretação e a cultura como estrutura. Aponta Tylor e Malinoski como referências para a concepção

descritiva de cultura, levando à construção de uma idéia de cultura como “[...] conjunto de crenças, costumes,

idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos

enquanto membros de um grupo ou sociedade” (op cit., p. 173). A contribuição deles aprofunda a noção de

cultura como também a compreensão sobre o modo de se trabalhar com ela; considerando-a como um “todo

complexo” elaboram recomendações cuidadosas como a de procedimentos de análise, classificação e comparação, levando a uma espécie de tratamento científico no estudo da cultura. White e Geertz podem ser

considerados referências para uma segunda concepção de cultura, designada de concepção simbólica. Provém de

White a idéia de que a cultura refere-se à capacidade humana de simbolização e, também, à classificação dos

fenômenos culturais em três tipos: tecnológicos, sociológicos e ideológicos.

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se na história das religiões e do Estado. Propôs, em contraposição, a tese de que a homem faz-

se a si próprio na medida em que produz seus meios de vida, ou seja, pelo trabalho, e com isso

ampliou a história das civilizações, levando-a a um patamar de totalidade pela inclusão da

história material e do trabalho.

Surge, dessa segunda tendência, a concepção materialista de cultura que,

contraditoriamente, ao mesmo tempo em que defendia uma totalidade da história, terminou

por restringi-la quando abandonou a atenção para com a contribuição humana na construção

social, desenvolvendo a história apenas em torno de um núcleo central tomado como norma

geral da sociedade capitalista: a materialidade econômica. Essa tendência (mais próxima das

abordagens sociológicas e antropológicas, mas diferenciada delas pela radicalidade em termos

do determinismo econômico, bem como pela análise dialética que operou sobre a civilização

construída) considera a cultura como uma ordem social global. Contudo, em relação à

construção inaugurada e ao abandono das contribuições românticas, Williams (1979, p. 25)

critica:

Ainda uma vez, o destaque na história material, em especial dentro da polêmica necessária ao seu estabelecimento, foi comprometido de maneira

especial. Em lugar de fazer a história cultural material, que era a fase

radical seguinte, ela [a cultura] tornou-se dependente, secundária,

“superestrutural”: um campo de “simples” idéias, crenças, artes, costume, determinado pela história material básica. O importante, no caso, não é

apenas o elemento de redução; é a reprodução, de forma alterada, da

separação entre “cultura” e vida social material, que tem sido a tendência

dominante do pensamento cultural idealista.

Assim, o trabalho de Williams (1969; 1979; 1992) é revelador de seu grande esforço

para construir uma crítica às lacunas do marxismo e contribuir para o que ele mesmo designa

de concepção convergente de cultura, uma concepção de caráter social que intenciona

articular aspectos das concepções idealista e materialista e fazer com que a informação

constante de uma em relação à outra permita a construção de uma concepção alternativa e

contributiva para o conhecimento e a compreensão das sociedades humanas. Segundo o autor:

Esta possui muitos elementos em comum com (b) [posição materialista], em

sua ênfase numa ordem social global, mas dela difere por sua insistência em que a “prática cultural” e a “produção cultural” (seus termos mais

conhecidos) não procedem apenas de uma ordem social diversamente

constituída, mas são elementos importantes em sua constituição. Por outro lado, ela participa de alguns elementos de (a) [posição idealista], em sua

ênfase em práticas culturais como constitutivas (se bem que, hoje em dia,

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entre outras). Em vez, porém, do “espírito formador” que, afirmava-se,

criava todas as demais atividades, ela encara a cultura como o sistema de

significações mediante o qual necessariamente (se bem que entre outros meios) uma dada ordem social é comunicada, reproduzida, vivenciada e

estudada. (WILLIAMS, 1992, p. 13).

Importante é perceber que ao trabalhar com a concepção convergente de cultura,

Williams (1992) enfatiza seu próprio campo de trabalho: as artes. Uma concepção

convergente, nesse caso, significa o combate a posições por ele tidas como reducionistas: a

manutenção da alta cultura em separado da cultura popular. A idéia defendida é de que não se

trata da assimilação integral da alta cultura pelas classes populares, nem mesmo da produção

de uma cultura popular alheia ao universo cultural historicamente produzido, mas sim do

avanço que deve haver em direção à construção de uma cultura comum, na qual valores e

significados possam ser partilhados por toda a sociedade.

A cultura comum – realidade a ser construída – se constituirá pela democratização do

acesso à alta cultura para as classes populares (em especial por meio da educação), que não

apenas a assimilam como também a retrabalham na medida em que operam, em relação a ela,

uma crítica radical. Sua construção também está ligada à possibilidade de que as classes

populares convertam-se em produtoras de cultura e difusoras de seus modos de vida, um

processo diretamente ligado às práticas dialógicas e para o qual o acesso aos meios

tecnológicos de difusão é um fator fundamental. Tal processo interativo será gerador de

padrões culturais comuns.

Uma concepção convergente de cultura e a busca de articulação de uma cultura

comum são indicadores da concepção de cultura de Williams (1969; 1979; 1992), a qual

partilhamos: um modo de vida que reflete valores e significados comuns, um processo

também constituinte da realidade social na medida em que os sentidos coletivamente

estabelecidos (no social) são comunicados, dialogados, socializados, partilhados.

Compreender a concepção convergente de cultura pressupõe a visualização de alguns

dos processos paralelamente trabalhados e que, em nosso entendimento, estão diretamente

ligados ao processo simbólico a ser operado, a saber: o papel da prática/experiência social, da

tradição e da hegemonia, da estrutura de sentimentos e das formações e movimentos face à

constituição dos processos de contra-hegemonia ou hegemonia alternativa/ mudanças.

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4.2.2 Cultura: Processo Social com Força Constitutiva

Tal como já discutimos, a concepção materialista (ortodoxa) de cultura a considera

um elemento superestrutural, ou seja, determinada pela base econômica. A concepção

convergente intenciona superá-la na medida em que “oferece, em seu lugar, um

interacionismo radical: a interação mútua de todas as práticas, contornando o problema da

determinação” (HALL, 2003, p. 137) e, ao fazê-lo, propõe que se visualizem os significados

socialmente estabelecidos em processo de interação com a formação social existente.

A concepção convergente suscita, então, duplicidades de interpretação. Numa

perspectiva exclusivamente materialista (mais radical ou ortodoxa), a reafirmação de que a

construção de significados no seio social se faz pela interação com a estrutura social vigente

(a economia, a política, a organização social...) sujeita a cultura a suas influências, mas a

percebe como capaz de ainda influenciar tal estrutura social na medida em que com ela

interage. Esse potencial interveniente, gerador de transformações sociais em nível macro, se

fará por meio de ações coletivas impulsionadas pelos sindicatos, partidos políticos ou outras

instâncias. A participação em tais organizações coletivas é possibilitada, por sua vez, na

medida em que o coletivo social (indivíduos com identidade de classe) alcança níveis

superiores de consciência por meio da crítica social operada via

conscientização/racionalização das contradições existentes.

Propomos, para a perspectiva alternativa de Williams, uma segunda interpretação,

que busque efetivamente fazer convergir fundamentos idealistas e materialistas ao trabalhar

com a premissa de que é o homem social e material quem determina sua consciência.

Buscamos tal interpretação por não visualizar, dentro da interpretação materialista ortodoxa,

possibilidades reais de que a produção cultural dos sujeitos, grupos e classes, converta-se em

um processo constitutivo do social, se sua própria constituição estiver relacionada apenas a

esse social. Outro ponto de nossa divergência refere-se ao processo de conscientização que se

opera apenas por meio da racionalização acadêmica da realidade, pois vemos nessa alternativa

um grande papel limitador da força dos sujeitos e grupos os quais se mantêm, sempre,

dependentes da iluminação dos intelectuais.

Ao trabalhar a concepção convergente de cultura, Williams traz alguns elementos

fundamentais com os quais pretendemos trabalhar a fim de viabilizar uma interpretação

diferenciada.

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A cultura constrói-se com base num processo seletivo: a tradição. Isso significa que

de toda a produção cultural (sentidos, valores, costumes, significados, rituais, artefatos), uma

parte é selecionada para ser perpetuada, compondo uma hegemonia em dominância, e outra é

desconsiderada; isso permite ao passado participar da definição do futuro, atribuindo-lhe um

“pré-modelamento”. A tradição é mantida especialmente por instituições e essas, ao mesmo

tempo em que se encarregam de ensinamentos básicos para a vida em sociedade, também

transmitem significados, valores e práticas intencionalmente selecionados por motivos não

apenas de socialização, mas de agregação.

Para Williams (1979, p. 133), a tradição “é um aspecto da organização social e

cultural contemporânea, no interesse do domínio de uma classe específica. É uma versão do

passado que se deve ligar ao presente para ratificá-lo. O que ela oferece na prática é um senso

de continuidade predisposta”. Por esse motivo, a idéia de tradição está muito ligada à de

hegemonia, não como visão dominante intencionalmente distorcida da realidade, mas como

práticas experienciadas e significados construídos que se impõem, um senso de realidade ou

formação cultural que não se constitui abstratamente, mas a partir das experiências vividas.

Relacionar a hegemonia às práticas vivenciadas não significa destituir-lhe de seu

sentido de domínio, já que muitas vezes tais práticas experimentam a exclusão e a pobreza

como fatores dados. Porém, ao mesmo tempo, tal experiência vivida adquire potencial de

mudança na medida em que os sujeitos que a vivenciam respondem a ela de modos

diferenciados, mesmo diante de uma realidade única e concreta, estabelecendo assim uma

contra-hegemonia ou hegemonias alternativas, conforme explicita Williams (1979, p. 117):

A realidade de qualquer hegemonia, no sentido político e cultural ampliado,

é de que, embora por definição seja sempre dominante, jamais será total ou

exclusiva. A qualquer momento, formas de política e cultura alternativas, ou

diretamente opostas, existem como elementos significativos na sociedade. Teremos de explorar suas condições e seus limites, mas sua presença ativa é

decisiva, não só porque têm de ser incluídas em qualquer foco de análise

histórica (distinta de análise de época), mas como formas que têm um efeito significativo no próprio processo hegemônico. Isto é, a ênfase política e

cultural alternativa, e as muitas formas de oposição e luta, são importantes

não só em si mesmas, mas como características indicativas daquilo que o

processo hegemônico procurou controlar, na prática.

A partir daí a tradição, movimento de seletividade que referenda a hegemonia

corrente, geralmente vista como um passado dado que se mantém, alcança um sentido

diferente de força ativa que não está estaticamente mantida, mas que precisa continuamente

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esforçar-se diante das situações e significados que são construídos na prática vivida e que

podem chocar-se com os sentidos correntes. A tradição “tem de, na prática, pôr de lado áreas

inteiras de significação, ou reinterpretá-las ou diluí-las ou convertê-las em formas que

apóiam, ou pelo menos não contradizem, os elementos realmente importantes da hegemonia

corrente” (WILLIAMS, 1979, p. 133), o que significa que a realidade não é definida pela

formação social ou econômica, porém se constitui pela ação dos sujeitos, em coletividade.

É possível encontrar, na obra de Williams (1979; 1992), diferentes aspectos que

auxiliam a compreender de que modo a tradição cultural é colocada em xeque ou

vulnerabilizada por hegemonias contrárias ou alternativas, as quais com maior ou menor

intensidade podem participar nos processos de mudança institucional ou transformação social.

Um processo primeiro é o resgate de aspectos vividos que a tradição desprezou ao

operar a seletividade ou a reinterpretação de tais aspectos; contudo, alçar ao presente tais

hegemonias alternativas desprezadas no passado só surtirá efeito se elas efetivamente se

articularem de modo claro às experiências e sentidos vividos no momento atual.

Um segundo processo gerador de mudanças também são as formações e os

movimentos, organizações que precisam ser compreendidas em confronto com a idéia de

instituição.

As instituições são formas estabelecidas; diretamente ligadas ao hegemônico em

dominância (o Estado, o sistema político e econômico, as instituições sociais como um todo),

são reconhecidas justamente por seu trabalho na manutenção de determinadas formas e ordens

conceituais e práticas. As formações, por sua vez, são movimentos bastante especializados,

relacionados às estruturas sociais e institucionais existentes, mas que tentam se contrapor ou

romper com elas. Corporações, academias e conselhos profissionais são alguns exemplos de

formações que se pode identificar historicamente, sendo importante, nesse processo, observar

em relação a elas dois aspectos: a organização interna (se mais ou menos formal e pública) e a

relação que mantêm com outras associações.

Atualmente observa-se que as formações têm se apresentado em novos formatos, os

quais talvez possamos considerar mais fluídos ou, quem sabe até, mais individualizados: os

movimentos. Segundo Williams (2002, p. 62), o movimento é “um tipo inteiramente diverso

de formação cultural, em que os artistas se congregam na busca comum de alguma meta

específica”. Escolas, agrupamentos independentes, grupos dissidentes e especializados são

alguns dos movimentos exemplificados pelo autor a fim de demonstrar como (no campo da

arte) os sujeitos (no caso, artistas) agrupavam-se em torno de posicionamentos em comum.

Um aspecto importante e provavelmente distintivo entre o movimento e a formação é o fato

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de que os movimentos mostram-se bastante transitórios, estabelecendo-se e desmembrando-se

com certa rapidez, o que não diminui sua importância.

Fundamental, ao distinguir instituições, formações e movimentos, é perceber como o

processo de produção cultural se processa de modo instituinte, deslocando continuamente as

instituições e impelindo-as (de modo mais ou menos ativo, mais ou menos direto, mais ou

menos radical) a mudanças constantes. Os significados diferenciados produzidos (hegemonias

alternativas) provocam, por sua vez, reinterpretações dos sentidos dominantes, reorganização

de práticas e processos, seja por meio da incorporação da nova produção desenvolvida, seja

mesmo pelo risco que sua não observância pode representar.

Tal aspecto implica a compreensão dos processos aí subjacentes, porque se

hegemonias alternativas são produzidas, a despeito da contundência da formação social que se

apresenta, isso demanda a geração de sentidos diferenciados por meio de processos

específicos. Assim destacamos, nos processos de geração de hegemonias alternativas

(formações, movimentos, organizações), o papel das estruturas de sentimento, ligadas à

experiência (WILLIAMS, 1979; 2002).

A experiência – “onde e como as pessoas experimentam suas condições de vida,

como as definem e a elas respondem” (HALL, 2003, p. 143) –, é um processo social e

material, central para a produção cultural ordinária, corrente e comum a todos os homens e

sociedades. Assim, a experiência pessoal e social, os modos como os sujeitos e grupos sociais

percebem a si próprios e ao mundo que os rodeia, as formas como empregam recursos físicos

e materiais para estabelecer relações e produções, são geradores de estrutura de sentimentos:

significados e valores tal como são vividos e sentidos ativamente, e as

relações entre eles e as crenças formais ou sistemáticas são, na prática,

variáveis (inclusive historicamente variáveis), em relação a vários aspectos,

que vão do assentimento entre crenças interpretadas e selecionadas, e

experiências vividas e justificadas. (WILLIAMS, 1979, p. 134).

As estruturas de sentimento podem ser tomadas como um processo pré-emergente ou

mesmo emergente de uma formação cultural e relacionam-se diretamente com o presente e o

vivido. Williams (1979; 1992; 2002), ao trabalhar com esse conceito, procura enfatizar seu

caráter coletivo e social, ligado à materialidade vivida, embora considere que não seja uma

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questão de aprendizagem mas, ao contrário, de percepção e sentidos, o que nos parece

contraditório em vista da posição que busca assumir16

.

Assim, a estrutura de sentimentos pode ser considerada a base para os rompimentos

possíveis com a tradição e a hegemonia corrente; possíveis em vista da criação (coletiva) de

novos significados a partir das comparações, tensões, constrangimentos, deslocamentos,

combinações e contrariedades na experiência prática.

Rompimentos também podem ser vislumbrados quando se reconhece a existência de

contradições internas, de uma dinâmica inerente, de pressões ultrapassando a determinação

externa. Ou, ainda, quando se assevera que a possibilidade dos homens, de cooperarem entre

si e gerarem conhecimento, é uma força produtiva, pois eles não apenas produzem para

satisfazer suas necessidades, como também geram novas necessidades e elaboram-nas de

modos diferenciados em sua experiência de vida.

Assim, Williams (1979, p. 100) defende a idéia de que a realidade é um “processo

social material com certas qualidades e tendências inerentes. Como antes no idealismo, mas

agora com especificação alterada, a arte [e aí a cultura] podia ser vista como [...] forças e

movimentos essenciais a eles subjacentes”. É difícil identificar no trabalho do autor, em que

exatamente consistem tais forças essenciais. Sabemos que a estrutura de sentimento é uma

força central e a ela somam-se: a consciência (não apenas como conhecimento, mas como

imaginação), reconciliada com a existência; os processos ativos e positivos de mediação e a

produção imaginativa e social, associada à produção material. Ao final, tais elementos (que,

certamente, são de ordem subjetiva e essencial) são capazes de gerar “novos significados e

valores, novas práticas, novas relações e tipos de relação” (WILLIAMS, 1979, p. 126), tendo

como fonte não apenas a classe econômica, como toda a área social e humana que, na

construção seletiva da tradição hegemônica, talvez tivesse sido excluída.

16 A tradição materialista do autor e a crença de que a fonte da energia humana não é externa ao sujeito, mas

inerente a ele, impele-o a uma descrição da estrutura de sentimento correntemente como se desenvolvendo

impelida pela materialidade que circunda a formação social, na medida em que é capaz de impactar os sujeitos e

grupos com aquilo que lhes proporciona. Porém, como explicar a cultura como força estruturante, primária (e

não superestrutural) se impelida unicamente pela materialidade que a formação social lhe impõe? O que é,

exatamente, a “energia humana”? De onde provém? Parece-nos que, apesar de marcadamente marxista, Williams

utiliza-se de fundamentos cuja explicação é bastante difícil fora de uma perspectiva idealista. Esse entendimento

também é expressado por Hall (2003, p. 137), quando diz que em A Longa Revolução, ele “desenvolve um diálogo oculto, quase silencioso, com posições alternativas, que nem sempre são tão claramente identificadas

quanto se desejaria. Existe um claro engajamento com as definições “idealista” e “civilizatória” de cultura –

tanto a equiparação de “cultura” com “idéias”, na tradição idealista, quanto a assimilação de cultura a um ideal,

que prevalece nos termos elitistas do “debate cultural”.

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Rompimentos e mudanças são realmente possíveis, pois

nenhum modo de produção e portanto nenhuma ordem social dominante e portanto nenhuma cultura dominante, nunca, na realidade, inclui ou esgota

toda a prática humana, toda a energia humana e toda a intenção humana. [...]

O que é excluído pode com freqüência ser considerado como o pessoal ou o privado, ou como o natural ou mesmo metafísico. Na verdade, é

habitualmente num ou noutro desses termos que a área excluída se expressa,

já que o dominante se apossa efetivamente do que é a definição vigente do

social. (WILLIAMS, 1979, p. 128, grifo nosso).

Nesses termos, ao tomar a cultura (e o sujeito social) como energia fundante da

sociedade, Williams (1979; 1992; 2002) configura-a como elemento que participa

interativamente do processo de construção social, descrevendo-a como força impulsionadora

de movimentos transformadores na tradição e, conseqüentemente, no processo de construção

social. Portanto, a cultura se faz constitutiva e não superestrutural, o que, para nós, só se torna

possível diante da dimensão humana e subjetiva dos sujeitos coletivos, capazes de revelarem-

se com relativa originalidade e “autonomia”, concorrendo lado-a-lado com os demais

elementos estruturais intervenientes.

Extrapola-se, assim, a materialidade naturalista ou mecânica para trabalhar com uma

materialidade “social”, a qual, ao mesmo tempo em que considera a formação material, a

toma como interna aos homens enquanto sujeitos sociais, permitindo à cultura posicionar-se

de modo formativo:

Se o social é sempre passado, no sentido de que é sempre formado, temos na

verdade de encontrar outros termos para a experiência inegável do presente:

não só o presente temporal, a realização deste instante, mas o presente

específico de ser, o inalienavelmente físico, dentro do que podemos realmente discernir e reconhecer instituições, formações, posições, mas nem

sempre como produtos fixos, definidores. (WILLIAMS, 1979, p. 130).

A cultura, então, é um elemento central na compreensão da sociedade, suas

instituições e processos. Os significados que desvela, os sentidos únicos que constrói, são

indicadores de modos de viver e sentir e geradores de novos e diferenciados processos sociais.

Esse processo, em que sentidos estabelecidos são dados ao mesmo tempo em que se deixam

interferir por outros, “estranhos”, acontece lenta e continuamente em todos os campos e

classes sociais, motivo pelo qual é possível afirmar-se que a cultura é ordinária, um elemento

global e regularmente presente nas práticas sociais.

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É importante reiterar que o processo cultural não se faz abstratamente, mas de modo

concreto, ligado às trajetórias dos indivíduos e em inter-relação com as demais e diferentes

práticas sociais. Ainda assim, é um processo constitutivo e instituinte, podendo converter-se

em instrumento de luta ou mudanças.

Todavia, ao se reconhecer a força interna da cultura como fator formativo e

constitutivo, não se pode esquecer que do mesmo modo pelo qual pode ser geradora de novos

sentidos e práticas, ela é, na maioria das vezes, também um modo de reprodução, de

veiculação de sentidos e realidades que dominam o universo simbólico buscando mostrar-se

como integral e totalmente válidos. Nesse sentido, a cultura é, ao mesmo tempo, um

referencial de socialização que sinaliza caminhos socialmente aceitos, que ao normatizar

ensina modos de lidar com situações e problemas. Mas é também, um espaço de lutas entre

contrários e, por isso, a construção de uma cultura comum, não apenas na sociedade como no

interior das instituições, pressupõe captar os significados diferentemente construídos,

percebendo de que modo são geradores de conflitos, interações e lutas, a fim de superá-los por

meio do alcance de compreensões comuns, negociadas através da linguagem.

4.3 CULTURA ESCOLAR: VIDA INSTITUCIONAL E UNIVERSO CULTURAL

A escola é uma realidade complexa e dinâmica. É formada por sujeitos e grupos –

profissionais docentes e não docentes, pais e alunos – que se relacionam de modo mais ou

menos direto entre si e com a realidade circundante – a sociedade global e o sistema

educacional – em vistas de um objetivo comum: o processo formativo de crianças e jovens

[ou adultos] em relação a conhecimentos historicamente produzidos, contribuindo para seu

desenvolvimento como pessoa.

Apresenta-se como uma síntese dialética e sempre provisória que se opera entre o

universo social e educacional maior e os sujeitos/grupos, a partir do “organizado”: espaços,

tempos, organogramas e modelos organizacionais. Tal configuração dada ao “escolar” não é

mecânica, mas historicamente produzida tanto no seio social como no interior da própria

instituição pelos grupos que ali interatuam, configurando-a, por isso mesmo, como uma

instituição social global (segundo Enguita, a mais globalizada de todas, pois que existe em

padrões muito similares em praticamente todo o mundo) que expressa as concepções e

produções humanas construídas em interação com uma estrutura social específica.

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Ao dizer a escola desse modo, forjamo-la como forma cultural, o que é inicialmente

muito claro por sua inegável natureza (institucional), bem como pelo papel formativo e

agregador que exerce. Contudo, é também uma forma cultural, porque é a expressão dos

significados construídos sobre esse fazer pedagógico e o modo de desenvolvê-los, o que nos

leva a concluir que a escola é, ao mesmo tempo, uma tradição hegemônica como, também,

constituída por hegemonias alternativas (movimentos, aliás, inerentes ao real).

Sendo desse modo, percebe-se que a escola resulta de uma complexa operação

seletiva que resultou numa dada tradição hegemônica: a definição e manutenção históricas da

função social a ser exercida, do tipo de prédio e do modo de distribuição dos espaços, do

tempo de trabalho e sua destinação, dos conteúdos a serem ensinados, dos grupos de atuação

profissional, do modo de organizar os alunos, das formas de desenvolver a gestão. Os estudos

sobre os processos constitutivos da escola pública de massas17

permitem ver como tais

características, ainda que flexibilizadas ou de algum modo alteradas ao longo dos anos,

continuam a refletir o modelo europeu de escolarização – formado ao longo de três ou quatro

séculos, talvez mais – que se expandiu para outros continentes de forma prevalecente.

Contudo, tal como pudemos demonstrar com base em Williams (1979; 2002), a

tradição estabelecida não se mantém suspensa, pairando acima da prática educativa concreta

que a escola constrói cotidianamente. Assim, observa-se que discussões e reações ao modelo

escolar vigente e hegemônico, ao currículo e às questões pedagógicas e administrativas que o

envolvem, são muitas, intensas e globais. Diante delas e visando manter-se, a tradição escolar

desencadeia movimentos reativos em nível social e institucional.

Estudos que podem ser tomados como ilustrativos da reação à tradição escolar são os

de Esteve (1995) e Cavaco (1995), quando demonstram aspectos que podem estar

relacionados ou ser reveladores das estruturas de sentimento da classe docente face à

educação e ao trabalho escolar, em decorrência tanto do descompasso entre a escola e a

sociedade contemporânea, quanto da pressão social e política para a mudança. De acordo com

Esteve (1995), a forma conflituosa como alguns professores percebem a educação gera-lhes

um sentimento de “mal-estar docente”, no qual a apatia, o absenteísmo e a busca de

afastamento do trabalho podem ser acompanhados por quadros de esgotamento, ansiedade,

stress e depressão. Num outro pólo, não dissociado deste, autores como Contreras (2002),

Imbernón (2000) e Nóvoa (2002), dentre vários outros, abordam a questão da necessária

17 A esse respeito ver PETITAT, A.; JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Disponível em: <

http://www.sbhe.org.br/novo/rbhe/RBHE1.pdf >. Acesso em: 16 jun. 2006.

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profissionalização da docência, organização que permitiria aos professores sistematizar ações

de contraposição ao modelo de trabalho vigente.

No que se refere ao grupo dos alunos, por outro lado, estudos sobre a indisciplina e

violência escolar, bulling e protagonismo juvenil são alguns dos que indicam a pressão que os

próprios discentes têm realizado em relação à hegemonia (em muitos aspectos secular) que a

escola impõe sobre a aprendizagem e a convivência no interior da instituição.

Pressões pela emergência de novas formas também são feitas em nível macro, pela

sociedade e pelos órgãos políticos e gestores do sistema educativo. Isso se constata quando a

sociedade, especialmente através dos veículos midiáticos, expressa denúncias, expõe pontos

de vista ou questiona o sistema educativo escolar; ou quando se implantam reformas

educacionais ou se utilizam mecanismos avaliativos para denunciar resultados não

construídos no âmbito da escolarização.

Todos esses movimentos confirmam, por um lado, a existência de um espaço de

atuação privada, mantido pela escola e, por outro, o quanto o relacionamento que mantém

com as instâncias sociais que a instituíram e das quais depende (não apenas sua legalidade,

como essencialmente sua legitimidade) é contraditório e paradoxal, pois ao mesmo tempo em

que a sociedade se altera e torna as mudanças necessárias, também espera da escola a

manutenção de um funcionamento que lhe funciona como referência.

No que diz respeito ao Estado, é possível perceber as pressões pela mudança e a

contraditoriedade das mesmas quando, em geral valendo-se de recursos políticos (decretos,

resoluções, diretrizes), busca alterar o movimento interno das escolas na medida em que, por

exemplo, institui ciclos de ensino, estimula a implantação de conselhos escolares ou ainda

reitera a necessidade do desenvolvimento de estruturas profissionalizadas de gestão.

A contradição que visualizamos diz respeito ao fato de que propostas de mudanças

na estrutura organizacional dificilmente são acompanhadas por mudanças que incrementem

qualitativamente a estrutura material e de funcionamento da escola, melhorando e ampliando

os espaços escolares e as equipes de trabalho. Muitas vezes, o fato de o apelo à mudança se

estabelecer com mais força na elaboração das políticas do que em sua implementação, é

responsável por sua não concretização plena, já que no interior da escola os sujeitos também

participam desse processo, podendo obstaculizar sua concretização em vista da forma como

experienciam ou sentem o modo de proposição da política ou as condições para sua

implementação.

Tais movimentos – que podemos designar como de hegemonia alternativa ou

simplesmente como instituintes – certamente se originam da estrutura de sentimentos dos

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grupos que compõem a comunidade escolar, oriunda, por sua vez, da experiência concreta que

se impõe a esses grupos. Assim, os movimentos são operados pelas formações ou grupos,

visando a transformar ou modificar a tradição corrente ou instituída (ou, quiçá, mantê-la, se

esse for o interesse).

Provavelmente pela força que tais movimentos carregam e pelo modo como

propalam seus discursos, cada vez com mais intensidade, tem-se visto aumentar os enfoques,

ao mesmo tempo, sobre a “crise da escola” e os estudos de sua cultura, pois que a idéia de

crise remete à de conflitos, deslocamentos, desajustamento, pressão, etc. , movimentos que

colocam em xeque justamente a tradição instituída, a cultura da instituição.

No que tange às idéias de cultura escolar, diferentes tentativas de apreensão sobre a

mesma têm sido feitas, dentre as quais destacamos, inicialmente, a de Pérez Gómez e a de

Viñao Frago. Para Pérez Gómez (2001, p.131), a cultura institucional escolar refere-se ao

Conjunto de significados e comportamentos que a escola gera como

instituição social. Tradições, costumes, rotinas, rituais e inércias que a escola

estimula e se esforça em conservar e reproduzir e que condicionam claramente o tipo de vida que nela se desenvolve e que reforçam a vigência

de valores, expectativas e crenças ligadas á vida social dos grupos que

constituem a instituição escolar.

Sua elaboração destaca a força instituinte (cooptadora) da cultura em seu exercício

de tradição hegemônica por meio do esforço (ativo) que realiza para manter os moldes de

trabalho institucional vigentes. Assim, a tradição não deve ser percebida apenas por seu lado

fraco, do passado que permanece presente, mas sim por seu lado forte, do passado que

emprega energias para continuar respondendo as experiências de vida do presente, o que

certamente implica negociação, concessões parciais, incorporações e reinterpretações de

aspectos emergentes.

Viñao Frago (2005, p. 59), por sua vez, acredita que a cultura escolar é:

constituida por un conjunto de teorías, ideas, principios, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y prácticas (formas de hacer y pensar, mentalidades

y comportamientos) sedimentadas a lo largo del tiempo en forma de

tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas en entredicho y

compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas.

Sua abordagem também enfatiza o pólo instituído e agregador da cultura, da

hegemonia corrente. Ao trabalhar a idéia de “compartilhamento”, ajuda a perceber que a

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cultura possui um caráter de “convencionalidade” (THOMPSON, 1995), pois utiliza regras,

códigos ou convenções reconhecidos por todos para direcionar o modo como os sujeitos agem

e interagem. A utilização dos aspectos convencionados no interior dos grupos se dá muitas

vezes de modo inconsciente, quando se trabalha com conhecimentos que, ainda que sendo

tácitos, são sociais.

Viñao Frago (2005, p. 59) também assevera isso, mostrando que a cultura é

composta pelas

tradiciones, regularidades y reglas de juego que se transmiten de generación

en generación y que proporcionan estrategias: a) para integrarse en dichas instituciones e interactuar en las mismas; b) para llevar a cabo, sobre todo en

el aula, las tareas cotidianas que de cada uno se esperan, y hacer frente a las

exigencias y limitaciones que dichas tareas implican o conllevan, y c) para

sobrevivir a las sucesivas reformas, reinterpretándolas y adaptándolas, desde

dicha cultura, a su contexto y necesidades.

Nesse momento, o autor destaca muito mais a função necessária e positiva da cultura

e da tradição na medida em que configuram o que é o institucional e referendam aspectos que,

ao serem mantidos, permitem continuidade ao trabalho pedagógico e à estrutura social,

convertendo-se, tal como ele destaca, em um recurso e referência para as pessoas que a

compartilham, permitindo-lhes operar, trabalhar e reagir sobre movimentos externos de

transformação.

Percebe-se, desse modo, como é tênue a linha divisória da cultura como força

formativa incorporadora (que possibilita a transmissão do já elaborado, garantindo referências

para o enfrentamento dos problemas, estabilidade, base para a construção de avanços) e como

força formativa constitutiva (geradora de movimentos hegemônicos alternativos e legítimos,

frente aos argumentos da experiência prática concreta e vivida no momento atual).

Ao identificar a cultura com rituais, normas, regras, hábitos, ambos os autores

reafirmam o conceito corrente de cultura (embora destaquem seu papel instituído ao longo do

tempo), e permitem também captar aquilo que é específico da cultura da escola, o fato de

que esta é partilhada pelos sujeitos na realidade escolar, permitindo que, ao mesmo tempo em

que atuam a partir da cultura específica de seu grupo (a cultura dos professores, por exemplo),

atuem também identificando-se com os demais grupos e percebendo-se como coletivo,

integrando-se e relacionando-se a partir da lógica institucional comum.

Essa “lógica” que tentamos explicitar como a cultura da escola refere-se aos traços

comuns em termos de atitudes diante da realidade cotidiana, aos modos de se comunicar e

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relacionar, as formas de enfrentamento dos problemas, as compreensões sobre o fazer

educativo escolar, aos estilos convencionados de lidar com as novas demandas externas e

internas (dados expressados pela prática, mudanças e reformas) que constrangem aqueles que

tentam deles escapar.

A cultura escolar tem sido abordada, na bibliografia recente da área, de modos

diferenciados, não existindo uma padronização em termos de nomenclatura, o que pode gerar

dificuldades de compreensão. Bolívar (2000), por exemplo, utiliza a expressão “cultura

organizativa”:

Conjunto de normas, valores, creencias y asunciones, que – fruto de la

interacción y negociación entre los miembros – dan lugar al modo como se

hacen las cosas en un centro organizativo. Por eso, expresa las formas de vida cotidiana del centro y modos como los miembros interpretan la

realidad, realizan sus acciones y suelen resolver los problemas. Como

cultura de una organización, comprende los significados y comprensiones

que los miembros comparten acerca de su trabajo y la expresión de estos

significados en las acciones particulares. (op cit., p. 133).

Lima Torres (2005, p. 439), por sua vez, argumenta sobre a chamada “cultura

organizacional escolar”. A cultura é

um processo de construção dinâmica mediatizada por um conjunto de factores, de que a estrutura também faz parte. Faz sentido, então, designar a

cultura “de organizacional” justamente pelo fato de no seu processo de

construção histórica confluírem um conjunto de fatores regulados por

referência aos constrangimentos e possibilidades de um determinado

contexto organizacional.

Acreditamos que a pluralidade em termos de definições se dá por conta da dialética

que caracteriza a escola – o fato de que é, ao mesmo tempo, uma instituição e uma

organização. Concluímos não representar um problema o fato de se falar em “cultura

organizacional escolar”, desde que se entenda a organização como o pólo materializado e

organizado da vida institucional que, assim como ela, está sujeita a ação – mais, ou menos –

instituinte dos sujeitos e grupos e, não, como contraponto duro e funcional do pólo vivo e

dinâmico que é a instituição, perspectiva essa que foi, por muito tempo, defendida dentro da

sociologia clássica das organizações e que agora se busca superar a partir da nova sociologia.

Para fins deste trabalho, intencionamos optar pela nomenclatura de Viñao, “cultura

da escola ou escolar”, pois acreditamos que ao nos remetermos à idéia de “escola”, podemos

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pontuar com mais clareza que se trata do universo “meso”, pano de fundo estruturado „por‟ e

estruturante „das‟ ações “micro” e “macro”, o que contribui para evitar embaçamentos entre a

cultura da escola e a cultura dos grupos. Assim, reconhecemos que mais importante do que a

nomenclatura, é a percepção dos elementos que caracterizam tal cultura, no plano escolar.

Tal como se pode ver em Williams (1979; 2002), a cultura não é uma “abstração”,

um conjunto de idéias que paira sobre as práticas apenas como um reflexo ou uma descrição

destas; justamente por ter um caráter de “concretude”, por ser um fator estruturante da

realidade sendo, ao mesmo tempo, gerada pelas reais experiências vividas, torna-se

impossível trabalhá-la como categoria única e fechada.

Desse modo, a cultura escolar não é, igualmente, um ideal dado e definitivo, mas sim

a composição de uma variedade de elementos que, ligados aos sujeitos, grupos, experiências

sociais e materialidade estrutural, configuram-lhe sempre com certo caráter de autenticidade,

permitindo que seja abordada em termos de “culturas escolares”. A esse respeito, Viñao Frago

(1995, p. 68) destaca:

El problema radica en que la cultura escolar en cuanto conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizan a la escuela como organización, posee

varias modalidades o niveles. Podemos, por ejemplo, referirnos a la cultura

específica de un establecimiento docente determinado, de un conjunto o tipo

de centros por contraste con otros – por ejemplo, las escuelas rurales o las facultades de derecho -, de un área territorial determinada o del mundo

académico en general por comparación con otros sectores sociales. También

podemos ofrecer una perspectiva individual, grupal, organizativa o

institucional de algún aspecto de dicha cultura.

A realidade escolar brasileira comporta diferentes culturas: a cultura de escolas

infantis, de ensino dos primeiros anos (primárias ou do primeiro segmento), de ensino

fundamental (segundo segmento) e médio, de ensino superior; ao mesmo tempo, de escola

pública e privada, dentre tantas outras. Essa diversidade não é gerada apenas pela estruturação

do sistema educacional que diferencia tais níveis, mas especialmente pela natureza do

processo educativo que se desenvolve em cada um deles.

Compreende-se, assim, que a cultura da escola é gerada no seio de seu fazer

pedagógico, em ligação com a natureza e as exigências desse fazer, o que, para Viñao Frago

(2005), significa em relação com o processo de ensino. Isso se explica porque não apenas

para o autor, como para a maioria dos pesquisadores que estudam essa temática, o grupo

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profissional que a define com maior intensidade é o grupo dos professores18

, ou seja, grupo

dos profissionais cujo trabalho é ensinar. Assim, a natureza desse trabalho (educar e instruir,

simultaneamente; trabalhar numa perspectiva grupal e de socialização e ao mesmo tempo

atender às necessidades individuais; formar e classificar [atribuindo notas ou

aprovando/reprovando], etc.) e as pressões que impõe (garantir aprendizagem efetiva e ensino

prazeroso, cumprir programas pré-estabelecidos e trabalhar com as experiências e

expectativas dos alunos, diversificar dentro da padronização, inovar com carência de recursos,

etc.) terminam por participar na definição dos sentidos construídos pelos professores e de suas

formas de agir e reagir (sua cultura profissional) e esses, por sua vez, na definição da cultura

escolar.

Contudo, apesar de central, a cultura profissional dos professores não é a única

cultura nem o único elemento que compõe a cultura escolar. Outros grupos ou formações

(detentores de experiências práticas ao mesmo tempo específicas e coletivas), como os

gestores, professores, pais, alunos, funcionários não-docentes, terminam por desenvolver uma

cultura própria (cultura dos alunos, por exemplo), expressando traços de especificidade sobre

seu universo particular – cultura dos gestores sobre o ensino, a aprendizagem, a participação;

cultura dos professores sobre o ensino, a aprendizagem, a gestão, o projeto da escola, etc. –,

compondo o que se designa como “subculturas” da cultura escolar.

Além disso, na medida em que o próprio trabalho educativo escolar é produtor de

culturas, há que se considerar que a materialidade da dimensão singular ou meso, como o

modelo organizacional (papéis, funções, estabelecimento da participação...) e a composição

de aspectos estruturais (tempo, espaço, recursos currículo...), são também, ao mesmo tempo,

formadores de cultura e por ela conformados, pelo que sua compreensão importa ao estudo da

cultura da escola.

4.3.1 Subculturas da Escola

Uma maior compreensão da cultura da escola implica o conhecimento da cultura dos

professores, já que juntamente com os gestores e alunos compõem os grupos que mais

concorrem na definição da cultura escolar. Segundo Hargreaves (1999), toda cultura possui

18 Cf. Pérez Gómez (2001).

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um conteúdo e uma forma. O conteúdo refere-se às crenças, concepções, significados que

motivam ou estão subjacentes aos modos de atuação; a forma, por sua vez, diz respeito à

maneira pela qual os sujeitos relacionam-se e articulam-se entre si. Assim, considerando-se

que os diferentes grupos funcionam agregados à coletividade maior, há que se perceber o que

suas culturas retratam enquanto conteúdo e forma.

4.3.1.1 Professores

A cultura profissional dos professores tem sido bastante discutida por Hargreaves

(1999), que a apresenta por meio de cinco formas: o individualismo, a balcanização, o

coleguismo artificial, a colegialidade ou colaboração e o mosaico móvel, sendo o isolamento

ou individualismo apontado como a forma predominante.

Dentre os principais traços da cultura de individualismo está o isolamento e a

inexistência de trabalhos coletivos com outros professores ou com os gestores, seja para

planejar ou desenvolver projetos conjuntos, seja para analisar e refletir sobre o trabalho que

desenvolvem. Por outro lado, tal individualismo dos professores permite-lhes estarem

protegidos contra interferências externas, independentemente de que as circunstâncias

específicas exijam ou não essa proteção. Hargreaves (1999, p. 204), por sua vez, assevera que

não se deve abandonar a individualidade em nome da superação do individualismo, pois

aquela garante aos professores “La capacidad de hacer juicios independientes, de ejercer la

libertad de criterio personal, la iniciativa y la creatividade en su trabajo [...], oportunidade de

independência e iniciativa [...]”. O modo pelo qual se foi estruturando o sistema educativo

contribuiu para que a cultura de individualismo fragmentário fosse e continuasse a ser uma

das mais presentes e enraizadas nos professores, isso porque o situa como responsável maior

(e algumas vezes único) pelo processo de ensino e aprendizagem dos alunos, distribuindo de

modo isolado as funções no interior da escola e fragmentando inclusive os espaços e tempos

de trabalho.

A balcanização pode ser considerada uma modalidade diferenciada de

individualismo, agora em nível grupal. Assim, a cultura balcanizada leva os professores a

agruparem-se conforme suas características de atuação (grupo de professores de matemática,

grupo de professores que atuam no período matutino...) e, a partir daí, a isolarem-se ou

mesmo contraporem-se aos demais grupos existentes, o que pode gerar até mesmo

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incoerências face à idéia de um projeto pedagógico de escola coletivamente assumido. Assim

como ocorre com a individualização, a própria organização escolar e curricular contribuem

também para a cultura de balcanização, além dos interesses e identidade dos diferentes grupos

de professores.

Coleguismo artificial é a terceira modalidade de cultura profissional, na qual os

professores trabalham juntos apenas quando as circunstâncias assim o exigem. Realizar

coletivamente o conselho de classe ou desenvolver em equipe um projeto são exemplos de

situações nas quais os professores colaboram na medida em que as tarefas a serem

desenvolvidas requerem, sem que haja uma espontaneidade nas interações. Além disso, a

participação conjunta termina quando a tarefa é concluída, retornando os professores a sua

posição individualista ou ao seu grupo de origem. Conclui-se, assim, que o coleguismo

artificial é uma cultura docente estruturada por meio de estratégias normalmente coordenadas

pelas lideranças ou gestores da escola; embora tenha um aspecto positivo – o de estimular os

professores para experienciarem situações de colaboração – pode revelar-se como um

problema se as situações artificialmente estabelecidas levarem os professores a perderem o

desejo pelo trabalho coletivo.

A cultura de colaboração ou de colegialidade é a mais difícil de se consolidar;

consiste na cooperação espontânea e contínua entre os professores em torno da definição de

objetivos e modos de fazer, da abertura para o trabalho e reflexão conjunta, da abordagem

positiva frente aos posicionamentos diferenciados, indo inclusive além das situações formais

de trabalho escolar pelo interesse dos docentes em partilhar outras experiências. Por tais

características, percebe-se que esta cultura implica sentimentos de confiança entre todos e

posturas de apoiamento mútuo, o que alavancará processos de desenvolvimento profissional e

institucional contínuos. Por outro lado, se a cultura de colegialidade mantiver-se apenas em

nível de relações sociais, poderá tornar-se sinônima de processos paternalistas, nos quais a

escola será uma “grande família”.

A última modalidade de cultura profissional é o mosaico móvel; a cooperação

profissional é alcançada na medida em que as estruturas organizacionais e hierárquicas

classicamente estabelecidas rompem-se ou alteram-se diante das situações que se apresentam

no cotidiano escolar, a fim de permitir enfrentá-las com rapidez. Desse modo, diferentes

lideranças podem surgir ou desaparecer e os líderes são “rotatorios y temporales. No llevan

consigo el progreso automático en la carrera. Tampoco constituen arterias ni enclaves de los

procesos escolares de decisión” (HARGREAVES, 1999, p. 261).

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120

É necessário perceber também que as modalidades de cultura profissional não são

excludentes entre si, motivo pelo qual embora uma ou outra possa prevalecer sobre as demais,

elas ainda assim coexistem no universo escolar.

Em relação ao conteúdo da cultura dos professores, no que tange à profissão, a

discussão de Enguita (2004) sobre as concepções que eles possuem sobre a natureza da

docência é, sem dúvida, um contributivo. Para esse autor, os professores costumam perceber-

se como profissionais liberais, burocráticos, ou democráticos.

A visão da docência como profissão liberal implica numa concepção autônoma do

trabalho de ensinar, a qual se vê conquistada por meio da formação específica para o trabalho

(licença profissional). Essa autonomia, contudo, é percebida por seu lado liberal, de domínio

efetivo de um campo de competência profissional, ou simplista/unilateral (CONTRERAS,

2002), como uma autojustificativa para as opções realizadas pelo próprio sujeito (professor).

Por outro lado, ao conceber a docência como um trabalho burocrático, os professores

têm em mente principalmente a tradição, relacionada à própria instituição de ensino, de que

goza esse trabalho. Assim, a referência maior para a concepção burocrática da profissão

docente é a própria organização escolar e o papel que o professor supostamente deve

desempenhar nela, mantendo-se restrito e preso às funções, normas e modos de proceder

configurados de modo inflexível, apriorístico e burocrático. O modelo profissional

especialista-técnico, de Contreras (2002), contribui também para a compreensão de alguns

aspectos dessa cultura, em especial para o entendimento restrito que os professores possuem

de autonomia, vista como dependente de orientações técnicas e teóricas externas.

Há, por fim, uma visão democrática da profissão-professor, relativa a uma cultura de

“compromiso con los fines de la educación, con la educación como servicio público: para el

público (igualitario, en vez de discriminatorio) y con el público (participativo, en vez de

impuesto)” (ENGUITA, 2001, p. 55). O trabalho docente não se pautaria nas crenças

individualistas do professor, a despeito da realidade social, nem mesmo se colocaria acima

dessa realidade a fim de atender a uma organização escolar previamente dada, mas se

constituiria paulatina e reflexivamente, com abertura para a participação de toda a

comunidade escolar. Em Contreras (2002), a cultura profissional democrática pode ser vista

por meio dos modelos profissionais reflexivo e crítico, os quais trazem uma concepção de

autonomia afeta a responsabilidade ética na resolução dos problemas do trabalho de ensinar,

bem como relativa à consciência do professor sobre a busca necessária pela emancipação

profissional, a ser alcançada na medida em que atue para além da prática de ensinar, nos

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âmbitos macro capazes de impulsionar transformações nos fatores que obstaculizam

institucional e profissionalmente o desenvolvimento do ensino.

A forma e o conteúdo da cultura relacionam-se entre si. A cultura individualista, que

parece ser predominante entre os professores, certamente reflete a concepção liberal ou

burocrática do trabalho de ensinar, enquanto a formação em mosaico móvel ou em

colegialidade pressupõe, por sua vez, uma atitude democrática. Importante é ter clareza de

que a partir da influência de uma série de aspectos variáveis como a estrutura física e

organizacional da escola, as exigências que o trabalho impõe e as próprias características dos

professores (trajetória profissional, formação, concepções, etc.), suas configurações culturais

podem se diferenciar, levando um professor individualista a, num dado momento, mostrar-se

cooperativo.

4.3.1.2 Gestores

A cultura dos gestores, por sua vez, não goza de tanta ênfase quanto a cultura dos

professores na produção da área. Nos momentos em que é abordada, os estudos buscam

demonstrar o quanto está ligada aos processos de reforma (externa), mesmo quando o gestor

atua em nível escolar. Assim, para Viñao Frago (2002, p. 90), reformadores, gestores e

supervisores ligados à implementação de reformas consideram os professores o maior entrave

para que as mesmas se concretizem, demonstrando uma cultura diferenciada daquela

apresentada pelos docentes e relacionada, por sua vez, ao controle dos processos dentro da

escola. Desse modo, o autor aponta como aspectos do conteúdo da cultura dos

administradores:

– a tendência à uniformidade, ignorando-se as especificidades das instituições e dos

sujeitos/grupos que compõem a comunidade escolar;

– a visão burocrática do trabalho dos gestores e professores, gerando uma prática

centrada na realização de ordens e tarefas normatizadas;

– a tendência à realização de reformas em grande escala, em detrimento do estímulo

à flexibilização e à geração de mudanças em nível local e do trabalho particular;

– a ênfase aos aspectos administrativos e documentais do trabalho docente,

convergindo com a tendência reformista e de controle administrativo e afastando-

se, na mesma medida, do foco pedagógico;

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– a concepção padronizada e racionalista da utilização do tempo escolar,

configurado de modo linear, impessoal e distanciado da pluralidade e das

construções pessoais, inerentes ao trabalho dos professores;

– a total desconsideração das tradições da cultura escolar ou a crença de que a

mesma pode ser substituída rapidamente por meio de reformas, denotando um

presentismo a-histórico (VIÑAO, 2002).

Em trabalho mais recente, o autor retoma esse foco de discussão enfatizando a

questão do trabalho dos diretores escolares a partir da realidade espanhola. Aponta, então,

quatro modelos para a função diretiva: direção tradicional, participativo-democrático, líder

pedagógico e gerente/gestor.

Em relação à sua forma, é possível inferir que, igualmente como os professores, os

gestores mantêm-se prioritariamente em posição de maior isolamento. Essa conclusão é

possível se, primeiro, considerar-se que na medida em que optam por uma cultura

individualista, os professores não apenas a adotam como também a impõem aos demais

grupos (isolam-se entre si, dos gestores e até mesmo dos alunos, colaborando apenas nas

situações que assim exigirem). Em segundo lugar, é uma inferência possível diante do próprio

conteúdo da cultura dos gestores, uma vez que a ênfase ao burocrático, ao padronizado e ao

normativo, além da tendência a imposição de mudanças, são incoerentes com uma forma

colegiada e colaborativa, encontrando na forma individualista seu maior respaldo, inclusive

para a manutenção dos processos decisórios em nível restrito.

4.3.1.3 Alunos

A cultura dos alunos é, certamente, a que conta com menor ênfase nos estudos

sobre organização e cultura escolar, o que não impede que se localizem contribuições

importantes. Tyler (1996), trabalhando com alunos de escolas secundárias, refere-se a culturas

pró e anti-escola, relacionadas a maior ou menor aproximação entre os objetivos dos alunos e

os objetivos da escola.

Embora a idéia de cultura pró-escola pareça ser bastante óbvia, utilizamo-nos da

pesquisa de Schiattino (2006, p. 186) a fim ilustrá-la. A autora aponta que, para os alunos,

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[...] las condiciones para ser “buen aluno” aparecen ligadas a la buena

conducta, el cumplimiento y el esfuerzo, en menor medida al hábito de

estudiar y sólo un bajo porcentaje entiende que es importante “atender en clase”. La imagen que poseen del buen alumno puede visualizarse en las

expresiones utilizadas para responder el cuestionario:

“Era cumplidor, aplicado, con buena conducta y muy esforzado”.

“Era estudiosa, respetuosa, buena”. [...] “Educado, prolijo, no era vago, era responsable y le gustaba estudiar”.

Mucho estudio y ser respetuoso con los profesores”.

De modo diferente, a cultura anti-escola explorada por Tyler (1996) pauta-se na

percepção da escola como lugar pouco interessante e atrativo, motivo pelo qual os alunos

valorizam muito mais aspectos extra-curriculares e não acadêmicos, relativos à diversão e

socialização, tendo por isso que faltar ou interromper as aulas. Birksted (1976, (apud TYLER,

1996, p. 102), concluiu que

[...] para los chicos, la escuela no es un lugar hacia el que orienten su

existencia y constituya un principio de organización de la vida. La escuela

proporciona ciertas ventajas de forma conveniente: ocupa tiempo, es un sitio

en el que estar. La escuela es como una sala de espera.

Tais conteúdos da cultura discente relacionam-se com os agrupamentos dos alunos

ou com a forma de sua cultura. Tyler (1996) apóia-se em diferentes trabalhos para,

inicialmente, reapresentar a teoria de que a organização estabelecida pela escola (por série,

idade, nível de aprendizagem...) influencia nos agrupamentos que se formarão entre os alunos

e, consequentemente, na subcultura destes, pois é tendência que os alunos tendam a conviver

e escolher amigos desse grupo inicial, desenvolvendo identificação e compromisso.

Na seqüência, o referido autor contrapõe estudos sobre os agrupamentos com classes

abertas, nas quais a formação dos alunos variava durante o dia de trabalho. Uma das

percepções foi a de que, embora o rompimento com o sistema classificatório das classes

contribuísse em níveis cognitivos, a liberdade gerada pelo menor controle “parecia haber

proporcionado más oportunidades para la subversión al grupo delincuente (the lads: „los

amigos‟)” (TYLER, 1996, p. 104). Outra percepção foi apresentada a partir dos estudos de

Ball, igualmente a partir da formação de grupos homogêneos e, em seguida, heterogêneos;

segundo os estudos desse autor, a flexibilização das formações por meio de um trabalho mais

aberto inibiu a cultura anti-escola, pois o número de faltas diminuiu e a presença às aulas

aumentou. Por outro lado,

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la reforma no elimino las divisiones entre grupos de amigos de acuerdo con

la capacidad de sus componentes y su clase social de procedencia. [...] Ball

observó que en estas clases formadas sin previa clasificación se había reproducido „un microcosmos del sistema de bandas efectuándose el proceso

de diferenciación y polarización dentro de cada grupo formal‟. (TYLER,

1996, p. 105).

Os estudos retratados permitem ver que em relação a seu conteúdo, a cultura dos

alunos pode ser identificada, então, como pró-escola e anti-escola, e sua forma, como a de

alunos com maior ou menor aproveitamento escolar e de alunos com semelhanças em termos

de procedência social, sendo essa última provavelmente o fator mais determinante.

Por fim, ao se tratar da cultura dos diferentes grupos escolares e ao se perceber a

tendência a modelos individualistas, burocráticos, centralizadores e distanciados da atitude de

aprendizagem constante, não se pode deixar de considerar que a cultura é, como asseverou

Williams, uma construção material. Ou seja, embora acreditemos que possui uma energia

própria e original, formativa, ela também é influenciada pelos fatores sociais e

organizacionais do meio no qual tais sujeitos estão.

Assim, ao mesmo tempo em que existem culturas específicas de grupos com

afinidades ou objetivos comuns, existem também traços da cultura da escola que são comuns

a todos os grupos institucionais e que influenciam o modo como cada um deles interpreta sua

realidade específica, permitindo às subculturas manterem-se, ao mesmo tempo, com

especificidade e identificação aglutinadora em torno da cultura escolar. Por esse motivo,

Pérez Gómez (2001, p. 132) assevera:

O desenvolvimento institucional se encontra intimamente ligado ao

desenvolvimento humano e profissional das pessoas que vivem a instituição e vice-versa; a evolução pessoal e profissional provoca o desenvolvimento

institucional. O esquecimento desta dinâmica interação tem conduzido

muitos teóricos e políticos a confundir a cultura institucional da escola com a cultura profissional dos docentes, suas tradições e suas exigências, sem

entender que estas se encontram, por sua vez, condicionadas pelas

peculiaridades organizativas da escola e pela função social que cumpre em

cada contexto cultural.

As subculturas escolares, cruzadas aos elementos organizacionais e estruturais e à

natureza e exigências da educação escolar são, então, compositoras da cultura escolar, ao

mesmo tempo refletindo-a.

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4.3.2 Elementos Estruturais e Aspectos Organizacionais

O destaque à figura dos sujeitos não deve significar, reiteramos, uma concepção

exclusivamente idealista de cultura profissional e escolar, visto que tais concepções e

práticas são mediatizadas, também, pelas concepções e práticas sociais (pelas pressões que

impõem à escola), pela normatização estabelecida em nível de sistema educacional, pelas

condições estruturais da escola, bem como pela própria cultura dos demais sujeitos e grupos

da comunidade escolar. Assim, compreender a cultura escolar significa compreender um

conjunto de aspectos institucionalizados, o que, segundo Viñao Frago (1995, p. 68-69),

[...] incluye prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos – la historia

cotidiana del hacer escolar –, objetos materiales – función, uso, distribución en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación,

desaparición... –, y modos de pensar, así como significados e ideas

compartidas. Alguien dirá: todo. Y si, es cierto, la cultura escolar es toda la

vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos

de pensar, decir y hacer.

Destacamos, então, que o alcance da cultura escolar passa também pela compreensão

de elementos organizadores e conformadores que, ao mesmo tempo em que a compõem, dela

são reflexo: os elementos da estrutura organizacional da escola.

Estruturar algo é organizá-lo de um determinado modo, suprindo-o com elementos

necessários e buscando estabelecer, para esse conjunto, uma espécie de lógica de

funcionamento a partir de sua articulação. Não há grande padronização quanto ao emprego do

termo estrutura: alguns o utilizam isoladamente e o desdobram de acordo com a

especificidade da dimensão a que se dirige (estrutura física e material); outros o empregam

como sinônimo de organização, alternando-os (a organização física e material da escola); e

há, também, aqueles que associam os dois termos, formando a expressão “estrutura

organizacional”.

A estrutura da escola, então, é um aglutinado de elementos (físicos, materiais, legais,

humanos) e tecnologias (processos de ação, métodos, técnicas e instrumentos de que a escola

se utiliza para realizar e resolver questões relativas a seu trabalho educativo). Combinados,

eles criam um determinado funcionamento na organização, já que a partir das finalidades

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estabelecidas definem (mais ou menos intensamente) papéis, responsabilidades e modos de

articulação.

Entendemos que a estrutura organizacional da escola influencia sua cultura e é, ao

mesmo tempo, por ela influenciada - compreensão que, por si mesma, aponta para que a

estrutura não seja tomada apenas como dada e estruturante, mas também como em

estruturação. Esse entendimento sugere ser inviável tentar delineá-la de modo fixo, mas não

impede que elementos centrais sejam localizados.

Para Alves (2003), a “estrutura funcional” da escola possui duas dimensões básicas,

a pedagógica (voltada à organização do trabalho que se estabelece visando ao alcance da

finalidade educativa da escola) e a administrativa (voltada à gestão dos recursos físicos e

materiais, humanos e financeiros), asseverando que as estruturas pedagógicas é que devem

determinar as administrativas. Partindo de tais dimensões, é possível identificar elementos já

elencados – físicos, materiais, financeiros, jurídicos, humanos e tecnológicos – que diante

deles se apresentam como “transversais”:

Figura 1 – A Escola como Instituição e o Universo Simbólico.

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A identificação da(s) estrutura(s) existente(s) na escola pode auxiliar a perceber o

funcionamento interno da instituição. Porém, se a meta é uma compreensão mais globalizada,

parece-nos interessante compreender o papel e funcionamento dos próprios elementos

estruturais, o modo como eles se configuram, depreendendo daí as finalidades buscadas e, ao

final, a cultura escolar.

De fato, Teixeira (2005) alerta que quanto mais a escola configurar as estruturas

como elementos racionalizados ou como recursos destinados a adaptá-la ao meio social, maior

será a tendência de que elas se mantenham acima de sua dinâmica interna ou das finalidades

educativas a serem atingidas, sobrepondo-se. Porém, concordamos com Giddens (apud

TEIXEIRA, 1995, p. 47) para quem “a produção e reprodução das estruturas sociais são um

produto da acção estratégica dos autores”, o que nos leva a entender a importância de que

sejam perspectivadas como flexivelmente alteráveis diante dos processos dialéticos e

interativos que ocorrem na escola, estando a eles subordinadas.

Enguita (2005) vem trabalhando com a questão da configuração organizacional da

escola (o tipo de funcionamento e as funções que propicia exercer). Partindo da contribuição

da teoria dos sistemas e tomando a escola desse modo, aponta que, enquanto sistema, a escola

pode funcionar como sistema mecânico, cibernético ou orgânico:

Quadro 1: La Organización como Sistema

Mecánico Cibernético Orgánico

Componentes Individuos Relaciones Metarrelaciones

Nivel de complejidad Agregado Estructura Sistema

El todo es... ... igual a la suma de las

partes:

No añade nada

... más que la suma de las

partes:

Complementariedad

... mucho más que la

suma de las partes:

Sinergia

Fines que predominan Los individuales de los

elementos

La estabilidad de la

organización

La función para con el

entorno

Actitud requerida de los

integrantes

Pasiva

(mantenimiento)

Reactiva

(reposición)

Proactiva

(innovación)

Predomina Sistema natural Sistema racional Sistema abierto

Fonte: ENGUITA, M. F. Organización escolar y modelo profesional. In: ENGUITA e SASTRE (2005).

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Ainda assim, Enguita não pretende tomar essa configuração como fixa, alertando que

em alguns momentos ou partes a escola pode funcionar como (ou conter componentes de) um

agregado ou estrutura:

Quadro 2: La Escuela como Agregado, Estructura o Sistema

Agregados Estructuras Sistemas

En primer plano El profesorado La organización El proyecto

Principal centro de

decisión

El docente individual El claustro, la dirección

del profesorado

El consejo, la dirección

de la comunidad

Tipo de dirección Débil, pasiva, de

transmisión

Media, reactiva, de

estabilización

Fuerte, proactiva, de

liderazgo

Expresión ritual PCC RRI PEC

Nexo de relación con el

entorno

Padres y madres

individuales

Asociaciones de Padres Consejo Escolar y

comunidad

De carácter Individual y selectivo,

como remedio

Extensivo y específico,

como complemento

Intensivo, como fuente de

recursos

Fonte: ENGUITA, M. F. Organización escolar y modelo profesional. In: ENGUITA e SASTRE (2005).

Como sistema mecânico, a escola estará muito próxima dos modelos burocráticos de

organização, já que o que predomina é a lógica de que aquele modo de trabalhar é natural e,

portanto, a ser implementado pelos indivíduos; esses, por sua vez, nada mais são do que

“peças” da estrutura. A configuração como sistema cibernético tem proximidade com

fundamentos funcionalistas: a escola é uma estrutura que funciona e que, portanto, deve

continuamente empreender esforços quando algo alterar tal curso. As pessoas são percebidas

como componentes que se articulam em torno da lógica racionalmente criada.

A configuração da escola como sistema orgânico é o que poderíamos tomar como

“ideal”, porque parte do entendimento de que a escola tem uma dimensão universal, macro e

que, portanto, é importante que esteja permanentemente revitalizando o fazer escolar, na

medida em que, pelo movimento social, novas demandas vão surgindo. Aberta, então, para o

esse entorno ela passa a atuar em sinergia, com interações que se criam e recriam entre e

ampliam-se, não apenas a si mesmas, mas a escola como instituição.

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O segundo quadro de Enguita (ibid) visa a demonstrar a mesma lógica de

funcionamento, agora mais próxima da dimensão singular da escola, porque traz elementos de

sua organização. Enquanto como agregado todo o funcionamento é centrado no professor,

como estrutura a organização funcional é o foco e como sistema, o projeto pedagógico da

escola.

O trabalho da escola articulado em torno da proposta pedagógica permite à escola

atuar de modo a superar progressivamente a cultura de individualismo e possíveis fatores

burocráticos que se imponham às necessidades vitais. Poderá revelar-se, também, em

constante atividade propositiva, já que não existe uma lógica pronta, mas sim um projeto que

– aberto para sua comunidade – se reconstitui permanentemente e gera novas demandas.

Lógicas de ação escolar pautadas num estilo de organização agregada ou mesmo

voltada para uma estrutura definida podem ajudar a explicar o fracasso de muitas iniciativas

de desenvolvimento profissional e institucional, sendo geradas pelos sujeitos isoladamente ou

em grupo, mas sem plena cooperação e contra um aparato organizacional-estrutural rígido e

distanciado das questões que a sociedade e a comunidade escolar colocam à escola. Enfim,

sem o fortalecimento com que deveriam contar por parte da escola como organização, tais

iniciativas terminam obstaculizadas, dirimidas ou mesmo sufocadas.

A compreensão desse fenômeno associado à discussão sobre uma possível “crise da

escola” estimulou a reflexão acerca da estrutura organizacional das escolas, destacando

elementos como:

– a identidade da escola (sua visão e missão, finalidades educativas buscadas, nível

de assimilação e assunção);

– a relação da escola com seu entorno;

– a estrutura de recursos humanos, físicos e materiais (equipes de trabalho, tempo,

espaço, mobiliário, recursos didáticos e tecnológicos);

– a estrutura de recursos funcionais (horários, locais e normas);

– o organograma estabelecido e o sistema de gestão;

– as tecnologias pedagógicas da escola (proposta pedagógica e curricular, formação

de professores e avaliação institucional, estratégias de trabalho);

– a política interna e o sistema relacional (poder, autonomia, participação e

comunicação).

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Coordenados, tais elementos da estrutura organizacional da escola institucionalizam

uma determinada dinâmica de funcionamento (mais ou menos orgânica) que, por sua vez,

permitirá maiores ou menores níveis de desenvolvimento institucional.

O desenvolvimento institucional parte da tese de que a aprendizagem não é um

processo individual, mas sim coletivo, bem como da idéia de que a escola não é um

aglomerado de indivíduos, mas um organismo vivo, motivo pelo qual a aprendizagem precisa

ser coletiva, institucionalizada e institucional. No campo dos estudos organizacionais, o

desenvolvimento institucional tem sido tematizado por meio da metáfora da organização que

aprende e/ou reflete.

Bolívar (2000, p. 18) distingue os conceitos de aprendizagem organizacional e

organização que aprende (desenvolve-se institucionalmente). Para o autor, a aprendizagem

organizacional refere-se à lógica ou fundamentos que explicam como se processam, no

interior da escola, os movimentos de mudança conceitual ou prática desencadeados diante de

problemas cotidianos:

El AO [aprendizagem organizacional] es un concepto usado ara describir ciertos tipos de procesos y actividades que tienen lugar en una organización,

incluyendo tanto el aprendizaje individual que se deriva de la experiencia

organizativa, como la repercusión que dicho aprendizaje tiene en los

procesos organizativos, que generan cambios en los modos habituales de

pensar o hacer en la organización.

A aprendizagem organizacional revela-se, então, como atitude fundante do

desenvolvimento institucional, associada a idéias como a da mudança enquanto processo

sistêmico (abordando não apenas questões estruturais ou organizacionais, mas essencialmente

as culturais, relativas às dimensões subjetivas dos sujeitos, abordando a instituição em sua

totalidade); diálogo horizontalizado (rompendo com as resistências e aproximando sujeitos e

grupos em torno do diagnóstico das dificuldades institucionais e da construção de um projeto

coletivo de escola) e relações colaborativas (horizontalizando e interconectando papéis e

responsabilidades; gerando apoiamento mútuo).

O reconhecimento da aprendizagem organizacional como fator central do

desenvolvimento institucional revela, por fim, a conexão direta entre a cultura da escola e sua

estrutura organizacional, pois:

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– o conjunto de elementos que compõe a estrutura organizacional é uma construção

cultural constituída primeiro no universo sócio-cultural macro e, em seguida,

reconfigurada no universo cultural escolar;

– enquanto construção cultural, a estrutura organizacional da escola reflete valores

que lhe são subjacentes;

– ao gerar um dado funcionamento, materializar e refletir valores, a estrutura

organizacional contribui para a socialização e a manutenção da cultura escolar

podendo, também, levar à sua renovação;

Depreendemos, em decorrência, que a configuração da estrutura organizacional da

escola de modo voltado à aprendizagem e ao desenvolvimento institucional depende muito

mais da construção de tais sentidos em seu interior do que de uma determinação externa.

Valores como responsabilidade social, foco-pedagógico, trabalho conjunto, apoiamento,

democracia, participação política, diálogo, responsabilidade, comprometimento, crítica e

aprendizagem estão no centro da cultura colaborativa de escola e de seu desenvolvimento

institucional.

Para nós, o desenvolvimento institucional revela uma escola na qual a dimensão

micro-social (os sujeitos e grupos) mostra-se aglutinada e coletivamente organizada pela

dimensão meso-organizacional (estrutura) em função de processos de aprendizagem capazes

de permitir a definição clara de objetivos educacionais e dos problemas em relação a seu

alcance, desencadeando a partir daí processos de interpretação, análise e compreensão dos

mesmos. Estes, ao se consistirem em movimentos reflexivos, contribuem com a reorganização

do trabalho educativo e a implementação de mudanças qualitativas, coerentemente orientadas

e efetivamente alcançadas.

Escolas organizadas para refletir e detentoras de uma cultura colaborativa trabalham

em torno de iniciativas político-pedagógicas voltadas ao avanço da instituição, da carreira

profissional dos educadores e do sistema educacional, entendendo-as como condição para a

própria mudança social.

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5 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DAS

POLÍTICAS PARANAENSES: REPERCUSSÕES POSSÍVEIS SOBRE A

CULTURA DA ESCOLA

5.1 A ESCOLA E SUA ORGANIZAÇÃO INTERNA: A GESTÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO

Uma conceituação fundamental, mas de difícil elaboração, é a de trabalho

pedagógico. Na literatura especializada ele aparece, na maioria das vezes, como uma

definição genérica para todo o trabalho desenvolvido no interior da escola.

Entendemos que na escola existem duas instâncias de ação pedagógica, totalmente

interligadas mas diferenciadas. Uma delas se refere ao trabalho que envolve diretamente o

aluno: o ensino-aprendizagem planejado pelo professor e efetivado nos ambientes da escola

sob orquestração do professor. Esse trabalho possui uma relevância sem igual, porque é dele

que depende, em última instância, a efetivação da aprendizagem discente, a qual, por sua vez,

permite a efetivação também da proposta pedagógica da escola. Se nas primeiras experiências

educativas o desenvolvimento do ensino-aprendizagem se dava a cargo exclusivamente do

professor, que atuava sozinho com grupos de alunos, a criação da escola de massas passou a

juntar grandes grupos de alunos e professores que até hoje atuam individualmente (cada

professor com suas classes), mas também coletivamente (vários professores num mesmo

espaço físico e estabelecimento de ensino – a escola).

Assim, para apoiar esse trabalho ligado especialmente ao ensino-aprendizagem, mas

que, estando num estabelecimento de ensino estatal (a escola pública, gratuita e universal),

precisaria estar sintonizado e articulado ao trabalho dos demais professores que atuavam com

grupos de alunos semelhantes (ou até com o mesmo grupo, em momentos diferenciados) e

também às diretrizes de ensino que emanavam do Estado, como responsável e mantenedor,

introduziu-se no interior da escola a figura de outros educadores – diretores, supervisores,

orientadores e inspetores que não mais atuariam no espaço primeiro da sala de aula, porém

junto aos colegas que lá trabalhavam, visando a: administrar toda a estrutura física, material e

humana que se criou; garantir sintonia entre as determinações advindas do Estado

(mantenedor) e o trabalho da/na escola; garantir a unidade interna no trabalho dos vários

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professores que atuavam em classes diferentes mas de mesma série ou, nas mesmas classes

com disciplinas diferentes; e auxiliar os professores no tratamento das necessidades

apresentadas pelos alunos e suas famílias. A estrutura montada para as escolas, agora órgãos

oficiais e estabelecimentos de ensino, organizou-se por meio de uma lógica racional-

burocrática e, também por isso, outros profissionais tornaram-se necessários: bibliotecários,

inspetores de alunos, auxiliares administrativos para tratar da documentação escolar,

merendeiras e zeladores.

Criou-se, nesse momento, uma nova categoria de trabalho no interior da escola, não

mais relacionado à efetivação do ensino-aprendizagem, mas aos encaminhamentos

necessários para que, no interior das salas de aula, o ensino-aprendizagem se fizesse dentro de

parâmetros oficiais, legais e institucionais, buscando a unidade interna na escola e no sistema

educacional.

Logicamente, os dois trabalhos – o relacionado à efetivação do currículo e o

relacionado ao apoiamento do primeiro e sua orquestração em termos de coletivo escolar –

são interdependentes e possuem natureza pedagógica, pois têm o princípio educativo como

base, tornando difícil identificar termos e modos para diferenciá-los. Assim, consideramos

viável a diferenciação proposta pelo Regimento das Escolas do Paraná, que diferencia

trabalho pedagógico de trabalho didático-pedagógico, e passaremos a adotá-la para fins de

análise.

Nessa proposta, o trabalho didático-pedagógico refere-se a definições que organizam

a vida na sala de aula: os níveis e modalidades de ensino, a organização do currículo, sua

estrutura e funcionamento, a matrícula e todos os procedimentos daí decorrentes

(transferência, progressão parcial, freqüência, recuperação de estudos, registros escolares,

calendário, etc.) (PARANÁ, 2007b). Discordamos quando o regimento coloca nessa categoria

a avaliação institucional, pois achamos que se trata de um processo mais afeto ao trabalho

pedagógico.

O trabalho pedagógico, por sua vez, é definido como aquele que “compreende todas

as atividades teórico-práticas desenvolvidas pelos profissionais do estabelecimento de ensino

para a realização do processo educativo escolar” (PARANÁ, 2007b, p. 22). Essa definição

aproxima-se da feita por Vasconcellos (2006, p. 1091) em artigo no qual, buscando relacionar

a excelência escolar ao trabalho pedagógico desenvolvido na escola, designa-o como as

“modalidades” ou “modo” como neles [estabelecimentos de ensino] se instauram a divisão

das atividades pedagógicas e o jogo dos atores (docentes, diretor do estabelecimento, pessoal

de educação e da inspeção, pais de aluno, etc.).

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Podemos dizer, então, que o trabalho pedagógico da escola compreende os elementos

que organizarão o trabalho didático pedagógico por meio de decisões que o afetarão mais ou

menos diretamente (destinação de recursos, distribuição do tempo e do espaço escolar,

definição da função social da escola e de seus objetivos educacionais e metas, opção por uma

linha de trabalho docente – concepção de ensino, aprendizagem e avaliação –, eleição de

objetivos de aprendizagem e conteúdos curriculares, proposição de projetos complementares

ou assessórios ao trabalho didático-pedagógico, entre outros).

Desenvolve-se uma estrutura que atua como um pano de fundo capaz de aglutinar os

diferentes profissionais da escola, desde o diretor até os auxiliares de serviços gerais, em

torno de concepções, objetivos e prioridades que devem marcar e ser observados no trabalho

de cada um, garantindo uma identidade institucional. Dado o peso que ela terá (o de ser uma

grande marca que perpassa e marca o trabalho de todos), é fundamental que as decisões em

torno dela sejam tomadas também por todos, contemplando a diversidade de crenças, valores

e necessidades num movimento de participação democrática, pois apenas desse modo o

trabalho pedagógico realmente poderá levar toda a comunidade escolar a atuar de modo

identitário, coerente e co-responsável com o que ajudou a decidir.

Esse entendimento – da centralidade da participação democrática na definição e

organização do trabalho pedagógico – coloca a gestão como um elemento básico para que se

construa uma compreensão em torno dela (e, em decorrência, em torno da cultura escolar) a

ponto de talvez podermos afirmar que o trabalho pedagógico seja a definição da política da

escola e a gestão o modo como tal política ou trabalho é concebido e realizado.

Vieira (2007) situa a gestão como a dimensão prática das intenções políticas.

Segundo essa autora, a gestão é uma materialização (uma prática, um processo de

concretização) de intenções políticas que possui três dimensões: um valor público (a intenção

da política, sua ideologia, as concepções que lhe subjazem), condições de implementação

(viabilidade política relacionada a aquilo que, do valor público, pode ser efetivamente feito) e

condições políticas (aceitação da política em termos do que a comunidade deseja).

A gestão escolar, então, pode ser entendida como o processo de estruturação e

organização do trabalho pedagógico escolar que se desenvolve a partir de valores específicos,

de uma determinada ideologia, de crenças e/ou de artefatos, ou seja, de uma “cultura política”.

Embora tenhamos afirmado que em termos de política e gestão educacional a

participação democrática e a autonomia sejam valores básicos, estudos desenvolvidos nesse

campo mostram que, ainda que esse discurso se apresente até mesmo no interior dos

documentos políticos, ele não é uma realidade de fato, confrontando-se continuamente com o

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modelo hegemônico de pensar política e fazer gestão: a tendência racional burocrática ou de

bem-estar.

A tendência burocrática parte de uma abordagem macro da realidade, com vista à

obtenção de avanços no âmbito educacional e escolar. A idéia de social e público associa-se à

de Estado Nação, valorizado tanto no processo de consolidação da idéia que lhe subjaz, como

na consolidação de um sistema público global de ensino (ferramenta para o primeiro). O

processo decisório, então, estaria atrelado ao Estado e às “grandes políticas” (COUTINHO,

2002), motivo pelo qual os processos políticos e de gestão da educação seriam de ordem

macro, centralizados no Estado, o qual proveria a sociedade com políticas que visassem ao

bem estar social e organizaria uma grande estrutura burocrática, a fim de garantir que nas

instâncias inferiores houvesse convergência.

A crise fiscal foi um dos principais fatores geradores de mudança nas políticas do

Estado de Bem Estar Social que, necessitando reajustar-se, posiciona-se mais em função das

demandas econômicas e menos a favor dos interesses sociais e públicos que deveria

representar. Parcerias com organismos internacionais de financiamento, como o Banco

Mundial, culminam a passagem para outra tendência política, a descentralização, já que surge

o entendimento de que as políticas gestadas nesse âmbito necessitam de rearranjos locais que

lhes permitam aproximar-se dos contextos particulares e, assim, implementar-se (SOUZA,

2003). Esse princípio permite entender por que a idéia de gestão democrática está diretamente

ligada à de políticas de descentralização, pois ao descentralizar a gestão abre-se a

possibilidade de que todos possam ouvir e fazer com que seus valores sejam ouvidos e, em

decorrência, de que todos participem nos processos decisórios, gerando autonomia local e

uma política em nível micro.

Para Popkewitz (1997, p. 164),

A descentralização incorpora os pressupostos do individualismo na política

de organização social. Assim como a sociedade depende da estipulação de

contratos sociais, a organização social deve apoiar os processos pelos quais

os indivíduos têm a oportunidade de se engajarem em tomadas de decisão

adequadas.

As políticas de descentralização utilizam mecanismos como a transferência de

responsabilidades para as escolas, a gestão na escola de recursos financeiros, a elaboração de

proposta pedagógica própria, a gestão democrática por meio de instâncias colegiadas de

gestão, a responsabilização institucional pela qualidade do trabalho educativo escolar

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desenvolvido e o empreendimento, também local, de esforços para superar as problemáticas

enfrentadas, os quais se somam a outros, de controle, como a definição de diretrizes

curriculares, a divulgação a público de dados sobre a organização de cada escola em particular

e a realização de exames públicos para constatação do nível de desempenho dos alunos e

conseqüente classificação das escolas.

De acordo com Rivas, citado por Souza (2003, p. 33), existem duas formas de

descentralização: a desconcentração e a descentralização propriamente dita. Na

desconcentração, o poder decisório central continua no Estado, que delega às unidades

menores (escolas, por exemplo) a execução de tais diretrizes já definidas. Na

descentralização, essas instituições locais não apenas executam localmente o que foi definido

centralmente, mas contam com poder real de decisão “sobre os aspectos importantes do

financiamento, elaboração do currículo local, administração e gestão educacional em áreas

geográficas determinadas”.

Para explicar a relação entre desconcentração e descentralização, Souza (2003) cita

Amaro por considerar sua a melhor correlação entre os dois processos:

A desconcentração é perfeitamente compatível com a centralização: ela não

abdica do centro, transfere competências, mas mantém as hierarquias, sendo o resultado de uma subsidiaridade a partir de cima e correspondendo à

transferência de responsabilidades que o Estado já quer ter. Descentralização

é outra coisa: é o surgimento de novos centros, a nível periférico, regional ou

local, ou seja, algo que parte de baixo, ficando para o Estado apenas o que não puder ser feito pelos outros níveis. (AMARO apud SOUZA, op cit., p.

35).

Whitty, Power e Halpin (1999) fazem um balanço dos argumentos contrários e

favoráveis à descentralização (ou desconcentração, expressão que os autores não utilizam). Os

que a criticam alertam para os fatos de que é um movimento que descentraliza mais em

aspectos jurídicos, econômicos e administrativos e muito pouco em termos curriculares e

pedagógicos; alinha a escola a valores do Estado neoliberal como controle, intensificação do

trabalho e vinculação aos interesses do mercado; coordena e controla utilizando-se de

mecanismos discursivos, legislativos, fiscais, de organização e outros, igualmente menos

aparentes; leva a riscos de populismo local; minimiza ou anula as funções do Estado

Nacional.

Os que são favoráveis à descentralização demonstram ser uma idéia apoiada também

por agendas sociais-democráticas, o que requer atenção à intenção de cada grupo que dela se

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utiliza. Ressaltam que ela possibilita a potencialização do trabalho em nível de escola e o

envolvimento e controle da comunidade local na e sobre a escola. Destacam, também, a

viabilização a descentralização traz em termos de uma democracia participativa e o fato de

que é uma modalidade política mais próxima dos mecanismos de auto-gestão.

Concordamos com Power (2006), quando aponta que a divisão oposicionista entre

macro e micro, entre grandes e pequenas políticas, é de difícil sustentação. Os argumentos

contra e a favor, tanto da centralização das políticas quanto de sua descentralização, indicam a

necessidade de articulação entre essas duas instâncias na obtenção de avanços qualitativos na

escola pública e na democracia social, gerando não uma mudança no foco da gestão

educacional, mas a coexistência paralela de uma pluralidade de focos de poder (BARROSO,

1996).

Não se pode abrir mão do papel do Estado enquanto mantenedor da escola de

massas, o que supõe não apenas a criação dos estabelecimentos escolares, mas uma mediação

efetiva entre as demandas sociais e a prática educativa escolar oferecida. Ao mesmo tempo, a

escola não pode correr o risco de se manter isolada em seu espaço comunitário nem de

assumir sozinha a responsabilidade pela qualidade do trabalho que precisa oferecer. É papel

do Estado articular, no sistema educacional público, um fórum de discussões que se balize em

torno da função social exercida e a exercer pela escola e, também, garantir condições

institucionais como tempo, espaço, recursos e formação das equipes de gestão, para que a

escola possa desencadear internamente processos formativos reflexivos visando à

consolidação de um projeto pedagógico próprio com caráter democrático e social.

A mera desconcentração de políticas, que retira da escola seu potencial de autonomia

em termos de definição de valores, objetivos e caminhos, pode levá-la à responsabilização

isolada pelos resultados insatisfatórios do processo educacional.

Hoje, o Regimento Escolar das escolas estaduais paranaenses prevê que a gestão

escolar se desenvolva a partir de princípios democráticos, com a participação de segmentos

que refletem a opção pela descentralização, como os órgãos de gestão colegiada – Conselho

Escolar, Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), Grêmio Estudantil e Conselho

de Classe. As equipes profissionais da escola – de gestão, pedagógica, docente, técnico-

administrativa e auxiliar operacional – são também co-participes da gestão escolar.

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A participação de todos esses segmentos na gestão democrática do trabalho

pedagógico normalmente utiliza-se de três tecnologias pedagógicas19

: o projeto político-

pedagógico, a formação profissional continuada e a avaliação institucional.

O projeto político-pedagógico expressa o eixo do trabalho escolar, uma vez que,

construído coletivamente, contempla concepções e objetivos a serem seguidos, bem como

linhas e projetos de ação, convertendo-se em fator identitário. Em termos de organização do

trabalho pedagógico, é sua principal tecnologia.

A avaliação institucional é estabelecida para que seja traçado um diagnóstico inicial

que subsidiará a construção do projeto político-pedagógico da escola e a contínua avaliação-

reflexão sobre as dificuldades surgidas em sua execução, subsidiando tomadas de decisão e

reconduções.

A dinâmica trazida pela construção, efetivação e avaliação reflexiva do projeto

pedagógico requer formação continuada de todos os profissionais como condição para que os

processos se façam de modo consciente, fundamentado e coerente, garantindo participação

efetiva e desenvolvimento institucional.

Observa-se que na estrutura de gestão prevista pela SEED por meio do Regimento

Escolar as referidas tecnologias encontram-se presentes, dando-se ênfase ao projeto político-

pedagógico da escola.

5.2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARANAENSES E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA

GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA

Em se tratando de política e gestão educacional (mas não apenas), a democracia é um

valor social básico, previsto já na Constituição Federal de 1988 como também na LDBN

9394/96.

De fato, já na década de 1930 educadores escolanovistas brasileiros, como Fernando

de Azevedo, Anísio Teixeira e Paschoal Leme, defendiam a necessidade de grande

aproximação entre escola e sociedade, a fim de que esta última realimentasse a primeira. A

19

Para Lima (2003), o termo tecnologia tem a ver com o saber-fazer organizacional, a capacidade de analisar e

resolver problemas, os processos de ensino-aprendizagem adoptados, a gestão de espaços e tempos, os modos de

realizar as funções tendo em vista as finalidades educativas.

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democracia, naquela concepção, referia-se à partilha de diferentes interesses e experiências

sociais, o que se garantiria por uma educação democrática20

baseada na cooperação.

Essa concepção de participação e comunidade – de caráter não crítico – passou a

conviver na década de 60, aproximadamente, com outras de teor político-progressista que

logo foram reprimidas pela ditadura do governo militar, em 70. A LDB 5692/71 sistematizou

experiências de participação entre comunidade e escola, como o “Círculo de Pais” de Anísio

Teixeira, por meio da previsão de associações que as congregassem, assim como aos

professores, visando a desenvolver ações de assistência educacional e, desse modo, contribuir

com o funcionamento eficiente das escolas.

A representação de participação da comunidade e da família que aí se oficializou,

contudo, foi a do papel dessas associações na manutenção financeira das escolas, contribuindo

e co-responsabilizando-se com elas, conforme o que previam os § 1º e 2º do Art. 62:

§ 1º Os serviços de assistência educacional de que trata êste artigo destinar-

se-ão, de preferência, a garantir o cumprimento da obrigatoriedade escolar e

incluirão auxílios para a aquisição de material escolar, transporte, vestuário, alimentação, tratamento médico e dentário e outras formas de assistência

familiar.

§ 2º O Poder Público estimulará a organização de entidades locais de

assistência educacional, constituídas de pessoas de comprovada idoneidade, devotadas aos problemas sócio-educacionais que, em colaboração com a

comunidade, possam incumbir-se da execução total ou parcial dos serviços

de que trata êste artigo, assim como da adjudicação de bôlsas de estudo.

(BRASIL, 1971, p. 5).

Parente e Lück (2000) ressaltam que, ao longo dos anos, as AMPFs e outros órgãos

associativos como os Caixas e Conselhos de Escola têm se envolvido no desenvolvimento de

agendas sócio-culturais junto à comunidade local, nos processos decisórios e de gestão

20 Taes condições não podem existir em sociedades aristocraticas ou olygarchicas onde a divisão dos interesses,

o isolamento dos grupos e a desigualdade de opportunidades, criam uma athmosphera de rotina para a classe

desprotegida e de fastio e capricho para a classe nobre. Aquellas condições se realizam somente na sociedade

democratica que se pode caracterizar, segundo Dewey: 1) pelo desenvolvimento de pontos de participação e

commum interesse cada vez mais numerosos e variados entre os seus diversos membros e pela confiança no

criterio de que mutuos interesses são o melhor factor para o controle social; 2) por um intercambio cada vez mais

livre entre os diversos grupos sociaes e uma consequente continua readaptação atravez das novas situações

produzidas por esse variado intercambio. Essa definição de democracia esclarece singularmente o destaque e o

relevo que a civilização americana põe nas suas instituições de educação. Só uma organização educativa verdadeiramente efficiente pode amparar e manter esse ambicioso projecto de vida social que a democracia

americana está realizando. Essa vida social de plena e larga participação, sem barreiras e sem limitações, envolve

uma perfeita confiança no homem commum, e só não resultará em desastre, si a educação realmente apparelhar

todo o cidadão americano para essa forma livre e superior e rica de vida de grupo. (TEIXEIRA, 1928).

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financeira, convertendo-se até mesmo em órgãos executores mediante o recebimento de

verbas enviadas diretamente pelo MEC.

A busca da perspectiva de gestão democrática da escola torna interessante observar

que foi também através da Lei 5692/71 que se instituiu nas escolas o trabalho dos

“especialistas” em educação – supervisor e orientador educacional –, os quais assumiram um

papel de coordenadores do trabalho pedagógico (desenvolvimento do currículo e

acompanhamento do aproveitamento e participação estudantil) atuando em processos de

gestão que não tinham teor democrático ou de autonomia.

Foi na década de 80, com os movimentos de reabertura política e a reorganização

partidária, que veio à tona a discussão da participação e gestão democrática da educação. O

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro –posicionou-se como partido de

“oposição” ao governo militar e sob o mote da erradicação da miséria, garantia de trabalho,

dignidade e participação popular, se autodefiniu como um partido de massas, movimento

denominado por Cunha (1991) como “Paradigma da Democracia Participativa”.

Ao vencer as eleições estaduais em nove dos estados brasileiros, dentre os quais o

Paraná, iniciou um processo de gestão política que durou 12 anos e foi fundante das

concepções e mecanismos de gestão escolar até hoje existentes.

A primeira gestão foi a de José Richa, no período 1983-1986. A educação básica foi

então associada à cidadania e a escola concebida como lócus de crítica à ideologia dominante.

Em análise do período, Martins (1997, p. 103) aponta que

A Secretaria de Educação do Paraná propunha-se a promover a

democratização do poder pela participação das comunidades, buscando dar

uma resposta ao desejo das maiorias, embora ciente de que seria uma jornada difícil, onde o autoritarismo é característica dominante. Pretendia, em última

instância, que os professores se propusessem a aprender com os pais, os

alunos, sindicatos, associações e elementos da comunidade, e a ensinar, articulando o ensino com os atos do cotidiano, com ênfase no significado do

governo participativo nos processos educacionais.

E a autora complementa:

Naquele momento, muitos termos passam a fazer parte do discurso falado e

escrito da SEED: classes populares, redemocratização da sociedade,

sociedade justa e igualitária, função política da escola, pesquisa na área

social, entre outras. De acordo com o partido, era uma forma simbólica de

ir tecendo a transição, de forma lenta, gradual e segura. (ibid., p. 104, grifo

nosso).

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No que tange aos processos de gestão educacional e escolar, esse governo deixou

como marcos a ampliação da rede física, a correção salarial (mas não implementação de

carreira), a extinção das taxas de matrícula e a não obrigatoriedade do uniforme escolar; por

fim, a discussão da educação por sua dimensão política e democrática, gerando a negação da

abordagem técnico-burocrática vigente e iniciando desse modo os processos de

descentralização.

Foram criados Núcleos Regionais de Educação em 20 cidades-pólo das

microrregiões do Paraná, agilizando os processos burocráticos e tornando a SEED mais

próxima da comunidade escolar. Os diretores passaram a ser eleitos por tal comunidade,

eliminando-se a indicação política. Cavagnari (1998) destaca que outro avanço foi a

recomposição do Conselho Estadual de Educação com a integração de dois membros não

escolhidos pelo governador: um representante dos alunos, via União Paranaense de

Estudantes, e um representante dos professores, via APP/Sindicato.

Contudo, Martins (1997, p. 107) assevera que

os avanços foram pouco substanciais, pois a politização do discurso pedagógico não garantiu a real democratização da escola. O acesso dos

alunos das camadas populares foi assegurado pela „abertura das portas da

escola a todos, à comunidade em geral‟, não garantindo, porém, sua

permanência (a superlotação das escolas obrigou muitas a abrir o turno

intermediário). No plano pedagógico, as escolas ficaram abandonadas.

Quanto aos supervisores e orientadores educacionais, integrantes da equipe de

“especialistas” que atuava na gestão da escola, assistiu-se, naquele momento, à sua

desvalorização e desconsideração no processo educacional em curso. O argumento era de que

ao planejar e decidir pelos professores e interessar-se por questões predominantemente

técnicas e burocráticas, os especialistas destituíam os docentes de sua função política e

geravam a divisão do trabalho na escola: “Os especialistas transformaram-se, com o passar do

tempo, em „educadores‟ incapazes de entender os problemas mais significativos do ensino, da

educação e, conseqüentemente, da sociedade” (PARANÁ apud CAVAGNARI, 1998).

O período 1987-1990, do governo Álvaro Dias, iniciou um processo de recuo no

discurso democratizante anteriormente ensaiado. O projeto de governo lançado por meio do

documento “Projeto Pedagógico – 1987/1990” continha grandes contradições entre a

concepção epistemológica e os preceitos administrativos expressados. De acordo com

Nogueira (1993), o documento associava a democratização da escola à sua competência

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técnica e ao mesmo tempo em que defendia idéias claramente associadas à pedagogia

histórico-crítica, também se mostrava perpassado por noções de eficiência, eficácia e

racionalidade do trabalho e dos recursos da educação escolar21

.

A grande marca do governo Dias foi a implantação do Ciclo Básico de Alfabetização

e a elaboração do Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná, contudo, não houve

suficiente suporte financeiro para sua operacionalização.

No campo da gestão, mais especificamente, a descentralização continuou via

municipalização do ensino (1ª a 4ª séries) e defesa da interação entre escola e comunidade.

Lima e Viriato (2000, p. 7) apontam que

O conceito de descentralização presente no “Projeto Pedagógico” desta gestão se constitui numa mera atribuição de funções para a comunidade, pois

ao “descentralizar o atendimento dos serviços de limpeza, conservação e

guarda dos prédios escolares, procura-se a integração com as Associações de Pais e Mestres, no sentido de ampliar o grau de responsabilidade de

todos em relação à escola, aumentando seu compromisso para com ela.”(p.

14). Poucos documentos deixam tão claro o conceito de participação como este, para quem “As formas de participação são inúmeras e se traduzem no

exame em conjunto dos problemas da escola, na busca de soluções, no

estabelecimento de planos de ação, nas decisões tomadas

democraticamente, no esforço solidário para que se alcancem as metas prefixadas, esperando-se que o retorno desse processo seja o zelo, o apego,

o respeito dessa comunidade pela sua escola.”(7)22. (grifo do autor).

Embora as possibilidades de participação dos professores, sindicatos e comunidade

na definição das políticas de governo tenha sido muito reduzida, o Projeto era de maior

autonomia para as escolas, a fim de que realizassem elas mesmas a gestão das questões

cotidianas com a participação de toda a comunidade. Contudo, confrontando tal Projeto com a

prática desencadeada pelas escolas, Cavagnari (1998, p. 31) demonstra que

A representação dos pais na escola continuou a ser exercida pela

participação na Associação de Pais e Mestres (APM), órgão que não

avançou em relação à proposta democrática tão proclamada pela administração. Limitava-se a aprovar as prestações de contas à Fundepar, a

colaborar com a escola no levantamento de recursos para a compra de

materiais não previstos pela Secretaria e a ouvir as informações do diretor

sobre decisões por ele tomadas.

21 Em nota de rodapé, a autora associa às contradições à figura do então Secretário de Educação, Belmiro Valverde, oriundo da área da administração; este, contudo, permaneceu pouco tempo no cargo, vindo a reassumir

a Secretária da gestão anterior, Gilda Poli. 22 Na nota 7, o autor indica a fonte: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Projeto Pedagógico – 1987-

1990. Curitiba: SEED, 1987.

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A autora (ibid.) destaca também que as equipes “técnico-pedagógicas” continuaram

tendo seu papel secundarizado nos processos de gestão e condução do trabalho pedagógico

das escolas, não lhes sendo permitido nem mesmo participar, junto com os professores, dos

programas de capacitação que a SEED promovia visando à implantação do Ciclo Básico.

Roberto Requião é eleito para a gestão 1991-1994 e lança, na área educacional, o

Plano Setorial de Educação “Uma Educação para a Modernidade” e, em seu bojo, a proposta

elaborada por Moacir Gadotti: “Construindo a Escola Cidadã no Paraná”.

A proposta representou, se não um rompimento, uma grande desconsideração face

aos pressupostos da pedagogia histórico-crítica que fundamentavam o Currículo Básico. Se no

governo anterior a ênfase foi dada para a democratização e igualdade social, conquistadas por

meio da aquisição dos conteúdos (ferramentas de luta) pelas classes populares – uma opção

feita pela SEED e sua equipe de consultores, mais do que pelas escolas e educadores – nesse

governo o foco se volta para a democratização da escola, a ser atingida por meio de sua

autonomia pedagógica e financeira. Na “escola-cidadã” o poder local deve ser fortalecido e,

para tanto, cada escola deve ter sua própria proposta pedagógica, não cabendo à SEED impor

uma linha filosófica. Assim, segundo análise de Martins (1997, p. 121)

O quadro teórico da Escola Cidadã sugere que a Secretaria de Educação não

pode ter proposta pedagógica. Ela tem que ter uma proposta política de

assegurar espaço para a pluralidade, uma vez que parece haver sempre uma tentativa por parte do Estado de impor uma hegemonia ideológica, política e

filosófica. Parte da hipótese de que o desempenho escolar depende

primordialmente do projeto pedagógico, elencando os princípios norteadores da política educacional: consolidação da gestão democrática, participação

comunitária, incentivo às escolas para a elaboração autônoma de projetos

pedagógicos, capacitação de professores e criação de sistemas de avaliação

permanente. [...]. No Paraná, a introdução de alguns vocábulos sugerem reflexões e orientações modernas para a educação hoje presente no quadro

teórico de análise neoliberal: gestão descentralizada, produtividade do

sistema, espaço de autonomia da escola, participação da comunidade no gerenciamento da escola, capacitação docente com a utilização da educação

à distância, entre outros.

Para a consolidação da “Escola Cidadã” e seus princípios de gestão democrática, a

SEED realizou seminários com educadores e escolas e os ouviu,

[...] valorizando as experiências desenvolvidas pelos educadores, como também suas preocupações, desejos e sugestões. O próprio secretário de

Educação, Elias Abrahão, enfatiza esta ação como “Saber dizer, tem como

contrapartida saber ouvir. Esta é essência do que pretende a Secretaria de

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Estado de Educação do Paraná, ao democratizar o espaço das escolas numa

seqüência de eventos [...]e, por fim, [por meio d]o projeto da „Escola

Cidadã‟. Este projeto, na verdade, nasceu do reconhecimento que, a partir

dos ‘currículos oficiais e legais’ da Secretaria de Educação, as escolas

sempre tiveram o seu ‘modus operandi’ próprio de como deveriam

contextualizar aquelas exigências. Assim, da necessidade de saber ouvir,

para poder dizer, surgiu este projeto que ora apresentamos [...].”

(FIGUEIREDO, 2001, p. 133, grifo nosso).

A SEED implantou, assim, os regimentos escolares únicos e, por meio deles,

instituiu os Conselhos Escolares, também criou o Fundo Rotativo23

e conduziu as escolas à

construção de seus projetos políticos-pedagógicos, realizando ação inédita de financiamento

de projetos especiais propostos pelas escolas em decorrência de seus PPP‟s. Também

estimulou a formação de grupos de estudos nas escolas e demais formas de capacitação

docente.

No entanto, análises feitas sobre o período (MARTINS, 1997; CAVAGNARI, 1998;

LIMA e VIRIATO, 2000; FIGUEIREDO, 2001) demonstram a plena contradição entre os

princípios democráticos e de autonomia defendidos e as práticas efetivamente constituídas, já

que “as medidas de autonomia eram impostas” (CAVAGNARI, 1998). O real sentido do

projeto político-pedagógico da escola (e, obviamente, nem o de gestão democrática) pela

ausência de preparo das equipes do NRE no que dizia respeito ao tema, pela frágil formação

que as escolas receberam, o que inviabilizou a construção de novos significados, e pela

escassez de tempo e ausência de continuidade política (CAVAGNARI, 1998). O caráter

autoritário da gestão foi percebido também pela forte intervenção do governador em aspectos

centrais como a eleição de diretores (instituindo o sistema de lista tríplice), a obrigatoriedade

da expansão do Ciclo Básico de dois para quatro anos (à revelia do posicionamento das

escolas) e a quase integralização da municipalização.

O período foi marcado, então, pelo aprofundamento das políticas de descentralização

iniciadas na primeira gestão do PMDB; assim como nas gestões anteriores, não se garantiram

recursos para a efetivação dos projetos pedagógicos das escolas nem se apoiou a comunidade

escolar (ainda marcada pelos anos de experiência autocrática) em sua aprendizagem de

participação democrática. De fato, concordamos com Martins (1997, p. 220), quando

assevera:

23

O Fundo Rotativo era uma verba descentralizada do Estado para as escolas; ao transferir tal gestão financeira

objetivava-se ampliar o volume de recursos a serem repassados às escolas, aumentar o leque de gastos por parte

dos diretores e facilitar os processos burocráticos de gasto e prestação de contas.

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No discurso, a proposta educacional – Construindo a Escola Cidadã, está

fundada em princípios democráticos e participação. No entanto, a

implementação dela deu-se num período marcado pela política neoliberal, em que a participação não tem o caráter democrático, mas é um discurso

para legitimar as ações.

O PMDB manteve-se no poder por doze anos, mas suas gestões foram marcadas pelo

descontinuísmo político, pela ausência de programas claros de democratização, pela falta de

aportes financeiros para subsidiar os preceitos políticos anunciados, pelas contradições

internas e pela desconcentração, mais do que descentralização, já que ao longo do período os

processos vivenciados foram de participação e cidadania formal, assim como de

desresponsabilização do Estado frente à escola, a quem coube assumir, de fato, tarefas de

cunho administrativo e financeiro.

Ao final de sua gestão, em 1994, Requião estabelece – como fez o Partido em seus

mandatos, seguindo o modelo político desencadeado em nível nacional – um convênio com

organismos internacionais visando obtenção de financiamento (também com participação do

Estado) para educação. O processo, a ser desenvolvido por meio de dois programas centrais, o

PQE – Plano de Qualidade do Ensino Público do Paraná e o PROEM – Programa de

Expansão, Melhoria e Inovação do Ensino Médio, só viria a ser implantado na gestão que lhe

seguiu, de Jaime Lerner.

Jaime Lerner (inicialmente PDT e, logo a seguir, PFL) governou o Paraná entre os

anos 1995-1998 e, devido ao mecanismo de reeleição, também entre 1999-2002. Em 1995,

lança o documento “Plano de Ação para a Educação Escolar – 1995/1998”, já em observância

às linhas conceituais e operacionais do PQE.

Sob a bandeira da “excelência na educação”, o Plano de Ação define três grandes

prioridades: a permanência de todas as crianças na escola, com êxito e mediante a vivência de

experiências educacionais significativas; bons professores desenvolvendo suas competências

profissionais, pessoais e culturais de modo contínuo e sistemático; e a participação efetiva da

comunidade nas decisões junto ao sistema, visando a atingir os objetivos educacionais. O

preceito central da gestão, então, é o da gestão compartilhada:

A gestão compartilhada, como condição para a promoção da excelência na

educação, está centrada no trabalho de pessoas organizadas coletivamente em torno de objetivos comuns. Incentivar e apoiar a escola para que realize

sua tarefa educacional transformando-se numa força viva de

desenvolvimento cultural na comunidade é a proposta da SEED-PR, que

convoca todas as instâncias do sistema para que assumam sua co-

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responsabilidade num processo de aperfeiçoamento contínuo de suas ações.

A construção conjunta da realidade social e do saber, pressupõe uma ação

coordenada no Estado. A educação do Paraná contribuirá para a construção de uma sociedade democrática, econômica, política e culturalmente

participativa, onde o cidadão tenha condições de pleno desenvolvimento

individual, comunitário e social mediante processos essenciais e

permanentes de educação em todas as modalidades possíveis: já propostas

ou a serem criadas. (PARANÁ apud FIGUEIREDO, 2001).

A gestão compartilhada então defendida pautava-se no princípio de que a qualidade

da escola só poderia ser buscada por ela, o que justificava o estabelecimento de parcerias com

sua comunidade e a manutenção da descentralização política. Nesse processo (de busca de

excelência), os professores deveriam construir sua competência e o trabalho escolar deveria

ser avaliado, gerando dados que, quando divulgados, tornariam as informações transparentes e

fundamentariam as tomadas de decisão em nível escolar e de sistema.

O financiamento de programas educacionais com verbas internacionais; a

terceirização da educação via ausência de concursos públicos para professores e servidores e a

criação do Paranáeducação24

; a intensificação da busca pela elevação dos índices de

aprovação e conclusão escolar com foco estatístico, também por meio da “correção de fluxo”;

a busca da universalização do ensino de 1º grau por meio da extensão do CBA aos municípios

e escolas que ainda não haviam aderido à proposta; a adoção de educação aberta e a distância

para formação de professores em nível superior; a alteração das matrizes curriculares como

tarefa descentralizada para as escolas; o abandono silencioso do Currículo Básico do Paraná

(elaborado no Governo Álvaro) e a utilização dos Parâmetros Curriculares Nacionais em sua

substituição; a adoção de uma pedagogia de competências, inclusive com registro das mesmas

nos diários de classe; a premiação de diretores e escolas mediante os resultados escolares e de

gestão atingidos, foram algumas das políticas educacionais desenvolvidas na gestão Lerner.

Em termos de organização do trabalho pedagógico, mais especificamente, Oliveira

(2005, p. 26) apresenta a seguinte análise:

Gestão: ganhou uma importância sem precedentes no Estado, principalmente

durante o segundo mandato do governo Lerner. As questões pertinentes à

gestão estiveram presentes em todas as ações, cursos, projetos, discursos e documentos. O programa mais amplo elaborado e que melhor foi ao

encontro das expectativas do governo chamou-se Progest: Programa de

Aprimoramento de Gestão na Educação, o qual era voltado à direção, à

24

Criada em 1997 para contratar professores pelo regime de trabalho CLT. Os professores contratados por essa

empresa perderam muitos de seus direitos trabalhistas e tal política permitiu à SEED evitar a realização de

concursos públicos para professores.

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equipe pedagógica e professores que passavam por cursos de capacitação na

UP em Faxinal do Céu. O Progest focava na gestão por resultados a qual se

voltava à criação de indicadores possíveis de medir a qualidade do processo

educativo.

Nesse contexto, a SEED mudou as regras para eleição de diretores escolares, criando

um sistema eleitoral no qual uma prova com caráter eliminatório (elaborada por uma

universidade da Bahia) era aplicada em todo o Estado e, a partir daí, os aprovados poderiam

concorrer num processo de votação com peso diferenciado de votos: famílias 50%;

profissionais da escola 30%; NRE 20%. A APP-Sindicato, apoiada principalmente pelos

candidatos a diretor não aprovados na prova eliminatória (a grande maioria deles já diretores

por grandes períodos de tempo), moveu uma ação de inconstitucionalidade e conseguiu

revogar tal sistema em 2003.

No cenário “pró-gestão”, a SEED também capacitou as equipes dos NREs para que

orientassem as escolas na elaboração de regimento escolar próprio (não mais único) e na

reformulação de seus projetos que, de político-pedagógicos, passaram à denominação de

propostas pedagógicas, adotando já a nomenclatura trazida pela nova LDBN, Lei 9394/96, e

pela Resolução 014/99, do Conselho Estadual de Educação (a professora Guiomar Namo de

Mello e sua equipe foram os assessores da SEED no planejamento e condução desse

processo).

Nesse período também foi implementada uma avaliação institucional externa por

meio do Programa de Avaliação do Rendimento Escolar – AVA. Os conselhos escolares,

criados na gestão anterior, continuaram atuando. Destaque-se, também, a reorganização das

demandas das escolas (carga horário de trabalho disponível em todas as funções) a qual gerou,

de modo especial, a diminuição do número de supervisores e orientadores, cuja designação

passou a ser única, como “equipe pedagógica”. Por fim, a formação de professores foi quase

que totalmente centralizada na então criada Universidade do Professor, em Faxinal do Céu.

De fato, se no governo de Álvaro Dias mostraram-se os primeiros indícios da lógica

racionalista e empresarial e no governo Requião tal atrelamento da política educacional ao

ideário neoliberal ficou explícito, nas gestões Lerner essa fidelização ideológica verticalizou-

se radicalmente.

Em 2003, Roberto Requião (PMDB) volta ao governo do Estado depois de uma

campanha de intensas críticas a seu sucessor-antecessor. Seus principais argumentos foram a

associação aos organismos internacionais (desconsiderando os processos desencadeados por

ele mesmo), a adoção de políticas neoliberais geradoras de privatizações e privilégios às

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grandes empresas que se instalaram no Estado e a submissão ao capital estrangeiro. No campo

da educação não lançou um projeto de governo definido, mas pôs em marcha a construção do

Plano Estadual de Educação – PEE PR – atendendo o que prevê a Lei 10.172/2001.

O documento – ainda não aprovado pela Assembléia Legislativa – foi construído

pela SEED com a participação dos NREs, da APP-Sindicato e do Fórum Paranaense de

Educação; professores, escolas e universidades também foram “chamados”. Dados e aspectos

levantados foram sistematizados por meio de “estudos temáticos” que, após serem

distribuídos e divulgados eletronicamente, eram debatidos em seminários temáticos e

integradores. Segundo dados da própria SEED, em outubro de 2004 foram distribuídas dez

mil cópias do segundo documento temático, o qual continha contendo propostas dos

seminários integradores até então realizados; críticas e sugestões recebidas foram

sistematizadas pela SEED no documento “A voz das Escolas” e geraram novos ajustes no

PEE. Realizaram-se, a partir daí, mais dois seminários integradores e audiência pública,

processo que culminou no então “Plano Estadual de Educação – PEE PR: Uma construção

coletiva (versão preliminar)” (PARANÁ, 2005).

No PEE, por sua vez, a SEED se posiciona como mantenedora e coordenadora das

políticas públicas a serem implementadas no sistema e aponta dez prioridades. Destas, seis

referem-se a aspectos de cobertura (ampliação e melhoria educacional), duas a aspectos

financeiros (racionalização dos investimentos em educação e aumento das referidas

alíquotas), uma a aspectos da carreira docente (concursos, salário e formação continuada) e,

por fim, outra a aspectos da gestão educacional:

Democratização da gestão educacional em todos os níveis da administração,

a começar pela revisão premente da Lei do Sistema de Ensino, onde se

normatizam as regras para a formação e as atribuições do conselho Estadual

de Educação e dos Conselhos Escolares, bem como, se estabelecem regras gerais para o Regime de Colaboração entre Estado e Municípios. (PARANÁ,

2005, p. 5).

Entendemos que o PEE não deve substituir um programa de governo (até porque ele

ultrapassa o anterior), mas percebemos que existe, por parte da SEED, uma confusão entre

ambos. O fato é que as concepções políticas da Secretaria se mostram mais definidas no

próprio PEE, inclusive porque um programa de governo para as gestões 2003-2006 e 2007-

2010 não foi apresentado. Assim, no que tange à gestão democrática do sistema da educação,

o PEE posiciona o assunto como um “Tema” (ao lado da formação e valorização dos

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trabalhadores em educação, do financiamento da educação e do acompanhamento e avaliação

do PEE) e, ao abordá-lo, expressa como diagnóstico os princípios então adotados pela SEED

e as ações a que essa Secretaria deu andamento.

A gestão democrática é defendida por meio da participação nas instâncias colegiadas

da escola – Conselho Escolar, APMF, Grêmio Estudantil e Conselho de Classe – ao mesmo

tempo em que é realizada a denúncia do caráter meramente formal de tais instâncias:

Na sua maioria, os Conselhos são constituídos apenas para cumprir as

formalidades da lei, e não exercem o seu papel como co-gestores da escola. A gestão democrática parece ser um consenso universal, pelo menos em

nível de discurso. Já na prática, é possível identificar diferentes graus de

democracia praticados, na realidade, em cada uma das instâncias do Sistema

Estadual de Educação. (PARANÁ, 2005, p. 77).

A cultura escolar, “de poder centralizado na figura do Diretor, dificultando a

ampliação nos processos decisórios” (ibid.); a pouca participação da família; o excesso de

demandas alheias ao eminentemente pedagógico, lançadas sobre a escola por outros órgãos

públicos; a ausência de avaliação institucional; e a violência e depredação sofridas pela escola

são fatores apontados como dificultadores da consolidação da gestão democrática.

Embora o PEE –PR deva se configurar como um plano de Estado e não como uma

política de governo, revela-se uma caricatura da gestão Requião em marcha. A filosofia

educacional do Governo, por sua vez, não se desvela com clareza, face às incipientes

formulações divulgadas de modo parcelar e pulverizado nas páginas do “Portal Dia-a-dia

Educação”25

(iniciativa da SEED voltada a dar transparência e acesso às informações).

No Portal, a Secretaria indica sua política de ensino por meio de sete itens. Assim

como no PEE, cinco deles estão relacionados com o atendimento da demanda educacional

com “qualidade social” (inclusive atendendo a diversidade) e dois ao trabalho escolar e sua

natureza: “Organização coletiva do trabalho; Gestão democrática” (PARANÁ, 2007h).

São várias as ações que se podem ser elencadas no segundo e no terceiro Governo

Requião: extinção do Paranáeducação; realização de concursos públicos e reestruturação da

carreira dos professores da Educação Básica; negação dos PCN‟s e elaboração das Diretrizes

Curriculares do Paraná (com a participação dos professores por representatividade); livro

didático público para o Ensino Fundamental e Médio, (elaborado sob a coordenação da

própria SEED); implantação de laboratórios de informática destinados ao professores, em

25 Disponível em: < http://www.pr.gov.br/diaadia/ > Acesso em: set. 2007.

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todas as escolas; implantação de classes de apoio para alunos de 5ª série, funcionando em

período contrário ao das aulas regulares; reativação do ensino profissionalizante em nível

médio; contratação de professores da área de educação especial para atuação nas escolas de

ensino regular; criação na SEED de uma coordenadoria de capacitação e realização da

formação de professores por meio de programas como o Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE – (operacionalizado pelas IES e diretamente ligado ao plano de carreira),

reuniões pedagógicas (desenvolvidas nas escolas em datas previstas em calendário escolar) e

grupos de estudo (desenvolvidos aos sábados com participação facultativa dos professores);

cursos e simpósios (em Faxinal do Céu, CETEPAR ou outro local); Projeto Folhas, no qual os

professores, de acordo com sua iniciativa, podem produzir textos relacionados com o trabalho

pedagógico dos conteúdos curriculares, a serem divulgados no Portal Dia-a-Dia Educação da

SEED-PR, que funciona como ambiente colaborativo de aprendizagem disponibilizando não

apenas informações como conhecimentos voltados a subsidiar o trabalho docente. Ainda, a

continuidade da descentralização com a busca de municipalização dos municípios

remanescentes (que até agora não aderiram ao processo) e a municipalização da educação

infantil.

Na área da gestão educacional e escolar, destacamos a presença do discurso de

gestão democrática como tópico da política educacional e prioridade no PEE e, em termos

práticos, a criação da Coordenação de Capacitação, da Coordenação de Apoio a Direção e

Equipe Pedagógica – CADEP, da Coordenação de Assuntos da Comunidade Escolar – CACE

e do “Caderno de Apoio para a Elaboração do Regimento Escolar” (PARANÁ, 2007), o qual

se revelou como um regimento único para as escolas do Paraná, na medida em que, sob o

argumento de representar uma síntese dos regimentos vigentes nas escolas paranaenses,

apresentou-se a elas como um novo regimento praticamente pronto, cabendo às escolas

apenas introduzir nos artigos a numeração correspondente.

Depreende-se então que para ser compreendida, a participação na gestão da escola

pode se desdobrar em dois segmentos: participação da comunidade atendida pela escola

(comunidade externa, pais e alunos) e participação da comunidade profissional da escola

(profissionais docentes e não docentes liderados pela equipe de gestão [diretores e

pedagogos]). No interior da escola, o modo de participação de cada um deles se

institucionaliza por meio dos programas de governo e do que prevê o Regimento Escolar.

A participação na escola da comunidade adjacente, pais e alunos (e também

professores e funcionários) ganhou relevância no segundo e no terceiro mandatos de Requião

por meio da criação da CACE, que, segundo o Portal da SEED, busca aproximar a

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comunidade da escola através do envolvimento da comunidade nas políticas públicas (federal,

estadual e municipal); da informação à comunidade das políticas educacionais da SEED; da

integração com os diferentes departamentos e setores da SEED; da participação da

comunidade na Gestão Escolar; do respeito aos poderes e realidades locais e regionais; da

garantia de escola pública, gratuita e de qualidade; e, da gestão escolar democrática,

participativa e colegiada (PARANÁ, 2007h).

Para o desenvolvimento de seu trabalho, a CACE faz menção a duas agremiações: a

APMF e o Grêmio Estudantil.

O Grêmio Estudantil tem uma atuação prevista em termos de representação e defesa

dos interesses dos alunos junto à escola (participando de sua gestão) e a outras agremiações da

mesma natureza, promoção da integração discente junto a professores e funcionários, e

incentivo à cultura literária, artística e desportiva. Para fomentá-lo, a ação política prevista é a

da confecção e distribuição de carteirinhas estudantis em associação com associações

municipais, estaduais e federais de estudantes secundaristas. As previsões da CACE para o

Grêmio Estudantil são as mesmas previstas pelo Regimento Escolar.

A APMF é indicada como associação que participa nos processos de

acompanhamento dos estudantes, apoiamento a alunos, professores e funcionários e promoção

do entrosamento de toda a comunidade escolar por meio da promoção de atividades culturais,

desportivas e de pesquisa. A AMPF também deve contribuir na manutenção das instalações

escolares e administrar os recursos financeiros que arrecade ou que lhe venham a ser

repassados pelo Poder Público. Por fim, deve ser representativa dos interesses de toda a

comunidade escolar e suas ações e projetos devem contar com a aprovação do Conselho

Escolar.

Assim como ocorre com o Grêmio Estudantil, a concepção de APMF apresentada

pela CACE é a mesma que se encontra no Regimento Escolar. Contudo, elementos de

compreensão podem ser alcançados quando se observa o Estatuto das APMFs, aprovado em

2003.

Lá, o caráter de associação que visa à obtenção e gestão financeira novamente se

reafirma não apenas pelos objetivos elencados, mas especialmente pela atuação prevista. Em

relação a esse aspecto, destacamos que ainda que se espere que APMF mobilize “a

comunidade escolar, na perspectiva de sua organização enquanto órgão representativo, para

que esta comunidade expresse suas expectativas e necessidades” (PARANÁ, 2003), ela de

fato não tem real poder decisório frente à elaboração de propostas educativas, tendo em vista

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que lhe cabe encaminhar sugestões consonantes com o projeto pedagógico da escola e que

estas serão aprovadas (ou não) pelo Conselho Escolar e equipe pedagógico-administrativa.

O mesmo ocorre em relação aos recursos que a APMFgera ou recebe por meio de

convênios, pois o Artigo 8.º do Estatuto prevê que para a elaboração desses convênios deverá

“ser ouvida a Assessoria Técnica conforme a Proposta Pedagógica” (PARANÁ, 2003).

Destaque-se que a Assessoria Técnica é constituída pelo diretor e representantes da equipe

pedagógico-administrativa da escola.

A ação da CACE visando a estimular as APMFs foi o Programa “Anjos da Escola”,

lançado no final de 2005, no qual recursos financeiros são arrecadados junto à comunidade

externa através da doação feita via fatura de energia elétrica e, em seguida, direcionada para a

APMF da escola escolhida pelo doador. O argumento central é o de que:

a responsabilidade dos brasileiros com relação às políticas públicas

educacionais que são dirigidas para uma extensa parcela da população ficou diminuída, levando o Estado a ser visto como o único agente de promoção

da educação pública, sem que se vislumbrassem parceiros solidários. Hoje,

porém, expressivos segmentos da sociedade brasileira reconhecem a

importância e o valor da educação, entendendo que sua expansão e seu nível de qualidade não passam apenas pelas ações do setor público. A educação,

nessa perspectiva, afirmada como um princípio norteador dos projetos

socioculturais, é de responsabilidades de todos. (PARANÁ, 2005, p. 2).

No texto do Programa, a SEED também historiciza a atuação das APMFs desde sua

criação e reafirma a importância da participação “ativa” da comunidade numa escola que

designa “aberta”. A participação da comunidade é associada, mais uma vez, à sua

responsabilização financeira e de manutenção para com o órgão público.

Contata-se, desse modo, que ao longo dos anos a Associação de Pais e Mestres, hoje

também de Funcionários, consolidou uma visão de agente financeiro e subsidiador das

necessidades materiais e assistenciais da escola. Em mapeamento feito sobre as estruturas de

gestão colegiada existentes no país, Parente e Lück (2000) atestam a existência não apenas

das APMs, como também de Caixas, Conselhos e Colegiados Escolares. De acordo com

análise das autoras, as APMs e/ou Caixas Escolares coexistem com os Conselhos ou

Colegiados Escolares desempenhando um papel diferenciado: o de agentes executores26

.

Ocorre que as APMS terminam por se configurar como pessoas jurídicas (diferentemente dos

26 A Unidade Executora é uma denominação genérica, adotada para referir-se às diversas nomenclaturas,

encontradas em todo território nacional para designar entidade de direito privado, sem fins lucrativos, vinculados

à escola, tendo como objetivo a gestão dos recursos financeiros, transferidos para a manutenção e

desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1997. p. 11).

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Conselhos Escolares) e estão aptas, pois, a receber transferências de recursos, atendendo a

uma necessidade da União e do próprio Estado, gerada devido a adoção dos processos de

descentralização financeira e repasse de verbas diretamente às escolas. Sua relevância frente

ao movimento de gestão democrática da escola pública fica diminuída, primeiro porque

diferentes pesquisas realizadas têm demonstrado que mesmo a gestão financeira se

desenvolve de modo bastante formal e, segundo, porque a participação não se estende

significativamente para além da dimensão financeira, não atingindo, portanto, as questões de

fundo da escola, ou seja, o caráter do trabalho educativo desenvolvido. A esse respeito, Paro

(2007, p. 1-2) assevera:

A associação de pais e mestres continuou, de modo geral, com existência meramente formal, pouco ou nada avançando em termos de uma efetiva

participação dos usuários na escola, mantendo-se e sendo valorizada pelo

Estado, em vez disso, quase exclusivamente por seu caráter arrecadador de taxas junto à população para garantir a sobrevivência da escola, diante da

insuficiência de recursos que lhe endereçam os poderes públicos.

Ultrapassando o que prevê a CACE em termos de participação da comunidade na

escola, o Regimento Escolar (tal com lembramos, desde a primeira gestão Requião) prevê a

existência do Conselho Escolar. Juntamente com outros órgãos colegiados como a APFM, o

Grêmio Estudantil e o Conselho de Classe, e segmentos profissionais como as equipes de

gestão, pedagógica e docente, funcionários administrativos e de apoio, o Conselho Escolar

deve atuar no processo de gestão da escola, configurando-se no organograma estabelecido

pela SEED como seu órgão máximo.

No que diz respeito ao Conselho Escolar, seu estatuto próprio diz tratar-se de:

Órgão colegiado, representativo da Comunidade Escolar, de natureza

deliberativa, consultiva, avaliativa e fiscalizadora, sobre a organização e

realização do trabalho pedagógico e administrativo da instituição escolar em conformidade com as políticas e diretrizes educacionais da SEED,

observando a Constituição, a LDB, o ECA, o Projeto Político-Pedagógico e

o Regimento da Escola/ Colégio, para o cumprimento da função social e

específica da escola. (PARANÁ, 2007e).

Ele é composto por representantes de todos os segmentos, em paridade: profissionais

da escola (diretores, pedagogos, professores e funcionários) e comunidade atendida pela

escola (pais, alunos e movimentos sociais organizados na comunidade). O diretor da escola é

não apenas membro nato, mas presidente do Conselho Escolar, sendo que apenas ele pode

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convocar reuniões e deliberar sobre suas pautas. A atribuição dos demais conselheiros é a de

atuarem como representantes de seus segmentos, opinando e argumentando durante as

reuniões e divulgando as decisões ali tomadas. As votações ocorrem apenas quando não há

consenso entre os presentes.

Para nós, tal organização dificulta a gestão democrática da escola, especialmente

pelo impedimento de que demais membros possam convocar reuniões e propor pautas. A

realização de reuniões sem previsão de carga-horária remunerada, sob a alegação de que se

trata de um órgão sem fins lucrativos, pode gerar desmotivação de participação, haja vista a

grande carga-horária de trabalho da maioria dos pais e professores. Ressalte-se, ainda, que ao

mesmo tempo em que preside o Conselho Escolar, o diretor tem como tarefa primeira a de

“cumprir e fazer cumprir a legislação em vigor” (PARANÁ, 2007b), o que poderá vir a torná-

lo a presença física da Secretaria de Estado da Educação e suas políticas em nível de escola.

Ainda assim, Paro (2007, p. 2) ressalta a positividade dos Conselhos Escolares:

o conselho de escola, junto com a eleição de dirigentes escolares, têm sido as características mais conspícuas das políticas educacionais daqueles sistemas

de ensino que aceitam o desafio de democratizar a escola. Muito embora

suas atribuições de partilha do poder nem sempre se realizem inteiramente de acordo com os desejos de seus idealizadores ou como constam nos

documentos legais que o institucionalizam, o conselho de escola permanece

como um instrumento importantíssimo, se não de realização plena da democracia na escola, pelo menos de explicitação de contradições e de

conflitos de interesses entre o Estado e a escola e, internamente a esta, entre

os vários grupos que a compõem..

Observado o que se institucionalizou em termos de participação da comunidade

atendida (comunidade local, pais e alunos), visando a sua participação na gestão democrática

da escola, torna-se necessário conhecer a organização estabelecida para a participação da

comunidade profissional (equipes de gestão, professores e funcionários).

A fim de articular o trabalho da equipe de gestão da escola – equipe de direção e

pedagógica – a SEED criou, como já mencionamos, a CADEP, Coordenadoria que

[...] busca contribuir para que as equipes de direção e equipes pedagógicas

possam construir a competência teórico-metodológica necessária para

direcionar, organizar, interferir, propor e acompanhar o trabalho pedagógico nas escolas, tendo como pano de fundo a efetivação da organização escolar

democrática, do compromisso político-social com a formação de cidadãos e

cidadãs e da construção das bases para uma sociedade melhor.

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A CADEP, portanto, tem a responsabilidade de instrumentalizar diretores e

pedagogos, para que assumam o compromisso de defesa da Educação

pública, gratuíta e de qualidade, enquanto articuladores do processo pedagógico nas Escolas Públicas Estaduais, movidos pela ação coletiva e

acreditando em uma educação emancipatória e transformadora. (PARANÁ,

2007e).

É importante, sim, que as escolas (e não apenas os gestores e pedagogos) sejam

apoiadas em sua participação democrática na vida institucional, especialmente se esta não faz

parte da tradição construída na escola. Contudo, o modo como a CADEP se define não sugere

um processo de aprendizagem conjunta da participação, mas a preparação para reprodução,

em nível escolar, dos preceitos e ações políticas da própria Secretaria. A previsão de que

diretores e pedagogos precisam direcionar, organizar, propor e acompanhar o trabalho

pedagógico” (ibid.) elimina as chances de que tal trabalho seja planejado e conduzido de

modo democrático, entendimento que se reforça diante do emprego da palavra

“instrumentalizados”, pois uma democracia de fato requer possibilidade de construção e

participação de todos os envolvidos e estas, por sua vez, baseiam-se, em primeiro lugar, na

possibilidade de dialogar e refletir sobre a prática, mais do que na aprendizagem passiva de

mecanismos técnicos de atuação.

Em conjunto com as Coordenações de Ensino Fundamental e Médio, a

Superintendência da Educação e a Coordenação de Capacitação, a CADEP tem conduzido a

gestão do trabalho pedagógico, determinando a reformulação dos regimentos escolares e

propostas pedagógicas das escolas, a elaboração de propostas curriculares próprias (por

escolas ou pólos), a realização de avaliação institucional da escola e do Sistema Estadual de

Ensino, bem como definindo a formação continuada em nível coletivo de escola, esta utilizada

como tecnologia para o desenvolvimento e realização dos processos anteriores.

A comunidade escolar trabalha coletivamente em dez dias (normalmente distribuídos

no início de cada semestre letivo) previstos em calendário pela SEED, que define temas e

tarefas a serem desenvolvidas, estratégias de trabalho, e encaminha as referências a serem

estudadas/utilizadas. As escolas aplicam os planejamentos previamente determinados e

informam à Secretaria os resultados obtidos por meio de relatórios.

Assim, em 2006, por exemplo, por meio do Portal Dia-a-dia Educação, a SEED

orientou as escolas quanto ao que deveriam desencadear internamente durante a Semana

Pedagógica:

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O trabalho proposto para o dia 23 de julho tem como referência três

documentos produzidos com a colaboração e participação de professores do

Estado do Paraná: as Diretrizes Curriculares para Educação Básica

(DCE), o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e a Proposta Pedagógica

Curricular das Escolas da Rede Estadual de Ensino e Conveniadas. Estes

documentos serão referência para a elaboração do Plano de Trabalho

Docente. As atividades a serem desenvolvidas para os dias 24 e 25 de julho terão roteiros específicos que estarão descritos no presente documento. As

escolas especiais inverterão essa proposta de trabalho, conforme orientações

a seguir. O trabalho desta semana pedagógica será eminentemente coletivo e

construtivo para o processo de ensino e aprendizagem a ser desenvolvido no

segundo semestre.

Para organizar o trabalho, enviamos o cronograma de atividades e orientações.

[...] Leitura, debate e registros do texto: Educação Popular: Desafio à

democratização da Escola Pública. [...] Leitura, debate e registro do texto: Avaliação no contexto escolar: identificação das necessidades educacionais

especiais. (PARANÁ, 2007g).

Na medida em que a Secretaria define externamente os objetivos e encaminhamentos

a serem dados às semanas pedagógicas, ela configura a escola apenas como local no qual se

aplicará um protocolo de formação gerado externamente, único para todas as escolas

paranaenses, independentemente da disparidade de sua realidade.

De fato, se pensarmos a instituição na totalidade de suas dimensões (universal,

singular e particular) e a escola como pertencente a um sistema educacional e social,

entenderemos que é função do Estado garantir a consecução de determinados processos

pedagógicos. Por outro lado, o modo como a SEED-PR realiza tal encaminhamento extrapola

seu papel de orientadora e apoiadora, configurando-se como gestora central e de maior

relevância no processo educativo, situando a escola em segundo plano, já que todas as

grandes decisões já foram anteriormente tomadas. Em análise elaborada anteriormente,

asseveramos:

A centralização da concepção da formação continuada pela SEED e a

descentralização de sua execução, revelam sua utilização de modo instrumental e a serviço da implementação de políticas e reformas propostas

pela própria Secretaria, atribuindo também às demais tecnologias

pedagógicas (a avaliação institucional e o projeto pedagógico da escola) um

teor racionalizado e instrumental, já que seu desenvolvimento se faz para dar conta de uma agenda de trabalho externa, e não própria. (NADAL, 2007, p.

12),

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Importante é perceber que ao gerenciar “de cima” a execução do trabalho

pedagógico, a SEED atribui uma dada configuração não apenas à escola como um todo, mas a

aqueles a quem delega a coordenação in locu, a equipe de gestão: diretores e pedagogos.

A CADEP, responsável em nível de SEED pelo trabalho desses profissionais,

disponibiliza em seu site dois documentos nos quais os explicita; trata-se de apresentações em

formato power-point. No caso do documento que se refere aos pedagogos, de início já é

pontuada a gestão democrática e participativa como sendo um dos princípios basilares.

Aponta três dimensões do trabalho: prática pedagógica, prática política e prática

organizacional. Enquanto a primeira refere-se a questões humana e cultural, de aprendizagem

e formação permanente, a segunda diz respeito à relação entre escola e comunidade, aos

contextos sócio-econômico, político e cultural; a última, da prática organizacional, contempla

gestão democrática, participativa e autogestionária, por meio de parcerias e cooperação. Em

seguida, são elencados cinco eixos de atuação do pedagogo face à organização do trabalho

pedagógico na escola:

4.1. Construção do projeto político-pedagógico 4.2. Implementação do trabalho pedagógico no coletivo da escola

4.2.1. Organização do espaço e tempo escolar

4.2.2. Organização da prática pedagógica

4.3. Formação continuada do coletivo de profissionais da escola. 4.4. Relações entre a escola e a comunidade

4.5. Avaliação do trabalho pedagógico. (PARANÁ, 2007c).

A partir desses eixos, a SEED relaciona vinte e nove atribuições que vão desde as

mais simples e técnicas, como “coordenar empréstimo e aquisição de materiais e

equipamentos de uso didático-pedagógicos”, passando pelas eminentemente de coordenação

pedagógica, como “assessorar o professor no planejamento, quanto a seleção de conteúdos e

transposição didática em consonância com os objetivos expressos no P.P.P.” e atingindo

outras que extrapolam o limite possível da própria função, como “elaborar estratégias para a

superação de todas as formas de discriminação, preconceito e exclusão social e de

compromisso ético e político com todas as categorias e classes sociais” (PARANÁ, 2007b).

No caso do diretor, o documento aborda centralmente a dimensão da gestão

democrática e suas instâncias colegiadas de realização (Conselho Escolar, Grêmio, APMF,

Conselho de Classe), tematizando conceitos como poder, autonomia, democracia. Os eixos de

construção do projeto pedagógico da escola e da organização a ele necessária e sua avaliação,

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bem como da formação continuada dos profissionais, não aparecem, a não ser no gráfico que

fecha os slides da referida apresentação:

Figura 2 – Como construir a gestão democrática num processo de aprendizado coletivo?

O modo como a CADEP encaminha a discussão do trabalho do diretor escolar

esvazia a gestão democrática, a qual, na maior parte do tempo, parece ser um fim em si

mesma, e não um meio para a obtenção da função social da escola em sua concretude: a

aprendizagem e o desenvolvimento do aluno.

Por outro lado, quando se trata do pedagogo, as ações para ele previstas são

relevantes e significativas e, ao mesmo tempo, de tanta complexidade, que questionamos se

ele pode, sozinho, ser o desencadeador de tantas frentes de trabalho, até mesmo porque o

número de pedagogos nas escolas, reduzido no Governo Lerner, permaneceu do mesmo modo

no Governo Requião.

Uma compreensão dos mecanismos de gestão democrática e participação pode e

deve ser captada também em função do que prevê o Regimento Escolar. Nele, a gestão da

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escola é uma atribuição dada ao diretor, “responsável pela gestão democrática” (PARANÁ,

2007b, p. 24). A equipe pedagógica é posicionada como atuante na coordenação:

A equipe pedagógica é responsável pela coordenação, implantação e

implementação no estabelecimento de ensino das Diretrizes Curriculares definidas no Projeto Político-Pedagógico e no Regimento Escolar, em

consonância com a política educacional e orientações emanadas da

Secretaria de Estado da Educação. (op cit, p. 54).

O Regimento define, para cada segmento profissional, suas atribuições.

Confrontando as competências designadas à direção, equipe pedagógica e professores, pode-

se observar uma clara centralização do poder na figura do diretor, pois é ele quem atuará na

gestão dos recursos físicos, materiais e financeiros, de pessoal e da estrutura interna do

sistema de ensino, dimensões predominantes na listagem. A gestão das questões pedagógicas

figura entre as atribuições do diretor, mas com menor ênfase, uma espécie de “pano de

fundo”; o diretor deve, por exemplo, coordenar a elaboração e implementação do projeto da

escola e garantir que se realize a avaliação institucional. É importante ressaltar que, de acordo

com o que prevê o Regimento, ele possui o domínio (decisão final, responsabilidade última)

sobre três elementos essenciais na constituição do trabalho pedagógico da escola: o tempo, o

espaço e os recursos físicos e materiais.

Embora a equipe pedagógica (professores pedagogos) não seja definida como equipe

de gestão, entendemos que suas competências também são de gestão, pois conduzem

processos coletivos. Diferentemente dos diretores, o âmbito de ação central dos pedagogos

são as questões pedagógicas que envolvem professores e alunos em torno do currículo e do

projeto pedagógico da escola. Assim como nas orientações dadas pela CADEP, também no

Regimento são muitas e exigentes as responsabilidades da equipe pedagógica, dentre as quais

entendemos ser conveniente citar algumas:

Art. ... Compete à equipe pedagógica:

I. coordenar a elaboração coletiva e acompanhar a efetivação do Projeto Político-Pedagógico e do Plano de Ação do estabelecimento de ensino;

II. orientar a comunidade escolar na construção de um processo pedagógico,

em uma perspectiva democrática;

III. participar e intervir, junto à direção, na organização do trabalho pedagógico escolar, no sentido de realizar a função social e a especificidade

da educação escolar;

VII. promover e coordenar reuniões pedagógicas e grupos de estudo para reflexão e aprofundamento de temas relativos ao trabalho pedagógico

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visando à elaboração de propostas de intervenção para a qualidade de ensino

para todos;

X. coordenar a elaboração e acompanhar a efetivação de propostas de intervenção decorrentes das decisões do Conselho de Classe;

XI. subsidiar o aprimoramento teórico-metodológico do coletivo de

professores do estabelecimento de ensino, promovendo estudos sistemáticos,

trocas de experiência, debates e oficinas pedagógicas; [...] XIII. proceder à análise dos dados do aproveitamento escolar de forma a

desencadear um processo de reflexão sobre esses dados, junto à comunidade

escolar, com vistas a promover a aprendizagem de todos os alunos; [...] XV. participar do Conselho Escolar, quando representante do seu segmento,

subsidiando teórica e metodologicamente as discussões e reflexões acerca da

organização e efetivação do trabalho pedagógico escolar; [...]

XIX. propiciar o desenvolvimento da representatividade dos alunos e de sua participação nos diversos momentos e Órgãos Colegiados da escola; [...]

XXV. promover a construção de estratégias pedagógicas de superação de

todas as formas de discriminação, preconceito e exclusão social; XXVI. coordenar a análise de projetos a serem inseridos no Projeto Político-

Pedagógico do estabelecimento de ensino; [...]

XXIX. orientar, coordenar e acompanhar a efetivação de procedimentos didático-pedagógicos referentes à avaliação processual e aos processos de

classificação, reclassificação, aproveitamento de estudos, adaptação e

progressão parcial, conforme legislação em vigor; [...]

XXXVI. acompanhar os aspectos de sociabilização e aprendizagem dos alunos, realizando contato com a família com o intuito de promover ações

para o seu desenvolvimento integral;

XXXVII. acompanhar a freqüência escolar dos alunos, contatando as famílias e encaminhando-os aos órgãos competentes, quando necessário; [...]

XXXIX. orientar e acompanhar o desenvolvimento escolar dos alunos com

necessidades educativas especiais, nos aspectos pedagógicos, adaptações físicas e curriculares e no processo de inclusão na escola; [...]

XLV. assegurar a realização do processo de avaliação institucional do

estabelecimento de ensino;

XLVI. manter e promover relacionamento cooperativo de trabalho com colegas, alunos, pais e demais segmentos da comunidade escolar; [...].

(PARANÁ, 2007b, p. 30-34).

Os pedagogos se vêem, assim, sobrecarregados com uma série de atribuições que,

devido à estrutura hierarquizada e ainda centralizada da escola, os colocam como os maiores

responsáveis em relação às mesmas, como os profissionais que devem garantir que todos os

demais profissionais da escola se aglutinem em torno de tarefas para as quais até mesmo as

pesquisas educacionais ainda não apontam propostas suficientes, como o multiculturalismo, a

inclusão e a efetiva sociabilização de todos os alunos, por exemplo.

Outro dado que estimula a reflexão em torno da configuração de gestão prevista para

as escolas é a comparação das capacidades elencadas nas competências de cada segmento

atuante na organização do trabalho pedagógico. Observando-se as capacidades dos principais

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segmentos dessa comunidade – equipe de gestão, equipe pedagógica e equipe docente –,

constata-se o seguinte quadro:

Tabela 5: Quadro comparativo das competências listadas a grupos profissionais no regimento escolar.

Diretores Pedagogos Professores

Cumprir 2 1 4 Responsabilizar-se 1 Coordenar 5 11 Implementar 1

Convocar 1 Elaborar 2 1 2 Prestar Contas 1 Garantir 1 Encaminhar 1 Deferir 1 Acompanhar 1 10 Assegurar 2

Propor 1 Participar 2 5 9 Analisar 1 2 Supervisionar 1 1 Presidir 1 Definir 1 Articular 1 Solicitar 1 1

Cooperar/Colaborar 1 1 Viabilizar 1 Disponibilizar 1 Zelar 1 1 2 Promover/Propiciar 3 4 3 Fazer cumprir 1 1 1 Orientar 6 Intervir 1 Organizar 4

Subsidiar 1 Assessorar 1 Acionar 1 Contactar 1 Estimular 1 Comparecer 1 Registrar 1 Representar 1

Cumprir 2 1 4 Responsabilizar-se 1 Coordenar 5 11 Implementar 1 Convocar 1 Elaborar 2 1 2 Prestar Contas 1 Garantir 1

Encaminhar 1 Deferir 1 Acompanhar 1 10 Assegurar 2 Propor 1

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Os dados permitem perceber que o Regimento Escolar, ao definir e diferenciar

competências, termina por dificultar a concretização de uma gestão democrática no interior da

escola, já que capacidades indicadoras de poder decisório, como presidir, propor, definir e

implementar, restringem-se aos diretores; capacidades que dizem respeito à mobilização e

aglutinação do coletivo, como articular, coordenar, orientar e organizar, concentram-se nos

pedagogos e, com menor ênfase, nos diretores; capacidades relativas ao controle, como

acompanhar, analisar, supervisionar e assessorar, concentram-se nos diretores e pedagogos;

capacidades que denotam trabalho prático e execução, como desenvolver, proceder, registrar,

comparecer, elaborar e, principalmente, participar, são destinados aos professores.

Uma possibilidade de decisão e participação colegiada é aberta no Regimento

Escolar por meio do Conselho de Classe, a quem cabe, segundo o documento, analisar as

ações educacionais e a partir daí deliberar, indicando alternativas e intervenções voltadas à

garantia da aprendizagem.

O Regimento determina que as reuniões do Conselho de Classe sejam previstas em

calendário, podendo ser realizadas ordinária ou extraordinariamente, quando se fizer

necessário. Embora não seja regimentada a quantidade de reuniões a serem realizadas num

ano letivo, a SEED, no momento em que estabelece o calendário escolar de suas escolas,

prevê que elas sejam quatro, uma ao final de cada bimestre, em dias de sábado (sem dispensa

de aulas e, portanto, fora da carga-horária semanal do professor).

No Regimento Escolar, o Conselho de Classe é configurado como o momento mais

importante no desencadeamento da reflexão sobre o foco central da escola, sobre suas

questões de fundo, a aprendizagem discente, pois é durante sua realização que gestores e

professores – com participação direta ou indireta dos alunos e/ou pais – devem

[...] verificar se os objetivos, conteúdos, procedimentos metodológicos,

avaliativos e relações estabelecidas na ação pedagógico-educativa, estão sendo cumpridos de maneira coerente com o Projeto Político-Pedagógico do

estabelecimento de ensino [...] [constituindo-se num] espaço de reflexão

pedagógica, onde todos os sujeitos do processo educativo, de forma coletiva, discutem alternativas e propõem ações educativas eficazes que possam vir a

sanar necessidades/dificuldades apontadas no processo ensino e

aprendizagem. (PARANÁ, 2007b, p. 28).

Outra atribuição importante do Conselho de Classe é decidir de modo responsável

sobre a aprovação ou retenção dos alunos, “após a apuração dos resultados finais, levando-se

em consideração o desenvolvimento integral do aluno” (PARANÁ, 2007b, p. 29).

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De nossa parte, vemos que o Conselho de Classe, do modo como está posto,

configura-se como momento no qual a discussão clara e aberta sobre o trabalho educativo

escolar e seus resultados encontra espaço sistematizado e oficial para ocorrer, o que

possibilitaria realizar, em decorrência e paralelamente, a auto-avaliação institucional da

escola, a definição de necessidades e processos de formação continuada, a reorganização dos

planos de trabalho de todos os profissionais e a alteração da organização escolar vigente como

um todo (criando novas classes para trabalho diferenciado, ofertando atividades co-relatas,

diferentes das regularmente existentes, etc.).

Pesquisas feitas sobre o papel que o Conselho de Classe tem exercido nas escolas

demonstram que, muitas vezes, ele não atinge seu objetivo real, atuando de modo formal e

burocrático, com ausência de critérios pedagógicos claros e configurando-se como um

momento no qual o desempenho dos alunos é abordado de modo desvinculado do trabalho da

escola e associado unicamente às características (problemáticas) da família ou comunidade

(MATTOS e ALMEIDA, 2008; MATTOS, 2005; GUERRA, 2006).

A dimensão universal ou pólo positivo apresenta a gestão democrática como um

sentido socialmente aceito e desejado, uma norma universal indicadora da natureza do

trabalho que lá se deve desenvolver. Por outro lado, observando-se as ações

institucionalizadas via iniciativas de governo, projetos educacionais e o próprio Regimento

Escolar, inferimos que em nível de escola o poder se concentra, de fato, nas mãos da equipe

de gestão (diretores), agentes da administração do sistema que têm como primeira atribuição

cumprir e fazer cumprir suas políticas e leis. Ou seja, eles são débeis frente ao Estado, mas ao

menos legalmente concentram, no interior da escola, todo o poder (VIÑAO FRAGO, 1998), o

que sugere uma contradição entre o valor da gestão democrática expressado nas linhas dos

textos políticos e os processos e condições de implementação institucionalizados, reveladores

de mecanismos de uma heterogestão descentralizada/desconcentrada.

Entende-se, desse modo, porque ao mesmo tempo em que se atribui à escola a

responsabilidade pela construção, efetivação, avaliação e recondução de uma proposta

pedagógica que permita cumprir sua função social, percebe-se que o Estado e a SEED,

enquanto mantenedores e co-partícipes, não assumem a contrapartida em termos de recursos

físicos, materiais e humanos que a escola porventura necessite para, por exemplo, implantar

uma biblioteca escolar, intensificar o apoio ao aluno, diminuir o número de alunos por classe

ou ofertar atividades pedagógicas que extrapolem a carga-horária semanal de 25 horas-aula.

Essa condição leva-nos a questionar em que medida as políticas educacionais têm realmente

desejado, estimulado e permitido a gestão democrática e a autonomia da escola pública.

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5.3 POLÍTICA EDUCACIONAL PARANAENSE: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

SOBRE O TRABALHO PEDAGÓGICO E A CULTURA ESCOLAR

A contextualização das políticas educacionais paranaenses nos últimos 24 anos

permite levantar elementos que, após confronto com a prática das escolas, serão fundamentais

para a compreensão da cultura existente em tais instituições.

Um primeiro aspecto é a necessidade de que se tenha presente a compreensão de que

o Estado é também uma instituição, sendo, portanto, composto das dimensões institucionais

de Lourau (1996) (universal, singular, particular) e estando igualmente sujeito aos

movimentos dialéticos e contraditórios que caracterizam a instituição.

Em nível de Estado, a dimensão universal se faz presente muitas vezes nos

programas de governo que tentam expressar uma ideologia convergente com as demandas que

emanam da sociedade civil que o elegeu para representá-la, bem como a seus interesses. Esses

programas de governo são, via de regra, elaborados por assessores especializados nos

diferentes campos e, no caso da educação, podemos atestar a força e o papel das universidades

e intelectuais em tal processo. Não por acaso a pedagogia histórico-crítica de Savianni

fundamentou o Currículo Básico do Paraná em 1991, Gadotti e sua equipe redigiram o projeto

da Escola Cidadã e Guiomar Namo de Mello transformou o nome de Phillipe Perrenoud num

dos mais conhecidos, quando assessorou a SEED na gestão Lerner. Ou seja, os planos de

governo tendem a expressar os ideais universais, até porque isso se revela como uma

necessidade para a manutenção do governo/Estado.

O ideário educacional (universal) revela-se, então, por meio de uma política

educacional no sentido expressado por Vieira (2007, p. 56): “corpo de idéias que

fundamentam expectativas e tendências relativas à ação na esfera pública. Isto nos remete a

questões que se inscrevem no âmbito da sociedade política, do Estado”.

A política educacional, por sua vez, sistematiza-se através do institucionalizado, ou

seja, de programas políticos compostos e negociados entre as diferentes instâncias e

profissionais (hierarquias, poderes e funções) que compõem a organização (momento

singular) do Estado, o qual, de acordo com os seus objetivos, produz decretos, propostas,

projetos, currículos, deliberações e institucionaliza, para a escola, normas universais a serem

perseguidas e uma dada organização para atingi-las.

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Entretanto, a dimensão universal primeira, o ideal positivamente verdadeiro,

defronta-se com a negatividade dos sujeitos concretos que, de seu lugar na estrutura do

sistema e mediados por seu funcionamento organizacional, interagem com as premissas

ideológicas adotadas encampando-as, flexibilizando-as, alterando-as ou mesmo negando-as já

em nível de Estado (logicamente, pois ele é uma instituição).

Tal como asseverou Vieira (2007), a gestão não se limita ao valor político que lhe

subjaz, mas contempla também condições de implementação e aceitação política. Pode-se

explicar, desse modo, a contradição interna à própria instituição do Estado que, ao mesmo

tempo em que acena com valores de determinada natureza, recua (pela falta de vontade do

governador diante da política de seu secretário, pela ausência de recursos financeiros, pelas

divergências internas entre sujeitos que, ocupando cargos na estrutura hierárquica de papéis,

não colaboram entre si, etc.). A fala de um Superintendente de Educação, presente no trabalho

de Martins (1997), é exemplificadora de nosso argumento:

Muitas medidas, embora de mais fácil concretização, são deixadas para o futuro. É o caso do salário dos professores. Conforme o Superintendente da

Educação [...]:

“o Paraná pode pagar mais, de cara o dobro, não paga porque não quer. Não tem ... não tem porque o governador autorizou a construção de 250km de

asfalto, porque tinha „superavit‟ de arrecadação. Gente, a arrecadação está

positiva. O Paraná precisa de 250 km de estradas a mais, precisa. Mas precisa muito mais é de asfaltar o bolso dos professores. Agora, por que não

faz?”. (MÂNFIO apud MARTINS, op cit, p. 144).

O reconhecimento do caráter contraditório do próprio Estado leva a um segundo

ponto de reflexão, o reconhecimento de que as políticas educacionais paranaenses assumiram

um caráter descentralizatório de diferentes contornos.

Pesquisas localizadas sobre o tema (MARTINS, 1997; CAVAGNARI, 1998; LIMA;

VIRIATO, 2000; FIGUEIREDO, 2001; NOGUEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2005) reconhecem

que embora em alguns momentos ocorressem iniciativas importantes para a autonomia e

gestão democrática da escola, o caráter que tais políticas assumiram foi muito mais de

desconcentração do que, efetivamente, de descentralização.

Observando-se as políticas educacionais do Paraná, constata-se um claro movimento

de desconcentração, nos sentidos cunhados por Rivas e Amaro (apud SOUZA, 2003), já que a

definição dos objetivos, estratégias e conteúdos da política educacional vem sendo feita

aprioristicamente pelo Estado, ficando às escolas a responsabilidade apenas pela execução e

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prestação de “contas” por meio de relatórios ou entrega de tarefas a elas encomendadas. Nesse

caso, confirma-se a crítica estabelecida por Whitty, Power e Halpin (1999), de que a

descentralização (ou desconcentração) é utilizada para garantir a execução em nível local dos

interesses e valores do Estado. De fato, as políticas educacionais desenvolveram-se sob o

paradigma de gestão racional-burocrática e a gestão democrática foi muito mais um mote para

encobrir a racionalização e centralidade presentes.

No diz respeito à descentralização e desconcentração na política educacional, há que

se considerar, por fim, que a contradição entre as expectativas existentes e o discurso

proferido (gestão democrática), as condições institucionalizadas e a prática efetivada podem

ser explicadas pelo interesse do Estado em se manter e pelos movimentos contraditórios que

lhe são inerentes enquanto instituição.

Em terceiro lugar, entendemos que as políticas de descentralização/desconcentração

desenvolvidas intencionaram alterar a cultura escolar ao introduzirem, em nível de escola,

artefatos culturais como o conselho escolar e o projeto pedagógico. Elas atuaram não apenas

institucionalizando tais artefatos (sistematizando sua existência em termos de organização),

mas buscando instituir novos sentidos em termos de gestão, na qual a tradição de uma direção

hierarquizada no diretor, burocratizada e centralizadora (presente desde a escola de massas e

mesmo antes dela) fosse superada por outros sentidos como participação, co-responsabilidade

e autonomia. Tal intenção instituinte do Estado em relação à escola ocorreu, a despeito de sua

verdadeira intenção em relação a essa mudança cultural.

Contudo, lembramos que de acordo com Williams (1979; 2002), a mudança de uma

hegemonia em dominância (paradigma racional-burocrático de gestão) para uma hegemonia

alternativa (paradigma democrático de gestão) não se faz de modo simplista e, por esse

motivo, levantamos vários questionamentos.

Inicialmente há que se perceber que a pedagogia histórico crítica, a pedagogia

cidadã, a importância da participação da comunidade frente à escola, a gestão compartilhada

ou democrática da educação não foram significados constituídos pelos sujeitos que, no

cotidiano, construíam a experiência escolar: professores, diretores, equipes pedagógicas,

funcionários, pais... Tais ideários foram, muito mais, a expressão de intelectuais que,

utilizando-se da conscientização que nasce da racionalização teórica do real (leia-se:

estudando, pesquisando, acessando outras produções teóricas) passaram a atuar junto a

partidos, sindicatos e associações, visando a “conscientizar” aqueles que atuavam no interior

da escola.

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Pelo próprio resultado que algumas das pesquisas já indicadas apontaram, em

especial Ribas (1989), Martins (1997) e também Cavagnari (1998), podemos inferir nesses

momentos de tentativa de alteração de sentidos e conscientização, não houve uma sólida

formação que envolvesse realmente todas as escolas e professores num movimento de

reflexão sobre suas práticas, tematizando os sentidos vigentes e construindo, a partir daí,

outros significados. Na grande maioria dos casos o que se fez foram programas de capacitação

de professores que pulverizavam os profissionais das escolas em momentos e locais

diferentes, por tempo insuficiente e muito mais para “inculcar” o novo do que para

ressignificar o existente. Portanto, há que se questionar em que medida tais novos sentidos

sobre o fazer escolar, trazidos pelas políticas educacionais, realmente se efetivaram ou não

dentro da escola e foram capazes de alterar os significados até então existentes e modificar

sua cultura.

Em segundo lugar, recorremos a elementos já discutidos no Capítulo 3, quando

tratamos da teoria cultural, para ressaltar que a cultura não é apenas tradição que ensina

alternativas e caminhos aceitos e validados, mas também arena de conflitos entre os contrários

(gerados pelas experiências vividas e os sentimentos e imaginações que tais experiências

fazem nascer); a cultura possui um pólo instituído, mas também um outro, instituinte.

Em termos de instituição escolar, o Estado e os profissionais da educação, as equipes

de gestão e professores, os professores e alunos, os professores e pais, os pais e filhos, a

comunidade e a escola são alguns dos contrários que interatuam guiados por sentidos culturais

em alguns aspectos convergentes, mas talvez também divergentes. A construção de uma

cultura comum passa, então, pela capacidade da instituição de identificar os diferentes

sentidos culturais existentes, compreender que lutas ou conflitos eles geram e, utilizando-se

de um amplo processo dialógico, externar os sentidos existentes, confrontá-los e debatê-los

para superar divergências e conflitos. Será construído, por fim, um sentido cultural comum.

Ocorre que se o Estado adota políticas e modos de gestão desconcentrados, ele

mantém em si a centralidade decisória e, obviamente, não dialoga com escolas e professores,

impondo seus ideais, crenças e valores em primeiro lugar e, em conseqüência, dificultando (se

não impedindo) a construção de sentidos comuns e alternativos aos hegemonicamente

presentes.

Olhando então as escolas de modo “duro”, pelo prisma das políticas e programas

educacionais, diríamos que todo o poder se concentra, de fato, nas mãos das equipes de gestão

que representam o Estado no interior da escola e, mais ainda, no próprio Estado que delega às

escolas a execução do que prevê.

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Porém, também acontece que diante das políticas centralizadas do Estado, a escola

(como instituição) desencadeia movimentos próprios. Tal como assinalou Vieira (2007), a

gestão possui uma dimensão política em termos de aceitação ou não dos valores/ideologias

que perpassam as políticas em marcha, uma dimensão que, para nós, só se torna possível pela

dimensão particular da instituição escolar: os sujeitos concretos que, do lugar de sua

experiência, cultura e conhecimentos, negam, flexibilizam, conflitam e alteram, a seu modo e

no grupo social, as normas que a eles se impõem.

Desse modo, é possível que a ideologia política do Estado – discurso da gestão

democrática e organização voltada à descentralização e delegação de responsabilidades –

tenha sido assimilada pela escola e que esta, até mesmo em vista daquilo que o Estado

institucionalizou e instituiu (instâncias colegiadas de gestão, por exemplo), venha se

submetendo plenamente e deixando que o Estado comande os gestores e que esses, por sua

vez, comandem os professores, gerindo de fora o interior da instituição.

Todavia, é possível também que a escola tenha atuado frente à instituição do Estado

e aquilo que ele lhe instituiu, gerando outra realidade que apenas o conhecimento de seu

interior poderá desvelar.

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6 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: A POLÍTICA INTERNA DA

ESCOLA

No Capítulo 4, abordamos as políticas paranaenses visando a demonstrar o papel que

intencionaram exercer nos processos de gestão da escola, introduzindo a defesa do

envolvimento e papel ativo de toda a comunidade escolar na definição de suas finalidades e

objetivos, a defesa da gestão democrática e da participação, a institucionalização de instâncias

como o conselho escolar e de mudanças procedimentais como a escolha de diretores por meio

de eleição com participação de toda a comunidade. Ficou clara a dissonância entre os

pressupostos teóricos que serviam de justificativa para a introdução de tais mudanças e as

normas ou iniciativas que as políticas institucionalizaram.

De fato, o reconhecimento de que a participação nos processos decisórios era uma

demanda potencial por parte da sociedade e educadores levou o Estado a adotar o discurso da

gestão democrática e, contradizendo-se, colocar em marcha políticas pautadas nos princípios

da desconcentração e delegação de poderes, revelando sua visão dura e racionalizada da

escola e a pretensão de geri-la do nível macro por meio de processos predominantemente

instrumentais efetivados em nível meso ou micro.

De nossa parte, defendemos desde o início do trabalho a tese de que ao mesmo

tempo em que a escola possui uma dimensão instituída e institucionalizada, possui também

outra, instituinte. A confirmação ou não de nossa hipótese exige olhar como os pressupostos

teóricos e as políticas institucionalizadas têm sido assimilados na escola como instituição

orgânica, bem como compreender a cultura lá subjacente.

Para tanto, no presente capítulo buscaremos captar os movimentos institucionais de

gestão do trabalho pedagógico, entendendo que essa dimensão, voltada à organização do

trabalho coletivo, permitirá uma adequada compreensão da cultura institucional da escola.

Para nos aproximar dos dados, tomamos como referência a própria estrutura de gestão do

trabalho pedagógico presente no regimento escolar, compreendendo-a como primeira

realidade institucionalizada. Defrontamo-nos, então, com os segmentos de gestão que o

regimento escolar previu: o Conselho Escolar, a Associação de Pais e Mestres (optamos por

não abordar os grêmios estudantis), o Conselho de Classe e as equipes de gestão, pedagógica

e docente (optamos, novamente, por não abordar a participação dos demais funcionários).

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Os dados serão organizados em três eixos. O primeiro, destinaremos à discussão do

envolvimento escolar da comunidade atendida pela escola; por esse motivo, abordaremos

nesse eixo o Conselho Escolar e a APMF, além de outras situações que asseguram a

participação dos pais na escola. O segundo eixo trabalhará com os dados que discutem a

participação da comunidade profissional da escola em torno do Conselho de Classe e,

especialmente, da dimensão pedagógica da gestão (as questões pedagógico-curriculares e

didático-pedagógicas). O terceiro eixo abordará o tempo escolar.

Os três eixos relacionam-se entre si de maneira intrínseca haja vista que são

perpassados pela dimensão da organização e gestão do trabalho pedagógico. Ora trazem dados

do momento universal da escola, ora do particular, ora do singular e, conforme a dinâmica da

escola, mostram-se interligados pela realidade institucional.

6.1 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR NA GESTÃO DO TRABALHO

PEDAGÓGICO: CONTRADIÇÕES E CONFLITOS

A democracia é o valor social básico em termos de gestão e a gestão democrática

pode ser compreendida como aquela na qual diferentes segmentos, grupos e sujeitos podem

externar seus próprios valores e garantir que eles sejam encaminhadores das decisões

políticas.

A abertura da escola para a comunidade permite que se reafirmem expectativas

historicamente constituídas e se revelem novas necessidades, um movimento que – se

acolhido – trará para o interior da instituição novos sentidos e demandas, impulsionando-a à

transformação.

Na Escola do Vale, a comunidade que a cerca e abriga é de nível sócio-econômico

médio, devido à região em que se situa: de interseção entre dois bairros de classe média e o

centro da cidade; ainda que esteja numa das regiões valorizadas da cidade em termos

residenciais há, em toda essa extensão, pólos nos quais a pobreza é bem acentuada.

A escola é muito conhecida no município como um todo e mais ainda na região onde

se localiza, para o que contribui sua proximidade de duas paróquias tradicionais da Igreja

Católica, de uma grande Igreja Batista, de dois grandes conjuntos de prédios de apartamento e

de vários estabelecimentos comerciais de grande, médio e pequeno porte. No entorno da

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escola localizam-se avenidas e ruas importantes tanto para o acesso ao centro da cidade como

para a ligação entre bairros.

Além da localização, os 25.000m2 e a grande quantidade de área construída, assim

como a tradição que a escola detém em termos de ensino técnico-profissionalizante, são sinais

de diferenciação frente às demais escolas da rede estadual na cidade, o que contribui para uma

percepção positiva da comunidade sobre ela. Como todas as ruas da região da escola são

asfaltadas e o alambrado externo é margeado por calçadas, é comum ver pessoas transitando

ou realizando caminhadas ao redor do estabelecimento e moradores dos prédios vizinhos

observando as atividades que se desenvolvem nos pátios, quadras, canteiros e jardins.

A Escola da Gema tem uma realidade diferente em termos de comunidade. Está

instalada numa vila afastada do centro da cidade, surgida como núcleo habitacional, mas que

perdeu tal característica devido ao aumento da população, a ampliação do projeto original das

casas e a construção de novas moradias. Se já de início a realidade sócio-econômica local era

baixa, a expansão de vilas vizinhas que foram surgindo e a sua aproximação geográfica com o

núcleo habitacional tornaram mais visíveis as poucas condições econômicas dos moradores da

região como um todo. Em termos comerciais, são poucos os estabelecimentos da redondeza,

restritos a um supermercado, uma loja de materiais de construção e, a partir daí, mercearias,

pequenos bares, papelarias e lojinhas de presente instaladas junto às próprias residências. A

vila possui, também, uma Igreja Católica e outra Cristã, mas ambas são de pequeno porte.

A escola está localizada no “final” do núcleo, ao lado do posto de saúde e da quadra

de esportes; essa localização é estrategicamente definida no Plano Diretor da Cidade, quando

da instalação de núcleos habitacionais; na frente da escola está o ponto final da linha de

ônibus e todos esses elementos contribuem para uma circulação considerável da comunidade

por ali. Durante o dia, pessoas que passam a pé ou aguardam o ônibus podem observar o

movimento dos alunos ou mesmo escutar, da calçada, as aulas que se desenvolvem na escola.

No turno da noite, rapazes costumam permanecer na rua, em frente à escola, evidenciando-a

como ponto de referência; sua permanência, contudo, é temida pela escola, levando o

vigilante a realizar observação atenta nesse turno, os professores a não deixarem seus carros

na rua e, por fim, os portões a permanecerem trancados com cadeados, impedindo um acesso

que ocorre de modo natural durante o dia.

Embora a realidade das escolas seja bastante diferente em termos sócio-econômicos

das comunidades nas quais se inserem, a relação que elas mantêm com tais comunidades é

similar, pois além da convivência cotidiana e informal não existe, entre as escolas e as

comunidades respectivas, uma aproximação que extrapole a dimensão de “reconhecimento da

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sua existência”. Na Escola do Vale, onde o comércio local possui maiores condições, observa-

se que a participação da comunidade junto à escola limita-se às doações financeiras em

momentos de festas ou outros eventos (os quais não ocorrem na Escola da Gema, já que a

decisão do diretor orienta-se no sentido de evitar festas com participação aberta por considerá-

las tumultuadas e/ou perigosas). Em ambos os casos, lideranças religiosas, políticas ou de

entidades civis (como associações de moradores, por exemplo) não estabelecem diálogo ou

parceria com as escolas, o que nos permite inferir que a relação escola x comunidade é

determinada mais por possíveis representações do que por condicionantes materiais,

provavelmente reforçando o argumento de Paro (2005), quando diz que prevalece uma cultura

de público (escola pública) como algo que é do Estado mais do que como algo que é do/para o

povo/sociedade.

À medida que se limita a comunidade à categoria “pais e alunos”, observa-se o

estabelecimento de uma relação de outra natureza com as escolas. Inicialmente é importante

conhecer a caracterização que as escolas apresentam sobre a clientela que atendem. Na Escola

do Vale o projeto pedagógico não traz dados objetivos, mas indica que

A maioria deles [alunos] provém de classe média baixa e enfrenta problemas

sócio-econômicos e culturais comuns à maioria das famílias atuais como: desestruturação familiar, desmotivação, baixa auto-estima, falta de

perspectivas quanto à inserção no mercado de trabalho, pouca ou nenhuma

noção de valores morais, entre outros. (VALE, 2006, p. 7).

O projeto pedagógico da Escola da Gema, por sua vez, aponta que os alunos e suas

famílias são bastante pobres, mas há variabilidade nessa condição, pois

46% dos alunos são carentes, 30% considerados de baixa renda e 14% de

classe média; então é predominantemente carente nos aspectos sócio-

econômicos e culturais e procedem de diversas vilas existentes nas proximidades da Escola. Uma pequena parcela possui condições sócio-

econômica e cultural que atendem as necessidades normais. Esta situação

torna o corpo discente uma clientela bastante heterogênea. (GEMA, p. 8,

2006, grifo nosso).

Revela, também, o nível de escolarização dos pais, tido como baixo, pois apenas

30% deles concluíram a 8ª série e 9% o ensino médio; menos de 1% dos pais possui nível

superior de escolarização.

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Na verdade, ambos os projetos pedagógicos concentraram esforços para demonstrar

o lado “negativo” dos alunos e suas famílias, silenciando-se em relação a dados que

demonstrariam elementos descritivos e compreensivos de sua visão de mundo, valores,

interesses e necessidades. Os dados que apresentam sugerem de modo explícito que se trata de

comunidades problemáticas e, implicitamente, que sendo problemáticas e carentes, as escolas

teriam mais que “dar” a elas ou trabalhá-las do que contar com elas. Mais alguns elementos

dos projetos pedagógicos podem ratificar nossa análise:

4- OBJETIVOS GERAIS

Delinear perspectivas para uma gestão escolar democrática, eficiente e de qualidade, na busca da garantia do aprendizado significativo do aluno,

voltado para a inclusão, atendendo a diversidade dos alunos, independente

de sua procedência, socioeconômica, acúmulo intelectual e expectativas

educacionais. (ESCOLA DO VALE, 2006, p. 4). [...]

Ao analisarmos as condições nas quais trabalhamos, observamos que as

dificuldades encontradas são efeitos de toda uma cultura da comunidade. A valorização humana, aspectos morais e sociais dão lugar aos

próprios conceitos de sobrevivência e desenvolvimento. (ibid, p. 9, grifo

nosso).

Assim, em ambas as propostas pedagógicas, o marco situacional intenciona

demonstrar problemas sociais atuais, como a desestruturação familiar (no sentido de

desintegração das famílias pelo divórcio ou abandono dos filhos pelos pais), o alto consumo

de drogas, a carência afetiva das crianças e jovens, a pobreza material, o consumismo, o

surgimento de contra-valores, etc. Na Escola da Gema, essa representação também se

apresenta forte na fala dos entrevistados:

As famílias são de média, baixa renda, os pais trabalham fora na sua maioria, 90% dos pais

saem pela manhã e retornam só à noite. Em boa parte, uns 65% dos alunos são responsáveis

pela sua alimentação, pelo cuidado com a casa e dos irmãos. Então eles estudam pela

manhã, eles têm que chegar em casa, esquentar o próprio almoço, ou então fazer o almoço,

porque o irmão vem à tarde pra escola ou ele fica com o mais novo, a responsabilidade do

pai e da mãe é passada pra eles. Quando você solicita a presença dos pais, “Eu preciso falar

com os seus pais”: “Não, meu pai e minha mãe não podem vir porque eles trabalham”.

(Pedagoga 2 – Gema).

[A comunidade participa da escola] em algumas reuniões, só. Talvez por falta de tempo, falta de interesse, porque a comunidade aqui é bastante carente, e em comunidades carentes

geralmente o estudo não é levado muito a sério pelos pais, pela família. Eles acreditam em

outras formas de sobreviver que não seja através do estudo, através de um bom emprego,

através de uma, enfim que seja um caminho onde não estude, a escolarização, então muitos

pais pensam dessa forma. (Prof. 1 – Gema).

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[...] eles... não sei. Parece que quanto mais pobres, vamos dizer assim, acabam sendo mais

pobres de espírito, sabe, é impressionante. E daí isso frustra, acaba que frustra a gente. Isso

é bem assim, a gente tem que ir sabendo lidar com o tempo, porque isso decepciona. Como

que eu posso querer pro meu aluno tudo de bom e o pai parece que não tá nem aí? Na visão

da gente não é normal. A gente quer que as coisas funcionem, quer que a escola entre bem

do jeito que ela tem que entrar mesmo dando a orientação dela e os pais em casa cobrando

esse tipo de orientação que a gente dá e até cobrando da própria escola. Como é que eles

vão cobrar da escola se não cobram do filho? E não se preocupam com isso, eu acho

pouquíssimos preocupados. (Pedagoga 1 – Gema).

As considerações de ambas as escolas refletem problemas sociais reconhecidos e

analisados na produção intelectual. Noam Chomsky, em “La (des)educación” (2007) aponta o

que designa como mercado livre para os pobres, falta de segurança no trabalho e políticas de

espírito antifamiliar e antiinfantil. Para o autor, tais políticas são responsáveis pelo estímulo

ao consumismo, que tem conseqüências como a criação de novas “necessidades” e o aumento

da jornada semanal dos pais a fim de saná-las e, em decorrência, a diminuição do tempo de

permanência dos pais com os filhos, em especial, o tempo de qualidade, aquele no qual as

famílias não fazem outra coisa que não seja estar juntos. Na obra “El recreo de la infância”,

Eduardo Bustelo (2007) aponta que os meios de comunicação atuam na formação de uma

subjetividade consumista, num movimento de capitalismo infantil que toma a criança

consumidora como o principal objeto de marketing. Maria da Glória Gohn (2005), por sua

vez, atesta que os principais movimentos sociais, hoje, encontram-se nas zonas urbanas e

fundamentam-se num tripé de problemas: a violência urbana, o consumo e a comercialização

de drogas e a atuação de poderes paralelos ao Estado estabelecendo modos de ordem e

organização social. Vemos, então, que os sentimentos e percepções dos educadores possuem

fundamentos e que a escola funciona como uma espécie de termômetro dos mesmos, motivo

pelo qual se ressentem do que consideram ser uma “sobrecarga” de trabalho ou funções.

De acordo com os educadores, o controle sobre os filhos é o principal aspecto diante

do qual grande parte das famílias se assume como incapaz; foram muitos os depoimentos de

professores e gestores (colhidos ou assistidos) que relatavam conversas com os pais nas quais

estes argumentavam não conseguir exercer domínio sobre os filhos quando a questão era a

não realização de tarefas, bagunça na escola, briga com colegas (dentro ou fora da escola),

gazeta de aulas ou, mesmo, indisposição para ir às atividades de reforço ou às aulas regulares:

[...] eu vejo assim, acho que os pais acabam deixando os filhos um pouco largados, porque trabalham de manhã, de tarde, de noite, às vezes, e não sobra esse tempo, creio que poderia

participar mais. E falta de comprometimento também, nós estamos assim, eu penso que a

gente ta numa sociedade onde os pais querem assim, sossego e acabam um pouco largando

os filhos. (Professor 2 – Vale).

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Você percebe a falta de valores assim familiares, que quando a gente fala que antigamente a

gente tinha não é saudosismo, mas é uma coisa que realmente, um respeito, um limite, das

coisas assim, os jovens estão muito assim, os pais por estar fora do lar, por estar

trabalhando pai e mãe, deixam tudo muito assim à vontade e parece que querem compensar

por causa da falta, e daí, e o jovem abusivo, adolescente sempre foi, mas hoje a gente

percebe muito mais. O pai fala: “Eu não posso com a vida do meu filho”. Isso é uma coisa

assim que eu acho horrível.(Pedagoga 1 – Vale).

Há indisciplina, há professores que não trabalham, há professores cansados, é um todo que

está explodindo na mão de todo mundo. Aonde que está o caos de tudo isso? Eu jogo na desestruturação da família, na falta de religiosidade [...] o meio social como um todo não é

propício, então a escola simplesmente está sendo [...] a ponta que está explodindo tudo.

(Prof. 5 – Vale).

Eu separei uma briga esses dias aqui nessa rua [...] e olhe a situação das meninas: a nossa

menina estava apanhando da outra, fui lá e separei, coloquei a menina dentro do carro,

“Onde que é a tua casa?”, levei, a menina se machucou, cheguei em casa a mãe falou assim:

“Eu não vou levar essa menina, eu não vou na delegacia, se a senhora quiser ir, a senhora

vá”. Eu disse: “Eu não posso ir, a senhora que é mãe dela, quem tem que registrar queixa, tá

aqui o nome da menina, o endereço, é a senhora”. “Não, eu não vou, eu não vou pro centro,

a senhora que tem carro que leve a minha filha”. Eu falei: “Mãe, eu não posso fazer isso pela senhora”. “Então que fique assim”. Então é a escola que resolve. Então agora nós

estamos quebrando um pouco esse costume porque a situação se tornou tão insustentável

que aconteceu um estupro aí recentemente na casa e a mãe queria que o [...] [diretor]

registrasse a queixa, mas como que o diretor da escola vai.... O padrinho estuprou as

meninas, 8, 9, 10 anos, como que o diretor da escola vai registrar a queixa se aconteceu na

casa? Porque eles entendem que a escola tem que resolver os problemas deles, eu acredito

que seja em função até dos problemas sociais do governo [...]. (Pedagoga 2 – Gema).

Então hoje os pais vivem numa correria tão grande na luta pelo trabalho, pelo dinheiro, pelo

sustento da família que eles não estão conseguindo dar conta de fazer esta parte em casa.

Então a escola está sendo obrigada a fazer isso e se a escola não der conta disso, ninguém vai conseguir dar conta porque os pais estão abandonando. Hoje uma frase muito comum é

os pais chegarem e dizerem pra gente assim: “Ai professora, dê jeito no meu filho”. (Prof. 6

– Gema).

As famílias não se incomodam tanto com a educação, deixam e largam a critério da escola.

A escola é que tem que, praticamente resolver quase todos os problemas, não só o do

conhecimento, mas também da alimentação e até mesmo da própria saúde das crianças,

então isso atrapalha um pouquinho a parte pedagógica, do conhecimento. Agora as famílias

em si, elas não prejudicam a escola, apesar de não interferirem, mas também não ajudam.

(Diretor – Gema).

Contudo, a percepção dos problemas, por si só, é insuficiente para explicar/justificar

a atitude da escola, pois o marco situacional e as representações dos educadores passam a ser,

mais do que um fator de referência, um elemento justificador frente ao cenário, já que diante

da crença praticamente unânime de que as condições sócio-econômicas e culturais das

famílias levaram-nas a se afastar quase que totalmente da educação de seus filhos e a lhes

transferir suas responsabilidades, as escolas, frente a isso, mostram-se “paralisadas”, não

visualizando opções para enfrentar a situação posta.

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O simples apontamento da questão, sem a devida reflexão sobre suas causas e modos

de enfrentamento, termina por transferir para a comunidade a responsabilidade pelos possíveis

insucessos ou não concretizações da proposta pedagógica buscada quando, de fato, a

superação da condição reconhecida implica a reconstrução dos significados que se

apresentam, o desvelamento da cultura (de consumo) que vigora na sociedade por meio do

estabelecimento de “práticas culturais”. Com base também em Williams e certamente

inspirando-se na defesa do autor por uma cultura comum, Gohn (2005, p. 46) ressalta que

os conflitos podem ser trabalhados, reconstruídos e ressignificados.

Identidades socioculturais e políticas, alternativas, ainda emergentes, construídas a partir das diferenças, poderão ser estimuladas por meio de

estratégias de trabalho educativo, na direção de articulações de sentido com

outras práticas culturais de forma que um substrato comum, universalizante,

seja criado nestas múltiplas interações.

É importante lembrar que as referidas práticas culturais podem se originar no Estado,

mas também na sociedade civil. Entendemos que a escola, enquanto instituição, possui um

papel central na referida construção, que precisa se iniciar em seu interior seja por meio da

construção de novos e outros sentidos, em função das experiências vividas na prática, seja

pela via da tematização dos temas com que a escola está a se confrontar. A esse respeito,

Bustelo (2007, p. 87) defende:

En una perspectiva emancipatória, con una infancia con autonomía reflexiva

e con creciente capacidad crítica, las instituciones de socialización deben trabajar en el sentido de hacer sociedad: autonomía con pertenencia social.

La condición para esta creación el la ampliación del espacio público,

particularmente el estatal, y el retorno de la política. En este sentido, la

escuela, a pesar de las limitaciones apuntadas, puede constituirse en un espacio de socialización donde sea posible aprender la presencia del otro y la

pertenencia social; la institución pública donde se descubran las ventajas de

cooperar por sobre las de competir y se desarrollen las capacidades crítico-reflexivas. Un espacio público donde se puedan generar las aptitudes

creativas y reflexivas, y donde los maestros se transformen en verdaderos

auxiliares de los niños, niñas y adolescentes.

Por certo, o acolhimento e aceitação das diferenças e a “orientação do ensino para o

aluno” (TOURAINE, 2006) são fundamentais num projeto que vise aliar família e escola,

educadores e alunos, assentando-se na possibilidade de repensar a educação escolar mais

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como um projeto cultural e emancipatório do que por sua função de formação para a

cidadania instrumental, a qual é hoje insuficiente e resistente.

Certamente por configurar a questão da participação (ou não participação) da família

junto a escola como uma questão cultural e política, o Estado mostrou-se instituinte ao inserir

na década de 1970 as APM‟s no organograma das escolas e os conselhos escolares na década

de 90, visando a alterar não apenas sua organização, como também seu funcionamento.

Ainda que os motivos para tais iniciativas possam ter sido diferentes, como a

percepção do Estado em relação às possibilidades que uma política de descentralização (ou

descontração) trariam ou o de acalmar os ânimos da sociedade diante da experiência de

fechamento participativo e político durante o regime militar, tais iniciativas foram decisivas

para a introdução de mecanismos de abertura e participação; resta examinar, então, quais os

efeitos que surtiram de tais iniciativas.

No que tange aos conselhos escolares, constatamos nas escolas pesquisadas que a

eleição de membros, a convocação de reuniões, o encaminhamento de questões para análise e

discussão ou a divulgação de decisões deliberadas pelo conselho escolar não costumam ser

tematizadas nas reuniões pedagógicas, nos conselhos de classe, nos murais ou nas conversas

que se travam nos momentos coletivos, o que sugere que os conselhos possuem uma

existência de caráter mais formal. Também nas entrevistas o conselho escolar foi uma pauta

silenciada, pois na Escola do Vale um único entrevistado fez menção a ele:

Olha, na maioria das vezes, o que se decide, é feito em conjunto com os professores,

alguma coisa que precise o aval dos professores. Quando é emergencial a própria direção

toma, quando é rápido, mas se resolve assim muita coisa com os professores. Ah, tem que

... ou com o conselho escolar: “Ah, tem que usar determinada verba”, daí o conselho

escolar que tem que... mas o conselho escolar decide daí. Olha, ele dá o aval pra

aqueles projetos, por exemplo, a direção tem os projetos, chega no conselho escolar,

“Olha nós queremos fazer isso” e daí o conselho escolar vai dizer: “Não, pode ser feito

como quiser”, questão principalmente de recursos financeiros. Questão de decisões

assim: “O que que nós vamos fazer?” são as decisões em conselho de classe, é decisões que

nem por exemplo, agora nós vamos fazer o conselho de classe na sexta-feira à noite, foi

conversado com todos os professores de todos se ajeitarem pra que fosse feito na sexta-feira

a noite. (Professor 4 – Vale, grifo nosso).

Na Escola da Gema apenas o Diretor se referiu-se ao conselho, embora a sua fala

sugira que a maior participação é das pessoas que trabalham na escola (professores,

pedagogos ou funcionários), antes que dos pais:

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No Conselho eu consigo porque o Conselho ele é mais dentro da escola, então a parte

colegiada da Escola em se havendo necessidade de utilizar desse meio, você consegue. A

APM é muito difícil [...]. (Diretor – Gema, grifo nosso)

O silenciamento sobre o conselho escolar no dia-a-dia da escola e nos depoimentos

dos entrevistados e as expressões “dá o aval”, “pode ser feito como quiser” e “mais dentro da

escola” confirmam nossa tese de que não há uma tradição de que as decisões sejam

efetivamente tomadas no Conselho Escolar como instância colegiada e representativa. Esse

fenômeno pode ser compreendido se o contextualizarmos na própria criação desses conselhos,

a qual não partiu da experiência ou necessidade das comunidades escolares, mas foi

determinada pela SEED a partir da década de 90 e, também, se observarmos (conforme já

demonstramos no capítulo anterior) que a estrutura e o funcionamento do conselho

configuram-no mais como entidade rescentralizadora do que democrática.

Assim, ao utilizar o conselho escolar para referendar decisões já tomadas ou para

atender determinações do Sistema (como a de que o conselho aprove e assine planos de

aplicação de recursos financeiros) e não para fazer nascer dali – pelo diálogo com os

diferentes segmentos – as propostas para a gestão da Escola, estas desencadeiam mecanismos

para, de certo modo, “burlar” o institucionalizado,

Outro modo de participação junto à gestão da escola é a associação de pais, mestres

e funcionários (APMF); sua diferenciação em relação ao conselho escolar é de que enquanto

aquele é um conselho presidido pelo diretor da escola, esta é presidida por um pai de aluno e

consiste em entidade jurídica com existência própria, o que lhe permite, em especial, receber e

administrar recursos financeiros vindos inclusive de instâncias públicas como a SEED e o

MEC.

Na Escola do Vale a APMF é considerada atuante na figura de seu presidente, o qual

exerce o cargo há vários anos. Por se tratar de um senhor aposentado, sua presença na escola é

quase que diária, realizando reparos e manutenção predial. Estes são feitos algumas vezes a

pedido da direção e, em outras, por iniciativa do próprio presidente, o que é considerado

complicado pela equipe de gestão, pois há casos em que não há diálogo sobre as medidas a

serem tomadas “num patrimônio que é público”, como asseverou para nós a própria Diretora.

Num de seus relatos, ela contou que, ao chegar das férias, encontrou um buraco aberto numa

das paredes junto ao pátio e paredes pintadas sem o seu consentimento, manutenção que,

inclusive, geraria gastos (com tinta) do recurso financeiro (fundo rotativo) que a escola recebe

do Estado para despesas de manutenção.

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Existe uma APM, tem o presidente da APM, não sei de quanto tempo ele está aqui, o

primeiro filho dele já tá formando na universidade e depois entrou a filha e agora o menino

mais novo dele tá na 6ª série e desde esse tempo todo ele é presidente da APM. Então não

há muita renovação enquanto diretoria da APM, até porque ele tem pouca receptividade pra

pessoas novas porque ele está tão habituado que a APM é dele, ao mesmo tempo que ele

diz que bom se outros engajassem, participassem, mas ele não sabe articular pros outros

participarem. Então enquanto gestão assim, não tem essa participação muito intensa.

(Pedagoga 2 – Vale).

A APMF desenvolve atividades para trazer recursos para a Escola e ela (seu

presidente) realiza a gestão desses recursos. Desse modo, para a que a verba da APMF seja

revertida para alguma finalidade desejada pela direção, pedagogos ou professores, estes

precisam submeter seu pedido ao presidente. A direção expressou certo descontentamento

face a esse encaminhamento por considerar que ele limita o alcance das necessidades da

escola e dos professores e porque, em outras escolas, o próprio diretor decide o emprego dos

recursos emanados da comunidade.

Na Escola da Gema a APMF existe, ao menos juridicamente; não observamos

circunstâncias em que a APMF ou seu presidente estivessem lá envolvidos, mas por certo tal

figura deve existir, já que a movimentação de recursos demanda assinaturas conjuntas do

diretor e do pai-presidente. Os professores se ressentem da ausência do trabalho da APMF e a

denunciam frequentemente, principalmente em situações de reunião pedagógica:

A APM é muito difícil porque, não sei porque, mas quando você precisa que os pais

participem e que eles coloquem lá o rostinho deles, a pessoa deles pra ir pra luta, pra pegar,

é difícil porque geralmente eles gostam de deixar pro outro fazer. Há uma dificuldade que

eu encontro, eu tive no meu primeiro ano de direção aqui, eu tive uma APM muito boa,

participativa, atuante, que se preocupava. Hoje eu não tenho uma APM, eu não posso dizer, inclusive, agora no dia 12 de março vence a APM e eu não tenho ainda, nessa reunião do

dia 5 de março, eu vou fazer uma reunião com os pais e vou pedir que se monte, e eu acho

difícil, eu vou ter que ir atrás, pedir “Por favor”, “Olha, faça parte”, pra nós termos uma

diretoria da APM. Então a participação dos pais, eles não querem essa participação. Eles

vêm, participam de reuniões, se a gente precisar de alguma coisa, eles são solidários com a

gente, mas a partir do momento que você pede pra eles um empenho que eles vão ter que

assumir, eles têm essa dificuldade. (Diretor – Gema).

Aí a gente marca reunião com os pais e dentre aqueles pais que estão ali vê quem se

propõem [a participar da APMF]. E daí torcer pra que dê certo. Porque veja, nessa última

APM, por exemplo, eu posso dizer assim, sem estar mentindo, praticamente está

desintegrada, porque daí o que que acontece também: os pais pegam, até assumem na hora ali, não sei, mas não tem aquele envolvimento com o trabalho da escola. Daí o que

acontece? Ele vai deixando e vai, a gente vai tendo que substituir, porque aquele pai acabou

desistindo da APM, coisa que não podia acontecer. [...]. (Pedagoga 1 – Gema).

A gente vê a comunidade presente ali na escola, quando há algumas reuniões que o diretor

chama, mas eu não consegui ainda assim perceber um envolvimento, não existe um

envolvimento de comunidade. Inclusive quando eu perguntei: “Como que é a nossa APMF

da escola? Tem pais aqui que estão participando?” A resposta foi que não, que é só no

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papel que tem a APMF, que não existe na escola. Uma APMF ativa, não existe. (Prof. 1 –

Gema).

O acompanhamento cotidiano das duas escolas nos permitiu perceber que entre o

conselho escolar e a associação de pais, mestres e funcionários, a visão de APMF é mais forte

e viva; por outro lado, ela não é de agremiação de representatividade dos segmentos

envolvidos, mas a de agência ligada à manutenção material da escola, reiterando a clássica

noção de participação como prestação de serviços ou levantamento de fundos:

Eu percebo que, quando o diretor distribui aquela... a contribuição da APM, os alunos não

recebem como que sendo a escola parte da comunidade e também de responsabilidade

deles. Então eu penso assim que a comunidade, de modo geral, quase nem percebe a escola. (Prof. 8 – Gema).

[A escola é uma] é uma referência, mas ela não participa na questão de ajudar a escola, ela

não ajuda, ela acha que a escola é auto-suficiente, que a escola não precisa da ajuda dela.

(Prof. 7 – Gema).

O diretor mostra aos pais o envelope da APMF, explica como funciona e diz: “Hoje está

fazendo 70 dias que a escola não recebe 1 real do Estado. Detergente, sabão em pó, giz... e

eu conversei com um pessoal e disseram que não há previsão. O mato na escola é porque a

máquina está queimada e estamos sem dinheiro pra consertar. A gente precisa de ajuda,

então se alguém tiver alguma idéia... (Fala do diretor durante reunião de pais). (D.C.

05/03/07).

É uma escola bem estruturada, perto de outras escolas estaduais, bem conservada, temos

uma APM assim atuante que está sempre cuidando da escola, então, somos bem vistos

também como escola estadual no município. (Pedagoga 1 – Vale).

Reuniões que são feitas com os pais de alunos pra montagem da APM mesmo, pra

trabalhar, vamos dizer, vim ajudar na escola, já foi feito clube de mães, não deu certo

porque existe aquela coisa, alguém tá coordenando, daí aquela pessoa quer mandar em mim

e eu sou melhor, então é complicado, essas situações assim deixam, traduzem-se assim

numa falta de trabalho na escola gritante. (Prof. 4 – Vale).

Então enquanto gestão assim, não tem essa participação muito intensa. Mas quando a gente

faz reuniões ou eventos, jantar do dia das mães que foi feito dois anos atrás, teve um evento

aí de festa do pastel ou mesmo festa junina, vem muitos pais, eles estão muito presentes na

escola. (Pedagoga 2 – Vale).

Tal visão da associação de pais exclusivamente por sua dimensão de angariadora de

fundos e prestadora de serviços representa uma naturalização da visão dos educadores em

relação à co-responsabilidade dos pais no financiamento do trabalho educacional, reafirmando

movimentos de descentralização e desresponsabilização do Estado com a educação; nesse

caso, a cultura política trazida pela 5692/71 e estimulada ao longo dos planos de governo foi

plenamente assumida e incorporada. Por outro lado, a própria afirmação dos educadores, de

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que os pais não participam da APMF, revela que o apelo do Estado não foi plenamente

incorporado por esses pais.

Se a participação proposta pelo Estado para a comunidade foi aceita e referendada pela

escola em relação à APM e às questões de financiamento e manutenção, o mesmo não ocorreu

em relação aos conselhos escolares, instância colegiada de foco pedagógico cujo

funcionamento demonstrou-se meramente formal e sem base avaliativa e, consequentemente,

deliberativa. Nas escolas, manteve-se a tradição de que o tratamento das questões do ensino-

aprendizagem se dê no âmbito docente e as questões do trabalho pedagógico no âmbito da

gestão, ainda que pressões externas tenham buscado alterar seu movimento.

Assim, mesmo que o estatuto do conselho escolar tenha previsto que toda a sua

comunidade devesse atuar de modo colegiado e democrático, numa plena descentralização do

poder e num movimento de gestão que leve a um trabalho emancipador, a relação dos pais

com a escola pode ser considerada bastante distanciada ou mesmo formal. Sua presença é

mais freqüente na secretaria quando estão em busca de matrículas, declarações ou boletins ou

nas dependências de entrada, quando vêm receber o “Leite das Crianças27

”. Eles podem ser

vistos também na sala das pedagogas, onde são atendidos por elas ou pelos diretores; nestes

casos eles comparecem por iniciativa própria a fim de realizar denúncias ou reclamações

(quando o filho é de algum modo agredido por colegas ou existem problemas com os

professores), trazer atestados médicos ou quando são chamados a fim de tratar sobre questões

relacionadas a seus filhos.

Na grande maioria dos casos, os pais são chamados à escola para tratar sobre

freqüência (se o aluno é faltoso ou gazeia aulas) ou comportamento (se o aluno envolveu-se

em brigas ou apresenta indisciplina [bagunça, conversa] durante as aulas) e, nesses casos,

costumam comparecer, em ambas as escolas:

Quando você precisa de conversar com algum pai, você liga, imediatamente eles estão te

atendendo, estão te ouvindo. [...]. (Pedagoga 1 – Vale).

O filho ficou doente, eles mandam atestado; quando o filho sara, o filho vem trazer, um ou

outro pai vem trazer o atestado, vem justificar uma viagem, mas é caso assim, esporádico,

27 Leite das Crianças é um programa do Estado do Paraná no qual são distribuídos pacotes de leite a pessoas da

comunidade que possuem crianças pequenas. Embora esse programa social não tenha nenhuma vinculação direta

com a escola, não apenas pelo seu teor mas também porque todas as famílias da comunidade são atendidas,

independente de terem ou não filhos na escola, é na instituição que se processa todo o processo de cadastramento de famílias, recebimento, armazenamento e distribuição do leite. Tal como se tem observado nos últimos anos,

mais uma vez o Estado explora a estrutura material e humana existente para o desenvolvimento de ações que não

tem vinculação educativa, o que, por certo, sobrecarrega a escola e contribui para o desenvolvimento de outro

imaginário sobre ela por parte dos pais.

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um ou outro pai. Os pais vindo na escola sem a escola chamar como é o caso do boletim,

não vêm. (Pedagoga 2 – Vale).

Se eu convidar um pai, não vou dizer convocar, mas se eu convidar um pai pra estar aqui na

escola amanhã, pra resolver um problema do filho dele, ele vai estar aqui na escola, ele vai

deixar o trabalho dele, muitas vezes, o pai ou a mãe, ele vai achar um horário e vai vir aqui

na escola. [...] (Diretor – Gema).

Um ou outro vem assim, de vez em quando, pra mesmo saber, por conta, vamos dizer, se o

filho está indo bem, se não está com algum problema, essas coisas. Quando chamados sim,

daí quando nós convocamos, porque daí nós insistimos. Se não vem na primeira, mas uma hora tem que aparecer, mas assim por conta própria pra saber como é que está lá,

pouquíssimos. (Pedagoga 1 – Gema).

Nesses casos, a participação vivenciada pelos pais (atendendo a escola quando são

chamados) não tem contribuído para que superem os significados até então presentes em

termos de relação família-escola, tornando-os “protagonista[s] de sua história, desenvolvendo

uma consciência crítica desalienadora, agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação

coletiva, e gerando novos valores e uma cultura política nova” (GOHN, 2005, p. 30). De fato,

tal modo de participação exerce mais o papel de acalentar os humores escolares pela

demonstração de que se está ali, à sua disposição. Essa condição, de participação

“instrumental”, também se repete quando há realização de reuniões. Na Escola do Vale elas

são mais regulares, ocorrendo em todos os bimestres; na Escola da Gema elas acontecem em

geral uma ou duas vezes ao ano, à noite.

A Escola do Vale conta com uma estrutura adequada para o trabalho com grandes

grupos e reuniões, pois dispõe de um salão amplo com cadeiras; especialmente as reuniões

feitas à noite, congregando pais de diferentes séries, são realizadas ali. Ainda assim, quando a

pauta da reunião é entrega de notas, a escola já realizou reuniões diretamente nas salas de

aula, colocando pais e filhos juntos, em contato com os professores.

Acompanhamos uma reunião de pais em 2007; não era uma reunião destinada a toda

a comunidade escolar, mas apenas a 60 pais cujos filhos estariam sendo encaminhados para as

classes de apoio ou recursos. A reunião foi marcada para às 15h30min e iniciou com cerca de

20 minutos de atraso. Os pais que chegavam se acomodavam no salão, sentando-se nas

cadeiras organizadas em linhas; eles aguardaram sozinhos até que as pedagogas viessem.

Quando chegaram, as pedagogas se posicionaram à frente, sentando-se junto à mesa de

professor lá existente; nenhum professor foi trazido para também participar da reunião. Elas

cumprimentaram os pais dando boa tarde e, em seguida, fizeram uma chamada para verificar

quais os pais presentes, chamando-os pelo nome dos respectivos filhos. Dos 60 pais

esperados, apenas 20 se fizeram presentes. Todo esse ritual inicial cumpre, por certo, a

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finalidade de tornar clara para os pais a liderança da escola frente à situação, contribuindo

para sua desmobilização.

As pedagogas comunicaram os pais de que haveria um momento introdutório, no

qual uma aluna declamaria uma poesia:

A pedagoga informa que foi preparada pela professora de Português “para abrilhantar a

reunião”, embora a menina não seja filha de nenhum dos pais que estão ali. A aluna

declama a poesia “Pai Ausente”, a qual relata uma filha cujo pai nunca vai à escola, às suas

festas escolares, suas apresentações, seu primeiro baile. Ela termina a poesia dizendo: “Na

sua escala de valores, em que lugar eu estou?” Os pais aplaudem; alguns se emocionam. (D.

C., Vale, 28/03/07).

A estratégia escolhida não contribui para o acolhimento das famílias, mas, ao

contrário, para seu afastamento, já que impele os pais a sentimento de culpabilização; do

mesmo modo, não coloca em relevo para os pais as possibilidades de desempenho de suas

próprias crianças numa reunião que trataria de dificuldades de aprendizagem, já que a aluna

escolhida não estava entre aqueles cuja situação seria abordada na reunião.Por outro lado, não

consideramos que a situação em questão tenha sido proposital, pois, na verdade, ela reflete o

costume presente nas escolas de premiar e destacar aqueles que considera “os melhores”, para

o que se utiliza de padrões fixos e próprios.

Imediatamente ao término da declamação, a pedagoga assume a palavra; ela se

levanta e aborda o assunto de modo direto e objetivo, fornecendo aos pais uma explicação

sobre o que é a classe de apoio. Explica as questões operacionais: quando o governo

implantou o programa, quem são os professores que trabalham, que tipo de atividades são

desenvolvidas nessa classe, a participação transitória dos alunos (não deve ser um

escalamento para todo o ano, supondo que ele seja dispensado assim que sua dificuldade seja

superada) e a existência de alunos que precisariam estar nas duas áreas de apoio, Português e

Matemática, embora isso não seja permitido.

“Eles fazem atividades parecidas com as da sala de aula”. [...] “Também diz que é possível

que o aluno seja dispensado mas volte a ser chamado, se apresentar dificuldades em novos

objetivos”. (D. C., Vale, 28/03/07).

Se até esse momento ela abordava a questão pelo lado mais geral ou funcional, passa,

em seguida, a referir-se de modo específico ao interesse primeiro dos pais ali presentes; é

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quando estabelece uma caracterização dos alunos que foram selecionados para as referidas

classes:

“São dispersos, não muito assíduos na sala de aula, às vezes gazeiam aula à tarde (saem de

casa para vir para aula e ficam na rua brincando ou ficam dentro da escola, mas fora da sala

de aula). O pai tem que, de vez em quando, olhar o caderno e acompanhar”. (D. C., Vale, 28/03/07).

Em seguida, a pedagoga passou a explicar sobre a sala de recursos, diferenciando-a

da sala de apoio:

“O apoio é para quem tem dificuldade nas matérias, a sala de recursos é quando o aluno

tem mais dificuldade do que o acompanhamento de conteúdos”. Explica que na sala de

recursos a professora vai organizar os grupos por quem tem afinidade de dificuldade:

“Dificuldade de concentração, dificuldade de outra coisa”. Diz, também, que a professora

fará uma entrevista individual com cada pai e que a sala de recursos não é limitada para

alunos de 5ª série, como na sala de apoio. “O colégio não pode privilegiar dois ou três

alunos com todas as dificuldades, mas tem aluno que precisa” (dizendo que alguns teriam

que ir em todas as classes). Ela demonstra um pouco de dificuldade para falar da sala de

recursos e diz: “A professora da sala de recursos teve um imprevisto e não pôde vir; a gente

marcou junto com ela.”. (D. C., Vale, 28/03/07).

Em sua explanação aos pais, a pedagoga utilizou-se de um vocabulário ora

especializado (de domínio técnico dos profissionais da educação), ora pouco explicitante para

os pais, como:

[...] - inserir as crianças no atendimento

- só pode vir com o pai se responsabilizando

- sala de recursos; - sala de apoio

- matemática é mais “urgente”

- vencer as dificuldades

- atendimento que exige “mais da família”

- acompanhamento

- “eles vão ter a freqüência e livro de chamada”

- dispensa na sala de apoio; alta na sala de recursos. [...]. (D. C., Vale, 28/03/07).

Quando terminou de proceder às explicações, a pedagoga encerrou dizendo:

“A gente está aberto para perguntas. Depois a gente vai assinar a ata”. (D. C., Vale,

28/03/07).

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O modo de colocar a questão e o vocabulário escolhido podem ser considerados

movimentos micropolíticos das pedagogas diante dos pais. Visando a proteger-se da pergunta

que poderia mostrar-se “fatal” – “O que vocês têm feito para que meu filho aprenda?” – a

escola estabelece uma comunicação “refratária”, desestimulando questionamentos que

colocariam os pais numa posição mais emancipatória.

Prova de nossa hipótese é que durante todo o tempo em que as pedagogas falavam,

os pais permaneceram sérios e calados; não se manifestaram, nem mesmo diante de possíveis

incompreensões acerca das questões ali tratadas. Ainda que não tenha sido apresentado a eles

nenhum diagnóstico ou relatório com dados (se não precisos, ao menos dados) sobre a

situação de aprendizagem de cada criança e não tenha sido abordado o trabalho nas classes

regulares a ser estabelecido com elas, nenhum pai questionou a necessidade ou não de que seu

filho participasse dos trabalhos de apoio e recursos, permitindo perceber que a condução

técnica e distanciada estabelecida pela escola surtiu efeito desmobilizador. Ainda assim, no

momento em que a pedagoga encerrou e abriu para perguntas, alguns pais se manifestaram,

mas suas falas não foram de diálogo: foram muito mais de preocupação em termos de sua

adequação frente à proposta recebida:

[...] Um pai pergunta sobre o horário, pois está cruzando com o da catequese. A pedagoga

sugere que ele tente mudar o horário da catequese e explica que o horário da escola não

pode ter alteração e que o aluno não pode ficar na classe e freqüentar apenas um dia (e não

os dois previstos), pois seria desperdiçar vaga.

Outro pai relata que também tem problema: “Eu trabalho, minha esposa trabalha, ele fica

sozinho em casa”. Conta que no período da tarde eles pagam uma van para trazer o aluno

até a escola. A pedagoga responde: “Vocês vão ter que assumir a responsabilidade porque o

que a escola tem para oferecer é isso; cabe a vocês achar um jeito de que alguém o ajude

em casa, então”. Então ela novamente pergunta: “Mais alguma coisa?” e chama os pais para assinar a ata

conforme o escalonamento dos filhos, dizendo que desse modo já verão em que classe/dia

seu filho está.

Um pai pergunta sobre o comportamento do filho: “Tá mais calmo? Pelo menos eu tenho

pegado ele todo dia em casa” e recebe uma resposta evasiva.

Os pais vão se levantando à medida que o nome do filho é chamado, assinam a ata e vão

embora. Uma mãe diz: “Eu não sei assinar” e daí se retira. (D. C., Vale, 28/03/07).

O diálogo (aqui no sentido estrito do termo) travado entre alguns pais e a escola

denota o pouco interesse da escola em estabelecer parcerias; as respostas são objetivas e não

revelam interesse pelas eventuais dificuldades das famílias. A escola se mostra inflexível e

aponta a classe de apoio como a única alternativa, sugerindo subliminarmente (ou mesmo

explicitamente) que o problema está nos alunos e que, sendo assim, a prática pedagógica

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corrente está acima de discussão. Nesse contexto, podemos considerar instituintes os pais que

se manifestaram, ainda que de modo simples; o silêncio da maioria comprova nossa tese.

Após a reunião, as pedagogas demonstraram preocupação pelos pais ausentes,

fazendo breve comentário sobre a dificuldade do próprio horário. Comentaram que

continuariam chamando-os, agora individualmente, pois os alunos cujos pais não comparecem

à escola não poderão freqüentar a classe de apoio.

Na Escola da Gema, tivemos a oportunidade de assistir a uma reunião de pais

destinada a formalizar as relações família-escola no ano letivo que se iniciava; ela aconteceu

no período da noite, envolvendo pais de todas as séries.

Como a escola não tem um salão próprio para essa finalidade, utilizou-se o saguão

coberto e as cadeiras das salas de aula. Diretor, vice-diretora e pedagogas posicionaram-se à

frente dos pais, que se sentaram em filas, lado-a-lado. Os professores não se fizeram presentes

por não estarem na Escola, ou por estarem em sala de aula.

À medida que os pais chegavam, solicitava-se a eles que assinassem a presença,

momento em que lhes era entregue uma folha com normas da escola. Enquanto aguardavam,

os pais liam em silêncio esse documento.

O diretor iniciou a reunião agradecendo a participação e afirmando que a presença

dos pais ali correspondia à preocupação deles com os filhos. Em seguida, apresentou as

pedagogas e informou seus horários de trabalho. Fez menção à folha entregue aos pais,

dizendo que as normas demonstram o que a escola pretende em relação aos alunos. O diretor

diz aos pais:

“Vir pra escola pra aprender, saber ler, escrever, falar, dominar o conhecimento, saber ler

numa igreja ou num templo. A escola precisa que os pais ajudem, porque toda criança tem

potencial para aprender, para ser os melhores alunos em qualquer escola. É por isso que eu

brigo, que eu grito, a gente se excede às vezes, eu tenho consciência, e é pra isso que a

gente precisa da participação dos pais, estejam junto com a gente, cobrando, olhando,

venham nos questionar, entrem na escola, aqui não tem tranca em nenhum portão, a escola

não é presídio”. (D.C., Gema, 05/03/07).

Embora mais acolhedora, a fala inicial cumpre o mesmo papel que o momento inicial

na Escola do Vale: a de estabelecer que aquele seja um território da escola, sendo dos gestores

o domínio sobre a condução a ser dada à participação. O diretor falou sobre a necessidade de

montar nova chapa para a AMPF e da necessidade de que os alunos cuidem do patrimônio da

escola, exemplificando com a preservação das paredes e das carteiras, que foram lixadas e

pintadas, respectivamente.

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Em seguida, chamou um policial da Patrulha Escolar para falar aos pais; a linguagem

do policial foi bastante específica, ligada à sua área de trabalho. Usou termos como “ato

infraciona” e “responsável pelos menores” para informar, principalmente, que alunos até 12

anos são encaminhados para o Conselho Tutelar e de 12 em diante para a Delegacia do

Menor. O policial defendeu a revista dos alunos:

“A revista é um trunfo que o diretor tem nas mãos, um efeito-prático-surpresa.” (D.C.,

Gema, 05/03/07).

Diretor e policial perguntaram se os pais concordavam ou não com a revista, pois ela

só poderia ser feita com permissão deles, em assembléia; o grupo se manteve em silêncio. A

condução da reunião revela, novamente, a não-neutralidade da escola frente à questão que

colocou em pauta diante da abertura de um espaço que é educativo (reunião entre pais e

educadores) para uma instância alheia a tal natureza (a polícia) e o silenciamento ou

desconsideração propositais por parte da escola sobre o modo pouco pedagógico como tal

instância atua junto aos alunos.

O diretor novamente agradeceu a presença dos pais, parabenizando-os por dedicarem

tempo aos seus filhos, o maior bem das famílias. Em seguida, passou a palavra para a

pedagoga, que iniciou a fala com afirmações positivas sobre os alunos; dizendo que eles

começaram o ano bem e que a escola pretende que essa condição continue:

“Se comportam muito bem, respeitam as pessoas e isso é muito bom, reflexo de que a

família está próxima. O comportamento e o estudo devem ser favoráveis para o

desenvolvimento”.[...]. (D.C., Gema, 05/03/07).

A noção de bom-comportamento subjacente restringe-se a de aceitação das normas

previstas pela escola, sendo desconsiderada a questão do aproveitamento escolar. A fala

assume um enfoque totalmente pedagógico, centrado no aluno e nas famílias: reforça a

necessidade de estudo, principalmente dos alunos de 8ª série e o papel dos pais no

acompanhamento das tarefas e atividades escolares. Nesse momento, assim como ocorreu na

Escola do Vale, a pedagoga utiliza-se de vocabulário técnico ou apresenta informações que

talvez não sejam de conhecimento dos pais, como “sociedade da informação, projetos,

avaliação de conhecimentos”.

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A segunda pedagoga também faz uso da palavra; fala sucintamente sobre a classe de

apoio e relata que dos 20 pais convocados, apenas 13 se fizeram presentes até o momento.

Também informa aos pais que a participação dos alunos na classe será temporária, com uma

escalação “dinâmica”, mas não aborda de modo objetivo e explicativo a questão da

dificuldade de aprendizagem dos alunos.

Em seguida, realiza uma leitura comentada do informativo que os pais receberam em

sua chegada. O documento é bastante objetivo, apontando em tópicos o que é e o que não é

permitido ao aluno, as atribuições de pais ou responsáveis, a organização da recuperação

paralela e os hábitos de estudo necessários para um bom desempenho. Os comentários são

procedidos pela pedagoga, que relata fatos ou problemas ocorridos para reforçar sua

explanação; tais fatos, porém, dizem sempre respeito ao comportamento dos alunos.

Os gestores cedem a palavra aos pais e, nesse momento, eles se posicionam

questionando a escola em relação a aspectos como dificuldade de aprendizagem, recuperação,

aprovação escolar e carga-horária:

O diretor abre espaço para a participação dos pais e diz: “Têm algum comentário? Alguma

pergunta?” Uma mãe pede a palavra e questiona se as crianças que tiveram dificuldade de

aprendizagem na 4ª série terão uma atenção melhor. O Diretor explica que sim, através do

contra-turno, mas justifica que só conseguirá atender 20 alunos por turno, por falta de espaço e pela demanda disponível para a Escola. Outra mãe pergunta como a escola avaliou

os alunos para o reforço e o Diretor explica os procedimentos básicos e justifica dizendo

que a “escalação é dinâmica” (os alunos serão trocados durante o ano).

Outra mãe pergunta: “Hoje não é mais exigido escrever no caderno de caligrafia? Meu filho

tem 11 anos e a letra dele é feia. Lá na 4ª série não é cobrado e aqui também não”. A Vice-

Diretora responde dizendo que o professor não tem tempo para esse trabalho e orienta que a

mãe passe a caligrafia em casa. A mãe, então responde: “É dificultoso; eles dizem que você

não é professora”. A Vice-Diretora fala que o problema é da 1ª a 4ª série, do modo como a

criança foi alfabetizada: “Isso deveria ser cobrado lá. Eu acredito que o aluno que chega

aqui na 5ªsérie já tem que ter domínio da leitura, domínio das operações”. Uma terceira mãe

questiona sobre a aprovação dos alunos na 4ª série sem condições; ela diz: “Mande ler um texto pra ver; tinha que ter um projeto de leitura, me chame que eu venho trabalhar

voluntariamente”.

Um pai pergunta se haverá aula no sábado. O Diretor responde que não, a não ser que

aconteça que algum professor falte demais: “Os filhos de vocês estão tendo aula, estão

tendo conteúdo, porque nesse ponto eu sou chato até demais”. (D.C. 05/03/07)

A participação dos pais na reunião revela que, independentemente do seu nível

cultural, eles têm condições de elaborar uma avaliação sobre a aprendizagem dos filhos;

experiências escolares vivenciadas ou tidas como significativas servem de referência, como

no caso da caligrafia. A escola, por sua vez, não atua de modo a desconstruir significados não

relevantes ou a dar vazão às preocupações reais e necessárias dos pais: mesmo estando frente

a frente com os pais, as queixas e dificuldades elaboradas pela escola (como no caso do

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projeto pedagógico) não são tematizadas; ao contrário, a escola localiza outro foco para

depositar a responsabilização que, no caso em questão, é a escola de séries iniciais. Reafirma-

se, desse modo, a tese de que a escola trabalha com a idéia de uma participação instrumental,

na qual os pais participam para servi-la ou na medida em que essa participação seja do

interesse dela; silenciamentos ou desresponsabilização, por sua vez, revelam-se como

mecanismos micropolíticos.

Quando as questões se encerraram, os pais começaram a se retirar vagarosamente;

alguns que chegaram atrasados foram até a frente assinar a presença e outros procuraram o

diretor ou as pedagogas para falar individualmente sobre seus filhos. Diretor e pedagogas

consideraram, por fim, que o número de presenças foi satisfatório.

A condução de ambas as reuniões reforça nossa tese de que há nas escolas uma

crença em especial, de que os pais não têm condições de opinar ou deliberar sobre a

escolarização dos filhos, ou até mesmo de que não se interessam por tal participação. Isso se

revelou pelo modo como as pautas foram previamente estruturadas, pela direção da

comunicação estabelecida (da escola para a família), pelo estabelecimento de um discurso

técnico, distanciado da experiência que os pais vivenciam e podem compreender e pela

limitação da pauta aos aspectos que se referiam aos alunos, excluindo aqueles que

tematizariam o trabalho docente e escolar.

Entretanto, a tese anteriormente apontada se enfraquece ao verificarmos que alguns

pais , a despeito do modo como a reunião foi conduzida, foram capazes de tomar a palavra,

revelando seus próprios saberes e preocupações , na tentativa de expor suas opiniões no

sentido de contra-argumentar.

Ainda que a proporção de pais presentes nas reuniões tenha sido relativamente

pequena e menor ainda o numero dos que se manifestaram, é importante destacar esse fato no

contexto de uma reunião que mais inibia do que propiciava a participação, evidenciando-se aí

uma tentativa de rompimento com a estrutura instituída. Por outro lado, ficou bastante claro

que ao responder aos questionamentos feitos pelos “ousados pais”, os gestores tentavam

persuadi-los antes que a escola estava assumindo a sua responsabilidade, fazendo todo o

possível e necessário,e assim fazendo transferiam a responsabilidade pelos insucessos dos

alunos à própria família.

Revelam-se, assim, contraditórias as expectativas que emanam da escola ao queixar-

se do desinteresse dos pais pelo acompanhamento dos filhos, ao mesmo tempo em que inibe a

sua participação no sentido de colaborar para a aprendizagem dos alunos. A questão assume

maior importância quando se nota que reclamações relativas às faltas constantes dos

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professores ou à ausência de registro da matéria lecionada são rejeitadas ou simplesmente

ignoradas, sob a alegação de que tais assuntos são da competência exclusiva dos professores e

da escola. Nas entrevistas, professores e gestores – ao mesmo tempo em que denotavam a

dificuldade da participação dos pais – reconheciam que, de algum modo, essa participação

existe, embora nem sempre seja bem vinda, conforme se verifica nas manifestações a seguir:

Então se faz muitas críticas, fazem-se muitas críticas, a gente já escutou aqui: “Ah, essa

escola é uma porcaria porque não sei o que”, mas ninguém faz, quando é convidado a participar, não participam. [...] quando o aluno reprova e daí chega a família e quer saber

porquê. (Prof. 4 – Vale).

Todos os pais que eu recebo a gente acaba tendo uma conclusão do objetivo, satisfatória,

aquele que foi posto, aquele que a gente imaginava que deveria acontecer daquela maneira,

às vezes o pai vem aqui tão nervoso e acaba colocando. Principalmente agora, troca de

turma, “eu quero que meu filho troque de turma”, não mas as turmas foram montadas de

acordo com o melhor aproveitamento para o filho da pessoa. Por exemplo, quando você

expõe e explica porque que o filho dele está naquela turma, que ali ele vai ser mais

valorizado, o aproveitamento dele vai ser melhor, as coisas se tornam, então você acaba

tendo uma satisfação e o pai também sai satisfeito. (Vice-Diretor – Vale).

E quando acontece alguma coisa, assim digamos, que se polemize dentro da escola ou para

bem ou para mal, sabe, é bem intensa assim a manifestação dos pais: vêm à escola,

telefonam, perguntam, o que dá a clara percepção em você de que eles estavam atentos, não

se manifestaram porque a circunstância era tranqüila e tal; surgiu uma necessidade, eles

vêm. (Pedagoga 2 – Vale).

Os pais, quando eles chegam aqui e querem conversar com o professor, o professor vem e

conversa com o pai. Mas, às vezes, os pais têm razão em algumas questões, mas o professor

ele não aceita muito que o pai chegue e diga: “Olha meu filho não tá aprendendo porque tua

aula, a forma de você trabalhar não é adequada”. Ele não aceita de jeito nenhum. E eu vejo assim, que as vezes, as reuniões de entrega de boletins, que a gente convida todos os

professores a participarem, que daí existem as fichas de ocorrência que os pais vão poder

ver, e daí a gente justamente convida os professores pra que eles estejam ali pra quando o

pai tiver uma dúvida sobre o porquê daquela ocorrência, as vezes, o professor não vem

porque tem medo de enfrentar os pais. Ainda existe, sabe. Ele tem medo de enfrentar.

Talvez não é tanto medo, talvez ele acha que não tem que dar satisfação do que ele faz na

sala de aula pros pais, eu vejo mais por aí. (Diretor – Vale).

Não participa, não, de forma nenhuma. Eles participam sim, se for pra descer a lenha na

escola, pra chamar que a escola não tá fazendo isso, pra avisar que o diretor não veio hoje,

pra fazer isso e aquilo, pra cobrar, mas na hora de eles serem cobrados, na hora de eles

fazerem os deveres deles, eles não fazem. (Prof. 4 – Gema).

Houve um episódio, uma denúncia no Núcleo, de que tinha algumas mães que não estavam

satisfeitas com a escola. Única coisa assim que surgiu na escola, que faltava, que os

professores chegavam atrasados, que a equipe pedagógica não fazia nada, houve uma

denúncia. E aí houve uma reação da direção e da equipe pedagógica contradizendo tudo

isso que foi falado e se defendendo perante o Núcleo Educacional. Havia coisas assim

infundadas que estavam ali, o diretor nos apresentou o que que realmente foi a queixa, mas

havia coisas realmente que eram verdade; depois foi mandada uma carta de defesa e tudo

que foi colocado, que as mães colocaram, foi rebatido, dito que realmente não era daquele

jeito. Então, por esse episódio, eu acredito que algumas pessoas da comunidade estão

realmente preocupadas com a escola. (Prof. 2 – Gema).

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[...] na parte da manhã teve uma discussão bem séria com relação assim que diz que estão

reclamando muito de alguns professores e pais de alunos, assim reclamando de notas, que

as notas estão baixas e tal e tal e tal [...]. (Prof. 3 – Gema).

[...] Então na verdade, vamos dizer que falta solidariedade dos pais em relação à escola

nesse sentido, ao passo que se você tiver algum probleminha qualquer com o filho, como

são bons... de repente aparece, tem pais que você nunca viu na vida, que não aparecem nem

pra assinar o boletim do filho, pra pegar o boletim do filho, mas se tiver algum probleminha

assim que ele acha, daí ele vem pra reclamar. (Pedagoga 1 – Gema).

A contradição existente na prática escolar e no discurso dos sujeitos, de que ora a

comunidade não participa, ora se constata claramente que, de algum modo, ela participa, torna

clara a natureza de participação esperada por gestores e docentes: uma participação tutelada,

restrita aos momentos e pautas colocados pela escola e visando mais à execução daquilo que a

escola decidiu do que propriamente a decisão partilhada das questões. Embora as opiniões não

sejam unânimes quanto a essa participação (alguns acreditam que os pais participam e outros,

que não), é possível constatar com clareza tal concepção de “participação instrumental”:

Bom, quando você fala em comunidade participa é relativo, porque o que é participar?

Uma reunião, normalmente os pais precisam estar participando, então duas reuniões, quatro que eu presenciei eles estavam e participam mesmo, estão preocupados em relação

à segurança, até essa última que eu participei com a parte de cigarro, que o diretor

comentou, que será revistado, que a patrulha estará ai revistando, os pais apoiaram,

precisava da posição dos pais, se os pais concordavam ou não. Então os pais estão

preocupados com esse tipo de coisa. Agora participar de uma festa... [...]. No mais, a

gente sempre tá vendo pais aí, sempre sendo chamados, porque [...] qual é a participação do

pai? Reunião, reunião e quando é problema com o filho. (Professor 4 – Vale, grifo nosso).

Tem pais que a gente sabe que eles vão lá e eles acreditam na escola e eles tão ajudando

sempre que podem, tão participando de reunião, de festa, de tudo que tiver,

participam da educação dos filhos e tal, mas tem uma parcela assim, principalmente daqueles alunos que mais precisam, que os pais não participam. E daí se eles já não

participam da vida do filho, que dirá participar da escola também, então geralmente eles

vão lá só pra reclamar, quando são chamados, tudo a culpa é da escola... . (Professor 1 –

Vale).

[A comunidade] participa, mas pouco, poderia participar mais. Eu acho que pela própria

falta de tempo, a gente tinha clube de mães, por exemplo, aqui dentro da escola, então faz

parte, é um trabalho comunitário, as mães vinham, faziam o trabalho pra ajudar, às vezes,

até eles próprios e isso acabou [...]. (Professor 2- Vale).

Se eu convidar um pai, não vou dizer convocar, mas se eu convidar um pai pra estar aqui

na escola amanhã, pra resolver um problema do filho dele, ele vai estar aqui na escola, ele vai deixar o trabalho dele, muitas vezes, o pai ou a mãe, ele vai achar um horário e vai

vir aqui na escola. [...] (Diretor – Gema).

A escola, quando a gente marca reunião, a gente convida os pais, eles participam, eles

têm interesse também [...]. (Diretor – Gema).

Um ou outro vem assim, de vez em quando, pra mesmo saber, por conta, vamos dizer, se o

filho ta indo bem, se não tá com algum problema, essas coisas. Quando chamados sim, daí

quando nós convocamos, porque daí nós insistimos. Se não vem na primeira, mas uma hora

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tem que aparecer, mas assim por conta própria pra saber como é que tá lá,

pouquíssimos. (Pedagoga 1 – Gema, grifo nosso).

Tanto nas entrevistas como em outros momentos coletivos dos quais participamos –

recreios, hora-atividade, reuniões informais das equipes de gestão e pedagógica, reuniões

pedagógicas e conselhos de classe – constatamos que não existe qualquer preocupação da

parte dos educadores em conhecer mais de perto os valores, expectativas e necessidades das

famílias em relação à realidade escolar e muito menos em utilizar-se dessas informações para

se fazer uma reflexão sobre o trabalho pedagógico e encaminhar uma proposta de ação

condizente com essa realidade. Guiadas por uma expectativa de participação tutelada e

executiva, restrita a operacionalizar aquilo que a escola prevê e quando ela solicita, as escolas

concluem que não há grande e efetiva participação, pois, dentro dessa linha de pensamento, a

participação verdadeiramente desejada é a presença na escola dos pais cujos filhos não

apresentam bom rendimento escolar:

A dificuldade escola-pai é difícil porque normalmente os pais que vêm são sempre os

mesmos [...] aqueles que têm os alunos que se destacam. [...] o aluno precisa ser visto de

uma outra maneira, é difícil porque o pai não vem, o pai não vem, o pai vem no final do

ano. (Vice-Diretor – Vale).

[...] eu vejo assim, acho que os pais acabam deixando os filhos um pouco largados, porque

trabalham de manhã, de tarde, de noite, às vezes, e não sobra esse tempo, creio que poderia

participar mais. E falta de comprometimento também, nós estamos assim, eu penso que a

gente está numa sociedade onde os pais querem assim, sossego e acabam um pouco largando os filhos. (Professor 2 – Vale).

O que a gente gostaria é daquele pai que chega em casa: “Filho, você já fez tua tarefa? Ah,

você não fez? Mas você não fez por quê?” “Ah, eu esqueci”. “Bom então filho, você a

partir de agora você não pode esquecer porque a tarefa é sua responsabilidade. Se você não

fez porque não sabia, vamos ver se o pai sabe te ajudar, se a mãe sabe te ajudar, se o irmão

sabe te ajudar”. [...]. Este é o apoio que a gente busca dos pais e que nós não temos. (Prof. 6

– Gema).

Faz falta aquela coisa assim de nem que o pai chegue e só pergunte [...]: “Não tem mesmo

tarefa hoje? Você fez todas as atividades?” Aquelas coisas que a gente pergunta pro filho da gente. “Meu filho, hoje você teve tal aula? Você teve aula? O professor estava lá? Você não

teve dificuldade?” Pra que eles possam cobrar da gente e a gente possa cobrar deles. [...].

(Pedagoga 1 – Gema).

As falas tornam clara a presença, na cultura escolar, de um modelo idealizado de

família, distante da realidade que a própria escola anteriormente configurou em seu projeto

pedagógico. Certamente o acompanhamento e valorização das atividades escolares dos alunos

por seus pais é um elemento positivo e diferencial em termos de rendimento, mas esse não

pode ser considerado pela escola como um pressuposto; ao contrário, seria interessante que a

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escola trabalhasse com essa ausência como um fator desafiador, gerador de tematização e

iniciativas pedagógicas capazes de estabelecerem “políticas culturais” (GOHN, 2005).

Assim, vemos que os sentidos consolidados nas escolas – de que as famílias não têm

interesse em participar da educação dos filhos e nem condições sócio-econômicas e culturais

para a referida participação – configuram-se como ideologias numa dimensão ampliada, em

dominância, no sentido cunhado por Williams (1979) com base em Gramsci. Quando nega o

sentido marxista de hegemonia como uma forma de poder de natureza superestrutural, dado e

definitivo, Williams (1979, p. 113) revela seu caráter prático, de experiência vivida e sentida:

A hegemonia é então não apenas o nível articulado superior de “ideologia”,

nem são as suas formas de controle apenas as vistas habitualmente como

“manipulação” ou “doutrinação”. É todo um conjunto de práticas e expectativas, sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de

energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo. É um sistema

vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor – que, ao serem

experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. Constitui assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na

sociedade, um senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da

qual é muito difícil para a maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas de sua vida. Em outras palavras, é no sentido mais

forte uma “cultura” [...].

Ao se apresentar em dominância28

, o hegemônico atua por meio de uma concretude

que de certo modo lhe ratifica, já que no caso em questão as situações de falta de interesse e

de condições e a não participação são, de fato, experienciadas pelos envolvidos como uma

consciência prática. Nessa conjuntura, a cultura e a ideologia da não-participação existentes

(ainda que por vezes inconscientemente existentes) refletem-se por meio de mecanismos,

condutas e modos de organizar e atuar que efetivamente inibem, dificultam ou impedem essa

participação. Pais que não comparecem na escola quando sua presença é necessária e escolas

que marcam reuniões de pais em horários inviáveis para aqueles que trabalham, podem ser

exemplos desse fenômeno.

Se a não-participação é uma crença e os rituais e procedimentos organizacionais

referendam essa tradição, pode-se considerar que a ausência, no interior das escolas, de

diálogo efetivo com os pais, por meio da organização de diferentes modalidades de encontro

para ouvi-los, mais do que para falar a eles; da valorização de suas preocupações primeiras,

mesmo que não sejam as preocupações mais relevantes como, por exemplo, se há vagas ou

28 Williams (1979) aponta como necessária a substituição das idéias de hegemonia e domínio pelas de

hegemônico e em dominância, a fim de que se possa compreendê-las em processo e de modo dinâmico.

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professores; da estruturação de ações capazes de levar a escola em direção a comunidade,

mais do que posicioná-la à espera da vinda da comunidade em sua direção, são reveladores de

que tal tradição se mantém em atividade, renovando esforços para manter-se.

Entretanto, como assinala Williams, a vantagem de tal modo de configurar a

hegemonia (e a tradição) é que, ao mesmo tempo em que ela é vivida na prática, também na

prática pode estar seu elemento de superação: “A realidade de qualquer hegemonia, no

sentido político e cultural ampliado é de que, embora por definição seja sempre dominante,

jamais será total ou exclusiva” (WILLIAMS, 1979, p. 116).

Assim, o surgimento de uma hegemonia alternativa ou o rompimento de tal tradição

pressuporia que, mais do que reconhecer elementos sócio-econômicos e culturais como

intervenientes, a escola deveria articular momentos para que tais tensões e constrangimentos

entre as idéias oficial e real de participação pudessem efetivamente emergir para além da

dimensão ideológica. Para tanto, o diálogo dos sujeitos consigo mesmos e com seus pares

talvez permitisse revelar outras interpretações e práticas e, a partir daí, produzir também outra

consciência, ampliada, para além das racionalizações existentes.

Por certo, esse movimento poderia ser gerado de fora da escola (pela comunidade por

ela atendida) ou de dentro da escola (pela comunidade profissional educadora). Considerando

a especificidade da pesquisa, entendemos ser relevante, neste momento, observar como a

comunidade profissional da escola – gestores e docentes, os educadores – organiza-se e atua

de modo a permitir que as experiências, saberes e sentimentos aflorem e se tornem tema de

debate e reflexão, seja por meio do diálogo cotidiano, vivido sincera e naturalmente, seja por

meio de momentos mais articulados, como os de formação continuada reflexiva. Por meio de

tais processos, as dificuldades da tradição experienciada em termos de envolvimento família-

escola talvez pudessem ser vistas “como desafios a serem enfrentados e não [como] desculpas

para a inação” (APPLE e BEANE, 1997, p. 154).

6.2 A GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES

E GESTORES

Quando a questão é a participação dos segmentos profissionais da comunidade

escolar, em especial os educadores (professores e gestores), encontra-se legitimidade para sua

participação nos processos decisórios do trabalho pedagógico através das instâncias

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colegiadas (conselho escolar, APMF e conselho de classe) e das atribuições que são a eles

destinadas, seja por meio do regimento escolar (o qual prevê que todos, indistintamente,

devem estar envolvidos na definição e consolidação do projeto pedagógico próprio da escola),

seja por meio das demais demandas que a SEED ou o cotidiano escolar lhe colocam.

Assim, para fins deste trabalho e por conveniência didática, trataremos a participação

de modo separado: inicialmente mediada pelo conselho de classe e, em seguida, a partir das

dimensões administrativa e didático-pedagógica da gestão escolar. Embora o regimento

escolar indique todos os segmentos como inter-atuantes nas instâncias colegiadas no processo

de gestão democrática da escola, destacaremos aqueles que permitem maior aproximação ao

nosso objeto: equipes de gestão, pedagógica e docente.

6.2.1 Os Educadores Frente aos Problemas de Avaliação do Aprendizado dos Alunos, os

Conselhos de Classe

Embora não tenha sido nosso objetivo analisar, no tópico que antecedeu a este, a

participação dos educadores no conselho escolar e na APMF, a conclusão maior de que o

funcionamento destes assume caráter meramente formal ou executor inclui também os

educadores, pois eles compõem também tais instâncias. Asseveramos, também, que nas falas

que colhemos, nenhum entrevistado fez menção à sua participação ou à participação dos

demais colegas seja no conselho escolar, seja na APMF.

Por outro lado, ainda que o conselho de classe seja previsto como instância

colegiada cujo acesso deve ser dado aos pais e/ou alunos (comunidade atendida pela escola)

se não diretamente, ao menos por meio de um momento anterior, denominado “pré-conselho”,

ele se revela um momento para os educadores, e não para os demais.

O conselho de classe se inicia com uma etapa prévia a ele, o pré-conselho. No pré-

conselho, professores regentes/pedagogos e alunos das diferentes classes devem realizar uma

prévia das questões emergentes em relação ao ensino-aprendizagem, levantando elementos

voltados a subsidiar a reflexão posterior, do conjunto de professores e gestores. Contudo,

constatamos que nas escolas pesquisadas essa prática não se instituiu plenamente, no período

observado.

Na Escola do Vale o pré-conselho não ocorreu no primeiro bimestre de 2007 e, no

segundo, consistiu numa passagem relativamente rápida das pedagogas pelas classes,

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momento no qual elas questionavam os alunos sobre a visão deles quanto ao rendimento

escolar. Considerando-se que não houve uma preparação prévia com o professor responsável

pela classe, que tal professor não estava presente e que – pelo que pudemos perceber – os

alunos não estavam habituados ao procedimento de Pré-Conselho, eles expressaram uma

visão de que tudo corria regularmente e concentraram sua avaliação naquilo que, por certo,

escutam dos próprios docentes e pedagogos, ou seja, a disciplina. Os alunos colocaram-se,

então, como os responsáveis pelos distúrbios existentes no andamento das aulas:

O problema é a provocação... passam a mão na bunda e colocam apelido. [...].

Na aula de Geografia todo mundo faz bagunça. [...].

Aluno A: Na aula de História todo mundo fica quieto. [...].

Aluno B: Também, qualquer coisa a professora já diz: “Ocorrência”. [...].

A aula que ninguém fica quieto é a de Geografia, que ninguém respeita a professora. [...].

As meninas ficam sem aula e vêm na porta ver o Alisson. [...].

Brincadeiras de mal gosto. [...]. Piás que batem na bunda. [...].

Tem gente que pede pra ir no banheiro e vai namorar. [...].

Os professores se esforçam para ensinar, os alunos não aprendem porque tem bagunça na

sala. O conteúdo não é difícil, difícil é ter silêncio para aprender. [...]. (D.C. 03/05/07).

Inicialmente é relevante perceber que as considerações feitas pelos alunos trazem

elementos relacionais, próprios da juventude, mas ainda assim refletem, em parte, a cultura de

“bom aluno” ou “boa aula” que a própria escola inculca, como que a reproduzindo. Charlot

(2005) também se refere a esse fenômeno, explicando-o com base na percepção de aula que

os alunos possuem; para o autor, os alunos consideram-se sujeitos que devem aprender e os

professores, que devem ensinar:

Para os alunos de bairros populares, é o professor que cria o saber na cabeça

dos alunos, é o professor que tem a atividade no processo de ensino-aprendizagem, não o aluno. O que deve fazer o aluno? Perguntamos para

eles: “o que é um bom aluno?” Responderam: “aquele que chega na hora

certa na escola e que levanta a mão antes de falar na sala de aula”. Não disseram que era o que aprendeu muitas coisas. Ou seja, podem definir um

bom aluno sem falar do saber. [...] A causa é a escola. O que a escola

francesa ensinou para o aluno? Ensinou que o mais importante é respeitar as

regras: chegar na hora certa e levantar a mão. Não ensinou que o mais

importante é aprender coisas na escola. (op cit, p. 68).

O fato é que os alunos terminam por reproduzir o silenciamento que a escola pratica

e incute sobre seu trabalho pedagógico. Outro elemento que chamou a atenção foi a

organização dada aos dados, que não foram registrados em ficha própria, apenas no caderno

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de trabalho das pedagogas. Eles também não compuseram a pauta do Conselho de Classe, o

que permite deduzir que o efeito gerado em termos de reflexão sobre o processo ensino-

aprendizagem foi praticamente nulo.

Na Escola da Gema, tal como já indicamos, não acompanhamos nenhum momento

de pré-conselho e também não observamos, no desenvolvimento do conselho de classe

propriamente dito, que os fatos e eventuais problemas e dificuldades levantados por

professores, alunos e pais no decorrer do bimestre tenham sido apresentados, visando a uma

discussão e confrontação com os resultados apresentados no conselho. A ausência do diálogo

com os alunos permite supor a crença de que eles não têm nada a dizer e, assim sendo, não

podem participar. Novamente, observou-se na escola uma cultura de participação instrumental

e um movimento estratégico, micropolítico.

Na Escola do Vale os quatro conselhos de classe propriamente ditos são realizados

seguindo o que determina o calendário escolar: normalmente em sábados pela manhã ou então

numa noite, sem que haja dispensa das aulas dos turnos diurnos. As pedagogas costumam

definir previamente o horário das classes em dois conselhos: um de ensino fundamental (5ª a

8ª) e outro de ensino médio (regular e técnico diurnos). Como há professores que atuam nos

dois segmentos e também aqueles que não são docentes de todas as classes, esses se revezam

nos dois conselhos, alternando sua presença nas salas.

A Escola da Gema dispensa as aulas para realizar os conselhos de classe nas sextas-

feiras que antecedem os sábados previstos no calendário como datas oficiais para esses

conselhos. Essa dispensa, embora ilegal (já que subtrai dias dos 200 letivos previstos), não é

questionada por nenhum pedagogo ou professor da escola, revelando tradição.

A previsão legal é de que os diretores participem da coordenação dos conselhos de

classe, mas não é hábito dos diretores e vice-diretores das escolas pesquisadas fazê-lo. Na

verdade, eles sempre estão presentes, mas apenas momentaneamente, nas salas de reunião,

acompanhando fragmentos do processo, conversando aleatoriamente com professores que

aguardam, coordenando o lanche que será servido ao grupo ou tratando de outros assuntos na

secretaria escolar.

Tal conduta dos diretores pode ser reveladora de um entendimento de que o

pedagógico é, de fato, uma questão dos professores e pedagogos e/ou de que o conselho de

classe é uma prática burocrática por meio da qual não serão tomadas decisões importantes.

Também revela que a escola cria seu próprio modus operandi, a despeito do que a legislação

institui.

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Os conselhos de classe seguem um ritual próprio, para o que são preparadas fichas

específicas; as classes são tratadas uma-a-uma e participam da reunião os professores que

atuam nas respectivas salas, sob a coordenação das pedagogas. A condução dos conselhos de

classe é praticamente a mesma no decorrer do ano; em geral, as modificações que se

apresentam referem-se basicamente à alteração de fichas ou ao responsável por seu

preenchimento (houve momentos em que o professor deveria trazer uma ficha previamente

preenchida na qual indicava alunos que estavam com nota abaixo da média, alunos com

problemas de tarefas ou que os pais precisavam ser chamados, por exemplo; esses outros,

estes dados foram levantados oralmente durante a reunião e seu registro era feito pelas

pedagogas).

O ritual do conselho de classe normalmente se inicia com considerações gerais sobre

o trabalho pedagógico desenvolvido ou sobre os critérios de discussão a serem observados:

A pedagoga inicia falando da sociedade real, competitiva, e da competição positiva. Discute

a dificuldade dos alunos, sugerindo de modo claro que a educação dada pelos pais é

problemática; cita Tânia Zaguri e seu livro “O professor refém”. Solicita aos professores

que a entrega de boletins seja um momento “forte” (sugerindo que as questões sejam

claramente pontuadas aos pais) e distribui aos professores um artigo da Revista Valor, que

recebeu na reunião de pedagogas realizada pelo NRE: “Testes mostram que desempenho de

aluno depende mais da família do que da escola”. Os comentários aleatórios deixam ver a

convicção de que, para as equipes pedagógicas e docente, o problema do desempenho dos

alunos está na ausência de educação “de base”, a qual deveria ser dada pela família. Um

professor diz: “A família não está passando valores... eles querem que a escola faça tudo, tudo”. A pedagoga assevera aos professores que os alunos de 5ª série não entendem suas

próprias notas (10 ou 100) e nem mesmo o valor diferenciado de cada atividade; sugere que

seja feito um trabalho com gráficos e ressalta: “Os que mais precisam são aqueles que não

sabem a nota porque a mãe não vem buscar. Eles pedem „Ah, professora, me mostre a

minha nota, a minha mãe não vem mesmo‟”. A professora da classe de apoio fala sobre a

fragmentação das disciplinas e a dificuldade das crianças em assimilar o sistema das 5as

séries; os professores não fazem nenhum comentário. (D.C., Vale, 05/05/07).

O conselho inicia com a discussão sobre a recuperação paralela. Os professores reclamam

da falta de tempo para realizá-la (para aplicar novos instrumentos de avaliação) e uma das

professoras mostra a contradição do calendário escolar, pois o 1º bimestre teve três meses. Diante da dificuldade da recuperação paralela, uma professora diz: “Eu até conversei com

elas (as pedagogas) e fiz diferente, mas o que foi passado pra mim por alguns professores

foi que tinha que fazer duas provas”. O grupo discute, constatando que não houve

padronização de procedimentos pois cada professor organizou o processo de avaliação e

recuperação de um modo. Definem, então, que no bimestre toda disciplina deverá ter dois

momentos de avaliação e mais duas recuperações paralelas, pelo menos; cada professor

decide o peso (não mais 6 + 4); a paralela será destinada a quem não atingir 60%). O debate

deixa transparecer uma concepção burocrática de recuperação paralela, focada na

recuperação da nota e não da aprendizagem. Discorrendo sobre a necessidade de que todos

os momentos de avaliação sejam registrados no livro de chamada, a pedagoga diz: “Se

estiver registrado você está documentado”, referindo-se às possíveis reclamações ou recursos legais por parte dos pais. Debatem então sobre o requerimento para alunos que

perderam provas, o qual, segundo as pedagogas, tem feito com que os alunos tenham mais

responsabilidade. Alguns professores divergem, pois acreditam que, em alguns casos, é

melhor negociar a segunda chamada diretamente com o aluno, pois os pais não podem vir a

escola preencher o requerimento; debatem se deve ou não haver requerimento para os

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alunos que perdem a atividade de recuperação paralela e, por fim, decidem que sim. O

terceiro ponto da pauta é o momento cívico, que está sendo organizado pelas pedagogas

(canto do hino, no pátio, na entrada do recreio); a pedagoga propõe que o professor escolha

o aluno e se responsabilize por um tema, mas os professores reagem e não aceitam. Em

seguida, a pedagoga avisa que 98% dos planos anuais estão entregues e relaciona aspectos

que foram combinados no início do ano mas não foram atendidos: passar a data das provas

para as pedagogas, informar o horário da hora-atividade, remanejar os horários quando um

professor falta e registrar possíveis reposições de aula, retornar rapidamente para sala de

aula quando encerra o recreio. A pedagoga parabeniza (no geral) os professores que só

soltam as classes quando bate o sinal e pede aos demais que façam o mesmo, lembrando

que quando o diretor não está presente na escola, “o pessoal solta antes”. Por fim, reafirma o horário de funcionamento da biblioteca, ressaltando que nos dias em que há sala de apoio

os professores não devem mandar alunos. “Agora chega de assuntos variados e vamos

começar o conselho”, diz. (D. C., Gema, 04/05/07).

Os excertos do diário de campo permitem ver que as escolas administram o escasso

tempo do conselho de classe a seu modo, quando definem a pauta introdutória. Ainda que o

conselho se configure teórica e legalmente como um momento de avaliação sobre o ensino e a

aprendizagem, incluindo uma auto-avaliação do trabalho pedagógico e didático-pedagógico,

percebemos na condução inicial da Escola do Vale uma tendenciosidade clara, por meio de

textos e argumentos que já viriam a justificar, na saída, os possíveis baixo-desempenhos a

serem posteriormente constatados. Na Escola da Gema, por sua vez, tematizam-se os

procedimentos de recuperação paralela (quantidade e valor dos testes aplicados), mas não as

possíveis interpretações para os dados de aprendizagem colhidos e a efetividade ou não dos

encaminhamentos propostos. Em ambos os casos os conselhos se iniciam distanciados de uma

de suas referências centrais: a dimensão escolar e docente da aprendizagem.

Terminadas as considerações gerais, inicia-se o tratamento de cada classe em

separado. Após a pedagoga anunciar a classe (5ª E, por exemplo), os professores,

aleatoriamente, realizam comentários sobre o rendimento da turma como um todo e/ou sobre

os alunos individualmente; esses comentários se estabelecem em função dos itens presentes

nas fichas de conselho das respectivas escolas, revelando uma burocracia ou organização

própria.

A Escola do Vale estipulou os quesitos disciplina, rendimento, participação e

interesse, comprometimento com tarefas e trabalhos e participação nos projetos da Escola; a

avaliação se faz em relação aos níveis excelente, ótimo, bom, regular ou insuficiente. Os

professores devem indicar ainda alunos que têm se destacado no rendimento escolar, alunos

que não demonstram interesse nas aulas e não participam com responsabilidade, alunos que

demonstram dificuldades de aprendizagem ou falta de base de conhecimentos. A finalização

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da ficha/do conselho se faz por meio da indicação de encaminhamentos a serem feitos pelos

professores e equipe pedagógica.

Na Escola da Gema a ficha do conselho de classe é estabelecida em função da

relação de alunos, sendo que cada um é analisado em relação aos aspectos: indisciplinado,

notas abaixo, número de faltas, não faz atividades, não faz provas e desinteressado. Como na

outra escola, o trabalho é concluído com os encaminhamentos necessários.

Novamente vemos reforçada a percepção de que o conselho é compreendido como

um momento destinado a constatar o desempenho do aluno, excluindo deste o professor; o

trabalho educativo da escola nem mesmo consta dos quesitos considerados importantes para

discussão.

Em ambas as escolas é comum que um professor expresse sua opinião sobre a classe

e/ou aluno e que os demais, se concordam com ele, fiquem em silêncio ou reafirmem

sinteticamente a fala, dizendo, por exemplo: “Comigo também”. Quando algum professor

discorda da avaliação apresentada pelo colega, a discordância é normalmente apontada: “Na

minha não faz”, sem que haja reflexão sobre os motivos que levam a diferenças de

desempenho. Especialmente nesse momento em que se debate sobre a classe como um todo,

mas também quando o foco da discussão é constituído pelos alunos e quando ao final são

levantados os encaminhamentos julgados necessários (diante do desempenho constatado),

surgem as propostas dos educadores:

Prof.: Gente, não tinha que fazer um trabalho com a família? [...].

Prof.: É preciso fazer um trabalho de educação sexual nas quintas séries. [...].

Prof.: Eu sou contra eleição, aluno escolher representante. [...].

Prof.: Eles caíram em produtividade. Nota tem... fazer o quê? [...].

Pedagoga: Vocês devem retomar o mapeamento.

Prof.: Pra você cobrar mapeamento, você perde a aula inteira. Pedagoga: Mas se todo mundo cobrar, se você cobrar uma aula sim, outra não, eles

cumprem. [...].

Prof.: Se a gente conseguisse mais concentração, porque eles são rápidos. (D. C., Vale,

07/07/07).

Encaminhamentos propostos no conselho: passar lista de alunos com dificuldade de

aprendizagem para a profa. da sala de recursos, fazer mapeamento da turma, verificar o uso

do uniforme, verificar o uso do celular e i-pod (equipe pedagógica), professores exigirem o

cumprimento do mapeamento, conscientização sobre o respeito aos colegas e professores e

sobre a disciplina, reorganização do sistema de avaliação para alunos que faltam, conversar

com a turma sobre os alunos para entrar na 1ª aula e na aula depois do recreio, professores

falarem a mesma língua, colocando limites e regras, conversar com a turma sobre o incentivo à participação efetiva nos estudos, trabalhar em sala de forma contextualizada,

mostrando a aplicabilidade dos conteúdos na vida real. (D. C., Vale, 07/07/07).

Prof.: Precisa fazer algum trabalho com os alunos da 6ª. Sugiro passar nas salas falando da

importância de estar na escola, de estar no mundo... alguns alunos estão totalmente sem

noção, até por ausência dos pais. [...].

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Prof.: Esse é o caso de conversar com a família, pelas faltas principalmente. [...].

Pedagoga: Fazer o quê?

Prof.: Trazer o filme do bullyng, trazer, esquecer os conteúdos e fazer um trabalho com

eles. [...].(D. C., Gema, 04/05/07).

Os encaminhamentos apontados pelo conselho foram: orientar para estudos, verificar quem

não consegue assimilar, encaminhar para apoio a adolescentes, conversar, motivar, chamar

o pai, fazer o termo de compromisso. (D. C., Gema, 04/05/07).

As propostas novamente enfatizam unilateralmente os alunos e suas famílias, os

quais necessitam de conversa, orientação e conscientização. Quando se referem aos

professores, as propostas possuem caráter técnico, como não deixar que os alunos troquem os

lugares (mapeamento) ou fazer com que cumpram as normas escolares. As sugestões dadas às

pedagogas possuem caráter mais formativo, ainda que unilateral (ações da escola para os

alunos, mais diretivas do que dialógicas).

Na medida em que a situação de cada aluno é abordada individualmente, de acordo

com a seqüência do livro de chamada, os professores tecem comentários sobre os mesmos,

conforme os critérios que já indicamos. As observações dos professores são anotadas pelas

pedagogas e, nesse momento, questões familiares ou pessoais dos alunos, quando de

conhecimento das pedagogas ou professores, são socializadas:

Pedagoga: Alessandro.

Prof. A: Que se faz com esse menino?

Pedagoga: O pai quer tirar da escola e pôr pra trabalhar, porque ele já tem 14 anos. A funcionária que trabalha com o pai disse que o menino é excelente. Um menino de 14 anos

com os pequenos de 11...

A pedagoga conta isso e o conselho continua. (D.C. Vale, 07/07/07).

Prof.: A mãe e o pai estão presos; ele está com um irmão do meio, traficando.

Prof.: Não vem pra aula, fica no boteco jogando sinuca; quando vem, dorme na sala.

Prof: Ela tá muito pior depois do falecimento da irmã no ano passado. Se der oportunidade

para tocar no assunto, ela conta nos mínimos detalhes. Depois, o pai traiu a mãe... tudo isso

afetou ela. (D.C., Gema, 06/07/07).

Pedagoga: A mãe disse que ele tem renite e não vai mandá-lo para a escola sofrendo, porque ele precisa repousar, que só vai mandá-lo quando ele melhorar. Mas a irmã entregou

os pais porque me contou que eles têm seis cachorros e gato; daí ataca a renite do cara.

(D.C., Gema, 06/07/07).

Pedagoga: A mãe usa o cartão dele e ele não pode vir para a escola porque não tem ônibus.

(D.C., Gema, 06/07/07).

Os diálogos travados nos conselhos denotam novamente a atitude da escola diante da

realidade social dos alunos; para nós, justamente por se mostrar como fatos ou situações nas

quais questões sócio-econômicas e culturais atuam negativamente sobre a aprendizagem, a

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escola precisaria pensar ações de enfrentamento não apenas pontuais (diante dos referidos

pais), mas no contexto de um projeto formativo e emancipatório de médio e longo prazo,

voltado ao trabalho com os alunos e suas famílias. Mais do que uma “escola de pais”, seria

necessária uma abordagem educativa articulada a tal realidade social:

La discusión a darse en el contexto de otro comienzo para niños, niñas y

adolescentes es entonces de naturaleza sustantiva y política, y no solo una

cuestión de diseño institucional del proceso de enseñanza. Más aún, se trataría de superar la visión economicista del desarrollo educativo, cuya

función principal sería aumentar la “empleabilidad” de quienes estudian, por

otra en donde la infancia incorpora progresivamente los contenidos que la

liberan de un orden opresor. (BUSTELO, 2007, p. 88).

Ao não empreender tal esforço, a escola utiliza a situação dos alunos como

justificativa para a não-mobilização do grupo em torno dos problemas de aprendizagem e das

possíveis proposições que ela própria necessitaria fazer.

Outro dado que consideramos relevante é o modo de participação dos professores nos

conselhos de classe. Nos momentos iniciais, em que questões pedagógicas são pontuadas

pelas pedagogas, praticamente não se observa contra-argumentação por parte dos professores,

que costumam acompanhar a fala em silêncio, escutando com os olhos baixos, voltados para a

mesa ou olhando o “vazio”. A minoria dos professores olha as pedagogas nos olhos enquanto

elas falam ou se contrapõem às suas afirmações, a menos que as mesmas digam respeito a

algum aspecto técnico a ser deliberado como, por exemplo, a definição de uma data ou de um

instrumento de avaliação.

Os professores também consultam fichas trazidas com os dados dos alunos (na

Escola do Vale, algumas vezes elas existiram) e/ou seus livros de chamada; é comum vê-los

com a atenção centrada, praticando acertos e realizando preenchimento nos livros, já que a

entrega dos canhotos com as notas dos alunos na secretaria da escola representa uma espécie

de “missão cumprida” ou encerramento de uma etapa de trabalho, diante do qual outros

exercerão suas responsabilidades como lançamentos de notas no sistema, produção de

boletins, reunião com pais.

A atitude dos professores demonstra aborrecimento ou exaustão, além de pressa em

concluir, pois é possível observá-los desconcentrados, olhando o relógio, com o corpo largado

na cadeira, levantando rápido e saindo quando as turmas em que atuam são concluídas,

demonstrando impaciência quando a discussão se fixa num aspecto e não vai adiante. As

expressões faciais normalmente são de cansaço ou pouco interesse.

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Se participar é envolver-se no coletivo construindo coletivamente sentidos que

possibilitem a crítica da situação em que tal grupo está envolvido/inserido, emancipando-se,

consideramos que a postura dos professores revela compreensão de que são figuras presentes

e não sujeitos participantes na condução e decisões do processo. Gohn (2005, p. 31) ressalta

que

Para que um indivíduo ou um grupo possa dar sentido à sua participação numa ação social, ele tem que decodificar o significado do que está em tela,

em termos do conteúdo das mensagens implícitas, determinar quem é o

emissor e o receptador, que universos simbólicos contêm, que valores defendem ou rejeitam. De posse desse acervo de informações, este indivíduo

o confronta com seu universo referencial. Essas operações mentais são

instantâneas e buscam-se os referenciais na cultura política acumulada por

estes personagens, na sua trajetória e experiência de vida; [...] Quando os significados são desvelados, eles produzem estímulos e geram respostas,

discursivas ou ações gestuais, ou ações coletivas e movimentos; criam-se

processos identitários, individuais e coletivos.

Assim, o modo de estar envolvido no conselho de classe tem permitido a manutenção

do ritual vigente, exatamente porque os significados construídos pelos professores em relação

a tal momento de avaliação não são trazidos ao nível público e consciente, permanecendo

como o extrato da experiência individual de cada professor. Essa tese se comprova pelas falas

dos docentes em situação de entrevista, as quais reafirmam seu modo de estar envolvido

quando da realização dos conselhos, ou denunciam os sentidos que elaboraram:

O Conselho de Classe é dispendioso. Não há necessidade de você pôr tudo no papel antes e

de falar tudo de novo na hora do conselho de classe, ou faz de uma forma ou faz de outra.

Eu acho que eu faria o seguinte: uma vez que a gente passa tudo pro papel antes, todas as

nossas dificuldades ou não, as coisas boas ou não, notas e faltas, é feito tudo num

formulariozinho primeiro, então você já tem uma visão disso, não precisa se falar de novo,

eu acho que seria mais aproveitado se: então vamos pegar as situações-problemas e vamos

discutir as situações-problemas, tentar resolver de uma forma ou de outra. Como é que pode

ser feito isso aqui, como que a gente pode melhorar, como que a gente pode chegar, encontrar esse aluno e cativar e tentar que ele melhore, ver qual é o problema, o que ta

ocasionando esse comportamento dessa forma. Eu acho que resolveria melhor, a gente teria,

talvez, o mesmo tempo ou até mais trabalhando. Eu acho que nesse caso o trabalho coletivo

e uma discussão coletiva talvez chegasse em um acordo, em um consenso. A pasta, às

vezes, eu não sei se funciona muito, a gente tem pouco, a nossa equipe é boa mas elas são

em poucas pro tamanho da escola e de problemas. Às vezes, ela fica um pouquinho de lado.

(Professor 2 – Vale).

Eu até diria o seguinte: não seria função do Conselho de Classe, eu acho que você não pode

resolver um problema no Conselho de Classe porque um Conselho de Classe demora dois

meses depois de outro, esses problemas tem que ser resolvidos no dia-a-dia, no cotidiano. O que a gente vê muitas vezes, e isso é uma angústia, é que o problema geralmente vai se

enrolando, enrolando, enrolando e você só vê acontecer no final do ano, quando o aluno

reprova e daí chega a família e quer saber porque. E que daí não há mais tempo hábil pra

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voltar atrás ou corrigir qualquer injustiça. Então o Conselho de Classe até pode auxiliar...

(Professor 4 – Vale).

Reunião de Conselho, mas é voltado pra que? Aluno, não para as, como é que se diz, tudo

do professor: se o professor está bem, se o professor está com algum problema em alguma

turma, não, é tudo voltado para o aluno. (Prof. 3 – Vale).

Não existe uma discussão com a equipe pedagógica dos problemas porque nos conselhos de

classe fala-se somente: esse aluno isso, esse aluno aquilo, esse aluno ta assim e fica por aí, e

fica aí mesmo, não buscam, não se busca, eu não vejo, até hoje eu não vi essa busca de

solucionar problemas. Vamos então fazer, por quê? Porque o professor coloca o problema,

eu coloco o meu problema, o professor coloca o dele e nós ficamos nesses problemas isolados. Então o aluno tem problema e o que se vê então é só queixa, o aluno tem

problema. (Prof. 2 – Gema).

Acho que contribui, embora o conselho de classe, muitas vezes, caia naquele problema de

estar falando mal do aluno e nem sempre estar apontando soluções. Então, na minha

opinião, o conselho de classe seria o momento pra refletir que ações eu fiz pra proporcionar

a aprendizagem pro meu aluno. (Prof. 8 – Gema).

E aí nós temos ao final, enquanto sistema de ensino, que no final você tem que aprovar uma

quantidade x, daí você faz conselho, daí aprova e vai mandando, manda pra frente. (Prof. 5

– Gema).

Não adianta dizer [as coisas durante o conselho de classe] [...]. Não sei, parece que o

conselho, isso parece que está encalacrado até na gente assim, até em mim mesmo, é pra

discutir os problemas dos alunos, não da escola, porque a gente acha que o problema da

escola são os alunos e quando você dá 5 aulas de manhã, 5 aulas de tarde e não sei quantas

à noite, você acha mesmo, e eu não sou hipócrita de dizer pra você assim que não, que tal.

(Prof. 3 – Gema).

Reiteramos nossa hipótese de que ao não abrir/forçar espaço para que tais sentidos

presentes sejam discutidos e confrontados no grupo, pedagogas e professores revelam uma

postura que pode ser interpretada de dois modos. Uma possibilidade é a da conveniência de

uma participação de caráter administrativo (BALL, 1987), a qual não traz implicações de

mudança e permite a continuidade do sistema estabelecido; outra possibilidade é a de

dificuldade dos professores que partilham sentidos similares em ser agrupar e gerar, a partir

de tal aglutinação, um movimento instituinte capaz de estimular o grupo à mudança da

situação dada.

No 4º. bimestre letivo (de final de ano), o conselho de classe assume uma

característica particular em relação aos anteriores, pois nele o foco central da discussão é a

aprovação ou não dos alunos. Em 2007 as pedagogas da Escola do Vale prepararam uma

circular que foi entregue a todos os professores:

CONSELHO DE CLASSE DO 4º. BIMESTRE

Caros Professores

No Conselho de Classe serão analisados os seguintes itens em relação aos alunos:

- rendimento;

- participação;

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- aptidão para acompanhar a série seguinte.

NÃO SERÁ DISCUTIDO SOBRE INDISCIPLINA

Critérios:

- até 2 disciplinas haverá aprovação automática dos alunos;

- mais de duas disciplinas será feita análise de cada caso dos respectivos alunos. (D.C.,

Vale, 17/12/07, grifos no original).

Quando o nome do aluno é citado, o professor de cada disciplina diz, em voz alta, se

ele foi aprovado ou reprovado e, em seguida, contam-se os resultados. Tal como orienta a

ficha, o professor que teve o aluno reprovado apenas na sua disciplina, ao constatar tal

situação, já toma a iniciativa de aprová-lo, registrando em seu livro de chamada a sigla “APC”

(Aprovado Por Conselho):

Pedagoga: Reprovado?

Prof.: APC então.

O aluno havia reprovado apenas na disciplina de História; a professora, então, registra a

sigla no livro de chamada. [...].

Prof.: Ficou comigo.

Pedagoga: APC então. (D.C. 17/12/07).

Na Escola da Gema as pedagogas trouxeram uma ficha previamente preenchida com

a maioria das notas finais e, assim, já se tinha uma visão prévia quanto à aprovação ou não

dos alunos. Citando o nome de cada aluno já indicavam a situação:

Pedagoga: O Erivelton ficou só em Português.

Prof. A: Então APC.

Prof. B: Ele é bom. (D. C., Gema, 14/12/07)

Assim, nas duas escolas pesquisadas as discussões se limitaram, no conselho final, a

um tratamento com pouca objetividade em relação à situação de aproveitamento dos alunos

(sua aprovação ou não); as decisões refletiram ausência de reflexão ou de critérios educativos,

obedecendo muito mais à formalização burocrática de “número de disciplinas” do que a

indicadores de aprendizagem. Ainda assim, em alguns casos em que a reprovação envolvia

alunos já repetentes ou com problemas sócio-familiares mais graves, estabelecia-se alguma

discussão:

Cita-se o nome do aluno, mas antes que os professores iniciem a pedagoga conta que a mãe

do aluno veio até a escola, diz que pediu transferência para outra escola e que, sendo assim,

solicitou ao Conselho que lembre que ele é limítrofe, que já está saindo da escola e que aprovem para que ele ao menos termine o ensino fundamental.

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Prof. A: Ele não merece, esse menino.

Prof. B: Já reprovamos outros que fazem mais que ele.

Uma terceira professora conta que conversou com o aluno (já reprovado duas vezes) e

soube que ele trabalha de manhã numa fábrica de móveis e possui um colega de trabalho

que agora trabalha também numa churrascaria, recebendo R$800,00 por mês. O aluno

disse, então, que não ligaria em reprovar porque quando fizer quinze anos vai ao supletivo e

depois pode trabalhar como garçom e receber R$800,00.

Prof. C: Supletivo agora só com 18 anos.

Prof. B: O problema é que ele não é esforçado.

Pedagoga: Então, reprovado. (D.C., Vale, 17/12/07).

O aluno Evandro já reprovou uma vez a 5ª série.

Prof. A: Se nós não aprovarmos, ele vai entrar em depressão... ele chora.

Prof. B: Só que ele não tem condições de acompanhar uma 6ª série, nem uma 5ª.

Prof. C: Ele está em nível de 1ª a 4ª.

Pedagoga 1: Agora já deu pra ver que ano que vem nós vamos ter que pedir apoio pro

Núcleo, uma sala de recursos, alguma coisa.

Prof. B: Ele chegou até aqui desse jeito porque todo mundo pensou assim, só que até agora

ninguém resolveu o problema dele.

Prof. D: Eu acho que a escola tem que pegar pesado com a mãe dele, porque ela ta

deixando muito nas costas da escola. Até na classe de apoio ele deixou de vir porque ela

não trouxe mais. Pedagoga 2: Acho que temos que dar uma documentada e encaminhar pro conselho tutelar.

Prof. A: Eu não sei qual o problema dele e não me sinto em condições de reprovar esse

menino assim. Acho que temos que aprovar até como um estímulo pra ele.

Pedagoga 1: Evandro, então, APC. (D.C., Gema, 14/12/07).

Porém, mesmo quando a escola pára para discutir, tal movimento não se faz com

bases que permitam coerência; o descontentamento com a condução dos pais, a insatisfação

com o comportamento dos alunos e elementos de ordem afetiva como auto-estima são

apresentados sem nenhum fundamento que subsidie as decisões que tais elementos estão

justificando. A vida do aluno, então, é encaminhada sem parâmetros acadêmicos

(desempenho de aprendizagem) ou teóricos (fundamentos para análise).

Portanto, entendemos que embora não fosse claramente explicitada, a lógica que

guiou os conselhos de classe durante o ano e no momento decisório sobre aprovação foi a do

esforço empreendido pelo aluno (realiza ou não atividades durante as aulas, entrega trabalhos

e tarefas), mais do que a da aprendizagem (aprendeu ou não o conteúdo):

Prof.: Na verdade a Paloma não gosta de estudar, mas ela está fazendo um esforço. [...].

Prof.: Franciele falta nas provas. [...].

Prof.: A gente percebe que ela é dedicada. [...].

Prof.: O problema é o tratamento com os colegas; ele usa termos chulos e graves. [...].

Prof.: Suellen tá largadinha... a mãe tá presa, o pai não sei o quê. [...]. Prof.: Tem cheirinho de falta de banho. [...].

Prof.: Faltoso. [...].

Prof.: Não faz as atividades. Você fala com ela, ela faz de conta que tá fazendo, quando

você chega perto, não tá fazendo nada. [...]. (D. C., Vale, 07).

Prof.: Bernadete é muito limitada... ela até tem vontade, mas não consegue. [...].

Prof.: Tem uma certa limitação, mas tem boa vontade. [...].

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Prof.: É inteligente, mas não quer saber de nada. [...].

Prof.: Faz tudo, ela é boa. [...].

Prof.: Fraquíssimo, desinteressado, não faz as atividades e ele sempre diz que não é

obrigado. [...].

Prof.: O problema maior é o desinteresse, sem ânimo, sem motivação. [...].

Prof.: Vai bem, participa, faz as atividades. [...].

Prof.: Esforçada... faz tudo errado, mas faz. [...].

Prof.: Dissimulado, quando ele quer, ele faz. [...]. (D. C., Gema, 07).

Esforço, vontade, freqüência, interesse, realização do prescrito, postura, dedicação,

responsabilidade pesam mais nas decisões docentes do que a aprendizagem desenvolvida, a

qual, novamente ressaltamos, nunca é confrontada ou tematizada ao lado do trabalho docente

e da organização escolar existentes. Interessante é confirmar que ao mesmo tempo em que a

escola se apega à questão da nota, muitas vezes utilizando-a como pretexto para a

inflexibilidade avaliativa, ela não hesita em quebrar tal regra quando considera o

“merecimento” dos estudantes. Assim, vemos que o conselho de classe não delibera em torno

de um claro processo dialógico e que há ausência de dados objetivos (objetivos atingidos,

conteúdos dominados, desempenhos desenvolvidos) relacionados às questões de ensino-

aprendizagem tratadas:

Prof.: Esse menino merece passar, porque teve um crescimento muito grande. [...].

Pedagoga: Darlan?

Professores, em coro: Reprovado.

Prof. A: Com louvor.

Prof. B, em tom de riso: Você vai pro inferno. [...]. (D.C, Vale, 17/12/07).

Lêem o nome de uma aluna e seu número de faltas: “45, 41, 29, 18 ... 225 faltas e ainda

falta computar duas disciplinas”. A pedagoga diz que, em princípio, está reprovada por

faltas e que verificará na secretaria se a aluna trouxe atestados médicos.

Profa. Apoio: Vocês querem uma opinião? Tem que ser falado com a mãe dessa menina,

ela tem que saber essa questão das faltas. Prof. X: Mas então, se é tanto assim, que fique reprovada por falta.

Prof. Apoio: Tem que reprovar essa menina porque ela é uma safada. Ontem eu falei com a

psicóloga – porque nós estávamos fazendo um trabalho conjunto – e a mãe contou pra ela

que já falou com todos os professores e ela está aprovada. [...].

Prof. C: Olhe, o Evandro só brincou. Se ele passar agora, não vai fazer nada na 8ª.

Prof. D: É o caso de reprovar igual fizemos com outros alunos.

O aluno é reprovado mas a professora sentada ao meu lado mostra-se descontente. Ela se

aproxima de mim e fala de modo cochichado:

Prof. E: Só que o Evandro, ele é inteligente, isso que me dá dó. Ele pega uma prova de

matemática, ele detona.

Pergunto, então, porque ele não tem nota e a professora responde que é porque não faz os

trabalhos e porque bagunça em sala. (D.C, Vale, 17/12/07).

Prof.: Aluno que não vem na minha aula e faz, eu até passo, mas aluno que não faz nada, eu

não passo. [...].

Prof.A: Pode ser APC, porque tem 55 de média. [...].

Prof.B: Comigo também.

Pedagoga: APC, então.

Prof. A: Tem que cuidar das faltas dele no ano que vem. [...].

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Vice-Diretor: Vocês que tem que dizer, porque nós não estamos com eles todo dia.

Pedagoga: Ele tem condição de acompanhar a 6ª série?

Prof. E: Acredito que sim... Mas acho que a Natali também acompanharia...

Prof. F: Ficou reprovada por comportamento...

Prof. G: Mas ela não faz!!! (exclamando).

Pedagoga: Ficou reprovada em 5 matérias, já é a segunda reprovação.

Prof. E: Ela não quer nada com nada... [...].

Prof.: Dá um dozinho... eu gosto do João Fernando... [...].

Prof.: Esse, pode falar que ele tem problema porque eu não quero nem saber. Vadio, sem

vergonha, não copia. Eu reprovo. [...]. (D. C., Gema, 14/12/07).

O quadro descrito permite questionar em que medida os professores realmente

compreendem o sentido do conselho de classe no processo de avaliação e denota que os

esforços instituintes advindos da política educacional (por meio de resoluções, regimentos e

da teorização a eles subjacente) são frágeis diante das concepções e, conseqüentemente, da má

formação dos professores e gestores. Nossa análise confirma, por sua vez, a já estabelecida

por Mattos (2005, p. 227), quando afirma:

A observação dos Conselhos confirma ainda a hipótese de que a interação

pedagógica jamais é levada em conta, seja pelas próprias professoras, seja

pela instituição escolar. Não existe no seio desta última nenhuma instância de reflexão crítica sobre a prática das professoras. [...] Desta maneira, a

análise desses Conselhos alerta para o fato de, com freqüência, esses alunos

e alunas se tornarem vítimas do despreparo dos professores em lidar com a

complexidade da situação pedagógica. Ao contexto da violência simbólica (Bourdieu, 1970) inerente ao exercício da profissão de professora , alia-se à

violência da discriminação social, da imprecisão conceitual quanto às causas

do fracasso escolar e até mesmo da agressão verbal na descrição de alunos e

alunas.

Por mais que a escola e os professores conduzam o conselho de classe a seu próprio

modo, eles ainda acreditam que o NRE/SEED exerce pressão sobre eles para que as

reprovações sejam evitadas. Para os educadores, mecanismos utilizados pela SEED na gestão

Jaime Lerner, voltados à correção dos fluxos escolares – turmas de correção de fluxo;

aprovação com dependência desde a 5ª série; fechamento de classes de ensino regular noturno

e estímulo à realização de estudos na modalidade “jovens e adultos” (EJA); pressionamento

dos diretores pela melhoria das estatísticas escolares; diminuição da média para aprovação –

foram os grandes responsáveis pelo atual desestímulo dos alunos. Segundo os professores, os

alunos hoje acreditam que todos, indistintamente, são aprovados e, por isso, eles (professores)

vêem na reprovação um mecanismo de alerta e chamada de atenção, um sinal de que é preciso

estudar, pois as aprovações não serão dadas gratuitamente:

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Prof.: Essas sétimas têm muito aluno nosso que foi reprovado ano passado, por isso que

elas estão boas. [...]. (D.C. Vale,17/12/07).

Olha, o Evandro só brincou. Se ele passar agora, não vai fazer nada na 8ª. (D.C.

Vale,17/12/07).

Pedagoga: APC pro Bruno? Damos uma chance?

Prof.: Ele vai sentir essa reprovação e vai mudar? [...].

Prof.: Eu acho que se a gente segurasse ele, dava uma espertada. [...].(D. C. Gema,

14/12/07).

Prof.: Nossa, como a Kerolyn melhorou. A reprovação fez bem pra ela. [...]. (D. C. Gema,

14/12/07).

Prof. A: Tiago precisa ir, é muito passadinho. (D. C., Gema, 19/10/06).

Prof. B: Também, é aluno de aceleração. [...]. (D. C., Gema, 19/10/06).

A crença na avaliação como instrumento disciplinador é bastante séria e ainda que se

faça presente de modo corrente, ela não é tomada como objeto de reflexão, o que deve ser

considerado um aspecto sério.

Consideramos, então, que as escolas pouco realizam daquilo que se procurou

institucionalizar em termos de conselho de classe, haja vista que suas atribuições mais

relevantes – a análise dos dados quantitativos e qualitativos apurados pelo processo de

avaliação da aprendizagem, a proposição de outros encaminhamentos metodológicos e o

estabelecimento de mecanismos de recuperação da aprendizagem – são praticamente deixadas

à margem, sendo substituídas por decisões que se restringem ou a elementos organizacionais,

como mudanças de lugar nas classes, ou ao trabalho discente, tomado unilateralmente:

A gente até consegue resolver muitos problemas, a gente procura soluções pedagógicas das

mais variadas. Quando, por exemplo, o conselho de classe vai discutir: tal turma está dando problemas, o que nós vamos fazer? Aí ali nós tentamos soluções, as mais viáveis; quando é

um aluno só, trata-se individualmente, quando é uma turma, procura-se outras soluções

como mudança de lugar, mudança de atitudes, por exemplo. Se é uma sala que ta

perturbando, que tá prejudicando o andamento das aulas, muda-se a sala, muda-se, como

teve, por exemplo, as 5 séries que deram problema, mudou-se alunos, mudou-se o nome

inclusive das turmas. Foram colocados os alunos de um ano pro outro, a gente faz os

conselhos de classe final a gente muda alunos de turmas, pra desmanchar, às vezes,

algumas panelas que causam problemas e isso tem resultado, a gente tem visto melhoras,

mas ainda é pouco pelo universo de problemas que a gente encontra. (Professor 4 – Vale,

grifo nosso).

Na questão também após conselho de classe, a gente anota quais os problemas, propostas e daí vai estar chamando, verificando, porque de nada adianta você fazer o conselho,

constatar as coisas e não ter atitudes depois. Então aí a gente está em busca da qualidade.

(Pedagoga 1 – Vale).

[...] Nós colocamos em prática algumas coisas que foram necessárias. Por exemplo,

mudança de sala de alguns alunos, chamar os pais pra conversar, chamar o aluno pra

conversar, conversar com a turma toda. Eu trouxe palestras... Os professores comentaram:

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ah, o 7º B tem dificuldade de concentração, fomos lá, orientamos o 7º B, conversamos,

diariamente inclusive. Aí o 8ª são malandros, a Patrulha veio e deu uma palestra. Ah, 8º B

tão fumando, aquelas coisinhas que eles falaram pra nós no conselho, nós tomamos

algumas decisões e encaminhamos uma palestra, um filme, um trabalho, sabe. Na medida

em que a gente pode, a gente vai encaixando isso. [...]. (Pedagoga 2 – Gema).

Podemos compreender, assim, que apesar de a política educacional/legislação de

ensino configurar o conselho de classe como relevante momento de reflexão sobre a prática

educativa, o sentido vigente nas escolas é o de etapa burocrática necessária à organização do

trabalho pedagógico, de componente que precisa ser cumprido, mais do que processo que

precisaria ser vivenciado. O encaminhamento dado ao conselho de classe revela que, na

escola, a avaliação ainda segue uma tradição que a posiciona apenas em relação à

aprendizagem, e não ao ensino, e que justifica tal aprendizagem apenas dentro de elementos

sócio-econômicos e culturais, e não pedagógicos.

Apesar de a idéia da não reprovação estar fortemente presente na escola – ainda que

não seja explicitamente dita, mas se faça presente de modo implícito nos estudos pedagógicos

da formação continuada, na preocupação de diretores e pedagogos, no constrangimento

sofrido por aquele que retém grande número de alunos – e de a escola afirmar não ter poderes

sobre tal realidade, o fato é que, na prática, ela detém todo o poder decisório sobre a

aprovação ou reprovação do aluno e se permite realizar tal deliberação a seu próprio modo,

independentemente de que nele exista ou não coerência e fundamentos. Não se pode deixar de

destacar que, por certo, o grande número de trabalhos e provas corrigidas pelos professores

nos dias que antecedem o conselho são fatores que contribuem fortemente para que este venha

a se configurar desse modo, como um “protocolo avaliativo”:

“Jesus, é muita prova pra pouco professor” – fala de um professor relatando o trabalho para

aplicação e correção de provas, correção de trabalhos e preenchimento dos diários de suas 14 classes. (D.C., Vale, 07/07/07).

Cheguei à escola e fui até a sala de professores, onde encontrei alguns atarefados,

corrigindo provas e fechando livros. A professora [...] começou a falar; disse que havia

ficado até as duas horas da madrugada para fechar uma parte dos livros no domingo, já que

na segunda não haveria aula. Para ela, isso não era certo porque seu salário não permite que

ela contrate alguém para ajudar nos afazeres domésticos e então ela precisa fazer o trabalho

de casa à noite. Além disso, seus filhos precisam de atenção. Ela somou todas as horas que

trabalhou em casa fechando notas e livros durante os dias de feriado e concluiu que eram

mais de 11 horas. “Essa hora-atividade, eu não precisaria estar aqui”, disse. A professora

[...] concordou. Estava tão concentrada acertando as notas e preenchendo os livros que nem

mesmo parava para conversar. Contou também que havia feito madrugadas para fechar os

livros:“14 livros... sabe o que é isso?”, falou. (D. C., Vale, 04/05/07).

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Entendemos que a situação do trabalho docente não deve, por outro lado, configurar-

se como justificativa definidora de uma situação, mas como um elemento que precisaria estar

no centro das próprias reflexões do conselho de classe, servindo como ponto de partida para a

reconfiguração do processo avaliativo, do ensino-aprendizagem e do trabalho pedagógico

como um todo.

6.2.2 A participação dos Educadores nas Duas Dimensões da Gestão: Administrativa e

Pedagógica

Ainda que o conselho de classe seja um momento dialógico-reflexivo, avaliativo e

deliberativo por excelência, a responsabilidade e a participação dos profissionais da escola na

gestão do trabalho pedagógico se estendem para além dele, motivo pelo qual a análise do

trabalho dos educadores no referido processo se mostra necessária. Para nos aproximarmos

deles, optamos por não focá-los como segmentos participantes na gestão, tratando-os de modo

separado, mas por buscar percebê-los “em inter-atuação”, ou seja, em função das duas

dimensões interligadas de gestão existentes: a dimensão administrativa, de natureza

jurídico-legal, financeira e de recursos humanos, e a dimensão pedagógica, de natureza

pedagógico-curricular e do ensino-aprendizagem (ainda que sejam intimamente relacionadas e

que tal divisão só se mostre viável quando com finalidade didática, e não prática).

6.2.2.1 Dimensão administrativa

Em ambas as escolas pesquisadas, a dimensão administrativa da gestão,

principalmente quando afeta as questões de natureza jurídico-legal, financeira e de recursos

humanos (trabalho do pessoal administrativo e de apoio geral), é tratada especialmente pela

direção, muitas vezes em seu próprio gabinete ou no local de trabalho daqueles profissionais.

Assim, os diretores são quem, geralmente, participam das reuniões junto ao Núcleo Regional

de Educação (NRE), supervisionam o trabalho da secretaria, assinam os documentos oficiais,

realizam a gestão financeira, articulam o funcionamento do conselho escolar e APMF e

lideram, junto ao vice-diretor e pedagogas, os processos de tomada de decisão, estabelecendo

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um elo entre os turnos da manhã, tarde e noite. Entretanto, o modo como essa condução,

centrada no diretor, é sentida no interior das escolas, é diferente.

Na Escola do Vale, não sentimos que a responsabilização unilateral da direção em

relação às questões administrativas revele-se incômoda para os professores, mas sim que, ao

contrário, existe um entendimento, uma tradição em termos de trabalho de gestão, de que tal

dimensão é mesmo de sua responsabilidade. Isso se revelou não apenas no dia-a-dia da escola,

já que nunca observamos nenhum tipo de comentário ou questionamento acerca do modo

como tal condução é realizada, como também nas falas dos entrevistados, seja por aquilo que

disseram ou silenciaram:

A direção é pra fazer a abertura das reuniões, tratar de todas as questões lá que

envolvem, digamos assim, a papelada do colégio. A gente tem uma participação maior da

[...] que ela tem essa visão pedagógica, então ela se envolve mais nessas questões assim do

pedagógico. Já a vice-direção não se envolve muito, se envolve mais com aquelas coisas

práticas, tem que comprar tal coisa pra escola, tem que levar isso, buscar aquilo, não

se envolve na questão da prática pedagógica. (Prof. 1 – Vale, grifo nosso).

A direção da escola sempre se preocupou em atender aquilo que o professor precisa. Nós

no início do ano sempre fazemos um levantamento com os professores o que vocês vão

precisar pro ano que vem pra vocês trabalharem. Nós atualizamos os mapas, nós

atualizamos a parte de história, de Geografia, o material de laboratório, a parte de

tecnologia, manutenção dos rádios, dos retros, dos vídeos, tv, dvd, multimídia, hoje a escola

tem tudo. Acho que isso cria uma motivação no professor […]. (Diretor – Vale, grifo nosso).

Os professores desta escola, eu vejo que eles buscam uma melhor qualidade de ensino. Eu

vejo que eles correm atrás, eu vejo a grande maioria se esforçando para dar o melhor para

seus alunos, tanto que a gente, no final do ano, deu uma listagem pra eles, o que você

precisa pra sua aula. Eu preciso de mapa disso, disso. O que foi pedido pra nós, nós

compramos. Então se eles buscar, eles tão tentando melhorar, e o que a gente pode ajudar a

gente ta ajudando. (Vice- Diretor – Vale, grifo nosso).

Na Escola da Gema, por sua vez, a gestão centralizada dos aspectos administrativos é

experienciada pelos professores como realmente autoritária e excludente:

As [decisões] administrativas, mais a equipe pedagógica e a direção. (Prof. 1 – Gema). O diretor dá espaço, mas até hoje não me lembro assim de nenhuma decisão que seja

tomada, não ficamos sabendo assim de nada: “Ah! A escola vai comparar tal coisa, a escola

vai fazer isso ou a escola vai fazer”, até hoje assim não teve nada que nós tivéssemos que

dar a nossa opinião. (Prof. 2 – Gema).

Não, administrativo não. Eu pelo menos nunca participei em nada disso, você quer dizer o

que fazer com isso, o que fazer com aquilo, questão financeira? Eu nunca participei disso,

eu particularmente não. Nunca e não lembro até hoje de um professor chegar e dizer, aliás

minto, até teve um ano em que eu trabalhei aqui, que a orientadora falou que tinha um valor

X que poderia ser gasto com livros e os professores que quisessem comprar alguns livros,

algumas coisas, material pedagógico era pra falar, mas como na época eu só tinha poucas

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aulas, não era padrão aqui, eu tinha umas 4, 5 aulas, eu não me coloquei. [...]. (Prof. 4 –

Gema).

Não tem a participação dos professores não. Não tem, esse tipo, as verbas que vem passar

pela opinião dos professores. Onde vai ser utilizado, não passa. Não sabemos quanto

recebe, não sabemos em que é empregado, não existe prestação de contas pública, não. Não

existe, e olha em todas as escolas que eu passei, nunca tinha isso. (Prof. 6 – Gema).

[...] as verbas, eles decidem lá, não sei se a diretores e pedagogas, ou só diretores, isso eu

não sei. A questão financeira é uma questão que não tá nisso, não que eu não tenha

compromisso, porque eu tenho plena confiança no gestor, e também sei que a escola e suas

comunidades não participam, mas essa é uma questão que não aparece, talvez por falta de cobrança nossa, que não é cobrado. (Prof. 7 – Gema).

Os professores não são, pelo menos a tarde, que eu estou mais, de manhã eu não sei, mas

não são chamados pras grandes decisões da escola, então eu vejo isso. Por exemplo, eu

fiquei sabendo que no final do ano existia uma verba que veio do governo, que não sei o

que, que não sei o que, que todo ano vem, eu nem sabia que isso existia, depois que eu

fiquei sabendo. E aí eu fiquei sabendo que foi usada pra comprar uma cadeira pra moça da

secretaria, que precisa de uma cadeira de apoio porque ela cansa muito os braços e tal e

essa multifuncional que chegou agora. Mas eu acho que era muito mais importante usar

esse dinheiro pra por um armarinho com roda pra trazer a televisão, entende, ou pra outras,

e assim como outros professores vão achar pra outras coisas, entende, mas não teve um conselho assim pra ver o que que a gente vai fazer com esse dinheiro, sabe. As coisas são

decididas no âmbito restrito e são comunicadas. (Prof. 3 – Gema).

De fato, naquilo que pudemos observar em termos de encaminhamento cotidiano das

questões administrativas, não sentimos que os procedimentos dos diretores das escolas

pesquisadas fossem diferentes, pois apesar de na Escola do Vale os professores não se

mostrarem “tocados” pelo estilo de gestão, também lá as questões essencialmente de natureza

financeira não são decididas de modo democrático, sendo as verbas administradas pela

direção. Ressaltamos, ainda, que apesar da previsão, em termos de política/legislação

educacional, de que as questões financeiras sejam deliberadas pelas instâncias colegiadas de

gestão e de modo democrático, o próprio regimento escolar enfatiza o papel e

responsabilidade da figura do diretor na gestão dos recursos físicos e materiais. Assim, a

realidade constatada nas escolas reflete, nesse caso, a própria conformação dada pela política

implantada.

Para nós, se há inspiração legal para a conduta dos diretores, que se assemelham em

termos de encaminhamentos realizados e diferenciam-se em termos de reação docente, há,

talvez, uma explicação que possa ser dada pela via da realidade material experimentada pelos

professores das duas escolas, já que na Escola do Vale praticamente não há carência de

recursos materiais (desde papel e cartolina, até televisor ou multimídia) até porque, quando há

necessidade, a APMF ou os próprios alunos suprem as necessidades, enquanto na Escola da

Gema essa carência é vivenciada diariamente, sendo que até mesmo a solicitação de recursos

aos alunos é mais difícil. Consideramos ser possível, então, que o encontro ou não de

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dificuldades tenha sido elemento desencadeador dos diferentes modos de perceber, assimilar e

reagir à realidade.

Desse modo, reafirmam-se os pressupostos de Williams (1979), quando aponta a

experiência e os sentimentos que daí se originam como fontes constituintes da formulação

simbólica dos sujeitos e coletividades sobre a realidade, pois a despeito de que o trabalho dos

diretores se configure no quadro de uma tradição (já que historicamente eles se constituíram

na função como os grandes administradores da escola e que, tal como pudemos demonstrar

em momento anterior, mesmo após a implantação de órgãos voltados à gestão colegiada da

escola, eles permaneceram como os grandes e maiores responsáveis por ela) e que tal tradição

encontre novos mecanismos para manter-se ativa, ainda assim os professores ultrapassam os

sentidos expressos como naturais para vislumbrar outras possibilidades e necessidades,

principalmente em termos de gestão financeira.

6.2.2.2 Dimensão pedagógica

Quando a pauta é a dimensão pedagógica da gestão, a natureza dos

encaminhamentos e modos de participação se modificam, se comparados aos adotados

quando da gestão das questões administrativas. As duas principais dimensões dessa gestão

encontradas na escola são a organização pedagógico-curricular ou do trabalho pedagógico

(elaboração do PPP, da proposta curricular da escola e dos planos de ensino dos professores) e

a gestão do ensino-aprendizagem ou do trabalho didático-pedagógico (trabalho docente,

gestão da sala de aula, organização burocrática do trabalho pedagógico, avaliação,

aproveitamento, freqüência e participação dos alunos).

6.2.2.2.1 Questões pedagógico-curriculares (ou do trabalho pedagógico)

As questões de natureza pedagógico-curricular se originam quase que totalmente do

sistema, já que a SEED tem conduzido, ao longo dos últimos cinco anos, a reelaboração do

projeto pedagógico, do regimento escolar, das diretrizes curriculares do Estado e da proposta

curricular das escolas. Ao menos formalmente foi estabelecida, também, uma lógica de gestão

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para a condução desses processos, já que a orientação foi de que toda a comunidade escolar

interna (gestores, professores e demais funcionários) fosse envolvida nas definições e tomadas

de decisão29

e que os próprios documentos políticos atestam, de diferentes modos e em

diferentes momentos, a necessidade de que a gestão seja “democrática”.

Nas escolas pesquisadas a liderança das questões pedagógico-curriculares é exercida

pelas pedagogas, que conduzem e se responsabilizam pelos trabalhos até sua finalização,

normalmente marcada pelo envio, ao NRE, de relatórios, projetos, propostas, etc. A principal

estratégia utilizada pela escola/pedagogas para tal condução são as reuniões pedagógicas,

espaço destinado a aglutinar o coletivo escolar (comunidade interna) em torno das demandas

prementes e que, por isso, configuram-se como momentos de formação continuada.

É de praxe que as reuniões sejam iniciadas com dinâmicas de grupo ou mensagens

destinadas a focar aspectos existenciais e afetivos. Sempre existem momentos, também,

voltados a avisos gerais, procedidos pelos diretores; a conotação de tais avisos é

predominantemente administrativa. Outro aspecto constatado foi o de que a condução dos

trabalhos “propriamente dita” é feita pelas pedagogas e, quando esses momentos se iniciam,

invariavelmente os diretores costumam retirar-se, deixando-as a sós com os professores.

Conforme demonstramos no capítulo anterior, ao mesmo tempo em que cria o espaço

da reunião pedagógica, fixando-a em calendário, a SEED também o ocupa fixando ela mesma

as pautas de trabalho, revelando claro movimento de descentralização e rescentralização das

políticas voltadas às questões pedagógico-curriculares. Ainda assim, é importante destacar

que as reuniões estruturadas pela SEED foram caracterizadas, essencialmente, de leitura e

estudo de textos acadêmicos propostos (relacionados às pautas, ao trabalho pedagógico,

projeto pedagógico, proposta curricular e planejamento de ensino) visando à discussão dos

mesmos por meio de questões norteadoras, algumas voltadas a destacar conceitos-chave,

outras pretendendo estimular a reflexão da escola sobre sua prática educativa, como que num

confrontamento entre o lido e o vivido, visando ao propositivo.

A relação das pedagogas com as pautas que recebem e conduzem é contraditória.

Nas duas escolas percebemos que, ao mesmo tempo em que as pautas são apontadas como

“aquilo que deve ser feito”, sendo portanto justificativas para a ausência de propostas

alternativas, próprias da escola, elas também são alteradas quando o que propõem é

considerado, talvez, inconveniente:

29 Há que se perceber que, ao extrapolar seu papel de mantenedora e orientadora do sistema educacional e

converter-se em definidora de todos os processos, sem considerar a realidade e necessidades de cada instituição,

a SEED já nega, antecipadamente, o princípio de democracia que defende, revelando, na verdade, uma gestão

descentralizada das definições tomadas centralizadamente.

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A pedagoga orienta, então, os trabalhos: “A partir de agora, texto: chato, mas tem que ser.

Nós vamos a partir desse estudo terminar o nosso PPP. Ele já voltou e agora nós vamos

acrescentar a parte das disciplinas. No primeiro momento, agora de manhã, era pra gente

trabalhar o texto da profa. Hevelize, mas como nós temos muito material para trabalhar, nós

vamos dividir”. Ela consulta o grupo sobre o modo de fazer e os professores realmente

preferem dividir os textos nos grupos a que todos leiam tudo. Um grupo vai a biblioteca

para trabalhar a introdução às diretrizes e outro permanece para trabalhar com a diretriz de

inclusão”. (D. C., Gema, 24/07/06).

A orientação advinda da SEED previu este dia e o de amanhã para ser organizado

internamente pela escola em torno das questões administrativas, distribuição de aulas, organização do horário, apresentação do calendário e apresentação e discussão do plano de

ação da escola. O diretor abriu a reunião fazendo uma fala sobre o trabalho da escola, o

envolvimento e a busca da qualidade do ensino; em seguida, apresentou as novas

pedagogas que chegavam na escola e passou a elas a coordenação da reunião. As pedagogas

distribuíram a todos uma folha com “Informações importantes para 2007”; o informativo

tratava da composição da equipe pedagógica, por turnos; do preenchimento dos diários de

classe; das datas de entrega de planejamento e notas; das faltas de professores e alunos; das

provas em segunda chamada; da biblioteca, uso do multimídia, projetos existentes e

necessários e sistema de avaliação. [...] A reunião foi concluída sem que fosse discutido o

plano de ação da escola; apesar de a orientação existente fosse a de que professores com

dois padrões estivessem no horário da tarde realizando atividades na escola, eles foram dispensados e a continuidade dos trabalhos foi deixada para o dia seguinte. (D. C., Gema,

05/02/07).

Cheguei à escola por volta de 13h30m. Havia poucos carros estacionados e quase nenhum

movimento. Dirigi-me até a sala de professores, onde encontravam-se dois professores [...]

uma professora chegando naquele momento e um professor já antigo da casa, Diógenes. Ele

informou que a reunião havia sido no período da manhã e que eles haviam sido orientados

para que quem possuísse dois padrões, viesse cumprir horário na escola também à tarde.

Não havia nenhuma proposta de trabalho. Logo chegou a professora de educação artística e

outra professora; ambas se puseram a remexer em pastas e fazer limpeza e arrumação de

seu material de trabalho, por iniciativa própria. [...] Perguntei sobre as pedagogas e fui informada de que nenhuma delas viria no horário da tarde, já que a reunião havia sido pela

manhã. A diretora e o vice-diretor não apareceram e os professores ficaram por ali; chegou

também mais uma professora nova, igualmente sentindo-se meio que “perdida”..... Diante

da ausência de proposta de trabalho, informei que voltaria no dia seguinte. Os professores

com mais tempo na escola permaneceram lá, organizando-se por conta; as duas professoras

novas também resolveram voltar no dia seguinte. (D.C., Vale, 05/02/07).

Entrei no salão onde estavam os professores, sentados em fila, voltados para a equipe

pedagógica que se situava à frente do grupo. Eles assistiam a um vídeo enviado pela SEED

sobre a implantação e o uso de tecnologias nas escolas do Paraná. [...] Em seguida, foi

distribuído um documento para que se fizesse leitura; tratava-se de um documento da SEED

sobre o uso de tecnologias na educação. A equipe atribuiu números aos professores e em seguida formaram-se grupos, de acordo com a numeração. [...]

Após o intervalo, o grupo voltou ao salão. Iniciou-se a leitura do PPP em grupo. A

estratégia foi a mesma de antes do intervalo, o grupo reunido com apenas uma cópia do

documento. […] Antes de iniciar, surge a proposta de uma “leitura bem dinâmica” (no

sentido de rápida) ou de que vão diretamente responder às questões [demonstrando atitude

utilitarista diante da situação]. Alguém no grupo lembra, meio que rindo, que a equipe não

forneceu as questões e só as dará no final [deixando implícita a percepção de que com essa

decisão a equipe queria, na verdade, obrigá-los a ler]. Uma terceira professora sugere que

seja pulada a parte teórica que, segundo ela, não adianta para nada. Há ainda outra que

lembra que devem ler “tudo”. A professora que estava com o documento na mão inicia a

leitura e o grupo converge para o trabalho; diante de algumas premissas os professores iniciam uma discussão que, rapidamente, os distancia do texto, remetendo-os a elementos

do cotidiano social. […]. (D. C., Vale, 07/02/07).

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217

A “autonomia” exercida pelas escolas não é reveladora de decisão consciente ou

atrelada a uma proposta pedagógica própria; ao mesmo tempo em que se ressente pela falta de

tempo coletivo, para reunir os professores e discutir sobre as questões prementes, a escola

desperdiça o tempo existente. Por outro lado, a condução dada pelas pedagogas também deixa

implícita a relativa desvalorização ou não concordância com o trabalho vindo da SEED que

elas encaminham na escola.

A participação dos docentes no desenvolvimento dos trabalhos também é fortemente

reveladora de sua insubordinação quanto às orientações recebidas:

Dirigi-me a um grupo e quando me sentei fui informada, em tom de brincadeira, que eu

havia sido escolhida como relatora [demonstrando que ninguém queria exercer essa função,

de ir a frente. [...] Enquanto a leitura era feita, o grupo praticamente não prestava atenção,

pois conversavam paralelamente. De repente, uma professora interrompeu a conversa sobre

o lido para perguntar minha opinião sobre a escola ser responsável pela distribuição de

camisinhas, uma notícia que havia sido dada pela TV na véspera. O assunto mobilizou o

grupo [até então desmobilizado] e seus componentes se mostraram contra a proposta,

fazendo comentários jocosos. A prática de distribuir camisinhas foi associada a de

distribuição de leite, ambas consideradas um desvio da função educativa. Uma professora

debochou: “Eu acho que nós não devemos ensinar a usar camisinha porque se não, no futuro, não teremos alunos”. A conversa fluiu para esses e outros assuntos e o texto acabou

deixado de lado. (D.C., Vale, 07/02/07).

O grupo opta por realizar uma leitura silenciosa do texto e depois discutir no grupo. As

expressões não são de má vontade, mas ao mesmo tempo não demonstram motivação; os

professores começam a ler, sendo que alguns assinalam. A atividade vai ganhando ares de

informalidade… os professores se detêm mais em conversar sobre os fatos do cotidiano da

escola e dos alunos do que no debate do texto em questão, o qual trata das diretrizes do

ensino fundamental. (D. C., Gema, 24/07/06).

De acordo com os orientações da SEED, os professores deveriam elaborar um Plano de Trabalho Docente para o segundo semestre, adequando seus planos anuais às Diretrizes

Curriculares do Paraná. Os professores se reuniram por disciplinas e a maioria dos grupos

ficou no salão; permaneci junto aos grupos de Matemática, História e Ciências,

conversando com eles e observando. As pedagogas distribuíram as diretrizes do Estado, o

roteiro de plano de trabalho docente e os planos de curso dos professores, mas assim que os

grupos se formaram elas retiraram-se, deixando que trabalhassem sozinhos. Em todos os

grupos houve dificuldades desde relacionadas à questões menores, como a formulação dos

objetivos, até a própria seleção dos conteúdos. Embora a proposta da SEED seja de negação

dos parâmetros curriculares nacionais, percebi que grande parte dos professores estavam

consultando os PCN‟s para poder relacionar os conteúdos a serem trabalhados. (D. C.,

Vale, 25/07/07).

A semana pedagógica foi organizada pela SEED de modo a encaminhar as escolas a

elaborarem seus planos de ação anuais. Três dias foram destinados à leitura, discussão de

questões propostas, levantamento de dados sobre a realidade da escola e elaboração de

propostas em torno de temas como aprendizagem, as salas de apoio, o uso de TIC‟s, o

conselho de classe, a formação dos professores, a relação escola-comunidade e a aplicação

de recursos. Embora o trabalho devesse ter sido orientado pelas equipes de gestão e

pedagógica, os professores relataram que trabalharam sozinhos, sem ao menos ter uma

explicação clara sobre o que deveriam fazer, pois no primeiro dia duas pedagogas estavam

ausentes e o diretor e a terceira pedagoga ficaram tratando de outras questões. Por esse

motivo, mesmo na véspera da finalização da semana pedagógica, a pedagoga [...] não havia

se dado conta de que a culminância dos trabalhos seria a elaboração de um plano de ação

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para escola e quando constatou isso, disse ao grupo que teriam que fazê-lo, então, no dia

seguinte. (D.C., Vale, 11/02/08).

De fato, existe nas escolas uma clara indisposição quanto às reuniões pedagógicas,

principalmente por parte dos docentes. Foi comum observar, em ambas, que os momentos que

antecediam o início dos trabalhos eram de conversa fluída, enquanto que a partir do instante

em que as atividades eram iniciadas, os professores passavam a demonstrar pouca vontade em

realizar a leitura dos textos, grande desatenção em relação aos vídeos apresentados, tendência

a fugir do tema nos momentos de discussão, predisposição em direcionar-se diretamente às

questões a serem respondidas. Na verdade, entendemos que as reuniões pedagógicas e os

trabalhos que nelas/delas decorrem terminam por ser interpretados pelos professores mais por

sua dimensão de “agenda externa a ser cumprida” do que pelo sentido de trabalho coletivo

que a SEED busca instituir:

As coisas, acho que são determinadas, vêm de cima pra baixo de uma maneira assim que a

pessoa tem que estar executando, vai incorporando, vai incorporando, porque é uma coisa

já resolvida, já estabelecida que você não pode opinar, dizer “Não, não posso fazer”, a coisa

já vem assim, a rodo. [...] . (Pedagoga 1 – Vale).

[...] parece que agora essas reuniões, parece que foi jogado pra cima do pedagógico, foi jogado na semana pedagógica, que na verdade, nós teríamos reunião propriamente dita dos

professores, mas seria daquelas leituras massantes, aquelas leituras que não vai te auxiliar

em nada, textos repetitivos que você já conhece, que de repente, discute um monte naquela

semana e durante o ano não coloca nada em prática. Então o que precisava rever? Esta

semana pedagógica primeiramente. De repente, dividir, três dias pra esses textos, esses

estudos, pra essas propostas curriculares, toda essa parte burocrática da escola, que é o

plano anual, tudo isso e dois dias, vamos sentar pra questões da mesma área, conversar,

troca de experiência. (Prof. 3 – Vale).

É, mas você veja, vem aquilo lá pronto da SEED, vem de lá pra você fazer análise, pra você

fazer resumo. Gente, não é isso que a gente precisa. Eu vejo assim: a gente precisa de coisas novas, não aquela mesma coisa que você tá escutando, vendo toda hora, o tempo

todo. Vêm aqueles mesmos textos todo ano, não mudam nem os textos, então você acha, é

cansativo pra caramba, você vir pra um lugar .... (Prof. 2 – Vale).

As pessoas não se envolvem, não existe envolvimento, então quando existem esses cursos,

reuniões, semanas pedagógicas existe todo um material teórico e a prática não acontece de

acordo com a teoria. E eu discuti muito isso numa das reuniões com a direção e com todos

os professores que teoria-prática não andam juntas, porque os professores se reúnem e lêem

os textos e a equipe pedagógica e a direção não participam. Então eles não estão, eles não

sabem o que acontece. (Prof. 2 – Gema).

Você vê as fugas nas reuniões pedagógicas, você consegue perceber isso, como tem. Sexta-

feira mesmo vinha uma, saía, deixava o livro pra mim, outra saía. É igual aluno, muitas vezes, eles agem como alunos, a gente critica o aluno que ta conversando em sala de aula,

mas muitas vezes, nas reuniões pedagógicas, tá o povão conversando num bloquinho,

outros conversando noutro bloquinho [...] ou pegar e achar uma desculpa pra cair fora, eu

não sei, essas pessoas devem estar muito preocupadas com a vida privada delas. (Prof. 5 –

Gema).

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Não, as pessoas não gostam, principalmente, o que eu vejo que os colegas não gostam é

daquelas leituras de início de semestre. Ah, quanto lê isso de novo e eu não vejo dessa

forma, porque tem vez que são uns textos chatos [...]. (Prof. 6 – Gema).

As falam deixam ver a relação estabelecida entre as reuniões pedagógicas a o

recebimento de políticas da SEED, assim como a associação entre as reuniões e a dificuldade

de relação teoria x prática. A negação das metodologias propostas e a percepção clara da não

aceitação das reuniões pelos próprios colegas também apareceram; mas, reiterando novamente

a dificuldade da escola em falar sobre sua própria prática, ficaram apenas no âmbito da

entrevista, não sendo reveladas de modo formal, no interior das próprias reuniões.

Tal descrença dos professores em relação aos processos que se dão na semana

pedagógica é fator que merece atenção, especialmente porque as três tecnologias centrais para

o processo de gestão democrática da escola (os projetos pedagógico e curricular, construídos

através de movimentos de formação continuada associados a mecanismos de auto-avaliação)

se desencadeiam por meio dela. Assim, a pouca representatividade da semana pedagógica

significa, por certo, a pouca representatividade, também, das referidas tecnologias na gestão

do trabalho pedagógico.

Se as menções feitas à semana pedagógica subentendem uma crítica ao processo de

formação continuada (haja vista que elas são, por excelência, momentos de formação),

também no que tange ao projeto político-pedagógico – foco maior da programação

estabelecida pela SEED para as semanas, desde 2005 – as referências estabelecidas expressam

seu significado como instrumento formal e com maior caráter técnico, pois a ele se associam

planos de ação/subprojetos ou normas a serem observadas e um código de trabalho ou

processo aglutinador, indicador daquilo que as pessoas acreditam e buscam na escola, de

crenças e metas negociadas e estabelecidas na colegialidade. Nossa tese se confirma, também,

diante das respostas dos entrevistados quando perguntados sobre quais as metas buscadas.

Na Escola do Vale, as respostas obtidas foram:

Eu vejo que tem uma preocupação grande primeiro pra que esses alunos saiam do colégio, a

gente vê lá no ensino médio, a espera que o aluno da oitava (série) dê continuidade [...]

seja através da universidade, seja através de um curso técnico, também se tem a

preocupação que ele consiga se inserir no mercado de trabalho [...]. (Diretor – Vale).

As metas são uma qualidade melhor de educação, tanto é que a gente tem assim uma

atenção maior para a comunidade, por isso foi implantado o curso técnico em meio ambiente [...]. Eu acho que a gente ta procurando uma qualidade maior. (Professor 2 –

Vale).

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Uma boa pergunta que eu te devolvo, eu te dou a resposta com a mesma pergunta: quais são

as metas? (Professor 5 – Vale).

Qual é o nosso primeiro valor? É o aluno [...]. Então uma das metas, acredito, é o aluno, é

que sirva, vamos dizer assim, vem ele, nós temos que mudar, temos que educar e temos que

prepará-lo pra vida. Qualidade, formação, preparar o aluno mesmo. (Professor 3 – Vale).

A busca da formação humana da pessoa. Cada professor busca passar o seu conteúdo, ser

um bom professor dentro da sua matéria, mas a formação humana, os valores, a questão da

cidadania é muito presente. A conservação da escola é muito cobrada dos alunos e isso faz

parte da formação... da educação. (Pedagoga 4 – Vale).

A escola busca melhoria. (Vice-Diretor – Vale).

Um ensino de qualidade, um ensino de qualidade, o curso técnico pra estar atendendo aí as

demandas das pessoas pós-médio que estão sem trabalho. (Pedagoga 1 – Vale).

Olha a primeira preocupação mesmo é a aprendizagem. A gente percebe assim que o nível

de conhecimento dos alunos é muito deficitário, eles sabem muito pouco sobre tudo e aí

aquela questão do resgate [...]. E junto com essa questão, criar um ambiente de disciplina,

de ordem, de organização que favoreça a aprendizagem. (Pedagoga 2 – Vale).

De uns tempos pra cá, nós realmente estamos tentando um ensino bem melhor [...] que a

escola seja realmente democrática, que todos participem e que o ensino seja bem melhor,

traduzindo isso em índices, em notas. (Pedagoga 3 – Vale).

[...] Estar preparando melhor o aluno pro mundo lá fora. Estar preparando ele pra, digamos

assim, enfrentar a vida lá, pra que ele saiba, pra que ele seja crítico, que ele tenha uma boa

formação pra poder competir lá fora, na hora que ele for procurar um emprego, na hora que

ele for busca uma atividade diferente. De certa forma, também preparar pro vestibular, mais

não só isso também, porque muitos ali não vão fazer o vestibular, a gente sabe. (Professor 1

– Vale).

Na Escola da Gema, por sua vez, as respostas que obtivemos quanto às metas da

escola foram:

Dentro da proposta político-pedagógica, o ensino. Eu não vou te garantir, porque eu não li a

proposta político-pedagógica na íntegra [...] eu não trabalhei em cima, não vou te dizer que eu conheço porque eu não conheço. [...] Eu acho que a preocupação nossa deveria ser a

preocupação integral do aluno, mas eu não tenho percebido isso. [...] Na verdade a escola

acho que está mais preocupada com os problemas pontuais, na medida que eles vão

surgindo vão tentando resolver, mas enquanto meta não consigo vislumbrar. (Prof. 5 –

Gema).

A escola se preocupa com uma educação de qualidade. Então passar de forma qualitativa os

conteúdos programáticos ali de cada disciplina, lógico que dentro das possibilidades, dos

recursos que nós temos. [...] A fala do diretor, da equipe pedagógica, o comprometimento

dos professores me fez perceber isso. A presença e a participação, a postura dos professores

na reunião pedagógica. (Prof. 8 – Gema).

Eu acho que o objetivo maior da escola é desenvolver a responsabilidade, é uma mudança

de comportamento, eu acho que, eu percebo isso por parte da direção, da supervisão que

eles querem assim que o aluno entenda a educação e a escola e todo esse sistema como se

ele fosse um prolongamento da sua vida profissional também, entende? [...] (Prof. 7 –

Gema).

Uma coisa que a gente sempre está batendo é o resgate de família, que já é uma visão aqui

na nossa escola assim, meio que geral, que os alunos que têm maior problema, maior

dificuldade na escola, ele vem de uma família que tem dificuldades de conviverem entre si,

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de viverem uma vida legal. Então isto é uma coisa assim que nós temos buscado, fazer

reuniões com pais, você mostrar, em primeiro lugar, pros pais a importância de se estudar.

(Prof. 6 – Gema).

Ela busca sempre o que todas as escolas buscam, orientar o aluno de forma que ele possa

seguir em frente. É uma prioridade deles, e além de tudo a educação em si, porque uma

educação que hoje em dia já não vem mais de casa, eles acham que tem que fazer aqui, a

parte da educação. Eu acho que as metas são essas aqui na escola. (Prof. 4 – Gema).

Não, pelo que eu vi hoje na reunião daquela sala da pedagoga da manhã, Roseli, é aprovar

mais alunos, não sei, sinceramente metas maiores, não vejo. (Prof. 3 – Gema).

De ir lá e dar a sua aula e ir embora. Não tem uma meta. Até agora eu não percebi nada

disso dentro da escola. (Prof. 2 – Gema).

A qualidade de ensino, eu acredito. Que o aluno saia daqui sabendo o básico que ele

deveria saber na oitava série ou no ensino médio. [...] Além da disciplina, a gente procura

com que ele se aproprie dos conteúdos, então isso é uma preocupação geral. (Prof. 1 –

Gema).

Bom, a princípio, que o aluno consiga [...] realmente se desenvolver. [...] Então a nossa

prioridade, claro, é o aluno, pra que ele consiga atingir a meta dele, que é o ensino fundamental e, agora, o médio. A conclusão. [...] uma formação melhor dele, mesmo na

atividade profissional depois. Posteriormente, que ele possa continuar de uma forma a vida

dele, um cidadão de verdade, que possa sair de repente trabalhar, ter uma possibilidade

maior. (Pedagoga 1 – Gema).

Nenhuma, eu não percebo nada, eu não sinto assim porque as outras escolas em que eu

trabalhei, do Estado, eu falo do Estado comparando: vamos, esse ano nós temos que

diminuir a evasão, esse ano nós temos que desenvolver tal e tal projeto, aqui não. Não tem,

não existe nada. Eu tenho que ir lá dar a minha aula, os alunos têm que tirar nota, entregar

nota, passar o boletim, fulano pegou tal projeto, beltrano pegou tal projeto e eles que

desenvolvam. Não tem assim uma meta, vamos fazer tal coisa, que tal se, não, aqui não existe isso, eu não percebo. [...]. (Pedagoga 2 – Gema).

Eu acho que o objetivo da escola é fazer com que o aluno aprenda.[...] Aqui é escola e a

função da escola é o conhecimento hoje, é isso que o nosso aluno procura. Ele não está aqui

procurando se ele vai ter só o arroz com feijão, a merenda pra pegar, nós temos que fazer

com que esse aluno saia daqui com o conhecimento, essa é a nossa função dentro da escola.

Então é essa a nossa luta, a luta, mas não uma luta minha enquanto diretor da escola, é uma

luta que os professores que estão aqui criaram uma identidade com essa escola e que

querem esse objetivo. (Diretor – Gema).

Nas duas escolas os discursos revelam a difusão de opiniões e/ou desconhecimento

de causa em termos daquilo que a escola busca. A idéia de qualidade de ensino aparece de

modo esvaziado, já que não é associada a nenhuma prática concreta; elementos de maior

dimensão, como a formação integral e o desenvolvimento do aluno chocam-se com outros

restritos, como o ensino, a conclusão dos estudos ou o ingresso no mercado de trabalho.

No conjunto, pode-se depreender que o sentido convencionado é o da dimensão

utilitarista da formação, voltada à preparação para o trabalho. Por certo, tal finalidade vai ao

encontro de uma das possíveis motivações presentes entre os alunos e suas famílias e que, de

fato, não pode ser ignorada pela escola. Contudo, uma dimensão deveria ser uma decorrência

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no interior de um projeto social e de vida, pois quando tomada de modo dissociado tende a

minimizar o sentido real da formação escolar, que é a aquisição de conhecimentos. É bastante

provável que a visão utilitarista da escola (tanto por professores como por alunos, se existir)

esteja no centro das questões motivacionais e disciplinares que continuamente se apresentam.

Ainda que vários professores tenham afirmado desconhecer as metas da escola, a

própria divergência entre os que elaboraram respostas confirma a inexistência dessas metas,

que foram apontadas sem critério nem referência. Esse quadro de “falta de rumo” é revelador,

por sua vez, da pouca sistematização em termos de diagnóstico dos pontos frágeis e de

necessidades, pois a falta de clareza sobre a missão ou sobre as metas a serem buscadas indica

que não houve uma avaliação da prática escolar, identificação de problemas e conseqüente

reflexão: é bem provável que os problemas não conduzam às soluções e mudanças

necessárias, ainda que elas sejam muito necessárias. Demonstra, também, a ausência de

concepções norteadoras, de pressupostos teóricos que espelhem as crenças e valores da

escola.

No conjunto, pode-se inferir que as escolas não possuem um projeto pedagógico

orgânico, fruto da prática vivida e sentida e articulado às idealizações formuladas em relação

a essa prática. Constata-se, também, que o objetivo instituinte da SEED sobre a escola, de

desconcentrar a elaboração das propostas pedagógicas por meio do trabalho que estruturou

nas semanas pedagógicas, não se efetivou ou ocorreu de modo parcial. A ausência de uma

identidade viva e de finalidades educativas claras, associadas ao projeto político-pedagógico

são a maior prova de nossa conclusão.

Na verdade, quando se pensa em formação de professores, na elaboração de uma

proposta pedagógica e curricular de escola, no estabelecimento de processos de auto-

avaliação e definição de planos de ação, há que se ter como pressuposto a idéia de reflexão

sobre a prática: não apenas a capacidade de intelectualizar ou racionalizar idéias e problemas,

mas essencialmente a capacidade de congregar o coletivo num processo de olhar para si

mesmo e fazer fluir, pelo diálogo, os diferentes saberes e modos de perceber/sentir a

realidade, frutos da experiência sobre a mesma. A reflexão representa a possibilidade de que

se construa uma identidade institucional.

Contudo, tomando os dados de observação e entrevista, entendemos que as reuniões

pedagógicas (como instâncias de formação continuada) e as demais tecnologias que elas têm

auxiliado a desencadear (em especial, o projeto pedagógico da escola e o plano de trabalho

dos docentes), do modo como têm sido encaminhados, revelam pouco da epistemologia do

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trabalho escolar, pois não partem de tal prática e permanecem, na maior parte do tempo, à

margem dela.

Nossa afirmação se baseia na constatação das dificuldades sentidas pelas escolas para

refletirem sobre si mesmas como instituição, sobre a organização que ajudam a estabelecer,

sobre o trabalho que desenvolvem cotidianamente. É importante perceber que o próprio ponto

de partida, o estudo de textos, pode desencadear um movimento bloqueador se a teoria passar

a ser vista como uma referência primeira, diante da qual a prática será confrontada. Feito de

tal modo, o confrontamento entre teoria e prática leva, indubitavelmente, a uma percepção

negativa da prática ou, quem sabe, a um descrédito em relação à teoria, ali apresentada quase

como um modelo idealizado e a ser seguido. Falando sobre a formação universitária, Tardif

(2002, p. 257) explicita o distanciamento entre esta e os saberes profissionais dos professores:

Essa distância pode assumir diversas formas, podendo ir da ruptura à

rejeição da formação teórica pelos profissionais, ou então assumir formas mais acentuadas como adaptações, transformações, seleção de certos

conhecimentos universitários a fim de incorporá-los à prática. Desse ponto

de vista, a prática nunca é um espaço de aplicação de conhecimentos

universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior

das hipóteses, um muro contra o qual vêm se jogar e morrer conhecimentos

universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho docente diário nem com os contextos concretos de exercício da função

docente.

Essa dificuldade poderia ser superada se, ao contrário, a própria prática e os saberes

nela gerados fossem tomados como o ponto de partida, buscando sua epistemologia:

[...] revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem,

utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos

inerentes às suas atividades de trabalho. [...] também compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de

trabalho docente quanto em relação à identidade profissional dos

professores. (ibid., p. 256).

A questão é que as escolas demonstram autonomia ou capacidade instituinte para, de

certo modo, burlar aquilo que a Secretaria lhes impõe: minimizando a realização das

atividades, alterando a destinação do tempo, realizando de modo técnico e rápido as

atividades propostas, realizando individualmente o que deveria ser feito pelo coletivo,

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desviando o debate para as pautas que lhe interessam. Por que não usam, então, esse mesmo

poder para alterar o trabalho nas semanas pedagógicas? As escolas poderiam ser instituintes

também para fazer emergir as crenças e percepções dos professores, os saberes por eles

construídos para lidar com as dificuldades cotidianas, mas não o fazem.

A atuação das pedagogas nas reuniões/formação continuada de professores foi

central no movimento constatado porque, enquanto coordenadoras do trabalho em questão e

diante da própria autoridade que a função lhes atribui (conforme constatado na análise do

regimento escolar), elas detêm, já de início, uma espécie de “licença” que lhes permite alterar

os rumos do trabalho ou mesmo consentir que esse rumo seja alterado pelos professores. E se

o fazem é, certamente, porque há, por detrás dessa condução, uma lógica.

Assim, acompanhando as reuniões pedagógicas como momentos de formação

continuada dos professores e etapas articuladoras do trabalho em torno das tecnologias

voltadas à organização do trabalho curricular-pedagógico da escola (ou de seu trabalho

pedagógico), em especial o projeto político-pedagógico, observamos que gestores e

professores não costumam dialogar e discutir abertamente sobre as práticas educativas

concretas e sua epistemologia e, mais ainda, que essa situação não é apenas rara, como é,

principalmente, evitada. Mostrou-se claro, tanto na Escola do Vale quanto na Escola da

Gema, que durante os momentos coletivos a lógica que prevalece é a da formalização das

situações e a da não articulação entre a prática escolar desenvolvida pelos educadores e os

resultados da aprendizagem, confirmando a lógica também observada no conselho de classe.

Nas reuniões pedagógicas o foco se mantém sobre o aluno, sua família e o meio social, e a

crença na total validade do trabalho de cada um permanece implícita e legitimadora do não

questionamento dos pedagogos em relação ao trabalho docente e de docentes em relação à

gestão do trabalho pedagógico da escola. As pedagogas se mantêm relativamente “fiéis” às

pautas da SEED e distanciadas dos professores, não levantando questões ao grande grupo nem

se sentando individualmente com eles quando trabalham em pequenos grupos; os professores,

por sua vez, também se conformam com a condução dada e silenciam-se, apesar de

reconhecerem a inviabilidade e não exeqüibilidade daquilo que está sendo feito.

Nossa hipótese é a de que tal lógica de distanciamento, silenciamento e conformismo

é, na verdade, uma grande ação micropolítica da escola para manter viva sua tradição,

garantindo a manutenção do até então instituído. O reconhecimento da validade ou não de

nossa hipótese exige analisar, também, a gestão das questões de ensino-aprendizagem ou do

trabalho didático-pedagógico que se dá para além das situações de reunião pedagógica, no

cotidiano escolar.

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6.2.2.2.2 Questões didático-pedagógicas

Considerando-se a lógica que a SEED tem buscado imprimir às escolas por meio de

suas políticas e, também, a própria elaboração acadêmica sobre gestão escolar e trabalho

docente, entende-se que a gestão das questões didático-pedagógicas das escolas precisam

estar diretamente vinculadas à gestão das questões curriculares-pedagógicas, pois o ensino-

aprendizagem na sala de aula precisa decorrer de um projeto pedagógico de escola

coletivamente construído e, por isso, legitimado pela comunidade que, por meio dele, se

identifica.

Desse modo, ao mesmo tempo em que a autoridade sobre a gestão do trabalho

pedagógico seja dada às equipes de gestão e pedagógica, os professores são também co-

responsáveis e co-decisores em relação às mesmas. No que tange ao trabalho didático-

pedagógico a situação se reapresenta, porém de modo invertido, pois os professores possuem

a autoridade maior; mas, ainda assim, as equipes de gestão e pedagógicas são co-responsáveis

e co-decisoras.

Embora nossa pesquisa não tenha objetivado a análise da atuação docente em sala de

aula, haja vista que nosso objeto é a gestão do trabalho pedagógico (dimensão coletiva) da

escola, entendemos que o conhecimento das características que o ensino-aprendizagem possui

é necessário: primeiro, porque elas originam ou tornam necessário um encaminhamento

próprio de gestão; segundo, porque se pressupõe que originem a gestão do trabalho

pedagógico e, ao mesmo tempo, sejam geridas por demandas naquele âmbito surgidas. Na

medida em que nossa observação sobre o ensino-aprendizagem foi indireta nas situações em

que circulávamos na escola, fotografávamos ou conversávamos com pessoas, tomaremos por

base também as percepções dos próprios educadores sobre o mesmo, visando identificar

inicialmente, então, as características do trabalho docente.

Tanto na Escola do Vale como na Escola da Gema, o estilo de ensino que predomina é

o frontal, centrado no professor; o desenvolvimento das atividades se faz em geral na sala de

aula e as carteiras dos alunos são dispostas em fila, voltadas para o quadro de escrever. Os

livros didáticos são usados quando disponíveis, embora na maioria dos casos não sejam de

propriedade dos alunos: estes os utilizam durante as aulas e os devolvem ao final, para que

sejam ocupados, na seqüência, por outras classes (configurando o que as escolas denominam

de “kits” de livros didáticos). A dinâmica de utilização dos livros por meio de kits é associada

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a atividades regulares de cópia do quadro ou do próprio livro, motivo pelo qual o caderno dos

alunos é um dos principais instrumentos de estudo e trabalho.

Na Escola do Vale pudemos observar, em uma ocasião, um professor que ministrava

sua aula na sala externa30

; a existência de laboratórios, por sua vez, não significa

necessariamente que as aulas de ciências oportunizem essa vivência. Aulas-passeio ou visitas

a outros ambientes, visando ao aprofundamento de estudos ou à contextualização de

conteúdos, ocorrem algumas vezes, mas poucas. Na Escola da Gema, a inexistência de

laboratório, por si só, já priva os alunos de tal experiência e as condições financeiras dos

alunos, associadas à distância geográfica da escola, são também determinantes da realização

de atividades extra-escolares. Um grupo de teatro, coordenado nos horários vagos pela

professora de língua portuguesa, quebra às vezes a rotina didática. Em ambas as escolas é

possível assistir a iniciativas de trabalho em grupo, aulas com vídeo, uso de multimídia ou

retroprojetor (conforme a disponibilidade), mas essas práticas são exceções, e não a regra; do

mesmo modo, a investigação dos alunos sobre o conhecimento, mediado não apenas pelo

livro didático em uso, mas por outros livros e fontes alternativas, não compõe, por certo, a

tradição didática das escolas. A representação que os próprios professores e pedagogos

possuem sobre o estilo de ensino de suas escolas reafirma nossa percepção:

São poucos os professores que trabalham nesse sistema assim de fazer pesquisa. (Prof. 1 – Vale).

Aqui é mais clássico mesmo, o pessoal é mais centrado em livros. [...] Eles se preparam

naquilo que ele tem no caderno, como um livro. No caso os professores que trabalham, por

exemplo a de Ciências, ela faz eles resumirem, ela passa o resumo. Quando ela faz a síntese

dela, ela passa a síntese e em cima daquilo ela trabalha a sua avaliação, por exemplo.

(Professor 4 – Vale).

Talvez se eles dessem essa abertura pro aluno, do aluno argumentar e de eles também

argumentarem junto pra evitar de aquele aluno deixar de fazer tanta atividade, que me dá

uma impressão assim que, as vezes, o aluno se cansa também, acho que de tanto o professor pegar no pé dele, que ele cria até uma rejeição por aquela disciplina. [...] Eu não sei até que

ponto você vai utilizar isso, mas eu tenho professor aqui que dá aula sentado. Assim, o

aluno vai fazendo as atividades, eles lêem a atividade, fazem atividade, mostram pra ela e a

aula acaba. No dia seguinte é a mesma coisa, eles lêem o texto do livro, fazem atividade,

mostram pra ela. Poxa, não tem como o aluno gostar da matéria. (Diretor – Vale).

[A escola precisa avançar] em apoio, apoio, principalmente, recursos relacionados à área,

na qual você seria responsável por preparar eles pra atividades extra-classe, no caso, seria

gincana, feiras, concursos, promover mais concursos, não ficar apenas a criança em sala de

aula [...]. Agora substantivo ele vai aprender até o terceiro ano do ensino médio, o adjetivo

30 A escola conta com três ambientes pedagógicos externos: um permite “aula” no sentido convencionado do

termo, pois possui quadro de giz (pintado na parede) e mesas de concreto para que os alunos trabalhem com

leitura e escrita; os outros dois se configuram como espaços mais organizados para apresentações, pois possuem

palco em destaque e lugares para público.

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também, mas a fala dos patrulheiros de orientação, isso, de repente, ele não tem a

oportunidade amanhã de ouvir, já é muito tarde. (Professor 3 – Vale).

É, infelizmente dentro do Estado o material que a gente tem é quadro e giz. A escola aqui,

graças a Deus, está um pouco mais modernizada, nós temos até o multimídia, agora dá pra

você trabalhar diferenciado. Eu vejo assim, pela manhã, as aulas, talvez um pouco mais

dinâmicas, então vem-se pra vídeo, vem-se pra multimídia, e o próprio DVD.; Às vezes, os

alunos estão fora de sala fazendo atividade, eu mesmo várias vezes já coloquei eles pra

atividades fora. À tarde a aula é um pouco mais expositiva [...], acho que de manhã é um

pouco mais dinâmica. (Professor 2 – Vale).

Tradicional, não sai muito para os meios mais modernos não, até porque a escola também

não oferece toda essa tecnologia moderna pra trabalhar com os alunos. E quando tem

alguma coisa há dificuldade de trabalhar com os alunos porque não há receptividade da

parte deles: eles também já vem acostumados àquela situação tradicional, quando você põe

algo novo pra eles, pode ser até chamativo, pode até entusiasmá-los, mas uma ou duas aulas

depois acaba, ou seja, o professor vai ter que se desdobrar pra poder novamente cativar esse

aluno, então o que é mais fácil? Ficar no tradicional, é mais cômodo, isso eu percebo que

acontece. Mas não somente aqui, eu acho que como um todo. (Professor 5 – Vale).

Eu não gosto muito dele [do livro didático] porque ele tem textos muito longos pra 5 série.

[...] eu resumo os textos, passo no quadro textos resumidos ou então em turmas mais indisciplinadas eu dito porque se eu passar no quadro eles não copiam, daí eles ficam com a

matéria, então eu dito os textos ou passo no quadro, explico, fazemos exercícios. Quando

dá, se juntam turmas pra assistir vídeo [...]. Eu vejo assim que é difícil, porque as aulas se

resumem a isso, ao texto, porque eu não tenho… A correção dos exercícios, depende do

tempo, quando eu estou com mais tempo eu faço a correção no quadro, eles vêm e

respondem, quando eu estou mais assim apurada com o conteúdo, eu peço fulano de tal,

leia o teu, fulano de tal leia o teu, daí eu, mais ou menos, junto assim, eu vejo se está certo

ou se está errado, e daí eu junto. [...] Vejo [o caderno deles], vejo, eu aliás, eu passo visto

quase em todos os exercícios, eu não leio exercício por exercício mas, por exemplo, se eu

dou uma tarefa, na outra aula eu passo um visto, nem que seja só um V pra economizar

tempo [...] assim de vermelho, quem fez, vendo quem fez, porque mesmo que tiver errado, mais pelo menos, ele tentou fazer, e daí depois eu corrijo, corrijo oralmente ou corrijo no

quadro. [...] então no final do bimestre [...] vai quase que uma aula inteira, que eu passo

assim alguma atividade de revisão ou alguma coisa assim complementar [...]. Daí nesse dia

eu olho o bimestre inteiro, eu vejo se os textos estão completos, se os exercícios, daí nesse

dá tempo, de eu pelo menos dar uma olhada assim mais geral nos exercícios, vai uma aula,

mas eu consigo fazer isso todo bimestre. (Prof. 3 – Gema).

Tradicional, eu vou lá na frente, eu explico, dou aula e eles me ouvem, o dia que eu não

estou afim, eu trago um filme pra você assistir, aí eu reúno dois ou três turmas e daí nós

assistimos um filme. Quando chove ou quando tem geada muito forte, elas já vêm com uma

fita debaixo do braço porque naquele dia a pretensão é reunir as turmas. [...] Então é o

tradicional mesmo. (Pedagoga 2 – Gema).

As minhas e dos colegas, acontecem assim: nós introduzimos um assunto novo, muitas

vezes, em forma de conversação, trabalhamos textos ou atividades e fazemos um

fechamento, uma conclusão daquele assunto, que às vezes está dentro do conteúdo

programático, e as vezes, é um assunto novo que a gente traz pra complementar o conteúdo

do planejamento. Nós precisamos estar sempre trabalhando com resumos, então aquilo que

poderia render muito mais, e ele ter muito mais conteúdo, nós temos que estar parando e

fazendo resumos no quadro, fazendo anotações no caderno pra que ele, não tendo livro,

tenha, pelo menos, algumas anotações pra poder estudar. Então nós conversamos e eles

anotam, nós lemos e eles anotam. Lançamos um assunto, conversamos sobre ele, eles

necessariamente têm que anotar. (Prof. 8 – Gema).

[...] um atrás do outro, aquilo lá tradicional mesmo, lá de que, muitas vezes, o aluno ta

olhando a nuca do outro, não sabe nem o que tá pensando. (Prof. 5 – Gema).

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Eu faço resumo das aulas pra eles, todas as aulas nós passamos resumos, é como se

fosse......mas resumo escrito, eles copiam do quadro, eles mesmos, não eu passo, entendeu,

xerocado não. Funciona, funciona, funciona porque você já passou o texto, você já leu o

livro, você já discutiu com eles, o assunto você já leu, você já discutiu, agora é só você

fazer o resumo do que você discutiu em sala de aula, do que você trabalhou em sala de aula,

então é uma maneira de fixar pra eles também, você já falou, você já leu e agora você vai

escrever, eu acho. (Prof. 4 – Gema).

Olha, os professores, a maioria são professores que são realmente efetivos, a gente vê o

envolvimento, mas eu vejo ainda um professor muito tradicional. Eu vejo ainda assim, são

poucos aqueles que fazem um trabalho assim, é um pouquinho diferente, digamos assim, mas ainda é a base da lousa e do giz; eu questiono bastante essa questão de sempre encher

quadro pra aluno e isso ainda a gente vê muito. Professores que silenciam os alunos e é o

que eu percebo, que escreve o tempo inteiro, a aula inteira escreve no quadro. Não são

todos, tem os que levam, trabalham com a televisão, com vídeo, com o rádio, mas eu

percebi no meu próprio trabalho uma resistência dos alunos. (Prof. 2 – Gema).

Os extratos de fala demonstram com clareza um estilo de ensino tradicional, voltado

ao desenvolvimento de leituras, cópias e resolução de exercícios. Consideramos que essa

situação se agrava ainda mais diante do fato de que o livro é apenas um recurso inicial, e não

a real fonte de estudos, já que os alunos o utilizam mais para leitura e que predominam os

resumos feitos pelos professores, os quais servirão de base, inclusive, para o estudo posterior

do conteúdo. A idéia de inovação aparece associada à de recursos audiovisuais, sugerindo que

os meios sobrepõem-se aos fins e justificam a si mesmos, já que não há demonstração de que

eles estejam inseridos numa proposta de ensino diferenciada, construindo novas formas de

aproximação entre o aluno e o conhecimento.

O estilo de aulas que predomina – leitura (quando há), cópia de resumos, explicação –

contradiz as premissas de qualidade, cidadania e aprendizagem efetiva expostas pelos

professores quando falaram de possíveis metas da escola. Por certo, esse estilo está

diretamente relacionado com o quadro de desinteresse discente (atestado pelos professores)

face às atividades escolares, pois reduzem intensamente as possibilidades lúdico-

investigativas de contextualização, de abordagem interdisciplinar e de diálogo

problematizador e argumentativo, relacionadas a uma aprendizagem significativa.

Acreditamos que para converter-se em instituição efetivamente democrática e atuar

de modo crítico e emancipatório, a escola precisa fundar sua prática educativa numa

abordagem que considere as multidimensionalidades ligadas ao ensino-aprendizagem, a

complexidade de tal processo e a dimensão relacional intervenientes levando o ensino da

simples dimensão de transmissão à dimensão de mediação, conforme explicita Moraes (2004,

p. 16):

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A mediação pedagógica, sob o olhar da complexidade, pressupõe humildade

e abertura ao reconhecer a existência de múltiplas vozes, a expressão da

diversidade e da polifonia social, a presença enriquecedora do outro, já que ambos crescem juntos, evoluem coletivamente, e, assim, vão criando,

negociando e transformando a sua realidade social. É um diálogo que

envolve uma compreensão mais ativa dos sujeitos implicados, onde quem

escuta, interpreta, relaciona, imagina, faz algo diferente com a informação que circula, e transforma-a em algo que também passa a ser seu. [...] A

diversidade de estilos, de metodologias de ensino e técnicas de

aprendizagem favorecem a circulação de idéias e o fluxo de informações, o que permite o alcance dos objetivos pedagógicos e enriquece qualquer

dinâmica educacional. A diversidade de estilos de escrita ou as diferentes

possibilidades de expressão e compreensão enriquecem também as

experiências de aprendizagem coletivas, bem como dá um colorido diferente e uma nova tonalidade a partir das multivozes que se apresentam. Assim, sob

o olhar da complexidade, mediação pedagógica implica uma perspectiva

dialógica que concebe a co-criação de significados entre diferentes interlocutores, o que estimula o desenvolvimento de ações mediante as quais

as pessoas criam juntas, dialogam e transformam o objeto do conhecimento,

a sua realidade, enquanto se auto-transformam. Os interlocutores encontram-se imersos numa ecologia de ações e de significados (Schnitman, 1999) que

emerge e ressoa em múltiplas direções, contribuindo assim, para um

processo co-evolutivo de crescimento e transformação sem fim.

Ao contrário do que afirma Moraes (2004), para os educadores não existe uma co-

relação direta entre o estilo de ensino empregado e as finalidades educativas buscadas; e

provavelmente por esse motivo, eles consideram que ao mesmo tempo em que as práticas de

ensino são predominantemente “tradicionais”, elas podem ser “bem feitas”. Isso ocorre

porque, para eles, o qualificativo do trabalho docente não está relacionado à natureza que o

mesmo segue, mas sim ao componente ético ou de responsabilização com que é realizado.

Assim, os professores são considerados bons não porque tenham conseguido romper com sua

centralidade na docência, convertendo os alunos em sujeitos de sua aprendizagem; eles são

tidos como bons porque demonstram esforço, comprometimento, seriedade para com a escola

e o aluno, elementos que se aproximam daquilo que Contreras (2002, p. 74) denomina de

profissionalidade ou profissionalismo docente, “[...] qualidades da prática profissional dos

professores em função do que requer o trabalho educativo”. Isso fica bem evidente nas

manifestações dos gestores relativamente à sua percepção da qualidade do trabalho dos seus

professores, conforme se pode verificar nos extratos abaixo:

O trabalho dos professores é bom. Eu vejo assim que a maioria dos professores, eles

conseguem diversificar suas atividades, os alunos querem bem esses professores, eles têm

um bom relacionamento entre eles. A maioria deles respeita as normas que são discutidas

na semana pedagógica, trabalham nos projetos da escola, participam das atividades que a

escola propõe, tem as atividades que a APM desenvolve pra trazer recursos pra escola, tem

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um percentual pequeno, eu tenho um percentual pequeno de professores que não se

integram como deveriam, que não mudam nada, nada, nada, de um ano pro outro. (Diretor

– Vale).

Eu vejo assim, força de vontade dos professores, a grande maioria, de sempre continuar

batalhando, apesar dos pesares. Você sente que, as vezes, desanima assim, mas daí vem

umas férias de duas semanas que tem agora e volta-se tentando, a gente sempre procura o

melhor. O professor, por mais que esteja cansado, ele diga: mas essa turma é terrível, não

sei o que, mas nem por isso ele deixa de entrar lá e tentar passar o melhor [...]. (Professor 4

– Vale).

[Os professores] procuram fazer um trabalho responsável, mas poucos são inovadores...

uma prática mais clássica. (Pedagoga 4 – Vale).

É tem professores que são assim bem comprometidos, gostam de trabalhar aulas diferentes,

usam material diferente. Eu acho que a maioria é assim. [...].(Professor 1 – Vale).

Os professores desta escola, eu vejo que eles buscam uma melhor qualidade de ensino. Eu

vejo que eles correm atrás, eu vejo a grande maioria se esforçando para dar o melhor para

seus alunos, tanto que a gente, no final do ano, deu uma listagem pra eles, o que você

precisa pra sua aula. Eu preciso de mapa disso, disso. O que foi pedido pra nós, nós

compramos. Então se eles buscar, eles tão tentando melhorar e a gente, o que a gente pode ajudar, a gente ta ajudando. Então eu vejo que, talvez, as aulas aqui deviam ser um pouco

mais dinâmicas, mas para ser dinâmica existe o fator investimento e esse fator investimento

precisa ser dado pelo governo, porque é muito fácil dar uma aula gostosa se você tem

aquilo que lhe proporciona. Mas à medida do possível, eu vejo que os nossos professores

aqui, da sua maneira, são empenhados em executar as suas funções. (Vice-Diretor – Vale).

Eu vejo que nós temos uma caminhada muito boa aqui na escola. O nosso corpo docente eu

considero muito bom, não temos assim questões que já vi em outras escolas [...] de

professor que faltava conteúdo pra ele dar aula, ele dava aula mas não sabia o que estava

fazendo em sala de aula. Então eu vejo aqui que nossos professores têm conteúdo, sabem o

que tão trabalhando, e como conduzir esse pessoal. Mas a gente pode se abrir um pouco mais pro mundo, pra relação. (Vice-Diretor – Vale).

Olha, no geral, eu acredito que bom. Nós temos alguns professores que eu ainda acho que

precisa sabe ter aí um apoio nosso, das pedagogas, ou uma formação continuada mais

firme, porque assim, deixa eu pensar no nosso grupo de professores, olha acredito aí que

uns 90% dos professores faz um trabalho bem jóia e alguns professores que, é um pouco

assim, simples as aulas, eu vejo assim que os alunos não tem aquela motivação. Mas é um

grupo pequeno, sabe. (Pedagoga 3 – Vale).

Eu não vejo professores relapsos, eu vejo professores comprometidos, sempre com aulas

preparadas, sempre com as avaliações em dia, seguindo a determinação da secretaria com

relação às provas, com relação às avaliações, trabalhos. Então são professores assim que cumprem muito bem o combinado, claro que tem exceções, mas poucas. (Prof. 8 – Gema).

Existem professores que estão extremamente preocupados com a aprendizagem,

professores que estão preocupados com a formação do cidadão. [...]. (Prof. 6 – Gema).

Os professores aqui são ótimos, são muito bons, pena que a clientela não absorve isso,

infelizmente não. (Prof. 4 – Gema).

As pessoas são comprometidas, são comprometidas dentro das suas limitações e aí coloco,

até me coloco nesse bolo, porque tem dias que eu também abro o livro de História e peço

pros alunos copiarem do livro um texto porque eu preciso fazer outra coisa e todos os meus colegas também fazem isso. [...]. (Prof. 3 – Gema).

Eu acho que eles realizam um bom trabalho perto do que se quer deles, na verdade. Eu acho

que eles fazem mais, na verdade, do que se pede. […] Sei lá, por eles acham, que por

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exemplo, assim, eles não se contentam com aquela coisinha daquele pontinho de conteúdo e

pronto e acabou. (Pedagoga 1 – Gema).

[...] hoje, pela forma como eles se comprometeram com a própria educação, pela maneira

como eles estão trabalhando, o otimismo com que eles estão fazendo com que os nossos

alunos tenham e recebam uma educação de qualidade, eu tenho que acreditar muito nos

nossos professores, pelo menos nos nossos aqui da escola. Eu não posso, de repente fazer

um julgamento, um pré-julgamento, mas com relação aos professores que eu tenho aqui

hoje, problemas todos nós temos, são problemas, são pessoais, mas com relação ao ensino,

todos os professores estão tentando fazer o melhor possível. (Diretor – Gema).

Olha, os professores, a maioria são professores que são realmente efetivos, a gente vê o

envolvimento, mas eu vejo ainda um professor muito tradicional. [...]. (Prof. 2 – Gema).

É fato que a profissionalidade docente não pode ser delimitada ou aferida apenas a

partir da prática didática dos professores, precisando ser contextualizada; e, também, que os

valores presentes na profissionalidade não são fixos, mas gerados no contexto de trabalho

docente (PAPI, 2005), até porque constituem um aspecto cultural. Ainda assim, Contreras

(2002) aponta a obrigação moral (compromisso com o desenvolvimento do aluno, acima das

obrigações contratuais), o compromisso com a comunidade (responsabilidade social da

docência como instituição) e a competência profissional (“saber fazer bem” [RIOS, 1997])

como dimensões que constituem a profissionalidade, motivo pelo qual o professor, como

sujeito, deve trabalhar voltado para sua autonomia. No sentido cunhado por Papi (2005, p.

44):

Por conseguinte, a autonomia tem sentido de construção, exercício,

requerendo ser vivenciada num sentido de interação da intra-subjetividade com a intersubjetividade. Isso implica o professor compreender a si mesmo,

bem como entender os seus critérios profissionais e o de outros profissionais

que possam estar envolvidos no processo de ensino.

No que tange ao trabalho docente e aos valores profissionais presentes no mesmo,

consideramos que nas escolas pesquisadas há isolamento profissional, uma pseudo-autonomia

que se revela pelo fechamento e ausência de discussão acerca dos sentidos e valores

existentes, bem como da co-relação entre as práticas de ensino construídas e o projeto de

escola buscado. Trata-se do mesmo desvio que se apresentou em relação a avaliação discente,

quando os educadores consideraram elementos atitudinais como esforço e dedicação de modo

isolado, sem relação com a aprendizagem efetivada e as necessidades daí decorrentes; aqui as

idéias de “bom ensino”, responsabilidade e envolvimento se apresentam de modo

desreferencializado e, portanto, destituído de sentido real.

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O não estabelecimento de relações entre os ideais de cidadania e aprendizagem

efetiva que constam das propostas pedagógicas e a prática de ensino-aprendizagem realizada

pelos docentes pode ser um dos fatores que levou as escolas a outro tipo de “disfunção”: elas

associam a idéia de inovação e qualidade de ensino à de desenvolvimento de projetos. Nas

entrevistas deu-se muita ênfase aos projetos “especiais” que as escolas desenvolvem durante o

ano: na Escola do Vale são quatro projetos, um a cada bimestre (científico, cultural, de

civismo e esportivo); na Escola da Gema os projetos são de cidadania e Valor à Vida. Os

projetos desenvolvidos em algum momento específico do ano, dentro de uma disciplina ou

articulando duas ou três delas, foram também destacados:

Mas o que a gente tem lá, já o terceiro ano, são os projetos, então cada bimestre tem um projeto, então é o projeto científico, o projeto cultural, o projeto esportivo, cada bimestre

tem um determinado projeto. [...]. Um lá vai fazer uma apresentação de teatro, então ele vai

trabalhar com os alunos pra essa apresentação. É um por bimestre. Na verdade é um por

ano. É quase meio que assim aquela comissão vai organizar, mas os demais têm que

participar também. Mas é aquela história, uns participam, outros fazem de conta. (Professor

1 – Vale).

Tem dificuldade, eu vejo, neste contexto eu vejo uma grande dificuldade [...] mas nós

precisamos de feiras culturais, precisamos de exposição científica, feira científica, esses

projetos também são o diferencial de um colégio, que é um ponto positivo, todo bimestre

tem um projeto no qual eles estão envolvidos e o resultado é ótimo, excelente mesmo.

(Professor 3 – Vale).

Uma preocupação é o que a gente chama de projeto cultural, em que eles desenvolvem

trabalhos relacionados à arte, à ciência. E, também, temos um projeto de formação que é

mais pra trabalhar com a questão emocional, psicológica, afetiva do aluno. (Diretor – Vale).

Eu acho que a escola lida pouco, mas está tentando mudar. Uma dessas, um desses avanços

são essas semanas que a gente tem feito, que colocou no plano, no projeto político-

pedagógico da escola, que são as semanas culturais, esportivas, científicas e de formação

humana. Essas semanas já estão dando uma abertura um pouquinho maior pro professor

trabalhar de uma forma diferenciada, dele realizar outras ações no sentido de fazer uma

interdisciplinaridade, de fazer com que o aluno trabalhe, de sair dessa prática só de quadro e

giz, fazer o aluno pesquisador, o aluno que trabalhe no sentido de abrir o seu mundinho, não só aquele de sala de aula, mas ampliar um pouquinho mais. (Professor 4 – Vale).

Nós temos projetos na escola. O ano passado e esse ano, nós temos o projeto Valor à Vida

que é desenvolvido na escola [...] um projeto maior que é englobar meio ambiente, saúde,

daí se é trabalhado sexualidade, é trabalhado a parte do meio ambiente, é trabalhado.

Professor de Geografia trabalha meio ambiente, o de História trabalha, mas tudo levado

para o Valor à Vida [...] Olha, hoje nós temos na área de Português, nós temos professores

que desenvolvem inclusive livros de poesias com os alunos, declamação de poesias, teatro,

professores trabalhando juntos, não da mesma área, mas trabalhando juntos. Professor de

Educação Física trabalhando com professor de Português, professor de Geografia

trabalhando com História, de Ciências trabalhando com Educação física, Artes trabalhando

com Matemática, então são integrados nessas áreas. Eles tentam fazer um trabalho integralizador. (Diretor – Gema).

A nossa maior dificuldade de trabalhar com projeto, a outra dificuldade é que o aluno fica

solto, no projeto o aluno fica solto, então é muito difícil você trabalhar com uma turma de

40. Eu trabalhei com dez alunos e já não foi fácil, porque eles ficam assim, eles criam

autonomia. Então, se por um lado é bom, porque você permite que o teu aluno tome

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decisões por si só, que não seja isso, faça aquilo, agora faça aquilo, aquele bonequinho, mas

por outro lado também, eu acho que nós não temos assim, como conviver com isso. (Prof. 6

– Gema).

Faz diferença e despertar bastante o interesse do professor em procurar melhorar o seu

trabalho, em procurar, por exemplo, desenvolver projetos, por mais que não seja um projeto

assim que extrapole tanto a vida escolar em si, porque você pode estar desenvolvendo um

projeto que você vá atingir a comunidade. Nesse ponto até eu acho meio difícil, não é tão

fácil você conseguir, mas um projeto assim de trabalho em sala de aula, nem que seja

aquele trabalho dentro da sala de aula comum, mas um trabalho assim que desenvolva sua

disciplina assim de uma forma mais alegre, mais dinâmica, mais produtiva mesmo. (Vice-

Diretor – Gema).

No dia-a-dia da escola, os projetos “especiais” são de fundamental importância, pois

representam a tentativa de criar práticas didático-pedagógicas alternativas. Na escola, a ênfase

sobre eles deu-se na primeira gestão Requião, quando significaram a simplificação da

vivência do projeto político pedagógico; na gestão Lerner, houve o estímulo às discussões

sobre ensino voltado ao desenvolvimento de competências, à transposição didática, à

interdisciplinaridade e à pedagogia de projetos. Nesse último caso, a iniciativa política

refletia as discussões do meio acadêmico, propagadas por cursos de formação continuada e

publicações31

. Contudo, nossa percepção foi de que nas escolas pesquisadas os projetos se

fazem de maneira dissociada do desenvolvimento regular que o ensino segue, como uma

atividade “extra”, e nem sempre alteram o estilo de relação aluno x conhecimento, porque são

projetos diferenciados (especiais), mas não, necessariamente, pedagogias de projetos de

caráter eminentemente investigativo. Suas atividades são em geral de caráter artístico –

declamações, teatro, confecção de murais, ações da classe junto aos demais alunos da escola –

embora às vezes contemplem leitura, pesquisa e estudo de textos, associando mais de uma

disciplina.

Ao mesmo tempo, tais projetos também são diretamente associados, nas escolas, à

consecução do projeto pedagógico, revelando uma visão simplista e operacional sobre o

mesmo. Nossa afirmação se baseia nas inúmeras situações vivenciadas e nas respostas obtidas

que deixavam claro o entendimento de que o “PPP” da escola e os problemas institucionais

eram abordados ou deveriam ser resolvidos por meio da proposição de projetos. Essa mesma

conclusão foi obtida por Cavagnari (1997), quando pesquisou sobre a implementação do

projeto político-pedagógico na gestão Requião; a autora constatou que para as escolas o

significado real do PPP passou praticamente desapercebido, tendo se consolidado, de fato, a

idéia de projetos especiais, numa incompreensão ou minimização daquele: “Se a maioria dos

31 Destaque-se a influência de Fernando Hernández e seus livros “Organização do Currículo por Projetos”, em

co-autoria com Montserrat Ventura e “Transgressão e Mudança em Educação”, de sua única autoria.

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professores não sabia conceituar projeto político-pedagógico e muitos deles não relacionavam

o projeto que desenvolviam ao projeto político-pedagógico, é porque na verdade este não

existiu”.

O quadro como um todo denota um trabalho didático-pedagógico pautado

predominantemente no paradigma da racionalidade técnica (inclusive quando a aprendizagem

em questão é a docente). Ainda que as falas dos docentes tenham considerado adequado o

modelo presente (em vista de considerarem que “apesar” de tradicional, o trabalho dos

docentes é “bom”), é possível demonstrar as possíveis incoerências existentes trazendo os

problemas surgidos no cotidiano à discussão.

Ao acompanhar as escolas em sua prática cotidiana, constatamos uma rotina32

bem

demarcada para além do desenvolvimento das aulas, mas ao mesmo tempo delas decorrente,

que acaba por definir os modos como são percebidos e geridos aos problemas; neste

momento, não nos referiremos aos problemas originados das demandas da SEED, tendo em

vista que a gestão das mesmas já foi por nós discutida.

As principais pautas surgidas na rotina que a escola institui costumam ser as questões

de: a) comportamento e aproveitamento escolar (alunos faltosos e/ou considerados

indisciplinados pelos professores por não realizarem atividades, conversarem durante as aulas,

brigarem com colegas; pais atendidos ou a chamar até a escola; encaminhamentos necessários

ao conselho tutelar ou patrulha escolar); b) questões relativas ao trabalho dos professores

(com dificuldade de domínio de turma, em relação a quais alunos ou pais apresentam

reclamações, que não observam as normas estabelecidas – soltam suas classes antes do

horário, ausentam-se da sala de aula, faltam aulas, deixam que os alunos circulem pela escola

durante o horário de aulas, etc.).

Tomando primeiramente as questões relativas ao comportamento e aproveitamento

escolar, consideramos ter revelado a percepção existente (unilateral, centrada no aluno e sua

família) e o modo de encaminhamento no âmbito do trabalho pedagógico (por meio de ações

que excluem sua articulação orgânica com a prática educativa escolar, desobrigando-a),

quando trabalhamos com as questões da relação escola-comunidade, participação da família

na escola, conselho de classe e reuniões pedagógicas.

32 Por rotina, estamos entendendo o sentido dado por Tardif (2002, p. 215): “o agir no tempo, com o tempo: a ação se insere, portanto, numa duração”; ao falar das rotinas ou da rotinização, o autor associa-as à idéia de

consciência prática e assevera que uma de suas finalidades é permitir o controle dos acontecimentos mas que,

ainda assim, elas implicam em toda uma ação do sujeito sobre os referidos mecanismos: “Esse processo não está

„atrás de nós‟, mas ancorado e interiorizado em cada um de nossos atos”. (op cit., p. 216).

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Por outro lado, o funcionamento diário da escola revelou que existem outros

mecanismos desenvolvidos para “gerir os alunos” estabelecidos pelos próprios professores, no

âmbito do trabalho didático-pedagógico, numa espécie de rotina do trabalho pedagógico.

Ainda que não tenhamos acompanhado a vida nas aulas, pudemos inferir – em decorrência da

própria racionalidade de ensino admitida pelos sujeitos, bem como em função da observação

participante em momentos coletivos correntes, conselhos de classe e reuniões – que existe

uma gestão primeira, adotada pelos docentes. Essa gestão varia de professor para professor

mas em geral implica exigência de presença, silêncio e atenção às explicações do docente,

interlocução apenas com ele, pouca mobilidade física e realização dos exercícios propostos.

Há por certo margens diferenciadas de tolerância, mas quando tais elementos não se

apresentam “em conjunto” e de modo efetivo, convenciona-se a existência de problemas ou

indisciplina. A primeira intervenção dos professores frente aos problemas “disciplinares”

envolve chamadas de atenção, conversas e diálogos, aconselhamentos, advertências orais,

proposição de atividades como mecanismo de silenciamento (cópias ou ditados, por exemplo),

separação física dos alunos (incluindo troca de lugares ou retirada da sala de aula), desconto

de pontos na nota bimestral, alterações na entonação da voz, entre outros procedimentos.

Quando a intervenção dos professores não se mostra implacável (os problemas são

reincidentes ou insolúveis) eles recorrem às equipes de gestão e pedagógica, redirecionando a

demanda didático-pedagógica (do professor) para o âmbito do trabalho pedagógico (dos

gestores).

Na Escola do Vale o recurso se faz principalmente em relação às pedagogas, a partir

de uma burocracia específica: o lançamento numa pasta que permanece nas classes e que será,

posteriormente, consultada pelas pedagogas, as quais localizam os alunos que deverão ser

atendidos; ainda assim, inúmeras vezes os professores quebram esse protocolo e encaminham

(eles mesmos ou com auxílio de outro aluno da classe) os alunos para as pedagogas. Em

seguida a tais passos, os principais procedimentos adotados por elas são a conversa com o

aluno, o chamamento dos pais até a escola, também para conversar e/ou o encaminhamento

do aluno para atendimento em outras instâncias:

O professor, ele vai registrando questões como não faz tarefa, não faz atividade, chega

atrasado, desrespeita o colega, desrespeita o professor. [...] aí a pedagoga pegava a pasta e

verificava lá, “Ah esse aluno já tem três ocorrências, então eu já vou ligar pra família vir

aqui conversar”, daí a família vinha e conversava. E daí a equipe já discutia com a família

da necessidade deles fazerem um acompanhamento porque as próximas ocorrências que o

aluno tivesse, ele ia passar por outras advertências, que se restringiam em suspensão das

aulas, que ele não assistiria as aulas com a turma e uma possível transferência. Na realidade

era um convite pra que o aluno fosse pra uma outra escola, e isso nós fizemos. Tanto que

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chegou o mês de abril, nós tivemos cinco alunos encaminhados, um foi encaminhado pra

fazer um curso profissionalizante porque era muito problemático e graças a Deus deu certo,

porque ele começou a fazer o curso e daí ele acabou indo pra outra escola por causa de

horário. Três deles a gente pediu pra que a mãe transferisse pra outro lugar. Um deles foi

encaminhado para o conselho tutelar, que eram situações de bebida, daí o menino já

chegava cheirando álcool na escola, ele tinha atitudes assim bem... E aqueles alunos que já

tiveram ocorrências mudaram de atitude porque eles viram que as famílias estavam sendo

chamadas, eu não sei como essas famílias encaminharam em casa isso, se foi através de

diálogo, se foi através de violência, sei lá, mas que surtiu efeito na escola, deu resultado.

Chegou no mês de setembro, outubro, a gente não tinha mais assim problemas sérios na

escola, porque aquelas fichas foram encaminhadas, entende. E todos os alunos que nós fomos conversando com os pais, é claro que teve casos assim que os pais também não

tinham o que fazer, eles diziam “Meu Deus eu não agüento mais, eu não sei mais o que

fazer”, muito triste e realmente a família não tinha condição nenhuma de cuidar daquele

caso. (Diretor – Vale).

Quando tem problema, tem a pasta de ocorrência, a equipe de manhã elas sempre estão

verificando a pasta e estão chamando aqueles casos mais complicados. Às vezes, até o

professor registra na pasta, mas ele vai pessoalmente falar o que está acontecendo. Casos

mais graves assim que acontecem já são encaminhados direto para a equipe, então a equipe

já providencia, liga pra casa, chama os pais, então é nesse sentido. A tarde a gente registra,

registra, fala, fala e a gente não vê acontecer muito. O pai até é chamado, mas daí vem com aquela desculpa de que nem ele dá conta, então a gente tem que tentar resolver na própria

escola. (Professor 1 – Vale).

Problemas disciplinares, tem duas situações, eu trabalho manhã e tarde. De manhã [...] são

chamados os alunos, dependendo, é feito registro [...]. E essa pasta são chamados os alunos,

os pais dos alunos [...] pra que compareçam no colégio e é repassado, é conversado com os

pais. Atitudes mais severas...como eu ia dizendo no caso mais grave, alguns alunos foram

convidados a fazer uma, pedirem a sua saída do colégio e fazerem a transferência pra outro

colégio em que se adaptassem mais. [...] A tarde é uma questão de alunos mais novos, então

é chamada a atenção, é feito o mesmo registro que é feito de manhã é feito a tarde, é

tentado chamar os pais, mas eu acredito que, atitudes mais rígidas já não são tomadas à tarde, como transferência, por exemplo, não existe. A gente chama os pais e eles tentam se

certificar. (Professor 4 – Vale).

Na Escola da Gema, o diretor se envolve junto com as pedagogas no tratamento dos

“problemas de indisciplina” e aproveitamento. Lá não existe todo um protocolo formal para

que o aluno seja “encaminhado” para os referidos profissionais; mas, ainda assim, vigoram

processos similares aos da Escola do Vale: os professores apresentam queixas informalmente,

trazem alunos durante a aula ou solicitam a presença dos gestores em sala de aula, diante do

que os alunos são atendidos por meio de conversas, chamadas aos pais e/ou

encaminhamentos:

Normalmente assim, questões muito leves, coisinhas, discussões, essas coisas que só

perturbam, vamos dizer assim, em sala de aula, a gente só senta e conversa com o aluno.

Coisas um pouco mais sérias: brigas, a gente chama os pais e resolve com os pais e o aluno

[...] Normalmente pro Conselho Tutelar a gente encaminha de vez em quando algum aluno,

ainda mais por questões assim de faltas. (Pedagoga 1 – Gema).

Daí depende da situação que ocorre, por exemplo, [...] surgiu uma situação em que os

alunos não fizeram um trabalho da disciplina [...], as professoras me comunicaram. Então

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eu disse: “Professoras, então vocês me passem o nome desses alunos pra que nós possamos

conversar com eles”, ver por que eles não fizeram o trabalho e se existe a possibilidade de

eles entregarem num outro momento. Não era isso que elas queriam que fizesse, então elas

foram procurar a direção da escola. A direção da escola ficou muito brava, gritou com os

alunos, esperneou, fez aquele drama, e mandou os alunos embora no segundo horário.

Então os alunos foram punidos por não terem feito um trabalho e perderam todas as aulas

naquele dia. (Pedagoga 2 – Gema).

Bom, a primeira etapa é separar briga e trazer os envolvidos, daí a gente dá uma conversada

com eles [...] e procura saber de todos eles o que que aconteceu, então é a primeira etapa.

Daí faz a ocorrência aqui nesse livrinho de ocorrência [...]. Faz a recomendação: “Não pode brigar aqui na escola, não pode brigar lá fora, peçam desculpa um pro outro”, então é a

primeira parte. Agora se a gente vê que aconteceu um problema mais sério, que acontece de

se machucarem [...] daí a gente já dá o bilhetinho e manda os pais virem aqui [...] já traz os

pais aqui, já conversa, já esclarece. Às vezes se resolve na primeira etapa, agora quando

complica muito mais, que daí brigam mais pra fora, ou é problema de falta demais, daí você

encaminha para o conselho tutelar. [...] Em alguns casos, por exemplo, quando vem a

patrulha, se for briga lá fora que a patrulha vê que é um caso mais sério, daí eles já fazem o

boletim deles daí, no caso, que daí chamam os pais, mas daí o caso já vai lá pra delegacia

do menor, ou conselho tutelar, daí lá é caso com eles. (Vice-Diretor – Gema).

Primeiro nós chamamos o aluno [...], nós fazemos a ocorrência, o aluno assina. Chamamos os pais, os pais também tomam ciência, assinam [...]. O segundo momento, nós vamos até

três vezes, nós temos paciência com o aluno, chamamos, relatamos, conversamos. Não

resolveu, chamamos o pai e tentamos, não induzir, mas [...] tentar conversar com o pai, [...]

se ele tem condição de colocar essa criança em outra escola, que ele possa se ambientar e

que possa melhorar o seu ensino. Se não houver acordo quanto a isso e ele se comprometer

a melhorar, ainda continua na escola, em não se resolvendo a gente reúne daí no [...]

conselho escolar, [...] não houve ainda necessidade de fazermos isso, mas aí a gente chama

o representante do conselho tutelar ou da promotoria da criança e do adolescente e daí a

gente tenta chegar a um encaminhamento. Se não houver solução, aí a gente pede a

transferência, que a gente chama pedagógica [...] aí então a gente encaminha esse aluno pra

outra escola. (Diretor – Gema).

Mesmo que se considere que nem todos os alunos passam por todas essas etapas, na

medida em que elas são selecionadas conforme a natureza ou gravidade da questão, pode-se

ressaltar, inicialmente, o tratamento burocrático dado aos problemas que envolvem os alunos.

De fato, as escolas preocupam-se muito com a normatividade tanto do comportamento

discente quanto do procedimento docente, no que tange ao modo de abordar a questão. Além

disso, o registro dos fatos que ocorrem, os quais levaram a criação de diferentes tipos de

livros-ata, não são percebidos como burocracia, mas sim como ferramentas de legitimação ou

comprovação que, numa necessidade, poderão ser utilizados pelas escolas contra os pais

(quando a escola encaminha um aluno ao conselho tutelar pode, por exemplo, anexar cópias

das atas nas quais se havia registrado conversas com os pais) ou para defender-se deles

(quando um pai apresenta queixa da escola junto ao NRE, a existência na escola de atas que

comprovem que determinados encaminhamentos foram dados é uma garantia para os

profissionais).

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De fato, tal como constata Charlot (2005), os problemas relacionais envolvendo

alunos da escola entre si, estes e seus professores, estes e jovens de fora da escola e a própria

escola e a comunidade têm aumentado cada vez mais, apresentando-se em toda a variedade de

escola e tipo de comunidade e, por isso, recebendo cada vez mais visibilidade, inclusive da

mídia. Com base em pesquisas francesas, esse autor estabelece uma diferenciação

significativa entre os modos de tensão, os quais designa como violência, transgressão e

incivilidade.

A violência diria respeito, então, aos casos nos quais a lei é atacada com o uso ou

ameaça de uso de força: agressões físicas, extorsões, tráfico de drogas, etc. A transgressão se

referiria a comportamentos que contrariem o regimento interno da escola, mas que não sejam

necessariamente ilegais, como a não realização de atividades, a falta às aulas, o desrespeito,

entre outros. No caso da incivilidade, nem as leis nem o regimento interno são contrariados,

mas sim as regras de boa convivência, por meio de empurrões, xingamentos, bagunças ou

outros tipos de ofensa pessoais (CHARLOT, 2005).

Consideramos que nas escolas envolvidas na pesquisa os problemas são, em geral,

da ordem da transgressão e incivilidade, sendo que mesmo os casos de incivilidade ocorrem,

na maioria das vezes, no decorrer das aulas. Para Charlot (op cit.), a distinção entre a natureza

dos problemas é importante, ainda que difícil e frágil, porque permite que a escola identifique

onde eles ocorrem e, assim, como tratá-los.

Em relação a tal tópico – do enfrentamento das “tensões cotidianas” – o autor

demonstra a relação próxima entre o comportamento dos alunos, as representações que

possuem sobre a escola e a condução didática das aulas. Ocorre que para a maioria dos alunos

a finalidade da educação escolar é permitir-lhes obter um bom emprego no futuro, alcançar

uma colocação no mercado de trabalho, e não aprender pela relevância do conhecimento ou

pelo que ele pode lhe proporcionar em termos de desenvolvimento pessoal e cidadania: “[...] a

representação da escola como via de inserção profissional e social apagou a idéia dela como

lugar de sentido e de prazer” (CHARLOT, 2005, p. 131).

Esse modo de configurar a finalidade dos estudos (essa cultura discente) associa-se

também ao sentido atribuído às aulas, o de momento no qual os professores são ativos porque

conduzem, explicam, propõem, e eles, alunos, são passivos porque escutam, copiam e

resolvem.

Uma espécie de ciclo se estabelece na medida em que os imaginários dos alunos não

são discutidos pela escola com eles e que as práticas escolares os reafirmam (tal como

evidenciaram as falas): a ausência de um sentido maior para a escolarização (lacunizada pela

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sociedade e reafirmada pelo modelo de ensino vigente) leva os alunos a fazerem o mínimo

que lhes permita passar de ano e a desenvolver comportamentos alheios ao bom clima de

aprendizagem (clima que, de fato, quase inexiste).

Quando as escolas desconsideram pressupostos como os anteriormente explicitados,

elas passam a gerir a questão da aprendizagem e participação dos alunos seguindo alguns dos

protocolos que a política educacional (regimento escolar) lhes coloca, em especial no que

tange a cobrar dos alunos a observância de seus deveres e a efetuar encaminhamentos quando

são constatadas faltas freqüentes às aulas. Contudo, nessa hora os preceitos de gestão

democrática e co-responsabilização são deixados de lado, já que são desconsideradas não

apenas a grande orientação teórica que as políticas trazem, como também obrigações

legalmente previstas, tais como “XIII. proceder à análise dos dados do aproveitamento escolar

de forma a desencadear um processo de reflexão sobre esses dados, junto à comunidade

escolar, com vistas a promover a aprendizagem de todos os alunos” (PARANÁ, 2007b, p. 33).

O tratamento cotidiano de tais questões didático-pedagógicas traz consigo a mesma

tônica mecânica e burocrática constatada em outros momentos ou dimensões, pois os

problemas tratados muito raramente são relacionados ao trabalho docente e à organização

escolar, e não se observa que à medida que o conhecimento sobre eles é aprofundado ou que

maiores elementos explicativos lhes são agregados, as referidas questões “retornem” aos

professores e à escola como um todo alavancando reflexão e tomadas de decisão. Ao

contrário, a escola reconhece abertamente a utilização de mecanismos de desvinculação, como

o encaminhamento a outras instâncias e/ou órgãos e a solicitação de transferência do aluno

para outro estabelecimento. No caso das transferências escolares, há que se questionar,

também, os fundamentos éticos e pedagógicos de tais medidas que, se num momento

mostram-se suficientes para soluções pontuais, escondem por trás de si o confronto social, de

cujo combate em bases maiores e mais profundas a escola evita participar.

Ao mesmo tempo em que o tratamento dado aos alunos revela o distanciamento da

escola em relação a eles como sujeitos detentores de uma identidade e condição social, o

silenciamento sobre o funcionamento do “reator do coração escolar” (CHARLOT, 2005) e a

ausência de abordagem fundamentada e reflexiva sobre os fatos, ele também impõe uma forte

pauta de trabalho para as pedagogas, que concentram a maior parte de seu trabalho realizando,

dia após dia, os referidos atendimentos e encaminhamentos, os quais repetem-se na maior

parte das vezes quanto aos interlocutores, já que os alunos mostram-se quase sempre

reincidentes. Essa situação, que observamos nas duas escolas, é confirmada pelas pedagogas

da Escola do Vale:

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Eu acho que a gente tinha que estar mais inserido na questão, não é eu acho não, na verdade

é mais com a questão da aprendizagem, mas com encaminhamentos com o professor e a

gente acaba, as vezes, metade do tempo se envolvendo com problemas de indisciplina, ou

problema que acontece no cotidiano, na entrada, na saída, mas também faz parte do nosso

trabalho, mas tem muita coisa que você acode que não é o teu papel. (Pedagoga 1 – Vale).

Eu acho que para os alunos, os alunos. Esse cuidar de questões assim de saúde, em geral, e

disciplinar, como agora, estar na sala ou não estar na sala, estar fazendo atividade ou não

estar fazendo atividade, até porque se a gente priorizou que quer melhorar a aprendizagem,

você tem que estar junto com os alunos. E aí, isso até em detrimento de questões

administrativas, burocráticas que são da responsabilidade da equipe mas que acabam sendo

prejudicadas por se gastar muito tempo com essa questão dos alunos. (Pedagoga 2 – Vale).

A referida condição de rotinização improdutiva que assola as pedagogas reflete-se,

por sua vez, na segunda demanda que se apresenta no cotidiano escolar, aquela que se refere

ao trabalho dos professores. As questões desta natureza são basicamente duas:

organizacionais e pedagógicas.

As de caráter mais organizacional referem-se a questões como a definição de datas

de provas, recuperações, entrega de notas ou modos de proceder no preenchimento de livros,

na participação de atividades, freqüência docente e pontualidade, etc. As de caráter

pedagógico referem-se de modo mais efetivo à dinâmica de ensino-aprendizagem

estabelecida pelos professores.

Tanto na Escola do Vale como na Escola da Gema esses aspectos são, em geral,

discutidos ou pré-definidos pelos diretores e pedagogos que criam uma organização própria

para seu trabalho na medida em que diariamente conversam entre si socializando

dificuldades, demandas surgidas e encaminhamentos tomados ou a tomar. Nas duas escolas

um papel de protagonismo é exercido pelos diretores, os quais sempre são informados e, se

possível, consultados, exercendo uma liderança intensa (diante da ausência de um projeto

pedagógico forte convertem-se numa espécie de “referência identitária” por imprimem à

escola grande parte de sua própria lógica de trabalho).

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Na Escola do Vale, direção e pedagogas demonstraram bastante preocupação em

estabelecer modos comuns de trabalho pedagógico, unificando os procedimentos escolares

nos turnos da manhã, tarde e noite. Para tanto, procuram reunir-se (mas muitas vezes não o

fazem) quinzenalmente em encontros de média duração, no horário de intervalo entre os

turnos da tarde e noite33

(entre 17h30 e 19h, aproximadamente) e juntos os participantes

socializam problemas e tomam decisões; a participação dos professores é prevista, mas

raramente algum deles comparece.

Como dissemos, o principal sentido atribuído às reuniões das equipes gestoras é o de

buscar uma padronização no encaminhamento do trabalho da escola, pois nelas os integrantes

dos três turnos podem estabelecer orientações comuns a serem dadas aos professores:

A escola, pelo menos, ela tem uma identidade agora, ela tem um rosto, porque a equipe

pedagógica ela se reúne e discute. Interessante, ontem a noite foi a nossa reunião, que nós

discutimos até de padronizar os, tipo um comunicado pra família. [...]. Definimos datas de

calendários, definimos bilhetes, recados, fichas, tudo quanto é tipo de… porque, às vezes, é

necessário uma certa burocracia no sentido assim de padronizar. (Pedagoga 3 – Vale).

Eu vejo uma equipe muito boa e a gente tem uma relação assim muito aberta. Existe uma

preocupação, acho que uma preocupação mútua de fazer a escola funcionar, de inovar, de

trazer coisas pra escola ficar mais organizada e isso acontece de manhã, tarde e noite. Então

a nossa equipe pedagógica é uma equipe muito boa. (Diretor – Vale).

Pesquisador: Você disse que quando fazem a reunião semanal, vocês deliberam como

encaminhar os problemas. Que tipo de problemas?

Pedagoga 1: Ah, os corriqueiros da escola, sempre a gente discute, vê qual que é a

correspondência que veio, como nós estamos encaminhando alguns problemas existentes,

encaminhamentos de classe, então gente sempre tem um momento pra equipe da manhã, da

tarde e da noite estar colocando os problemas, o que está acontecendo, qual o

encaminhamento que vamos dar, sempre. Assim a gente fica sabendo dos outros turnos

também, por ser uma escola bastante grande, então é uma maneira de a gente ta levando as

coisas mais ou menos nos três turnos iguais. É difícil porque cada turno tem uma

característica, porque a tarde são os alunos menores, ensino fundamental, 5, 6, 7, então difere bastante; à noite é ensino técnico, curso técnico, ensino médio regular e curso

técnico, então dá uma diferença entre os três turnos. Mas isso é bom porque os

encaminhamentos, por exemplo, conselho de classe: a gente procura dar o mesmo

encaminhamento, com algumas fichas diferentes de cada turno, mas de que maneira vamos

fazer o conselho? O que a gente, para reunião de pais, o que seria interessante a gente

colocar para reunião de pais? A gente já tem um calendário proposto desde o começo do

ano já com as reuniões de pais, com tudo que vai acontecer durante o ano na escola, os

33 O tempo de participação dos diretores e pedagogos nesse momento é subtraído da carga-horária semanal de

trabalho na escola, mas essa regra de “compensação” de tempo não funciona para professores. Por certo esse é

um dos motivos possíveis para a ausência deles, tal como explica o professor: “Eu não participei nunca [da

gestão da escola], deveria já, mas eu sei que são feitas reuniões semanais na escola pra todo pessoal, inclusive

tem professores, às vezes, que são convidados. Todos podem participar, tem alguns que fazem parte e são

decididas aí algumas coisas, outras, às vezes, a gente também participa. Na verdade, essa reunião que acontece toda semana aqui ela é aberta aos professores, mas eu nunca vim porque acontece num dia onde eu trabalho à

tarde e eu tenho que ir pra minha casa pelo menos dar um oi pros meus filhos e voltar à noite trabalhar. Não

tenho como ficar aqui o período todo, da tarde, da hora do almoço até a noite, então por isso que eu não venho

porque sempre bateu nessa reunião” (Professor 1 – Vale).

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projetos que a escola desenvolve bimestrais, então a gente está sempre se organizando

dessa maneira. (Pedagoga 1 – Vale).

Devido aos temas tratados nas reuniões pedagógicas e aos modos de abordá-los,

consideramos que as mesmas configuram-se como etapas contributivas da organização

funcional (burocrática) da escola, cumprindo, nessa perspectiva, um papel relevante. Na

Escola da Gema, por exemplo, a ausência de preocupação com a padronização organizacional

foi sentida pelos educadores.

Provavelmente pelo fato de que em 2006 a vice-diretora era também pedagoga e de

que a outra pedagoga atuava 40 horas, a escola entendesse que já haveria uma “integração”;

por outro lado, em 2007, a permanência da vice-diretora apenas nesse cargo e a entrada de

outras duas pedagogas (uma com 20horas, outra com 40) revelou com clareza diferenças nas

posturas assumidas frente aos fatos. Ainda assim, as profissionais veteranas da escola

seguiram atuando a seu próprio modo, diferenciado do modo de atuação das novas que lá

chegaram, as quais se agruparam entre si.

Outro fator que certamente contribuiu para o relativo isolamento entre os

profissionais da equipe de gestão nos diferentes turnos foi a postura do diretor; enquanto na

Escola do Vale a diretora revela grande interesse nas questões pedagógicas, no contato com

os professores e na comunicação, na Escola da Gema a postura do diretor é mais reservada e

voltada à manutenção da ordem e disciplina discente. Na Escola do Vale, é freqüente ver a

diretora presente na hora do recreio, na sala dos professores e na sala de hora-atividade,

ouvindo os professores ou contando novidades da escola. Na Escola da Gema, por sua vez, o

diretor normalmente só vem ao recreio quando existem recados a serem dados e, estando na

escola, permanece mais nos corredores, pátio ou em sua sala.

Em decorrência da maior ou menor busca de articulação interna nas equipes de

gestão e pedagógica, bem como dos diferentes perfis dos diretores, os processos decisórios

também apresentam tendências próprias.

Na Escola do Vale, além das reuniões quinzenais (quando estas ocorrem), são

praticamente diárias as pequenas reuniões entre a diretora e o vice-diretor e pedagogas; esses

encontros ocorrem normalmente nas respectivas salas de trabalho e revelam intensos

movimentos micropolíticos, já que comentários e fatos são narrados e socializados no

pequeno grupo, a fim de que sejam definidos modos de ação que visem a garantir aceitação

do maior número de professores frente às iniciativas pretendidas ou decisões tomadas, bem

como neutralização daqueles que se opõem a essas iniciativas ou decisões:

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Fomos para a sala de professores, pois já havia se iniciado o recreio. Quando chegamos lá,

os professores estavam sentados, como de costume, na longa mesa, lanchando. [...] A

diretora cumprimentou os professores que conversavam animadamente. Sentei-me junto ao

grupo; ela permaneceu em pé. Começou a falar, meio que pedindo informalmente a

atenção. Perguntou a eles como estava o começo das aulas, ao que o grupo respondeu que

“estava bom demais”... “a não ser o Alan”. Vários comentários sobre o tal aluno surgiram

rapidamente. “Se você vir o Alan você não vai acreditar que ele é ele” – disse-me a

professora a minha frente. A diretora, então, começou a falar. Contou que havia recebido

vários pais e que ficou preocupada pois uma mãe em especial sugeriu problemas com

professores. Relatou ao grupo que foi até a sala para “investigar”, que conversou com os

alunos e que tudo pareceu estar normal. Ainda assim, pediu a eles que tenham cuidado na condução das aulas, nos comentários que fazem, no tratamento dado aos alunos para que

nenhum seja discriminado ou excluído. Contou sobre uma professora de História que ao

trabalhar a Constituição falou que era princípio erradicar a pobreza e que uma criança

chegou em casa e contou aos pais que a professora disse que era preciso acabar com os

pobres. O exemplo gerou descontração. Enquanto a diretora falava, as reações eram

diversas. Duas professoras, uma à minha frente e outra ao meu lado, conversavam entre si

sobre outro assunto qualquer, ignorando o que a diretora dizia. O professor ao meu lado

olhou para mim enquanto a diretora falava e disse “Pensamento lá no alto”; pareceu-me que

ele queria dizer que estava desconsiderando o que era dito lá na ponta. [...] as pedagogas

dirigiram-se para a sala “de apoio pedagógico” e fui atrás delas [...]. Nesse momento entrou

na sala a diretora. [...] e começou a falar sobre a fala que fez na hora do recreio e a professora a que ela esperava dirigir-se de modo especial, [...]. Contou-me, então, que essa

professora tem um modo complexo de trabalhar com os alunos, pois os exclui em sala de

aula [...] a diretora disse que já falou abertamente com a professora; a pedagoga já a

colocou frente a frente com os pais, mas nesse momento eles não conseguem confrontar a

professora; a outra pedagoga disse que quando alguma questão acontece, a professora

agrada o aluno perguntando - “Né que a gente se dá bem?” - ou mesmo dando-lhe balas.

[...]. A questão que aflige a equipe pedagógica é que os casos são recorrentes e que nunca

conseguem chegar à solução com a professora, que inclusive separa os alunos em sala por

fila de fracos, médios, fortes... “E os colegas não percebem porque que é bem na disciplina

dela que reprovam o maior número de alunos”. Pergunto, então, se a escola tem algum

registro dessas situações. Elas respondem que não e expressam fisionomia de pesar por esse motivo; percebo, claramente, o reconhecimento delas em relação a uma falha no modo de

conduzir o processo. A própria diretora diz: “Isso é uma falha nossa, nós nunca

registramos”. Esse caso em particular fez com que a diretora expressasse a nova estratégia

que, então, poderá utilizar nesses casos; trata-se da estratégia que vivenciou quando era

professora numa escola particular. E ela relata: Sem avisar nada aos professores

antecipadamente, a diretora os chamava em sua sala para uma conversa de avaliação do

bimestre. “Veja professor, os alunos estão gostando muito das tuas aulas. Só tem uma

coisinha aqui... alguns alunos não gostaram muito que você quer fazer e corrigir todos os

exercícios, porque tem alguns que não querem fazer tudo”. Aí ia falando e anotando numa

folha [...]; a estratégia tem a finalidade de „amarrar‟ o professor na situação na medida em

que a situação problemática, que é a que efetivamente se deseja abordar, fica registrada [...]

Ela relata que a conversa flui de modo amistoso, mas que, ao final, a diretora solicita:

“Então assine aqui”. (D.C. 14/02/07).

Na Escola da Gema essa deliberação diária é bem menos freqüente, talvez porque a

linha de ação do diretor é, de fato, mais centralizada, ou talvez por não haver na escola uma

tradição em termos de organização e padronização efetiva. Esse quadro começou a se alterar

em 2007, com a chegada das duas novas pedagogas que sentiram perfeitamente a situação:

Eu percebi, na seqüência que quem resolvia todas as situações pedagógicas era a direção da

escola. Aos poucos a direção foi passando pra nós essa responsabilidade, mas eu ainda

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percebo que quando a gente não atende as expectativas que elas querem, elas ficam na

direção pra ser mais rigoroso [...]. Por exemplo, na semana passada, semana retrasada,

surgiu uma situação em que os alunos não fizeram um trabalho da disciplina de

Matemática, desculpe, de Português, as professoras me comunicaram. Então eu disse:

“Professoras, então vocês me passem o nome desses alunos pra que nós possamos

conversar com eles, ver por que eles não fizeram o trabalho, se existe a possibilidade de

eles entregarem num outro momento”. Não era isso que elas queriam que fizesse, então elas

foram procurar a direção da escola. A direção da escola ficou muito brava, gritou com os

alunos, esperneou, fez aquele drama e mandou os alunos embora no segundo horário. Então

os alunos foram punidos por não terem feito um trabalho e perderam todas as aulas naquele

dia. (Pedagoga 2 – Gema).

A questão também foi delicada nesse aspecto porque a outra pedagoga ou os demais

componentes da equipe pedagógica não se envolveram, eu e a [...] é que fomos chamadas a

participar das reuniões, a ler os documentos, a tomar ciência das coisas e a cuidar desse

processo. As outras pessoas. (Pedagoga 2 – Gema).

Fragmentado [o trabalho da equipe pedagógica]. Nós nos entendemos relativamente bem,

mas percebemos que no momento nós não devemos nos intrometer em situações porque o

professor reclama pra direção e a direção toma uma postura com medida drástica [...]. Nós

percebemos também [...] que muitas coisas nós começamos a realizar, que não era habitual

na escola, alguns procedimentos, como por exemplo, planejamento, reposição de aulas, implantação de um acompanhamento pedagógico do aluno [...]. Então não sei. Então nós

percebemos, nós chegamos e falamos pro [...] [diretor], a vice-diretora a gente quase nem

tem contato com ela [...] : “O aluno vai embora mais cedo, não tem um registro, um

documento?” “Não, não tem, vocês querem fazer, vocês façam. Segunda chamada, consta

no regimento escolar que o aluno tem direito a fazer uma prova, uma avaliação em segunda

chamada, se ele vier pra escola e providenciar essa justificativa até 72h, nunca foi feito

nada nesse sentido. Aí nós fazemos um formulário que o aluno vem requerer, entendeu? Aí

a gente chega e percebe: “Olha, tá faltando isso, tá faltando aquilo, aí eles nos deixam: “Ah,

faça do jeito que você achar melhor”. Não existe um combinado, ninguém senta pra

conversar e definir [...]. (Pedagoga 2 – Gema).

Para nós, embora as decisões prévias entre diretor e pedagogas sejam poucas, os

movimentos micropolíticos continuam presentes: primeiro, porque até onde vigorou, essa

situação, por certo, interessava aos envolvidos; e, segundo, porque a manutenção da

autoridade centralizada no diretor é, na verdade, uma grande micropolítica.

As deliberações iniciadas pelos diretores e pedagogos são, em seguida, colocadas

para os professores nos momentos nos quais estes se encontram reunidos, como nas aberturas

de reunião ou recreios (a Escola do Vale dispensa as aulas no horário do recreio para poder

reunir os professores, em raras situações em que isso é considerado urgente e necessário). A

existência de posições previamente delineadas não impede que os professores se manifestem

ou opinem, ainda que nem sempre isso resulte em mudança nas decisões a serem tomadas.

Do jeito que está sendo conduzida a escola, de uns tempos pra cá, eu acredito que todos

nós, porque nós temos a direção e a direção-auxiliar, mas, ao mesmo tempo, todas as

decisões são tomadas coletivamente, então eu penso que todos nós estamos dirigindo a

escola, porque nada é decidido somente pela direção ou pela direção-auxiliar. Nosso

calendário foi decidido junto, nosso projeto político-pedagógico foi decidido junto, nossa

proposta foi grupos específicos depois o coletivo junto, então eu penso que, de uma

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maneira geral, todos nós estamos dirigindo a escola. Claro que, em questões específicas, é

a direção, a direção-auxiliar e a equipe pedagógica, nós somos o grupo que apóia, mas

todos nós estamos escutando a todos. (Pedagoga 3 – Vale, grifo nosso).

Existe espaço de negociação porque a diretora é muito maleável. Ser democrático se

dispersa, perde muito. Porém, não se trata de obrigar, de impor, mas de delinear um pouco a

condução. Existe espaço pra negociação, pra contestação, pra aquele professor que se nega

e até se opõe, mas se volta pra democracia e acaba a maioria vencendo. A aceitação dos

professores depende de que eles sejam informados, se possível ser consultados, tomar o

cuidado para divulgar para professores, para funcionários para depois a informação circular.

(Pedagoga 4 – Vale).

Mais concentrado na figura da [...] [Diretora] e do [....] [Vice-Diretor]; a equipe dentro de

uma parcelinha participa e, em algumas coisas, o próprio grupo de professores e

funcionários. Eu acho que falta muito pra ser uma gestão participativa, eu acho que é uma

gestão mais concentrada porque algumas vezes a gente até abre pra discutir com os

professores, mas mesmo assim já está meio direcionado em torno do que a direção decidiu.

(Pedagoga 4 – Vale).

[As decisões tomadas pela equipe] têm aceitação e eles até têm assim, uma certa cobrança

de que a equipe se posicione e decida. Eles gostam de estudar sugestões sobre os diferentes

assuntos, mas eles chegam e dizem: “Olhe, isso podia ser assim, podia ser assim, podia ser assim”. Escuta e como que a gente vai fazer? É meio que a equipe é que decide. Tem dois

professores aí que, especificamente assim, dois professores, que são mais polemizadores e

questionam, mas predomina “Oh, a equipe toma a decisão, a equipe encaminha, a equipe

faz”. (Pedagoga 2 – Vale).

Agora, quando se tem determinado caminho, o que nós vamos fazer pra angariar fundos,

um exemplo. Daí nós vamos discutir, discutimos, cada um levanta, tem um posicionamento,

cada um dá uma idéia. Isso não é só pra angariar fundo mas é pra melhorar o aluno tal ou a

aluna tal que está dando problema, então todos os professores dão diversas sugestões e nós

chegamos a um acordo. Quanto a isso, a gente tem esse diálogo. O diálogo sempre existe.

(Diretor – Gema).

O diretor dá assim uma abertura aos professores, mas eu vejo assim ainda a escola muito

tradicional, a escola muito tradicional, então nessa... Você participou de uma das reuniões,

você viu que a gente debate, a gente briga muito, mas acaba ficando sozinha em muitas

questões porque o professor ainda não abriu assim uma mente pra uma educação diferente:

“Ah, porque no meu tempo era assim, então tem que ser do jeito que foi no meu tempo”,

esse é o discurso que eu observo muito. (Prof. 2 – Gema).

Outro ponto positivo que eu acho é a questão democrática, eu não percebo autoritarismo

aqui. Tudo que é colocado assim, é colocado para os professores e mesmo que seja uma

decisão já tomada, é colocado pros professores ou então é votado, é decidido, é discutido, e

eu acho isso importante. (Prof. 7 – Gema).

Na hora do recreio, a gente, por exemplo, prolonga um pouquinho o recreio e tenta ver um

dia em que você consiga ter um maior número de professores, daí conversa pela manhã, ou

à tarde e à noite, no caso aqui, daí tenta passar, comunicar, ou conversar com os

professores, tomar a decisão ali na hora do recreio, numa reunião que sempre tem o maior

número de professores, mais informalmente daí, porque não tem como. [...]. (Vice-Diretor –

Gema).

Sim, nos horários de intervalo do recreio, muitas vezes, muitas discussões são feitas ali,

nesse intervalo de comentar o que foi pensado, como que vai ser encaminhado. (Prof. 5 –

Gema).

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Os professores são indireta ou diretamente envolvidos, então, em definições como o

critério de organização das classes, estabelecendo eles próprios a montagem das turmas ou

sugerindo mudanças nas turmas montadas; as datas de trabalhos que extrapolem a semana

letiva, como os dias de conselho de classe; a realização de atividades cuja organização

dependa deles, como atividades cívicas ou culturais; os encaminhamentos a serem dados a

alunos que consideram indisciplinados ou de baixo aproveitamento (solicitando chamada de

pais, troca de lugar na classe, troca de classe ou encaminhamento a outras instâncias como o

conselho escolar, tutelar ou patrulha escolar); as normas a serem observadas no pátio, sala de

aula ou biblioteca, etc. São decisões importantes, mas não tão importantes como as que se

referem ao núcleo da prática de ensino, às questões ou problemas relacionados à própria

docência, pois são estas as que se conectam diretamente à essência da tarefa escolar: a

aprendizagem.

O segundo grupo de questões relacionadas aos professores, no eixo da gestão

didático-pedagógica são, as eminentemente pedagógicas. Foram poucas às vezes em que

observamos, no dia-a-dia da escola, que tais questões ou problemas fossem tematizados de

modo claro ou objetivo, até porque a luz era normalmente colocada sobre os alunos. Porém, o

reconhecimento da racionalidade técnica e instrumental como traços da docência já é, por si

só, uma questão que merece tomada de decisão; a ela podem somar-se os baixos

aproveitamentos obtidos pelos alunos nas avaliações externas, os índices de reprovação ou

aprovação por conselho de classe e os recorrentes problemas de não participação, transgressão

e incivilidade. O fato é que as escolas se mostram contraditórias, pois ao mesmo tempo em

que consideram estar fazendo o máximo que lhes é possível, também reconhecem dificuldades

na aprendizagem:

Na minha disciplina que é [...], a aprendizagem é muito pequena, por quê? Eles mal

conseguem entender a sua própria língua portuguesa, como eu ensinar uma língua

estrangeira pra eles? Então eles aprendem, mas é muito pouco [...] Quando eu falo, por

exemplo, que tal frase tem que ser invertida, o sujeito, o adjetivo, e aí? O que é sujeito? O

que é adjetivo? (Prof. 5 – Vale).

Ela reduz [o número de alunos] e vira um funil. (Professor 2 – Vale).

Alunos com dificuldade de aprendizagem que vem desde o início da sua formação e que a

escola acaba não dando conta. [...] Eles [os alunos] têm dificuldade. [...]. Eu acho que já

vêm com uma defasagem de escrita, de fala, de raciocínio e eu percebo que existem

situações que eles não compreendem, [...] e que essa defasagem nunca ninguém se

preocupou em trabalhar com eles. (Diretor – Vale)

Às vezes, nos preocupamos quando fechamos o bimestre e tem muitos alunos com notas

baixas [...]. (Pedagoga 3 – Vale).

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Sinceridade, tem horas em que eu me sinto oprimida, porque eu vejo que a escola, ela não

está dando conta daquilo que eu achava que deveria ser o papel da escola [...]. Tudo você

tem prazo pra cumprir, você tem que dar retorno, e esse retorno lá com o aluno a gente não

está conseguindo. (Prof. 5 – Gema).

[...] Meu Deus do céu, olhe, faça, meu Deus, faça um teste com esses alunos de ensino

médio, eles tão chegando horríveis em conteúdo, em cidadania, em politização e a culpa

disso é de quem? (Prof. 7 – Gema).

[A aprendizagem é] Fraca, muito fraca, mas isso não é de hoje, isso já vem de um longo

tempo, [...] da forma como eles colocaram agora esse ciclo básico, que tem que passar [...]. Chega na sétima série o aluno que não sabe escrever, não sabe „malmente‟ a tabuada, não

tem condições de ir pra frente, eu acho que eles estão muito, muito, muito fracos. A leitura

é péssima [...], a escrita, 50% escrevem mais ou menos, 50% escrevem muito erroneamente

e caligrafia horrível. (Prof. 4 – Gema).

Com relação a aluno mesmo me preocupa, nós começamos com cinco quintas séries e

terminamos com duas oitavas. (Prof. 3 – Gema).

A nós, parece que as falas “falam” por si só; diante do reconhecimento de tantas

dificuldades, que vão desde a evasão, passando pela repetência e atingindo a aprovação

desacompanhada do domínio dos conteúdos, é possível considerar que as escolas estabelecem

uma gestão democrática e efetiva do trabalho escolar?

Embora nas situações de entrevista não tenhamos confrontado os sujeitos com os

dados relatados anteriormente, alguns deles fizeram menção à resolução de problemas que

envolvem os professores:

Situação falta tempo, situação corriqueira igual aconteceu: professora soltou o aluno 10

minutos antes, 15 minutos antes, eu resolvo na hora, me desculpe, minha situação é a

seguinte: eu chamo o professor e digo que a situação não pode acontecer mais, porque se

você solta uma turma antes, o colégio inteiro se alvoroça. Então são situações que eu procuro sempre resolver de imediato. (Vice-Diretor – Vale).

Dificuldades com os professores, geralmente já se conversa com o professor, chama,

pergunta se foi alguma coisa, chama, conversa, pergunta o que está acontecendo. Se for

fator mais grave, envolve a direção, comunica a direção, em casos mais graves, mais

difíceis, faz reunião do professor com pais. Os problemas tradicionais são: professores

atrasados, professores que não entregam as coisas no dia, professor que falta. [...].

(Pedagoga 4 – Vale).

[...] a equipe pedagógica conversa com os professores quando há algum problema direto, só

que eu nunca vejo isso, não tenho ciência disso também, mas a gente conversa, dizem que

conversam com os professores em determinadas atitudes, só que a gente não vê. [...] Agora, desde que seja feito individualmente eu acho, uma prática coerente [...] a gente vê assim, às

vezes tem alguns problemas com alunos e etc., que tem que conversar com os professores

também, ver aonde é que reside o problema, nós temos vários problemas que envolvem

assim a prática de professores com os alunos. (Professor 4 – Vale).

Problemas com os professores é falado sempre no geral, então demora um pouquinho mais

o recreio lá e o pessoal fala o que aconteceu, como é que foi, cita o acontecimento, mas a

gente acha que seria importante chamar o professor, só que a gente não vê isso acontecer.

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[...] Eles falam mais no geral assim, pra professor não deixar que aluno saia da sala de aula,

que resolva tudo lá dentro da sala de aula. (Professor 1 – Vale).

Olha, nós conversamos entre nós na equipe, [...] conversamos com a professora, [...] mas

ela parece que não se percebe com essa dificuldade, então nós estamos acompanhando.

Primeira atitude: essa turma não pode ficar sem livro, porque se a professora tem

dificuldade e o aluno nem livro tem? [...] A direção até chamou [individualmente] e

registrou em ata, isso é chato. Então a diretora já fez isso, de todas as reclamações dos pais.

[...]. Até ela comentou ontem que este ano ela não pretende fazer mais isso, é encaminhar

pro Núcleo. [...] Não sei se ela vai ter coragem porque isso é realmente chato: “Oh, nós não

demos conta de um problema nosso, vamos ter que encaminhar pra frente”. Mas você veja: nós estamos percebendo que os alunos estão indo com dificuldade de aprendizagem pra 6a.

(Pedagoga 4 – Vale).

Nós nunca expomos o professor, de maneira alguma, a gente sempre procura conversar com

ele [...] e coloca: “Olha, está acontecendo isso na tua prática, o que você está precisando pra

você melhorar?” A gente nunca coloca assim “Olha, você está errado”[...] Você tem que

ver o que ele está necessitando, o que ele está precisando [...]. (Diretor – Vale).

[...] diz que „a manhã‟ levou uma mijada […] porque falaram assim pro grande grupo na

hora do recreio [...]. Mas além disso foi chamado no particular, então quando é com o

professor se é chamado e além disso é exposto pra todo mundo. [...]. (Prof. 3 – Gema). Olha, normalmente os professores daqui eles chegam e falam dessas dificuldades, e daí a

gente vê como é que ele pretende trabalhar com esse aluno [...]. Então ele faz sugestões, a

gente corre atrás, vê o que dá para fazer, muitas vezes a gente ajuda e pronto. (Pedagoga 1 –

Gema).

Quando o problema é com o professor, primeiro a gente, em reunião a gente coloca o que

está acontecendo com todos os professores. Se o professor em questão não tomou ciência

da coisa, não acordou que é com ele, daí a gente chama [...]; se for problema com a direção,

a direção tem que chamar o professor e [...] e comentar com ele o que está acontecendo [...]

ou então se faz a reunião com a equipe técnica pedagógica e com os professores e daí a

gente senta e acorda o que se deve fazer. E a partir dali existe um acompanhamento entre a equipe pedagógica e esse professor pra ver se realmente o problema foi solucionado, senão

a gente volta a conversar também, em não se resolvendo a gente encaminha o problema

para o Núcleo. (Diretor – Gema).

Ah, se o problema envolve o professor daí a conversa é professor e direção, direto. (Prof. 4

– Gema).

Bom, quando é um problema de professor que acontece do pai vir reclamar, alguma coisa

assim, a gente chama a criança, pergunta o que aconteceu, chama o professor, conversa

com o professor, vê o que aconteceu, daí pergunta pro aluno quem que estava na sala.

Conversa com o aluno, chama outros alunos, até separado pra não [...] e tenta ver o que

realmente aconteceu, porque, muitas vezes, acontece que o professor chama a atenção do aluno porque não está fazendo, não faz nada, ou só brinca, ou só atrapalha o outro, mas o

aluno, ele realmente, às vezes, ele extrapola. [...] (Vice-Diretor – Gema).

Os encaminhamentos apontados para a gestão das questões que envolvem o trabalho

docente/ensino revelaram três pontos interessantes. Um deles diz respeito ao teor daquilo que

os educadores consideram ser problemas que envolvem os professores, os quais dizem

respeito a elementos organizacionais como assiduidade e cumprimento de prazos. A “pauta”,

então, não é voltada ao foco central – como o professor ensina e o aluno aprende – mas a

outras questões que, embora sendo importantes, ainda assim revelam-se periféricas.

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O segundo ponto relaciona-se aos modos elencados para abordar os problemas que

envolvem os docentes; os gestores fizeram questão de afirmar que os professores são

chamados individualmente (embora não tenhamos presenciado em nenhum momento essa

circunstância ou outra que sugerisse que ela havia ocorrido) e os professores, por sua vez,

foram igualmente enfáticos em dizer que as chamadas em particular existem, ainda que

nenhum deles tenha admito saber se elas alguma vez já ocorreram. Para nós, esse aspecto é

revelador da presença de um imaginário convencionado, de que cabe à direção da escola

garantir a boa condução dos trabalhos, chamando a atenção daqueles que se desviam desse

propósito. Por um lado, a manutenção desse imaginário (já que ele é anunciado pelos

gestores) representa uma micropolítica que permite aos gestores manter sua ascendência sobre

os professores através do medo; por outro lado, revela que nenhum educador foi instituinte em

relação ele, já que a possibilidade de que os problemas fossem resolvidos de modo dialógico

no coletivo, tratando o trabalho em si e não as pessoas e, desse modo, criando um movimento

de co-responsabilização, não foi levantada por nenhum dos entrevistados.

O terceiro ponto que percebemos decorre desse segundo e diz respeito aos demais

modos de abordar as questões docentes; falas generalizantes e não endereçadas (“chamadas”

no geral), esvaziamento ou pouca objetividade quanto ao que precisa ser feito (“trabalhar”

com os alunos com dificuldade; desenvolver “projetos”), responsabilização do aluno e sua

família e tratamento imediatista, sem previsão de ações formativas em longo prazo, são

reveladores da existência de uma cultura profissional de individualismo.

A cultura de individualismo mostrou-se muito presente nas observações participantes

que fizemos e se confirmou também nas falas dos sujeitos entrevistados:

Eu acho que dentro de uma escola, a maioria dos professores tem objetivos diferentes, com

o que eu não concordo [...] então cada um acaba que trabalhando meio que por si e aí?

(Professor 5 – Vale).

Eu acho assim mais na coisa do “social” mesmo. Determinados professores procuram assim

uma integração mas, no geral, é difícil, as pessoas parece que têm receio de perguntar ou de

pedir ajuda [...]. Agora o que predomina é o “social” mesmo, no social nós temos assim um

intercâmbio maior, agora no profissional é um pouco menos, mas ainda tem, mais por área,

por área tem uma afinidade maior. [...]. (Professor 4 – Vale).

São poucos assim os que aceitam mudanças, tem uns que até concordam, eles ouvem, não

realmente é isso e isso e tal, mas depois lá na sala de aula, no dia-a-dia, ele faz do jeito dele.

Mesmo que a equipe vá conversar, vá interferir, vá explicar, seja o que for que for feito, lá

dentro da sala de aula ele continua do jeito dele. (Professor 1 – Vale).

Quando você não encontra um respaldo de tudo isso, quando você vê que é colocado tudo,

apenas se teoriza muita coisa e na prática não se faz, então você também se desmotiva

porque você pensa: “Eu sozinha não sou ninguém dentro da escola. Como que sozinha eu

vou fazer?” Isso desmotiva, isso então influi no trabalho da gente. E se o professor não é

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comprometido ou se não tem um profissionalismo dentro da escola, aí ele vai no que

acontece dentro da escola: “Ah, é assim, então eu também não vou me envolver, então eu

vou lá dou a minha aula e vou embora”, não existe um envolvimento maior. (Prof. 2 –

Gema).

Mais no nível social, no nível profissional nós comentamos apenas os meios que nós

usamos, os resultados que nós obtemos, mas fica assim. (Prof. 1 – Gema).

Eu até acho que isso melhorou um pouco nos últimos anos, de tanto que se reúnem e tal, e

eles se conhecem melhor, mas os professores, dá impressão que tem mais dificuldade de

trabalhos em equipe [...]. Hoje em dia eu acho que está bem mais fácil. Ainda tem esse tipo de dificuldade. Não sei se isso acaba sendo mais questão pessoal, de dificuldade mesmo, ou

porque algum colega tenha, de repente, receio que outro, a impressão que dá é que eles

fazem exatamente como alunos: “Não quero dividir o meu trabalho com o outro”. Não é

geral, ainda bem, porque essas questões de projetos e situações interdisciplinares, daí fica

muito complicado quando tem esse tipo de coisa. (Pedagoga 1 – Gema).

De fato, na medida em que não é hábito dos professores e menos ainda dos gestores e

professores a abordagem clara dos problemas que o grupo enfrenta, depreende-se que tal

racionalidade é reveladora dos modos de interação ali travados. As escolas – principalmente a

Escola do Vale – apresentam-se como locais acolhedores daqueles que ali chegam e

convivem, com um clima de amizade e simpatia; os professores conversam nos momentos de

hora-atividade, nas entradas e saídas das aulas e recreios, socializando fatos e novidades e

aproximando-se do que alguns autores denominam como “escolas calorosas” ou “grandes

famílias”.

Porém, o que num primeiro momento parece denotar grande interação revela a seguir

o isolamento, já que se limita às dimensões pessoais da vida dos professores. Quando a

questão é o estabelecimento de práticas colegiadas, a abertura para falar e ouvir as

dificuldades, a liberdade para problematizar o trabalho educativo, o atuar em coletividade, a

cooperação e a sensibilização para as questões do grupo-escola, constata-se quase que a

inexistência de tudo isso.

Liston e Zeichner, citados por Papi (2005, p. 58), apresentam boa síntese das idéias

que caracterizam a cultura de individualismo:

[...] los profesores trabajan aislados, [...] „tienen iguales, pero no colegas‟

[…]. Los profesores pasan la mayor parte del tiempo con los alumnos,

dentro de sus aulas, por lo que interactúan poco con los demás docentes. Cuando lo hacen, la costumbre de no pedir ayuda a los otros casi se

convierte en norma: hacerlo supondría admitir el propio fracaso. En sus

interacciones con los administradores, los profesores suelen verse a sí mismos en situación de ambigüedad. No quieren tener muchas interferencia

del director en suas actividades de clase pero, al mismo tiempo, desean que

éste actúe como „parachoques‟ entre ellos y el mundo exterior. […], la

cultura docente parece muy individualista y evidentemente poco cooperativa.

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Tal cultura, então, pode ser tomada como recurso explicativo para a condução que as

escolas dão à gestão dos problemas didático-pedagógicos que envolvem os professores. O

individualismo presente no dia-a-dia por certo dificulta a abordagem colegiada das questões

do ensino como responsabilidade de todos e o estabelecimento de reflexões abertas e honestas

sobre a prática educativa, com dados claros sobre a realidade e a elaboração de proposições

efetivas para contorná-los.

O isolamento, que está na base da cultura de individualismo, pode ser entendido

também como uma micropolítica de proteção, pois inseguros e temendo não aceitação, os

professores não partilham seus saberes e os sentidos que estabelecem em relação ao trabalho

escolar, silenciando-os; a ausência de diálogo associa-se, desse modo, à busca de proteção e

manutenção da imagem.

Nos períodos de observação participante, constatamos a dificuldade comunicacional

existente nas escolas e a consideramos (assim como ao isolamento) um grande exercício

micropolítico. Nossa percepção é reiterada pela fala dos entrevistados quando expõem sobre

os processos de comunicação travados:

Fica solto, fica naquilo que você ouviu, no geral, não se aponta [as coisas que fogem ao que

o coletivo estabeleceu], não se conversa com a pessoa, não se esclarece pra pessoa se ela

está tendo algum problema, alguma atitude que não está sendo coerente [...] Agora quando

você chega e fala: “Professores estão soltando no horário tal”. Pode ser eu, pode ser o outro,

tal, então ta, não sou eu, então eu fico quieto, não levo isso muito a sério. (Professor 5 –

Vale).

Os pais, quando eles chegam aqui e querem conversar com o professor, o professor vem e

conversa com o pai. Mas, às vezes, os pais têm razão em algumas questões, mas o professor

ele não aceita muito que o pai chegue e diga: “Olha meu filho não está aprendendo porque

tua aula, a forma de você trabalhar não é adequada”, ele não aceita de jeito nenhum. E eu

vejo assim, que às vezes, as reuniões de entrega de boletins, que a gente convida todos os

professores a participarem, que daí existem as fichas de ocorrência que os pais vão poder

ver, e daí a gente justamente convida os professores pra que eles estejam ali pra quando o

pai tiver uma dúvida sobre o porquê daquela ocorrência, as vezes, o professor não vem

porque tem medo de enfrentar os pais. Ainda existe, sabe. Ele tem medo de enfrentar.

Talvez não é tanto medo, talvez ele acha que não tem que dar satisfação do que ele faz na

sala de aula pros pais, eu vejo mais por aí. (Diretor – Vale).

Uma situação que ocorreu comigo aí dentro de sala de aula, comigo e com os outros

professores: uma turma inteira nós fizemos uma reunião pra verificar os problemas. Só que

no dia da reunião, os professores desceram a lenha nos alunos, e pra ser sincero, o meu

problema e eu expus isso lá, era falta de vontade deles de estudarem, eu não tinha

problemas com disciplina com eles. Só que eu tinha o meu posicionamento, eu não tinha

problemas com disciplina, eu fui visto assim como uma pessoa que foi lá pra estragar a

reunião, [...] eu que era o ruim. [...] Você vê as pessoas falando entre si depois da reunião,

são olhares que você vê de desaprovação quando você fala. Tem alguns probleminhas

também que os professores falam pelas costas também, daí é complicado, eu não gosto

disso mas existe também. Isso existe em todo lugar, porque eu já passei por um monte de escolas e a gente vê. (Professor 4 – Vale).

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Não, em determinados momentos não, as pessoas omitem [sua intenção]. Talvez por medo

de ser a famosa carta marcada se eu for expressar tudo o que eu estou sentindo, é muito

desse ponto mesmo. (Professor 3 – Vale).

Eu penso assim que, de repente, em algumas situações, a comunidade concorda, mas eu

acredito que eles devem ter também outras coisas que gostariam que acontecesse, que fosse

trabalhado. Por exemplo, mais especificamente assim, eu acho que com determinados

professores, a forma de trabalhar com os alunos, eu acredito que eles iriam interferir

também nessa parte. [A comunidade não faz isso porque] não tem abertura, não tem muita

abertura. Eu acho que a escola ainda é assim fechada, apesar da gente saber, das pessoas

ouvirem, mas a escola não mudou muito do que era muito tempo atrás. (Professor 1 – Vale).

Sim, acontece [comunicação transversal]. E às vezes, e quando eles começam é porque tem

alguma coisa e é importante a gente chegar e querer saber, “Olha, conte”, “Ah, não vou

falar senão o pessoal vai ficar bravo”, falei: “Não, ninguém fica bravo, ninguém fica

bravo”. (Diretor – Vale)

A comunicação eu acho assim, professor precisa de alguma coisa da direção, professor-

equipe, equipe-professor, não vem direto, às vezes, conversar aqui. Eu acho que não existe

um pedestal, muitas vezes eles colocam a gente num pedestal, eu acho que ainda existe

aquela comunicação mais direta: “Eu preciso de um favor, é pra você que eu vou pedir, não vou pedir pro fulano, porque o fulano se dá mais com você então o fulano vai conversar

com você”; essa ponte tem que existir um pouquinho mais de boa vontade de ambas as

partes. Eu, por exemplo, sou um cara aberto apesar desse meu jeitão assim, mas eu acho

que estou aberto pra receber todo mundo pra conversar, pra dialogar. Não consegue ser tão

direta. Eu acho que existem intermediários ainda. (Vice-Diretor – Vale).

Surgem discussões assim sobre as questões cotidianas, mas muito, assim sobre a prática,

cada um falando da sua prática, eu não percebo muita. (Pedagoga 1 – Vale).

Quando nós estamos só nós professores, se comenta muita coisa mas não se tem essa

coragem de dizer nada. Alguns professores reclamam pra direção, alguma coisinha […]. (Prof. 2 – Gema).

Não tem aquela tranqüilidade de se relacionar. Eu falo, do meu jeito eu falo, e a [...] do jeito

dela ela fala e daí eles não gostam. Daí quando a gente chega perto eles param de falar ou

então eles estão conversando a gente chega e eles saem, então você sente assim que não tá

legal porque você falou tal coisa pra eles. (Pedagoga 2 – Gema).

Falar do trabalho que não deu certo seria me expor a de repente, entre aspas,

incompetência. [...] A comunicação nesse sentido é bem pequena, eu até hoje não percebi

muito essa questão de comunicação: “Olha professor, eu acho que você poderia ter feito

assim”. Essa comunicação profissional entre os professores eu não percebo muito isso não.

(Prof. 8 – Gema).

A equipe pedagógica resolve [os problemas] e a gente, às vezes, ouve algumas farpinhas lá

longe, mas a gente não participa desse tipo de coisa não. A nossa escola também nunca teve

assim problemas mais sérios, mas os poucos problemas que existiram foi meio que

“Conversa lá e abafa”, e fica na mesma. [...] Chama individual. [...] Eu não acho natural,

mas acabo por não mexer, deixo como tá, política da boa vizinhança eu chamo isso. [...]

Não, não existe essa discussão [sobre a prática pedagógica dos professores] [...] porque eles

se sentem questionados, invadidos, não é visto com bons olhos. [...] Eles são assim, eles

não gostam, eles não acham assim que discussão seja uma coisa assim saudável, pra eles

discussão é sentido desavença, eles não visualizam assim que você discute pra romper

algumas coisas, pra abrir novos caminhos, pra ver novas tendências, pra abrir um novo horizonte. A maioria dos nossos professores pensa assim: “Discutir é brigar”, então de

medo que, de repente, “Ah, mas sei lá, de repente o fulano pode se chatear, então eu não

vou falar nada”. (Prof. 6 – Gema).

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[...] a escola, é engraçado isso sabe, quando você falou assim: “Ah, por que você não falou

isso na reunião ali, na pedagógica?” Nem me passou pela cabeça falar isso porque a escola

não é, não tem a prática, não digo que não é aberta, que é aberta enfim, eu poderia falar,

mas assim não tem a prática de discutir questões relevantes, que não seja indisciplina de

aluno, em grandes reuniões. Questões realmente relevantes se discutem no teti-a-teti, assim

no particular. Não informalmente, no submundo como se diz assim. É formal entende?

(Prof. 3 – Gema).

Esse ano, esse início de ano em que eu resolvi dizer mais as coisas, eu percebi já um

choque muito grande. Uma rejeição em relação a, eu estou incomodando dentro da escola.

[...] A gente vê que todos os professores ali estão insatisfeitos com essa morosidade da escola, mas não têm essa coragem de ir contra e eu me sinto assim, muitas vezes, sozinha

dentro da escola. (Prof. 2 – Gema).

Não, elas demonstram que não gostaram. Criticando, fazendo cara feia, piadinha na hora do

recreio, piadinhas bobas, por exemplo, chega a pedagoga elas dizem: “Pare de falar agora

do requerimento de avaliação que a pedagoga chegou”. Daí eu não agüento, eu falo: “Ah, o

que que vocês tão falando?” “Ah, Roseli, esse requerimento não deu certo, não sei da onde

que você tira essa idéia”. Então algumas soltam o veneno, digamos assim, entre aspas o

veneno, e outras chegam e falam pra você, depende da situação. Elas fazem, mas elas ficam

reclamando diariamente, elas entram na tua sala pra reclamar, elas te esperam no pátio pra

reclamar, até que você mude. (Pedagoga 2 – Gema).

Quando tem algum problema a gente tenta abordar porque a gente tem que ter consciência

de que se você não resolver o problema, você adia um problema e depois você vai ter um

problema maior na frente. Então a gente tenta conversar com o professor, se bem que,

muitas vezes, a gente não é bem entendido, ou existe alguma outra conversa paralela,

depois que você conversa você sabe que como ser humano, ah, ficou chateado ali, mas a

gente tenta acertar. Pelo menos, a gente faz diversas reuniões, a gente tenta colocar esse

ponto pra solucionar. (Diretor – Gema).

Os modos de comunicação deixam ver a dificuldade (não apenas existente como

denunciada) de se falar sobre a prática, sua natureza e sentido, o que reafirma a tese da cultura

de individualismo. Quando o diálogo ocorre, se faz em relação a questões de natureza mais

organizacional (como a discussão sobre o cálculo da média avaliativa, por exemplo), numa

compreensão de que esse é um território viável e os demais não o são, o que revela a intenção

micropolítica de “não mexer no que está quieto” ou mesmo de se proteger diante do grupo,

seguindo as normas subliminarmente convencionadas.

Há, então, a revelação de uma espécie de acordo que convenciona o que pode ser

tematizado e os sentidos a serem comungados, uma tradição que, se quebrada pela expressão

de pontos de vista e problematização, pode gerar punições.

A tradição de comunicação existente pode ser compreendida a partir da noção de

“ação regulada por normas34

”, de Habermas (1987, p. 123). Nessa modalidade de ação (e de

comunicação) aqueles que se comunicam reconhecem a existência de um mundo social, de

34 Habermas (1987) estabelece quatro modalidades de ação em relação aos modelos de comunicação: ação

teleológica (que visa ao alcance dos fins daquele que se expressa), ação normativa (que visa ao consenso por

meio da convencionalidade do conteúdo da linguagem), ação dramatúrgica (que visa à expressão daquele que

fala, diante de espectadores) e a ação comunicativa (que visa ao negociar e partilhar significados).

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sujeitos que interagem, que extrapola o mundo objetivo. É porque existe um mundo social que

existem interações, mas estas acontecem a partir de normas que são legitimadas no mundo

social: “Todos os miembros de un grupo para los que rige una determinada norma tienen

derecho a esperar unos de otros que en determinadas situaciones se ejecuten u omitan,

respectivamente, las acciones obligatorias o prohibidas”.

A função da comunicação é estabelecer relações interpessoais consensuadas através

de conteúdos cujo sentido é validado no mundo social; interessa então o conteúdo da

linguagem, aquilo que ela diz, na medida em que garante entendimento entre os que

interagem pela expressão de valores e sentidos convencionados.

A questão que aí se encontra é a de que nesse modelo de comunicação não existe a

noção de coletividade, mas de grupo que partilha valores comuns; a realidade tematizada pela

comunicação se limita às dimensões objetiva e social (mundo objetivo e mundo social), não

incluindo os sujeitos como constituintes e, portanto, instituintes. Essa ação de comunicação,

pautada por normas, possui caráter instrumental, porque a observância de tais normas pelo

sujeito não significa que ele relaciona-se com o mundo social ao qual elas pertencem; ele

apenas as segue e, por isso, não poderá gerar mudanças nos sentidos existentes.

Para Habermas (1987), essa limitação pode ser superada se o modelo de

comunicação for o de ação comunicativa:

[…] el concepto de acción comunicativa se refiere a la interacción de a lo menos dos sujetos capaces de lenguaje y de acción que (ya sea con medios

verbales o con medios extraverbales) entablan una relación interpersonal.

Los actores buscan entenderse sobre una situación de acción para poder así

coordinar de común acuerdo sus planes de acción y con ello sus acciones. El concepto aquí central, el de interpretación, se refiere primordialmente a la

negociación de definiciones de la situación susceptibles de consenso. En este

modelo de acción el lenguaje ocupa, como veremos, un puesto prominente.

(op cit, p. 124)

Na ação comunicativa os interlocutores buscam o entendimento por meio de um

trabalho cooperativo de interpretação; há todo um esforço de racionalidade voltado a validar

os argumentos propostos, pelo que estes devem obedecer aos critérios de verdade (que se

cumpra o que se menciona), correção (que a linguagem se faça de acordo com as normas em

vigor) e veracidade (que aquilo que é dito corresponda ao que é pensado). (HABERMAS,

1987).

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Na medida em que, pela argumentação, os sujeitos estabelecem acordos sobre os

sentidos e idéias, eles relacionam-se entre si e com o mundo e alcançam de modo reflexivo o

entendimento, o qual funcionará como mecanismo coordenador das ações e gerador de

mudanças ou transformações nos significados.

Nas escolas pesquisadas o agir não é, então, comunicativo; inicialmente, porque há

muitas coisas que se falam e que não cumprem os critérios de verdade e veracidade, o que

permitiria que tais argumentos formulados sucumbissem. Em seguida, porque a lógica

burocrático-funcional da organização e a cultura de individualismo são grandemente

impedidoras da relação dos sujeitos entre si (e com o mundo), obstaculizando o diálogo e a

conquista do entendimento, já que este pressupõe ações intersubjetivas.

Ainda assim, a denúncia dos educadores reitera a possibilidade que os sujeitos

possuem de, também por meio de sua forma de assimilar suas experiências, estabelecer outros

sentidos e significados, já que a clareza dialógica que postulam não corresponde ao modelo

comunicacional que vivenciam. Mostra-se instigante, por outro lado, que não tenham atuado

no sentido de buscar transformar tal modelo comunicacional, agindo de modo instituinte.

6.2.3 Os Tempos Escolares Face à Gestão Democrática do Trabalho Pedagógico

Diante dessa tradição e da pouca efetividade das iniciativas políticas do Estado (em

termos de instituírem novas práticas no interior da escola), identificamos um elemento que se

apresenta nas dimensões universal, singular e particular, reapresentando-se de modo plural em

todas e, ao mesmo tempo, transversalizando-se em relação a elas: o tempo.

Vinão Frago (1994; 1998) tem se destacado por sua produção na área da cultura

escolar e, de modo especial, no estudo dos tempos (e espaços) escolares como formas

culturais. Para esse autor, o tempo não é uma categoria neutra e precisa ser percebido pela

influência que exerce sobre o modo de pensar e organizar o trabalho educativo escolar. Ao

debater sobre as reformas escolares, o autor assevera também que muitas vezes tais reformas

buscam alterar processos organizativos sem, contudo, prestar atenção a silenciosos e potentes

elementos pedagógicos como o tempo (e o espaço) escolar.

Para Viñao Frago (1998) existe um primeiro tempo, institucional, que detém

características de unificação e legalidade. Harvey (1992) apresenta os estudos de Certau, que

também aponta uma dada racionalização para a organização do tempo, a qual revelaria uma

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espécie de “totalização” ou tempo institucional. Contudo, para Harvey (ibid.), Certau não

explicita os motivos que levam a tal modelo racional, conjeturando que suas bases podem ser

o projeto do iluminismo ou do capitalismo.

Tomando como foco o tempo nas escolas pesquisadas, vemos que ele realmente

reflete elementos da estrutura racional que conformou a escola de massas em suas origens.

Identifica-se aí a definição de etapas de escolarização (séries), arranjos disciplinares e seu

desenvolvimento em períodos específicos durante o ano por meio dos calendários escolares.

Vemos então a racionalização e regulamentação primeira do tempo escolar: nove (até

aqui oito) anos letivos para o ensino fundamental e três para o ensino médio; anos letivos de

200 dias e 800 horas-aula35

; uma base nacional comum em termos de disciplinas a serem

desenvolvidas. Nas escolas pesquisadas encontramos, inicialmente, um tempo seriado que

novamente se redistribui em tempos disciplinares, conforme se vê a seguir.

Quadro 3: Matriz Curricular da Escola da Gema

Horas/Aula por Série

Disciplinas/ 5ªS 6ªS 7ªS 8ªS

Artes 2 2 2 2

Ciências 3 3 3 4

Educação Física 3 3 3 3

Ensino Religioso 1 1 - -

Geografia 3 3 4 3

História 3 3 3 3

Língua Portuguesa 4 4 4 4

Matemática 4 4 4 4

Língua Inglesa 2 2 2 2

TOTAL 24 24 25 25

Quadro 4: Matriz Curricular da Escola do Vale

Horas/Aula por Série

Disciplinas/ 5ªS 6ªS 7ªS 8ªS

Artes 2 2 2 2

Ciências 3 3 3 4

Educação Física 3 3 3 2

Ensino Religioso 1 1 - -

Geografia 3 3 4 3

História 3 3 3 4

Língua Portuguesa 4 4 4 4

Matemática 4 4 4 4

Língua Inglesa 2 2 2 2

TOTAL 24 24 25 25

35 Nas escolas pesquisadas a organização do tempo escolar é seriada em torno de matriz curricular disciplinar.

Assim, na série, o tempo é distribuído em disciplinas.

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De acordo com Harvey, (1992, p. 218) “As ordenações simbólicas do espaço e do

tempo fornecem uma estrutura para a experiência mediante a qual aprendemos quem ou o que

somos na sociedade”. Mais do que marcadores racionais, os tempos institucionalizados

sofrem influência e influenciam toda uma grande lógica social e identitária.

O tempo institucional se desenvolve paralelamente a uma multiplicidade de

tempos individuais ou pessoais: são as configurações que assume em função do arranjo

curricular e a estrutura de papéis da escola. Tais detalhamentos ou rearranjos mostram “la

micro e intrahistoria de la institución escolar. [...] Su expresión material y escrita son los

cuadros horarios y de distribución temporal de tareas y programas”. (VIÑAO FRAGO, 1998,

p. 6).

Harvey (1992) aborda esse tempo, que foge à racionalização do tempo institucional,

apresentando o trabalho de Gurvitch, o qual acredita que os sentidos do tempo são criados

pelos grupos ou formações (parentes, comunidades locais, grupos econômicos, comunidades

profissionais, etc.) e identifica, a partir daí, oito tipos de tempo (permanente, ilusório, errático,

cíclico, retardado, alternado, acelerado e explosivo) que se combinam entre si de diferentes

modos.

O ponto importante na teoria desse autor é que ele “inverte a proposição de que há

um tempo para tudo e propõe que pensemos, em vez disso, que cada relação social contém

seu próprio sentido de tempo”. (HARVEY, ibid., p. 204).

É possível inferir, a partir das duas abordagens, que assim como o tempo possui uma

dada definição racional, ele também é permanentemente reconstruído pelos sujeitos em

função dos papéis que exercem e relações que estabelecem.

Considerando os dois grandes grupos profissionais que tomamos para análise –

professores e gestores – vemos que o próprio papel assumido na instituição já estabelece

nuances diferenciadas para os respectivos tempos pessoais.

Os professores têm oitenta por cento de seu tempo destinado ao trabalho com as

diferentes classes, nas disciplinas que ministram; o tratamento disciplinar dado aos conteúdos

a serem ensinados gerou tal tempo fragmentado que até hoje permanece de modo

hegemônico. Os outros vinte por cento são ocupados naquilo que previu a LDBN 9394/96, no

Paraná denominada como “hora-atividade”: tempo voltado ao preparo do trabalho docente

(estudo e planejamento das aulas), a ser cumprido na escola. Na Escola do Vale, esse tempo é

vivido na sala própria para esse fim ou na sala de professores; e na Escola da Gema na sala de

professores.

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O tempo docente divide-se então em horários de aula (16 horas-aula

semanais/jornada) e horários para hora-atividade (4 horas-aula semanais/jornada); destacamos

que grande parte dos professores atua em duas jornadas ou quarenta horas semanais.

Ao mesmo tempo em que a carreira docente e a matriz curricular definem de modo

sistematizado o tempo do professor (em vista do horário em que precisa estar nas diferentes

aulas e ao fato de que seu tempo é fator de controle por parte dos gestores), elas pouco dizem

sobre o emprego do tempo daqueles que atuam nos cargos de gestão. Diretores e pedagogos

ocupam-se com questões afetas à escola e, predominantemente, à gestão do trabalho

pedagógico (cf. Cap. 4) e por isso possuem uma flexibilidade muito grande para o emprego do

tempo.

O tempo dos gestores demonstrou-se essencialmente um tempo de trabalhar

individualmente em tarefas da organização e do trabalho pedagógico da escola. Nesse campo,

diretores envolvem-se com a distribuição das aulas e elaboração de horários; pedagogos

atendem alunos e classes, substituem professores que faltam, elaboram fichas e outros

documentos de registro, propõem datas para entregas de notas e realização de conselhos de

classe e reuniões, participam de reuniões junto ao NRE, sistematizam e/ou realizam tarefas

solicitadas pela SEED, entre tantas outras.

Existe ainda um tempo para que as escolas atuem de modo coletivo em situações de

trabalho pedagógico; ele se resume a cinco por cento dos 200 dias letivos para reuniões

pedagógicas e quatro dias para conselho de classe. Esse tempo se expande de modo informal,

se considerarmos os momentos de recreio ou a dispensa de algumas aulas (como ocorre na

Escola do Vale) para deliberar assuntos que requerem anuência do coletivo.

Nas duas formas de organizar o tempo individual – tanto de professores como de

gestores – podemos confirmar a tese de Gurvitch (apud HARVEY, 1992) de que o tempo é

construído nas relações sociais, porque em ambos os casos fica explícita sua gestão última,

processada pelos próprios sujeitos, como confirma Barroso:

a gestão é uma dimensão do próprio acto educativo. Definir objectivos, seleccionar estratégias, planificar, organizar, coordenar, avaliar as

actividades e os recursos, ao nível da sala de aula, ou ao nível da escola no

seu conjunto, são tarefas com sentido pedagógico e educativo evidentes. Elas

não podem, por isso, ser dissociadas do trabalho docente e subordinarem-se

a critérios extrínsecos, meramente administrativos. (1995, p. 10).

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Diante dessa premissa e do foco buscado (a organização do trabalho pedagógico),

entendemos ser importante perceber em que medida os tempos institucional e pessoal têm

contribuído para que o trabalho pedagógico seja gerido de forma participativa e democrática.

Questionamos o que revelam em termos de valores, focos de atenção, atuação coletiva,

reflexão sobre a prática, controle.

Inicialmente é possível ponderar que o tempo coletivo é muito restrito em vista das

necessidades que a participação impõe; a esse aspecto somam-se outros já levantados quando

tomamos a participação da comunidade, as reuniões pedagógicas e o conselho de classe como

objetos de análise.

Em seguida, observamos que na gestão do tempo os educadores terminam por

trabalhar isolados:

Era um trabalho interessante que elas desenvolviam e nós conseguimos fazer com que a

hora-atividade dessas professoras coincidisse, então acontecia mesmo o trabalho. Era hora-

atividade de todas elas, elas sentavam, escreviam projetos, discutiam projetos, todas as

semanas. Então foi muito bom o trabalho. Mas depois dispersa, uma professora se

aposentou, a outra não tinha vínculo com a escola de concurso, saiu, então esvaziou, e no

outro ano ficou bem solto, não foi possível desenvolver mesmo o trabalho. [...] (Pedagoga 2

– Vale).

Uma das coisas assim que precisa, não sei quando vai acontecer, que precisa da

organização do colégio é a parte de professores da mesma disciplina na hora-atividade que

acaba sendo de outras disciplinas fugindo muito de temas específicos. (Prof. 3 – Vale).

E nessa hora-atividade, se outros fizessem a mesma coisa, poderíamos sentar juntos e

progredir em alguns outros aspectos de planejamento de aulas em comum,

interdisciplinaridade, mas isso não acontece. Não acontece porque cada um usa de uma

forma essa hora-atividade, e, às vezes, dá certo de conversar com o professor e tal, mas

acaba ficando uma conversa mais informal. (Prof. 5 – Vale).

[...] na verdade os professores tinham que estar mais juntos, ter mais tempo juntos pra haver uma comunicação melhor, uma colaboração mútua entre eles, que eles estejam juntos mais

tempo, e é difícil porque quando um tem hora-atividade o outro tá dentro de sala de aula.

Um tem aula na terça e quinta, o outro tem aula na segunda e quarta, então é difícil de se

encontrar. (Diretor – Gema).

Talvez falta de tempo de organizar um trabalho em conjunto, talvez falta de hora-atividade

junto. Então como que eu vou fazer um trabalho junto, por exemplo, a língua portuguesa

ela pode trabalhar com qualquer outra área, mas quando que eu vou poder montar esse

trabalho junto com o meu colega, eu preciso de um tempo pra isso, e o colega tem que ter o

mesmo tempo junto. Às vezes falta material, às vezes falta, não sei. (Prof. 1 – Gema).

Como professor a gente não tem como observar o coletivo, porque a gente não tem tempo.

(Prof. 6 – Gema).

O desenvolvimento, na hora-atividade, de atividades que não congregam os

professores entre si se dá, em partes, pela própria racionalidade disciplinar e fragmentária que

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a instituição estabelece para as horas de docência e, em partes, como reprodução da cultura

profissional de individualismo existente, conforme já analisamos em momento anterior.

Um terceiro ponto é a destinação, o emprego do tempo. Focalizando sob esse aspecto

o tempo docente em hora atividade, constatamos que são priorizadas as atividades de caráter

técnico:

O que a gente sempre coloca é o seguinte: apesar de ter a hora-atividade que é um espaço

pra você estar se organizando com as coisas, tem muita gente que não aproveita esse espaço [...] então acaba levando... vamos supor assim, tem alguns professores que nem cumprem a

tal da hora-atividade, então ele acha de marcar consulta, ele acha de marcar um dentista, ele

acha tem que dar uma saída naquele horário, uma minoria, mas tem. [...] A maioria do

pessoal sempre tá envolvido ali em coisas da escola mesmo, que é correção de prova,

organização de material, preenchimento de livro de chamada então no geral é isso. Ou, às

vezes, até pra ta conversando com outro professor, trocando uma idéia, então no geral a

hora-atividade funciona dessa forma, mas também tem aqueles que aproveitam pra outras

coisas. (Professor 1 – Vale).

Bom, na minha hora-atividade. Bom pra mim, pelo menos, ela é positiva porque eu coloco

os meus livros, os meus trabalhos em ordem. Como eu levo tudo muito certo, acaba me sobrando tempo. (Professor 5 – Vale).

[...] Você vê um professor lendo, um professor mesmo não levando os trabalhos pra casa,

que a maior dificuldade nossa é isso na correção, leituras, o próprio computador,

atualizando. Mas muitos também fazem essa hora, não faz por onde, de repente, conversa

assuntos também que atrapalha o próprio professor que está ali concentrado com outros

assuntos. (Professor 3 – Vale).

Hora-atividade elas cumprem, algumas cumprem, fazendo planejamentos, corrigindo

provas, outros cumprem elaborando provas, eles ficam aqui na escola cumprindo, só tem

uma professora que não cumpre porque ela tem problemas de natureza particular com a relação de horário, então ela chega somente um dia na semana pra dar a primeira, as demais

ela não cumpre. Ela faz em casa o trabalho dela mas ela não cumpre aqui na escola. Então

existem alguns.... (Pedagoga 2 – Gema).

Pra mim é uma droga, sinceramente, não tenho nada, pra mim não acrescenta em nada a

hora-atividade, eu tenho raiva, eu já conversei com a coordenação, com a direção, eu não

consigo ficar sem fazer nada, e tem uma época assim, algumas semanas que você não tem o

que fazer, você já planejou, você já fez o teu planejamento, você já corrigiu as tuas provas,

você não tem o que fazer. De repente aquela hora-atividade você fica sem fazer nada, eu

não gosto. Agora com a internet é diferente, vai dar pra nós pesquisarmos, isso e aquilo,

mas até então hora-atividade pra mim era um sacrifício, era não, é um sacrifício. (Prof. 4 –

Gema).

A ocupação do tempo para atividades de correção de provas ou verificação de

trabalhos não pode ser considerada ilegítima, especialmente porque grande parte do trabalho

docente é constituída por atividades de natureza avaliativa. A questão se revela problemática

na medida em que tais dimensões não são extrapoladas para que o tempo seja destinado

também a trabalhos voltados à aprendizagem dos professores e da escola, o que o tornaria

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significativo e qualitativo em vista das mudanças que precisam estabelecer-se para uma

abertura efetiva ao entorno social.

Durante as situações de observação participante e por meio das falas aqui transcritas,

também pudemos constatar relativo descuido por parte da escola quanto ao cumprimento do

tempo docente: foram várias as faltas de professores em dias de docência, especialmente na

Escola da Gema, e a realização da hora-atividade também ficou muito mais a critério dos

professores.

Assim, ao mesmo tempo em que as escolas demonstram grande preocupação com o

cumprimento do tempo escolar pelos alunos (que não devem chegar atrasados, sair antes ou

faltar à escola), sentem-se a vontade para descumpri-lo quando os sujeitos em questão são os

educadores (incluindo-se, nesse aspecto, gestores e pedagogos).

Não foi possível observar nas escolas a cooperação e atuação colegiada, na hora-

atividade, entre professores e pedagogos, o que nos leva a tematizar a utilização do tempo por

esses últimos, face à gestão democrática do trabalho pedagógico.

Conforme dissemos logo acima, o tempo das equipes de gestão e pedagógica é um

tempo flexível em termos de sua destinação. Por outro lado, se observarmos o rol de tarefas

elencadas especialmente aos pedagogos no Regimento Escolar, veremos que se revela escasso

diante de tantas demandas. Destacamos, também, que na referida legislação escolar, cabe aos

pedagogos a maior parte das ações de liderança na condução do trabalho pedagógico da

escola, devendo portanto assessorar, dirigir e coordenar os demais profissionais.

A partir daí, somos levados a entender que – diante dos documentos políticos – os

pedagogos detêm grande autoridade pedagógica frente ao grupo, pelo que a construção de

uma escola democrática em sua comunidade local e profissional, aberta para a mesma,

implica que, no trabalho dos pedagogos, exista tempo destinado a tal articulação.

Contraditoriamente, observamos que nas escolas pesquisadas a maior parte do tempo

das pedagogas é empregado no atendimento aos alunos e que elas não atuam como

problematizadoras e mediadoras de processos reflexivos quando da solução de problemas (cf.

análise anteriormente realizada). A possibilidade de flexibilidade na gestão do tempo tem

levado os pedagogos, então, a uma inadequada exploração do mesmo, fator provavelmente

também associado à ausência de um projeto político-pedagógico efetivamente identitário e de

linhas de ação daí decorrentes.

O quadro descrito, tomado de forma geral, permite-nos constatar que a gestão dada

ao tempo revela, inicialmente, que no interior das escolas há pouco tempo voltado para a

gestão democrática. Sua gestão no interior dos processos relacionais demonstrou a presença

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de valores como a preservação do tempo individualizado, a negação do tempo de interação e a

valorização do emprego do tempo para o cumprimento das “burocracias pedagógicas” que a

própria instituição estabelece.

Esse cenário aproxima-se do que Gurvitch (apud HARVEY, 1992) configurou como

tempo cíclico (passado, presente e futuro se refletem mutuamente e levam à continuidade

dentro da mudança; pouca contingência) e tempo retardado (a chegada do futuro ao presente é

tão demorada que ele é superado assim que se efetiva).

Trata-se de modalidades de tempo que tendem mais a manter o passado e a dificultar

o surgimento de novas demandas e construções de caráter instituinte/inovador, as quais

estariam mais relacionadas ao que o autor (ibid.) classificou como tempo acelerado (de

mudanças e quebra de rotinas, de transformações coletivas que fazem com que o futuro se

faça presente) e tempo explosivo (revolucionário, de criações e rompimentos que levam o

futuro a superar e extrapolar o presente e o passado).

Por esse motivo o tempo, de modo especial, pode ser lido como fator dificultador da

construção de outros sentidos para noções como trabalho pedagógico e didático-pedagógico

(de individualista para cooperativo), aula (de momento restrito à aprendizagem contínua) e

ensino-aprendizagem (de ação na qual o aluno é objeto, para ação na qual ele passa a sujeito;

de atividade de transmissão para processo de estudo, pesquisa e construção).

6.2.4 Cultura Escolar: uma Apreensão a Partir da Política Educacional, Teorias que as

Fundamentam e Práticas Escolares

A cultura da escola precisa ter seus significados depreendidos pelos movimentos que

a caracterizam, originados das demandas sociais e teorias que retratam as mesmas, das

políticas que buscam estruturar e determinar modos de ação e dos sujeitos e grupos que

interatuam diante de ambos (cf. p. .. Cap. III).

Tomando os dois pontos centrais que utilizamos para abordar a escola ao longo do

trabalho – a escola como instituição e a escola como organização cultural – podemos

depreender, então, dois elementos-chave para discutir a cultura escolar, elementos esses que

são, na verdade, indissociáveis: primeiramente (e em função da teoria institucional) a relação

dos grupos particulares e da organização estabelecida com o ideal universal que não apenas

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originou a instituição como também a pressiona constantemente. A seguir (e em função da

teoria cultural), a maior ou menor preservação da tradição.

É fato que, se a escola ainda possui demandas não cumpridas ou demandas novas que

se avolumam diante dos desafios sócio-culturais, políticos e econômicos, a manutenção rígida

da tradição pode significar distanciamento de sua função social; por outro lado, a abertura

para as necessidades e novas demandas sociais certamente significará mudança nas tradições

e transformação positiva das práticas, aproximando-as.

Desse modo, para que o trabalho educativo esteja sintonizado com a realidade

contemporânea, vemos como fundamental que ele se caracterize como tendo natureza

democrática, voltado aos interesses populares e sociais. Entendemos que a gestão participativa

(aquela na qual a pluralidade de valores e posições podem ser expressadas e debatidas,

visando à superação dos conflitos e à obtenção de consensos, ainda que parciais) é essencial.

Participando – exercendo e articulando-se ao exercício do poder – a sociedade e a

comunidade escolar terão maiores chances de que as funções sociais exercidas pela escola

sejam legítimas, já que poderão influenciá-las no que diz respeito a valores e princípios,

alinhando-os aos interesses coletivos e contemplando, de tal modo, a pluralidade e as

diferenças.

As escolas pesquisadas entendem a participação da comunidade por elas atendidas

como um modo de os pais mostrarem-se disponíveis e prontos a ouvi-las; não parece existir

um interesse real nos sentidos sobre as finalidades educativas e a natureza do trabalho escolar,

construídos pelos pais e alunos. É verdade que as escolas reconhecem os – e até mesmo se

compadecem dos – problemas de natureza sócio-econômica ou cultural que as famílias

enfrentam; contudo, diante deles, preservam a crença de que essas famílias, mesmo vivendo

sob duras realidades, devem atuar de modo a converterem-se aos modelos idealizados pela

instituição.

As instâncias colegiadas de gestão e outras situações validadas por meio das políticas

para estruturar a participação dos pais parecem efetivar-se de modo a contribuir para tal

situação, porque funcionam de maneira formalizada, sem que se perceba acolhimento dos pais

pela comunidade profissional. Eles não são vistos como sujeitos capazes de interaturar, de

explicitar uma lógica, de expressar saberes, de argumentar e fundamentar pontos de visão, de

opinar.

O mesmo ocorre com o conselho de classe e os momentos voltados ao envolvimento

cotidiano da comunidade profissional da escola nos processos decisórios. No momento de

deliberar sobre os resultados de aprendizagem obtidos, seja em conselho de classe, seja nas

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situações cotidianas, os professores desconsideram a natureza pedagógica que guia seu

trabalho e enfocam as questões apenas pela via do comportamento discente, como se ambos

os aspectos não estivessem relacionados.

A abordagem unilateral das situações faz com que os problemas sejam abordados

especialmente por sua dimensão técnica ou organizacional: que instrumentos de avaliação

utilizar, como calcular a média, de que modo aplicar testes de recuperação paralela, onde

registrar ocorrências, que encaminhamentos estabelecer quando as normas são quebradas são

questões, dentre outras, inserem-se nessa dimensão.

Em tais circunstâncias, de tematização das questões, não se observa em nível

institucional um confrontamento entre diferentes aspectos que, por certo, estão

interrelacionados: os motivos, intenções, significados, valores e modos de compreender; os

possíveis imaginários de alunos, professores, gestores, pedagogos ou pais raramente se

convertem, de tal modo, em objeto de reflexão.

Merece destaque, também, o modo como o tempo é organizado tanto em nível

institucional (racional) como em nível pessoal (no contexto das relações sociais), na medida

em que se revela escassez de tempo coletivo, voltado à participação reflexiva, emancipatória e

democrática e de tempo voltado para a liderança e aglutinação, no trabalho dos profissionais

das equipes de gestão (embora eles não devam ser os únicos a exercer a liderança em nível de

escola).

Se a escola não reflete sobre si mesma, há participação e democracia? Se o modo de

abordar as questões silencia a comunicação, não permite compreensão real e nem mesmo a

tomada de decisões capazes de permitir o alcance de sua função social, podemos dizer que se

trata de uma escola democrática?

É possível afirmar que as pessoas participam na medida em que não são ouvidas e

não ouvem, que não buscam o desenvolvimento de uma lógica para seu fazer a partir da

coletividade necessária e pertencente a um projeto de escola?

Por essas questões não pudemos perceber que nas escolas pesquisadas a democracia

e a participação sejam valores consolidados na prática cotidiana, ainda que a sociedade

política (Estado) tenha desenvolvido políticas voltadas a internalizar tais dimensões.

É verdade que uma escola democrática e participativa em sentido pleno pressupõe a

centralização de poderes na instituição e, também, que a presença de tais características

levaria as escolas a se lançarem numa atuação política junto à sociedade política, visando a

conquistas necessárias para a viabilização do alcance de sua função social. Por certo, não é

essa a escola democrática desejada pelo Estado, porque atingindo tal dimensão de

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participação ele mesmo se veria pressionado a mudar. A ele interessa uma participação

instrumental (cf. Cap. 4), voltada a transferir para a sociedade civil local responsabilidades

que são suas, ao mesmo tempo em que a gestão se rescentraliza em nível de escola.

Entendemos que a conquista dos processos democráticos passa pela racionalidade

dialógica, capaz de permitir que as pessoas compartilhem sentidos e saberes num processo

argumentativo voltado à construção de sentidos e significados comuns. Sua ausência, por

certo, significa a manutenção dos sentidos consentidos da tradição: baixos níveis de

aprendizagem efetiva como dados lastimáveis, mas “naturais”; rotinização, encaminhamentos

de natureza mecânica ou burocrática; ausência de reflexão; fechamento para o entorno.

Embora seja possível localizar muita produção acadêmica sobre temas ligados à

educação e a escola, consideramos que ainda é pequena a produção relativa às características

da cultura escolar, no sentido tomado neste trabalho. Marchesi e Martín (2003) apresentam, a

esse respeito, as caracterizações de Hopkin, Ainscow e West, bem como a de David

Hargreaves. Os primeiros trabalham com duas dimensões básicas – eficácia de resultados e

dinamismo dos processos –, categorizando as escolas como paralisadas, errantes, passeantes

ou em marcha.

Escolas paralisadas são aquelas nas quais o trabalho docente é individualista e

pautado em expectativas pequenas; em decorrência, a aprendizagem atingida é baixa e os

alunos, suas famílias e a sociedade são culpabilizados por tal fracasso escolar. Os processos

organizacionais são estáticos e elas, muitas vezes, estão em comunidades pobres.

Escolas errantes buscam a mudança e a inovação a todo custo, mas o fazem sem

reflexão, projeto pedagógico e clareza de objetivos, o que faz com que suas iniciativas se

caracterizem pela incoerência, instabilidade e poucos resultados efetivos.

Escolas passeantes normalmente se situam em comunidades com favorável nível

sócio-econômico. Possuem uma prática pedagógica que, embora tradicional, associa-se a

fatores como a estabilidade e a tranqüilidade, pelo que são auxiliadas pelas características de

seu alunado. São escolas que até demonstram interesse em mudar, desde que as condições

pedagógicas alcançadas não sejam afetadas.

As escolas em marcha, por fim, conseguem equilibrar estabilidade e mudança, para o

que investem nas estruturas necessárias para que as mudanças se efetivem.

David Hargreaves (apud MARCHESI; MARTÍN, 2003), por sua vez, adotou como

referência a dinâmica dos grupos, com base nas modalidades de cultura profissional;

estabeleceu, então, um modelo com cinco tipos de culturas escolares: formal, de bem-estar, da

casa calorosa, de sobrevivência e eficaz.

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As escolas formais caracterizam-se por conformarem-se ao modelo tradicional:

valorizam o sucesso acadêmico e alimentam altas expectativas em relação aos alunos; contam

com forte controle, ainda que a atuação profissional seja basicamente individualista.

Destaque-se que são escolas que não buscam refletir sobre os alunos que não alcançam os

resultados escolares desejados.

As escolas de bem-estar se contrapõem às formais; se nestas o foco é o

conhecimento, naquelas passa a ser o aluno, pelo que mostram-se acolhedoras, voltadas para o

desenvolvimento da afetividade em detrimento da aquisição de conteúdos.

Escolas do tipo “casa calorosa” preocupam-se com o bem estar e o convívio de

professores e alunos, pelo que são priorizadas as participações de todos nas atividades

escolares, a fim de que haja integração. O controle é exercido, então, com recurso às relações

afetivas.

Escolas com cultura de sobrevivência têm pequeno controle e coesão entre todos. Por

sentirem-se frustradas e fracassadas, possuem níveis muito baixos de expectativas e

motivação. Há ausência de apoio institucional e situação de crise total.

A última modalidade de cultura escolar é a das escolas eficazes: há, nelas, controle e

coesão social altos e expectativas elevadas sobre o modo de desenvolver o trabalho e os

resultados a serem alcançados pelos alunos.

Sallán (2000), por sua vez, fundamenta-se nos estudos de Armengol, Bolívar e de

Andy Hargreaves, MacMillan e Wignall para estabelecer um quadro com as seguintes

tipologias de cultura: individualista, fragmentada, de coordenação e colaborativa, o qual

reproduziremos a seguir:

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Quadro 5: Tipos de cultura segundo Armengol (1999), a partir de Bolívar (1993a) y Hargreaves, MacMillan y Wignall (1992).

Cultura individualista Cultura fragmentada Cultura de la coordinación Cultura colaborativa

Finalidades/

Valores Falta de valores institucionales comunes y

abundancia de actividades individuales.

Cada cual actúa según su propio criterio.

Los valores del centro son individuales y

de subgrupos. Las personas con

planteamientos afines se reúnen en

subgrupos y actúan de forma común.

Valores institucionales aceptados por la

mayoría, aunque esta aceptación a veces

surge por presiones que reciben los

miembros de la institución.

Valores institucionales aceptados y

compartidos por prácticamente todos. Las

acciones que éstos realizan tienen

coherencia con estos valores.

Currículo El profesorado planifica individualmente

sus enseñanzas.

El profesorado llega a acuerdos sobre

temas organizativos puntuales y no se

abordan aspectos internos de enseñanza de

forma generalizada.

El profesorado forma grupos de trabajo

para abordar tareas concretas. La

perspectiva es a corto plazo con poca

reflexión.

El profesorado reflexiona, planifica,

prepara y evalúa conjuntamente todos los

aspectos del currículum.

Asignación de

tareas Distribución por materias, niveles, áreas

y/o departamentos, de acuerdo con los

intereses individuales de los profesores.

Hay unas normas implícitas (que no

respoden a criterios pedagógicos) que

sirven para asignar a cada profesor una

tarea concreta.

La dirección del centro realiza una

prospección y asigna a cada profesor la

tarea que cree que desarrollará mejor

según sus capacidades y preferencias

personales.

El claustro decide el profesor más idóneo

para asumir las diferentes tareas que se

han de realizar y se asumen

tranquilamente.

Intervención en la

dinámica de

trabajo

La intervención voluntaria de los

miembros en la dinámica del centro es

prácticamente nula. Trabajo privado en las

aulas. Se comparten pocos espacios y

tiempos.

Intervención en la dinámica del centro en

función del subgrupo de referencia. Cada

grupo tiene una manera propia de

funcionar y de entender la enseñanza.

Las intervenciones voluntarias del

profesorado para alcanzar los objetivos

del centro son limitadas. El equipo

directivo es quien dirige las propuestas.

Intervención activa y voluntaria de los

miembros por conseguir los objetivos

fijados por el centro. Se entiende que

enseñar es una tarea colectiva de

participación.

Interacción entre

profesionales Pasividad general y falta de

comunicación. Soledad profesional.

Interacciones fragmentadas, esporádicas y

superficiales.

El centro se encuentra dividido en

subgrupos con pocos elementos en

común. Baja permeabilidad para

establecer interacciones con otros grupos.

Entre el profesorado hay interacciones

puntuales para la realización de tareas

muy concretas.

Hay una interacción positiva asumida

colectivamente a través del compromiso

de sus miembros. Sentido de comunidad y

apoyo mutuo.

Gestión de los

directivos

La dirección actúa según su propio plan

de trabajo. Normalmente, gestiona con las

personas individualmente su aportación a

la institución.

La dirección tiene un plan de trabajo

conocido por todos y en algunos casos

compartido. Se confía en quien hace

agradable la convivencia.

Hay propuestas colectivas individuales.

La clave del éxito reside en la preparación

de los directivos para asignar los roles a

las personas individualmente y como

grupos.

La dirección promueve un plan de trabajo

colectivo. Las responsabilidades son

compartidas y todos se apoyan. La

dirección actúa básicamente como

coordinador, animador y gestor.

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Quadro 5 (Continuação).

Cultura individualista Cultura fragmentada Cultura de la coordinación Cultura colaborativa

Coordinación

pedagógica

La inercia del trabajo regula

indirectamente todas las necesidades de

relación, no hay comunicación. Los

profesores, cuando se reúnen

ocasionalmente, evitan hablar sobre cómo

enseñar en el aula.

Las reuniones acaban igual que como

empiezan, con resultados pobres o

contradictorios. Se habla sobre todo de los

alumnos y del trasfondo familiar; de ellos

mismos o de otros compañeros y de las

grandes demandas que la sociedad impone

a las escuelas.

La coordinación es rígida y formal,

regulada por múltiples mecanismos. Los

profesores hablan de sus experiencias de

enseñanza en el aula. A veces se toman

decisiones conjuntas, pero no se

acostumbra a hacer su seguimiento.

Hay una coordinación real en las

decisiones a través de sistemas variados.

Se trabaja en equipo. Los profesores

intercambian frecuentemente sus

experiencias de enseñanza en el aula, a un

nivel de detalle que hace que este

intercambio sea útil para la práctica.

Innovaciones No existe la costumbre de impulsar

innovaciones.

Las resistencias que provocan las

innovaciones son de carácter personal y

provienen del miedo a la pérdida del statu

quo. Normalmente hay pocas iniciativas

de cambio.

Hay innovaciones fruto de la iniciativa de

algunos grupos, un grupo más activo

arrastra a otro menos activo. Los cambios

son poco estables.

El intercambio adecuado entre las

demandas externas y la realidad interna

hace del centro una organización

innovadora.

Conflicto

El profesorado no percibe la existencia de

problemas y, por lo tanto, no siente la

necesidad de resolverlos.

El profesorado no afronta las

discrepancias, lo importante es sobrevivir

sin problemas añadidos.

Aunque el profesorado percibe las

discrepancias, a menudo prefiere no

intervenir y esperar a que el tiempo las

solucione.

El profesorado percibe de forma natural

las discrepancias existentes e introduce

soluciones que a menudo suponen

mejoras.

Formación del

profesorado

La formación está ligada a cargos

institucionales o a nuevas situaciones. Se

entiende como un interés personal para

promocionarse.

Hay una formación personal, pero el

aprendizaje conseguido individualmente

no se transfiere al colectivo como grupo.

La formación colectiva se considera

conveniente. Hay propuestas de

formación ligadas a necesidades concretas

de la institución.

El aprendizaje profesional es compartido.

La formación está basada en las

necesidades de la institución. Se piensa

como formación de grupo.

Clima

El profesorado se pasa el día protestando

sobre su trabajo. Sólo desea marchar lo

más rápidamente posible.

Hay una actitud de indiferencia hacia los

problemas de los demás y del centro,

aunque se mantiene una cordialidad

formal.

El profesorado adopta una actitud positiva

con su grupo, aunque puede haber

tensiones latentes y explícitas entre los

diferentes grupos.

El profesorado adopta una actitud positiva

y una alta motivación que incide en el

nivel de calidad de la organización.

Fonte: Sallán (2000, p. 55).

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No que se refere ao quadro de Sallán (ibid), entendemos que fica bastante claro o

motivo pelo qual a cultura escolar colaborativa revela-se a mais propícia quando o que está

em jogo é a constituição de uma escola aberta ao seu entorno, respondendo reflexiva e

ativamente às necessidades que daí emanam: o controle se faz pelo coletivo, os problemas não

vistos como elementos negativos, mas apenas como aspectos que requerem respostas, a

atitude frente ao trabalho é ativa e propositiva, a formação é continuada, partindo da própria

prática educacional escolar, as lideranças são legítimas e capazes de aglutinar o grupo e, no

conjunto, tais elementos conferem positividade ao clima da escola.

Todas essas abordagens têm em comum a idéia de que a escola pode estar mais

aberta a mudanças que lhe permitam alcançar sua função social, ou menos; mais aberta ao

contexto em que se insere e às demandas que este lhe coloca, ou menos. A idéia de abertura aí

utilizada implica não apenas “aceitação” (no sentido simples do termo), mas também

assunção, o que pressupõe esforços concretos para mudar e responder efetivamente às novas

necessidades que surgem.

Elas também se aproximam muito das formas de organização escolar (mecânica,

cibernética, orgânica) que apresentamos no Capítulo 3, pois conforme explicitamos naquele

momento, há uma relação direta entre ambos. Esse aspecto também é confirmado por Bolívar

(2000, p. 117), quando assevera que

[...] en la medida en que la memoria organizativa (colectiva) está institucionalizada en la cultura, transmitida por socialización. La cultura

viene a constituirse en un estructura que, integrando las experiencias pasadas

(memoria) y el conocimiento organizativo, funciona como una matriz

estructurante de las percepciones y generadora de acciones. […] En efecto, el aprendizaje en el interior de una cultura (y memoria organizativa) suele

ser proclive, por el peso de la tradición, a conservar las estructuras, reglas y

creencias existentes. En ese sentido la memoria, materializada en la cultura organizativa del centro escolar, puede ejercer un papel de «barreras

defensivas organizativas» de que habla Argyris.

Ao identificar tipos de organização ou de cultura escolar, nossa intenção não foi a de

fixar as escolas pesquisadas nos mesmos, mas sim a de utilizá-los a fim de compreender em

que medida os elementos culturais identificados ao longo dos dados apontam para a

democracia como um de seus valores. Reafirmamos que por democracia compreendemos não

apenas a participação restrita no sentido de que todos possam deliberar sobre as decisões

escolares votando, mas sim o envolvimento pleno da comunidade escolar a fim de

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desencadear uma atuação coletiva e positivamente ativa, voltada a garantir que a educação

escolar se faça de modo coerente com a função social que se lhe apresenta.

Os dados mostraram que nas escolas pesquisadas a configuração organizacional

muitas vezes aproxima-se da modalidade cibernética como organização de caráter

inicialmente racional que atua para manter sua estabilidade, preservando-se; ora apresenta

aspectos de organização mecânica, com facetas de individualismo e passividade, e em

algumas circunstâncias expressa tentativas de inovar.

Em termos culturais, entendemos que ao mesmo tempo em que o funcionamento

organizacional é estruturado por uma cultura de relativo fechamento e tendência à

manutenção da tradição, esse funcionamento é também contributivo para a reafirmação dos

diferentes valores, sentidos, crenças e saberes constatados ao longo do trabalho com os dados.

Assim, a cultura das escolas ainda não contempla, de modo pleno, valores como a

democracia, a participação, a cooperação, o diálogo, a reflexão e a relação aberta e orgânica

com o meio, inerentes à gestão democrática.

Por fim e em observância aos pressupostos culturais utilizados, entendemos ser

necessário perspectivar caminhos para sua alteração, já que essa se mostra necessária, tarefa

que só podemos compreender por meio do envolvimento dos sujeitos.

Embora exista um sentido prevalecente, de que a adequada realização do trabalho

pressupõe uma organização racionalizada, pudemos ver com clareza que a todo o momento os

próprios grupos alteram-na, fazendo-se instituintes e confirmando teses como a de Weick

(apud TYLER, 1996), que configurou a escola como uma organização debilmente articulada.

Lima (2003, p. 66), por sua vez, ao discutir sobre as formas tecnocráticas que buscam se

aplicar a educação (especialmente pelo Estado), ressaltou que

a maior força dos actores, para além da sua capacidade de produção de

regras, poderá também residir na sua capacidade para obter protecção e segurança através da submissão às normas, explorando, não obstante, as

eventuais fontes de incerteza sobre o controlo das quais se afirma um tipo de

poder – um poder que toma como bases o conhecimento e a competência.

Portanto, vemos mais uma vez a centralidade dos sujeitos e entendemos que a

mudança da cultura da escola, a fim de democratizá-la, passa por eles. Tomando essa

afirmação como premissa e buscando contextualizar o quadro cultural traçado, ponderamos

em primeiro lugar que o perfil do professor brasileiro (UNESCO, 2004), somado

principalmente aos baixos salários e à carga-horária semanal trabalhada, não tem contribuído

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para que os docentes participem de modo efetivo e crítico na construção de uma “outra

escola”, tal como alerta Oliveira (2007, p. 3):

As políticas educacionais latino-americanas revelam, a partir daí, um

movimento contraditório, dado que democratizam o acesso à escola ao custo da massificação do ensino. Algumas pesquisas realizadas na Região têm

demonstrado que a incorporação de novos setores sociais à educação, em um

contexto de restrição de recursos, trouxe profundas conseqüências no desenvolvimento posterior dos sistemas educativos, com efeitos diretos

sobre as condições de trabalho e as remunerações dos professores.

Mesmo diante de tais condições adversas, não entendemos que os professores

permaneçam “reféns”, porque trazem em si o potencial instituinte, pelo que pontuamos como

segundo fator interveniente a formação docente. Oliveira (ibid.) aprofunda sua análise sobre o

trabalho docente afirmando que os professores têm sido responsabilizados pelos resultados

educacionais negativos e reage lembrando que eles “encontram-se muitas vezes diante da

necessidade de responder a exigências que estão para além de sua formação profissional”.

Embora não tenhamos tomado a formação dos professores como eixo específico de

análise, depreendemos a ausência de seu movimento no modo como todo o trabalho

pedagógico se desenvolve, nas situações de reunião pedagógica, conselho de classe, hora-

atividade e administração diária das demandas surgidas.

Para nós, a questão da formação revela-se como elemento que concorre centralmente

tanto para a instauração do quadro atual como especialmente para sua superação. Ao mesmo

tempo em que explica modos de funcionamento organizacional e tradições mantidas, vemos

que passa pela formação a possibilidade de que se desenvolva, a partir da experiência e

sentimentos dos professores, uma epistemologia da prática. Nesse movimento, de

racionalidade crítica e dialógica, a formação poderia possibilitar aos professores a

identificação dos sentidos presentes, trazendo-os para o nível da consciência; e, a partir daí,

articular a construção de novos saberes, não apenas pela teorização, mas também pela criação.

Trata-se de uma questão paradoxal, porque assim como identificamos na formação

(inicial) um fator negativamente interveniente (se deficitária ou não reflexiva), podemos

considerar a formação (continuada) como positivamente interveniente (se pautada na prática

escolar). As escolas podem converter à meta formativa muitas de suas ações, desde que

possuam em seu interior lideranças capazes de aglutinar aqueles que “sentem” de modo

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similar e estabelecer, a partir daí, grupos capazes de atuar na construção de hegemonias

alternativas.

Movimentando-se como “formações” (WILLIAMS, 1979), os professores – mais do

que exercer micropolíticas para se proteger – talvez se fortaleçam pelo alcance de

compreensões comuns e possam atuam sobre as macropolíticas, capazes de lhes garantir

maiores e melhores condições de profissionalização.

O que a escola não pode, é deixar de agir propositivamente.

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7 CONCLUSÃO

Os vários elementos tecidos ao longo deste trabalho buscaram, de diferentes modos,

contemplar a cultura da escola, aproximando-se dos imaginários lá existentes, dos sentidos

convencionados, dos saberes produzidos, dos discursos que circulam no cotidiano - uma

tarefa complexa, dada a multidimensionalidade, a complexidade e a dialeticidade da

instituição educativa.

O desafio esteve na tentativa de perspectivar a escola como instituição orgânica,

captando sua dimensão instituída e instituinte. Talvez por esse motivo, muitos aspectos que

num primeiro momento pareciam ser, já não o eram em seguida, tornando difícil o alcance de

compreensões.

Conforme assevera Lourau (1996), a escola é uma instituição constituída pelas

dimensões universal, singular e particular. Associamos a dimensão universal às idéias que se

apresentam na sociedade civil e política (ou nível macro) e que pairam sobre a escola, visando

introduzir formas de pensar e compreender, bem como novas demandas.

Nessa dimensão, a pesquisa permitiu conferir a existência de um forte imaginário

efetivo, uma tradição convencionada em termos do papel que a escola deve exercer face às

sociedades civil e política. Esse sentido, instituído, diz respeito a uma cidadania instrumental,

voltada a formar cidadãos produtivos frente ao mercado de trabalho e contributivos para o

bem estar social (e a constante manutenção do Estado). O projeto político-pedagógico das

escolas e a fala dos educadores tornaram-no claro quando perspectivaram como necessidades

primeiras para os alunos a aprovação, a conclusão dos estudos e a empregabilidade.

Provavelmente em decorrência dessa primeira visão de ideal de escola, outra também

se mostrou presente, relacionada ao modo de se organizar para atingi-la. A escola é “pensada”

de forma a trabalhar a partir da existência de normas, sob uma lógica funcional e que estruture

racionalmente a tarefa educativa: há tempos cadenciados, espaços definidos e tarefas

designadas. Em conseqüência, os modos de atuar e os resultados esperados são vislumbrados

de modo também padronizado, próximo ao que seria uma escola “logicamente ideal”.

Contudo, asseveramos que embora tais imaginários efetivos existam, eles não

funcionam de modo plenamente instituinte sobre os sujeitos, detentores de potencial

instituinte e atores que interagem dialeticamente.

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As mudanças experienciadas pelos pais (um dos grupos de sujeitos) no cenário social,

muitas vezes configuradas como “problemas” (cf. Cap. 1), podem ser tomadas como

indicativos de novas necessidades e demandas para a educação escolar. Do mesmo modo, a

não adaptação ou insubordinação dos alunos (mais um grupo componente da escola) frente

aos rituais de aula – leitura silenciosa, explanação docente, cópia de resumos, resolução de

atividades, entre outros – pode revelar que a escola não tem conseguido se fazer significativa

para eles. Em relação ao trabalho pedagógico, a quebra freqüente de normas e os rearranjos de

tempo, espaço e modos de atuar também são exemplos possíveis.

Em partes para tentar atuar sobre tais movimentos, mas também para reconfigurar suas

responsabilidades para com a escola, o Estado se fez instituinte em relação a ela,

institucionalizando modos para que a comunidade como um todo e as famílias em especial

participassem da gestão escolar e para que esta se fizesse mais participativa e incorporasse a

lógica dos sujeitos. A criação dos conselhos escolares é o maior exemplo de tal intenção

descentralizadora, voltada a “democratizar” e forçar a abertura da escola para a comunidade e

a participação.

Porém, os educadores (como outro grupo instituinte) atuam frente às iniciativas do

Estado. Quando este institucionaliza canais para estimular que pais e alunos passem a avaliar

o trabalho educativo, deliberar sobre ele e realizar propostas, os educadores fazem-se

instituintes para reiterar e fazer valer o ideário universal, o imaginário efetivo, a tradição,

confirmando a tese de Williams (1979) sobre o caráter ativo que essa última possui.

O silenciamento sobre o sentido de se contar com um conselho de escola em que pais

e alunos são participantes é um indicador da intenção instituinte voltada a neutralizar ou

reconfigurar o novo artefato. Ao não falar abertamente sobre os sentidos que estão

subjacentes à criação do conselho – ao não discutir por que se evita que os pais exponham

seus pontos de vista e sentidos, suas propostas, uma vez que se vê como inconveniente a

liberação, para eles, da palavra – revela-se uma “meso-micropolítica”, uma ação política

exercida em nível institucional, movida por grupos que se identificam com as causas em

questão e que, em tais casos, intencionam manter o sentido vigente, o imaginário efet ivo que

entende as decisões educativas tomadas no âmbito estritamente profissional.

Essa ação meso-micropolítica talvez seja reveladora dos saberes que se desenvolveram

a partir da prática dos educadores, saberes esses que contradizem as “verdades” dos saberes

disciplinares, científicos. Enquanto esses afirmam que a participação da família na escola e a

gestão democrática são importantes para sua abertura, revitalização e ressignificação, é

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possível que os educadores saibam, pelos saberes de sua experiência, que ouvir os pais e

alunos pode significar quebra de rotinas, imposição de mudanças, alteração de saberes a

ensinar e transformação dos próprios modos de ensinar, o que pode não ser totalmente

conveniente já que se trata de mudanças que exigirão novos saberes e planejamentos

reflexivos, os quais, por sua vez, demandarão estudo e investimento de tempo.

O silenciamento dos pais pela escola e da escola sobre o que a participação deles

significa também pode ser entendido com base em Foucault (1996) quando o autor, por um

lado, defende que a “vontade de verdade” nem sempre se faz presente entre aqueles que, em

tese, estão legitimados a usar a palavra (no caso em questão, os professores); nessa

circunstância, o discurso se rarifica e se faz de modo descontínuo. Do lado dos pais, a

inviabilização de seus discursos (pela omissão, desconsideração ou desarticulação das

circunstâncias em que poderiam usar a palavra) revela medo da palavra, daquilo que pode ser

dito, da desordem que pode gerar na realidade instituída.

A negação do discurso da comunidade (e, com ele, dos saberes, sentidos, valores,

propostas) revela-se então articulada à manutenção dos sentidos convencionados de cidadania

instrumental, à gestão desconcentrada (rescentralizada) das questões e à organização de fundo

funcionalista e burocrático. Juntos, tais sentidos contribuem para a manutenção do status quo

escolar.

Esse movimento meso-micropolítico e „reativamente instituinte‟, pautado na condução

dos discursos, também pode ser lido a partir de outras situações explicitadas, como os

conselhos de classe, as reuniões pedagógicas, a configuração dos modos de ensinar, a

definição e abordagem de problemas, as formas de comunicação e o emprego do tempo.

Também nesses casos o Estado lançou mão de políticas para tentar reestruturar o

trabalho escolar. A padronização dos regimentos escolares, a adoção de projetos político-

pedagógicos próprios às escolas, construídos sob sua orientação, a reformulação curricular, a

organização das semanas pedagógicas das escolas, a implementação da hora-atividade são

exemplos de tais iniciativas institucionalizadoras.

Embora introduzam artefatos e criem formas de organização e trabalho, as iniciativas

mencionadas não conseguiram romper com os imaginários efetivos que se encontravam na

escola: as micropolíticas se fizeram presentes. A realização pautada pelo formalismo de

agendas de trabalho, a desconsideração das políticas existentes, a flexibilização e alteração de

cronogramas e ações projetadas, o estabelecimento de condutas profissionais ao seu próprio

modo, a manutenção do individualismo, o descumprimento do tempo ou seu cumprimento

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meramente formal foram alguns dos movimentos instituintes que permitiram aos educadores

distanciarem-se e distanciarem a escola do oficialmente previsto.

No que tange à formação continuada, de modo especial, vemos que a resistência

oferecida pela escola atingiu não apenas as etapas de formação em si, mas especialmente as

tecnologias pedagógicas que elas visavam a desencadear, comprometendo-as.

Embora funcionem como um mecanismo político que permite à escola enfrentar as

políticas que lhe são impostas, não se pode afirmar em que medida tais ações são

desencadeadas conscientemente para essa finalidade, já que não existe uma total

correspondência entre o que se diz e o que se faz, o que se faz e o que se pensa a respeito do

que foi feito. De fato, os saberes gerados a partir da prática muitas vezes permanecem como

de natureza tácita, sem que cheguem a gerar uma consciência explícita.

É certo, portanto, que tais ações micropolíticas revelam os saberes e sentidos que os

educadores extraíram de suas experiências como, por exemplo, a aprendizagem de que as

políticas que emanam do Estado são, via de regra, veiculadoras de reformas cuja

implementação dependerá, quase exclusivamente, da iniciativa e boa vontade dos professores,

haja vista que não vêm acompanhadas dos demais insumos (formação efetivamente

continuada, recursos físicos e materiais, melhoria das condições de trabalho, etc.) necessários.

Outro aspecto que comprova tal tese, de que a consciência também emana da

experiência e dos sentimentos, é o fato de ter havido educadores capazes de denunciar a pouca

abertura dada aos pais na escola, a culpabilização indiscriminada dos alunos, a falta de clareza

das metas educacionais, o caráter tradicional das práticas de ensinar, o sentido utilitarista e

classificatório do conselho de classe, o subaproveitamento da hora-atividade, a não

efetividade das formas de resolver problemas, a ausência de um trabalho pedagógico

destinado a apoiar os professores na reflexão sobre sua prática, a ausência do diálogo nos

processos de comunicação, impedindo a crítica e emancipação profissional.

Tais “denúncias” ou imaginários radicais estabelecidos se constituíram a despeito das

fragilidades que porventura tais educadores tenham enfrentado na formação inicial e contínua,

e de eles, provavelmente, terem acessado poucos argumentos teóricos sobre tais questões. A

expressão desses saberes, a iniciação de uma hegemonia alternativa, a construção de novos

sentidos emanam, por certo, da experiência que a própria escola lhes proporcionou.

Porém, é interessante perceber – e aí a dimensão intencional se reapresenta – que tanto

os gestores (diretores e pedagogos) como os professores mostraram-se mais abertos a essas

críticas quando elas não os envolviam diretamente. Foi mais fácil para os gestores falar sobre

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as didáticas empregadas pelos professores; e para os professores, a situação favoreceu sua

contraposição aos conselhos de classe, aos encaminhamentos dados aos problemas, aos modos

de desenvolver as reuniões pedagógicas. Entretanto, quando os problemas diziam respeito, de

modo direto, ao trabalho dos sujeitos entrevistados, os significados elaborados tenderam a

eximi-los de qualquer responsabilidade.

Essa forma de sentir não será intencional? Não será reveladora da cultura de

autoproteção existente na escola? Para Lima (2003, p. 66),

A centralização, o normativismo e a formalização, ao mesmo tempo que permitem e

legitimam o discurso de oposição por parte dos actores, oferecendo-lhes um bode

expiatório e alguns argumentos de desculpabilização, podem permitir-lhes, por outro

lado, a protecção que necessitam e que valorizam e a manutenção de situações

consideradas favoráveis, construídas ao longo do tempo como defesa ou oposição, e

que afinal a centralização e o normativismo foram admitindo, por ignorância ou por tolerância, mas que um cenário de descentralização faria certamente perigar.

Para nós, o modo como tais sentidos são expressados é coerente com a grande

micropolítica da escola, a “meso-micropolítica” que, fundada na cultura de individualismo

profissional, evita situações de exposição pública, por julgar que dificuldades são elementos

pejorativos que denigrem a imagem profissional.

Deixando de lado essa questão e retornando à capacidade crítica e visão emancipatória

demonstrada por alguns sujeitos, questionamos por que – depois de haverem “nascido” – tais

sentidos são abandonados, silenciados ou simplesmente não frutificam. Entendemos que a

consolidação de novos sentidos, especialmente daqueles que estabelecem verdadeiras rupturas

com os sentidos convencionados que os antecedem, implica mais do que tempo.

Novos sentidos precisam ser aceitos no meio social e, de algum modo, adaptar-se a ele

ou estabelecer-lhe novas soluções. Como “hipóteses culturais” (WILLIAMS, 1979) eles não são

reconhecidos socialmente quando de seu surgimento, pois além de se situarem no âmbito

particular, também não chegaram à fase de serem analisados para serem tidos como válidos.

A consolidação de tais novos sentidos implica a necessidade de agrupamento dos

professores que desenvolvem consciências práticas semelhantes, visando à comunicação dos

sentidos gerados, no meio social. Assim eles instituirão, de modo consistente, uma nova

cultura.

Nas escolas pesquisadas, observamos que ao mesmo tempo em que os educadores têm

muito a dizer sobre/a partir de suas experiências, eles não desenvolvem processos

comunicacionais capazes de levá-los a partilhar tais sentidos e a construir uma cultura escolar

em comum com aqueles cujos sentidos que construíram conflitam. O isolamento, a ausência

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de diálogo e de situações criadas para que os discursos possam ser ditos são fatores que, com

certeza, dificultam que os sentidos que surgem culminem em transformações culturais na

instituição.

Por fim, entendemos ser importante nos referirmos de modo explícito a aquele que

elencamos como nosso último objetivo de pesquisa: o apontamento de sugestões para que as

escolas mudem a fim de se fazerem coerentes com os atuais desafios da educação

contemporânea.

Consideramos que inúmeras alternativas foram tecidas quando, além de estabelecer

descrições sobre as culturas escolares, tentamos analisá-las tendo como pano de fundo as

demandas que uma “escola aberta” precisaria enfrentar. Também acreditamos que a

proposição de um “rol de tarefas” contradiria os preceitos defendidos, relacionados à escola

como instituição simbólica e instituinte.

Assim, sem ter a referida intenção, retomamos alguns pontos que consideramos de

maior relevância. De modo central, vemos a importância de que as escolas se dediquem a

tematizar e conhecer sua própria cultura. Elas precisam falar muito de si mesmas para

identificar os sentidos que se apresentam, a fim de problematizá-los e compreender em que

medida são coerentes.

O alcance dessa compreensão passa pela racionalidade dialógica, voltada a estabelecer

esforços argumentativos para que se desenvolvam pontos de vistas diferenciados. Tais

esforços, por sua vez, relacionam-se com a capacidade de deixar/fazer emergir os saberes da

experiência e os sentimentos (hipóteses culturais), configurando uma modalidade prática de

consciência, constituída também de elementos criativos e imaginativos.

Esse movimento central traz necessidades para o funcionamento organizacional das

escolas. O tempo institucional precisa ser “desnaturalizado” de forma a romper com a lógica

fragmentária e individualista que lhe estrutura; as escolas precisam identificar novas formas

de reconfiguração, em especial para a estruturação e o emprego dos tempos pessoais.

Importante é que também outros elementos da dimensão singular sejam repensados em

sua racionalidade; a estrutura organizacional das escolas precisa ser pensada como também

constitutiva de sua identidade. Se configurada pela própria escola de modo consciente e a

partir das necessidades percebidas, fornecerá a ela momentos, procedimentos e informações

sobre a prática educativa, auxiliando-a na sistematização das iniciativas necessárias.

A formação continuada no interior das instituições, reconfigurada numa perspectiva de

epistemologia da prática, deve ser atividade e postura transversal, levando toda a comunidade

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a refletir mais e deliberar de modo consciente, coerente e propositivo. Reuniões pedagógicas,

conselhos de classe, horas-atividade e a própria hora-docência precisam estar pautados pelo

movimento de auto-avaliação e aprendizagem profissional.

É fundamental que o projeto político-pedagógico configure-se como processo vivo, e

não como documento oficial; sua construção e implementação será, por certo, uma espécie de

matriz geradora de questões para a formação e o debate cultural.

Os elementos até aqui elencados exigem, de forma incondicional, que diretores e

pedagogos atuem como verdadeiras lideranças entre os professores e na escola, criando

brechas para que o diálogo se instaure, cultivando uma cultura profissional de colegialidade,

sistematizando momentos formativos para o autoconhecimento e a extração da epistemologia

da prática escolar. É fundamental que exercitem o papel de problematizadores face à cultura

escolar existente e que estimulem o desencadeamento de “movimentos” sociais e culturais no

interior da escola. Essa gestão se faz necessária justamente porque a escola não possui um

funcionamento mecânico.

O conjunto de elementos sugeridos permitirão que as escolas construam novos

movimentos de controle, não burocráticos e funcionais, mas coletivos e realimentadores.

Fazendo-se de tal modo, elas superarão a visão de que a ação educativa escolar se faz apenas

no interior da escola-prédio e passarão a atuar em outras instâncias – sindicatos, conselhos,

comissões estaduais/municipais, conselhos de escola e comunitários – por entender que é pela

via delas que serão alcançadas conquistas de ordem macro e mudanças no âmbito universal,

levando-as a serem propositivamente instituintes sobre o sistema e a sociedade.

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298

APÊN DIC ES

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Apêndice A – Guia de Observação

E.C

.

INSTITUÍDO INSTITUCIONALIZADO INSTITUINTE

ES

PA

ÇO

ES

CO

LA

R

Retrata ou não uma visão global e articulada de conhecimento? Indica uma compreensão de escola como

espaço coletivo e horizontal? Permite aproximação de cada sujeito em seu grupo e dos diferentes sujeitos/grupos entre si? Demonstra abertura para o entorno e mesmo para a fluência da vida interior?

O prédio/Tipo de construção

Espaços escolares existentes

Que tipo de modificações a escola fez ou tem feito em seu projeto arquitetônico original? As alterações foram propostas por quem

(NRE, diretor, professores, conjunto)? Quais os fatores que originaram as mudanças (demandas quantitativas ou qualitativas)? As alterações demonstram abertura para o entorno e mesmo para a fluência da vida interior?

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Retrata uma visão de conhecimento como algo a ser construído através de ações articuladas dentro de um

projeto a longo prazo? Reflete a compreensão de tarefa educativa não apenas como aquilo que se executa em sala de aula, como também como o que se aprende, planeja e avalia coletivamente em termos de escola?

Calendário Escolar

Dias letivos

Momentos de aula, reunião pedagógica, reunião com pais

Como a escola trabalha com o tempo escolar a partir daquilo que já está estabelecido (articula de modo a referendar ou a minimizar

a fragmentação do conhecimento)? Ela cumpre as 800 h/a? Quando não, pq? É em função de privilegiar aspectos não privilegiados no calendário escolar como momentos coletivos para refletir, estudar e avaliar o processo educativo escolar? As alterações são propostas por quem (NRE, diretor, professores, conjunto)? Quais os fatores que originaram as mudanças (demandas quantitativas ou qualitativas)? As alterações demonstram abertura para o entorno e mesmo para a fluência da

vida interior?

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Qual o tipo formação social (organização dos membros) existente na escola? Ela favorece o isolamento, a pouca comunicação e o restringimento ou a colaboração, o diálogo franco e a partilha?

Como se dão as interações entre os sujeitos e grupos na escola? Elas refletem uma concepção horizontalizada em termos de papéis e responsabilidades? Retratam a valorização da comunicação clara e sincera, condição para a problematização e o avanço da realidade educativa? Estimulam a participação e a articulação de todos?

Organograma da escola

Instâncias colegiadas existentes e o modo como definem a participação das pessoas em torno das questões da escola

Regimento escolar

Estatuto da carreira dos professores (carga-horária e sua distribuição no exercício da tarefa docente)

Existem sujeitos que buscam relacionar-se e participar para além dos “moldes” instituídos para esse processo? Que buscam aproximar-se de outros colegas, realizar projetos ou trabalhos juntos, partilhar problemas e dificuldades, estudar e planejar...

Existem iniciativas coletivas da escola nesse sentido? Quando sim, elas são desenvolvidas em relação a que tipo de objetivo (material ou pedagógico)? Como essas práticas são entendidas/valorizadas/aceitas/negadas pelo coletivo escolar?

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Quais as crenças sobre o papel social da escola, existentes na sociedade e partilhadas pelos diferentes grupos/sujeitos do universo escolar em torno da educação e da função social exercida/a exercer pela escola?

Função social a ser exercida pela escola, prevista nos

documentos legais e no PPP da escola

Como a escola relaciona-se com as demandas externas (expectativas existentes, pressões exercidas, necessidades, reformas operadas externamente)? Como a escola relaciona-se com as demandas internas (expectativas existentes, pressões exercidas, necessidades, mudanças operadas internamente)

Quais as atitudes que se mostram comuns em diferentes atores escolares diante da tarefa educativa escolar? Há

abertura, interesse pelo coletivo e pela participação e postura de busca e reflexão? Há valorização do novo e consideração da mudança como algo positivo? Há crença na potencialidade de cada um e dos grupos na constituição daquilo que é ou pode vir a ser a realidade escolar?

Como os atores escolares reagem diante das dificuldades ou situações inusitadas? Elas são vistas como

“problemas”, no sentido pejorativo do termo, ou como indicadoras de que é necessário observar com atenção, refletir e mudar? São consideradas ou ignoradas?

Diretriz do ensino fundamental

PPP da escola

Conteúdos escolares previstos na proposta curricular e nos planos de curso dos professores

Existem sujeitos que discutem e divergem da visão corrente sobre o papel a ser exercido pela escola? Como seus saberes/discursos são captados/filtrados/aceitos/negados pelo coletivo escolar?

Existem práticas pedagógicas diferenciadas – dos sujeitos ou da escola como um todo – daquelas convencionadas, no

que se refere ao modo de se relacionar com a tarefa educativa, com seus objetivos e com as situações e aspectos imprevistos?

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Apêndice B – Roteiro para Entrevistas

1. Com relação ao próprio trabalho (daquele profissional) e à vida nessa escola

1.1 Há quanto tempo você trabalha nesta escola? E no seu cargo atual?

1.2 Como se sente trabalhando aqui? Por quê?

1.3 Fale sobre a escola... o que você pensa dela..

1.4 Qual a projeção da escola na comunidade? Como a escola é vista pela comunidade

externa? A comunidade participa da vida da escola? De que modo?

1.5 O que a escola definiu como metas prioritárias e como ela se organiza para atingir esses

propósitos?

1.6 A „escola‟, sua organização cotidiana e material, influência seu trabalho de algum modo?

Como?

1.7 Como você caracterizaria: a) o trabalho dos professores? Os alunos e suas famílias? O

pessoal não docente? O trabalho da equipe pedagógica?

1.8 Quais as principais qualidades ou pontos fortes que você vê nessa escola?

1.9 Quais os principais problemas e/ou pontos fracos que você reconhece na escola? Quais

suas sugestões para solucioná-los?

2. Com relação ao trabalho pedagógico e a atuação do profissional

2.1 Como é o seu relacionamento com os professores? Tanto em termos profissionais como

sociais;

2.2 Como são resolvidos os problemas do cotidiano: dificuldades dos professores no trato das

disciplinas; dificuldades com os alunos, problemas disciplinares; outros..

2.3 Existem reuniões periódicas com todo o corpo docente? Quando são convocadas? Que

assuntos são tratados? Qual a reação dos professores?

2.4 Os professores permanecem na escola alem do seu período de aulas? Em caso afirmativo,

que atividades são desenvolvidas?

2.5 É comum os professores desenvolverem ações/projetos conjuntos?

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2.6 Como você qualifica as relações entre os professores; de cooperação, competição,

desinteresse, outra... E o relacionamento da escola de modo geral?

2.7 como você percebe que se processa a comunicação em nível de escola (professor x aluno;

professor x professor; professor x equipe)? Ela é clara, objetiva, direta ou entrecortada,

indireta, obscura?

3. Das relações entre o pedagógico e o administrativo

3.1 Quem participa efetivamente da gestão da escola; como são tomadas as decisões mais

importantes? Os professores participam da gestão escolar? Em que medida?

3.2 Como são recebidas pelos professores as propostas e determinações da direção? Existe

margem para negociação entre o administrativo e o pedagógico?

3.3 Qual é a forma utilizada para abordar as questões pedagógicas (entre equipe e

professores)?

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Apêndice C – Arquivo em CD-ROM contendo os Projetos Pedagógicos das Escolas

Pesquisadas e os Dados de Entrevista Organizados em Quadros, Por Escola

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CRÉDITOS

Revisão de Língua Portuguesa

Maria Beatriz Ferreira

Abstract

Silvia Gaia

Normalização

Renato Pereira

Transcrições de Entrevistas

Maria Inês Bonko

Impressão

Copiadora Manarim

Digitalizações

Renato Pereira