BEBOP 01 - Forma é Poder

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1 - Em prácas de texto, a ênfase no “conteúdo” está ligada a uma certa noção de “naturalidade” na expressão. A forma “natural” é a que revela o “conteúdo” de maneira mais imediata. Preocupações com a “forma” obscurecem o “conteúdo”. 2 - Essa “naturalidade”, porém, só é possível através de um automasmo. Só quem obedece a um automasmo pode ser natural. Isso que se chama “naturalidade” é uma convenção. O natural é um arcio automazado, uma forma no poder. A despreocupação com a forma só é possível no academicismo. 3 - Naturalismo, academicismo. O apogeu do naturalismo (Europa, segunda metade do século XIX) coincide com a explosão do jornalismo. O discurso jorno/naturalista representa o triunfo da razão branca e burguesa: o discurso naturalista é a projeção do jornalismo na literatura. 4 - O discurso jornalís- co é discurso automazado.Sua automazação decorreu de razões prácas, do caráter de NEGÓCIO que o jornalismo teve desde o início: a necessidade (contábil) de rapidez de redação, num veículo/mercadoria de edição diária, a necessidade de anonimato, sendo o jornal (a empresa) uma endade impessoal a abstrata. 5 - A “enxutez” do discurso naturalista do século XIX é obda através de uma tremenda repressão exercida sobre a fantasia míca: é um discurso castrado. A disciplina do discurso naturalista, sua contenção, são calvinistas, puritanas, reprimidas a repressoras (Reich explica). 6 - Projetado na literatura, esse discurso “impessoal”, “objevo” e “natural” é invesdo de “normalidade”. Na raiz, a palavra “normalidade” indigita sua origem de classe. “Normal” vem de “norma”. Norma é lei: poder. O discurso jorno/naturalista é o discurso do Poder. 7 - Esse poder é branco, burguês, greco-lano-cristão, posivista, do século XIX. Daí, as literaturas Lano-americanas, em seu momento de afirmação, privilegiarem as variantes ditas “fantáscas” do realismo. 8 - No discurso jorno/naturalis- ta, o poder afirma, sob as espécies da linguagem verbal, a estabilidade do mundo, DE UM CERTO MUNDO, suas relações e hierarquias. O discurso, esse, em sua aparente neutralidade, é ideológico, embora invisível (ou por isso mesmo): é ideologia pura. Sua estabilidade é catárca: nos consola e engana com a imagem de uma estabilidade do mundo. De UMA CERTA ESTABILIDADE. Uma estabilidade relava à visão do mundo de uma dada classe social muito bem localizada no tempo e no espaço. 9 - Contra a “neutralidade” do discurso naturalista branco, levantam-se os discursos reprimidos das culturas oprimidas, o frenéco dinamismo mitológico dos fodidos, sugados e pisados deste mundo. Dinamismo, também, de formas novas. 10 - A “neutralidade” (objevidade) do discurso jorno/naturalista é uma convenção. Assim como a clareza, apenas uma propriedade (retórica) do discurso. Não há texto literário sem perspecva, quer dizer, sem intervenção da subjevi- dade. No texto naturalista (ou jornalísco), essa pers- pecva é ca- muflada, sob as aparências de uma objevidade, uma Universalidade que - supostamen- te - retrata as coisas “tal como elas são”. 11 - Invoca-se em vão o nome do re- alismo, que se procura confundir com o naturalismo. Realismo, quer dizer, discurso carregado de referencialidade, não é sinônimo de na- turalismo. Ao contrário. O discurso realista não camufla a perspec- va. Realistas (e não naturalistas) são textos como o “Ulysses” de James Joyce. Ou as “Memórias Senmentais de João Miramar”, de Oswald de An- drade. 12 - O naturalismo é incompavel com o experimento. Com a linguagem inovadora. O realismo favorece -os. 13 - A atude naturalista convencional não enxerga a realidade, no experimento em pro- sa. Assim como não percebe senmento no experimento poéco. Pois idenfica a expressividade com os signos convencionais do expressivo. 14 - Uma práca do texto criavo, colevamente engajada, tem a função de desautomazar. De produzir estranhamento. Distanciamento. É desmisficação da “objevidade” inscrita no discurso naturalista. Essa objevidade é falsa. Ela apenas reflete a visão do mundo de dada classe social, de determinada civilização. Sua pretensão a “discurso absoluto” é totalitária. 15 - Violação. Ruptura. Contravenção. INFRATURA. A poesia diz “eu acuso”. E denuncia a estrutura. A estrutura do Poder, emblemazada na “normalidade” da linguagem. 16 - Só a obra aberta (= desautomazada, inovadora), engajando, ava- mente, a consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de sendos e significados, abrindo-se para sua inteligên- cia, recebendo-a como parceira e colaboradora, é verdadeiramente democráca. LEMINSKI, Paulo. Forma é Poder in Folha de S.Paulo: Folhem, 04/07/1982. Reproduzido em ANSEIOS CRÍPTICOS, Criar Edições, Curiba, 1986, p. 69 a 72. bebop JORNAL NARRATIVO

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Jornal Narrativo produzido na disciplina de Jornal Laboratório pelos alunos do quarto ano de Comunicação Social - Jornalismo, da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste).

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1 - Em práticas de texto, a ênfase no “conteúdo” está ligada a uma certa noção de “naturalidade” na expressão. A forma “natural” é a que revela o “conteúdo” de maneira mais imediata. Preocupações com a “forma” obscurecem o “conteúdo”. 2 - Essa “naturalidade”, porém, só é possível através de um automatismo. Só quem obedece a um automatismo pode ser natural. Isso que se chama “naturalidade” é uma convenção. O natural é um artifício automatizado, uma forma no poder. A despreocupação com a forma só é possível no academicismo. 3 - Naturalismo, academicismo. O apogeu do naturalismo (Europa, segunda metade do século XIX) coincide com a explosão do jornalismo. O discurso jorno/naturalista representa o triunfo da razão branca e burguesa: o discurso naturalista é a projeção do jornalismo na literatura. 4 - O discurso jornalísti-co é discurso automatizado.Sua automatização decorreu de razões práticas, do caráter de NEGÓCIO que o jornalismo teve desde o início: a necessidade (contábil) de rapidez de redação, num veículo/mercadoria de edição diária, a necessidade de anonimato, sendo o jornal (a empresa) uma entidade impessoal a abstrata. 5 - A “enxutez” do discurso naturalista do século XIX é obtida através de uma tremenda repressão exercida sobre a fantasia mítica: é um discurso castrado. A disciplina do discurso naturalista, sua contenção, são calvinistas, puritanas, reprimidas a repressoras (Reich explica). 6 - Projetado na literatura, esse discurso “impessoal”, “objetivo” e “natural” é investido de “normalidade”. Na raiz, a palavra “normalidade” indigita sua origem de classe. “Normal” vem de “norma”. Norma é lei: poder. O discurso jorno/naturalista é o discurso do Poder. 7 - Esse poder é branco, burguês, greco-latino-cristão, positivista, do século XIX. Daí, as literaturas Latino-americanas, em seu momento de afirmação, privilegiarem as variantes ditas “fantásticas” do realismo. 8 - No discurso jorno/naturalis-ta, o poder afirma, sob as espécies da linguagem verbal, a estabilidade do mundo, DE UM CERTO MUNDO, suas relações e hierarquias. O discurso, esse, em sua aparente neutralidade, é ideológico, embora invisível (ou por isso mesmo): é ideologia pura. Sua estabilidade é catártica: nos consola e engana com a imagem de uma estabilidade do mundo. De UMA CERTA ESTABILIDADE. Uma estabilidade relativa à visão do mundo de uma dada classe social muito bem localizada no tempo e no espaço. 9 - Contra a “neutralidade” do discurso naturalista branco, levantam-se os discursos reprimidos das culturas oprimidas, o frenético dinamismo mitológico dos fodidos, sugados e pisados deste mundo. Dinamismo, também, de formas novas. 10 - A “neutralidade” (objetividade) do discurso jorno/naturalista é uma convenção. Assim como a clareza, apenas uma propriedade (retórica) do discurso. Não há texto literário sem perspectiva, quer dizer, sem intervenção da subjetivi-dade. No texto naturalista (ou jornalístico), essa pers- pectiva é ca- muflada, sob as aparências de uma objetividade, uma Universalidade que - supostamen- te - retrata as coisas “tal como elas são”. 11 - Invoca-se em vão o nome do re- alismo, que se procura confundir com o naturalismo. Realismo, quer dizer, discurso carregado de referencialidade, não é sinônimo de na- turalismo. Ao contrário. O discurso realista não camufla a perspec- tiva. Realistas (e não naturalistas) são textos como o “Ulysses” de James Joyce. Ou as “Memórias Sentimentais de João Miramar”, de Oswald de An-drade. 12 - O naturalismo é incompatível com o experimento. Com a linguagem inovadora. O realismo favorece-os. 13 - A atitude naturalista convencional não enxerga a realidade, no experimento em pro- sa. Assim como não percebe sentimento no experimento poético. Pois identifica a expressividade com os signos convencionais do expressivo. 14 - Uma prática do texto criativo, coletivamente engajada, tem a função de desautomatizar. De produzir estranhamento. Distanciamento. É desmistificação da “objetividade” inscrita no discurso naturalista. Essa objetividade é falsa. Ela apenas reflete a visão do mundo de dada classe social, de determinada civilização. Sua pretensão a “discurso absoluto” é totalitária. 15 - Violação. Ruptura. Contravenção. INFRATURA. A poesia diz “eu acuso”. E denuncia a estrutura. A estrutura do Poder, emblematizada na “normalidade” da linguagem. 16 - Só a obra aberta (= desautomatizada, inovadora), engajando, ativa-mente, a consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de sentidos e significados, abrindo-se para sua inteligên-cia, recebendo-a como parceira e colaboradora, é verdadeiramente democrática. LEMINSKI, Paulo. Forma é Poder in Folha de S.Paulo: Folhetim, 04/07/1982. Reproduzido em ANSEIOS CRÍPTICOS, Criar Edições, Curitiba, 1986, p. 69 a 72.

bebopJornalnarrativo

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“LiBerdade, ainda QUe

À tardinha”*

* Frase da camiseta do O Pasquim, caderno semanal

editado de junho de 69 a novembro de 91, que fi cou

marcado pelo jornalismo contracultural e pela militância

contra o regime militar.

O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma A do 4º ano do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A fi nalidade deste material é informati va, educacional e cultural, sendo expressamente proibida a comercialização.

Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refl etem a opinião da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste).

Professor orientador Anderson CostaEditora da edição: Natacha Jordãonarradores:

QUEM EXpEriMEntoU

trÊs

QUatro

sEis

novE

QUatorzE

dEzEnovE

vintE

vintE E QUatro

Cristi ano Marti nezLays Pedersseti Maíra MachadoNatacha JordãoTaysa Santos.

Contato: [email protected]: 300 exemplares

EditorialESCREVO PORQUE NÃO SEI FAZER MúSICA

O LIXÃO DOS AMORES

SE SUJAR FAZ BEM

AVANCE 0,8%

PRINCIPEZINHO

ACORDE MENINA, NÃO HÁ ESTRELAS SOB A LÁPIDE NOTURNA

QUE AINDA EXISTA AMOR PARA RECOMEÇAR

O BRASIL DE KARL FRIEDRICH HIERONYMUS

VON MÜNCHHAUSEN

Crônica

Prosa

Prosa

Prosa

Poesia

Prosa

Prosa

“LiBerdade

* Frase da camiseta do

editado de junho de 69 a novembro de 91, que fi cou

marcado pelo jornalismo contracultural e pela militância

contra o regime militar.

Ano 1 . Ed 1 . 2013

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além da redação, ou seja, com o repórter próximo das pessoas e das comunidades.

A intenção é permitir aos alunos a experiência jorna-lística e, também, oferecer um produ-to de qualidade ao nosso público, que são todos aqueles que gostam de infor-mação e prosa.

O termo bebop, à princí-pio, é utilizado para denomi-nar o momento mais radical do jazz enquanto música popular. Era rápido, frenéti-co, complexo, com centenas de notas, sendo que muitas delas devoraram escalas as quais nem mesmo pertenci-am, surgindo daí sons disso-nantes, sincopas, polirritmias e mais uma dúzia de rupturas. Muitos jazzistas dizem que os fraseados soavam como os martelos dos operários de ferrovias ao baterem nos tril-hos. Daí a onomatopeia.

O fato é que os músi-cos dessa época estavam descontentes com os cli-chês do swing orquestrado e dançante dos anos 30, e

MEU Caro lEitor, por andErson antikiEviCz Costa

começaram a improvisar e a quebrar as regras. Eles ba-gunçaram tudo em prol da liberdade. Acabaram confi-gurando um espaço de resis-tência e, de quebra, fizeram dos anos 50 um dos períodos mais interessantes e criati-vos da história do jazz.

A associação deste jor-nal com a música não é por acaso. Mas veja bem! A ideia não é produzir um jornalis-mo no improviso, mas fazer com que os jornalistas, tal como os jazzistas do bebop, não se acomodem com as regras e com a rotina que tanto oprime o jornalismo tradicional. A intenção aqui é fazer com que eles bus-quem inspiração para além das convenções e, assim, não apenas criem textos mais pessoais, como tam-bém façam com que esse material fique mais próxi-mo das pessoas à medida em que ele se torna me-nos maquínico, mais hu-mano, mais música.

screvo porque não sei fazer música*E

O jornalismo é isso: envolvimento e experiência.

Engajados pela es-crita, queremos des-vendar o mundo con-tando as histórias mais importantes, que são aquelas que envolvem as pequenas coisas da vida e que, às vezes, tem a duração de uma canção.

Temos por objetivo trabalhar com assuntos do cotidiano do cidadão de Guarapuava, através do Jornalismo Narrati-vo. Entendemos que a prática jornalística se dá

*Felipe Pena

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A pilha dos amores adolescentes é evitada pe-los catadores. É uma sala enorme em que há sem-pre uma corrida com tudo, um vai e volta geral, por vezes não é preciso reciclagem alguma, voltam amanhã depois do fim do mundo de ontem, cho-ram e se alegram ao mesmo tempo, e alguns, mes-mo depois de crescidos, continuam lá, insistindo numa juventude ensaiada como um relógio gripa-do que corre os ponteiros, mas não conta as horas. No depósito dos amores adolescentes, tanto confli-to produz um humor no ar, uma atmosfera de pre-guiça agitada em que os induz a aceitarem de logo a se envolver com as primeiras coisas aparecidas e atraentes por alguma razão, e aí se encucam os co-rações jovens numa ciranda vertiginosa em que pa-paricam o fugidio de alguma regra, o desarrumado de alguma arrumação, o quebra-regras da rua de cima, o poeta de guardanapo dos bares que rimam enquanto a natureza não rima (e de fato envelhece tudo). E tudo ali transforma mesmo a vontade nova em episódios repetitivos, os olhos puros em cansa-dos, semicerrados com a antecipação do já visto.

Há pilhas de todos os tipos lá, há os que mar-cam a própria pele e se arrependem depois, há os medrosos, os valentes demais, os com muita fome por causa da tristeza, os sem fome por causa da tristeza. Há os casos sérios dos amores morridos em que o processo de reciclagem é permanente, pois de tempos em tempos acontecem recaídas. Evitam-se os crisântemos, e só se ingere o resu-mo de lembranças enevoadas, pois puras, mesmo boas, desarranjariam tudo e teria de se começar o processo desde o começo. Há a pilha dos traídos, outra das complicadas. Rega-se com esquecimen-to, se aromatiza com as plantas quebra-rancores, e a quebra-pedras não é para os rins. De 6 em 6

No lixão dos amores há centenas deles e de todos os tipos. Empilham-se em montes, separados por, classificados por, nome-ados. Há para cada um, um diferente processo de reciclagem. Na pilha dos desgastados, os catado-res – sim, há os catadores – devem chacoalhá-los, injetarem doses grandes da substância de ânimo, e os amaciarem usando um líquido feito à base de lem-branças moídas junto de flores mortas. Há também o setor dos rejeitados em que os catadores precisam deixá-los secar à sombra, pacientemente apertá-los de abraços para assim re-tirar deles o chorume dos rancores. Depois, então, podem filtrá-los em uma máquina alimentada com estima, e aí, sim, eles, não os amores, mas os cata-

dores podem se arriscar à chance, apresentando-se como a solução para os de-feitos outros, e iniciarem o processo final de recupera-ção deste depósito, quase cemitério, de corações.

O lixão dosamores

CrôniCa, por adrian linColn

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horas, deve-se tomar o comprimido feito à base da opinião dos outros. Também o processo inclui deixar descansar com as mais diversas distrações e depois de longo tempo, dependendo do tamanho que aquela espécie de câncer chegou a ser, haverá a chance de uma nova chance ao catador paciente e esperançoso.

Os catadores não eram catadores, mas já estive-ram no lixão tantas e tantas vezes que se tornaram catadores. Especialistas em nãos, pós-graduados no enterro do que poderia ter sido, eles se tor-naram versados em tentar. Não possuem mar-cas no corpo, pois a tatuagem que carregam é abstrata e na alma. Quando os catadores mos-tram os exames de coração para o médico responsável no local, sempre ouvem que de-vem mesmo é desistir, mas não o fazem, e ninguém sabe bem por quê. Sabe-se é que há alguns que nunca ali estiveram para o processo de reciclagem e assumiram di-reto a função de catadores, decerto, en-tristecidos o suficiente pelas aparên-cias, desistidos antes da tentativa. Há catadores que estudam um caso úni-co e fazem e refazem o processo de reciclagem por meses e até anos. Alguns conseguem finalmente salvar o caso, alguns desistem, outros continuam tentando, ainda que com a precariedade dos equipamentos do local… a ciência mais alta dali não abarca a engenharia com-plexa das sensações hu-manas, e nem vai, nem no dia do futuro, dizem os mais velhos.

No lixão dos amores, a poesia não deve ser trá-gica nem dizer palavrão à toa, nem ser suja de san-gue, nem desmascarar forçadamente a sociedade, nem intelectualizar a rima que não existe, pois no local, a impressão imediata e a urgência do agora já são gordas de pobreza aparente, sendo mais for-te que qualquer pintura sobre, escrita sobre, ou fala de. No lixão, cata-dores e amores não rimam, pois não são palavras, mas tentam rimar é na realidade tocante, e quando conseguem é só louvor ao momento que todos lá escutam. Alegres tanto que correm na chuva para terem o banho dado por Deus, e deixar as ruas lim-pas daquela sordidez líquida que lhes sua a alma. Todos esses restos poluentes, os resíduos tóxicos de mágoa, os venenos de ódio, são despejados num rio morto, que não desce nem sobe, mas para, como verbo. E há rumores de que há quem esteja lá se alimentando daquele suco pantanoso, como quem, ausente de vida, suga qualquer ritmo de emoção que consegue encontrar. O rio que para, os humanos quase abutres que o rodeiam, as pilhas, os setores, o local, o depósito, e os catadores, todos querem ajuda: basta separar o seu lixo.

AdriAn LincoLn Mestrando em Linguagem, professor e escritor.E-mail: [email protected]

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Quem narra: LAYS PEDERSSETTIFotos: ARQUIVO PESSOALIlustrações: CÉCILE GRAAT

sefaz

As

crianças

de hoje estão mesmo

se divertindo?

Ou qual é o

problema

em

bemfaz

bem

ser piá de prédio?

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“- FILHOOOO! Vem pra dentro que já tá tarde!”. Há dez anos era desta forma que as mães chamavam os fi lhos para o banho, no fi nal do dia, depois de brincarem o dia todo na rua ou no lote dos vizinhos.

Hoje, embora não seja tanto tem-po depois, é mais comum ligar para o celular do fi lho ou ainda “-FILHOO! Desliga esse computador”, “Desliga esse videogame!”.

Há dez anos eu costumava brincar com meus colegas no barro, fazer bolo de chocolate com terra, brincar na chuva de verão e me molhar nas poças de água que se formavam no quintal. Hoje, não é mais necessário ter cria-ti vidade para inventar brincadeiras, a maioria das crianças faz cupcake em jogos online, mas essa diferença está de alguma forma prejudicando o desenvolvimento das crianças?

Bruna é da minha época, ela brin-cou da mesma forma e deixou de usar muita roupa que fi cou tão suja que nunca mais voltou a ser a mesma. Hoje, ela é mãe de gêmeos e acredita que incenti vá-los a brincar lá fora é bom, que se sujar faz bem; ainda mais quando se é mãe e pai ao mesmo tempo, já que Bruna criou Isabelly e Murilo sozinha.

Isso não é problema, nem para ela, muito menos para os pequenos. Todo fi m de tarde lá estão os três no lote de casa, Isabelly e Murilo, dividindo a

Bruna em duas pessoas, uma que brinca de carri-nho e joga bola e outra que faz comidinha, brinca de boneca, mamãe e fi lhinha.

De vez em quando o número de pessoas brincando aumenta, como Bruna mora com os pais, tem dias que o vovô e a vovó se juntam na “dança da chuva” e brincam no barro. Bruna dá muita importância para a infância dos seus fi lhos, “com certeza, é uma das fases mais importantes na vida de uma criança”.

Mas como bem sabemos, os chamados ‘piá de prédio’ têm uma infância um pouco diferente, menos suja, mas nem por isso deve ser conside-rada problemáti ca ou prejudicial. Como explica Humberto Oliveira Ausec, psicólogo e mestre em Análise de Comportamento, “é comum que as pessoas acreditem que há essa perda da infância, que elas só fi cam no computador, mas não pode-mos esquecer que o ser humano é uma espécie

MURILO E

ISABELLY JÁ

CANSADOS DE

TANTO BRINCAR

pessoas acreditem que há essa perda da infância, que elas só fi cam no computador, mas não pode-

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extremamente maleável, somos muito sensíveis ao contexto, e por este mo-ti vo é muito difí cil, senão impossível, estabelecer um ti po de infância ideal”.

Ausec compreende que a criança deve ter uma interação social, porém a forma como isso acontece não é o mais importante. Permanecer muito tempo no computador pode afetar as relações sociais da criança, a menos que ela interaja nesse meio e tenha uma relação; não será face a face, mas ainda será uma relação. “Por exemplo, assisti r TV não é uma relação com outras pessoas, mas proporciona co-nhecer a vida delas”. O psicólogo ainda acrescenta que as crianças de hoje são muito mais solidárias com as coisas que acontecem no mundo porque elas fi cam sabendo disso.

Anti gamente as crianças não ti nham acesso a essas infor-mações, elas sabiam somente o que acontecia ao redor delas.

Apesar de não ser possível estabelecer um modelo de infância como certa em relação à outra, isso não quer dizer que elas não tenham valores sociais. Não há como dizer que a infância está perdida somente por ela ser diferente.

E é neste ponto da conversa que os raciocínios de Bruna e Humberto se cruzam, para a mãe dos gêmeos “os pais tem o papel de incenti var, mostrar, brincar, levar em considera-ção que a infância é a melhor fase da vida de uma criança, então que as façam aproveitar da melhor forma possível” e para o psicólogo “o que as crianças não podem é perder a noção do valor das coisas e das pessoas e é importante que ela saiba de que maneira ela pode afetar o outro, se o que ela for fazer deixará alguém feliz ou se terá ati tudes insen-síveis”, se elas aprenderem a isso tudo se sujando ou não, hoje já não faz tanta diferença. Eu cresci no barro, mas me rendi ao computador. Confesso que sinto falta da lama.

ISABELLY EM MAIS UM FIM DE TARDE NA TERRA

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Avance Um grande

pequeno passo

19h20, próximo a Unicentro, 25 de fe

vereiro de 2013

Noite chuvosa, ruas calmas, neblina

e pensamen-

tos. “estamos progredindo”, observo

as pessoas e

penso novamente, “devagar... devagar

”.

- preconceituosos, todos somos preco

nceituosos,

diz um amigo em uma mesa de bar. a

bebida talvez

lhe fizesse bem, ou talvez só tenha

libertado

aquilo que estava preso em sua men

te, do qual lu-

tava para compreender.

despedi-me de todos, e saí com aquel

a frase pres-

sa em minha mente; devo ter sussurr

ado ela en-

quanto caminhava, causando estran

hamento em

quem me via, mas ela não me era inc

omum, e por

sorte minha, naquela noite eu desco

bri porque

ela soava tão familiar.

para a cultura do Brasil

QUem narra:

natacha Jordão

0,8%

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10 bebop10 bebopbebop

12h05, em aLGUm LUGar de GUarapUava, 20 de fevereiro de 2013

como as redes sociais podem funcionar tão bem, pessoas compartilham, convidam, anunciam eventos que para muitos meios de comunicação não vale a pena nem colocar ao lado do preço da banana em suas páginas, anunciar em um telejornal? Quem dirá ga-nhar um lugar no telejornal.e foi em uma rede social fiquei sabendo de uma das

boas ações, porém tardias, do ministério da cultura do nosso país.

- editais para negros e descentes pra produzirem livros, produzir roteiros, hum... interessante, pensei sem entender.

- Quem vai fazer as entre-vistas?

- eu posso fazer... vou tentar.

titubeio e deduzo que será

mont

aGem

:na

tach

a Jo

rdão

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uma matéria fácil de escre-ver, então topo.

- não, eu vou sim, pode deixar!

talvez eu já esteja presa no sistema do jornalismo con-vencional, mas não agora, enquanto minhas lembranças sobre aquela noite ainda ro-deiam meus pensamentos e me fazem refletir sobre a triste realidade de um país que diz não ter condições; na verdade o que faltar não é dinheiro, e sim caráter, humanidade e inteligência.

19h30, Unicentro, SaLa de even-toS, 25 de fevereiro de 2013

- Quatro pessoas, tudo isso veio assistir a palestra? você é a palestrante?

- não, sou do centro cultural de entre rios.

a chuva começa a cessar, ain-da há esperança.

chega a palestrante, uma se-nhora humilde, de aproxima-damente de um metro e meio, cabelos loiros, com algumas marcas de experiência, parece a vontade com o lugar, cum-primenta a todos e brinca fa-lando do tempo de Guarapua-va, e logo reclama da chuva.- É sempre assim aqui?

- a chuva parece ter compro-misso todos os dias na cidade.

Sugestiva e animada, parece conhecer a todos que estão presentes, não fica parada, gesticula com as mãos como seus gestos chamassem os ou-vintes a participarem e con-tribuírem com a palestra.

- antes de falarmos sobre os editais, vamos falar um pou-co sobre o sistema nacional de cultura, começa eleonora Spinato, totalmente imersa no assunto.

olho para trás e observo, o salão está lotado. nada de imprensa.

- nunca no Brasil foi colo-cada tanta verba na cultura, continua eleonora. É como disse a ministra marta Su-plicy: É como se nós estivés-semos entregando a certidão de nascimento do Sistema nacional cultural do nosso país, e todo o cidadão será contemplado, pois todos têm direitos culturais.o salão está quieto, todos refletem sobre as palavras ditas. e parecem querer gri-tar “nós sabemos, por isso estamos aqui”.

a palestra não é mais sobre os editais para jovens pro-dutores negros, é sobre todas as minorias que sempre são temas nas épocas eleitorais, mas depois são esquecidas.

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todos os presentes parecem concentrados no discurso da palestrante, balançando a cabeça em sinal de compreen-são e afinidade com suas palavras. ela por sua vez, parece feliz em estar ali para avisar que aquilo pode ser só o começo, pode se tor-nar algo grandioso se cada um fizer a sua parte, sim todos, não somente os políti-cos, como ela faz questão de enfatizar, mas o seu apelo também era para aqueles que desconhecem seus direitos e se contentam com o pouco que lhe é oferecido.

assim segue a palestra para explicar a opressão que o Brasil mantém em suas ter-ras, opressão que continua após aquela noite chuvosa e que estará a mercê de muitas outras chuvas.

- precisamos da participação social, o fundo nacional de cultura do rio Grande do Sul tinha 0,8% de investimentos para a cultura, hoje é 0,16%, é pouco, mas já dobrou.

não me recordo porque houve risos quando eleonora disse isso, mas acho que o desespe-ro pode ter sido o responsá-vel, ou o humor negro estava em alta na noite.

-os municípios pequenos pre-cisam de um fundo de cultura para projetos e ações. Que co-

mont

aGem

: na

tach

a Jo

rdão

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mece com pouco, mas já é algu-ma coisa, e esses municípios que aderirem a esse sistema vão receber recursos diretos do fundo nacional.

o complemento parece ser uma tentativa para tornar o 0,16 mais significativo. em seguida eleonora olha para a sala, suas palavras saem mais rápido do que no início da palestra:

- nós vamos passar a noite inteira aqui.

rostos inquietos, as vozes se cruzam, ninguém quer sair sem dar opiniões sobre o sis-tema cultural brasileiro.

- É um absurdo, o paraná era o único estado que não tinha ainda aderido ao sistema, reclama elton Barz, um dos representantes da central de cultura da capital do estado.

com a voz trêmula, eliane de Jesus de oliveira se ma-nifesta:

- nós negros estamos bus-cando nosso espaço, é esse o momento, o negro tem que se identificar como negro e assim buscar seus direi-tos. todos os negros que têm seus talentos, eles têm que aparecer.

Uma senhora de cabelos gri-salhos e andar lento, que não via a hora de falar, já

estava balbuciando as pa-lavras com uma senhora que sentava atrás dela, até que conseguiu a atenção da sala:

-nós batalhamos pela cultu-ra de Guarapuava desde 99, fui proponente de uma verea-dora para a criação de uma fundação cultural que foi aprovada no papel e até hoje ela ainda não foi efetivada. também batalhamos por um teatro em Guarapuava, uma cidade com 200 anos não tem teatro, nós estamos carentes de espaços culturais.

respira fundo e continua falando sobre os temas em debate na noite:

- nós temos uma história de escravidão [em Guarapuava], mas ela ficou invisível, não há interesse, comenta a se-nhora que apesar de mostrar contentamento com o projeto que beneficia negros e des-cendentes no meio cultural, demonstra que em Guarapua-va ainda há muito que fazer com relação a igualdade.

alguns ouvintes nervosos reclamam do descaso que a cidade tem com os negros, ou-tros que o Brasil tem com a cultura, mas é preciso encer-rar a discussão, pelo menos por hoje,

acho que a matéria não vai ser fácil de escrever.

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literatura viva

PrincipezinhoUma vez por ano,

durante 42 anos, ele lê o mesmo livro

Quem narra: tAYsA sANtOsilustração: NAtACHA JORDÃO

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mento distante. De qualquer forma, resolvi arriscar.

- Boa tarde, tudo bem? O senhor tem o hábito de ler?

- Com certeza, esse é o meu gran-de prazer na vida. A leitura me faz viver em vários mundos.

Aquela resposta me deixou ainda mais interessada na história de vida daquele homem. Seguindo a conver-sa, me apresentei e aproveitei para saber mais sobre esse senhor. Mas nesse mesmo momento seu fi lho mais velho já estava terminando de passar as compras no caixa. E, por isso, o desenrolar da conversa fi cou marcado para outro dia. Não sei explicar, talvez o faro jornalísti co esti vesse tentando me dizer que aquele senhor baixinho com olhos esverdeados escondidos atrás dos óculos pesados ti nha muitas histórias para contar.

Quatro dias depois nos encontra-mos num banco da praça da catedral, local que fi ca próximo a sua casa. Quando chegou, logo me disse que sua mulher era muito católica, dife-rente dele que entrou pela últi ma vez na igreja no dia do seu casamento.

“Tudo é sempre igual nos 20 de janeiro. Eu acordo cedo, pego mi-nha xícara de café, olho pela janela e observo as crianças invadindo as ruas. E aí, sento no lado esquerdo do sofá, que fi ca embaixo de uma janela, ajeito minhas costas com a almofada que ganhei de presente no meu casa-mento. Faz 42 anos que sigo o ritual. É hora de ler o livro de minha vida”.

Andando pelos corredores de um supermercado, um senhor me chamou atenção. Durante uns trinta minutos, o observei na gôndola de revistas, lendo sinopses, conferindo manchetes. A princípio ele poderia ser apenas um curioso, esperando algum amigo fazer as compras do mês, apro-veitando para conferir os livros lança-dos e também os capítulos da próxima semana de sua novela preferida.

Aquela cena me deixava cada vez mais curiosa e mesmo assim fi quei com receio de me aproximar. Centra-do, com um olhar fi xo na capa da Veja que falava sobre o Cérebro e a origem das emoções, aquele senhor, que demonstrava a idade pelas marcas do rosto, parecia vagar em um pensa-

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textura do papel e principalmente em ter a oportunidade de sonhar e conhe-cer vários mundos por meio da leitura.

Com um olhar distante e um sorri-so no rosto, Seu João fala sobre o livro que é o moti vador da sua vida, o clás-sico O Pequeno Príncipe, um romance do escritor francês Antoine de Saint – Exupéry, publicado em 1943 nos Estados Unidos. “A primeira vez que eu ti ve contato com o livro, foi com 10 anos, as histórias do principezinho marcaram a minha vida’’.

Depois de ler o clássico pela pri-meira vez, João resolveu escrever uma frase do livro no guarda roupa que dividia com seus irmãos. “As pessoas grandes são decididamente muito bizarras... ’’. Com um olhar inocente de criança, ele observava que os adul-tos davam muita importância a bens materiais e se esqueciam de coisas importantes, como o afeto e as de-monstrações de amor.

Os anos foram passando. Novos livros fi zeram parte da sua vida, en-tre eles, As Reinações de Narizinho, A Turma da Mônica, Mafalda, O Menino Maluquinho, Fábulas de Esopo. Ape-sar de novos personagens e histórias, ele começou a senti r necessidade de

Duas horas se passaram, esse foi o tempo necessário para ele me contar um pouco de sua trajetória, bem como sua paixão pela literatura. Natural de Cambé, cidade do norte do Paraná, Seu João Carlos Silveira tem 58 anos, é aposentando, viúvo e mora em Guarapuava há 20 anos.

O contato com os livros começou cedo. Seu pai trabalhava de caseiro numa fazenda da região, e todo ano seu patrão doava para ele livros velhos que já não eram usados mais. De todos os fi lhos, apenas João se interessava por eles, aliás, esse era o melhor pre-sente que ele poderia ganhar: livros.

O tempo foi passando e anual-mente ele foi colecionando histórias, aventuras e principalmente sonhos. Aos dozes anos decidiu que queria ser professor de português, e com isso, plantar a semente da leitura em todos os alunos. “Enquanto meus irmãos queriam ser jogadores de futebol, médicos e advogados, meu sonho era passar conhecimento para outras pessoas. As palavras me fascinam, a leitura sempre me encantou, gostaria de encantar todo mundo com ela’’.

Empolgado, ele conta que tem prazer em folhear um livro, em senti r a

As PEssOAs GRANDEs sÃO DECiDiDAMENtEMUitO BizARRAs...

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ler mais vezes a história do pequeno príncipe. “Era mais que um livro, sem-pre me identi fi quei muito com o con-teúdo dele, prometi para mim mesmo que ia ler o príncipe uma vez por ano”.

Dando uma gargalhada e relembran-do os velhos tempos, Seu João conta que sempre foi muito teimoso e decidi-do, e por isso, segue esse costume até hoje. “Todo dia 20 de janeiro é sagrado na minha casa, é dia de ler o pequeno príncipe, faço isso há 42 anos”.

O lápis o acompanha na leitura. Anualmente, ele escreve em folhas brancas trechos que representam o momento em que ele está vivendo. En-vergonhado, conta que usou um trecho do livro até mesmo no discurso de ca-samento. “Se alguém ama uma fl or da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla’’.

- Eu precisava dizer alguma coisa que marcasse aquele momento, eu iria passar a viver do lado da mulher da minha vida. E, por isso, o principezinho precisava estar junto comigo, ele sem-pre me ajudava com lindas palavras.

Depois do casamento, frases do livro conti nuaram a fazer parte da sua vida. No nascimento dos seus

“se alguém ama uma flor da qual só existe

um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz

quando a contempla’’.

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quando a contempla’’.

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dois fi lhos, para superar problemas familiares, em aniversários de amigos. E, principalmente, na realização do sonho de ser professor.

- Já dizia o meu amigo principezi-nho, ‘’quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe“, precisamos valorizar quem amamos, dizer um ‘eu te amo’ logo cedo. E, ir em busca de nossos sonhos. Mesmo que todos duvidem, acredite em você.

Depois de vinte e cinco anos em sala de aulas, foi preciso se aposentar. Há dois anos, Seu João está enfrentan-do o câncer no intesti no e também na pele. Momentos difí ceis, ainda mais

depois de perder a mulher amada. Mas, sempre ao seu lado está o prín-cipe e as histórias que fazem parte da vida dele. Com lágrimas nos olhos, ele diz que já está perdendo as forças e por isso está senti ndo que sua hora está chegando. “Em breve estou indo embora. Para onde? Não sei! Só espero encontrar o meu amor e poder me lembrar dos ensinamentos do príncipe, os quais regeram a minha vida”.

Assim como seu amigo príncipe, João acredita que já fez sua trajetória

aqui na Terra e agora está na hora de conhecer outros mundos. “Temos uma rota a cumprir, já aprendi muito nesse lugar. Preciso ir adiante, seguir a minha jornada, ir à busca de novas histórias e principalmente da minha rosa”.

Na despedida, palavras foram poupadas. Com um olhar sincero ele apenas me entregou um bilhete com um recado do pequeno príncipe:

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acorde menina, pois a lua olha-nos cheiahá cicatrizes, e sua luz no meio à escuridão

acorde menina, não há estrelas sob a lápide noturnahá vento e folhas mortasfumaça e indiferença

há tempo de caminhar e de tomar o lodo em nosso cernepara vê-lo brilhar discretamente em nossas mãoscomo ríspido diamante

há tempo de estremecer-sena esquina povoada de espelhos d’águaonde a lua divide-se em centenas

centenas gotas de prata em nosso abraço febril

Setenta punhaisna noite em que farejamos o doce da espartana,maestrina de tais príncipes

nós, setenta vezes assassinosnão os alcançaram à luznós, setenta vezes covardes

não bebemos água puranão vimos o horizonte sutilnão conquistamos a vitórianão amamos nenhum de vocês não pretendemos perdão ou misericórdianão desejamos alguém que nos salvasse

nos acolhemos à escuridão indiscretaSedentos pelo guizo de pratapelos gritos de fome pela gargalhada de algum homem vil

acorde menina, não há estrelas

sob a lápide noturna

Kaio miotti

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Que

Quem narra: maíra machadoFotos: arQuivo pessoal

amorrecomeçar

a inda exista

para

Bartek Ambrozik

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“Quem tem amor tem coragem pra saber que não está só”TRECHO DA MúSICA AFETO EM PARTES, DA BANDA NUVENS.

Eu sempre tive medo de ficar sozinha. Sonhava em encontrar alguém com quem pudesse

dividir a minha vida. E um dia encontrei. Naquele momento, eu sabia, o meu ‘para sempre’ acabara de começar. O tempo passou e eu fui esquecendo uma coisa muito importante: O ‘para sempre’, sempre aca-ba, já dizia Cássia Eller.

E então, no auge dos meus 20 anos, já estava numa sala de terapia. O recomeço me assustava. Afinal, ainda não estou acostumada a reinícios. Como recomeçar? Foi aí que comecei a me interessar por histórias de pessoas como a de Maria Luiza. A moça, adminis-tradora de profissão e corajosa por opção, me mostrou que sempre é tempo de recome-çar, que sempre há tempo para viver algo novo, de novo.

PriMEiro ATo. A história dela começa com um casamento que não deu certo. O relaciona-mento, que durou quatro anos deixou marcas, mas também um presente: uma filha. A separação se tornou inevitável, uma vez que a traição entrou na história. A filha dela, hoje com oito anos de idade, é o principal motivo para que as mágoas do passado tenham ficado para trás e, para que hoje a relação com o ex-marido seja boa.

Eis o primeiro recomeço. Quando se tem um filho, diz ela, se espera encontrar alguém que nos proporcione um relacionamento mais sério, concreto, baseado no respeito. “Depois desse pe-ríodo, eu passei por uma fase de amadurecimento no que diz respeito a relações. Em outras tentati-vas, que também não deram certo, eu levei muito mais em conta esses critérios”.

Mesmo com a decepção da traição, Maria Lui-za continuou firme e, então, o coração se abriu de novo. Outra pessoa, outra história que mais tarde também não daria certo. Foram quatro anos. Três anos de namoro e um ano de convivência na mes-ma casa. Desse relacionamento, outro anjo.

Ainda enquanto namorados, Maria Luiza des-cobriu que esperava outro filho. Um momento que deveria ser de alegria plena logo apresentou

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grandes frustrações. No meio da gestação eles resolveram terminar o namoro. “Num momento de fragili-dade da mulher, e eu acredito que a gravidez é o momento mais frágil da nossa vida, quando a gente tem uma carência maior, chora por qualquer coisa, eu não estava com o meu com-panheiro, ele não estava do meu lado, não passou comigo os meus enjôos, as minhas vontades”.

Nesse momento da história, outro episódio triste, a bebê que Maria Lui-za esperava morreu. Ela não consegue evitar as lágrimas, mas prossegue coma entrevista. “Ainda antes de per-der a bebê, esse meu namorado arru-mou outra pessoa, o que me magoou mais ainda, me deixou muito pra bai-xo. E depois da morte da minha filha, eu ficava procurando um culpado. Meu rancor era muito grande, porque eu queria aquela pessoa do meu lado, batalhando junto e nada daquilo que eu imaginei aconteceu”.

Ainda abalada com a perda da filha, Maria Luiza havia decidido colocar um ponto final na história. “Mesmo decidida, eu acabei consi-derando o fato de que aquela pessoa veio até mim e me propôs uma nova tentativa, um pedido de perdão, uma esperança de fazer dar certo. Era visto que não daria, mas mesmo assim eu quis continuar. Hoje eu sei que não foi o mais correto”.

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sEgUndo ATo. Depois de quatro anos, esse relacionamento também acabou. Surge a necessidade de recomeçar mais uma vez. “Depois disso, eu fi quei sozinha por um bom tempo. Foi um período que eu fi quei muito de-sacreditada. Eu fi quei totalmente fechada para a possibilidade de encontrar outra pessoa”.

Dois longos relacionamentos, duas histórias que não acabaram bem. “[suspiro] É triste quan-do um relacionamento acaba. É muito triste. Eu não consigo pensar em uma pessoa que saia de uma relação sem feridas e sem culti var tristezas. Você passa um tempo com a pessoa, você convive com ela e, acima de tudo, você tem senti mentos e sonhos que incluem essa pessoa. Quando é rompido esse ciclo de expectati vas, você sofre. Eu chorei, eu ti ve dor de cotovelo e eu amadureci demais com tudo isso”.

Durante esse período muitas coisas se passaram pela mente de Maria Luiza. Foram perguntas, afi rmações, conclusões que fi zeram com que ela esti vesse disposta a aceitar os riscos de mais um recomeço. “Eu nunca ti ve medo de fi car sozinha. Claro, eu acho que fi car sozinha é muito triste. Mas eu sabia que uma hora ou outra, apareceria alguém bacana”.

TErcEiro ATo. Mais um recomeço. O fato de ter co-nhecido outra pessoa, fez com que Maria Luiza, com toda a coragem, quisesse tentar de novo. “De repente eu conheci essa pessoa. Foi aos poucos. Eu percebi que tí nhamos objeti vos muito parecidos e foi então que eu resolvi me permiti r conhe-cer melhor e investi r em um novo relacionamento. O amor, mesmo que você não busque, ele aparece, sempre vale a pena apostar. Ninguém nasceu pra fi car sozinha”.

“Ter conhecido outra pessoa

me fez querer recomeçar”

QUARTO ATO. O recomeço que ainda segue. Há cinco meses, um novo namoro tem feito a vida dela mais colorida. Hoje feliz e deixando pra trás todas as vezes em que as decepções quase a fi zeram desisti r, ela garante “Toda panela tem sua tampa”.

Então eu perguntei: “Malu, será que o para sempre existe?”

- Não sei. ‘Que seja eterno enquanto dure’. Que seja bom enquanto dure. Ou que dure enquanto for bom.

CENA FINAL: Talvez eu não precise mais de terapia.

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O Brasil de Karl Friedrich Hieronymus von MünchhausendE coMo vivEnciEi EPisódios ExTrAordinários durante minha estada no Brasil, uma terra latino-AMEricAnA Ao MEsMo TEMPo fAscinAnTE E inTrigAnTE

Meu caro Décio,“Nunca acreditei no governo desse

presidente”, dizes tu, meu perspicaz Valdécio Kloster Prestes, cidadão versa-do nas artes do comércio, da leitura e da música na pequena cidade de Gua-rapuava, no interior do Paraná.

Fico feliz em receber tua carta, relembrando fatos sobre teu Brasil e a política praticada ao longo das últimas cinco décadas. Décio, como sei que gostas de ser chamado, és descrente, meu filho. Não te condeno. Mas minha experiência internacional antes de chegar a seu país e, especialmente, ao Paraná, e, mais ainda, a Guarapuava, provam que há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia, como diria Horácio, num livro de um conhecido meu. Em minhas an-danças por terras misteriosas e povos

QUEM NARRA: Karl Friedrich

Hieronymus von Münchhausen,

em carta transcrita a CRistiANO MARtiNEz

fascinantes, vivi muito e vi muita coisa. De todas as aventuras, talvez a viven-ciada no gigante adormecido latino-a-mericano, como o povo desse país no qual vivo desde os anos de 1960, seja a mais extraordinária. Décio, meu com-panheiro, mais fé e esperança.

Por falar no sessentismo, isso me lembra de um episódio no qual tomei parte, meu caro comerciante. Ah, que data histórica o Primeiro de Abril de 1964. Parece que foi ontem que parti-cipei daquele jantar do dia 31 de mar-ço daquele ano. Estávamos eu e alguns generais a contemplar a destituição de um presidente comunista e a tomada do poder pelos meus amigos militares. Tudo pelo bem da nação. Eu, como bom monarquista que sou, vi com bons olhos aquela revolução que instaurou um governo democrático e limpo; afi-

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O Brasil de Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen

nal, Costa e Silva, Médi-ci, Figueiredo e tantos outros se alternaram no comando desse porten-toso país.

“Parecia que as coisas eram melhores naquele tempo. Servi o exército nos anos de 1980. A comida servida nos quartéis era muito melhor do que a de hoje”, tem razão meu querido Décio. Tudo era melhor naquela época. Que Primeiro de Abril! Eu estava lá, dando meus palpites aos coronéis, marechais e generais. Olhava nos olhos daqueles senho-res, mais velhos do eu, claro, mas que ti nham uma vivacidade e um senti do de pátria como nunca vi antes. Talvez, no Chile de Augusto Pinochet. Foi uma data muito autênti ca.

Em comemoração ao dia histórico, o jor-

nalista Paulo Francis tomou de uma só vez uma garrafa inteira do uísque Queen Anne. Oh, esses jornalistas... Não convidam as per-sonalidades disti ntas e ilustres da sociedade para suas festi nhas parti culares. Em minhas aventuras pelo mundo, nunca vi tamanho des-respeito aos padrões mínimos de eti queta.

Não por sinal, o Francis se mudou desta terra para os Estados Unidos, nação do con-servadorismo e libe-ralismo. Essa história de freedom não me convence nenhum um pouco. Lá, nosso cama-

rada se tornou uma pessoa bocuda e sem papas na língua. Um absurdo sem tamanho!

Se ele ti vesse fi cado na pátria arma-da, ou melhor, amada, saberia que aqui meus amigos implantaram um moder-no sistema de fi ltragem da informação, escolhendo o que de melhor poderia chegar aos olhos e ouvidos do povo brasileiro. Isso foi mais do que certo, já que tem muita porcaria circulando por aí e a imprensa pode publicar de manei-ra irresponsável. Hoje, no ano de 2013, vejo que a preocupação pela peneirada na informação voltou com tudo. Agora, eles deram o nome de “democrati zação da informação”.

Mas, voltando a nosso Primeiro de Abril, como funcionou bem o sistema

de: Karl friedrich hieronymus von münchhausenpara: Sr. valdécio Kloster prestes

Guarapauva - paraná

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“A POUPANÇA É sAGRADA”FERNANDO COLLOR DE MELO

“MAs NÃO ME DEiXAREi

iLUDiR, NEM iLUDiR AO POVO.

CHEGOU A HORA DE FAzERMOs

O JOGO DA VERDADE”

EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI

NO FiNAL, tUDO DÁ CERtO. sE AiNDA NÃO

DEU CERtO É PORQUE

AiNDA NÃO ACABOUZÉLIA CARDOSO DE MELO

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de filtragem. Graças a ele, obras subversivas e outras bobagens puderam ser evitadas. Um tal de Sófocles, pelo jeito um grego safado, quis encenar uma peça chamada Édipo Rei. Apesar da referência à monarquia, não li e não gostei. Logo que fiquei sabendo de sua montagem num teatrinho e com um atorzinho chamado Paulo Autran, fiquei furioso e acionei meus contatos. A peça foi proibida na hora.

Só não conseguiram, amigo Décio, prender o autor do im-bróglio. Sumiu sem deixar vestígios. Deve estar numa ilha grega, rindo até hoje do golpe dele em 64.

Décio, sabes que não gosto de me gabar. Mas, preciso con-fessar algo: graças a mim, hoje seu país tem uma das estradas mais modernas e importantes. Ela corta sua pátria de fora a fora, gerando renda e fortuna, além de pôr a terra adorada en-tre as principais do mundo. Trata-se da Transamazônica!

Que colosso de estrada, altamente transitável e perfeita para o transporte das cargas mais valiosas e portentosas desse país varonil. São 4.223 quilômetros de terra, aço e beleza. Quan-do o tempo está seco, vejo aquela nuvem de poeira a colorir a paisagem de um vermelho lindo e cativante. É a cor da paixão, a mesma que senti quando botei meus olhos experientes e rea-listas naquela imensidão verde chamada Amazonas. Quando faz chuva, ah, é o deslizamento de veículos leves e o afundamento de poderosos caminhões. Todos querem ficar um pouco mais na Transamazônica. Ninguém quer abandoná-la tão cedo.

E tudo começou por acaso, quem diria. O Emílio precisava de uma grande obra, inspirada nos faraós do Egito antigo, para levar o Brasil a outro patamar de desenvolvimento. Também diziam que o Emilinho era um cara sem paciência. Tudo fofoca da oposição.

Pois bem. Lá estávamos nós numa sala escura, em reunião, com alguns sujeitos em cadeiras e outros suspensos em barras (estes preferiam se exercitar). Entre um ou outro grito de alegria pela revolução, Emilinho pensava e pensava, sem chegar a lugar algum. Até que eu disse: “Transa”. Causei estupefação total na sala, todos pararam para saber o que era aquilo.

A ideia me veio na hora. Havia me lembrado de uma viagem à Amazônia, onde conheci lindas mulheres de uma tribo indíge-na. Por livre associação, pensei “Transamazônica”. Eureka! Era a solução: uma estrada que pene-trava pelo Estado do Amazonas e chegava à outra ponta, no Estado da Paraíba.

Os policias do Dops e Emílio pararam imediatamente a confra-ternização com aqueles moços e moças na cadeira ou suspensos nas barras. Meu general gostou tanto da ideia que queria batizar a estrada de “Barão de Mün-chhausen”. Porém, a modéstia me impediu. E ficou o belo nome de Transamazônica.

Era o Milagre Brasileiro em gestação. Tempos de glória e de sinceridade.

Décio, Décio, Décio. Em seus 50 anos de idade, talvez você não se lembre com tanta exatidão dessa época. Sua memória talvez tenha recordações mais precisas de outro período, que veio numa fase de abertura do país. ‘Anos colloridos’.

Você já me disse em tua missiva que não acreditava nele, Fernando Collor de Melo. Quanta descrença! Foram anos de pros-peridade e desenvolvimento.

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Depois de congelamentos, fi scais do Sarney, planos e planos, veio a moder-nidade com Elle, o outrora caçador de marajás.

“O povo foi burro de o ter elegido”. Não, discordo. A voz do povo é a voz de Deus. Olhe, querido Décio, as ati -tudes modernas do Fernando, o Bello: fi m de uma empresa que gastava rios de dinheiro para fi lmes que ninguém assisti a, carros importados para o Bra-sil, uma nova moeda, o Plano Collor e o confi sco da poupança.

No país das mulheres poupançá-veis, nada melhor do que passar a mão na dita cuja para ajudar no crescimen-to da economia.

Confesso, desta vez a ideia não foi minha. É preciso dizer que prestei valo-rosos e honrados serviços a Paulo César Farias e Fernandinho; mas, no melhor lance de seu governo, não pude cola-borar com coisa alguma. O que fazer

se, em sua equipe, havia uma mulher fantásti ca e que me superou no plano das ideias. Ungido de humildade e certa inveja, claro, sou obrigado a reconhecer que a senhora de nome diferente, Zélia, superou este pobre Barão que vos escreve. A aventura mais extraordinária do Brasil não foi uma colaboração minha.

“Eu não ti nha dinheiro aplicado na poupança, naquela época. Tinha um ti po de trabalho que não permiti a investi r em economias. Mas conheci um sujeito que vendeu seu caminhão e colocou tudo na poupança. Ele estava feliz da vida, vendo aquele dinheiro crescer. Mas, num belo dia, tudo acabou. O dinheiro sumiu”.

É verdade, Décio. E eu só falo a verdade. Houve sim um confi sco fi scal da economia. Mas a Zélia explicou na TV e em bilheti nhos, junto com o Bernardo Cabral, que era um plano arrojado e que daria um jeito na infl ação. Chico Any-sio também acreditou.

No entanto, você sabe, sempre tem as intrigas e a inveja. Infelizmente, meu amigo collorido foi obrigado a deixar o governo. Outro absurdo da história brasileira.

Viajamos de avião e parti mos rumo a outras aventuras extraordinárias. A Justi ça tarda, mas não falha. Anos depois, Fernando, o Bello voltou por

cima como senador da República. A verdade dói, mas é justa.Bom, amigo Décio. Chegamos a um novo Primeiro de Abril, agora de 2013.

Esse seu país gigantesco e portentoso é repleto de aventuras extraordinárias na políti ca. Estou inebriado. Mas, por ora, está bom.

Minha sincera e verdadeira despedida.

EsCOLHiDO PELO PERsONAGEM

No dia 1º de abril de 2013 (ou 31 de março) completam-se 49 anos do movimento feito pelos milita-res brasileiros em 1964 que destituiu o então presidente João Goulart do comando do Brasil. ‘Golpe de 64’ para uns, ‘Revolução de 64’ para outros. Independentemente do nome, o episódio marcou o início de um período de ditadura militar que terminou apenas em 1984 com as eleições indiretas para a Pre-sidência da República. No entanto, o primeiro presidente eleito de maneira democrática e direta surgi-ria somente em 1989, com Fernando Collor de Melo.

Tendo em vista os fatos extraordinários da recente história brasileira e a passagem de mais um Primeiro de Abril, o Bebop escolheu o Barão de Münchhausen - personagem imortalizado na obra As aventuras do Barão de Münchhausen, Rudolph Erich Raspe - para relembrar esses episódios a par-tir do relato do guarapuavano Valdécio Kloster Prestes.