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os professores. Então, alguns livros, como História Integrada, possuem uma ótica que considero adequada, mas impossível de ser realizada. Beira do Rio – Qual o problema que o senhor aponta em relação à História Temática? J.J.A.A.– A História Temática se aproxima mais da especificidade do professor. É a ideia de que se deve partir do mundo mais próximo a você, daquelas relações cotidia- nas, provavelmente, mais fáceis de serem entendidas pelos alunos, até atingir as questões mais gerais. Ora, na verdade, qualquer método serve. Você pode sair do singular e atingir o plural ou sair do plural e atingir o singular. O problema é se você faz essa viagem ou não. Essa é a questão. Porque, às vezes, você começa com um universo que é pró- ximo, mas não consegue ultrapassar esse limite. Vou dar um exemplo: se preciso privilegiar a História do Pará, faço uma série de pesquisas e descubro que há uma História do Pará que não é a mesma Histó- ria do Brasil. No Pe- ríodo Colonial, eram dois mundos pratica- mente à parte, apesar de terem a mesma metrópole conjugan- do os dois univer- sos. Em determinado momento, em busca de uma identidade paraense na História, posso correr o risco de deixar de buscar as conexões do Pará com aquele outro Estado brasileiro. Então, vou deixar de ter um co- nhecimento histórico mais aprofundado, porque, afinal de contas, o Pará não estava isolado do resto do Brasil e, muito menos, do mundo. Esse é o risco da História Temática. Beira do Rio – Por que o livro didático é tão criticado pelos pro- fessores universitários no Brasil? J.J.A.A.– Eu conheço alguns livros- -texto que são “livros didáticos” de ótima qualidade. O historiador Stuart Schwartz, especialista em Brasil, autor de 15 excelentes livros, entre os quais, o recente Cada um na sua Lei, possui um livro didático de altíssima qualidade nos Estados Unidos, utilizado e vendido em muitas universidades americanas. No Brasil, há um ranço negativo contra o “livro didático” nas univer- sidades. Ora, os livros didáticos não são ruins; são instrumentos impor- tantes. Mas, dependem de como são produzidos e utilizados. Essa visão que há contra o livro didático está relacionada, também, ao fato de o professor universitário se julgar um pouco superior a tudo aquilo que se faz no ensino secundário. Eu conhe- ço muitos professores universitários que começaram dando aula em facul- dades sem ter nenhuma experiência de sala de aula no ensino secundário, numa escola de periferia. Então, são pessoas que acabam se considerando um pouco superiores. Por outro lado, hoje, há uma pletora de livros didáticos sendo editados todos os anos. Então, vem a pergunta: o que esse material todo tem de novida- de? Na verdade, é um material engessado. Vou citar um exemplo desse engessamento: dentro do tema migra- ção portuguesa para o Brasil, há, no Pará, numerosas coisas que são absolutamente no- vas em termos de mi- gração. Quando essas coisas novas vão pas- sar para os livros di- dáticos? Eu respondo: vai demorar. No livro didático, entram coisas que são generalizadas por todos os outros livros didáticos, porque são aquelas cobradas nos exames vestibulares, no Enem ou em qualquer outro tipo de seleção. Todos esses exames são obrigados a trabalhar numa mediana do co- nhecimento, nunca na ponta. Então, trabalhando com conhecimento consolidado, numa perspectiva de continuidade, serão sempre avessos à inovação da História. Beira do Rio – A supervalorização de elementos gráficos nos livros di- dáticos atuais pode comprometer a qualidade dos conteúdos? José Jobson Andrade Arruda – Os livros atuais apresentam pouco texto e muitas imagens. Valoriza-se muito a decoração. Não seria um problema desde que os excessos imagéticos não prejudicassem o conteúdo, mas o trabalhasse no sentido de facilitar a compreensão dos alunos. Atualmen- te, os autores escrevem textos e, ao mesmo tempo, precisam reforçar a aprendizagem. Então, lançam mão de diferentes estratégias. O proble- ma surge quando a decoração se torna excessiva e começa a tomar o espaço do conteúdo. Beira do Rio – A partir da sua experiência, comente as metodo- logias utilizadas pelos autores, levando em conta a questão da informação. J.J.A.A.– Logo após o governo militar, uma corrente vigente, du- rante certo tempo, foi a História Temática. Acontece que a opção por eixos temáticos apresenta todos os defeitos das demais segmentações feitas no estudo da História. O grande problema é que você tem que escolher um ângulo de ataque, tem que escolher uma opção. Como vou escrever tal história? Vou fazê-la segmentada? Vou co- meçar pela História da Europa e depois partir para a História do Bra- sil? - a forma clássi- ca. Ou vou fazer uma História Integrada? - opção que tivemos num certo momento. Sou autor de um livro, já não mais editado, chamado História Integrada. Do ponto de vista da informação, penso que se trata da forma mais eficiente, porque concilia a sequência crono- lógica sem separar os conteúdos. Na História Integrada, em vez da forma clássica, as Histórias da Europa e do Brasil surgem juntas. Foi assim que procedemos naquele livro. Quando se falou da Pré-História, introduzi- mos a Brasileira e a Americana. Com a expansão europeia, abordamos as Sociedades Pré-Colombianas. Quando tratamos da Revolução Industrial, inserimos questões da indústria em todo o mundo, inclusi- ve no Brasil. Mas essa História In- tegrada encontrou um obstáculo: os professores não tinham treinamento para trabalhar Grécia, Mesopotâmia, Império Romano e Idade Média com a mesma desenvoltura com que tra- balhavam a História do Brasil. Os professores são treinados dentro de uma segmentação: os de História Geral e os de História do Brasil. Dentro desta última, há uma segun- da segmentação: Brasil Colonial e Brasil Independente. Pessoalmente, não tive dificuldade em sala de aula com a abordagem in- tegrada, porque fui professor de cursinho durante trinta anos. O professor de cursinho não pode escolher. Começa dando Histó- ria da Grécia e acaba na Segunda Guerra Mundial ou começa pelo Brasil Colônia e termina na República. Acabei conquistando um domínio geral das temáticas, o qual me tornou capaz não só de fazer o livro, como também de ministrar os diferentes conteú- dos. Mas esta não é a experiência de todos Mapas trazem diversidade da floresta Pág. 3 Cartografia Projeto usa esporte para inclusão social Times formados por crianças e ado- lescentes atendidos na Escola de Apli- cação ganham medalhas em torneios nacionais. Pág. 5 Engenharia Naval forma primeira turma Mercado de trabalho oferece ampla possibilidade de atuação e salários diferenciados aos recém-formados. Pág. 11 Pará responde à Chamada Nutricional Faculdade de Nutrição da UFPA é parceira em pesquisa que avaliou duas mil crianças em 15 municípios paraenses. Pág. 9 Futsal Excelência Nutrição ISSN 1982-5994 Entrevista Walter Pinto Professor aposentado da USP e titular do Instituto de Economia da Uni- camp, Jobson Arruda é autor de História Moderna e Contemporânea, livro que atingiu a incrível marca de 15 milhões de leitores. Publicado durante o Regime Militar, o livro foi na contramão das interpretações impostas pelo regime po- licialesco instaurado, optando pelo materialismo histórico. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o historiador critica os excessos imagéticos das produções gráficas; aponta a metodologia de transmissão de conhecimento que julga mais eficiente; comenta a relação nada pacífica entre professores universitários e livros didáticos e diz por que as editoras demoram a incorporar novos conhe- cimentos às obras para o ensino secundário. José Jobson de Andrade Arruda critica os excessos gráficos das obras para o ensino secundário 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 “Os exames são obrigados a trabalhar numa mediana do conhecimento” “Os livros não são ruins. Depende de como são utilizados” Grupos fortalecem investigação científica Pág. 4 Pesquisa Estudo avalia vacina antirrábica D urante os anos de 2004 e 2005, alguns municí- pios paraenses, como Portel, Viseu e Augusto Corrêa, sofreram com um surto de raiva provocado por ataques de mor- cegos hematófagos. Na ocasião, milhares de pessoas receberam a vacina antirrábica. Atualmen- te, a Faculdade de Medicina da UFPA está coordenando pesqui- sa, cujo objetivo é monitorar, durante cinco anos, o nível de proteção das pessoas vacinadas. Após análise dos dados, o pro- jeto deve propor formas e perí- odos de revacinação adequados, já que a superdosagem aumenta os riscos de efeitos colaterais. Pág. 10 Portel foi um dos municípios paraenses atingidos pelo surto de raiva entre os anos de 2004 e 2005 Grupos de pesquisa envolvem professores, alunos e técnicos da UFPA Recursos ampliam estrutura JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 81 • MARçO, 2010 FOTOS ALEXANDRE MORAES “O excesso de decoração está tomando o espaço do conteúdo” José Jobson Arruda é autor de dezenas de livros didáticos José Jobson de Andrade Arruda faz crítica aos livros didáticos de História. Pág. 12 Professor Hilton P. Silva fala sobre as perspectivas da Formação Médica na UFPA. Pág. 2 Opinião Entrevista Carlos Maneschy dá boas-vindas aos calouros 2010. Pág. 2 Coluna do Reitor ALEXANDRE MORAES ALEXANDRE MORAES MÁCIO FERREIRA ELISEU DIAS/ AG. PARÁ

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Beira do Rio edição 81

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os professores. Então, alguns livros, como História Integrada, possuem uma ótica que considero adequada, mas impossível de ser realizada.

Beira do Rio – Qual o problema que o senhor aponta em relação à História Temática?J.J.A.A.– A História Temática se aproxima mais da especificidade do professor. É a ideia de que se deve partir do mundo mais próximo a você, daquelas relações cotidia-nas, provavelmente, mais fáceis de serem entendidas pelos alunos, até atingir as questões mais gerais. Ora, na verdade, qualquer método serve. Você pode sair do singular e atingir o plural ou sair do plural e atingir o singular. O problema é se você faz essa viagem ou não. Essa é a questão. Porque, às vezes, você começa com um universo que é pró-ximo, mas não consegue ultrapassar esse limite. Vou dar um exemplo: se preciso privilegiar a História do Pará, faço uma série de pesquisas e descubro que há uma História do Pará que não é a mesma Histó-ria do Brasil. No Pe-ríodo Colonial, eram dois mundos pratica-mente à parte, apesar de terem a mesma metrópole conjugan-do os dois univer-sos. Em determinado momento, em busca de uma identidade paraense na História, posso correr o risco de deixar de buscar as conexões do Pará com aquele outro Estado brasileiro. Então, vou deixar de ter um co-nhecimento histórico mais aprofundado, porque, afinal de contas, o Pará não estava isolado do resto do Brasil e, muito menos, do mundo. Esse é o risco da História Temática.

Beira do Rio – Por que o livro didático é tão criticado pelos pro-fessores universitários no Brasil?J.J.A.A.– Eu conheço alguns livros--texto que são “livros didáticos”

de ótima qualidade. O historiador Stuart Schwartz, especialista em Brasil, autor de 15 excelentes livros, entre os quais, o recente Cada um na sua Lei, possui um livro didático de altíssima qualidade nos Estados Unidos, utilizado e vendido em muitas universidades americanas. No Brasil, há um ranço negativo contra o “livro didático” nas univer-sidades. Ora, os livros didáticos não são ruins; são instrumentos impor-tantes. Mas, dependem de como são produzidos e utilizados. Essa visão que há contra o livro didático está relacionada, também, ao fato de o professor universitário se julgar um pouco superior a tudo aquilo que se faz no ensino secundário. Eu conhe-ço muitos professores universitários que começaram dando aula em facul-dades sem ter nenhuma experiência de sala de aula no ensino secundário, numa escola de periferia. Então, são pessoas que acabam se considerando um pouco superiores. Por outro lado,

hoje, há uma pletora de livros didáticos sendo editados todos os anos. Então, vem a pergunta: o que esse material todo tem de novida-de? Na verdade, é um material engessado. Vou citar um exemplo desse engessamento: dentro do tema migra-ção portuguesa para o Brasil, há, no Pará, numerosas coisas que são absolutamente no-vas em termos de mi-gração. Quando essas coisas novas vão pas-sar para os livros di-dáticos? Eu respondo: vai demorar. No livro didático, entram coisas que são generalizadas

por todos os outros livros didáticos, porque são aquelas cobradas nos exames vestibulares, no Enem ou em qualquer outro tipo de seleção. Todos esses exames são obrigados a trabalhar numa mediana do co-nhecimento, nunca na ponta. Então, trabalhando com conhecimento consolidado, numa perspectiva de continuidade, serão sempre avessos à inovação da História.

Beira do Rio – A supervalorização de elementos gráficos nos livros di-dáticos atuais pode comprometer a qualidade dos conteúdos?José Jobson Andrade Arruda – Os livros atuais apresentam pouco texto e muitas imagens. Valoriza-se muito a decoração. Não seria um problema desde que os excessos imagéticos não prejudicassem o conteúdo, mas o trabalhasse no sentido de facilitar a compreensão dos alunos. Atualmen-te, os autores escrevem textos e, ao mesmo tempo, precisam reforçar a aprendizagem. Então, lançam mão de diferentes estratégias. O proble-ma surge quando a decoração se torna excessiva e começa a tomar o espaço do conteúdo.

Beira do Rio – A partir da sua experiência, comente as metodo-logias utilizadas pelos autores, levando em conta a questão da informação. J.J.A.A.– Logo após o governo militar, uma corrente vigente, du-rante certo tempo, foi a História Temática. Acontece que a opção por eixos temáticos apresenta todos os defeitos das demais segmentações feitas no estudo da História. O grande problema é que você tem que escolher um ângulo de ataque, tem que escolher uma opção. Como vou escrever tal história? Vou fazê-la segmentada? Vou co-meçar pela História da Europa e depois partir para a História do Bra-sil? - a forma clássi-ca. Ou vou fazer uma História Integrada? - opção que tivemos num certo momento. Sou autor de um livro, já não mais editado,

chamado História Integrada. Do ponto de vista da informação, penso que se trata da forma mais eficiente, porque concilia a sequência crono-lógica sem separar os conteúdos. Na História Integrada, em vez da forma clássica, as Histórias da Europa e do Brasil surgem juntas. Foi assim que procedemos naquele livro. Quando se falou da Pré-História, introduzi-mos a Brasileira e a Americana. Com a expansão europeia, abordamos as Sociedades Pré-Colombianas. Quando tratamos da Revolução Industrial, inserimos questões da indústria em todo o mundo, inclusi-ve no Brasil. Mas essa História In-tegrada encontrou um obstáculo: os professores não tinham treinamento para trabalhar Grécia, Mesopotâmia, Império Romano e Idade Média com a mesma desenvoltura com que tra-balhavam a História do Brasil. Os professores são treinados dentro de uma segmentação: os de História Geral e os de História do Brasil. Dentro desta última, há uma segun-da segmentação: Brasil Colonial e Brasil Independente. Pessoalmente, não tive dificuldade em sala de aula

com a abordagem in-tegrada, porque fui professor de cursinho durante trinta anos. O professor de cursinho não pode escolher. Começa dando Histó-ria da Grécia e acaba na Segunda Guerra Mundial ou começa pelo Brasil Colônia e termina na República. Acabei conquistando um domínio geral das temáticas, o qual me tornou capaz não só de fazer o livro, como também de ministrar os diferentes conteú-dos. Mas esta não é a experiência de todos

Mapas trazem diversidade da floresta

Pág. 3

Cartografia

Projeto usa esporte para inclusão social Times formados por crianças e ado-lescentes atendidos na Escola de Apli-cação ganham medalhas em torneios nacionais. Pág. 5

Engenharia Naval forma primeira turmaMercado de trabalho oferece ampla possibilidade de atuação e salários diferenciados aos recém-formados. Pág. 11

Pará responde à Chamada NutricionalFaculdade de Nutrição da UFPA é parceira em pesquisa que avaliou duas mil crianças em 15 municípios paraenses. Pág. 9

Futsal

Excelência Nutrição

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Entrevista

Walter Pinto

Professor aposentado da USP e titular do Instituto de Economia da Uni-camp, Jobson Arruda é autor de História Moderna e Contemporânea, livro que atingiu a incrível marca de 15 milhões de leitores. Publicado durante o Regime Militar, o livro foi na contramão das interpretações impostas pelo regime po-licialesco instaurado, optando pelo materialismo histórico. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o historiador critica os excessos imagéticos das produções gráficas; aponta a metodologia de transmissão de conhecimento que julga mais eficiente; comenta a relação nada pacífica entre professores universitários e livros didáticos e diz por que as editoras demoram a incorporar novos conhe-cimentos às obras para o ensino secundário.

José Jobson de Andrade Arruda critica os excessos gráficos das obras para o ensino secundário

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010

“Os exames são obrigados a trabalhar numa

mediana do conhecimento”

“Os livros não são ruins.

Depende de como são

utilizados”

Grupos fortalecem investigação científica Pág. 4

Pesquisa

Estudo avalia vacina antirrábicaDurante os anos de 2004

e 2005, alguns municí-pios paraenses, como

Portel, Viseu e Augusto Corrêa, sofreram com um surto de raiva provocado por ataques de mor-cegos hematófagos. Na ocasião, milhares de pessoas receberam a vacina antirrábica. Atualmen-te, a Faculdade de Medicina da UFPA está coordenando pesqui-sa, cujo objetivo é monitorar, durante cinco anos, o nível de proteção das pessoas vacinadas. Após análise dos dados, o pro-jeto deve propor formas e perí-odos de revacinação adequados, já que a superdosagem aumenta os riscos de efeitos colaterais. Pág. 10

Portel foi um dos municípios paraenses atingidos pelo surto de raiva entre os anos de 2004 e 2005

Grupos de pesquisa envolvem professores, alunos e técnicos da UFPA

Recursos ampliam estrutura

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 81 • MARçO, 2010

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“O excesso de decoração está tomando o espaço do conteúdo”

José Jobson Arruda é autor de dezenas de livros didáticos

José Jobson de Andrade Arruda faz crítica aos livros didáticos de História. Pág. 12

Professor Hilton P. Silva fala sobre as perspectivas da Formação Médica na UFPA. Pág. 2

Opinião EntrevistaCarlos Maneschy dá boas-vindas aos calouros 2010.Pág. 2

Coluna do Reitor

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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 – 11

Engenharia Naval forma primeira turmaMercado oferece salário diferenciado e ampla possibilidade de atuação

Excelência

Em nome da Universidade Federal do Pará, parabenizamos os mais de 5000 novos alunos e alunas

que passam a fazer parte desta maior e mais importante instituição de ensino e pesquisa da Amazônia e damo-lhes as boas-vindas. Reconhecendo que este momento representa a compensação pelo esforço despendido ao longo de anos de estudo, recepcionamos a todos com o sentimento de orgulho e a correspon-dente carga de responsabilidade que nos transmitem ao escolher a UFPA como o agente em quem projetam a expectativa da formação profissional como meio de realizar seus desejos de ascensão socioe-conômica e cultural.

Numa manifestação também ex-tensiva aos familiares, expressamos a cada um nossas solicitações de desculpas pelos transtornos observados no PSS-2010, anunciando que já se encontram em mar-cha as correções necessárias para garantir que os próximos processos seletivos de-corram com a pertinência esperada dos procedimentos adotados em instituições da grandeza desta Universidade. Se o PSS-2010 teve o efeito de revelar fragilidades do passado, até aqui desconhecidas, é por intermédio dessa mesma experiência que iremos fortalecer os instrumentos próprios para a realização dos nossos certames de seleção, respondendo aos mais elevados

critérios de eficiência, conforme expecta-tiva da sociedade e de acordo com o que o dever institucional nos impõe.

Sem dúvida, esses novos discentes compõem uma classe intelectual distinta e elitizada, considerando-se que menos de 10% dos jovens em idade apropriada en-contram-se matriculados em curso superior na Região Norte. Sabem bem eles que esse indicador, per si, descortina um cenário educacional dramático e excludente que, à falta de maiores oportunidades de ensi-no, não permitirá que o desenvolvimento regional se processe num ambiente de real sustentabilidade.

Ao ingressarem na UFPA, trazem sonhos e desejos que querem ver concreti-zados pela via da qualificação profissional e da formação cívica que a universidade tem como seu mister. Aqui, esperam en-contrar o ambiente que lhes prepare para acompanhar a evolução célere dos tempos, para adiantar-se às metamorfoses do con-texto social e para aprimorar a capacidade da reflexão crítica e criativa.

Como parte de uma experiência institucional que se consolida sob a for-ma de uma estrutura multicampi, com dimensão sem par no Brasil, encontrarão um modelo espraiado por 11 campi e por outras tantas dezenas de núcleos, estrate-gicamente distribuídos pelas mesorregiões do Estado, num formato conceitual que

pensa e conforma a Universidade a partir das potencialidades e vocações locais de todo o Estado. Nesse espaço de produção do saber, depositarão suas expectativas de encontrar as condições para assegurar-lhes as ferramentas com as quais enfrentarão uma realidade econômica bastante dinâ-mica e cada vez mais competitiva.

Pela porta principal de acesso à UFPA, representada pelos cursos de gra-duação, estarão imediatamente expostos a um modelo de ensino que se reestrutura para incorporar mudanças significativas, em que a reflexão sobre o exercício da cidadania tenha a relevância devida. Ao longo dos anos da preparação que irão receber pelos 144 cursos ofertados na Ins-tituição, poderão combinar boa formação técnica com a capacidade de compreender e analisar os problemas locais, de modo a intervir de forma independente e qualita-tiva em suas soluções.

Desde a entrada, os alunos de-vem ser estimulados a participar da rede institucional de formação pós-graduada, devendo atuar de forma integrada pelos nossos ambientes de pesquisa que dão corpo ao mais importante locus de gera-ção e disseminação da ciência em toda a Amazônia. Desse modo, no convívio com os docentes pesquisadores, poderão compreender de que forma os programas de pós-graduação contribuem para a pro-

dução de conhecimento e vão identificar como se estabelecem as convergências entre ensino e pesquisa.

Na linha daquilo que se constitui a essência da instituição universitária, carac-terizada na relação indissociável entre ensi-no, pesquisa e extensão, é fundamental que se lhes apresentem práticas pedagógicas e de aprendizagem que valorizem o papel da extensão como elemento de interferência no cotidiano do cidadão comum, tendo em vista que, na universidade moderna, se torna cada vez mais relevante a oferta de serviços sociais desenvolvidos pelas atividades extensionistas.

Por certo que todos ingressam na UFPA com o sentimento de que suas vidas não mais serão as mesmas. Fitam o hori-zonte com a ousadia típica dos jovens, sem temer desafios por vir, acreditando que os ensinamentos acumulados nessa primeira passagem pela Instituição irão prover-lhes a força para superar dificuldades próprias de um mundo cada vez mais desafiador.

Cientes de que as expectativas projetadas pelos que agora chegam à Universidade Federal do Pará nos colo-cam sob peso de grande responsabilidade, cabe-nos atuar no limite das nossas pos-sibilidades para não apagar a chama da utopia que vai iluminar a trajetória desses jovens em busca de um futuro de maior oportunidade a todos.

Coluna do REITOR

OPINIÃO

Aos novos alunos da UFPACarlos Maneschy

Hilton P. Silva

[email protected]

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

[email protected]

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É notória a carência de profissio-nais da saúde na Amazônia. No entanto, talvez menos evidente

seja a carência de formação profissional adequada ao perfil regional nos cursos da área da saúde. Na medicina, por exemplo, os cursos continuam a atuar nos moldes daqueles de outras regiões do Brasil, com realidades bastante diferentes da nossa. O projeto político-pedagógico atual, embora com avanços em relação ao anterior, ainda está voltado para a formação de médicos que atuam dentro de um modelo predo-minantemente hospitalocêntrico, voltado para a doença e que requer tecnologias e equipamentos sofisticados para sua prática.

Este modelo faz com que os profissionais da saúde, na verdade, sejam profissionais da doença, pois sua atuação se limita, na maioria absoluta das vezes, a tratar os males das pessoas, geralmente, pouco considerando os fatores sociocul-turais e ambientais associados à enfermi-dade. Embora esse não seja um modelo

exclusivo da Amazônia, aqui, ele é mais perverso, pois amarra o profissional aos grandes centros urbanos.

É necessário que o médico saiba utilizar o que há de mais moderno em termos de diagnósticos e tratamento, e que alguns sejam especializados em determi-nadas áreas. O que não é bom é que os cursos formem apenas agentes deste tipo, desconhecendo a realidade regional e o preconizado pela Organização Mundial de Saúde, para quem, a maioria dos agravos pode ser prevenida; e estes, diagnosticados e tratados ambulatorialmente a partir de boas práticas de propedêutica, semiologia e anamnese.

Os currículos médicos privilegiam pouco a relação médico-paciente e muito a relação médico-meio de diagnóstico, priorizando os exames (complexos, caros e dependentes geralmente de tecnologia importada) – que deveriam ser comple-mentares – e falhando em conhecer o ser humano, de quem a doença é apenas um dos elementos.

A reforma do ensino médico é uma necessidade e a UFPA, em função de uma demanda do MEC, vem trabalhando para construir um programa que atenda aos interesses da população. É o momento de aproveitar a oportunidade para avançar na formação de profissionais engajados com uma prática médica mais humana e menos técnica.

O novo, ou renovado, programa deve ter como eixo central o compromisso com o cidadão e com o SUS, deve exigir dos docentes e discentes cumprimento in-tegral de suas cargas horárias e programas de ensino, bem como condições infraes-truturais adequadas ao funcionamento das diversas atividades do curso, dentro e fora dos muros da Universidade.

Deve ter como característica a preparação de profissionais para atuar na complexa realidade amazônica, dispostos a se fixar nas áreas onde haja maior ne-cessidade - contando com o devido apoio institucional e com a compensação salarial adequada - capazes de lidar com igual

eficiência no atendimento especializado e na clínica geral, no ambulatório e na estratégia de Saúde da Família, hábeis a funcionar como líderes e membros em equipes multidisciplinares, a atuar como promotores de saúde e a respeitar a enor-me diversidade social, cultural e étnica de nossa região.

Certamente, não será matéria fácil modificar as arcaicas estruturas ins-titucionais, físicas, intelectuais, pessoais e profissionais vigentes para construir esse novo profissional. No entanto, a tarefa é necessária e urgente se quisermos superar a atual situação e contribuir para a melho-ria da saúde da população de nossa região e para a construção do tão almejado de-senvolvimento - ambiental e socialmente equilibrado.

Hilton P. Silva é professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia do IFCH, pesquisador visitante do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Perspectivas sobre a formação médica na UFPA

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Abílio Dantas/ Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG)/Andrea Mota/Glauce Monteiro(1.869-DRT/PA)/Raphael Freire/Walter Pinto(561-DRT/PA)/ Yuri Rebêlo; Fotografia: Alexandre Moraes/Mácio Ferreira/Wagner Meier; Secretaria: Carlos Junior/ Felipe Acosta; Beira On Line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

Raphael Freire

Você sabe por que o Campus da Universidade Federal do Pará, em Belém, fica locali-

zado no bairro do Guamá? Durante a escolha do terreno para construção do Campus, o então reitor José da Silveira Neto tinha duas opções: um terreno alagado, à beira do rio e outro, no município de Ananindeua, afastado do centro da cidade. O reitor decidiu pela primeira localização, desejando que, um dia, a Universi-dade tivesse um curso de Engenharia Naval e a localização próxima à Baía do Guajará facilitaria o ensi-no e aprendizado de professores e alunos.

Essa é uma das histórias do curso de Engenharia Naval, que, neste mês, forma a sua primeira tur-ma. A ideia começou quando o enge-nheiro civil Alberto Amaral, profes-sor aposentado da UFPA, criou uma especialização na área, na década de 80, ministrada pelo departamento de Engenharia Mecânica, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A intenção era formar profes-sores para o ensino da engenharia naval, foi o que aconteceu com os professores Roberto Pacha e Hito Braga de Moraes, atuais diretor e vice-diretor da Faculdade, respecti-vamente. À mesma época, um con-vênio com a UFRJ possibilitou que

sete estudantes dos cursos de Enge-nharia Civil e Engenharia Mecânica da UFPA ingressassem no curso de Engenharia Naval da universidade carioca. Cinco deles concluíram a graduação e regressaram a Belém para formar parte do quadro docente

do curso que seria criado na UFPA.Em 2004, Roberto Pacha e

Hito Braga de Moraes, com o então diretor do Centro Tecnológico, hoje ITEC, reuniram-se para formular o projeto e apresentar a proposta de criação do curso de Engenharia Na-

val. Muitos consideraram a iniciativa corajosa e arriscada, porém, a ideia foi aprovada pelo Conselho do Cen-tro e, posteriormente, encaminhada para a Pró-Reitoria de Graduação, que autorizou a implantação do novo curso na Universidade.

n Recém-formado pode ter salário de até R$ 3 milNo vestibular do ano seguinte,

20 calouros se tornavam os primeiros alunos do curso. No início, as condi-ções estruturais eram limitadas, por isso as vagas foram divididas em dois turnos para que o curso pudesse funcionar. A solução encontrada foi colocar os alunos junto com os de Engenharia Mecânica, já que as dis-ciplinas iniciais eram comuns para as duas habilitações e os laboratórios eram os mesmos.

Para que a primeira turma concluísse o curso, muito esforço foi dedicado. “Inicialmente, o curso funcionava no Departamento de

Engenharia de Transportes do curso de Engenharia Civil, porém, com a criação das faculdades, o curso ficou independente com a sua própria Fa-culdade de Engenharia Naval”, conta Hito Braga.

Mas, afinal, em que trabalha um engenheiro naval? Engana-se quem pensa que profissionais dessa área somente projetam embarca-ções. A atuação desses engenheiros vai muito além: na construção e manutenção de embarcações e seus equipamentos, na análise e desig-nação da quantidade de carga ou de passageiros a ser transportada,

na supervisão dos técnicos e ope-rários, na verificação da qualidade da matéria-prima e dos métodos de trabalho, em atividades na área por-tuária e hidroviária.

Um recém formado tem salá-rio médio de R$ 3.000,00 e também pode trabalhar em escritórios de projetos e classificadoras - empre-sas que certificam se as construções estão ou não de acordo com as nor-mas internacionais - e, também, no gerenciamento do transporte maríti-mo e fluvial, controlando o tráfego de embarcações e os serviços de comunicação.

n Próximo passo: intercâmbio internacionalO curso de Engenharia Naval

da UFPA é um dos três existentes no Brasil e sua localização se faz fundamental, já que, na Amazônia, existem, aproximadamente, 20 mil quilômetros de rios navegáveis. E esse fato é reconhecido por órgãos de apoio à pesquisa, por universida-des nacionais e internacionais que investem na graduação. Tanto que a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) destinou cerca de R$3,5 mi-lhões para o fomento de projetos de pesquisa e a construção de um prédio próprio para o curso.

O prédio será o Centro de Excelência em Estudos Hidroviá-

rios e ficará localizado num terreno próximo ao Poema, bem perto do rio, como idealizou José da Silvei-ra Neto, há mais de 50 anos. Esse Centro funcionará como um Instituto de Engenharia Naval, onde ficarão salas de aula, auditórios, laborató-rios e espaço para experimentação e desenvolvimento de projetos. "O laboratório vai aumentar a infraes-trutura do curso, disponibilizando espaço para a realização de ensaios estruturais e de estabilidade, e para todo aquele aparato de que neces-sita a Engenharia Naval. E que não temos hoje", esclarece o professor Hito Braga.

Para o futuro, além da cons-trução do Centro de Excelência e de ajustes no plano pedagógico do curso, a Faculdade pretende implan-tar uma pós-graduação atuando em parceria com o Mestrado em Enge-nharia Mecânica. Paralelamente, o primeiro passo para o intercâmbio internacional será dado em maio, com a visita de alguns professores da Universidade Técnica de Lisboa e de Southampton, da Inglaterra, que participarão de um seminário para conhecer o curso e a UFPA. O objeti-vo é implantar um programa de apoio à pesquisa e ao ensino de Engenharia Naval na Universidade.

Saiba mais o curso de engenharia

naval possui um grupo de estudos em construção naval e transporte Aquaviário na Amazônia, o qual iniciou os seus trabalhos a partir da união de pesquisadores regionais com experiência em estudos de transporte, na área de planejamento, projeto e operação.

A pesquisa motivadora da constituição do grupo é o Projeto "estudo da Formação da Demanda Rodofluvial na Região Metropolitana de Belém", realizado em parceria com a universidade da Amazônia (unama). A pesquisa conta com financiamento da Finep e do cnPq e tem previsão de duração de 36 meses, com etapas constituindo-se em subprodutos. entre eles, está o desenvolvimento de embarcação regional para transporte aquaviário urbano.

o grupo pretende constituir uma l inha de pesqu i sa em transporte aquaviário urbano em cidades amazônicas, cujo objetivo é estabelecer estudos para o desenvolvimento do sistema de transporte hidroviário na região para que esse tipo de transporte possa exercer o seu papel de indutor de desenvolvimento de maneira compatível com a preservação do meio ambiente.

Parceria com agência de fomento possibilitou melhoria na infraestrutura do curso

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10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 – 3

Além das coordenadas geográficasCartografia Social revela diversidade sociocultural dos povos da floresta

Território

Estudo avalia eficácia de vacina Após surto de raiva, municípios paraenses estão sendo monitorados

Morcegos

Os artigos, livros e disserta-ções socializam o debate teórico pro-duzido pelo Projeto. A valorização e a preservação do saber tradicional e da biodiversidade ou a regularização fundiária de terras tradicionalmente ocupadas são objetos das pesquisas desenvolvidas.

Além desse desdobramento acadêmico, a Cartografia Social gera uma mudança de percepção que resulta em atitudes concretas. O fascículo Povos do Aproaga - São Domingos do Capim, por exemplo, foi entregue por integrantes da As-sociação Quilombolas Unidos do Rio Capim à Câmara Municipal e à Prefeitura de São Domingos do Capim, com a presença de vários quilombolas da região. Eles utiliza-ram os resultados do Projeto Nova Cartografia Social para reivindicar ao poder público a demarcação de suas terras.

Rosa Acevedo explica que são os próprios movimentos que solici-tam o trabalho do PNCSA. Cerca de 1.800 agentes sociais já participaram das oficinas do Projeto em todo o Brasil, comprovando que a iniciati-va é bem sucedida. A pesquisadora afirma que os resultados obtidos en-corajam outros grupos a lutarem por seu reconhecimento. Dessa forma, a Cartografia Social vai se legitiman-do como um meio encontrado por comunidades para fortalecer, ainda mais, as suas lutas.

Ana Carolina Pimenta

Seu Vergino dos Santos não teve oportunidade de frequentar a escola, mas a vida ensinou

bastante para esse quilombola que viveu até os 98 anos na comunidade de Nova Ipixuna, localizada no mu-nicípio de São Domingos do Capim, nordeste paraense. Chamado, respei-tosamente, de “O Velho” por seus conterrâneos, era reconhecido como o depositário da memória daquele lugar, conhecia seus direitos e denunciava irregularidades territoriais e ambien-tais, indo de encontro a empresários

e fazendeiros. “O Velho” foi uma das centenas de colaboradores do Projeto "Nova Cartografia Social da Amazô-nia" (PNCSA).

A partir de técnicas de ma-peamento social, o trabalho busca dar voz e visibilidade às diversas categorias sociais, como quilombolas, ribeirinhos, indígenas, carvoeiros, pescadores artesanais e seringueiros, potencializando a expressão de suas territorialidades específicas e sua consciência cultural.

Criado em 2005 e coordena-do nacionalmente pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida,

professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o Projeto Nova Cartografia é desenvolvido em todo o Brasil e dele participam, também, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, em sua maioria, de universidades públicas, entre elas, a Universidade Federal do Pará (UFPA). De acordo com o coordenador, uma das características do PNCSA é seu caráter interdiscipli-nar, envolvendo pesquisadores das di-versas áreas do conhecimento, como geógrafos, historiadores, biólogos, antropólogos e sociólogos.

O Projeto tem como objetivo

mapear mobilizações sociais, descre-vendo-as e georreferenciando-as com base no que é considerado relevante pelas próprias comunidades estu-dadas. "Queremos uma Cartografia Social. Contar como surgiram essas comunidades, esse povo. Colocar no mapa localidades, rios, lagos, cemité-rios e até mesmo casas que surgiram após conflitos de terra”, afirma Al-fredo Wagner. O desejo de D.Maria da Conceição Sarmento, quilombola marajoara, e de outros tantos, está materializado em mapas, croquis e nos mais de cem fascículos gerados ao longo de quatro anos de Projeto.

Mapeamento participativo: GPS e depoimentos de membros da comunidade são utilizados para elaborar mapas e croquis

n Localidades são nomeadas pela comunidade Os fascículos são resultado

de oficinas de mapeamento partici-pativo, nas quais as fronteiras entre os sujeitos e os objetos de pesquisa se desfazem. Pesquisadores apoiam o processo em que agentes sociais embasados, principalmente, em conhecimentos cartográficos ele-mentares e em seus próprios de-poimentos delimitam perímetros e registram histórias de trabalho, de festas, de afetividades e de lutas.

As coordenadas geográ-ficas são marcadas pela própria

comunidade por meio de GPS, as localidades são nomeadas e nar-radas em detalhes nas legendas. Alfredo Wagner esclarece que, pelo mapeamento participativo, a Cartografia Social e a Cartografia Convencional são ciências comple-mentares, que não se colidem. “No mapeamento participativo, há uma inter-relação entre as ferramentas tecnológicas e os conhecimentos tradicionais”, explica. O resultado é uma autodemarcação suficiente-mente precisa.

Assim, cada espaço é objeto de nomeação: todos os igarapés e todas as grotas – independente do tamanho ou da condição – recebem uma identificação, um nome. Le-gendas, como "área com proibição dos quilombolas terem acesso aos recursos hídricos", "parteira", "cerca para tapar igarapé", "área de ritos nas águas (rios, igarapés e praias usadas em cultos)", sina-lizam claramente a diferença entre a Cartografia Convencional e a Social.

n Fascículos materializam conquistas do Projeto Ribeirinhos das Ilhas de

Belém; Mulheres quebradeiras na defesa do Babaçu contra as Carvoarias; Crianças e Adoles-centes Quilombolas e Ribeirinhos de Abaetetuba; Carvoeiros de Rondon do Pará; Homossexuais na cidade de Belém; Quilombo-las da Ilha do Marajó. Esses são alguns dos fascículos que o Pro-jeto já lançou. A professora Rosa Acevedo Marin, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea/UFPA), destaca que os fascículos produzidos não são um fim, mas um meio para que povos tradicio-nais oprimidos e outros excluídos sejam reconhecidos e possam lutar por seus direitos.

A pesquisadora, que está à frente do PNCSA desde o mo-mento de sua idealização, aponta

várias situações em que o Proje-to desdobrou-se em conquistas sociais. Titulação de terras para quilombolas, oficialização de lín-guas indígenas, proibição de pes-ca esportiva e comercial em rios ameaçados, embargos de obras irregulares são algumas delas.

Para Rosa Acevedo, a Car-tografia Social difere-se da Car-tografia Geográfica por revelar aspectos que transcendem aos da-dos técnicos e por revelar aquilo que os grandes grupos econômi-cos preferiam que permanecesse obscuro.

A pesquisadora justifica que a autodemarcação promovida pelo mapeamento social expõe situa-ções não reveladas nos discursos e mapas oficiais fazendo com que os fascículos sejam instrumentos

de luta e denúncia. Um exemplo foi o trabalho realizado durante as oficinas nas ilhas ao sul de Belém, onde comunitários deci-diram debater a contaminação da Baía do Guajará e os malefícios causados à saúde de crianças e adultos que consomem, diaria-mente, essa água.

"O fascículo é uma espécie de certidão de nascimento desses povos, por ser o primeiro docu-mento sobre eles e a expressão do território e da identidade social elaborada por eles e para eles”, diz a geógrafa Maria Betanha Barbosa, coeditora do fascículo intitulado Povos do Aproaga - São Domingos do Capim e autora da dissertação sobre quilombolas do Vale do Rio Capim, orientada pela professora Rosa Acevedo.

n Vida e luta dos quilombolas

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Morcegos hematófagos consomem de 15 a 20 gramas de sangue por noite. Telas em janelas e telhados podem evitar a entrada do animal

O estudante Alvino Maestri Neto e a professora Rita Medeiros

Abílio Dantas

Imagine a cena. Uma casa peque-na e simples no interior do Estado do Pará. Noite de imensa escuri-

dão, apenas a lua traz um cantinho de luz. De repente, algo que parece uma ave negra invade a casa por uma fresta na parede de madeira e morde a criança que dormia na rede. Todos se espantam, mas logo volta tudo ao normal. Não há nada demais, afinal, é só mais uma mordida de morcego.

Infelizmente, a cena acima

não faz parte de nenhum filme ou livro. Mas integra, efetivamente, a realidade dos habitantes de alguns municípios paraenses, como Augusto Corrêa, onde o Projeto de Pesquisa "Persistência de Anticorpos Neutra-lizantes contra o Vírus Rábico após Vacinação Pré e Pós-Exposição e Doses de Reforço em População de Área Rural Exposta à Agressão por Morcegos Hematófagos no Brasil" desenvolve suas atividades.

Apesar do nome extenso e complexo, o Projeto possui um pro-

pósito muito claro: descobrir durante quanto tempo, após a vacinação, uma população continua protegida contra o vírus da raiva, incluindo, aqui, tanto os que foram agredidos por morcegos, quanto os que não foram. Segundo a professora da Faculdade de Medicina da Universi-dade Federal do Pará e coordenadora do Projeto, Rita Catarina Medeiros Souza, a ideia nasceu após um surto da doença provocada por morcegos hematófagos nos anos de 2004 e 2005, em cidades como Portel, Viseu

e Augusto Corrêa. Na ocasião, 36 pessoas faleceram e outras milhares receberam a vacina.

O Projeto surge, portanto, para monitorar, durante cinco anos, o nível de proteção das pessoas vacinadas. E, após a análise dos dados coletados, propor formas e períodos de revacinação adequados, já que a revacinação constante não é recomendada por aumentar os ris-cos de efeitos colaterais. Em 2009, resultados parciais da pesquisa foram divulgados.

n Crianças são mais atingidas

O jovem Alvino Maestri Neto, estudante de Medicina da UFPA e estagiário do Projeto, é autor de um Trabalho de Iniciação Científica, apre-sentado no XX Seminário de Iniciação Científica da UFPA, no qual dados dos dois primeiros anos da pesquisa são divulgados. Esses dados revelam que 80% da população vacinada continua protegida após quatro anos e que as crianças representam 50% das pesso-as vacinadas em Augusto Corrêa. A pesquisa será desenvolvida por mais três anos.

Segundo a professora Rita Me-deiros, a raiva é uma das mais graves doenças infecciosas existentes, pois é considerada 100% fatal. Existem pouquíssimos casos de sobreviventes na literatura especializada, incluindo um caso recente no Brasil. Por isso, as medidas preventivas contra a enfermi-dade, também chamadas de profilaxia, são de extrema importância.

Atualmente, o Programa Nacio-nal de Imunização, do governo federal, possui verbas anuais para a aplicação

da vacina em todas as regiões do País. No entanto, existem questões culturais e socioeconômicas que também expli-cam a ocorrência da doença transmitida pelos morcegos hematófagos no Pará.

A professora diz que a popu-lação local é agredida por morcegos hematófagos há décadas, mas o fato de nem sempre esses animais possuírem o vírus fez com que essas agressões se tornassem algo normal, tornando a procura médica ainda mais rara do que deveria ser.

Existe, também, a possibilida-de de que algumas pessoas da nossa região adquiram certa resistência à raiva. De acordo com Alvino Neto, indivíduos que recebem pequenas amostras de vírus em acidentes com animais infectados, podem, ao longo do tempo, desenvolver níveis aceitáveis de soroproteção. São casos excepcionais, mas podem ocorrer. Essa é uma das possíveis explicações para que, durante tanto tempo, as mordidas não tenham sido vistas com preocupação entre as população.

n Socorro deve ser imediatoSegundo a coordenadora do

Projeto, para evitar a mordida, é necessário melhorar as condições de vida da população. "O que pode evitar a mordida é colocar luz elétrica nas casas, telas nas janelas e telhados, não deixar nenhum espaço por onde o morcego possa entrar", diz a pro-fessora Rita Medeiros. Em alguns municípios mais atingidos pelo surto, como Augusto Corrêa, essas reco-mendações foram seguidas e novas casas, com telas e energia elétrica, foram construídas.

Outro fator importante para prevenir a contaminação é a procura imediata por um posto de saúde após a mordida. Mas nem sempre isso é possível. Imagine um pescador que está no meio do rio garantindo o sus-tento de sua família e que, no meio da noite, é mordido por um morcego hematófago. O que fazer? Voltar rapidamente para o município mais próximo ou continuar sua pescaria até o fim? Infelizmente, muitos são obrigados (ou preferem) a arriscar escolhem a segunda opção.

As localidades acompanhadas pela pesquisa são Cachoeira, Campo

Grande, Nova Olinda, Porto do Cam-po e Augusto Corrêa. Atualmente, 450 pessoas estão sendo consultadas e monitoradas. No caso de um novo surto, os médicos atuarão com mais segurança por saberem o percentual da população que está efetivamente protegido. "A importância desse Projeto é enorme quando pensamos no retorno social trazido por ele", res-salta Rita Medeiros. Novas políticas públicas deverão ser pensadas após o término da pesquisa.

Outro aspecto importante é o desenvolvimento científico que ele proporcionará. Fruto de uma parceria da UFPA com o Instituto Pasteur, de Paris, e a Secretaria de Estado e Saúde Pública do Pará (Sespa), novas práti-cas laboratoriais serão desenvolvidas para dosagem de anticorpos e técnicas serão aperfeiçoadas no campo da pes-quisa epidemiológica. Além, é claro, da formação de novos cientistas que têm como primeiro objeto de estudo um problema tão ligado à realidade do Pará. O estudante Alvino Neto anuncia: seu Trabalho de Conclusão de Curso continuará tendo o Projeto de Pesquisa como tema e alicerce.

Que morcego é esse?os morcegos hematófagos,

que consomem em média de 15 a 20 gramas de sangue por noite, são também conhecidos como morcegos-vampiros. eles se alimentam, exclusivamente, do sangue de vertebrados e são encontrados na América do sul.

É importante lembrar que os animais que transmitem a raiva

são tão vítimas do vírus quanto as pessoas mordidas e devem ser tratados por profissionais habil i tados. A destruição, a captura e a perseguição das espécies brasileiras de morcegos são proibidas por lei. o mais apropriado a fazer é evitar sua entrada nos domicílios e informar as autoridades responsáveis.

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4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010

Grupos fortalecem investigação científicaPesquisa

UFPA mantém 238 grupos envolvendo professores, alunos e técnicos

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 – 9

Pará responde à Chamada Nutricional Mais de duas mil crianças menores de cinco anos foram avaliadas

Nutrição

Glauce Monteiro

A UFPA é a maior universidade do Norte do Brasil em número de grupos de pesquisa e ocupa a 28ª

colocação nesse ranking nacional. Os dados são do quinto censo do Diretório de Grupos de Pesquisa realizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com base em informações referentes ao ano de 2008. Participaram do levantamento 422 instituições, registrando 22.797 grupos de pesquisa compostos por mais de 104 mil pesquisadores, sendo 66.785 deles doutores.

Os dados revelam que a UFPA possuía 228 Grupos de Pesquisa ca-dastrados no CNPq em 2008, o que corresponde a 60,15% do total de grupos do Estado do Pará e 21,30% do total de grupos registrados em toda a Região Norte. A Universidade conta, ainda, com 1.219 pesquisadores, o equivalente

a 52,53% do total de profissionais que trabalham com pesquisa em solo para-ense e 19,92%, das pessoas que fazem pesquisa no norte do País, sendo que 59,1% deles são doutores.

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA (Propesp) disponibiliza mensalmente, em seu site, a relação de grupos e pesquisadores que atuam na Universidade. Além dos 228 certificados em 2008, a UFPA criou 10 novos grupos em 2009, 49 estão em fase de criação e outros 55 precisam atualizar suas informações para faze-rem parte do cadastro. Atualmente, 1.355 pesquisadores, 1.671 estudantes de graduação e pós-graduação e 151 técnico-administrativos da UFPA estão engajados em grupos de investigação científica na Instituição, em uma das suas 883 linhas de pesquisa.

"Os grupos de pesquisa repre-sentam a expansão da investigação científica e o amadurecimento da ro-

tina acadêmica de uma universidade. Nossa prioridade, agora, é apoiar esses grupos para que eles se consolidem, conquistem cada vez mais inserção e representatividade em suas áreas de atu-ação e sejam autônomos na captação de recursos com as agências e fomento à pesquisa", revela Emmanuel Tourinho, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA.

Para o pró-reitor, a diversificação de Grupos de Pesquisa tem estreita rela-ção com o fortalecimento da pós-gradu-ação na Universidade e com a ampliação do número de doutores que atuam na Instituição. "Quanto maior o número de doutores e de pós-doutores, quanto mais servidores e alunos temos envolvidos com a pós-graduação, maior o número de pessoas que estão se dedicando a investigação científica na Universida-de. Os grupos de pesquisa passam a se multiplicar e a diversificar, como elos que unem estes pesquisadores”.

n Diretório de Grupo de Pesquisa é vitrine Para criar um grupo de pesqui-

sa, o primeiro passo é entrar em conta-to com a Coordenadoria de Informáti-ca da Propesp, órgão responsável por cadastrar o líder do grupo no CNPq. O líder, então, receberá instruções de como ter acesso ao Diretório de Grupos de Pesquisa com sua senha do Currículo Lattes.

Cabe aos líderes cadastrar no Diretório os demais integrantes do grupo, bem como informar o perfil, o objetivo e as linhas de atuação em que pretendem atuar. Assim que todos os

dados forem preenchidos, automati-camente a Propesp dará a certificação pela UFPA da existência do grupo, atestando sua filiação à Universidade. O perfil, então, ficará disponível no Diretório.

"O Diretório dos Grupos de Pesquisa é uma vitrine do que está sendo pesquisado na Universidade. É, hoje, a principal ferramenta de divulgação sobre as investigações científicas dos grupos de pesquisa. A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação define o mestrado como

titulação mínima para a função de líder de grupo. Cada grupo pode ter como integrantes docentes, técnico--administrativos e estudantes de graduação ou de pós-graduação. Se um grupo está ativo, realiza pesqui-sa, tem publicações, orientações e projetos de extensão, mas não fizer parte desse cadastro, é como se esti-vesse invisível para o CNPq e para a UFPA”, explica Márcia Duailibe Forte, coordenadora de Informática da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA.

n Atualização cadastral

"Quanto maior é o número de grupos de pesquisa registrados, melhor é a avaliação da Universidade pelo CNPq. Por outro lado, pertencer a um grupo de pesquisa também traz benefí-cios para os pesquisadores", avalia An-tonio Carlos Rosário Vallinoto, diretor de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA. Ele revela que muitos editais de agências de fo-mento à investigação científica já pos-suem, como condição para a proposição de projetos, o pertencimento a grupos de pesquisa certificados e a atualização do currículo na Plataforma Lattes.

Os programas institucionais de apoio à pesquisa e à pós-graduação da UFPA também levam em conta o pertencimento a grupos de pesquisa. É o caso do Programa de Auxílio ao Recém-Doutor (Pard) e do Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Cien-tífica (Pibic), da UFPA.

Manter os cadastros de grupos atualizados também é importante. "Quando um grupo passa mais de um ano sem acrescentar novas informações no Diretório, automaticamente, ele pas-sa para a condição de 'não-atualizado'. O que quer dizer que nem a UFPA, nem o CNPq podem assegurar que aquele grupo está em atividade e que aqueles pesquisadores estão de fato produzindo conhecimento naquela área, ou seja, o grupo e seus integrantes perderam a certificação do trabalho que vem sendo realizado”, resume Marcia Duailibe Forte.

De acordo com Antonio Carlos Vallinoto, o número de grupos valida-dos no banco de dados é um reflexo do crescimento da pesquisa e da produção de conhecimento na UFPA. “Chegar à liderança regional e à 28ª colocação nacional, com 228 grupos, atesta o crescimento da pesquisa na UFPA e o seu papel fundamental para a Amazônia e para o Brasil”, avalia.

Serviço: Mais informações sobre os Grupos de Pesquisa da UFPA: www.propesp.ufpa.br

Grupos de Pesquisan ciências Humanas: 78 grupos; n engenharias: 34 grupos; n ciências exatas e da terra: 29 grupos; n ciências da saúde: 28 grupos; n linguística, letras e Artes: 23 grupos; n ciências Biológicas: 22 grupos registrados; n ciências sociais Aplicadas: 16 grupos n ciências Agrárias: 8 grupos.

Atualmente, a UFPA é a maior universidade do Norte em número de grupos de pesquisa

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O Inquérito Nutricional iden-tificou o abandono precoce do alei-tamento materno, sugerido como exclusivo nos primeiros seis meses de vida. Mais de 50% das famílias fazem uso de mel, papas salgadas e sucos antes dos seis meses. Para os pesquisadores, a introdução desse tipo de alimento é um dos responsá-veis pelo abandono do aleitamento materno exclusivo. Além disso, “o

mel é contraindicado no primeiro ano de vida pelo risco de contaminação com Clostridium botulinum, bactéria encontrada em águas e alimentos, a qual pode causar toxi-infecção ali-mentar”, ressalta o relatório.

Entre as famílias pesquisadas, mais de 50% oferecem alimentos ricos em açúcar, como biscoitos recheados, para crianças maiores de dois anos. Segundo os pesqui-

sadores, a utilização desse tipo de alimento pode contribuir para do-enças crônicas e outros problemas de saúde.

Diante dos resultados, o re-latório reforça a importância de investimentos em políticas públicas voltadas para crianças menores de cinco anos de idade. Entre as re-comendações estão: a melhoria da educação da população, a correção

de hábitos alimentares e o incentivo ao aleitamento materno.

Os pesquisadores também chamam atenção para a reestrutu-ração dos cuidados ofertados na atenção básica e para a avaliação dos programas já existentes. De acordo com o relatório, a intenção é que o estudo sirva para conscientizar os governantes das carências da po-pulação.

Andréa Mota

A cada pequeno par de pés que sobe em uma balança, inúme-ros indicadores sociais sur-

gem revelando a realidade do País. Renda, saneamento básico, acesso à saúde, alimentação adequada e até nível de escolaridade aparecem quando se avalia o estado nutricional das crianças de uma região. Pensan-do nisso, a Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, as secre-tarias de Estado e as universidades distribuídas pelo Brasil criaram o Inquérito Nutricional de crianças brasileiras menores de cinco anos.

Também conhecida como Chamada Nutricional, a iniciativa conjunta propunha verificar a situ-ação nutricional em amostras repre-sentativas da população infantil bra-sileira. O objetivo era alimentar as informações do Sistema de Vigilân-cia Alimentar e Nutricional (Sisvan) e subsidiar ações de saúde pública à população das regiões analisadas. Em 2007, a Chamada Nutricional aconteceu na Região Norte, durante as duas fases da Campanha Nacional de Vacinação, ocorridas em junho e agosto. Em 2009, os resultados foram apresentados.

No Pará, mais de duas mil crianças menores de cinco anos, distribuídas em 15 municípios, fo-ram avaliadas. Municípios de toda a Região Norte foram convidados a participar do inquérito, sendo Acre, Amazonas, Amapá e Pará na

primeira fase e Rondônia, Roraima e Tocantins na segunda. Entretanto, para a análise dos dados, foram utilizadas as informações de uma amostra de localidades escolhidas por sorteio aleatório. Os municípios paraenses foram Anajás, Curralinho, Juruti, Novo Repartimento, Nova Ipixuna, Bragança, Água Azul do

Norte, Baião, São Miguel do Guamá, Rondon do Pará, São Félix do Xin-gu, Marituba, Castanhal, Santarém e Belém.

De acordo com o relatório inti-tulado “Determinantes para Políticas Públicas de Saúde e Nutrição para a População Paraense”, elaborado pelos organizadores da pesquisa

– Secretaria de Saúde Pública do Estado do Pará, Centro Colabora-dor de Alimentação e Nutrição da Região Norte (Cecan) e Faculdade de Nutrição da Universidade Fe-deral do Pará – são pouquíssimos os inquéritos probabilísticos sobre o estado nutricional da população infantil do Estado.

n Baixo peso ao nascer é indicador global de saúdeAltura e peso na balança,

questionário na mão. Enquanto os pequenos passaram pela avaliação antropométrica, seus responsáveis preencheram um questionário com informações sobre saúde, medidas, hábitos alimentares das crianças, situação socioeconômica da famí-lia e participação em programas sociais.

Segundo as características sociodemográficas, as crianças investigadas apresentaram como principal responsável o pai, se-guido da mãe e de avós. A maioria desses responsáveis tem entre 20 e 39 anos e mais de 60% apre-sentam entre cinco e 11 anos de estudo. Outro aspecto verificado

foi o acesso aos programas so-ciais, entre eles: Programa Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e Be-nefício de Prestação Continuada (BPC). Nos resultados obtidos, ficou demonstrado que a maioria das famílias não está vinculada a programas sociais. Apenas o Bol-sa Família esteve presente entre as 67% das famílias indagadas. Entretanto, mais de 10% da popu-lação pobre da região não recebe a complementação de renda dada pelo Programa.

Durante a pesquisa, as fa-mílias foram consultadas sobre a utilização da Caderneta de Saúde da Criança, ferramenta criada

pelo Ministério da Saúde para acompanhar o desenvolvimento de crianças menores de dez anos. Mais de 67% das famílias preen-cheram a Caderneta, no mínimo, duas vezes num período de seis meses. Outro dado importante diz respeito ao preenchimento da Ca-derneta no momento do nascimento da criança. No relatório, notou-se a importância deste indicador para se averiguar a realidade da saúde na localidade. “Esse tipo de in-formação torna-se extremamente necessário, uma vez que o baixo peso, ao nascer, é considerado o principal problema de saúde públi-ca e um indicador global de saúde que traduz a eficácia do sistema

de saúde local”, ressaltam os or-ganizadores.

Quanto à alimentação, cons-tatou-se a presença de déficits nutricionais quando averiguados dados como peso e altura. Em mais de 25% das crianças, foram detec-tadas carências alimentares, valor elevado se comparado aos resulta-dos da Pesquisa Nacional de De-mografia e Saúde, em 1996 e 2006, para a Região Norte do Brasil. No que se refere ao perfil alimentar, em mais de 40% da amostra, o aleitamento materno aparece como alimentação exclusiva até os cinco meses de vida. O índice cai para 16,8% entre crianças de seis meses a dois anos de idade.

n Inquérito identifica abandono precoce do aleitamento

Peso e altura: em mais de 25% das crianças, foram detectadas carências alimentares

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8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 – 5

Pesquisa ajuda a diversificar produção Escola de Aplicação tem time campeão Projeto utiliza futsal para promover a inclusão social

Extensão

Comunidade recebe apoio da Faculdade de Engenharia de Alimentos

EM DIAAniversárioPara comemorar o seu primeiro ani-versário, a Rádio Web UFPA lançou um banco de programas on line. Os ouvintes poderão acessar mais de 150 arquivos com programas já veicula-dos. O sistema, desenvolvido pelo Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação da UFPA (CTIC), faz pesquisa por palavra-chave, nome de programas e datas de exibição e reprises. Para conferir, acesse www.radio.ufpa.br e clique no link “Ouça de novo”.

ExcelênciaA Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior liberou R$ 31 milhões para instituições participantes do Programa de Exce-lência Acadêmica (Proex). Entre os contemplados, está o Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geo-química, do Instituto de Geociências da UFPA, que recebeu R$ 141,6 mil. O PPGG é o único da Região Norte com nota 6.

PeriódicosOs usuários do Portal de Periódicos da Capes, das áreas de Ciências So-ciais, Ciências Humanas e Artes e Humanidades, já podem acessar as revistas científicas que integram a coleção do Project Muse, associação sem fins lucrativos entre editores e bibliotecas. São mais de 400 tí-tulos que podem ser utilizados em atividades de ensino e pesquisa por alunos e professores de graduação e de pós-graduação.

RestauranteA cozinha central do Restaurante Universitário da UFPA está inter-ditada para reforma. A intenção é adequá-la às diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e aumentar o número de refeições. A reabertura do Restauran-te está prevista para o mês de abril. Além dos reparos e modificações nas dependências internas, o RU recebe-rá novos equipamentos industriais.

EspecializaçãoEstão abertas, até o dia 10 de março, as inscrições para o curso de Espe-cialização em Segurança Alimen-tar e Nutricional da Faculdade de Nutrição da UFPA. O público alvo são profissionais graduados, com interesse em saúde pública. O curso oferece 21 vagas e terá duração de 13 meses.

Para lidar com as crianças, os professores devem ter uma for-mação adequada e continuada. Por isso, todos participam de seminá-rios, palestras, oficinas e cursos. Além disso, os próprios alunos podem interferir no planejamento do Projeto de uma forma democrá-tica. Paulo Sérgio Moreira explica que o planejamento se dá de forma aberta e “os participantes podem se manifestar e planejar junto com os aplicadores das atividades.”

De acordo com o coorde-nador do Projeto, é importante que os próprios alunos exerçam a sua cidadania de forma correta e democrática, praticando o direito de fala e respeitando as opiniões alheias. Esse tipo de metodologia ajuda a formar um jovem cidadão que sabe lidar com a diferença e sabe respeitá-la.

Além disso, o próprio ensino é feito de acordo com a necessidade

dos alunos. Quando o professor diagnostica que algo não foi bem absorvido, ele tem liberdade para esclarecer ao máximo, de forma que o desenvolvimento seja o melhor possível. “As situações de ensino são preparadas sequen-cialmente pelos professores, para que o seu encadeamento dependa do processo de desenvolvimento”, explica Paulo Sérgio Moreira.

Desde 2002, os resultados no campo esportivo são nítidos. Os times formados pelo Projeto já ganharam vários torneios locais, assim como posições de destaques em torneios nacionais, como o vice-campeonato da Copa JK de Futsal, em Brasília; o campeonato sub 12 no 18º Brasileirinho de Futsal, em Cascavel e os vice-campeonatos no sub 15 e no sub 17, no mesmo Brasileirinho. Isso reflete o quanto essa abordagem diferente no ensino do esporte é positiva para alunos.

Hoje, os planos são de apli-car essa metodologia democrática em outras modalidades esportivas, como no vôlei e no basquete. Além disso, pelo segundo ano consecuti-vo, o Projeto participou do Progra-ma de Apoio a Projetos de Inter-venções Metodológicas (Papim), cujo objetivo de incentivar e apoiar o desenvolvimento de atividades e experimentos que acrescentem métodos e técnicas inovadoras e eficazes no processo de ensino e aprendizagem na educação básica, profissional e superior.

Devido a esses bons resulta-dos, o Projeto deve servir como ob-jeto de estudo na área da Educação Física. “Acreditamos que utilizar novas metodologias na aplicação dos fundamentos básicos do futsal serve como fonte de pesquisa na elaboração de TCCs e outras publi-cações na área da Educação Física”, afirma Paulo Sérgio Moreira.

Yuri Rebêlo

Na antiguidade, os gregos prezavam a beleza e o cul-to ao corpo de uma forma

diferente de tudo o que já foi visto. Não é à toa que muitas de suas es-tátuas e pinturas são formas nuas. Essa valorização da forma levou-os, cada vez mais, à prática de esportes em busca da forma física perfeita, da melhor habilidade e destreza. Daí, surgiram os jogos olímpicos. Hoje, o esporte tem sido utilizado com uma finalidade diferente: a inclusão social. É o caso do Projeto “Futsal: o esporte contribuindo para a formação do cidadão.”

O Projeto vem sendo desen-volvido, desde 2002, na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará e atende crianças e jovens de dentro e de fora dos muros da Escola. “O objetivo é oportunizar

à comunidade uma orientação esportiva educacional no ensino específico do futsal, pela aplica-ção de uma metodologia de ensino aberta”, afirma o professor Paulo Sérgio Coelho Moreira, coordena-dor do Projeto.

Atualmente, 145 crianças e jovens são beneficiados pelo Pro-jeto, divididos em quatro grupos de faixas etárias diferentes. Eles aprendem não só os princípios técnicos do futsal, mas também os aspectos táticos e físicos, indispen-sáveis para o aprendizado correto do esporte. Além disso, os alunos têm liberdade para se manifestar e compartilhar o seu próprio conhe-cimento com o grupo. “As aulas práticas e teóricas são desenvolvi-das de forma cooperativa e espon-tânea, nelas, todos os participantes podem manifestar sua criatividade e conhecimento para o sucesso do

grupo e a melhoria do ensino”, ex-plica Paulo Sérgio Moreira.

Os professores fazem de suas aulas um momento de desen-volvimento de potencialidades, em que alguns elementos, como o respeito mútuo, a cooperação, o exercício crítico da cidadania e os princípios democráticos, são partes integrantes da metodologia. É essa dimensão educacional que deve ser mais valorizada pelas escolas, onde o esporte deve adquirir caracterís-ticas lúdicas.

O coordenador destaca esse caráter de partilha e de troca que o Projeto assume. Segundo Paulo Sérgio Moreira, o maior trabalho dos professores é orientar os alunos a expressarem suas próprias ideias. “A principal tarefa do professor é, em eventuais problemas, apresen-tar diferentes soluções. Provocar a reflexão, o debate.”

n Alunos também participam do planejamento

Participantes aprendem princípios técnicos, táticos e físicos necessários para o bom desempenho no esporte

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As pesquisas que auxiliarão a comunidade de Patauteua a diver-sificar a sua produção já estão em andamento. É o caso da Dissertação de Mestrado em Engenharia de Alimentos, de Hugo de Souza, que estuda a mandiocaba. Esta varieda-de da mandioca é cultivada pelos povos indígenas para produzir a manicuera, tipo de bebida fermen-tada, ainda pouco conhecida no Pará. A principal particularidade da manicuera é a presença de açúcar que pode dar origem a xaropes açu-carados semelhantes ao mel Karo.

A fécula, amido das raízes, também é importante em diversos setores produtivos, como nas in-dústrias petroquímica e de embala-gens, e está presente em produtos como a maionese light, devido a sua capacidade de substituição de gorduras. A produção de macarrão e a substituição em produtos de panificação também são possí-veis com a utilização da fécula de mandioca. Esses são mais alguns exemplos de como a planta, nas-cida do corpo de Mani, ainda pode trazer benefícios para a população da Amazônia.

Abílio Dantas

Eis a lenda: tudo começou com a gravidez de uma jovem índia da nação tuxaua. Em circuns-

tâncias normais, tal acontecimento seria motivo para danças, rituais e cânticos tradicionais. No entanto, a moça ainda era virgem. O pai, sentindo-se humilhado, pensou em matar a filha, a fim de puni-la pela desonra e traição. Mas mudou de ideia após sonhar que a menina real-mente ainda era virgem ao engravi-dar. Passaram-se os meses, a criança nasceu e chamou-se Mani. Era linda e branca, diferente de todos na tribo. E com apenas um ano, faleceu. O mistério presente em seu nascimento também encobriu sua morte, pois, no local onde seu corpo foi enterrado, nasceu uma planta branca por dentro e saborosa, a qual foi denominada mandioca, que significa “o corpo de Mani”.

Produto agrícola de extrema importância econômica, social e cul-tural do povo amazônida, a mandioca é conhecida por seus derivados, como as farinhas seca, d’água, de tapioca, o tucupi e a maniçoba. Po-rém, o que ainda é pouco divulgado e conhecido é o potencial econômico e social que a produção da mandioca possui. Potencial este que só será usufruído pela população da Ama-zônia quando for, de fato, encarado como uma prioridade.

Com o objetivo de enfrentar a realidade e auxiliar em sua trans-formação, foi elaborado o Projeto de Pesquisa “Apoio tecnológico

para diversificação da produção de alimentos derivados da mandioca na comunidade de Patauteua”. Segundo a coordenadora do Projeto, a pro-fessora da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da UFPA, Alessandra Santos Lopes, a produção da mandio-ca no Estado constitui parte significa-tiva da renda de pequenos e médios produtores rurais, no entanto, o valor dessa produção pode ser elevado,

gerando a profissionalização das ati-vidades no campo. “Nós acreditamos que é importante levar a informação técnica necessária às melhorias no processo tecnológico envolvido na produção de derivados da mandioca. Isso pode proporcionar aumento de renda para esses produtores, devido à expansão da produção e à comer-cialização de seus produtos. Dentro deste panorama, o desenvolvimento

social está diretamente atrelado”, explica a professora.

De acordo com a pesquisado-ra, apesar de produzir 4,3 milhões de toneladas de mandioca por ano, a maior produção do Brasil, o Estado do Pará não gera o desenvolvimento econômico necessário para promover melhorias sociais. Por isso, o Projeto escolheu trabalhar com uma pequena associação de produtores rurais.

n Patauteua é a primeira a ser beneficiadaAlém da praça central e da

igreja, existe outro elemento típico das cidades do interior do Pará: a casa de farinha. A presença de uma casa de farinha nos municípios é a prova da importância cultural da mandioca no Estado.

A Associação dos Produtores Rurais da Comunidade de Patauateua (APRCP), beneficiada pelo Projeto de pesquisa, já trabalhava na perspectiva de melhorar as condições de sua pro-dução. Segundo Alessandra Santos Lopes, independente do Projeto, a comunidade vinha tomando cuidados importantes, como a construção de uma casa de alvenaria e o envolvi-mento das esposas dos produtores rurais na formulação e na comercia-lização de diversos alimentos deriva-dos da mandioca.

Mesmo tendo como ponto de partida os saberes técnicos e acadê-micos, o conhecimento da própria comunidade sobre a mandioca, pas-sado de geração em geração, não será subestimado pelas ações do Projeto. “É claro que nós iremos, também, aprender, não é uma via de mão única, afinal, a experiência deles remonta todo o passado dos povos indígenas na Amazônia. Nós queremos que esse Projeto possa se estender para várias

outras comunidades do Estado do Pará”, reforça a professora.

O Projeto pretende auxiliar a comunidade em alguns aspectos, como o conhecimento da qualidade técnica do alimento que é produzido, o desenvolvimento de novos produtos e a adequação da mandioca às normas de segurança alimentar. Esse repas-se de informação tecnológica tem como principal objetivo o domínio da comunidade sobre a sua própria produção que, aliada à diversificação, poderá trazer um maior desenvolvi-mento econômico.

Cuidados simples no trato da mandioca, desde a orientação para um espaço mais adequado de armazena-mento da produção, o qual evite con-taminações, até o desenvolvimento de novas embalagens capazes de agregar valor ao produto e trazer mais renda, são ações importantes. Equipamentos técnicos também poderão ser produzi-dos, a exemplo de máquinas, como a balança hidrostática, necessária para analisar a produtividade da mandioca, ou um descascador que gaste menos energia.

Neste setor, o Projeto contará com o auxílio de outros profissionais da área de engenharia que também fazem parte do trabalho, como os

n Indústria tem grande interesse

professores Rosinelson da Silva Pena, Antônio Manuel da Cruz Rodrigues e Roberto de Freitas Neves.

Também serão repassadas outras práticas importantes, como aquelas voltadas ao aproveitamento de resíduos e à reutilização de ali-mentos. “Hoje, ninguém pode pensar em uma indústria se não entender e realizar essa ação de cuidar de todos os resíduos gerados”, afirma a pro-fessora.

Apoio tecnológico deverá expandir a produção e a comercialização de derivados da mandioca

Alessandra Santos: intercâmbio

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 – 7

A abordagem pedagógica que valoriza o saber localProjeto "Imagens Amazônicas: diálogos entre matemática e cultura em sala de aula" propõe contextualização da disciplina

Etnomatemática

Na Ilha do Combu, os coleto-res de açaí se utilizam das medições denominadas de rasas, uma espécie de cesto feito por eles mesmos, com materiais naturais. Além de possuírem utilidade de medição – quinze cachos de açaí completam uma rasa grande, que pesa em torno de 80 quilos – as rasas acompanham o modelo do barco ou da canoa que as transporta, o fundo é quadrado e a borda é redonda, otimi-zando a utilização do armazenamento e do transporte.

A professora Isabel Lucena explica como essas técnicas poderiam ser repassadas para os estudantes, “isso poderia ser tratado como mo-delo matemático. Qual a medida da área da embarcação tomada pelas ra-sas (cestos) que transportam o fruto? Qual a medida da área da parte do fundo (moldes quadrados) e da borda (moldes circulares)? Que relação isso tem com as dimensões das embar-cações? Mas a Etnomatemática não é apenas isso, é também conhecer a história desses sujeitos, desse saber matemático”.

Esse conhecimento matemá-

tico, que é passado de geração em geração, também pode ser visto na confecção de peças em cerâmica pelos oleiros do Distrito de Icoaraci. Nesse ofício, os artesãos definem o tamanho das peças de acordo com o peso e o tamanho dos bolos de argila, tudo sem o uso de balança.

Seu Rosemiro Pereira, per-sonagem do documentário, explica que toda vez que uma peça fica mais espessa, ela fica menor no seu volume e vice-versa. Tomando como exemplo a experiência dessa arte, podemos elaborar um problema matemático: na confecção de 50 copos de argila, Seu José usou um tablete do mesmo material. Os 50 copos pesam juntos 12 Kg, porém, após a secagem, esses copos perdem 35% de água. Com quantos quilos os 50 copos juntos ficam após a secagem? Achou difícil? Seu Rosemiro, o oleiro de Icoaraci, faz essa conta e acerta o resultado.

A continuidade do Projeto, com lançamento previsto para este ano, envolve a publicação de um livro que atenderá mais a área acadêmica, trazendo questões teóricas do campo

Raphael Freire

Logaritmo, raiz quadrada e fórmulas. Essa é a matemática que aprendemos desde o ensino básico e que, por muitas vezes, provoca a aversão dos estudantes pela disciplina. Porém, ainda não nos demos conta de que existem outras abordagens para ensinar essa mesma matemática. Algumas delas são utilizadas na Et-nomatemática, uma área de pesquisa que visa ao conhecimento tradicional e à aproximação com a realidade do grupo que aprende a disciplina. Tra-balhar com a aplicação dos estudos da Etnomatemática é a proposta do

Projeto de Pesquisa “Imagens Ama-zônicas: diálogos entre matemática e cultura na sala de aula”.

Quem nunca ouviu um estudan-te dizer: “Ah, eu odeio Matemática!”, “Nunca consigo entender os proble-mas de Matemática!”. Certamente, um dos motivos para a aversão dos estudantes está ligado às experiên-cias escolares ou acadêmicas que enfatizam a técnica de resolução de exercícios sem a real demonstração da aplicabilidade do que está sendo estudado. Isso é compreensível, uma vez que as pessoas não se interessam por coisas que não tenham sentido e significado em suas vidas.

Desde 2007, o Grupo de Es-tudos sobre Educação Matemática e Cultura Amazônica (Gemaz), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM/IEMCI/UFPA), vem traba-lhando com o objetivo de oportunizar a compreensão da matemática com sentido e significado, a partir de aspec-tos culturais dos grupos amazônicos. A ideia é compreender a matemática religada à história, à cultura, às cons-truções sociais das populações ama-zônicas, sejam elas antigas ou atuais, acadêmicas ou não.

De acordo com a coordenadora do Projeto, professora Isabel Lucena,

na área da educação matemática, exis-tem poucas referências em favor da construção de um ensino que vá além de domínios de conteúdos específicos, de práticas pedagógicas articuladas que promovam um conhecimento que ultrapasse a esfera científica e escolar e que esteja, intrinsecamente, ligado às experiências vividas pelas populações de que fazem parte alunos e professores. “Na região amazônica, é possível identificar uma riqueza de saberes tradicionais historicamente construídos, vivos na memória das po-pulações, presentes em seu cotidiano e reatualizados de acordo com as neces-sidades”, explica a pesquisadora.

n Conhecimento não é adquirido apenas na escolaA Etnomatemática vem, exa-

tamente, cumprir esse papel: mostrar que mesmo povos não escolarizados possuem conhecimentos matemáticos e que “esse conhecimento não possui menor valor por não ter sido apren-dido na escola. Eles são diferentes, só isso”, ressalta Isabel Lucena. Isso não quer dizer que a Etnomatemática despreza a matemática científica, ela não propõe que os livros didáticos deixem de ser usados.

Muitos conteúdos matemáti-cos são realmente difíceis de con-textualizar no dia a dia, por isso, em alguns momentos, o ensino da matemática deve ser via quadro, com explicações por meio de gráficos e tabelas. Entretanto, essa não é a única maneira de se trabalhar. “O que nós questionamos é a exclusividade, a supremacia de uma única matemá-tica, talvez a mais difundida delas, aquela que comumente conhecemos pela escolarização”, destaca Isabel Lucena. Ou seja, a matemática que a

maioria de nós aprende não pode ser a regra, entendida como o único ou o melhor modelo.

Para proporcionar aos es-tudantes essa outra maneira de aprendizado, é necessário qualificar aqueles que promovem o ensino da disciplina, os professores. Muitas vezes, o que orienta as práticas em sala de aula são os livros didáticos e o que cada um traz de sua formação como professor.

Contudo, a Etnomatemática pode contribuir com essa formação ao fomentar reflexões, questionamentos e ações sobre as relações constitutivas da matemática como uma produção humana. Para esse educador, é ne-cessário entender o que desperta o interesse de seus alunos e conhecer os vários grupos que compõem a sala de aula, os quais podem ser um grupo de crianças urbanas, indígenas ou afro-descendentes, ou um grupo de pes-soas com necessidades educacionais especiais.“Eu preciso olhá-los na suas

especificidades e na relação que eles constroem no convívio social, esse é o princípio da Etnomatemática”, explica Isabel Lucena.

De acordo com a coordenadora do Projeto, isso traz uma mudança de postura no educador, principalmente, o de matemática, que, muitas vezes, traz posturas desligadas do mundo físico, emocional e cultural. Portanto, a Etnomatemática se contrapõe à vi-são de uma matemática fria, isolada, construída alheia ao aspecto humano, à história e à cultura.

Para entender essa abordagem, podemos tomar como exemplo as ideias matemáticas próprias de um grupo de estudantes ribeirinhos que lida com a extração e a comercializa-ção do açaí. Essas ideias podem ser retratadas em contexto escolar, sob os interesses desse grupo. Isso não im-plica que outras ideias matemáticas, distantes desse cotidiano – inclusive aquelas exigidas em concursos ou em avaliação de habilidade – também não

possam se fazer presentes no trabalho pedagógico, sob a abordagem Etno-matemática.

O maior objetivo é tratar a matemática numa linguagem mais próxima da realidade do estudante. A professora Isabel Lucena destaca que “não é só trocar uvas e maçãs por açaí e farinha que eu já estou fazendo Etnomatemática. É preciso entender como o sujeito lida com a sua ambiên-cia e perceber que ideias matemáticas posso construir a partir daí”.

Ainda não há receita para o desenvolvimento de práticas peda-gógicas com a abordagem Etnoma-temática. Tampouco ela pode ser considerada uma “tábua de salvação” aos desafios atualmente postos pelo ensino da matemática. No entanto, é possível que, pela complemen-taridade entre pesquisa e ensino, a abordagem possa auxiliar a produção de novos conhecimentos e de ações efetivas para a melhoria da formação dos estudantes da região.

Proposta é ensinar matemática a partir da história, da cultura e de construções sociais das populações amazônicas

n Trabalhadores são personagens de documentário

Mestre Zelico (à esquerda) explica como utiliza instrumentos de medidas e traçados artesanais feitos por ele mesmo

Rasas, com fundo quadrado e borda redonda, facilitam o transporte do açaí

Um dos principais objetivos do Projeto Imagens Amazônicas era a elaboração de um documentário que pudesse ser usado em sala de aula. Para confecção do material audiovi-sual, foram convidados 21 professo-res, mas apenas cinco permaneceram atuantes no Projeto.

O DVD foi lançado durante o 1º Encontro de Etnomatemática do Pará, realizado em 2008, no muni-cípio de Abaetetuba. O material é composto por três temas: a construção artesanal de barcos em Abaetetuba, a confecção da cerâmica no bairro do Paracuri, no Distrito de Icoaraci, e a extração e comercialização do açaí na Ilha do Combu.

Um dos exemplos que pode ser conferido no DVD é a história de João Batista Rodrigues, mais conhecido como Mestre Zelico, um senhor de 83 anos e que, há 67, tem como ofí-cio a construção de embarcações no município de Abaetetuba. Em seu de-poimento, Mestre Zelico traz alguns elementos matematizantes em relação às embarcações feitas por ele e que, por vezes, possuem uma equiparação com o que a escola ensina, apesar dele não ser escolarizado.

Quando o Mestre inicia a construção de uma embarcação, ele usa uma angulação numa unidade de medida criada por ele mesmo. Seus instrumentos de medidas e traçados são artesanais e também foram feitos por ele. Na escola, nós aprendemos que um compasso, geralmente, é usado para fazer curvas e circunfe-rência, porém, o mesmo material, nas mãos do Mestre Zelico, é usado para fazer medições lineares. “Eles não

precisam ter uma unidade nomeada como metros, centímetros, como nós temos, a abertura do compasso é o que determina algumas medidas. É diferente da nossa perspectiva”, conta Isabel Lucena.

Na hora de comprar a madeira para confecção das embarcações, Mes-

tre Zelico usa a medida de palmo. Po-rém, a medida de um palmo usada por ele não é a mesma que conhecemos, com 22 cm. O Mestre usa o palmo de 20 cm, facilitando as medições e os cálculos quando a madeira é vendida em metros cúbicos. É uma criação dos artesãos, a qual tem lógica, pode

ser discutida e apresentada na escola. “Essa experiência pode ser acompa-nhada pelos estudantes que estão lá em Abaetetuba e isso é importante para eles, pois podem ver que a matemática não é única, ela tem importância e dife-renças em outros ambientes”, constata Isabel Lucena.

n Coletores de açaí têm modelo matemático próprio

da Etnomatemática. Também será produzido um novo DVD, dessa vez, voltado exclusivamente para profes-sores e pesquisadores interessados na educação matemática de estu-dantes da nossa região. O conteúdo

será composto pelas experiências de professores que levaram o primeiro DVD para sala de aula e por orien-tação didática para auxiliar outros profissionais a trabalharem com esse material.

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