Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

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Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 2 (2013), pp. 46-74 Belém: Música e Identidade na Cidade Plural 2ª versão Henry Burnett * para o Ernani Resumo: Quando se está imerso na própria identidade normalmente não sabemos do que somos feitos. A identidade não é uma questão, ou um tema, quando não precisamos discutir quem somos ou quando essa interrogação é vã. Só quando a dinâmica cultural se impõe é que nossa marca precisa ser impressa e às vezes defendida, porque não basta pertencer a este ou aquele lugar, mas fundamentalmente devemos mostrar do que somos feitos “de verdade”. Talvez em outras circunstâncias esse conflito se desse entre países, entre religiões em conflito com seus diversos deuses e concepções políticas; no Brasil a identidade é uma questão doméstica, uma querela entre regiões distantes que mal se comunicam e que se nutrem de suas próprias culturas. Se quisermos radicalizar ainda mais, para chegar ao tema deste ensaio, às vezes precisamos entender quem somos dentro de uma única cidade. É o caso de Belém e de sua musicalidade plural. Palavras-chave: Música Paraense; Identidade; Canção Popular; Tecnobrega. Abstract: When we are immersed in our own identity, normally we do not know who we are. When we know who we are or when this is an empty question, identity is not a question or a theme. Only when dynamic cultural are imposed we need to leave such a mark, that

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Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 2 (2013), pp. 46-74

Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

2ª versão

Henry Burnett*

para o Ernani

Resumo: Quando se está imerso na própria identidade normalmente não

sabemos do que somos feitos. A identidade não é uma questão, ou

um tema, quando não precisamos discutir quem somos ou quando

essa interrogação é vã. Só quando a dinâmica cultural se impõe é

que nossa marca precisa ser impressa e às vezes defendida, porque

já não basta pertencer a este ou aquele lugar, mas

fundamentalmente devemos mostrar do que somos feitos “de

verdade”. Talvez em outras circunstâncias esse conflito se desse

entre países, entre religiões em conflito com seus diversos deuses

e concepções políticas; no Brasil a identidade é uma questão

doméstica, uma querela entre regiões distantes que mal se

comunicam e que se nutrem de suas próprias culturas. Se

quisermos radicalizar ainda mais, para chegar ao tema deste ensaio,

às vezes precisamos entender quem somos dentro de uma única

cidade. É o caso de Belém e de sua musicalidade plural.

Palavras-chave: Música Paraense; Identidade; Canção Popular; Tecnobrega.

Abstract: When we are immersed in our own identity, normally we do not

know who we are. When we know who we are or when this is an

empty question, identity is not a question or a theme. Only when

dynamic cultural are imposed we need to leave such a mark, that

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sometimes must be held, because belonging to a certain place it is

not enough anymore, but we fundamentally need to show who we

are. Maybe in other circumstances, this conflict takes place

between countries, between religions in conflict with their various

gods and political concepts; in Brazil, the identity is a local issue, a

quarrel between distant regions that promote their own cultures

and can barely communicate themselves. If we want to achieve the

aim of this essay, we need to understand who we are inside a single

city. It is the case of Belem and its plural musicality.

Keywords: Music in Pará; Identity; Folksong; Tecnobrega.

Temos, portanto, dois sentidos negativos da palavra

“povo”. O primeiro, mais evidente, é o que blinda

uma identidade fechada – e sempre fictícia – de tipo

racial ou nacional. A existência histórica desse tipo

de “povo” exige a construção de um Estado

despótico, que engendra violentamente a ficção que

o fundamenta. O segundo, mais discreto, porém em

grande escala ainda mais nocivo – por sua

flexibilidade, e pelo consenso que alimenta –, é

aquele que subordina o renascimento de um “povo”

a um Estado que se supõe legítimo e benfeitor

exclusivamente em virtude de organizar a expansão,

quando pode, e, em todo caso, a persistência de uma

classe média, livre para consumir os produtos vãos

com que o Capital a empanturra, e livre também

para dizer o que quiser, contanto que esse dizer não

tenha nenhum efeito no mecanismo geral. (Alain Badiou, 24 anotações sobre a palavra “povo”, Revista Serrote nº 17, p. 29)

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I

Gostaria de começar esta reflexão de modo atípico: eu acredito em um

paradigma na música popular do Brasil e não sei se este ponto de partida

é o mais adequado para se falar em um produto comercial como a música

popular pós século XX. Este paradigma pode ser chamado, na falta de

outro nome melhor, de canção de arte, ou canção estética ou o mais simples e

preciso: de canção brasileira. Acredito, hoje, que a canção no Brasil alcançou

o estatuto do paradigma, apesar de suas infinitas faces. Sua força estética

diferencial é a aliança entre a rítmica popular e a poesia culta. Dito isso,

deixo claro que não pretendo fazer uma “análise de conjuntura”, uma

crítica musical ou algo parecido, antes quero esboçar algumas ideias, em

certa medida pretenciosas apesar de iniciais, na direção de uma

reconstrução estética de um material musical quase esquecido: a canção

paraense. Para tanto, o dito paradigma precisa ser considerado a partir do

tema da identidade musical, ou ainda, do que eu chamaria aqui, tomando de

empréstimo uma referência pessoal, de uma “estética das águas”, que a

meu ver sintetiza a produção desse cancioneiro urbano, mormente do que

se produziu em Belém e no seu entorno. Tentarei explicar melhor essa

aparente anomalia crítica convidando o leitor menos para uma reflexão

teórica sobre a questão da cena musical recente do que para a audição

memorialística de um recorte estético-musical daquilo que ficou de fora

no que podemos chamar de marcha triunfal da história da música do Pará,

ou seja, trata-se aqui de um posicionamento que caminha no espaço

deixado entre vencidos e perdedores, famosos e esquecidos.

Talvez fosse possível se resguardar de um tema complexo como este

permanecendo no âmbito dessa questão da identidade, tratando de origens

e cronologias, nascimentos e representações, mas isso tornaria esta

reflexão frágil na medida em que os argumentos mais visíveis a favor do

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atual cenário e de seus artistas vitoriosos giram precisamente em torno

desse tema, quer dizer, resguardados numa defesa exacerbada da

representação considerada arquetípica, amparada num processo de

afirmação oficialesco, os defensores da causa abusam da identidade como

princípio. Sabemos bem que quando se está imerso na própria identidade,

ou no que imaginamos ser essa definição quando aplicada sobre nosso

próprio ambiente, normalmente não sabemos do que somos formados; a

identidade não chega a ser uma questão quando não precisamos entender

nossas origens ou quando essa interrogação é vã porque nada acrescenta

em nossa vida comum. Somente quando os conflitos culturais se impõem,

quase sempre no âmbito comercial, uma “marca” precisa ser impressa e às

vezes até mesmo defendida, porque já não basta pertencer a este ou aquele

lugar, mas fundamentalmente mostrar do que somos constituídos

verdadeiramente. O tema e as discussões sobre a identidade nacional são

recorrentes em diversos níveis nos estudos sobre o Brasil desde o final do

século XIX. No âmbito deste texto, tratarei principalmente do modo

como a escolha identitária, ou sua invenção, é consumida no interior do

mercado de bens culturais.

Em outras circunstâncias este choque entre o real e o imaginado, ou

entre o verdadeiro e o falso de nossas representações, esse maniqueísmo

que está em pano de fundo aqui quando se pensa naquilo que deve nos

identificar social e culturalmente ou não, poderia se dar entre países ou

entre religiões em conflito; no Brasil, entretanto, a identidade é uma

questão doméstica, uma querela entre regiões que mal se comunicam e que

se nutrem de suas próprias culturas. Se quisermos radicalizar, para chegar

ao tema deste texto, às vezes é preciso entender quem se é dentro de uma

única cidade – é o caso de Belém e da recente exposição nacional de parte

significativa de seus bens culturais, da culinária à fotografia, do cinema à

literatura, mas, sem dúvida, num movimento de reconhecimento que tem

a música como porta de entrada, apresentada a partir de um recorte

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estético-ideológico específico da sua produção. A necessidade de se

autocompreender, no momento em que sua música passou a ser executada

em nível nacional, e justamente no que há de mais estabelecido no quadro

de certas instâncias da indústria de bens de consumo, isto é, nas novelas

globais, nos programas de auditório, nas rádios de massa tem causado, a

uma cultura até então semi isolada, inúmeras indagações, veladas ou não.

A intenção é pensar sobre algumas delas de modo mais calmo do que

aquele que levou parte da nossa música para o centro das atenções,

principalmente a partir do momento em que o aparato estatal foi

mobilizado como uma espécie de mecenas oficial de um grupo

determinado de músicos, chegando ao ponto de tornar aparentemente

indiscerníveis extratos distintos dessa produção, igualando músicos,

fotógrafos, cozinheiros e dançarinos dentro de um mesmo espectro. Um

momento que permite inúmeras reflexões sobre questões que não estão

na superfície da festa.

II

Como um micro país, Belém tem uma história antiga e razoavelmente

bem conservada, pelo menos no âmbito da memória, já que sua

degradação urbana pode ser constatada por qualquer um que tenha vivido

nela nos últimos 30 anos. Essa imagem memorialística cada vez mais

dissipada mantém-se graças ao seu isolamento geográfico, reconhecido

por todos ora como um atraso, ora como uma virtude para sua auto

conservação. Mas essa distância nem sempre foi tão espaçosa, e é cada vez

menor, graças a uma descoberta sem precedentes pelo chamado mainstream

do show business nacional, que se voltou para uma suposta “estética

amazônica”. Grandes empresas de comunicação nacionais, principalmente

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as redes abertas, alimentam parte dos seus cenários novelísticos, auditórios

e programas de entrevistas com essa estética e, enfim, com o que podemos

chamar de cena paraense. Tudo, como não poderia deixar de ser, travestindo

a disputa por audiência fazendo crer que o que está em jogo é uma suposta

descoberta da cultura amazônica e sua valorização, embora em alguma

medida isso também esteja em jogo, apesar da padronização estilística que

vem a reboque dessa boa intenção. É sobre esse interesse repentino das

grandes cadeias de comunicação e suas consequências domésticas que

podemos tecer algumas considerações. Para isso, precisamos recuar

algumas décadas e retomar, ainda que em linhas gerais, parte da história

da canção e da música paraense ainda no século XX.

Houve um momento, nos idos dos anos 70, que um poeta, um

compositor e uma cantora, respectivamente Ruy Barata, Paulo André

Barata e Fafá de Belém tornaram a atmosfera paraense conhecida

massivamente nos grandes centros de distribuição de bens culturais.

Naquele momento, versos da canção “Foi assim” (Paulo André e Ruy

Barata), pertenciam ao que chamamos comumente de MPB, isto é, à

tradição da música popular comercial urbana brasileira, ou ainda, a um

estilo bem definido pelo par letra/música, já consagrado àquela altura, a

canção brasileira em sua forma mais avançada – ressalto isso porque

acredito que o termo popular utilizado na sigla nem sempre foi utilizado no

sentido de uma música massivamente conhecida ou mesmo reificada ou

industrializada, mas como um espelho ou eco de sua origem, quer dizer,

esta canção é uma junção da rítmica popular com a poesia culta. Uma das

provas desse vínculo do cancioneiro paraense com a MPB tradicional é a

resistência desta canção ao tempo, sua permanência na memória dos

ouvintes estéticos –definição forjada por Nietzsche ao imaginar um

ouvinte concentrado, para quem a música servia como arrebatamento e

triunfo da vida –, para os quais ela permanece, ainda hoje, como um retrato

instantâneo da Belém de outra época:

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Foi assim

Como um resto de sol no mar

Como a brisa da preamar

Nós chegamos ao fim

Foi assim

Quando a flor ao luar se deu

Quando o mundo era quase meu

Tu te fostes de mim

Volta meu bem, murmurei

Volta meu bem, repeti

Não há canção nos teus olhos

Nem há manhã nesse adeus

Horas, dias, meses se passando

E nesse passar, uma ilusão guardei

Ver-te novamente na varanda

A voz sumida em quase pranto

A me dizer, meu bem, voltei

Hoje essa ilusão se fez em nada

E a te beijar, outra mulher eu vi

Vi no seu olhar envenenado

O mesmo olhar do meu passado

E soube então, que te perdi.

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Isso se aplica ainda a outra canção da dupla, cujos versos são ainda

mais entranhados do ambiente amazônico. O clima de “Pauapixuna”

(Paulo André e Ruy Barata) não é desses que se lembre fácil, ou que remeta

um público afeito ao ambiente urbano – mesmo o belenense, ao qual o

ambiente da canção é refratário – diretamente ao seu universo úmido e

silencioso; quer dizer, a canção é muito amazônica, mas no sentido de ser

uma representação de um tempo e de um lugar bem delimitado, que eu,

como ouvinte, remeto aos campos da Ilha do Marajó. Nessa dificuldade

de imprimir imagens que só fazem pleno sentido para quem as vivencia, é

igualmente admirável sua força de arrebatamento e de perenidade no

ambiente de consumo letrado fora do seu estado de origem. A canção

popular paraense pode não ter nascido pelas mãos de Paulo André e Ruy

Barata, mas foi com eles que se deu sua integração à história da música

popular urbana. Uma história comercial e estética breve, não fosse

justamente seu atual pertencimento ao cânone do cancioneiro nacional.

Aqui a letra de “Pauapixuna”:

Uma cantiga de amor se mexendo

Uma tapuia no porto a cantar

Um pedacinho de lua nascendo

Uma cachaça de papo pro ar

Um não sei quê de saudade doendo

Uma saudade sem tempo ou lugar

Uma saudade querendo, querendo...

Querendo ir e querendo ficar

Uma leira, uma esteira,

Uma beira de rio

Um cavalo no pasto,

Uma égua no cio

Um princípio de noite

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Um caminho vazio

Uma leira, uma esteira,

Uma beira de rio

E, no silêncio, uma folha caída

Uma batida de remo a passar

Um candeeiro de manga comprida

Um cheiro bom de peixada no ar

Uma pimenta no prato espremida

Outra lambada depois do jantar

Uma viola de corda curtida

Nessa sofrida sofrência de amar

Uma leira, uma esteira,

Uma beira de rio

E o vento espalhado na capoeira

A lua na cuia do bamburral

A vaca mugindo lá na porteira

E o macho fungando pelo curral

O tempo tem tempo de tempo ser

O tempo tem tempo de tempo dar

Ao tempo da noite que vai correr

O tempo do dia que vai chegar.

Antes desse momento, isto é, antes que Fafá de Belém e a música

paraense circulassem livremente no eixo Rio-São Paulo, o nome do

compositor Waldemar Henrique pertencia a um domínio não menos

conhecido, mas certamente mais distante dos canais de mídia de massa;

sua obra era, e talvez ainda seja, estudada por famílias “cultas” dos mesmos

centros que um dia acolheriam Fafá e seu sotaque. No entanto, Waldemar

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Henrique pertencia ao domínio da música dita clássica, era um compositor

frequentado, sobretudo nos conservatórios e nas escolas de música – tudo

isso antes das apropriações posteriores, como a da própria Fafá, mas

também de Mônica Salmaso, Zizi Possi, Nilson Chaves e Vital Lima, entre

outros, que o aproximariam do ambiente popular ao qual ele também

pertencia, ainda que de modo menos nítido.

São dois momentos importantes, que mostram o primeiro lance dessa

inserção nacional gerada dentro dos limites de uma capital com nítido

conteúdo cosmopolita e, ao mesmo tempo, profundamente apartada pelo

tempo e pelo espaço, resultando de muitos modos num ambiente

provinciano que perdura ainda hoje em instâncias distintas, como no

jornalismo e na política, quase sempre irmanados. Dentro desse mesmo

patamar de penetração talvez sejam os únicos exemplos de generalizado

reconhecimento nacional de massa; únicos, até a chegada do tecnobrega,

mais de 30 anos depois da primeira aparição.1

III

Esse longo hiato é diretamente proporcional ao lugar ocupado pela

canção no cenário midiático nacional, quer dizer, o interesse por

compositores como Paulo André, Ruy Barata e Waldemar Henrique

pertence ao passado mais ou menos recente, e coincide com o ápice da

penetração do estilo no espaço da televisão e dos meios de comunicação

de massa em geral na década de 1960 e 1970, que criou os mitos que ainda

hoje alimentam a tradição canônica dos compositores urbanos. Podemos

dizer que esse espaço “vazio” é apenas um espelhamento de uma mudança

que ocorreu em todo país, e talvez em todo mundo, e que pode ser

resumido na ideia de uma fragmentação incontornável da experiência

perceptiva em relação às artes de modo geral, uma mudança, como

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56 • Revista Estudos Amazônicos

sabemos, ligada ao novo espaço virtual de consumo, que não deixa de ser

uma extensão do modelo anterior, sob outras plataformas, mas como

novos ícones – em resumo: mudou a plataforma, mas não mudou o

espectador, apenas os mitos se modificaram. Com isso, a canção se tornou

um produto similar a um poema, que exige habilidades de apreensão

sensível que só se mantém nos espectadores/leitores/ouvintes que reagem

ao ambiente fragmentário e procuram desesperadamente a sensação de

arrebatamento estético perdido e só a muito custo reencontrado, e mesmo

assim deixando margem a uma sensação de anacronismo incontornável.

Foram décadas de silêncio midiático entre aquele momento e este em

que nos encontramos – entenda-se: quando falo em silêncio penso no

isolamento da produção local, a distância que durante décadas manteve

esta produção quase proscrita. Ocorre que esses anos nutriram de canções

mais de uma geração, sem que se soubesse, fora de Belém e de cidades de

médio-porte no interior do Pará, quem eram esses artistas e que música

eles faziam, na medida em que permaneciam consumidos em âmbito

restrito; e mesmo esse conceito de consumo deve ser amainado, porque

não havia exatamente o que chamamos de produção musical, a não ser em

casos isolados – encontro-me portanto, cronologicamente, exatamente

nesse lugar onde o esquecimento é a palavra-chave. Foram três décadas de

algo que podemos chamar de auto sustentação cultural. Houve tentativas

de reação, e eu citaria o movimento encabeçado pelo compositor Ronaldo

Silva, um dos líderes do grupo Arraial do Pavulagem, que ousou

entrincheirar-se contra a avassaladora presença dos movimentos musicais

ainda ditados pela poderosa indústria fonográfica que inundavam o país

de Norte a Sul e que aqui durante muitos anos tiveram lugar cativo em

diversos festivais com produção milionária. O resultado da mudança

estilística em suas canções resultou na popularização do Arraial do

Pavulagem, que extrapolou a dimensão da apreciação musical, ao que chamo

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Revista Estudos Amazônicos • 57

de audição estética, tornando-se um movimento de grande força de massa.

Como se vê, o mercado de música local reagiu, mas sem a extensão

midiática das aparelhagens de onde nasceria o tecnobrega. Não é por acaso

que um dos pontos altos do disco Treme, de Gaby Amarantos, seja

justamente uma canção de Ronaldo Silva, “Merengue latino”, aliança clara

entre o passado e o presente da produção belenense. No mesmo

compositor, a síntese de duas épocas, que podemos divisar ouvindo

“Porto dos apaixonados” antes da faixa supracitada. Quero exatamente

pensar no centro dessa mudança, na “impossibilidade” de se ouvir esta

canção contra a “facilidade” de se ouvir aquela. Qual a razão dessa cesura

entre a canção tradicional e a canção de impacto? Entre o ouvir e o dançar?

Essa diferença entre o ouvir e o dançar, hoje infelizmente apartadas pela

história, é um ponto elementar desta reflexão e não uma polarização

maniqueísta – estamos no campo minado da crítica, é preciso lembrar.

A música paraense se dividia entre o popular estilo musical conhecido

entre nós como brega, que ocupava os bares e as “sedes” na periferia da

capital e no interior, e um sem número de compositores ditos tradicionais,

que desenvolviam obras sem impacto midiático nacional ou sequer

regional, permanecendo dentro de um círculo ínfimo de consumo – o

brega era muito popular e autossuficiente do ponto de vista de sua

produção em toda a região, e era consumido por todas as classes sociais,

num processo muito distinto daquele que é discutido no livro Eu não sou

cachorro não, de Paulo César de Araújo, que diagnostica justamente o

preconceito contra o qual compositores ditos bregas lutaram no eixo de

consumo intelectualizado do resto do país; no Pará, não raro,

compositores considerados cultos, escreveram para cantores e

compositores bregueiros, é o caso do poeta Edson Coelho, autor do

clássico “Cansei de esperar”, parceria com o cantor Luiz Guilherme e que

se tornou um tema de referência do estilo. No intervalo entre a década de

1970 e a década de 2000, nada parecia capaz de alterar aquela convivência

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58 • Revista Estudos Amazônicos

pacífica que, salvo engano, não era dividida entre cultos e populares, antes

se interpenetrava de maneira irônica e não excludente. Mas então algo

muito distinto ocorreu no ambiente do chamado brega paraense, e que

muitos consideram o desenvolvimento do tradicional estilo, agora

rebatizado de tecnobrega e alçado à categoria de representação cultural

oficial, juntamente com toda uma estética genericamente chamada de

“caribenha”. Tal movimento se deve, fundamentalmente, ao forte

aparelho estatal mobilizado quase integralmente para projetar diversos

nomes em cadeia nacional, numa cooptação sem precedentes na história

das relações entre Estado e Cultura no Pará. Uso o termo cooptação

porque o Estado e seu aparato de comunicação não inventou o

tecnobrega, que já havia se imposto quando da associação, mas o absorveu

e o reprogramou com uma função bem distinta do que ele era na origem:

a divulgação propagandística de uma imagem do Estado filtrada por um

recorte de suas identidades múltiplas, com uma clara opção pelo que

podemos chamar de recorte popular, ou ainda, de recorte padrão, dando

a entender que, falsamente, Belém era uma capital isolada e plena de seus

valores culturais regionalistas, um equívoco sob vários aspectos, entre eles

o fato de que se há um movimento claramente identificável nas últimas

décadas é o movimento rock. Com isso, o Pará estava integrado ao

consumo cultural de massa nacional, algo que considero sem espanto, pois

me parece inevitável que a multiplicidade rítmica da região um dia fosse

descoberta e assimilada pelo mercado de consumo; o dado inédito é que

essa assimilação se organizou pelas mãos do Estado, para só depois ser

absorvida pelos grandes canais de comunicação, numa reativação da

aliança entre estética e política que tem antecedentes nada honrosos, como

é o caso do aparato propagandístico do Terceiro Reich e a utilização das

canções populares como substancialização do que chamava na época do

ser alemão; tomadas as abissais proporções políticas e culturais, e incluindo

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o possível desconhecimento histórico de quem acha essa jogada política

normal, estamos diante dos mesmos argumentos, agora zombeteiramente

explicados através de uma ideia de pureza regional capaz de nos destacar

como ímpares e únicos em meio à saturação das produções musicais

populares no Brasil. Gaby Amarantos, uma cantora com grande potencial

e dotada de forte presença de palco, tornou-se a porta-voz da cultura do

Estado, mormente encerrando seus shows empunhando a bandeira do

Pará e bradando louvores ufanistas ao Estado. Foi quando os ouvintes se

dividiram entre um misto de orgulho e vergonha ao ver suas idiossincrasias

domésticas em rede nacional. Por todas essas razões, e muitas outras que

arriscarei apresentar adiante, não se deve estranhar a surpresa que pode

acometer um espectador menos atencioso, o chamado ouvinte médio, que

não vai além da audição despretensiosa do que lhe surge na TV, no Rádio

ou na internet, seja de Belém, do interior do estado ou mesmo de fora, ao

passar sem conexão de “Tamba-tajá” (Waldemar Henrique) para “Ela tá

beba doida (Beba doida)” (Gaby Amarantos) como se vira uma página.

Mesmo este ouvinte não especializado, pode sentir a modificação, de

resto, como vimos, absolutamente previsível.

“Tamba-tajá” (Waldemar Henrique)

Tamba-tajá me faz feliz

Que meu amor me queira bem

Que seu amor seja só meu de mais ninguém,

Que seja meu, todinho meu, de mais ninguém...

Tamba-tajá me faz feliz...

Assim o índio carregou sua macuxy

Para o roçado, para a guerra, para a morte,

Assim carregue o nosso amor a boa sorte...

Tamba-tajá

Tamba-tajá-a

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Tamba-tajá me faz feliz

Que meu amor me queira bem

Que seu amor seja só meu de mais ninguém,

Que seja meu, todinho meu, de mais ninguém...

Tamba-tajá me faz feliz...

Que mais ninguém possa beijar o que beijei,

Que mais ninguém escute aquilo que escutei,

Nem possa olhar dentro dos olhos que olhei.

Tamba-tajá

Tamba-tajá-a

“Ela tá beba doida (Beba doida)” (Gaby

Amarantos)

Ela tá beba, doida

Ela tá beba, doida

Ela tá beba, doida

Tá beba, tá doida.

Ela chegou

Ela é um perigo

Só sai da mesa

Quando ela seca o litro.

Começa na cerveja,

Bebe a noite inteira

Mistura tudo

E vai pra cima da mesa.

Começa na cerveja

Bebe, à noite inteira

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Mistura tudo

E vai pra cima da mesa.

Ela tá beba, doida

Ela tá beba, doida

Ela tá beba, doida

Tá beba, tá doida.

(Ela só sai carregada, querida)

Creio ser possível afirmar que estamos diante de um problema novo,

ou seja, a discussão a respeito dessa herança musical que passa hoje pela

afirmação do que é e do que não é paraense tem a ver com o problema

enunciado no início deste texto: a questão da identidade. Salvo engano,

esse tema nunca esteve presente no horizonte dos paraenses. Ninguém

nunca perguntou se Pinduca, o “Rei do Carimbó”, era mais paraense que

Walter Bandeira, que foi o grande intérprete da cidade, com um repertório

que ia de Caetano a Edith Piaf, de Waldemar Henrique a Frank Sinatra.

Dito isso, do que se trata o misto de orgulho e repulsa que acomete os

paraenses toda vez que artistas populares da região aparecem em cadeia

nacional? A resposta não tem nada de simples e envolve um complexo

esquadro onde podem entrar tanto valorações de gosto quanto elementos

psicanalíticos, ambos igualmente arriscados para quem se propõe

comentar essas questões no calor da hora. Isentando-me da condição de

analista, me resguardo na dimensão estética.

Embora o tema da identidade paraense só tenha sido digno de

observação depois de sua hiper exposição, não se pode dizer o mesmo do

momento de estabelecimento da música urbana brasileira, a passagem do

século XIX para o século XX, quando isso tudo foi discutido com

profundidade. Voltemos rapidamente às primeiras décadas do século XX,

quando o terreno da música brasileira era um campo movediço e

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impreciso. Comecemos com a retomada de um projeto nuclear dentro dos

estudos etnográficos e musicológicos brasileiros, a Missão de Pesquisas

Folclóricas, organizada por Mário de Andrade em 1938. Em linhas gerais, a

Missão tinha como tarefa capturar em gravações, fotos e filmes as

manifestações populares que todos julgavam ameaçadas pela penetração

das novas tecnologias e pelos processos iniciais de veiculação comercial da

música; um temor expresso principalmente por Mário de Andrade, o

grande idealizador do projeto de registro.2

Não é por acaso que retomamos esse projeto como exemplo. Os discos

5 e 6, respectivamente dedicados a Paraíba e Maranhão, Pará e Minas,

guardam um dado curioso, se os confrontamos hoje a partir das

especificidades de dois Estados vizinhos: o registro de carimbó foi feito

em São Luiz do Maranhão e o registro de boi-bumbá foi gravado em

Belém. Deixando de lado a ausência de fronteiras estanques, e

desconsiderando o já citado grupo Arraial do Pavulagem e suas toadas – por

ser uma tradição de pouco mais de uma década, e mesmo assim com um

sotaque muito distinto daquele que se consolidou no Maranhão – e tirante

não se saber de nenhum cantador de carimbó maranhense que tenha

levado adiante aquele passado ligado ao estilo registrado pela equipe da

Missão, seria estranho pensar que o documento que pretendia revelar e

conservar identidades hoje não representasse bem – pelo menos

oficialmente – nem os paraenses nem os maranhenses; tudo, claro, sem

descuidar do registro irônico: “O carimbó é nosso, a tradição do boi-

bumbá é deles” – poderia ser o mote de uma campanha de resgate cultural

do Governo do Estado do Pará. Esse é um bom ponto de partida para

pensarmos sobre o que é paraense?

É uma grande obviedade reafirmar isso hoje, mas a música representa,

desde sempre, a sociedade onde ela se produz. Por isso muitos estudam a

música de algumas épocas quando querem entender dinâmicas

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econômicas, políticas e culturais próprias a determinados períodos. Se, ao

que tudo indica, quando se ouvia Ruy Barata e Waldemar Henrique havia

reconhecimento e quando se ouve Gaby Amarantos esse reconhecimento

desaparece, ou é escamoteado, é porque a sociedade onde Gaby se

projetou artisticamente é outra, ou sua face atual é conflituosa ou

preconceitos de classe e cor permanecem vivos, ou tudo isso junto. Ou

talvez possamos pensar que havia uma crença defasada em certa

homogeneidade cultural, provavelmente equivocada, e que hoje

desapareceu. Mas como essa perda de auto identificação pode ter

acontecido em tão poucos anos? São várias as possibilidades de responder

a esta questão, nenhuma dotada de objetividade. Minha base é, ainda uma

vez, a identidade musical que nos distingue no domínio da canção, i.e., o

que foi produzido à margem, e que hoje pode ser considerado esquecido,

um paradigma que recebeu coloração paraense por uma geração numerosa

e hoje quase esquecida. A produção dos cancionistas paraenses se

desenvolveu na absoluta proscrição, ou ainda, exposta de modo tímido em

shows organizados pelos autores, em alguns casos com apresentações uma

vez ao ano e com público reduzido. Esse trabalho crítico sobre a história

e a dinâmica da canção paraense nas últimas décadas ainda não foi feito,

ainda que seja algo essencial que ainda exige um esforço nosso. Se tomo a

canção paraense aqui como um paradigma, é porque reconheço nela uma

contribuição essencial ao estilo. Por isso, minha intenção não é e nem

poderia ser frear a marcha da lógica mercadológica que cerca a música há

mais de um século, mas assegurar que os movimentos musicais de fachada

não oprimam a história, ou uma parte dela, já que não há redenção possível

dentro do sistema vigente. Logo, não se trata de “salvar” aquele ambiente

musical esquecido nem de condenar o atual, algo que seria tão ingênuo

quanto reconstruir Belém. Indicar que aquilo que foi derrotado não

desapareceu como acontecimento estético já seria uma contribuição

importante.

Page 19: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

64 • Revista Estudos Amazônicos

IV

Não é simples explorar fenômenos midiáticos contemporâneos

servindo-se de aparato clássico, sequer podemos assegurar a viabilidade

dessa transposição, mesmo nos apropriando de análises mais próximas,

como as que se originaram da crítica estético-musical de traço filosófico

da primeira metade do século XX, principalmente aquela elaborada por

seu maior nome: Theodor Adorno, em seus textos da fase estadunidense,

quando esteve mais próximo das questões que ora nos ocupam. Embora

a percepção da música tenha um mesmo ponto de apoio, ditado por cada

momento histórico e por suas formas de lidar com os materiais sonoros,

já não parece possível tomar essas categorias como universais, nem

mesmo como balizas seguras, porque as formas que determinavam

padrões de consumo naquela época, hoje são consideradas extintas. Claro

que as questões vitais da audição musical não se extinguiram com as

grandes gravadoras, quer dizer, o que se ouve hoje nas rádios e programas

musicais pouco difere daquilo que as multinacionais ditavam nesse

terreno, o que só prova que aquele padrão se impôs mesmo na ausência

do controle rígido dos produtores; esse alcance perene do tipo de

ouvinte/espectador resignado é o mais importante legado do mundo

fonográfico administrado.

Mas, os tais conceitos estéticos foram pensados de acordo com a

observação de alguns filósofos a partir de problemas estéticos bem

definidos: é o caso de catarse, utilizado por Aristóteles como um modo de

compreensão dos efeitos da tragédia grega sobre o público. Assim também

se deu em Kant com os conceitos de belo e sublime, num momento em que

a percepção da beleza exigia uma compreensão para além das distinções

Page 20: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

Revista Estudos Amazônicos • 65

entre sensível e suprassensível, elevando o filósofo o nível da discussão

para a compreensão fundamental sobre o juízo de gosto estético. Se

passarmos da Grécia e da Alemanha para os Estados Unidos da primeira

metade do século XX, encontraremos o filósofo alemão Theodor Adorno

forjando os conceitos de fetichismo e regressão da audição para um

entendimento das novas formas de se ouvir música, ditadas a partir do

advento do capitalismo e das formas de captação e audição técnicas da

música comercial que vinham a reboque. Foi preciso novamente que um

filósofo pensasse com novas categorias um fenômeno novo, gerado pelo

presente mutante e inexplicável à luz dos conceitos clássicos – que,

embora importantes, exigiam novas formulações, ainda que como

desdobramentos das reflexões anteriores. Sirvo-me deles aqui

marginalmente, não para ilustrar a reflexão com lances de erudição, mas

para indicar que, em nossas discussões sobre a música, o mercado, o

Estado e tudo o que cerca as produções atuais, um elemento fundamental

permanece excluído, como se não existisse; estou falando da análise

estética, i.e., do que afinal a música causa, do que ela pode exercer sobre

os ouvintes. É preciso apontar de antemão que, ao invocar a estética-

musical, não significa que se esteja propondo a manutenção de uma

pretensa crítica de gosto, distintiva, hierárquica, mas que essa reflexão

sobre as sensações poderia servir não apenas para reavivar a força perdida

da canção amazônica, mas também para ajudar a entender o poder de

arrebatamento coletivo daquilo que chamamos de cena paraense, cada vez

mais notória no ambiente de alto consumo, mas não neutralizada em suas

fontes por conta disso. A rigor, o fato de não ter sido gerado dentro de

um esquema pré-concebido, como o eram os das grandes gravadoras até

bem pouco tempo atrás, não significa que o aporte performático dessa cena

seja diferenciado; antes pelo contrário, sua penetração na TV aberta,

significa, sem sombra de dúvida, uma adesão natural aos padrões de

consumo, um recíproco espelhamento. Talvez nem fosse preciso dizer

Page 21: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

66 • Revista Estudos Amazônicos

isso, mas sem tal adesão esse material não seria veiculado – mas é essencial

reiterar à essa altura mesmo o óbvio. Dito isso, me resta introduzir este

elemento que, até onde se percebe, em nenhum momento foi introduzido

nos acalorados debates sobre a produção recente: o dado estético.

Os conceitos não andam à solta na filosofia da arte recente. Talvez a

tentativa de Rodrigo Duarte seja a mais próxima que temos ao nosso

dispor, e que ele chamou de “construto estético-social”, apontando para a

importância de se analisar com novas categorias o vasto material

produzido nas margens da sociedade de consumo organizada, ou seja,

entre os excluídos social e economicamente.3 Por isso, não basta dizer que

a música paraense em destaque é uma versão “modernizada” dos antigos

temas do estilo musical conhecido como brega paraense – como se isso

pudesse salvaguardar seu sucesso de críticas, se críticas houvesse. Afinal,

fazer sucesso não é o ponto da questão, antes é preciso perguntar o porquê

desse sucesso repentino ter acontecido de modo tão arrebatador. Opto

então em interpretar isto a partir da ideia de cesura entre uma cidade que

existiu e que não existe mais, ou que existe de forma diminuta, e que é

justamente essa tentativa desesperada de manter o passado hoje reduzido

que promove o choque; estamos diante de uma clara escolha, que

infelizmente parece definida não pelos artistas, mas pelo mecenato estatal

que os catapultou para fora do Estado vestidos em trajes finos. Hoje,

alguns deles adquiriram autonomia e seguem com suas carreiras

aparentemente desconectados do Estado, mas ainda seguindo seus

preceitos de identidade tais como definidas no projeto designado não por

acaso Terruá Pará, quer dizer, aquilo que só pode nascer graças à uma

origem terral única e bem definida – uma curiosa ironia, quando pensamos

o quanto as influências caribenhas são exaltadas quando se quer defender

a riqueza do material. É um instantâneo do que Belém hoje sintetiza e que

até há pouco não exigia mais que um riso irônico – as bases do que hoje

Page 22: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

Revista Estudos Amazônicos • 67

se chama de tecnobrega, e inúmeros artistas que se projetam colados ao

estilo, tem ramificações em uma história longa para nossos moldes, isto é,

falamos de algumas décadas quando o brega exigia o riso, ria de si, algo

muito distinto da cena atual, onde precisamos discutir se o estilo renovado

e readaptado é ou não a vanguarda da música popular do Brasil. Essa ideia

de que nossos ritmos são novos, únicos, revigorados, puros, inéditos, tudo

inventado por decreto, serve bem aos ouvintes e produtores de fora, mas

está longe de corresponder à história vista sob outro ângulo menos festivo

e mais caricato que o oficialesco. Sabemos muito bem que o que se vende

como novo é um velho produto repaginado, adaptado, cooptado, e como

talvez seja obrigatório afirmar, purificado de sua origem terral, limpo,

repaginado. Por isso é um anomalia misturar o fotógrafo Luiz Braga com

um neo-bregueiro, um equívoco que confunde os resultados, ocultando

os pontos essenciais em que cada um toca com seus esforços de

representação.

Talvez fosse possível conjecturar sobre o isolamento que acometia o

estado até bem pouco tempo, e que talvez ainda exista de algum modo. A

hipótese mais segura não deixa de ser simples: Belém foi incluída entre as

“grandes capitais” porque agora fornece bens de consumo nacionalmente

reconhecíveis – em que pese um necessário ajuste desse conteúdo a certos

moldes, como vimos. Hoje, por conta de intervenções politicas de grande

impacto, o Estado fornece modelos que podem ser consumidos por todos,

já que não estão mais restritos ao universo local. Não vejo com surpresa o

impacto que a rítmica e os modos da região causam nos ouvintes do

sudeste: não é um ritmo, uma roupa, são dezenas de variações que caem

como uma luva num ambiente de consumo hiper saturado, que exige

renovação constante de novos produtos.

A indústria cultural é onipresente e onipotente a ponto de não precisar,

ou não poder mais ser identificada, eis um dos grandes gargalos da crítica

adorniana. É pirata, logo não é indústria? É um arremedo pasteurizado das

Page 23: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

68 • Revista Estudos Amazônicos

vivências, logo não é cultura? São questões quase insolúveis e sobre as

quais ainda vamos gastar muita reflexão. É preciso pensar nas razões que

levaram o disco Treme de Gaby Amarantos ser lançado pela Som Livre,

gravadora ligada à Rede Globo, que por sua vez insere a cantora em todos

os programas de auditório de sua grade, ou isso já seria desnecessário,

afinal não estamos diante de um sistema que, em sua estratégia consagrada,

foi diagnosticado por Adorno há quase 100 anos quando ele estudou o

fenômeno radiofônico estadunidense? Não há nada de novo no cenário

da indústria da música, sem essa certeza nenhuma análise avança. Sem

dúvida o conceito forjado por Adorno e Horkheimer em 1947 é difuso

hoje, mas os motivos são mais interessantes. Gaby Amarantos talvez seja

um dos principais explicadores dessa impossibilidade de conceituar, de

comentar, de problematizar ou contextualizar corretamente seu próprio

lugar em meio à produção comercial de música no Brasil. Seria simples e

fácil ignorá-la em nome de afirmações de bom gosto, bastando para isso

elencar uma dezena de compositores brasileiros, e seu lugar estaria logo

nesse limbo onde jazem artistas populares de forte apelo midiático. Eu

deixaria isso para o que eu chamo de “críticos musicais sociais”, ou

“antropólogos globais”, para quem o tecnobrega é uma revolução cultural,

cujo núcleo ideológico irradiador seria, pasmem, a liberdade das amarras

da opressão econômica e política do Estado – sim, do mesmo Estado que

o financiou e o projetou nacionalmente; sinceramente, é uma visão tão

esdrúxula quando analisada a partir da aliança entre cultura e uma política

provinciana e autoritária como a paraense, que não cabem comentários. É

por isso que insisto num desvio mais do quem numa crítica musical que

seria ineficiente se fosse apenas uma confrontação de discos ou de

músicas: a discussão sobre o que é motivo de orgulho e de ressentimento

nos ouvintes paraenses, ou nos compositores paraenses, oculta a certeza

de que há dentro do hiato de 30 anos ao qual me referi acima, a chave de

Page 24: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

Revista Estudos Amazônicos • 69

nossa contribuição para um estilo que me interessa antes de qualquer outra

coisa, a canção amazônica. A meu ver, jaz sobre um manto de

esquecimento uma outra história, proscrita, derrotada e inaudita. Isso não

pode ser julgado a partir de maniqueísmos entre bom e mal, pobre e rico;

estou dizendo que precisamos distinguir estilos que, avaliados de dentro

de uma certa crítica estética, mostram claramente duas intenções em suas

construções, e é de efeitos que a arte moderna sobrevive. A canção

amazônica clama por uma crítica que não vem, o tecnobrega dispensa a

crítica.

Tudo isso que irradia desde o Pará hoje, por mais importante que seja

do ponto de vista social, como muitos defendem – mas no qual eu não

creio – nunca é tratado a partir do que há de mais elementar na questão da

percepção musical, e talvez não seja mesmo o caso. Sobre a questão social,

vale lembrar a alegação daqueles que retomam, por exemplo, a origem

humilde da cantora para legitimar seu trabalho como uma “voz dos

oprimidos”, uma voz revolucionária e periférica. Essa defesa do conteúdo

ideológico é na verdade um argumento falho, porque o que está em pano

de fundo é a defesa não do suposto conteúdo perturbador, de resto

inexistente, mas dos aspectos mercadológicos da cena musical. Os

Racionais de Mano Brown nunca vão tocar numa novela da Globo, porque

o conteúdo ideológico causaria um curto-circuito imediato; a música

paraense padronizada pela mão dos produtores importados toca porque

não representa um enfrentamento ideológico. Mas vejam, ela não precisa

representar isso, ela não se presta ao discurso politico, afinal ela é sua

aliada. Musicalmente, se quiserem, podemos dizer que isso nada tem a ver

com ouvir, assimilar, memorizar, ensinar, antes se relaciona com ver,

conduzir, arrebatar e extravasar. Por isso a luz pop orgulha seus fiéis, mas

é por isso também que o lado sombrio do Estado e a decadência da cidade

de Belém permanecem esquecidos diante desse orgulho ufanista tolo e,

para falar claramente, despolitizado. Isso tudo, notemos, acaba por ocultar

Page 25: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

70 • Revista Estudos Amazônicos

esse outro ouvinte envergonhado, que ouso diagnosticar como sendo

aquele para quem a música ainda é da ordem da contemplação, da

tranquilidade e do silêncio.

Eu poderia elencar, de memória, duas dezenas de compositores, cada

um com sua especificidade e valor lítero musical próprio dentro do que

chamo aqui de canção amazônica – e que não deve ser confundido com

algo puro, isolado, antes como um espelho dos cruzamentos culturais

ocorridos naquele ambiente através dos séculos – mas fico com um

emblema, o protótipo do que chamei no inicio desta fala de paradigma: o

compositor Walter Freitas, que ousou forjar uma obra que é, ao mesmo

tempo, integralmente amazônica e um dos maiores experimentos musicais

que o Brasil já produziu. A crítica estético-musical de origem filosófica

jamais compreenderia como, de dentro do ambiente popular, uma forma

musical dependente do mercado como é a canção, pudesse ser um

antídoto contra seus efeitos. É um fenômeno ibérico e, em sua face

propriamente brasileira, uma construção formal sem paralelos na história

da música urbana. Walter Freitas é um antídoto porque é o ponto mais

alto da música popular amazônica, e paradoxalmente é, ao mesmo tempo,

o dispensável, aquilo de que ninguém precisa. É uma questão política, não

esqueçamos. O Estado deveria mobilizar parte de seu aparato para que

obras como a deste compositor fossem veiculadas e estudadas, não por

favorecimento, mas por seu empenho e liberdade criativa. Muitos de nós

ainda fazemos e pensamos a música paraense com os olhos voltados para

sua contribuição, como uma forma de emular sua hombridade, ainda que

nunca possamos alcançá-lo em sua radicalidade e racionalidade

composicional. Não se trata, como espero deixar claro, de uma defesa da

permanência das formas ultrapassadas, de um elogio do antigo, porque o

que chamam hoje de futuro é uma construção falsa, não uma ruptura,

Walter Freitas foi uma ruptura e esta possibilidade de reinvenção teve seu

Page 26: Belém: Música e Identidade na Cidade Plural

Revista Estudos Amazônicos • 71

momento de efetivação através dele, mas foi um momento, e ele passou.

A paráfrase de Benjamin aqui não é um enfeite: “Insensatos os que

lamentam o declínio da crítica. Pois sua hora há muito tempo já passou”

(Rua de mão única, “Estas áreas são para alugar”). Cerquemos a questão

“esquecendo” a música – que já está, de algum modo esquecida e

resignada, e pensemos sobre o ambiente que gerou a cena recente e que é

um espelho do nosso tempo.

Quem é este espectador-ouvinte que chamo de estético e que se

resguarda na audição de canções e temas antigos ou que remetem a esse

tempo mais recuado? Por quê diferenciar esse consumidor daquele que

chamamos de ouvinte médio? Certamente não é para recolocar a velha

questão entre arte séria e ligeira, afinal sequer entramos no domínio da dita

arte séria, estamos imersos no ambiente popular. A resposta é simples: o

ouvinte de canções (amazônicas ou não) é hoje o mesmo que lê a poesia

de Max Martins, que enxerga o que está por trás de uma fotografia de

Paula Sampaio ou de Luiz Braga, os leitores de Dalcídio Jurandir e

Haroldo Maranhão, os que leem Benedito Nunes para além do

movimento funesto de incensá-lo como um totem do patrimônio da

cidade. A humanidade destruiu mais do que criou, mas entre suas

contribuições mais importantes, a arte ocupa um lugar exemplar, e a

canção brasileira deve ser alocada entre essas contribuições, contra

qualquer tipo de hierarquia. É preciso ousadia para caminhar na direção

contrária aos movimentos dessa história monumental onde não nos

sentimos integrados. Não precisamos apenas de tempo livre, tempo de

sobra, estamos falando de outro tempo, e que podemos chamar de tempo

de dentro. Esse tempo quase perdido, que podemos dividir com um outro

ou com outros, é o tempo que se impacienta com a velocidade, com a

lepidez do trânsito, com a agonia dos ruídos, com a invasão do espaço

sonoro, com a ruidosa exposição de ultrajes autoindulgentes expostos no

mero ato de se colocar a caixa de som na janela, só que virada para a rua.

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72 • Revista Estudos Amazônicos

É certo que esse ouvinte ainda existe, mas também é certo que a

comiseração de alguns deles por aqueles que considera estúpidos tem

muito de intolerância e de hierarquia social. O bom gosto não é uma

conquista da civilização, eis uma frase lapidar que serve bem para a

ocasião. Mas insisto que é um tipo de ouvinte que não pode ser ignorado

por seu aparente anacronismo, por julgar que ele não acompanha o

presente, o que está em voga, enfim, nosso sucesso nacional. A música

não deve ser ditada apenas por sua capacidade de venda e popularidade,

como parecem acreditar especialistas em economia.4

Não existe nenhuma forma de negar que tantas esferas distintas da

produção musical paraense são frutos do meio social, i.e., a experiência da

cidade não gerou algo uniforme, homogêneo e idêntico. Pares tão distintos

como este que tomamos por extremos aqui sempre foram comuns,

sempre conviveram em silenciosa harmonia. Talvez a força midiática do

tecnobrega e seus derivados cause espanto, inveja, ressentimento, talvez

seja apenas recalque dos que se incomodam com sua projeção, mas isso

não pode guiar nossas reflexões. Tudo isso que movimenta o debate

recente carece, a meu ver, de algo essencial, e que está além até mesmo do

plano estético: tentar pensar a cidade que gerou essa música sôfrega que

tanto se difere daquele ambiente perdido do qual muitos lamentam o fim.

E um alerta: o que está na superfície não representa o todo do que se faz

e do que existe, isto é, os vencidos e sua música não estão sepultados na

proscrição da incapacidade de ouvir; muitos estão vivos e produtivos,

ainda que soterrados. Obras inteiras podem se desenvolver sob este manto

da obscuridade e, ainda assim, pertencerem ao mundo, ao que existe, à

criação. Claro que no mundo da hiper fetichização é cada vez mais difícil

acreditar em algo que não se vê, e no nosso caso, em algo que não se ouve.

Permitam-me garantir que essas obras existem, e nem sempre a história

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Revista Estudos Amazônicos • 73

dos fracassos midiáticos sobre a qual elas se assentam as torna menos

importantes.

Belém mudou junto com o mundo, o que só comprova seu antigo traço

cosmopolita, oculto pela distância e pela ignorância. Essa mudança muitas

vezes não é percebida por quem vive nela – podemos fazer uma analogia

com a impressão que os outros tem das crianças quando as encontram

depois de um breve intervalo de tempo e as julgam diferentes, muito

modificadas, enquanto os pais nada perceberam de tão radical. Sair de

Belém e depois voltar é encontrar a criança maior e mais agitada, enquanto

os parentes acham que está cada vez mais viva, mais intensa, mais

desenvolvida. Os que teimam na contemplação dos grandes feitos

estéticos da humanidade, onde se resguarda parte da nossa música, da

nossa fotografia, da nossa literatura e do nosso teatro não são intolerantes,

mas apenas reticentes à essa mudança irrefreável travestida de futuro. São

minoria e inofensivos. Não podem acompanhar o frenesi e o delírio,

tampouco desacelerar os que já andam a léguas de distância da calmaria do

ler, do ver e do ouvir. É um embate vão. É tentar retroceder a um

momento de serenidade no contra fluxo da multidão arrebatada. A música

mudou e fez do ato de ouvir um puro choque, uma cesura que partiu ao

meio a sensibilidade.

Artigo recebido em julho de 2014

Aprovado em setembro de 2014

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74 • Revista Estudos Amazônicos

NOTAS

* Professor de filosofia da EFLCH/UNIFESP e pesquisador do CNPq. Este ensaio constitui a 2ª versão deste texto, publicado originalmente na revista ArteFilosofia, Ouro Preto, n. 14, julho 2013. 1 Este texto se utiliza de um material musical reduzido. Para que os leitores possam ampliar o foco, julgo fundamental mencionar alguns nomes, indispensáveis aos não familiarizados com a produção musical do Estado do Pará: Nilson Chaves, Walter Freitas, Ronaldo Silva, Edir Gaya, Almino Henrique, Paulo Uchôa, Alfredo Reis, Mário Moraes entre dezenas de outros, são artistas centrais para o entendimento da história da música popular do Pará. Um livro com muitos problemas de precisão das informações, mas que pode ser consultado como uma boa listagem é A música e os músicos do Pará, de Vicente Salles (Belém, Secult/Seduc/Amu, 2ª ed., 2007). Esta ponderação é fundamental, na medida em que, alguns mais outros menos, vários desses compositores conseguiu projeção fora do Estado, ainda que uma projeção restrita a certos círculos de consumo. Outros, como o compositor Walter Freitas, são desconhecidos mesmo nos circuitos alternativos, mas criaram obras de grande significado para o que se poderia chamar de uma estética musical popular amazônica, ainda que no caso deste estejamos falando de apenas um disco, Tuyabaé Cuaá. Recentemente, foi defendida uma Dissertação de Mestrado na PUC/SP sobre sua obra, com uma pesquisa da musicista e pesquisadora Marlise Borges: Do Registro ao Documentário: uma tradução verbo-visual-sonora na Amazônia, orientada por Jerusa Pires Ferreira, e que dá bem a dimensão de seu único registro fonográfico, Tuyabaé Cuaá, (Outros Brasis, 1987). 2 Hoje podemos acessar parte desse material num conjunto de CDs lançados pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo em parceria com o SESC-SP: Mário de Andrade, Missão de Pesquisas Folclóricas, caixa com 06 CDs, São Paulo, 2006. E também no DVD Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. Prefeitura de São Paulo, 2010. 3Sobre este conceito, remeto para dois textos do autor: “O critério adorniano” (http://www.revistatropico.com.br/tropico/html/textos/3156,1.shl) foi publicado num dossiê sobre audição musical organizado por mim para a revista eletrônica Trópico: ideias de norte a sul, do site UOL; sugiro também o artigo original onde o conceito foi explicitado: Rodrigo Duarte, “Sobre o construto estético-social”, in Revista Sofia – vol. XI – nº 17 e 18 – 2007. 4 Ver Ronaldo Lemos e Oona Castro. Tecnobrega. O Pará reinventando o negócio da música.

Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. Neste completo estudo sobre a comercialização do Tecnobrega não existem fatores artísticos em jogo, quando muito se fala em novo estilo; o movimento se explica por sua capacidade de disseminação mercadológica. O livro é o estudo mais completo sobre o ritmo, rico em informações e farto de estatísticas e gráficos para consulta. Pode-se ainda encontrar dados históricos sobre os antecedentes do ritmo, o chamado brega paraense. Estudos como este demonstram que são necessários critérios alheios à audição e apreciação musical para dar conta de sua dinâmica atual, ou mais, de que é dispensável discorrer sobre questões de ordem qualitativa, a essa altura, julgam eles, inúteis. Nesse ponto, o estudo supracitado é quase um divisor de águas nos estudos de economia da cultura.